Aculturação Dos Alemães No Brasil Emilio Willems Cap I VI

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  • IBRASILIANA

    Volume 250

    Direo de

    AMRICO JACOBINA LACOMBE

    Composio e paginao:

    S-Texto Ltda.

    ,"

    EMILIO WILLEMS. Ph. D.Ex.profellor na Unlvcrtldade de 510 Pauloe

    na Eacola de Soclololla e Poltica de 510 Paulo.Profellor emrtc de antropololla naVanderbllt Unlveralt)', Na.hvlllc, EUA

    A ACULTURAODOS

    ALEMES NO BRASILEstudo antropolgico dos imigrantesalemes e seus descendentes no Brasil

    2.a edio, ilustrada,revista e ampliada

    Em convnio com oINSTITUTO NACIONAL DO LIVROMINISTeRIO DA EDUCAO E CULTURA

    COMPANHIA EDITORA NACIONAL - INL/MEC

  • I,

    CAP{TULO I

    ASSIMILAO E ACULTURAO

    A socializao

    A vida social transforma indivduos biologicamente condicio-nados em personalidades. As idias, os costumes, as crenas, osmodos de sentir representam, por assim dizer, a atmosfera em queo indivduo aprende a ser pessoa humana. Embora a naturezahumana seja uma s e as necessidades que dela derivam apresen-tem semelhanas fundamentais, no h negar que as maneiras desatisfaz-Ias possam variar consideravelmente no tempo e no espao.

    O desenvolvimento da personalidade depende da aquisiode certos elementos ou valores culturais (idias, crenas, opinies,conhecimentos, tcnicas etc.), considerados necessrios para reali-zar ajustamentos s condies de uma determinada vida social.

    O ajustamento social do indivduo, a sua socializao, depen-deria, portanto, da incorporao de certos valores culturais napersonalidade. Ou, em outras palavras, a prpria personalidadeseria uma "estrutura" de valores culturais, adquiridos e articuladosentre si em forma de hbitos: '

    "O indivduo incorpora, invariavelmente, na sua prpria per-sonalidade, os desgnios e escopos que acham expresso nas insti-tuies pelas quais a conduta individual est sendo controlada." (1)Valores incorporados significam experincias feitas. medida queas experincias (ou seus resduos) se acumulam, o homem adquiremodos cada vez mais consistentes, de agir e reagir. Estes modosso os hbitos cuja totalidade constitui o que se pode chamarestrutura da personalidade.(2)

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  • o termo "incorporao" j indica que o papel do indivduo,no processo de socializao, no meramente passivo. Cada ex-perincia representa uma contribuio ativa: o indivduo desen-volve atitudes em tomo do valor e este vai adquirindo uma signifi-cao toda pessoal carregada de emoes. Foi provavelmente essaassociao emocional a que William James se referiu escrevendoas seguintes palavras:

    No sentido mais amplo possvel... o eu de um homem 6 a somatotal de tudo quanto ele pode considerar seu, no somente seu corpo eSU," forae fsicas, mas suas vestes e sua casa, .sua esposa e seus filhos, 'sOU!antepassados e amigos, sua reputao e suas obras, suas terras e seus valo-res, seu iate e sua conta no banco. Todas essas coisas propcrconam-lheas mesmas emoes. Se elas crescem e prosperam. ele se sente triunfante.se elas diminuem e definham. ele se sente abatido, no forosamente nomesmo grau por cada coisa, mas da mesma maneira por todas elas. (3)

    Evidentemente, o significado emocional que os valores cultu-rais possuem para os componentes de qualquer sociedade no saumenta a probabilidade de um sistema social funcionar com ummnimo de atritos internos, mas tambm representa uma defesaexterna relativamente eficiente na hiptese de ocorrerem contatoscom sociedades culturalmente diferentes. Pois as relaes emocio-nais que prendem o homem sua cultura no permitem que elejulgue valores estranhos com critrios diversos dos de seu grupo.Surge assim o que se convencionou chamar etnocentrismo, querdizer, uma "viso dos fatos que leva a considerar o prprio grupocomo centro de tudo, e a comparar e avaliar todos os demais comreferncia a ele". (.) O etnocentrismo como atitude emocional clas-sifica valores estranhos de acordo com o grau de diferena que ossepara dos valores prprios, atribuindo o ltimo lugar aos maisdiferentes.t+) Proporcionalmente a essa classificao aumenta oudiminui o preconceito com relao aos representantes humanosde costumes e tradies estranhos.

    Assimilao

    Se o etnocentrismo levanta barreiras a influncias estranhascingindo o grupo de uma couraa destinada a neutralizar o embatede valores provenientes de outras culturas, essas barreiras, no en-tanto, no so intransponveis e, no raro, a couraa est longe deter a eficincia desejada. Mesmo um exame superficial da realidademostra a multiplicidade de casos em que socedadesdferentes emcontato se transformam, perdendo certo nmero de seus elementos

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    culturais e adquirindo novos. Todavia, transformaes culturaispermanecem inexplicveis, enquanto no se examina o comporta-mento dos homens que lhes representam, necessariamente, o subs-trato. O problema que se nos depara seria, portanto, este: quaisso os motivos que induzem o homem a abandonar, em determi-nadas condies, sua atitude etnocntrica diante de valores culturaisestranhos? Partimos de uma observao j feita por Thomas eZnaniecki (6) que "a causa de um valor ou de uma atitude nunca uma atitude ou valor S, mas sempre uma combinao de umaatitude e de um valor". O aparecimento de um valor novo depen-deria. portanto, da formao de uma atitude nova; favorvel integrao do valor. Sob a influncia do valor, a atitude preexistentemodificar-se-ia, assumindo uma feio mais ou menos diferente, (1)Parece que atitudes favorveis aceitao de valores culturais di-ferentes existem sobretudo em pases de emigrao, pois o xodocoletivo ndice de que a estrutura social (8) est em desequilbrio.Os encargos que pesam sobre certas camadas da populao j nocorrespondem s compensaes que a cultura lhes pode oferecer.A sensao de mal-estar coletivo pode abalar o sistema de controleda sociedade em desequilbrio. As situaes de conflito e, comelas, o nmero de desajustamentos multiplicam-se e facilmente des-pertam o desejo de novas experincias. As combinaes de atitudese valores existentes j so inadequadas diante de uma situaoque requer novos ajustamentos baseados nas experincias "desa-, gradveis" que se venham fazendo. :s neste ambiente que nascematitudes potencialmente favorveis aceitao de valores culturaisnovos: modas bizarras, credos religiosos de feio messinica, ideo-logias polticas subversivas, formas exticas, de recreao, e, mor-mente quando h precedentes estabelecidos por pessoas bem suce-didas, o desejo de emigrar como reflexo de uma srie de idiasmais ou menos definidas: liberdade mais ampla, prosperidade eco-nmica, vida aventureira associada. talvez ao sonho de um futurorepatriamento seguido de honrarias e prestgio atualmente inaces-.svel etc. Salientam Thomas e Znaniecki que as novas atitudes p0-dem parecer "criminosas" pessoa que as assume. Preso aindas expectativas tradicionais de seu grupo, o homem, s vezes, nopermite que a mudana de atitude lhe chegue luz da conscinciaou se manifeste em aes, recalcando os seus desejos para o sub-consciente.

    Posta em contato com o novo meio, a atitude prvia, favorvel mudana cultural, define-se pouco a pouco, estabelecendo rela-es emocionais com valores novos medida que estes vo sendoincorporados na personalidade.

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  • Todavia, a realidade complexa e impe algumas observa-es. Se o imigrante estiver isoladamente exp6sito ao impacto dasexpectativas de um grupo totalmente estranho, o ajustamento tor-nar-se- uma questo de sobrevivncia. Da proporo em que oimigrante incorporar os' valores novos, depender o papel que lheser atribudo na sociedade adotiva. ~ intil dizer que tais reajus-tamentos nunca dependem exclusivamente do imigrante, mas emgrande parte da intensidade das atitudes etnocntricas que venha. a encontrar no novo meio.

    O iInigtante isoladC)v-se logo nas ma1has de um neve !iste-ma de controle, estando, ao mesmo tempo, totalmente a salvo dassanes da comunidade originria. Embora encerre a possibilidadede conflitos violentos de personalidade, essa situao sobrema-neira favorvel para abreviar o conflito de lealdades que. a fazemoscilar, durante um tempo varivel, entre os plos representadospor valores culturais mutuamente exclusivos.

    Contudo, muito mais comum, constiturem-se comunidadesrelativamente homogneas de imigrantes. Nesse caso as condiesem que se estbelecem contatos com a cultura do' novo meio sobem diferentes. A disposio de "mudar de vida", acha a sua ex-presso numa escolha de elementos culturais que mais correspon-dam aos desejos previamente existentes. A presso econmce oupoltica a que os imigrantes alemes estavam expostos no sculopassado fez surgir, por exemplo, os ideais de ubi libertas ibi patriae do."homem livre em gleba livre". Da o padro de liberdade indi-vidual encontrado nos pases do Novo Mundo foi imediatamenteaceito e incorporado no patrimnio cultural das comunidades esta-belecidas em solo brasileiro. Essa integrao foi acompanhada daadoo de dois smbolos materiais da liberdade: o cavalo de mon-taria e a arma de fogo. .

    As atitudes-valores novas envolvem, no raro, aceitao com-pulsria de outros valores, imprevistos e indesejveis, pelo menosa princpio. O ideal de "homem livre em gleba livre", por exemplo,o emigrante rstico associava, ainda no pas de origem, a certospadres econmicos, religiosos, recreativos etc. da aldeia europia.Nas colnias do Brasil meridional, no entanto, "homem livre emgleba livre" significa o isolamento espacial em lugar da vida alde,processos agrcolas extensivos a substiturem os intensivos do pasde origem, a ausncia da antiga organizao paroquial altamenteintegrada etc. Essas "privaes" representam, de certa maneira, opreo que o migrante paga pela realizao de seu. ideal. Muitos

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    o consideram demasiadamente caro e no se ajustam nova situa-o. Outros levam longos anos, oscilando entre a nostalgia e odesnimo de um lado e a esperana num futuro melhor por outrolado. Mas medida que os imigrantes ou seus filhos se "habituam"s condies diferentes, vo surgindo novas atitudes-valores, fazen-do com que parea "natural" o que a princpio constitua motivode desespero. Em outras palavras: a natureza coativa das primeirasexperincias em que as novas atitudes-valores se baseiam no im-pede que se tornem etapas no caminho da assimilao.

    O problema, porm, apresenta outro aspecto ainda. Mesmoa formao de comunidades etnicamente homogneas no pas ado-tivo no impede, por vezes, a incorporao compuls6ria de valoresculturais estranhos. Diferenas do meio fsico no admitem a uti-lizao. pelos imigrantes, de uma boa parte das experincias acumu-ladas no pas de origem. Padres de habitao, de vesturio, dealimentao, de trabalho, de locomoo, de recreao etc. tm deser abandonados diante das diferenas do meio fsico. Essas mu-danas relacionam-se, intimamente, com o nosso problema no queelas implicam a aceitao de elementos culturais encontrados nasociedade nativa. Embora geralmente no correspondam a atitudesprvias, tais mudanas afetam profundamente os hbitos individuaise os costumes da comunidade. Insistimos sobre esse aspecto porquenele identificamos processos de assimilao incipiente, pelo menosentre imigrantes alemes no Brasil. A importncia de que se reves-tem as alteraes da chamada "cultura material" para a assimilaodos imigrantes parece no ter sido compreendida, pois a cada ele-mento material ligam-se hbitos individuais e costumes sociais. Odesaparecimento do objeto envolve fatalmente a mudana desseshbitos e costumes, contribuindo portanto para a desorganizaosocial e pessoal dos imigrantes.

    O processo de assimilao consiste no aparecimento de atitu-des novas emocionalmente associadas a valores culturais novoscom que o imigrante vai estabelecendo contatos. O estudo cientficoda assimilao abrange, portanto, o estudo da formao dessas ati-tudes. Em outras palavras: estudaremos os reajustamentos da per-sonalidade que ocorrem em virtude de expectativas de comporta-mento diferentes. Atitudes novas em combinao com valores novosso ndices de reajustamentos consumados e fases do processo deassimilao. A dificuldade bsica que se ope assimilao resideno sentimento de lealdade que prende o imigrante cultura do seugrupo. A intensidade desse sentimento varia grandemente no tempoe no espao, apresentando gradaes muito acentuadas at na mes-

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  • ma sociedade quando examinada em pocas diversas. Quanto ssociedades modernas, pode-se dizer que a intensidade do senti-mento de lealdade est em razo direta ao grau de coeso nacional.Os conflitos resultantes da lealdade do imigrante para com a cul-tura de sua sociedade originria podem agravar-se com a existnciade padres de comportamento antagnicos nas duas culturas. :E:inevitvel que o imigrante se sinta exposto s influncias de doissistemas de normas diferentes representados pela sociedade origi-nria e, ao menos em parte, pela comunidade de imigrantes deum lado e pela sociedade nativa, de outro lado. Uma possvel am-bivalncia de atitudes, tanto na sociedade nativa como na comu-nidade dos imigrantes, tende a agravar a desorganizao individual.O grau de instabilidade social determinado pela inconsistnciadas atitudes, isto , o grau de oscilao entre padres de compor-tamento mutuamente exclusivos. Nestas condies, a personalidadedificilmente adquire ou mantm estabilidade. (9) Todavia, a julgar-mos por fatos j inmeras vezes registrados, todo processo de assi-milao caracterizado por uma fase de desorganizao pessoalcuja durao e intensidade variam em funo de fatores diversos.A razo bvia: no possvel substituir sumariamente um es-quema de conduta por outro, pois isso implicaria uma desintegra-o completa da personalidade. De mais a mais, contatos suficien-temente estreitos para originar mudana de atitudes no se estabe-lecem simultaneamente em todas as esferas de uma cultura. Conta-tos no campo ergolgico ocorrem com maior facilidade do que,por exemplo, no setor dos padres de conduta sexual. A diferenaexplica-se, de um lado, pela maior reserva, preveno ou hostili-dade recproca com que ambos os grupos acolhem as tentativas deaproximao esfera mais ntima, s vezes secret, das suas cul-turas respectivas; de outro lado, em cada cultura h elementosmenos compreensveis ao estranho. maioria dos imigrantes euro-peus era muito mais difcil compreender o sistema poltico brasileiro(anterior a 1937) do que, por exemplo, as formas de culto religio-so. Sendo assim, as sries de atitudes novas que vo surgindo nopodem deixar de ser interrompidas por espaos maiores ou meno-res. :E: inevitvel portanto que, pelo menos durante algum tempo,os dois esquemas de comportamento, o velho e o novo, existamlado a lado na personalidade do imigrante, orientando-lhe a con-duta em sentidos diferentes. Evidentemente no a mera coexis-tncia de normas provenientes de duas culturas que provocam adesorganizao pessoal, mas sim os reclamos insistentes de padresque no se coadunam ou at se excluem reciprocamente. Mais umavez as divergncias de sistemas polticos podem servir de exemplo.

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    o sistema partidrio alemo anterior a 1933 repousava na lealdadedos cidados a princpios ideolgicos (socialistas, catlicos, Iibe-rais, nacionalistas, conservadores, marxistas, democrticos etc.). Osistema brasileiro, anterior a 1937, baseava-se essencialmente sobrea lealdade dos cidados a homens polticos. Seguindo os padresusuais, o imigrante alemo procurava princpios diversos atrs dedenominaes diferentes. Com a descoberta de que os princpiosde quase todos os partidos eram idnticos, que a denominao nosimbolizava uma Weltanschauung, a poltica partidria permaneciaincompreensvel at que se realizassem ajustamentos em outras es-

    . feras sociais.

    A coexistncia, na personalidade, de normas de comportamen-to incompatveis produz o estado de marglnalidade cultural.(10)Thomas e Znaniecki j observaram a situao marginal de muitosimigrantes poloneses nos Estados Unidos, embora no lhes aplicas-sem a designao de homens marginais. Verificaram esses doisautores a formao de uma sociedade polaco-americana constantede fragmentos que se desprenderam da sociedade polonesa. A novasociedade no .era nem polonesa nem americana e "sua matria-prima provinha parte de tradies polonesas, parte das condiesnovas nas quais os imigrantes viviam, e de valores sociais ameri-canos assim como os imigrantes os viam e interpretavam". (11 )A razo da marginalidade cultural est, portanto, num desprendi-mento paroial da sociedade originria e numa integrao tambmparcial na sociedade adotiva. No que o imigrante continua presos expectativas do grupo de origem, ele continua leal culturadeste grupo, no que ajusta as suas atitudes s expectativas da so-ciedade nativa, o imigrante pertence cultura desta sociedade. Apersonalidade marginal, frisa Stonequist.P) est parcialmente as-similada. A marginalidade cultural afigura-se, portanto, como fasede transio de um cultura para outra. Durao e intensidade dessasituao de conflito esto em razo direta heterogeneidade dasduas culturas em cujas margens o imigrante est colocado. Verda-de que o isolamento espacial de comunidades compactas de imi-grantes pode agir no sentido de conservar uma homogenedadecultural suficiente para reservar os conflitos de marginalidade, emsuas formas mais agudas, s geraes vindouras. Este o caso demuitas comunidades teuto-brasileiras, como veremos mais adiante.

    Os conflitos de lealdade que o homem marginal experimentaem virtude de seu dualismo cultural levam, em regra, a determi-nados sintomas de desorganizao pessoal. Os mais comuns so:ambivalncia de atitudes, sentimentos de inferioridade e tentativas

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  • de supercompensao desses sentimentos, (13) delinqncia, VCIOS(principalmente alcoolismo e prostituio), doenas mentais esuicdio.

    A ambivalnoia consiste, como j fo! apontado, na oscilaoentre atitudes mutuamente exclusivas: "Se podem ser adotadasmaneiras diversas de agir que se afiguram talvez como inconsis-tentes por serem o resultado de desorganizao social ou falta deintegrao, a pessoa pode oscilar entre as duas sem fazer umajustamento. H muitos exemplos .de tal situao na poca atualem que uma cultura em mudana e redefinio no oferece pa-dres estereotipados de comportamento, obrigando o indivduo afazer sua escolha sob o risco de conflitos abertos ou mentais".(14)

    A iniciao na cultura originria, feita pela comunidade localou apenas pela famlia, tende a implantar no homem as atitudesetnocntricas usualmente exigidas pelo grupo. A cultura dos paisafigura-se "naturalmente" como sendo superior a todas as :demaise o homem que lhe est sendo ajustado sente as emoes indis-pensveis para o desenvolvimento da sua personalidade.

    A situao muda medida que pessoas estranhas a esse meioe dispondo de prestgio ou autoridade superiores ao prestgio ou autoridade dos pais ou da comunidade local procuram apoucar osvalores transmitidos. Se os companheiros de folguedo ridicularizamas marcas raciais, a lngua, o nome "arrevesado" da criana, se osprofessores e outros superiores lhe probem o uso da lngua apren-dida com a me, se os jornais cobrem de injrias e acusaes certaspersonalidades histricas cuja memria aprendeu a cultuar, se, en-fim, o homem percebe que est infringindo as regras etnocntricasdo meio mais amplo em que destinado a viver, ele procura fazerreajustamentos necessrios. De acordo com a intensidade das san-es que lhe esto sendo aplicadas, ele procura esquecer os valoresproibidos. Estes, como fontes de satisfao, so muitas vezes re-calcados, mas raramente suprimidos. Assim explicam-se as atitudesambivalentes de muitos grupos marginais que procuram desfazer-sedos valores antigos e aproximar-se de uma cultura que lhes parecesuperior. Frustrados nestas tentativas, eles retomam cultura ori-ginria, processo este acompanhado, em regra, de convulses emo-cionais violentas.

    Os primeiros choques culturais que caracterizam os contatosdos imigrantes ou seus descendentes com o novo meio j podemprovocar sentimentos de inferioridade e as tendncias de reajustar-

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    se a expectativas sociais diferentes afiguram-se como tentativas decompensao indispensvel reorganizao pessoal. Na proporoem que essas tentativas excedem o que usualmente exigido do,jndiv,duo em tais situaes, pode-se falar em supercompensaes.Parece bvio que as supercompensaes so mais freqentes emcasos de reajustamentos frustrados. A compensao que excede aspropores que a acomodao de conflitos exige pode ser consi-derada como sintoma ge neurose. (16)

    Entre teu to-brasileiros nota-se a existncia de sentimentos deinferioridade em dois sentidos. As dificuldades de se ajustarem aospadres caractersticos das classes mdias e superiores luso-brasi-leiras, dificuldades essas provenientes de um relativo insulamentocultural, produzem sentimentos de inferioridade, intensificados pelasatitudes etnocntricas dos "lusos" que no deixam de consider-los"alemes", embora tivessem nascido no Brasil. A insistncia comque os teu to-brasileiros eram identificados como "populaes es-trangeiras" equivalia a uma frustrao do reajustamento. Mas comoas barreiras levantadas no eram intransponveis, as compensaesse faziam em duas direes opostas: 1) pelo abandono ostentativode elementos culturais germnicos, por atitudes acentuadamentehostis a tudo quanto era considerado alemo, pela participaofervorosa de campanhas de nacionalizao etc.; 2) pela exaltaode valores da cultura local teuto-braslera e, em no poucos casos,pela tentativa de apegar-se a valores tidos como genuinamentegermnicos.

    Sentimentos de inferioridade surgiram tambm diante de imi-grantes recm-chegados, pois neles muitos teutos admiravam certostraos que j no lhes haviam sido transmitidos pelos pais. Prin-cipalmente conhecimentos tcnicos e uma certa agilidade mental,produto de contatos variegados e outros estmulos que caracterizamum horizonte cultural mais amplo. Neste caso, as reaes compen-satrias consistiam em hostilidades de toda espcie. Quando nohavia razo para temer o imigrante como concorrente, ele era aceitoenquanto no elogiasse demasiadamente a Alemanha. Elogios aopas de origem eram, em regra, recebidos com silncio glacial.Esperava-se que o dvena transferisse seus sentimentos culturalocal e se casasse com uma moa da sociedade local. Veremos quena populao rural do Rio Grande do Sul se desenvolveram padresevitativos quanto a possveis contatos com "alemes novos".

    A acomodao do conflito de lealdade depende do desenvol-vimento de atitudes novas diante de todos os valores culturais com

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  • que o 'imigrante esteja em contato e que lhe exijam reajustamentosda sua conduta. Em sociedades de pequeno volume e culturalmentehomogneas - comunidades primitivas ou rurais isoladas - oforasteiro est exposto ao impacto de todo o patrimnio culturalexistente; pois em sooiedades primrias todos compartilham dacultura toda. Basta entrar em contato com qualquer um de seusmembros para se familiarizar com todos os elementos culturais deimportncia vital. Pela homogeneidade dos padres de comporta-mento, a assimiliao do indivduo estranho, desde que tenha sidoaceito, toma-se um processo relativamente simples. Acresce quetodos os contatos realizados em sociedades primrias se caracte-rizam por um alto grau de intimidade e controle direto.

    Muito mais complexa a assimilao em sociedades secun-drias que se distinguem pela diferenciao interna e pela distnciaque separa os membros de seus inmeros grupos justapostos ouhierarquicamente sobrepostos.

    Na complexidade de uma sociedade moderna em que a diviso dotrabalho foi levada to longe e as tarefas da vida se tomaram to comple-tamente individualizadas poder-se-ia perguntar se uma cultura, no sentidodado pelos antroplogos. ainda existe. Cada ofcio; cada profisso. cadaseita religiosa tem uma lngua e um corpo de idias e prticas nem sempreinteiramente inteligveis ao resto da sociedade. medida que os interessesda vida O exigem. esses vrios grupos convivem numa espcie de simbiose,em que de cada um se pode afirmar que possui seu complexo culturalprprio. Em tais circunstncias. a assimilao vem a ser restrita, nas suasaplicaes. quelas idias. prticas e aspiraes que so nacionais e queformam, presumivelmente, a base da solidariedade nacional. A assimilaotoma-se assim um conceito mais genrico e abstrato de que os verbos ame-ricanizar, anglizar e germanizar so termos mais especficos. Com todasessas palavras tenciona-se descrever o processo pelo qual os costumes so-ciais, idias polticas geralmente aceitas. assim como os sentimentos da leal-dade a uma comunidade ou a um pas so transmitidos a um cidadoadotivo. (16)

    Concebida nesses termos, a assimilao vem a ser sinnimode nacionalizao, adquirindo assim um significado histrico, poisa noo implcita refere-se combinao de atitudes e valores quesimbolizem a solidariedade poltica de grupos maiores. O empregodo termo "nacionalizao" imprprio quando usado para designarprocessos de assimilao em sociedades que no desenvolveramuma "conscincia nacional", distinta de outras formas de solida-riedade grupal. Os valores culturais tidos como smbolos da soli-dariedade nacional variam no tempo e no espao ..'Por exempl,. osignificado atribudo homogeneidade lingstica, em pases onde existncia de idiomas diversos se associam tendncias de' desa-

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    gregao poltica, diferente do significado que recebeu em pasesonde a idia da unidade lingstica no chegou a constituir umvalor suficientemente relevante para ser considerado imprescindvel conservao da unidade nacional. A diversidade de idiomas pos-sui, nesta hiptese, apenas um sentido regional comparvel di-versidade de dialetos em naes lingisticamente homogneas.Concebida no sentido de nacionalizao, a assimilao abrangeria,portanto, somente a mudana daquelas atitudes que se reportama valores considerados de importncia funcional para a integraopoltica de um povo. O exemplo das naes americanas prova queentre esses valores pode no estar a lngua. As naes americanasno interromperam a tradio lingstica que as liga culturalmentes antigas metrpoles europias. E a homogeneidade lingsticadas colnias hispano-americanas no impediu a sua diferenciaopoltica.

    Geralmente atribui-se um papel particularmente nacionalizan-te s reminiscncias histricas. Em grupos etnicamente homog-neos, os membros podem realmente associar os feitos histricos vida de seus prprios antepassados. Mas medida que um povorecebe etnias com tradies histricas diversas, a situao outra.Sem dvida, possvel faz-Ias esquecer essas tradies, uma vezque no mais lhes so transmitidas. Mas seria preciso faz-Ias es-quecer a sua prpria ascendncia para que os feitos dos "Pilgrim-Fathers" ou dos bandeirantes possam adquirir, para eles, o signifi-cado que possuem para os nativos de antiga estirpe. Realmente,concebida assim, a nacionalizao levaria muitas geraes para setomar completa. Acresce que freqentemente a conscincia de umaorigem diferente no pode ser extinta enquanto existem marcasraciais como aquelas que, entre ns, identificam o "japons" ou"alemo", lembrando-lhe sua tradio histrica diversa. Emborativesse perdido totalmente a cultura de seus antepassados, o des-cendente de imigrantes racialmente diferentes continuaria preso conscincia da sua origem diferente associando-lhe um sentido his-trico diverso.

    Todavia, aqui como em muitos outros casos, preciso distin--guir, cuidadosamente, entre fatores de que se deseja que tenhamefeitos assimiladores e aqueles que realmente exercem tais efeitos.Se as tradies histricas comuns tivessem de fato uma influnciadecisiva sobre o processo de assimilao, este dependeria no sdo desaparecimento de certos valores culturais trazidos pelos imi-grantes, mas tambm de uma completa absoro biolgica desseselementos. Dessa maneira desapareceriam caracteres somticos di-

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  • ferenciais num lapso de tempo biologicamente determinado parafundir, num tipo relativamente homogneo, os membros de umpovo o qual deveria, alm do mais, retomar a padres rigorosa-mente endgamos. Passariam muitas geraes e os descendentes.dos imigrantes associar-se-iam histrica comum, compartilhandodas tradies que determinam, de acordo com a premissa, a uni-dade nacional do povo. No difcil verificar-se que, de fato, aconscincia da histria comum no adquiriu, para a integrao dasnaes americanas, o significado que, por exemplo, Robert E. Parkparece atribuir-lhe.P") A funo integrante das reminiscncias dopassado depende naturalmente da atitude que os nativos assumemdiante da tradio histrica. Ao passo que tais atitudes podemrealmente contribuir para integrar povos antigos, elas parecemexercer, em naes novas formadas por imigrantes recentes, umafuno integradora s com relao a certas partes da populao,como os descendentes de bandeirantes, os "paulistas de quatrocen-tos anos" etc. Relacionada no entanto totalidade do povo, a fun-o dessas tradies grupais se afigura como sendo segregadora eestratificante, pois tende a dividir a populao em elementos tra-dicionais ("superiores") e elementos "sem histria", estrangeirose filhos de estrangeiros de origem ignorada ou duvidosa ("inferio-res"). Aqueles parecem "naturalmente" indicados para assumir opoder poltico; a estes se atribuem, com a mesma "naturalidade",funes subordinadas:

    No nmero de junho, h um curioso tpico sobre o movimento dosestudantes brasileiros para as escolas de Direito, e o desinteresse da [uven-tude, de descendncia nacional, pelas carreiras tcnicas. E a nota se alarmacom o crescimento do nosso exrcito "de doutores e burocratas. Bem justaa observao e bem alarmante este fenmeno social. Mas tambm inte-ressante procurar a razo econmica desse fenmeno, pois deve haver umacausa e bem forte. Ora, os pais brasileiros conhecem bem o seu meio.Bem melhor do que os pais estrangeiros. E, j de muitas geraes, o pasassiste prolificao de bacharis e burocratas. A razo me parece clara.Ns, brasileiros, sabemos que, entre ns, as grandes companhias, 08 grandes"empreendimentos, as indstrias de importncia e as empreitadas vultosasou so de estrangeiros, ou caem nas mos de estrangeiros. A estes pertence,portanto, o mercado tcnico, isto , tanto dos materiais, como damo-de-obra.

    Dificilmente pode uma firma nacional competir com tal concorrncia.s poucas que existem faltam-lhes, sobretudo, a simpatia e a boa vontadeseja por parte do pblico, seja por parte dos rgos do governo, para in-centivar o esprito de iniciativa e de organizao.

    Sem empresas nacionais, perfeitamente razovel que o brasileirono procure uma carreira tcnica que o levar a trabalhar sob patres"alemes, dinamarqueses, ingleses, americanos ou iaponeses. Sim, at iapo-neses! Vamos v-los agora, construindo barragens no Estado do Rio e ele-.trificando Campos.

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    Ora, os pais brasileiros pensam" com bastante tato, quando encami-nham seus filhos para as escolas de Direito. E, mesmo quando pretendemque os meninos estudem engenharia, com a ambio de lhes obter umasinecura qualquer numa repartio que fiscalize, investigue ou inspecionealguma coisa. Assim, os rapazes se classificam para, mais tarde, exerceremos cargos, fceis e bem remunerados, de diretores cartolas, testas-de-ferro,consultores, e toda uma longa escala de intermedirios de negcios. Nopodemos deixar de concordar que tal situao mais confortvel que exer-cer a tarefa apagada de um tcnico, em uma indstria qumica alem ouum consrcio iapons. (18)

    Mesmo em sociedades secundrias, a assimilao ocorre nosgrupos primrios que lhes constituem as clulas. O dvena se peem contato com os valores considerados smbolos da solidariedadenacional, proporo que esses valores se transmitem sobretudoatravs de contatos primrios.

    Praticamente, a nacionalizao do imigrante se realiza no meioe atravs do meio local em que vive. O imigrante alemo ou seudescendente associado com caboclos e o japons metido no meiode caiaras podem adquirir a nacionalidade brasileira proporoque caboclos e caiaras possuem essa qualidade. A intensidade daconscincia nacional que caboclos e caiaras adquiriram depende,por sua vez, da quantidade e qualidade de contatos que puderamestabelecer com as instituies destinadas a transmitir os valoresrepresentativos da nacionalidade. Se eles so mais caboclos e cai-aras do que brasileiros, isto , se representam valores antes locaisdo que nacionais, o imigrante associado a eles lhes seguir nomesmo caminho.

    Raramente uma sociedade nativa rejeita todos os valoresque um grupo adventcio apresenta. Inmeras observaes, feitasnas sociedades mais diversas, ensinam que uma parcela maior oumenor de elementos culturais estranhos aceita aps um processode peneiramento mais ou menos severo. As condies de aceitaovariam grandemente no tempo e no espao, mas seja como fora:longe de se desprender de todos os elementos da sua cultura origi-nria, o imigrante v, muito ao contrrio, que alguns desses ele-mentos passam sociedade nativa que os incorpora em seu patri-mnio. Isso ocorre facilmente com elementos da cultura ergolgicae tecnolgica, sendo menos freqente, no entanto, em outras esfe-ras culturais.

    Resumindo os resultados mais importantes desta sucinta an-lise, estabelecemos os seguintes princpios tericos:

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  • 1) ,A assimilao , como a socializao, um processo deajustamento de personalidades a expectivas sociais de compor-tamento.

    2) A assimilao difere da socializao por ser um processode reajustamento a expectativas de uma sociedade culturalmentediferente, processo esse a que se submetem indivduos anterior-mente socializados.

    3) A assimilao pode ser definida corno mudana da per-sonalidade realizada pela substituio de combinaes de atitudese valores, por novas combinaes de atitudes e valores que vm aintegrar o indivduo em uma sociedade culturalmente diterente.P")

    4) As novas combinaes de atitudes e valores surgem emsries cuja seqncia determinada, no s pelas expectativas dasociedade adotiva, mas principalmente por atitudes preestabeleci-das, favorveis mudana de certos valores da cultura originria,

    5) A incorporao espontnea de certos valores novos en-volve a incorporao de outros que escapam, geralmente, previsoe vontade do imigrante.

    6) A circunstncia de serem os novos valores incorporadosem sries e no simultaneamente faz com que o comportamentodos imigrantes seja dirigido em parte por padres antigos e emparte por padres novos.

    7) A medida que os novos valores se afiguram ao imigranteou a seu descendente como incompatveis com os antigos, a per-sonalidade passa por uma srie de conflitos tanto mais intensosquanto maiores forem as divergncias culturais das sociedadesenvolvidas.

    8) A nacionalizao, como aspecto particular da assimilao,consiste na adoo de um novo esquema de atitudes-valores quesimboliza a integrao na sociedade poltica adotiva.

    9) A falta de uma histria comum em naes novas faz comque o significado atribudo a tradies histricas no possa ter amesma funo integrante que possui em naes velhas.

    10) Contatos primrios revelam-se como sendo fatores deassimilao mais eficientes do que contatos secundrios.

    11) Quanto mais diferenciada for a sociedade, tanto maisgeral a natureza e tanto menor o nmero de atributos que as ins-

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    tituies nacionais podero transmitir aos cidados nativos e ado-tivos.

    12) Geralmente nem todos os valores e atitudes antigos sosubstitudos pela assimilao; alguns se conservam e se incorporamno patrimnio cultural comum.

    Se que se pode tirar alguma concluso das observaesanteriores, pelo menos esta nos parece aceitvel: a assimilao seafigura como processo scio-psquico que transforma a personali-dade. A 'feio social do processo reside no fato de no ser ohomem isolado que se reajusta, mas o homem vivendo em grupose entre grupos com suas expectativas de comportamento e seussistemas de controle peculiares. Diante dos fatos, a maioria dasdefinies at agora feitas do processo de assimilao ressente-sede certas falhas. Vejamos, por exemplo, uma das conceituaesmais citadas: "A assimilao um processo de interpenetrao efuso no qual pessoas e grupos adquirem as memrias, os senti-mentos e as atitudes de outros grupos ou pessoas e, compartilhandode suas experincias e de sua histria, se lhes associam numa vidacultural", (20) Tambm em outras definies comum a idia deque quem se assimila "compartilha" de "sentimentos", "tradies","lealdades", "memrias", "atitudes", "experincias", "histrias","idias", "hbitos", "padres", "lembranas culturais" etc. (21 )Ainda outras definies referem-se "fuso de unidades sociaisdiferentes numa cultura uniforme"(22) ou realizao de uma "so-lidariedade cultural suficiente, pelo menos, para sustentar uma exis-tncia nacional" (23) ou "identificao de atitudes e sentimentos"e de "lembranas culturais" (24) ou, ainda, ao "processo pelo qualse obtm uma sntese de cultura, qualquer que seja o grau decontato ou a quantidade de traos transmitidos". (25)

    Duas crticas podem ser feitas a todas essas conceituaes:

    1) Nenhum dos autores citados diz como se estabelece a fusocultural ou solidariedade nacional. Em outras palavras, as defini-es no revelam nada sobre os caractersticos constitutivos da as-similao como processo scio-psquico. Se as diiierentiae speciiicaeda assimilao consistem, realmente, em certos processos scio-psquicos relacionados com a mudana da personalidade, a defini-o do termo tem de abranger esses aspectos essenciais sob penade ser falha.

    2) As definies pouco se recomendam pela exuberncia epelo uso pouco criterioso de termos como sentimentos, idias, leal-

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  • dades, memrias, experincias etc. Se valores so "quaisquer obje-tos, tornando assim desnecessria uma variedade de termos quesignificados resultantes de experincias da interao social",(26) bvio que abrangem, implicitamente, todos os mencionados concei-tos, tornando assim desnecessria uma variedade de termos queparece indicar diferenas conceituais realmente inexistentes.

    Acomodao

    Resta elucidar outro aspecto do problema. Alguns soclogosaplicam o termo acomodao a certos fenmenos que caracterizamno poucos contatos intergrupais. Park e Burgess afirmam que aacomodao cria um tipo de "ordem social", a "organizao so-cial", pois "organizao social a soma total de acomodaes asituaes passadas e presentes. Todas as heranas sociais, tradio,sentimentos, cultura, tcnica so acomodaes; elas so ajustamen-tos adquiridos que se transmitem socialmente e no biologica-mente".(27) Evidentemente, este conceito de acomodao muitoamplo, a ponto de abranger todos os possveis ajustamentos sociaise, portanto, a prpria assimilao. Parece plenamente justificvela concluso de que a assimilao apenas uma modalidade ouuma das formas da acomodao. Todavia, esta concluso ime-diatamente desmentida pelo mesmo autor que, mais adiante, afirmaque "a acomodao ou o processo de fazer ajustamentos sociais asituaes de conflito, mediante a manuteno de distncias sociaisentre grupos e pessoas que, de outra maneira, poderiam entrar emconflito, deve ser diferenciada da assimilao, que o processopelo qual culturas e personalidades se nterpenetram e fundem.Uma ilustrao representa a acomodao do imigrante, pela ado-o de indumentria, alimentos, hbitos e lngua, mas sem parti-cipao plena das heranas culturais e desgnios comuns de seupas adotivo pelo qual seus filhos so assimilados. Segue-se daque a assimilao ocorre em situaes de contatos primrios, pes-soais e ntimos, ao passo que as acomodaes se realizam mediantearranjos formais e extemos'l.P'') Ora, esta passagem nos ensinaque o conceito de acomodao no abrange o de assimilao, eque se trata, portanto, de conceitos coordenados e no subordina-dos. Acresce que o tpico no diz com a necessria clareza seprocessos acomodativos se destinam a prevenir conflitos potenciaisou fazer cessar conflitos realmente existentes. Contudo, objeesmais srias podem ser levantadas contra os ltimos dois perodos.So estas:

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    1) O imigrante que adota "hbitos e lngua" do pas adotivono compartilha porventura das "heranas culturais" desse pas?Que misteriosa herana ser esta que no abrange hbitos e lngua?

    2) Nada, mas absolutamente nada, justifica a concluso doautor de que a adoo de "indumentria, alimentos, hbitos e ln-gua" se faa por meio de "arranjos formais e externos" (contatossecundrios, ao que parece). Muito ao contrrio, a aquisio dalngua e de muitos hbitos requer contatos primrios. Naturalmen-te, esta afirmao no implica que com a aquisio da lngua e decertos hbitos o imigrante esteja completamente assimilado.

    3) Enfim, 'que significa a expresso "arranjos formais e ex-ternos"? A adoo de um vesturio ou alimento diferente e, maisainda, de uma lngua estranha, envolve, automaticamente, a quebrade outros tantos hbitos. Se a estrutura da personalidade consisteem hbitos, evidente que a quebra destes lhe significa modifica-

    . es estruturais. Com a substituio de certos hbitos por outros,surgem as atitudes-valores correspondentes, afigurando-se todosesses processos como .simples etapas da assimilao. Embora a"profundidade" desses processos possa constituir objeto de dis-cusso, a expresso "arranjos formais e externos" no caracteriza,de modo algum, a natureza dos processos em jogo. De mais a mais,lnguas, vesturios e dietas no representam apenas valores instru-mentais. Alm de ser um meio de .comunicao, uma lngua sim-boliza o prestgio de um povo ou de uma camada social. Nestesentido, a aprendizagem do suali envolve outras' associaes doque a aquisio do ingls. Usar uma lngua estranha pode significarascender ou descer na escala social. Afirmaes semelhantes podemser feitas com relao a certos vesturios e alimentos. H imigran-tes que no comem feijo e banana porque associam-Ihes a idiade grupos ou camadas sociais "inferiores". Refeies que imigran-tes tomam em restaurantes portugueses, italianos, alemes, japone-ses etc. tm geralmente um cunho acentuadamente sentimental; ea presteza com que muitos imigrantes pagam exageradamente carocertos gneros importados do pas de origem constitui outra prova,pelo valor simblico que alimentos podem adquirir ..

    Em qualquer hiptese, a qualificao infundada de algumasfases da assimilao como sendo "arranjos formais e externos" ea sua rotulao como "acomodao" ser sempre e sob todos osaspectos um procedimento pouco recomendvel. Seja qual for a"importncia" dos hbitos e atitudes que surgem em conseqnciade contatos culturais, todos eles, sem exceo nenhuma, contribuem

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  • no passa de mera conjetura. Motivos utilitrios que determinarama .aceitao de um trao no grupo A podem no ser decisivos nogrupo B. A funo (37) desempenhada por um instrumento qual-quer pode estar relacionada com o sistema econmico da sociedadeX e com o prestgio social de certa camada social, na sociedadeY. Os colonos teuto-brasileiros do vale do Itaja aceitaram grandenmero de elementos culturais dos brasileiros do planalto ("la-jiano") e relativamente poucos do "caipira" litorneo. A transmis-so desses elementos pode ser descrita medida que se obtminformaes relativas poca em que se estabeleceram os con-tatos, ao grau de difuso dos elementos, s modificaes por quepassaram etc. Mas sem anlise das atitudes que determinaram aaceitao inicial, a difuso e modificao posterior, no ser pos-svel conhecer nem as causas da adoo nem tampouco as fun-es que tais elementos vieram a desempenhar entre os teuto-brasileiros. Em regra, estes admiram o "lajiano" e desprezam o"caboclo". Portanto: as condies em que se estabelecem conta-tos entre "lajianos" e teuto-brasileiros so favorveis transmis-so cultural devido ao prestgio relativamente elevado do "lajia-no". No poucos traos do planalto catarinense tm um valor sim-blico e parecem comunicar, s pessoas que os adotam, uma par-cela do prestgio de que tropeiros e boiadeiros gozam freqente-mente entre agricultores sedentrios. Evidentemente, a maioria doselementos transmitidos provou a sua utilidade sem perder, no en-tanto, o valor simblico. Ambos os fatores continuam lado a ladodesempenhando, como veremos adiante, funes importantes quan- .to perpetuao da estrutura social existente. bvio , portanto,que a anlise das causas da aculturao e das funes de elemen-tos transmitidos implica, na verdade, uma anlise das atitudes quedeterminaram a aceitao. No h dvida de que uma anlise des-sa categoria representaria um estudo de assimilao.

    De outro lado, a anlise das atitudes positivas ou negativasque imigrantes podem assumir, por exemplo, diante da lngua dopas adotivo, no suficiente para compreender as mudanas real-mente ocorridas. Se, em certas condies, o conhecimento do por-tugus se tomou uma fonte de prestgio para o teuto-brasileiro rs-tico, as condies scio-psquicas para uma mudana de atitudes(concernentes ao uso das lnguas alem e portuguesa) so favor-veis. Todavia, a inexistncia de um sistema de transmisso orga-nizada pode frustrar o desejo dos colonos de substituir valores lin-gsticos antigos por novos. B nestas condies que ocorrem mo-dificaes lexicais e sintticas no linguajar teuto que precisam ser

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    estudadas descritivamente. B necessrio verificar o grau de trans-formao lingstica para se ajuizar do grau de assimilao. Nobasta o desejo de assimilao decorrente de condies favorveis.B indispensvel que haja contatos suficientemente ntimos e fre-qentes para que o desejo possa realizar-se. Em outras palavras,as pessoas. propensas a substiturem atitudes-valores no pode-ro realizar o reajustamento desejado, enquanto no puderemintegrar s suas personalidades os novos valores. O ndice de inte-grao ser sempre a lngua realmente falada. Desta maneira, oestudo da aculturao lingstica afigura-se como aspecto com-pletivo do estudo da assimilao.

    Contatos podem levar "interpenetrao", "sntese" ou fu-so de culturas diferentes. Mas a anlise do desaparecimento decertos elementos culturais, a modificao de outros e, talvez, oreagrupamento de todos ainda representa um estudo de acultura-o e no de assimilao, como pensam alguns autores.(38) Nahiptese de uma fuso cultural, as personalidades atingidas conse-guiram um reajustamento completo ou, em outros termos: a ado-o de novas combinaes de atitudes e valores foi de molde a cor-responder plenamente s expectativas da sociedade receptora. Co-mo se v mais uma vez: somente a anlise destes reajustamentosconstituiria um estudo de assimilao.

    Na concetuao do processo de fuso, Ralph Linton vai mui-to longe: "A fuso genuna envolve sempre no somente o desa-parecimento das duas culturas originrias, mas tambm a amalga-mao das duas sociedades originrias, atravs do processo biol-gico de intercruzamento't.P")

    Em primeiro lugar: associar ao processo de fuso o "desapa-recimento das duas culturas" significa uma restrio conceitual quea realidade no justifica. Muito povos americanos que, desde odescobrimento, receberam, intermitentemente, correntes imigrat6-rias das mais diversas origens tnicas, conservaram a sua identi-dade cultural, porque as contribuies culturais das vrias etniasforam desiguais, em quantidade e qualidade. .

    Segundo: a conceituao de Linton estabelece uma relaode dependncia entre a fuso cultural e a amalgamao biolgicaque no deixa de apresentar certos perigos. O exemplo dos ne-gros americanos (40) mostra que assimilao e aculturao podemser completas sem que haja amalgamao,

    Alguns exemplos da colonizao germnica no Brasil eviden-ciam tambm que a assimilao completa no depende, necessaria-

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  • mente, da amalgamao, embora esta, pela intimidade dos contatosdo grupo familial, possa naturalmente apressar o ritmo da assimi-lao. Se verdade que a assimilao mais rpida se afigura, fre-qentemente, como efeito de intercasamentos, no so poucos oscasos, no entanto, em que o intercasamento se apresenta comoefeito da assimilao. A julgar por observaes nossas, a assimi-lao parcial deve at ser considerada conditio sine qua non deintercasamentos. Parece que somente a falta absoluta de mulheresleva imigrantes culturalmente diferentes e no assimilados a se ca-sarem com mulheres nativas.

    NOTAS

    (1) Robert E. Park, "Personality and Cultural Conflict", Publicationoi the American Sociological Society, vol. XXV (maio de 1931), pp. 96, 97.

    (2) Ross Stagner, Psychology oi Personality (Nova York, 1937,pp. 48, 49.

    (3) William [ames, The Principies of Psychology, vol. I (Nova York,1931), pp. 291 ss.

    (4) William G. Summer. Folkways (Boston, 1905). p. 12.(5) Ellsworth Faris, The Nature of Human Nature (Nova York, 1937),

    p. 14.(6) WiIliam I. Thomas e Florian Znaniecki, The Polisb Peasant in

    Europe and Amrica, voI. I (Boston, 1918). p. 44. Na mesma obra, a ati-tude definida como "elemento subjetivo em um complexo cultural, acontraparte individual de um valor social. E a tendncia individual dereagir, positiva ou negativamente, a um dado valor social" (voI. I, p. 24).A "tendncia" explica-se por uma srie de experincias feitas pela interaocom um determinado meio cultural. Tais experincias envolvem reaes asituaes especficas em nmero suficiente para determinarem uma reaoestereotipada. O preconceito racial representa o exemplo de uma reaoestereotipada ou atitude, como predisposio de agir de uma certa maneiraem relao ao negro, japons etc. Robert Park lembra que aes so "com-portamento dirigido", sendo as atitudes que indicam e determinam a dire-o para onde as aes tendem. Robert E. Park, "Human Nature, Attitudesand the Mores", in Kirnball Young (org.), Social Attitudes (Nova York,1931). Concepes semelhantes ou idnticas de atitudes encontram-se, porexemplo, em R. L. Sutherland e J. L. Woodward, lntroductory Sociology,2.' edio (Nova York, 1940), p. 211; E. B. Reuter, Handbook oi Sociology(Nova York, 1941), p. 81; Ellsworth Faris, "The Concept of Social Atti-tudes", in Kimball Young (org.) , Social Attitudes (Nova York, 1931). Evi-dentemente, se que existe uma diferena entre hbito e atitude, ela podeser caracterizada pelo fato de que a atitude tende a .exteriorzar hbitos.

    (7) Ibdern, vol. IV, pp. 41-43.(8) A confuso que se prende ao uso dos conceitos de estrutura e

    organizao social impe uma definio mais satisfatria que julgamos ha-ver encontrado num trabalho recente de G. Gordon Brown e [ames H.Barnett. Organizao social consiste, de acordo com os dois autores, emum sistema intragrupal e intergrupal de deveres e direitos recprocos, en-quanto que o uso do termo estrutura social se refere posio que pes-

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    soas e grupos ocupam em virtude desse sistema de deveres e direitos rec-procos. "Social Organization and Social Structure", American Anthropolo-gist, vol. 44, janeiro-maro de 1942, p. 32;

    (9) Vide Robert E. Park, op. cit., p. 108.(10) Robert .E. Park, "Human Migration and the Marginal Man", in

    American [ournal of Sociology, vol. XXXIII (maio de 1928), pp. 881-893.(11) W. I. Thomas e F. Znaniecki, op. cit., vol. V, p. 11.(12) Everett V. Stonequist, "The Marginal Man" (Nova York, 1935),

    p.43.(13) Everett V. Stonequist, loc. cit.(14) Stuart A. Queen, Walter B. Bodenhafer, Ernest B. Harper, Social

    Organization and Disorganization (Nova York, 1935), p. 570.(15) Vide Karen Horney, op. cit., pp. 28, 29.

    '16) Robert E. Park, "Assimilation H, in Encyclopaedia of the SocialSciences, voI. I.

    (17) Robert E. Park e E. W. Burgess. lntroduction to the Science oiSociology (Chicago, 1921), p. 735. Numa definio mais recente, Robert E.Park no mais menciona o fator histrico. Vide R. E. Park, "Assimila-tion", in Encyclopaedia ot the Social Sciences, voI. I.

    (18) Carta de um leitor redao do Observador Econmico. AnoIV, n. 43, agosto de 1939, p. 146. Os grifos so nossos. Aparentemente,o autor da carta considera as inmeras empresas fundadas por imigrantese atualmente dirigidas por seus filhos ou descendentes brasileiros, como"indstrias estrangeiras H, pois de outro modo no se explicaria o segundopargrafo da carta. Parece que aqui se manifestou o representante de umadeterminada camada social apenas, pois brasileiros de descendncia brasi-leira das classes mdias disputam, com intensidade crescente, cargos tc-nicos em empresas "estrangeiras",

    (19) Uma das conceituaes que E. B. Reuter formulou aproxima-sebastante do nosso conceito de assimilao .. Assimilao significa a mudanagradual de sentimentos e atitudes que resulta da residncia (em um pasestrangeiro) e da participao de uma cultura estranha. Gradativame: . .v osindivduos transplantados perdem o corpo de memrias, tradies e rela-es pessoais, que definiram sua integrao no grupo originrio, e adqui-rem os padres, crenas, ideais e apreciaes que os identificam com a novacultura. A mudana gradativa e, na maior parte, inconsciente das tradiese da lealdade a essncia da assimilao pessoal. ~ um processo lento detransformao pessoal que, em ltima anlise, efetua a incorporao do in-divduo no grupo, assegura sua lealdade ordem poltica' e o capacita decompartilhar da experincia social pela participao na vida cultural".Edward B. Reuter, The American Race Problem, Study 01 lhe Negro; 2.'edio (Nova York, 1937), p. 122." "".

    Em um trabalho recente, notvel sob certos aspectos, Nathan L.Whetten e Arnold W. Green chegam concluso de que "o conceito deassimilao um instrumento de anlise impreciso e pesado. Possui a qua-lidade arbitrria de tudo ou nada que o divorcia da realidade". Esta cr-tica, no entanto, dirige-se exclusivamente contra a definio de Park e Bur-gess por ser esta a mais aceita. No h motivo, portanto, para criticarmosuma afirmao que, embora generalizante, repousa em bases to frgeis.Vide Nathan L. Whetten e Arnold W. Green, "Field Research and theConcept of Assimilation", Rural Sociology, vol. VII, n." 3, setembro de1942, pp. 252 ss.

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  • ~.

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    (20) Robert E. Park e E. W. Burgess, op. cit., p. 735.(21) Vide E. -: Reuter, op. cit., p. 84, C. A. Dawson e W. E. Gettys,

    An Intraduction to Sociology (Nova York, 1917). p. 143.(22) Verne Wright e Manuel C. Elmer, General Sociology (Nova

    York. 1939). p. 627.(23) Robert E. Park, "Assimilation", Encyclopaedia of the Social

    Sciences, vol. 1.(24) Donald Pierson, na crtica feita a meu livro Assimilao e po-

    pulaes marginais do Brasil, na Revista do Arquivo Municipal. vol.LXXVII (So Paulo. 1941). p. 166.

    (25) Melville J. Herskovlts, Acculturation (Nova York, 1938).pp. 14, 15.

    (26) E. B. Reuter, op. cit., p. 163.(27) E. M. Burgess, UAccomodation", Encyciopaedia oi the Social

    Sciences, vol. 1.(28) E. M. Burgess, op. cit. Vide tambm Donald Pierson. "Um sis-

    tema de referncias para o estudo dos contatos raciais e culturais". Socio-logia. vol. III, n. 1 (So Paulo, 1941), pp. 14. 15.

    (29) Parece recomendvel restringir o uso do termo acomodao aosprocessos que caracterizam a cessao de um conflito social.

    (30) Op. cit., vol. I. p. 24 e vol, Il, pp. 21-22.(31) Videoconceito de valor em E. B. Reuter, op. cit., p. 163.(32) Robert Redfield, Ralph Linton e Melville J. Herskovts, "Me-

    morandum for the Study of Acculturation", in American [ournal 01 Sacio-logy. vol. XLI, n. 3 (novembro de 1935), pp. 366-370.

    (33) Ibidem, p. 366.(34) Depois de criticar a impreciso com que alguns antroplogos

    usaram o termo aculturao, Herskovits frisa a necessidade de distinguir.claramente. difuso cultural (conceito mais amplo) de aculturao (conceitomais estreito). dizendo: "Em geral, a difuso pode ser concebida comoaquele aspecto da mudana cultural que inclui a transmisso de tcnicas,atitudes, conceitos e pontos de vista de um povo para outro; quer por in-termdio de um nico indivduo ou de um grupo, quer mediante contatosbreves ou prolongados. Evidentemente, agora til a fim de classificartipos diferentes de dados, distinguir, neste campo geral, aqueles contatosque so breves e no envolvem nenhuma associao prolongada entre umindivduo e o povo de cultura diferente - por intermdio dos quais, porexemplo, um trao da cultura polinsia aceito por um grupo melansiovisitado uma vez por alguns viajantes de uma ilha muito distante daquelesoutros tipos de difuso que ocorrem quando um povo est exposto. durantemuito tempo. a uma cultura diferente da sua prpria". Melville J. Hersko-vits, Acculturation (Nova York, 1938), pp. 14, 15.

    (35) Um caso extremo representado por certas pesquisas arqueol-gicas que procuram interpretar sociedades desaparecidas atravs dos restosergolgicos encontrados.

    (36) "Trs importantes manifestaes de aculturao aparecem. usual-mente. em todas as situaes: 1) mudanas no equipamento cultural ou"cultura material"; 2) mudanas na organizao social. n08 padres e naincidncia da participao de indivduos da vida grupal: e 3) mudanasna estrutura e organizao da personalidade." Iohn Gillin e Victor Raimy,"Acculturation and Personality", in American Sociological Review, vol, V,n," 3, junho de 1940, p. 372. O estudo desses aspectos baseia-se no fato deque "a cultura no existe parte dos seres humanos e que nem a estruturada personalidade individual, nem a configurao cultural podem ser sgni-

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    ficativamente compreendidas a no ser por referncias recprocas" (ibidem).Gillin e Raimy no usam o termo U assimilao" mas evidente que as"mudanas na estrutura e organizao da personalidade" constituem real-mente o objeto de estudo da assimilao.

    (37) No presente trabalho usamos o termo funo em um sentidobastante preciso. A funo de um elemento cultural "a soma total desuas contribuies no sentido de perpetuar a configurao s6cio-cultural".Ralph Lnton, The Study of Man (Nova York, 1937), p. 404. Vide tam-bm A. R. Radcliffe-Brown. "Sobre Estrutura Social". in Sociologia, vol. IV.n," 3 (So Paulo. 1942). p. 226.

    (38) Vide, por exemplo, alm de Park e Burgess, op. cit., MelvilleJ. Herskovits, Acculturation (Nova York, 1938), p. 15 e Ralph Linton,Accutturation in Seven American Tribes (Nova York, 1940), p. 502.

    (39) Ralph Linton, loco cito(40) Verdade que os negros no participam da cultura americana

    no mesmo grau que outros estratos da sociedade estadunidense. Todavia, aexcluso parcial do negro no implica, como Robert E. Park e E. B. Reuterpensam, em falta de assimilao. "Em qualquer sentido real e fundamen-tal. a Amrica deixou de assimilar os negros; eles ainda constituem umgrupo mais ou menos parte e. por lei e costume, negam-se-lhes muitosdos direitos de cidadania. sendo eles excludos, tambm de outra maneira.da participao plena na cultura. Eles esto dentro da ordem poltica, masno lhe representam uma parte integrada: eles so culturalmente excludose tendem a tomar-se uma casta proletria permanente." Edward B. Reuter,The American Race Problem. A Study 01 the Negro, 2." edio (NovaYork, 1937). p. 112. Se verdade o que a maioria dos antroplogos ame-ricanos afirma, que no h sobrevivncias africanas entre os negros esta-dunidenses e que eles so culturalmente americanos e nada mais, o pro-blema da participao cultural no de assimilao, mas talvez de socia-lizao. Esta situao o negro estadunidense compartilha com inmerasoutras classes ou castas proletrias em sociedades estratificadas onde a par-ticipao cultural varia em funo da camada social. e onde existe, s vezes,um patrimnio cultural prprio e distinto em cada estrato. E: uma incoe-rncia desnorteante o falar-se em uma "assimilao incompleta" desses es-tratos.

    27

  • CAPTULO VI

    ISOLAMENTO E CONTATO

    Aspectos gerais

    No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, os imigrantes ger-mnicos colonizaram uma larga faixa serrana, situada entre o litorale o planalto. Aos poucos proprietrios nativos a imigrao estran-geira acenava com valorizaes fceis de suas imensas terras. Ven-diam-nas pouco a pouco como j vimos, cedendo, ecologicamentefalando, invaso de um novo tipo de habitante provido de umequipamento adaptativo que permitia a aplicao de um sistemade explorao diferente do da terra. Os contatos que a grandemaioria dos imigrantes estabelecia com nativos eram fugazes, .inter-mitentes e, por isso mesmo, secundrios. Para isso contribua nosomente a extrema rarefao da populao nativa, mas tambmas diferenas entre os sistemas econmicos. A sociedade nativano era agrcola, mas pastoril e, em escala muito menor, urbana.Verdade que precisamente essas diferenas estimularam a cons-tituio de uma trama de relaes simbiticas: As poucas cidadesrepresentavam mercados para os produtos agrcolas da colnia. Doplanalto, gachos e lajianos desciam. para vender gado e matrias-primas abastecendo assim pequenas indstrias fundadas pelos imi-grantes e levando, em troca, artigos manufaturados. Todavia, rela-es simbiticas costumam ser secundrias e, portanto, de efeitoslimitados quanto s possibilidades de uma interpenetrao cultural.Acresce que as zonas de contato eram marginais, limitando-se que-las partes que, favorecidas pela distncia ou por meios de comu-nicao relativamente fceis, pudessem articular-se com as peque-nas comunidades urbanas ou com a sociedade pastoril do planalto.A marginalidade dessas zonas acentuava-se medida que a colo-nizao avanava serra adentro e se reduzia a disperso inicial doscolonos. Pois assim nasciam, paulatinamente, subreas (picadas ou

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    .)

    conjuntos de picadas geograficamente limitados) em tomo de cen-tros urbanos ou semi-urbanos que eram, a um tempo, focos deatrao e de irradiao cultural. Em termos sociolgicos trata-sede um processo de diferenciao e urbanizao crescente dos imi-grantes ou seus descendentes os quais, abandonados a sua sorte,peneirados e selecionados por uma srie de fatores j analisados,constroem uma sociedade que rro se confunde com a sociedadelitornea, nem com a do planalto e nem tampouco com a socieda-de originria. E uma sociedade nova que nasce reunindo elementosculturais das outras trs cuja aproximao ou fuso parcial cons-titui objeto de estudo dos captulos subseqentes.

    O grau de isolamento geogrfico - acompanhado de insula-mento cultural- variava grandemente no espao e no tempo. Noparece demais insistirmos sobre o fato de que, originariamente, qua-se no havia populao luso-brasileira nas zonas de colonizao ger-mnica. A nova sociedade integrada quase exclusivamente porimigrantes alemes, seus descendentes, e por fragmentos tnicos cul-turalmente absorvidos por eles, constitua-se sem que houvessepossibilidades de integrar, em grande escala, valores culturais bra-sileiros. Assim como extensas pores da sociedade colonial brasi-leira se formaram e se desenvolveram praticamente fora do .raio dealcance do sistema estatal da metrpole, a maioria das zonas de co-lonizao estrangeira permanecia, por longas dcadas, voltada sobresi. Os laos que as ligavam ao sistema poltico-administrativo eeducacional da nao eram extremamente tnues. Quanto maior o .isolamento geogrfico das reas tetas, quarito mais rarefeitos osstios e ncleos e quanto m:ais homognea a sua organizao eco-nmica tanto mais acentuado o seu insulamento cultural. Comoilhas culturais as diversas reas permaneciam tambm isoladas urnt.,em relao s outras.

    Observa Wettstein que, no comeo do sculo 20, a grandemaioria das pessoas influentes dos municpios de Joinvile, Blu-menau e Brusque nunca viajara mais de 75 km em direo aointerior, no conhecendo nem sequer o planalto catarinense. (1 )Somente cinqenta anos depois da fundao de Joinvile e Blume-nau, as duas colnias receberam uma boa ligao rodoviria. ComBrusque, a comunicao permanecia precria. (2)

    No caso da imigrao estrangeira (alem, italiana e polonesaprincipalmente), que penetrou os trs Estados sulinos desbravan-do-lhes reas praticamente desabitadas e estruturando uma socieda-de nova, preciso distinguir as mudanas culturais decorrentes das

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  • condies sociais internas, acrescidas de certas imposies do meiofsico, daquelas que tiveram sua origem em contatos com a popula-o nativa. As primeiras chamaremos mudanas endgenas, assegundas, exgenas. ~ bvio que em inmeros casos concretos serdifcil seno impossvel classificar as mudanas ocorridas atribuin-do-lhes esta ou aquela forma. A substituio de um valor culturalpode ter, por exemplo, causas endgenas - a necessidade de ajus-tar o equipamento adaptativo a novas condies geogrficas - ena escolha do trao substituinte podem prevalecer influncias ex-genas. Exemplos encontram-se em quase todas as esferas da cul-tura ergolgica. Os veculos de trao animal usuais na sociedaderural alem raramente puderam ser conservados porque faltavamrodovias adequadas a seu uso, pelo menos em zonas recm-abertas.Mister se fazia substituir esses elementos por outros que fossemmais apropriados. Todavia, no se conhece um nico caso sequerem que os colonos alemes tivessem inventado um novo tipo deveculo. Evidentemente era mais simples lanar mo do carro de

    . boi caboclo que j representava um meio de transporte ajustado acondies particularmente difceis de transporte. No resta dvidade que sem a necessidade endgena e a influncia exgena a mu-dana cultural jamais teria ocorrido, pois o carro de boi pareceno possuir qualidades que sugerem o seu uso quando veculosmais eficientes lhe possam fazer as vezes; nem tampouco a suautilizao estava adstrita a uma categoria social de indivduos in-fluentes a ponto de se poder esperar um aumento de prestgio pelaadoo desse elemento material.

    Mudanas lingsticas oferecem exemplos no sentido oposto.A no , freqentemente, nenhuma necessidade endgena que de-termina a adoo, pelos colonos alemes, de termos portugueses,mas exclusivamente, como se ver mais adiante, o desejo de elevaro status social. No ltimo caso, a mudana se d em funo doscontatos que se estabelecem entre camponeses e citadinos,

    A fonte de uma srie de mudanas endgenas temos que pro-curar na composio social dos prprios imigrantes. A heteroge-neidade interna dos ncleos coloniais era, em face da profunda dife-renciao cultural da Alemanha rural; um fator que no admitia,geralmente, a transmisso deste ou daquele tipo de cultura regional,representada, digamos, pela habitao ou pelo dialeto. Aconteceu,por exemplo, que os pomeranos do Esprito Santo absorvessem asformas culturais de outras origens germnicas, mas s6 depois decomplicados e demorados processos aculturativos. Todavia, no fim

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    no venceu a cultura originria de um determinado grupo tnico,mas apenas a parcela da cultura originria que nas novas condi-es mesolgicas e sociais pde ser conservada. No , portanto, acultura pomerana que encontramos atualmente no Esprito Santo,mas apenas certos traos dessa cultura, quer dizer, aqueles que,por uma srie de razes, resistiram ao processo de mudana cul-tural.

    Culturalmente heterogneos tambm eram - e talvez em es-cala maior - os ncleos integrados por imigrantes de classes so-ciais diversas ou aqueles em que as profisses e as classes sociaisse misturavam ou combinavam como, por exemplo, em Joinvile,onde um telogo se tomou cervejeiro, um ex-oficial guarda civile uma aristocrata abriu uma padaria. (3) B foroso admitir que taiscondies eram pouco propcias transferncia de um tipo culturaldeterminado.

    O que se pode afirmar, neste particular, com referncia totalidade de qualquer cultura local ou regional, pode ser aplicado,tambm, a seus traos e complexos integrantes. Nenhuma das in-meras culturas locais ou regionais germnicas pode ser encontra-da, in toto, no Brasil. Da mesma forma, no h exemplo de umnico elemento cultural (complexo ou trao) que no tivesse so-frido mudanas em alguns de seus detalhes.

    A maior parte das mudanas endgenas ocorreu, sem dvida,em funo do meio fsico. A substituio de inmeros elementosdo equipamento adaptativo era simplesmente uma questo de so-brevivncia. A impossibilidade de plantar os cereais e legumes daterra natal exigia do imigrante alemo no somente uma revisode certas tcnicas agrcolas, mas impunha, principalmente, a ado-o de uma dieta diferente. Em zonas novas raro encontrar ser-rarias e olarias. O material de construo tinha de ser, por conse-guinte, o tronco do palmito, o barro ou, talvez, tbuas serradas mo. Alis, certos elementos da cultura dos imigrantes desapare-cem automaticamente porque falta a possibilidade de articul-loscom outros traos de cuja existncia eles dependem. Seria, porexemplo, o caso de aparelhos eltricos cujo uso depende de ins-talaes especiais.

    A quebra do insulamento

    Nem todos os imigrantes germnicos estabeleceram-se em reasdesabitadas e isoladas. Numerosas so as excees de levas que

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  • imediatamente entraram em contato com a populao nativa (Tor-res, So Pedro de Alcntara, Santo Amaro, ltapecerica etc.).Atrados pelas possibilidades profissionais, no poucos indivduosou fanulias dispersaram-se pelas cidades ou pelo interior afora.De mais a mais, desde o fim do sculo passado, o nmero de co-lnias mistas aumentava, surgindo assim as condies para umainterpenetrao cultural mais completa. Nas reas "germnicas", aquebra do insulamento cultural estava condicionada a trs" pro-cessos sociais distintos, ainda que interdependentes. A diferencia-o dos imigrantes e seus descendentes em lavradores, artfices, co-merciantes e industriais criou o esquema de uma estrutura socialem que o elemento teuto ocupava, como no podia deixar deocupar, todos os nveis" a partir do roceiro, carroceiro e pequenovendeiro at o comerciante por atacado e proprietrio de fbrica.Contudo, o desdobramento dos imigrantes em classes sociais vinha.'acompanhado de processos de urbanizao e industrializao emno poucas reas de imigrao alem. Pequenos ncleos urbanosou semi-urbanos nasceram e cresceram a olhos vistos. Com essecrescimento a circulao poltico-administrativa intensificava-se, es-colas pblicas abriam-se, algumas cidades receberam guarniesmilitares e, ao mesmo tempo, as condies econmicas para oexerccio de profisses liberais sofreram uma modificao radical.Funcionrios, professores, militares, mdicos; dentistas, advogados,farmacuticos e engenheir.os eram geralmente brasileiros. de ascen-dncia lusa vindos de centros mais antigos. Desta maneira abriam-se perspectivas de uma interpenetrao cultural mais intensa, em-bora aqueles elementos nem sempre conseguissem um status socialdefinido na sociedade local. A instabilidade profissional e, sobre-tudo, a predominncia de preconceitos estereotipados decorrentesde longos perodos de insulamento dificultavam, freqentemente,a formao de relaes primrias intertnicas.

    De outro lado, a industrializao atraa, em escala crescente,operrios de reas vizinhas onde predominavam etnias diferentes.Raramente, o elemento teuto disponvel era quantitativa mente su-ficiente para prover as necessidades de mo-de-obra das novas in-dstrias. Regies h onde a industrializao provocou xodos cujoritmo foi se acelerando cada vez mais desde a Primeira GuerraMundial.

    O terceiro fator que contribuiu para a quebra do insulamentocultural, est intimamente relacionado diferenciao social dosimigrantes e teu to-brasileiros. A prosperidade econmica e as pos-sibilidades de ascenso social de no poucos elementos de origem

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    germnica criavam uma situao inteiramente nova. As chances defazer carreira, qualquer que fosse o campo profissional escolhido,estavam condicionadas integrao na vida cultural da nao. Oscanais de ascenso profissional passavam pelas escolas secund-rias e superiores do pas. O prprio comrcio que no fosse estrita-mente local ou regional, requeria o domnio da lngua nacional euma etiqueta que no causasse estranheza em meios etnicamentediferentes. Rapazes e moas de famlias alems ou teuto-brasileirascursavam, cada vez mais, as escolas de Porto Alegre, de Florian-polis e de Curitiba. Com a prosperidade crescente, tomava-se mais"distinto" mandar os filhos para o Rio ou So Paulo. Nesses cen-tros perdiam-se velhos preconceitos e alguns jovens traziam, devolta cidade natal, esposas luso-brasileiras.

    A prpria expanso econmica de no poucos ncleos teuto-brasileiros, que se iam tomando, paulatinamente, centros de expor-tao, rompia, pelas relaes comerciais entabuladas com centrosde consumo mais distantes, o insulamento cultural. A necessidadede conhecer a lngua da terra, a passagem de um nmero cada vezmaior de viajantes, a par com o desenvolvimento lento das viasde comunicaes e meios de transporte, so fatores que punhamem contato permanente um nmero crescente de pessoas etnica-mente diversas.

    A conscincia de que mudanas mais ou menos profundas es-to se processando viva 'entre os teuto-brasileiros:

    Em todo caso, atualmente j no possvel que a colnia alem noBrasil permanea isolada como tem sido at agora, de modo geral. A queponto o isolamento era acentuado pode ser explicado pelo fato de havermuitos colonos alemes que quase no falam o vernculo, embora sejambrasileiros natos e tenham trabalho a sua vida toda pelo Brasil.

    Hodiernamente, essa segregao do mundo luso-brasileiro j no existecom a mesma intensidade. O trfego mais intenso (automvel!), o serviomilitar, a expanso das escolas pblicas e da organizao administrativapuseram a colnia em contato muito mais estreito com os luso-brasileirosdo que antigamente. Isso j se percebe pela difuso do vernculo que su-plantou, em alguns lugares, a lngua alem. (4)

    Desorganizao social e cultural

    Na anlise dos choques culturais que acompanharam, foro-samente, os contatos com a populao nativa preciso lembrar-sede que

    1) os imigrantes se compunham, em parte, de elementos de-sajustados;

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    2) as longas viagens martimas com sua promiscuidade com-pleta e, freqentem ente, as demoras sem fim nos portos de desem-barque abalaram o moral dos imigrantes;

    3) o contraste entre as iluses e a realidade era maior do quegeralmente se supe. "Iluses" sobre a vida em pases "exticos"podem ser classificadas como imagens ou representaes deside-rativas as quais fazem parte de uma cultura como quaisquer outrosideais ou desejos. Nos pases de cultura ocidental, a idealizao davida aventureira em terras longnquas, no meio de uma fauna eflora estranhas, em contato com homens exticos ou sinistros, cons-titui um dos traos mais caractersticos sobretudo da culturajuve-nil. Este e outros fatos eram postos a servio de uma propagandaque procurava pintar a vida na Amrica como extremamente se-dutora.

    Dos prospectos sobre a colonizao na zona do Mucuri (MG)transcrevemos, a ttulo de exemplo, algumas frases. Nelas, a col-nia elogiada como uma "das mais frteis e salubres de todo oimprio brasileiro", oferecendo "as maiores vantagens e as garantiasmais seguras". "O belo e saudvel clima era melhor do que o daEspanha e da Itlia." (6)

    Um observador colheu, numa viagem ao Brasil, iluses deemigrantes. Muitos entre eles pensavam que ningum precisassecuidar do "po quotidiano". Se algum lhes chamasse a atenopara as privaes que os colonos de tempos passados sofreram,respondiam ingenuamente: "Mas s antigamente era assim". Muitosacreditavam na afirmao de boletins de propaganda de que 800marcos eram suficientes para adquirir um lote, construir uma casae manter-se at a primeira colheita. (Na realidade, os lotes maisbaratos custavam 700 marcos, que dentro de dois a trs anos pre-cisavam ser amortizados.) Os emigrantes no compreendiam que ovalor das terras dependia da existncia de vias de comunicaoque permitissem a sua explorao.I")

    Uma ilustrao dos mtodos empregados pela propaganda emi-:gratria oferecem os autos do processo penal contra o engenheiroWilhelm Brosenius condenado a trs meses de priso, a 28 de agos-to de 1913, por um tribunal de Berlim, porque usara meios enga-nosos para engajar emigrantes (') visando lucros comerciais comesses aliciamentos.I") Brosenius havia concludo um contrato como governo de Minas Gerais comprometendo-se a introduzir, nesseEstado, quatro mil famlias alems, austracas, suas, holandesas,dinamarquesas, italianas, polonesas e russas. Na propaganda, Bro-

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    senius prometeu a todos os candidatos emigrao 25 hectares quepassariam a ser propriedade do colono depois de serem cultivadosdurante sete anos consecutivos. A legislao mineira permitia doa-es de terra somente a imigrantes que viessem providos de re-cursos correspondentes. O procedimento de Brosenius foi qualifi-cado de irresponsvel porque as promessas eram extraordinaria-mente difceis de serem cumpridas para emigrantes pobres. Impor-tante tambm foi considerado o fato de que o folheto de propa-ganda, alm de conter inverdades, "silenciava circunstncias essen-ciais" dirigindo-se, em primeiro lugar, "com expresses hbeis" populao das grandes cidades, pois ento "camponeses no emi-gravam da Alemanha a no ser em propores mnimas't.I")

    Os processos de propaganda de que lanavam mo certas em-presas de emigrao ou de venda de terras utilizavam-se de todosos possveis recursos desde a fraude grosseira at certos jogos sutisde simples palavras cujo significado aqui outro que na Europa.Certas companhias de colonizao empenhadas em vender terrasa famlias alems desejosas de tentar nova vida no Rio Grandedo Sul traduziam, por exemplo:

    cidade por Stadtvila por Stadtplatzauto-estrada por Autostrassevenda por Kauihaus etc ...

    Tomando a traduo ao p da letra, no possvel lanar-lheuma censura. Mas acontece que uma localidade de dois ou trsmil habitantes no uma cidade no sentido europeu; a auto-estrada,na Europa, asfaltada ou, pelo menos, macadamizada. Aqui otermo se aplica a qualquer estrada construda de modo a permitiro trfego de automveis ainda que s em tempo seco, como emquase todas as estradas no Rio Grande do Sul at h poucos anos.O "Kaufhaus" enfim para o alemo uma espcie de armazm ouemprio, daqueles que s se encontram nas grandes cidades. Assim,o imigrante costuma estranhar tudo, desde a estrada de ferro debitola estreita e um nico trem dirio, a auto-estrada, as casas demadeira, as vendas modestas sem vitrinas etc. Mas por maioresque sejam as decepes que sofrem esses indivduos, elas no p0-dem ser comparadas com as desiluses amargas que esperavam asprimeiras levas de imigrantes, no sculo passado. Ouamos a des-crio da chegada dos primeiros colonos de Brusque (SC). "Noano de 1861 chegaram outras famlias ... que subiram o Itaja

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  • Mirim' em lanchas, levando para essa viagem nove dias devido enchente. (Hoje uma hora e meia de automvel!) Chegados aodestino, elas foram alojadas em um rancho construdo de palmi-tos onde tinham que morar nove meses at que puderam transpor-tar-se para as suas terras. Recebiam como alimento farinha demandioca, carne-seca e toicinho de Minas ... Os adiamentos con-cedidos pelo governo oravam, de acordo com o nmero de mem-bros de cada famlia, em 30$000 a 40$000, que passavam a sertranscritos em forma de dvida hipotecria. Durante vrios anos,os colonos ganhavam a vida na construo de estradas; somenteem 1865 chegaram a manter-se pelas suas terras."(tO) A situaomaterial dos colonos era, nos primeiros tempos, quase a mesmapor toda parte, como j observamos em captulos anteriores. Noh dvida de que a distncia entre a expectativa e a realidade deveter sido enorme. s decepes da chegada seguiam outras no me-nos amargas. "Queixavam-se em geral, os colonos", diz Augusto deCarvalho. (11 )

    1) da recusa em cntregarem-se-lhes os ttulos permanentes de proprie-dade dos prazos coloniais, que o governo lhes concedeu; 2) da falta de .me-dio e demarcao desses prazos; 3) da venda dos terrenos encravadosentre prazos feita a especuladores que s6 tinham em vista revend-los porpreos exagerados.

    Embora tais acusaes no possam ser generalizadas, a lega-lizao da posse das terras encontrava, freqentemente, as maioresdificuldaes e os desgostos da provenientes desanimaram mais deuma famlia de imigrantes. Tambm as fraudes em ttulos de pro-priedade eram freqentes em algumas zonas do sul, tendo sido pra-ticadas, em certos municpios de Santa Catarina, at 1930. Nume-rosas famlias perdiam assim as suas terras e o seu peclio.

    As questes ligadas legalizao das propriedades territoriaisrepresentam choques culturais de uma categoria particularmenteinteressante. O equipamento adaptativo dos imigrantes germnicosno dispunha de traos que pudessem ser aplicados situao bra-sileira. No pas de origem a terra era usualmente propriedade in-conteste de vrias geraes da mesma famlia. A alienao de pro-priedades rurais j constitua um fato descomunal e muito mais oeram as dificuldades de legalizao da propriedade. O caboclo de-senvolveu, no decurso do tempo, padres de comportamento querepresentavam, como ainda hoje representam, uma soluo ade-quada: o usucapio foi sancionado pela lei brasileira e a posse tem-porria de terras por intrusos freqentemente no encontra oposi-

    112 j"

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    o decidida por parte dos proprietrios legtimos. Mas a culturados imigrantes alemes ignorava essas experincias e padres. Sen-tiam-se freqentemente logrados, desanimados e no sabiam, con-trariamente a seus prprios filhos e netos, desenvolver padres decomportamento adequados.

    A 13 de maio de 1879, o colono Friedrich Adolf Thomas, quechegara em 1856 a Nova Filadlfia (Tefilo Ottoni), dirigiu a se-guinte carta ao diretor da colnia:

    -,1

    .H vinte anos que venho pedindo justia toda vez que a direomudou, mas sempre em vo. Tambm desta vez quero fazeruma tentativa; mas a ltima; decerto ningum me poder acusarde precipitao. Em dezembro de 1856 comprei a minha atual colnia pa-gando-a li vista com 600 mil ris, A frente do meu lote media 500 braas,de acordo com as declaraes do engenheiro-chefe. Dr. Roberto Schloh-bach: o fundo devia ser o porto. O mesmo engenheiro tirou-me (por assimdizer), um ano depois. 300 braas de que ele formou uma colnia para simesmo. Por ocasio de uma terceira medio (engenheiro Bernhardt) perdioutra vez 50 braas. Com uma quarta medio, feita pelo engenheiro Pe-lato, ganhei algumas braas. A quinta medio do agrimensor Schieberno alterou o ponto da divisa, mas fez desviar bastante para oeste o tra-ado longitudinal. A sexta medio foi feita pelo Dr. Arcolla, o ponto di-visrio no pde ser alterado, mas desta vez o traado longitudinal foidesviado muito para leste. Cada um desses senhores se dizia o verdadeiroMessias - o que fao, vale para a eternidade! - A gente est propensa aacreditar em ter cado num manicmio e a desaconselhar pagamentos vista precipitados. Peo-lhe, portanto, o obsquio de tomar providncias nosentido de no se modificar mais a divisa, e de ser determinada a rea demeu lote. Como no recebi a quantidade de terra correspondente ao di-nheiro pago, peo a devoluo da diferena ou entrega de um trecho deterreno ainda desocupado, nos fundos de meu lote. Diante da instabilidadedos funcionrios e da horrvel desordem de se recear que meus filhossero forados a prestar novo pagamento, pois sei que o meu nome foilanado, com uma dvida de 700 mil ris, no registro de dvidas da colnia.Ao governo no devo mais de 150 mil ris que recebi por ocasio de umapraga de ratos. O meu desejo certamente justo receber enfim, depois devinte anos, um recibo legalmente vlido pelo dinheiro pago e o ttulo deposse de meu lote. Se tambm desta vez o meu pedido no for atendido,serei forado a explanar o meu caso ao pblico em geral, o que o governocertamente no poder permitir. Porm, mais tarde, meus filhos possuiro,com esse jornal, pelo menos um documento. (12)

    s dificuldades dessa ordem associavam-se outras, como, porexemplo, estas, descritas por um vi~jante estrangeiro em i891 .

    As condies de transporte so incrivelmente complicadas. O colonode Blumenau obrigado a levar, de carroa, os seus produtos, em viagemde um a dois dias, cidade; da eles so transportados em um pequenovapor fluvial, de 90 em de calado, ao porto de Itaja, Segue outra baldeaoe um navio leva os produtos Capital, Desterro. onde h alfndega. Apagam-se os impostos aduaneiros e depois os produtos so carregados por

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  • outro vpor... Assim as despesas at o Rio de Janeiro so duas ou trsvezes mais altas do que as que se pagam da Europa ao Brasil. (13)

    Por mais que destoe a situao material do imigrante das ex-pectativas anteriores, mais grave e de efeitos mais incisivos podemser considerados os conflitos mentais originados pelo isolamento eo novo estilo de vida, que, por fora de circunstncias, lhe estavaassociado:

    Depois do duro trabalho quotidiano, no podiam descansar maneiraacostumada do pas de origem. No lhes era possvel palestrar, tardinha,com os vizinhos direita e esquerda. Nas manhs de domingo no ouviamo toque dos sinos que os chamavam igreja, tarde no podiam passearpelos trigais, noite no se podiam encontrar com os amigos no botequimpara tomar cerveja. Os filhos se criavam sem companheiros, sem instruo.Habitavam na solido e no deserto de um pas estranho e seus olhos noavistavam nada seno a monotonia sombria da mata virgem. (H)

    As solicitaes do novo meio produziram efeitos muito diver-sos sobre os imigrantes. Subtrados ao controle de suas comunida-des originrias e incapazes de reorganizar-se, por falta de experin-cias adequadas, os imigrantes no podiam deixar de desenvolvernovas atividades que lhes caracterizavam a desorganizao social.Esta fase que a grande maioria das colnias percorreu foi muitasvezes descrita em termos de "imoralidade", "barbrie", alcoolismo,mobilidade espacial e profissional etc. A julgar pela conduta deno poucos imigrantes de se supor que tenham sofrido um pro-cesso de desintegrao emocional que, sob a presso da nova si-tuao, os fazia perder o hbito de reagir de uma maneira determi-nada. As novas experincias foram, ao que parece, to dolorosasem muitos casos que se pode falar da "formao traumtica" (15)de certas atitudes com que os imigrantes tentavam responder aosestmulos do meio.

    Sobre os imigrantes alemes do Esprito Santo, um dos via-jantes mais objetivos em suas observaes repara:

    Onde a fome entra pela porta, o pudor foge pela janela mais pr-xima. Mulheres e filhas de colonos prostituam-se, por uma ou poucas pa-tacas, aos brasileiros de Porto da Cachoeira a fim de comprarem manti-mentos, arrastando mais tarde um corpo carcomido pela sfilis. (16)

    o mesmo observador qualificou de imoral tambm a condutados colonos de Rio NOVO.(17)

    Em Petrpolis de 1858, a situao parece ter sido semelhante:

    A populao alem perder, sob a administrao municipal, muitomais depressa o seu tipo primitivo do que sob a direo da repartio

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    colonial. A gerao nova j aceitou, na maior parte, lngua e costumesbrasileiros, mormente a parte feminina, cuja moral, do lado dos nativos,merece poucos elogios. Fome e misria nos primeiros tempos da vida co-lonial afrouxaram os vnculos da vida farnilial, embotando enormemente osentimento moral; jamais faltaram tentaes contnuas e ocasies proposi-talmente arranjadas para praticar imoralidades. Os veranistas do Rio deJaneiro so visitas bem-vindas em muitas casinhas dos vales da colnia.Tambm essa situao dificilmente sofrer uma modificao para o melhor.Nome grego, populao alem, lngua portuguesa e leis brasileiras encon-tramos em Petrpolis como tambm em outras colnias brasileiras. Umamistura singular de elementos heterogneos. (18)

    Entre os alemes do Mucuri havia um nmero bastante elevado deindivduos abjetos. Contaram-me, por exemplo, de um prussiano que ven-dera sua filha, quase criana, aos chineses em troca de certa quantidadede cachaa. Em geral, referncias pouco elogiosas ouviam-se sobre a moraldas mulheres e moas alems das colnias de Mucuri. Coisas semelhantesouvi na maioria das outras colnias. A causa principal est na vida desre-grada durante a travessia a bordo dos navios emigratrios. (19)

    Sinais de desorganizao evidencia um relatrio do pastorprotestante Joo Ehlers que exerceu suas atividades em So Leo-poldo de 1824 a 1854. A intemperana dos colonos teria sidoinacreditvel, a julgar pelas palavras de Ehlers. Eles construram,ao lado das igrejas existentes, certo nmero de capelas a fim dearranjar pretextos para festas. A quermesse propriamente dita eraprecedida por uma quermesse preliminar (Vorkerbs) e uma festafinal (Nachkerbs). At na Sexta-feira Santa, os colonos se teriamentregado, nas imediaes da igreja, a orgias alcolicas. (20)

    Em Rumo de Laje (perto de Petrpolis) encontrei um carpinteiroalemo de Colnia: ele estava to embriagado que no pude falar com ele.O vendeiro informou-me que era um trabalhador hbil e que poderia ga-nhar muito dinheiro se no fosse um brio habitual; somente em dois outrs dias da semana ele estava em