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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE MURIAÉ – MG O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, pelos Promotores de Justiça em exercício na Comarca de Muriaé, no uso de suas atribuições legais, legitimado pelo art. 120, incisos II e III, da Constituição do Estado de Minas Gerais; art. 25, incisos IV, alínea “a”, e VI, e art. 27, incisos I e II, da Lei 8.625/93; art. 66, incisos IV, VI, alínea “a”, e VIII, da Lei Complementar Estadual 34/94 e art. 5º da Lei 7.347/85, vem, com base no Inquérito Civil 001/2007 – 1ª e 4ª Promotorias de Justiça de Muriaé (Curadorias da Infância e Juventude, Execução Penal e Direitos Humanos), cujo teor passa a fazer parte integrante desta petição, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR em face do ESTADO DE MINAS GERAIS – Pessoa Jurídica de Direito Público Interno – que deverá ser citado na pessoa de

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE

DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE

MURIAÉ – MG

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE

MINAS GERAIS, pelos Promotores de Justiça em exercício

na Comarca de Muriaé, no uso de suas atribuições legais,

legitimado pelo art. 120, incisos II e III, da Constituição do

Estado de Minas Gerais; art. 25, incisos IV, alínea “a”, e VI, e

art. 27, incisos I e II, da Lei 8.625/93; art. 66, incisos IV, VI,

alínea “a”, e VIII, da Lei Complementar Estadual 34/94 e art.

5º da Lei 7.347/85, vem, com base no Inquérito Civil

001/2007 – 1ª e 4ª Promotorias de Justiça de Muriaé

(Curadorias da Infância e Juventude, Execução Penal e

Direitos Humanos), cujo teor passa a fazer parte integrante

desta petição, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA

COM PEDIDO DE LIMINAR em face do ESTADO DE

MINAS GERAIS – Pessoa Jurídica de Direito Público Interno

– que deverá ser citado na pessoa de seu representante legal,

o Ex.mo Sr. Governador AÉCIO NEVES DA CUNHA, com

endereço na Praça da Liberdade, s/n, Bairro Funcionários,

CEP 30140-912, Belo Horizonte – MG, consoante art. 12,

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inciso I, do Código de Processo Civil, pelos fatos e

fundamentos a seguir expostos:

DOS FATOS

As Promotorias de Justiça com atribuição nas

Curadorias da Infância e Juventude, Execução Penal e

Direitos Humanos instauraram Inquérito Civil, visando a

apurar as precárias condições de funcionamento da Cadeia

Pública de Muriaé, decorrente de superlotação, falta de

segurança, ausência de condições de higiene, bem como

acautelamento indevido de adolescentes, ocasionando risco à

população carcerária e circunvizinha, haja vista que o

referido estabelecimento prisional encontra-se localizado em

um bairro residencial.

A Cadeia Pública de Muriaé – MG, situada na

Rua José de Freitas Lima, n. 2, Bairro Safira, nesta cidade,

subordinada à Secretaria de Defesa Social do Estado de

Minas Gerais, vem sujeitando os detentos a condições

degradantes, mormente por estar em precário estado de

conservação. Construído em 1981, o estabelecimento

recebeu uma reforma no ano de 1999, sem que houvesse,

todavia, aumento efetivo de sua capacidade.

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O referido imóvel – com mais de 25 anos de

uso, situado em área residencial, erguido em alvenaria,

abriga a sede da Cadeia Pública, bem como da Delegacia de

Polícia da Comarca de Muriaé – MG, sendo flagrantemente

insatisfatória a infra-estrutura do local.

Conforme relatório de vistoria realizado pelo 2º

Pelotão do Corpo de Bombeiros de Muriaé, a edificação não

conta com sistema de proteção por extintores de incêndio,

não tendo sido apresentado o PSCIP – Processo de

Segurança contra Incêndio e Pânico. Além disso, existe

fiação elétrica exposta por todo o prédio.

Observa-se, portanto, o iminente risco

existente na Cadeia Pública de Muriaé – MG, haja vista que,

na hipótese de eventual incêndio – que facilmente pode

acontecer, grande é a chance de ocorrerem mortes por

asfixia, já que o mencionado estabelecimento prisional não

possui sequer extintores para combater o fogo, valendo

ressaltar que a situação vem se agravando com o decorrer do

tempo.

Inobstante a edificação não possuir condições

de oferecer um mínimo de dignidade aos detentos, bem como

segurança aos vizinhos e à comunidade muriaense como um

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todo, o estabelecimento continua em funcionamento e, pior

que isso, superlotado.

Conforme informação prestada pelo Diretor da

Cadeia Pública local, a população carcerária é de

aproximadamente 140 homens, incluindo adolescentes

infratores, ocasionando uma situação absolutamente

insustentável, seja do ponto de vista dos recolhidos, seja em

consideração à segurança da comunidade local.

Vale ressaltar que as irregularidades não se

limitam à superlotação, abrangendo também as condições de

aeração, higiene e segurança da carceragem.

A falta de segurança, inclusive, pôde ser

facilmente verificada por meio das fugas que ocorreram há

alguns meses, havendo constante ameaça à segurança dos

vizinhos do estabelecimento prisional, bem como dos

funcionários da Delegacia de Polícia local, que estão

expostos a toda sorte de riscos, vez que ocupam o mesmo

prédio onde se situa a Cadeia Pública.

Conforme salientado alhures, a possibilidade

de ocorrerem curtos circuitos e incêndios é grande, em

virtude das péssimas condições das ligações elétricas do

imóvel. Na hipótese de ocorrer um incêndio, todos os que ali

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estiverem estarão correndo risco. Não haverá tempo, nem

condições para que sejam abertas as celas a fim de que

possam sair.

Como se pode observar, a Cadeia Pública de

Muriaé encontra-se em total desacordo com as disposições

do art. 88, parágrafo único, “a” e “b”, bem como do art. 92,

ambos da Lei de Execução Penal, valendo ressaltar que os

referidos dispositivos legais estabeleceram requisitos

mínimos de salubridade ambiental, condições sanitárias e

tamanho das celas.

Também não se olvide que, na Cadeia Pública

de Muriaé, condenados cuja sentença já transitou em julgado

dividem cela com presos, o que fere o disposto no art. 84 da

LEP.

DA SITUAÇÃO DOS MENORES

ACAUTELADOS/INTERNADOS

A Cadeia Pública de Muriaé registra, hoje, a

lotação de 18 menores, cumprindo medida sócio-educativa

ou acautelados provisoriamente. Nas celas em que estão, não

existem maiores, entretanto, tais dependências estão no

mesmo espaço físico das celas destinadas aos maiores.

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Tal número, porém, não expressa a real

necessidade de vagas. Existem muitos outros menores que

respondem a procedimentos em trâmite nesta Comarca que

estão acautelados/internados nas Cadeias Públicas de

Eugenópolis e de Miradouro.

As celas em que estão ‘depositados’ os

menores, tal qual as que são destinadas aos maiores, não

possuem instalações adequadas. O pessoal que faz o

atendimento aos menores são os abnegados funcionários da

Polícia Civil que acumulam as funções inerentes aos

respectivos cargos e a de prestar atendimento aos menores,

sem ter qualquer qualificação para o desempenho desse

mister.

Como prova do narrado, tem-se que a situação

caótica dos adolescentes em conflito com a lei,

desafortunadamente, gerou um bárbaro crime. Em 14 de

fevereiro de 2008, um adolescente acautelado

provisoriamente foi assassinado por outro, que cumpria

medida sócio-educativa de internação.

Isso significa que os adolescentes em conflito

com a lei não estão sendo atendidos da forma preconizada no

Estatuto da Criança e do Adolescente, cuja proposta

ressocializadora e educativa vem sendo olvidada. É

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impossível reinserir o jovem na comunidade, depositando-o

na cadeia pública e condenando-o ao confinamento e ao ócio

improdutivo e gerador de mazelas.

Eis a situação que oprime os adolescentes em

conflito com a lei e todo o aparato da Curadoria da Infância e

da Adolescência, do Conselho Tutelar, do Conselho Municipal

dos Direitos da Criança e do Adolescente da Comarca de

Muriaé e da comunidade.

DA INADMISSÍVEL DEGRADAÇÃO HUMANA

Como se pode verificar das vistorias realizadas,

os presos/acautelados/internados da Cadeia Pública de

Muriaé são submetidos a uma inadmissível degradação

humana ocasionada pela omissão do Estado.

Diante disso, a posição do Ministério Público é

clara: se por um lado exerce seu mister promovendo as ações

penais e procurando defender a sociedade daqueles que

atentam contra os bens juridicamente protegidos, por outro,

também zela pelo cumprimento escorreito da lei e da

execução penal. Por isso, não pode o Parquet compactuar

com a degradação humana dos detentos.

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Frise-se que a questão vem sendo debatida há

tempos sem adoção de qualquer medida satisfatória por

parte do Estado, urgindo a adoção de uma solução para o

problema.

Acrescente-se que sequer há possibilidade de

descanso para os detentos, pois o número de acomodações é

insuficiente. Nos dias de calor (muito freqüentes em Muriaé)

é insuportável a aglomeração de várias pessoas em uma

mesma cela.

O verdadeiro caos imperante na Cadeia Pública

de Muriaé, ao arrepio de garantias individuais previstas na

Constituição Federal, em Tratados Internacionais e na

própria Lei de Execução Penal, suprime o status dignitatis

dos detentos.

Trata-se de verdadeiro depósito de seres

humanos, aglutinados e amontoados, sem critérios objetivos

de separação, sem um mínimo de dignidade. A

superpopulação criou uma situação carcerária desumana

para aqueles que, já privados da liberdade, acabam sendo

privados de outros direitos inerentes à vida.

O estado de deterioração do prédio (fétido,

imundo, com mofo, gerando perigo de curtos-circuitos e

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incêndios, facilitando a proliferação de doenças), a

ocorrência de excesso populacional, a falta de acomodações

e condições de higiene são circunstâncias que, agrupadas,

levam o ser humano ao desespero, só havendo duas saídas

sob a óptica subjetiva do detento: eliminar o excesso

populacional, por meio de homicídios contra os mais fracos,

ou a fuga, valendo ressaltar que algumas mortes já

ocorreram dentro das celas da Cadeia Pública de Muriaé,

uma delas bem recentemente.

DO PÂNICO E INSEGURANÇA DA COMUNIDADE

As aterrorizantes informações apresentadas

conduzem a uma lamentável e inevitável conclusão: a

situação da Cadeia Pública de Muriaé gera pânico, temor,

degradação, insegurança e desgraça não somente aos

detentos, mas também à comunidade como um todo,

principalmente aos vizinhos do citado estabelecimento

prisional.

Toda a população muriaense está exposta a

sério risco. Na hipótese de ocorrerem fugas e rebeliões,

qualquer pessoa é colocada em estado de pânico e risco, pois

sempre existe a possibilidade de reféns, de invasões a

domicílios, roubos, agressões, além de mortes (dada a

possibilidade de haver disparos de arma de fogo). Não se

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pode, outrossim, olvidar que a Cadeia Pública de Muriaé

situa-se em área central da cidade, em rua com inúmeras

residências, onde diversas pessoas – inclusive crianças e

adolescentes, transitam diariamente.

CONCLUSÃO DOS FATOS APRESENTADOS

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Dos fatos apresentados, conclui-se, com

extrema facilidade, que a deterioração da Cadeia Pública

local, aliada à desumana situação a que estão submetidos os

encarcerados, gera situação de perigo à população como um

todo.

Não há dúvida de que o imóvel é totalmente

inadequado, valendo ressaltar que somente a construção de

um novo prédio poderá garantir o respeito às regras e

parâmetros estabelecidos na Lei de Execução Penal. Busca-

se por meio da presente ação, portanto, a completa

desativação da Cadeia Pública local.

DO DIREITO

É indiscutível que a atual conjuntura da Cadeia

Pública de Muriaé expõe os detentos não só a risco de morte,

mas também a tratamento desumano, tornando a prisão

absolutamente cruel. Nega-se, aos encarcerados, o mínimo

de dignidade, havendo verdadeira afronta a dispositivos e

garantias constitucionais, a saber:

Art. 1º, III, da CF:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

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[...]III – a dignidade da pessoa humana;

Art. 5º, caput, da CF:

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Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:

Art. 5º, III, da CF :

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

Art. 5º, XLVII, “e”, da CF :

XLVIII- não haverá penas:[...]e) cruéis.

Art. 5º, XLVIII, da CF:

XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.

Art. 5º, XLIX, da CF:

XLIX – é assegurado aos presos/acautelados/internados o respeito à integridade física e moral.

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Não bastasse o desprezo às garantias básicas e

essenciais do cidadão preso, e da própria pessoa humana,

previstas como direitos sagrados na Lei Maior, constata-se

que a situação em que os detentos se encontram também

colide frontalmente com inúmeras outras determinações

legais, notadamente no que diz respeito à adequação do

estabelecimento prisional.

De fato, a Lei 7.210/84 (LEP) estabelece:

Art. 102. A cadeia Pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios.

Art. 104. O estabelecimento de que trata este Capítulo será instalado próximo de centro urbano, observando-se na construção as exigências mínimas referidas no art. 88 e seu parágrafo único desta Lei.

Por seu turno, o art. 88 da LEP estabelece que:

O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:a)salubridade do ambiente pela concorrência dos

fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

b)área mínima de seis metros quadrados.

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E não é só. Além de direitos e garantias

constitucionais e legais, o Estado também afronta acordos

internacionais relativos a direitos humanos dos quais o Brasil

é signatário. Observe-se:

Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Art. V – Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano, ou degradante.

Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos:

Art. 10.

1. Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana.

2. a) As pessoas processadas deverão ser separadas, salvo em circunstâncias excepcionais, das pessoas condenadas e receber tratamento distinto, condizente com sua condição de pessoas não condenadas.

Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.

Art. 16.

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1. “Cada Estado-parte se comprometerá a proibir, em qualquer território sob sua jurisdição, outros atos que constituam tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes que não constituam tortura tal como definida no artigo 1º, quando tais atos forem cometidos por funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência. Aplicar-se-ão, em particular, as obrigações mencionadas nos artigos 10, 11, 12 e 13, com a substituição das referências a outras formas de tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

Convenção Americana dos Direitos Humanos:

Art. 5º Direito à integridade pessoal

1.Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

2.Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos, ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.[...]

4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e devem ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas.

Convém lembrar que, de acordo com o § 2º do

art. 5º da Carta Magna:

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Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Por outro lado, como dito alhures, os fatos aqui

narrados não afrontam unicamente direitos a garantias dos

cidadãos presos/acautelados/internados, mas da comunidade

como um todo, principalmente dos mais próximos ao

estabelecimento prisional, sendo-lhes negados os sagrados

direitos à incolumidade física, tranqüilidade e segurança.

A esse respeito, afora o já transcrito art. 5º,

caput, da CF, outros dispositivos merecem lembrança:

Art. 6º da CF:

São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 144 da CF:

A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos :[...]

Art. 227 da CF :

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É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Art. 5º do ECA:

Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Art. 17 do ECA:

O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica, e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Art. 18 do ECA:

É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Assim, verifica-se que os fatos trazidos à tona

infringem direitos e garantais constitucionais e legais não só

dos presos/acautelados/internados, como também da

coletividade.

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DO CABIMENTO DA AÇÃO E DA

LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A presente ação tem amparo na Lei Federal

7.347/85, que introduziu em nosso direito a ação civil

pública, para a proteção dos chamados interesses difusos,

legitimando o Ministério Público para a propositura.

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Com o advento da Constituição Federal de

1988, foram alargadas as hipóteses de cabimento da ação

civil pública, sendo incluídos, por exemplo, os interesses

coletivos (CF, art. 129, III).

Mais recentemente, o Código de Defesa do

Consumidor, em seus artigos 81 a 110, além de disciplinar os

conceitos de interesses difusos e coletivos, incluiu os

interesses individuais homogêneos no rol daqueles

protegidos pela ação civil pública e, acrescentando um inciso

ao art. 1º da Lei 7.347/85, colocou sob o manto do instituto a

defesa de “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”.

Indubitável, portanto, a legitimidade do

Ministério Público para a propositura da presente ação,

valendo ressaltar que a temática enfocada não diz respeito

apenas ao interesse individual dos

presos/acautelados/internados recolhidos na Cadeia Pública

local.

Em verdade, no atual estado em que se

encontra o citado estabelecimento prisional, qualquer pessoa

que venha a ser presa virá a sofrer o mesmo desrespeito aos

seus direitos constitucionais. E não se olvide que qualquer

um está sujeito a ser preso.

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Na hipótese de rebelião/fuga, inúmeros

policiais, civis e militares, irão se ferir. Os fugitivos ou

rebelados podem fazer qualquer pessoa refém.

Daí porque o interesse em fazer cumprir as

normas citadas é verdadeiramente difuso, cujos sujeitos

interessados não são individualizáveis. In casu, a intenção

não é apenas resgatar os direitos e garantias constitucionais

dos presos/acautelados/internados, mas, primordialmente, da

população da Comarca de Muriaé.

O Estado tem o dever de garantir a segurança

pública e não pode gerar indesejável insegurança difusa com

a omissão na tomada das pertinentes medidas contra o caos

estabelecido na Cadeia Pública de Muriaé.

Cabe, pois, afirmar que qualquer garantia

individual, limite para a ação ou omissão estatal, impõe-se

como interesse difuso, ínsito a toda sociedade, pois dela

depende a dignidade de cada um de seus membros.

Mencione-se, ainda, o risco de proliferação de

doenças, que não se restringe aos

presos/acautelados/internados, mas também aos visitantes

da Cadeia, funcionários e moradores da vizinhança, todos

igualmente sujeitos a contaminação.

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Ressalte-se que, ainda que os interesses sob

análise sejam considerados individuais homogêneos, não há

como lhes negar a natureza indisponível. Ou outra qualidade

poderia ser atribuída ao direito à vida, à saúde, à dignidade,

à incolumidade física e à segurança?

Como demonstrado linhas acima, a

legitimidade do Ministério Público permanece ainda que se

tenha em vista a tutela de interesses individuais

homogêneos, desde que eles sejam qualificados pela

indisponibilidade, como no presente caso.

DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO

Conforme dispõe o art. 2º da Lei 7.347/85, as

ações civis públicas devem ser propostas no foro do local

onde ocorre o dano. Logo, a presente ação deve ser

processada e julgada nesta comarca, local onde ocorre o

dano decorrente da omissão estatal.

DO PEDIDO LIMINAR

A Lei 7.347/85, que regula a matéria

procedimental da ação civil pública, em seu artigo 12, prevê

a hipótese de medida liminar, face a eventual necessidade de

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tutela assecuratória instrumental ao objeto da tutela

jurisdicional principal, de cunho cognitivo, garantindo a

efetividade desta.

A tutela liminar subordina-se ainda, na espécie,

aos requisitos previstos no artigo 798 do CPC, consagrados

na doutrina como sendo o periculum in mora e o fumus boni

juris.

Humberto Theodoro Júnior, como sua

reconhecida autoridade, ensina que:

A doutrina resume as condições ou requisitos da tutela cautelar em: um dano potencial, um risco que corre o processo principal de não ser útil ao interesse demonstrado pela parte, em razão do “periculum in mora”, risco este que deve ser objetivamente apurável; a plausividade do direito substancial invocado por quem pretenda segurança: “fumus boni juris”.1

In casu, o fumus boni iuris advém da relevância

do fundamento do pedido, bem como da plausibilidade de

ocorrência dos fatos alegados, havendo flagrante desrespeito

às normas vigentes.

Por seu turno, o periculum in mora

consubstancia-se pelo risco iminente de frustração da tutela

jurisdicional principal, caso ela não seja assegurada de 1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. Pág. 73. Ed. Universitária de Direito.

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imediato, valendo ressaltar que eventual demora no

deferimento dos pedidos formulados pelo Parquet poderá

ocasionar inúmeras tragédias, e muitas vidas poderão ser

ceifadas. Evitar-se uma única morte que seja, evidentemente,

já constitui justificativa plausível para a concessão da

pretendida liminar.

Como se pode observar, o deferimento da

liminar é medida que se impõe, haja vista que, conforme

restou demonstrado, a Cadeia Pública de Muriaé não possui

condições de segurança, higiene e aeração. Além do mais,

desde a construção do imóvel (que se deu em 1981) até a

presente data, a população da comarca cresceu

aproximadamente 50% (cinqüenta por cento).

Concomitantemente, houve um expressivo aumento do

número de ocorrências policiais, mormente por crimes

violentos e correlatos ao tráfico ilícito de substâncias

entorpecentes. Está claro, portanto, que a Cadeia Pública de

Muriaé não atende às atuais necessidades da comarca.

Algumas hipóteses podem ser sucintamente

levantadas para demonstrar a imperatividade da medida:

1. fuga em massa, colocando em risco a vida e

a saúde dos fugitivos, dos policiais que

deverão recapturá-los, das pessoas que

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podem ser tomadas como reféns, e da

população em geral;

2. risco de epidemia em virtude da falta de

condições de higiene, podendo atingir os

presos/acautelados/internados, funcionários

e os visitantes;

3. perigo de invasão das residências e de

outros estabelecimentos vizinhos em caso de

fuga;

4. rebelião interna com danificação ou

destruição do prédio;

5. incêndios em decorrência de péssimas

condições elétricas, agravadas pela

superlotação;

6. perigo da prática de atos de violência entre

os presos/acautelados/internados, em busca

de espaço nas celas, dentre outras

hipóteses.

Notório que não se deve aguardar a ocorrência

de uma tragédia maior para só então tomar-se uma

providência. Tal atitude redundaria, inegavelmente, em

verdadeira desgraça, além de acarretar sério desprestígio às

autoridades constituídas.

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Deve-se, ao contrário, agir preventivamente, de

modo a evitar um mal maior. Os eventos listados acima não

se tratam de ocorrências imaginárias ou improváveis. Muito

pelo contrário, são previsíveis e iminentes.

O Estado, omisso, age de maneira

absolutamente irresponsável, expondo a risco um

contingente indeterminado de pessoas. Essa situação não

pode perdurar sequer por mais um único dia, sob pena de

danos irreversíveis.

Consoante o já mencionado art. 12 da Lei

7.347/85, é cabível a concessão de medida liminar, com ou

sem justificação prévia, nos próprios autos da ação civil

pública, sem a necessidade de se ajuizar ação cautelar.

Requer-se, pois, dado o caráter emergencial da

hipótese em testilha, a concessão de medida liminar,

consistente na expedição de ordem para interdição da Cadeia

Pública de Muriaé, independentemente da audiência do réu,

a despeito do art. 2º da Lei 8.437/92, uma vez que, repise-se

a exaustão, eventual demora no deferimento do pleito poderá

gerar danos irreparáveis.

DOS PEDIDOS

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Ex positis, o Ministério Público requer a

concessão da medida liminar, nos termos do art. 12 da Lei

7.347/85, a fim de que:

a) seja determinado ao requerido, no prazo

improrrogável de dez dias, que leve a efeito

obrigação de fazer consistente na

transferência dos

presos/acautelados/internados provisórios e

condenados que estão recolhidos na Cadeia

Pública local e são provenientes de outras

comarcas, sob pena de multa diária no valor

de R$30.000,00 (trinta mil reais), corrigida

pelo índice oficial em vigor, a ser revertida

em favor do Fundo Penitenciário Estadual

criado pela Lei 11.402/94;

b) seja determinado que o requerido leve a

efeito obrigação de fazer, consistente em

manter, na Cadeia Pública local, tão

somente os presos/acautelados/internados

provisórios desta comarca, abstendo-se de

remover presos/acautelados/internados de

outras cidades para Muriaé, e em designar

funcionários em número adequado e com

capacidade para efetivamente trabalharem

no local, sob pena de multa diária de

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R$10.000,00 (dez mil reais) por preso de

outra comarca, corrigida pelo índice oficial

em vigor, a ser revertida em favor do Fundo

Penitenciário Estadual criado pela Lei

11.402/94;

Requer o Parquet, outrossim:

a) seja o requerido citado, na pessoa do seu

representante legal, para responder aos

termos da presente ação, sob pena de

revelia;

b) seja dado ciência da propositura da

presente ação, por meio do

encaminhamento de cópia desta petição e

das peças de informação que a instruem,

aos Poderes Executivo e Legislativo desta

comarca, bem como ao Delegado Regional

de Polícia Civil e à Secretaria de Defesa

Social de Minas Gerais.

c) a procedência dos pedidos a fim de que o

requerido, sem prejuízo das demais

cominações legais: c.1) seja condenado à

obrigação de fazer consistente em construir,

dentro do prazo de um ano, uma nova

Cadeia na cidade de Muriaé – MG, sede da

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comarca, a fim de garantir, aos detentos,

adequadas condições de higiene, aeração,

saúde e segurança, nos exatos termos do

que dispõem os arts. 1º, III, e 5º, III, da

Constituição da República, c/c os arts. 88 e

104 da Lei 7.210/84, sob pena de multa

diária de R$50.000 (cinqüenta mil reais),

corrigida pelo índice oficial em vigor, a ser

revertida em favor do Fundo Penitenciário

Estadual criado pela Lei 11.402/94; c.2) seja

condenado à obrigação de fazer consistente

em desativar a Cadeia Pública local, com

imediata transferência dos detentos ali

recolhidos; c.3) seja condenado à obrigação

de não fazer, consistente em se abster de

utilizar as dependências do estabelecimento

prisional local acima de sua capacidade e

em desacordo com o que determinam os

arts. 1º, III e 5º, III, da Constituição da

República c/c os arts. 88, 102 e 104 da Lei

7.210/84, sob pena de multa diária de

R$10.000,00 (dez mil reais) por preso

excedente, corrigida pelo índice oficial em

vigor, a ser revertida em favor do Fundo

Penitenciário Estadual criado pela Lei

11.402/94.

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DAS PROVAS

Para tanto, o Ministério Público pretende

provar o alegado por todos os meios de prova legalmente

admitidos, especialmente juntada de documentos e perícias,

bem como oitava de testemunhas.

DO VALOR DA CAUSA

Em atenção ao disposto no art. 282, V, do CPC,

dá-se à causa o valor de R$1.000,00 (mil reais), para efeitos

meramente fiscais.

Nestes termos,

Pede deferimento.

Muriaé, 27 de fevereiro de 2008.

Silvia Altaf da Rocha Lima Cedrola

Jackeliny Ferreira Rangel

4ª Promotora de Justiça 1ª

Promotora de Justiça

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Fábio Rodrigues Lauriano José Gustavo

Guimarães da Silva

5º Promotor de Justiça 6º

Promotor de Justiça

Paulo Emílio Coimbra do Nascimento Cristian

Dayvson Evangelista

2º Promotor de Justiça Estagiário do MP (Portaria 134/2006)

Rol de testemunhas:

1. Luiz Carlos dos Santos (Delegado de Polícia);

2. Alessandro Amaro da Matta (Delegado de Polícia);

3. José Carlos Bolsoni Rodrigues (Delegado de Polícia);

4. Fernando Nassar Rocha (Delegado de Polícia)

5. Bruno Salles Mattos (Delegado de Polícia);

6. André Luiz da Silva (Agente da Polícia Civil);

7. Kelson Carlos da Silva (Agente da Polícia Civil).