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FACULDADE DE JAGUARIÚNA INSTITUTO BIOETHICUS ACUPUNTURA NO TRATAMENTO DE LESÕES DA MEDULA ESPINHAL EM EQUINOS ROBERTA CARVALHO BASILE Botucatu 2012

Acupuntura no tratamento de lesões da medula espinhal em equinos

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FACULDADE DE JAGUARIÚNA

INSTITUTO BIOETHICUS

ACUPUNTURA NO TRATAMENTO DE LESÕES DA MEDULA ESPINHAL EM EQUINOS

ROBERTA CARVALHO BASILE

Botucatu

2012

ROBERTA CARVALHO BASILE

ACUPUNTURA NO TRATAMENTO DE LESÕES DA MEDULA ESPINHAL EM EQUINOS

Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização

em Acupuntura Veterinária, apresentado ao Instituto

Bioethicus, Botucatu, SP.

Área de Acupuntura Veterinária

Orientador: Jean Guilherme Fernandes Joaquim

Botucatu

2012

Basile, Roberta Carvalho

Acupuntura no tratamento de lesões da medula espinhal em equinos / Roberta Carvalho Basile - 2012.

Trabalho de Conclusão (Curso de Especialização em Acupuntura Veterinária) - Instituto Bioethicus,

Botucatu, 2012.

Orientador: Jean Guilherme Fernandes Joaquim

1. acupuntura. 2. neurologia. 3. cavalos

CDD

Palavras-chave: Acupuntura; Neurologia; Cavalos.

“Aquelas doenças que os remédios não curam, o

metal cura; aquelas que o metal não cura, o fogo

cura; aquelas que o fogo não pode curar são

totalmente incuráveis.”

Hipócrates

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Lúcio e Dolores, que aceitaram minha real vocação e me apoiaram durante toda esta

fase tão desafiadora e repleta de mudanças.

Ao meu amor Marcelo, amigo e companheiro, que sempre acreditou nas minhas decisões, me

apoiando e me incentivando todo o tempo.

Aos amigos Fabíola e Edson, que me presentearam com a oportunidade de comprovar o quão

poderosa é a acupuntura e se empenharam junto comigo no esforço de salvar a vida do cavalo Magrão.

Ao Prof. Delphim, tutor que se tornou amigo, pessoa que respeito e admiro, cujos ensinamentos

levarei por toda a vida.

Ao Prof. Queiroz e Prof. Stelio, mestres que viabilizaram minha especialização tão desejada e

prematura.

Ao Dr. Jean, pessoa que admiro pela brilhante conduta profissional e que me orientou durante todo o

curso e também neste trabalho.

Ao instrutor e amigo Dárcio, que sempre permitiu que eu utilizasse seus cavalos para praticar e

aprender.

Às amigas Carol, Vand, Ju e Renatinha, pela convivência tão alegre, gostosa e enriquecedora durante

estes 2 anos.

À minha irmã de coração Evelyn, quem me acompanha desde os 17 anos e que sempre esteve ao meu

lado, nas comemorações e nas dificuldades, com amor incondicional.

Ao Matheusinho querido, que me ajudou a escrever esta monografia ainda dentro de meu ventre.

E ao doce cavalo Flyer, quem amo e respeito mesmo depois de sua partida, que reascendeu a paixão

pela veterinária que sempre morou em meu coração, inesquecível e incomparável para sempre.

SUMÁRIO

RESUMO ................................................................................................................................................. i

ABSTRACT ............................................................................................................................................ ii

LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................................ iii

LISTA DE TABELAS ........................................................................................................................... iv

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 12

2 ANATOMIA DA COLUNA VERTEBRAL ................................................................................. 13

2.1 Esqueleto axial e discos intervertebrais ................................................................................... 13

2.2 Medula espinhal e plexos nervosos ......................................................................................... 14

3 AVALIAÇÃO DA MEDULA ESPINHAL ................................................................................... 18

3.1 Exame da medula pela medicina convencional ....................................................................... 18

3.2 Exame medular pela medicina tradicional chinesa ................................................................. 20

4 AFECÇÕES DA MEDULA ESPINHAL ...................................................................................... 22

4.1 Doenças congênitas ................................................................................................................. 22

4.1.1 Malformação de vértebras cervicais (MVC)..................................................................... 22

4.1.2 Malformações occiptoatlantoaxiais (MOAA) ................................................................... 22

4.2 Condições inflamatórias, infecciosas ou imunomediadas ....................................................... 23

4.2.1 Mieloencefalite protozoária equina (EPM) ....................................................................... 23

4.2.2 Osteomielite vertebral e discoespondilite ......................................................................... 23

4.2.3 Mielite provocada por helmintos e larvas de insetos ........................................................ 23

4.2.4 Mieloencefalopatia por herpesvirus equino ...................................................................... 23

4.2.5 Doença de Lyme - Neuroborreliose .................................................................................. 24

4.3 Desordens por intoxicações ..................................................................................................... 24

4.3.1 Envenenamento por samambaia ....................................................................................... 24

4.3.2 Intoxicação por Indigofera spp. (anileira) ........................................................................ 24

4.4 Condições nutricionais ............................................................................................................ 24

4.4.1 Mieloencefalopatia degenerativa equina........................................................................... 24

4.4.2 Doença do neurônio motor de equinos ............................................................................. 25

4.5 Trauma .................................................................................................................................... 25

5 INCONTINÊNCIA URINÁRIA EM EQUINOS........................................................................... 26

5.1 Atonia vesical .......................................................................................................................... 27

5.2 Bexiga neurogênica ................................................................................................................. 27

5.3 Bexiga automática ................................................................................................................... 27

6 PATOGENIA E TRATAMENTO DAS SEQUELAS DE TRAUMAS MEDULARES ............... 28

6.1 Patogenia de acordo com a medicina convencional ................................................................ 28

6.2 Terapia convencional .............................................................................................................. 28

6.3 Patogenia de acordo com a medicina tradicional chinesa ....................................................... 29

6.4 Estratégias adotadas na acupuntura ......................................................................................... 30

7 AÇÃO DA ELETROACUPUNTURA SOBRE AS LESÕES NERVOSAS ................................. 32

7.1 Proteínas produzidas por eletroestimulação ............................................................................ 32

7.2 Liberação dos opióides endógenos .......................................................................................... 33

8 ESTUDO DE CASO: LESÃO MEDULAR LOMBOSSACRA POR TRAUMA EM EQUINO . 35

8.1 Histórico do paciente ............................................................................................................... 35

8.2 Avaliação do paciente ............................................................................................................. 36

8.2.1 Medicina veterinária convencional ................................................................................... 36

8.2.2 Medicina tradicional chinesa ............................................................................................ 38

8.3 Diagnóstico .............................................................................................................................. 38

8.3.1 Medicina veterinária convencional ................................................................................... 38

8.3.2 Medicina tradicional chinesa ............................................................................................ 38

8.4 Estratégias de tratamento......................................................................................................... 39

8.5 Evolução do paciente............................................................................................................... 40

8.6 Conclusão do caso ................................................................................................................... 44

9 CONCLUSÃO ................................................................................................................................ 45

10 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................... 46

i

BASILE, ROBERTA CARVALHO. Acupuntura no tratamento de lesões da medula espinhal em

equinos. Botucatu, 2012. 50p. Trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Acupuntura

Veterinária - Instituto Bioethicus, Botucatu, SP.

RESUMO

O tratamento das lesões de medula espinhal é um desafio para as ciências médicas. A adoção de uma

estratégia global, que envolve o uso da terapia convencional e das técnicas de acupuntura tem

mostrado grande eficiência na recuperação das lesões nervosas, maximizando os resultados e

reduzindo o tempo para cura. Este trabalho apresenta uma revisão anatômica da medula espinhal,

descreve os mecanismos de ação das lesões neurológicas espinhais e suas principais etiologias em

equinos, propõe o uso da acupuntura aliada às ferramentas convencionais para seu tratamento e reforça

esses conceitos por meio da apresentação de um caso clínico em um cavalo.

Palavras chave: Acupuntura, Neurologia, Cavalos.

ii

BASILE, ROBERTA CARVALHO. Acupuncture in the treatment of the spinal cord lesions in

equines. Botucatu, 2012. 50p. Trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Acupuntura

Veterinária - Instituto Bioethicus, Botucatu, SP.

ABSTRACT

The treatment of the spinal cord lesions is a challenge for the medical sciences. The adoption of a

global strategy, which englobes the use of conventional therapies and acupuncture techniques has been

showed efficiency in the medullar lesion healing, maximizing the results and reducing the heal time.

This work presents an anatomical review of the spinal cord, describes the mechanisms of the spinal

neurological lesions and their etiologies in equines, it proposes the use of the acupuncture associated

with conventional tools for the treatment and confirms the applicability of these concepts by

presenting a clinic case of a horse.

Key words: Acupuncture, Neurology, Horses.

iii

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Estruturas vertebrais e posicionamento das meninges, adaptação de FLETCHER (2011). . 15

Figura 2 – Variação morfológica da seção transversal da medula espinhal (FLETCHER, 2011). ....... 15

Figura 3 – Tratos autônomos da medula espinhal (SCHÜNKE, 2007). ................................................ 17

Figura 4 – Regiões de associação com os Zang-Fu (órgãos na MTC) em equinos............................... 21

Figura 5 – Alvos dos nervos simpáticos. Modificado de FURR & REED (2008). ............................... 21

Figura 6 - Inervação e neurofisiologia do trato urinário inferior. .......................................................... 26

Figura 7 – Principais efeitos da eletroacupuntura na recuperação das lesões medulares agudas.

Adaptado de DORSHER & MCINTOSH (2011). ................................................................................ 34

Figura 8 - Posicionamento do catéter e agulha na analgesia toracolombar subaracnóide, (MUIR &

HUBBEL, 2009). ................................................................................................................................... 35

Figura 9 - Estado geral de apatia e escore corporal do paciente no dia da avaliação, 32 dias após a

lesão medular. ........................................................................................................................................ 36

Figura 10 - Gotejamento constante de urina devido a retenção urinária persistente. ............................ 37

Figura 11 - Termografia da garupa do equino antes de iniciar o tratamento com acupuntura (dia 32). 37

Figura 12 - Diagrama das consequências da lesão da medula espinhal lombossacra do equino. .......... 38

Figura 13 - Diagrama dos 5 movimentos evidenciando o desequilíbrio. .............................................. 39

Figura 14 - Pontos de acupuntura utilizados na região lombossacra do equino. ................................... 40

Figura 15 - Ultrassonografia transretal da bexiga mostrando grande distensão e conteúdo hiperecóico,

sugestivo de cistite. ............................................................................................................................... 42

Figura 16 - Segunda avaliação ultrassonográfica realizada após o tratamento da cistite com

enrofloxacina. ........................................................................................................................................ 42

Figura 17 - Drenagem da bexiga logo após a colocação cirúrgica de uma sonda uretral com acesso

pelo períneo. .......................................................................................................................................... 43

Figura 18 - Exame ultrassonográfico realizado 5 dias após a retirada da sonda uretral. ....................... 43

Figura 19 - Termografia realizada após a alta ambulatorial do paciente. .............................................. 44

Figura 20 - Alta do paciente cerca de 130 dias após a lesão medular. .................................................. 44

iv

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Localização das raízes nervosas ventrais dos principais nervos dos plexos braquial e

lombossacro dos cavalos, adaptado de LEVINE et al. (2007). ............................................................. 17

Tabela 2 – Anormalidades clínicas associadas a lesões de diferentes segmentos da medula espinhal,

adaptado de FURR & REED (2008). .................................................................................................... 19

Tabela 3 - Resumo dos sinais clínicos aplicados à avaliação pelos 5 Movimentos. ............................. 39

Tabela 4 - Resumo da evolução do paciente após o tratamento com acupuntura. ................................ 41

12

1 INTRODUÇÃO

A neurologia veterinária tem avançado muito nos últimos anos em termos de diagnóstico das lesões no

sistema nervoso central, porém os tratamentos realizados ainda têm apresentado resultados pouco

estimulantes (DORSHER & MCINTOSH, 2011).

Na medicina equina, muitas são as doenças que podem provocar danos à medula espinhal, merecendo

destaque as etiologias traumáticas e infecciosas (MAYHEW, 1999a). Observa-se que, quando é

possível estabelecer um diagnóstico e tratar a causa da doença, as sequelas pela lesão neurológica

ainda permanecem, eliminando as possibilidades de retorno às atividades normais destes cavalos e

diminuindo sua qualidade de vida. Muitos destes animais são afastados definitivamente do esporte ou

trabalho ou até mesmo eutanasiados.

Em função deste cenário tão desafiador (NOUT, 2008), estão surgindo novas correntes na medicina

que sugerem a adoção de uma filosofia unificada entre as práticas da medicina convencional e as

demais vertentes existentes, tais como a medicina tradicional chinesa, homeopatia e fisioterapia.

Muitos estudos recentes já estão comprovando a eficácia desta doutrina associativa, especialmente nos

casos de lesão medular aguda. Basicamente, a estratégia terapêutica é composta por um plano de

ataque inicial com fármacos e um protocolo de tratamento com eletroacupuntura no período

subsequente. Constatou-se melhora de um grupo de pacientes tratado com esta estratégia até 3 vezes

mais rápida comparada ao grupo de pacientes tratados somente com farmacoterapia (YANG et al.,

2003).

O objetivo deste trabalho é demonstrar que a acupuntura é um método de tratamento essencial na

recuperação das lesões da medula espinhal de equinos, o qual deve ser precedido por intervenção

farmacológica e medidas ambulatoriais. Desta forma, é possível maximizar os resultados do plano de

tratamento promovendo maior recuperação das fibras nervosas, além de minimizar o período de

convalescência.

Para tanto, apresenta-se uma revisão anatômica da medula espinhal que fornece subsídios para a

compreensão dos mecanismos de ação das lesões neurológicas espinhais e suas principais etiologias

em equinos, citam-se os mecanismos de ação da eletroacupuntura sobre o reparo das lesões nervosas e

descreve-se as estratégias da acupuntura aliada aos métodos convencionais para o tratamento das

lesões de medula espinhal. Finalmente, os conceitos são reforçados por meio da apresentação de um

caso clínico de um cavalo com trauma medular.

13

2 ANATOMIA DA COLUNA VERTEBRAL

O conhecimento anatômico das estruturas as quais se busca compreender as afecções favorece o

entendimento dos mecanismos geradores das desordens. A coluna vertebral é composta por estruturas

ósseas, cartilaginosas e nervosas, fazendo parte do esqueleto axial dos animais juntamente com as

costelas e o crânio (GETTY, 1986).

2.1 Esqueleto axial e discos intervertebrais

Os equinos possuem 7 vértebras cervicais, 18 vértebras torácicas, 6 vértebras lombares, 5 vértebras

sacrais e entre 15 e 21 vértebras caudais. Em linhas gerais, cada vértebra é composta por processos

espinhosos, transversos, articulares e canal vertebral. Na linha média dorsal se encontram os processos

espinhosos, as quais atingem altura máxima na quarta e quinta vértebras torácicas. A inclinação caudal

das vértebras é mais acentuada na segunda torácica e diminui a partir da sexta ou sétima até a décima

sexta, a qual é vertical e denominada vértebra anticlinal. Caudal a esta vértebra, tornam-se inclinadas

cranialmente até atingir o sacro; neste ponto ocorre uma mudança brusca para inclinação caudal de

modo que se forma um considerável ângulo interespinhoso no espaço lombossacro.

Os processos transversos são longos e proeminentes no pescoço, curtos e fortes no dorso. Formam um

limite lateral de um sulco ventral ocupado pela musculatura longitudinal. Os processos na região

lombar apresentam uma forma característica de lâmina alongada e na região sacral acham-se

fusionadas para formar as asas e partes laterais do sacro. Na região caudal, apresentam tamanho

considerável no início, sofrendo rápida redução e desaparecendo em torno da sexta vértebra caudal.

Os processos articulares craniais e caudais são muito longos e separados no pescoço, muito próximos

e reduzidos no dorso e mais largos e estreitos na região lombar. O canal vertebral apresenta curvaturas

que correspondem às dos corpos vertebrais. Seu diâmetro varia extraordinariamente em diversos

pontos, sendo máximo no atlas, diminuindo ao passar pelo áxis, alargando-se consideravelmente na

junção cérvicotorácica para acomodar a intumescência cervical e passando por nova redução de

diâmetro ao longo das vértebras torácicas. Atinge nova ampliação na junção lombossacra para abrigar

a intumescência lombar e diminui rapidamente caudal ao segundo segmento sacral e deixa de ser

completo a partir da segunda vértebra caudal (GETTY, 1986).

As vértebras móveis formam dois tipos de articulações, as formadas pelos corpos e as formadas pelos

processos articulares das vértebras adjacentes. As articulações dos corpos são sínfises (anfiartroses),

formadas pela junção das extremidades dos corpos de vértebras adjacentes e são unidas por meio de

discos intervertebrais de fibrocartilagem. Estes discos são mais finos no meio da região torácica e mais

espessos na região cervical e lombar, possuindo máxima espessura na região caudal. Cada disco

consiste de um anel fibroso e um núcleo pulposo macio central.

14

Cada vértebra típica apresenta dois pares de processos articulares que formam articulações sinoviais

com as vértebras adjacentes. As superfícies articulares são extensas, quase planas e ovais na região

cervical, pequenas e planas na região torácica, e na região lombar as superfícies craniais são côncavas

e as caudais convexas. A cápsula articular é forte e ampla na região cervical, em conformidade com a

maior amplitude de movimentação dessas articulações no pescoço. Na região torácica e lombar é

pequena e ajustada.

Os equinos peculiarmente ainda possuem as articulações intertransversais, que são formadas pelos

processos transversos da quinta e sexta vértebras lombares e entre a sexta lombar e asa do sacro. Estas

superfícies articulares possuem um formato oval alongado, sendo a superfície cranial côncava e a

caudal convexa. A cápsula é muito ajustada e reforçada ventralmente (GETTY, 1986).

2.2 Medula espinhal e plexos nervosos

A medula espinhal de um cavalo de aproximadamente 500 kg possui aproximadamente 2 m de

comprimento e é dividida em 5 segmentos funcionais: C1-C5, C6-T2, T3-L3, L4-S4 e S5-Ca+

(MAYHEW, 1999). Estende-se do bulbo, no forame magno, até a segunda metade caudal de S2, a

partir da qual se inicia a cauda equina. Seu diâmetro é maior nas intumescências cervical e lombar,

sendo de aproximadamente 20 a 24 mm num equino adulto. Na região cervical, há um deslocamento

cranial de aproximadamente metade do comprimento de cada vértebra, o que dá margem ao

aparecimento do segmento medular C8 (GETTY, 1986).

Internamente ao canal vertebral, tanto a medula quanto as raízes dos nervos espinhais são recobertas

pelas meninges. A dura mater, mais externa e resistente, formada por camadas planas de fibrócitos e

fibras colágenas, recobre a medula e raízes nervosas, assim como a aracnóide, mais fina e delicada. O

contato entre essas duas membranas se dá pela pressão exercida pelo líquido cerebroespinhal, presente

no espaço subaracnóideo. A membrana mais interna, pia mater, recobre exclusivamente a medula e

participa da formação dos ligamentos denticulados, responsáveis pelo posicionamento e sustentação

do feixe medular no interior do canal vertebral Figura 1.

O espaço epidural encontra-se localizado entre o canal vertebral e a dura mater, sendo preenchido por

tecido gorduroso o qual apresenta a função biomecânica de amortecimento dos impactos que serão

transmitidos à medula espinhal. Outro mecanismo de proteção mecânica da medula é a presença do

fluido cerebroespinhal no espaço subaracnóideo, o qual é produzido pelas células ependimais do plexo

coróide dos ventrículos.

15

Figura 1 – Estruturas vertebrais e posicionamento das meninges, adaptação de FLETCHER (2011).

O suprimento sanguíneo advém de uma artéria ventral espinhal e duas artérias dorsais. A artéria

ventral espinhal supre a maior parte da medula, formando uma rede de arteríolas que se estendem

internamente ao feixe medular e por entre as raízes nervosas.

A seção transversal da medula apresenta duas metades simétricas, ventralmente separadas por uma

fissura ao longo de toda sua extensão. Bilateralmente, corre o sulco dorsolateral na entrada dorsal das

raízes dos nervos espinhais e no centro observa-se a presença de um canal central cujo interior é

revestido por células ependimais, (FLETCHER, 2011).

A substância cinzenta possui formato de borboleta, é composta por corpos celulares de neurônios e é

dividida em cornos dorsais, ventrais e substância intermediária (PURVES et al., 2010). Os neurônios

presentes na substância cinzenta são descritos como eferentes, de projeção (seus axônios se ligam aos

tratos da substância branca) ou interneurônios (em que os axônios permanecem internamente à

substância cinzenta). Seu formato apresenta variações ao longo dos segmentos, sendo que os trechos

cervical, torácico e sacral não possuem o sulco dorsal pronunciado que pode ser verificado no

segmento lombar, Figura 2.

Figura 2 – Variação morfológica da seção transversal da medula espinhal (FLETCHER, 2011).

16

A substância branca localiza-se corticalmente na seção transversal da medula espinhal, sendo dividida

em três porções chamadas de funículos. O sulco dorsolateral marca a divisão entre o funículo dorsal e

lateral. Os limites entre o funículo lateral e ventral são arbitrariamente definidos e os funículos

ventrais esquerdo e direito são conectados por uma comissura ventral, localizada ao longo da linha

média ventral medular. Esta substância é composta por fibras nervosas provenientes das raízes dorsais

e ventrais além de milhões de axônios longitudinalmente orientados e organizados nos tratos espinhais.

SCHÜNKE et al. (2007) descrevem que os tratos ascendentes são compostos pelo tratos

espinotalâmicos (tratos sensitivos ventrolaterais), fascículos grácil e cuneiforme (tratos sensitivos

dorsais) e tratos espinocerebelares (tratos laterais cerebelares). O trato espinotalâmico conduz

informações sobre o tato grosseiro, sensações de pressão pouco diferenciadas, dor, temperatura,

prurido, cócegas e sexuais. Os corpos dos neurônios deste trato se localizam nos gânglios espinhais. A

informação sentida em um dos metâmeros é conduzida pelo trato do lado oposto da medula. Nos

fascículos grácil e cuneiforme, as informações de propriocepção consciente são conduzidas até o

tálamo. O fascículo cuneiforme, localizado dorsolateralmente, conduz as informações provenientes

dos membros torácicos e não possui fibras a partir de T3. Já o fascículo grácil, na posição

dorsossagital, conduz os dados de propriocepção dos membros pélvicos e se estende até a porção

medular sacra. Em ambos os tratos existem fibras para a percepção da propriocepção consciente e

sensibilidade cutânea fina (vibrações delicadas, discriminação entre dois pontos, tato). O trato

espinocerebelar conduz informações provenientes dos músculos, tendões e articulações para o

cerebelo (propriocepção inconsciente). A informação recebida nos membros é conduzida

ipsilateralmente neste trato.

Dentre os tratos descendentes, citam-se os tratos corticoespinhais (piramidais), extrapiramidais e

autônomos. Os tratos piramidais são os mais importantes para a motricidade voluntária, originando-se

no córtex motor. Estas fibras passam pelo tronco encefálico e, ao atingir o bulbo, 80% delas sofrem

decussação. Ao seguirem pela medula espinhal contralateral, apresentam organização somatotrópica,

ou seja, as fibras para a medula sacral situam-se mais lateralmente e para a medula cervical,

sagitalmente. O sistema motor extrapiramidal (cerebelo, núcleos da base e regiões motoras do tronco

encefálico) é utilizado nos processos motores automatizados e aprendidos. O sistema extrapiramidal

lateral projeta-se predominantemente na musculatura distal dos membros torácicos. O sistema medial

projeta-se principalmente para neurônios da musculatura do tronco e dos membros pélvicos. Os tratos

autônomos projetam-se de forma mais difusa na medula espinhal, raramente formando sistemas

definidos topograficamente, com exceção dos dois tratos a seguir. O trato simpático central descende

para vasoconstrição e secreção de suor. Os tratos paraependimais que contêm fibras ascendentes e

17

descendentes se estendem, em ambos os lados do canal central, a partir da medula espinhal até o

hipotálamo. São envolvidos na micção, defecação e funções genitais, Figura 3.

Figura 3 – Tratos autônomos da medula espinhal (SCHÜNKE, 2007).

As raízes nervosas dorsais representam os feixes de nervos sensitivos e as raízes nervosas ventrais são

formadas por nervos motores. A Tabela 1 apresenta o posicionamento das principais raízes nervosas

ventrais que suprem os plexos nervosos mais importantes nos equinos.

Tabela 1 – Localização das raízes nervosas ventrais dos principais nervos dos plexos braquial e

lombossacro dos cavalos, adaptado de LEVINE et al. (2007).

Plexo Nervoso Localização medular da raiz

Braquial

N. Supraescapular C6, C7

N. Subescapular C6, C7

N. Musculocutâneo C7, C8

N. Axilar C6, C7, C8

N. Radial C7, C8, T1

N. Mediano C7, C8, T1, T2

N. Ulnar T1, T2

Lombossacro

N. Obturador L3, L4, L5, L6

N. Femoral L3, L4, L5, L6

N. Isquiático L5, L6, S1, S2

18

3 AVALIAÇÃO DA MEDULA ESPINHAL

Frequentemente pode não estar claro se um cavalo suspeito de lesão medular realmente possui um

problema neurológico ou ortopédico. Isto pode ser verificado particularmente para anormalidades

leves de andamento ou ainda em casos de traumas, em que tanto as doenças neurológicas quanto as

ortopédicas são possíveis (MAYHEW, 1999a).

As avaliações pelos métodos convencionais e da medicina tradicional chinesa (MTC) são

complementares entre si. A avaliação tradicional permite identificar se a afecção é de fato neurológica,

o local e a extensão superficial da lesão. Já o diagnóstico pela MTC fornece informações sobre as

consequências da lesão na medicina interna, de acordo com os pontos de reflexos viscero-somáticos.

3.1 Exame da medula pela medicina convencional

Após a avaliação do encéfalo e nervos cranianos, deve-se proceder para avaliação do pescoço,

membros, tronco, cauda e ânus. Evidências de assimetrias musculares, inchaços localizados,

diminuição de percepção da dor (hipoalgesia) ou ainda locais extremamente doloridos (hiperalgesia)

devem ser procuradas.

Na maioria dos casos, as anormalidades de andamento por causas neurológicas estão associadas à

paresia e ataxia. A fraqueza (paresia) geralmente está relacionada a grupos musculares extensores ou

flexores e a ataxia se refere às alterações de movimentação articular, como a hipometria e hipermetria.

A fraqueza de músculos extensores pode ser facilmente detectada pela facilidade em se alterar a

trajetória do cavalo ao passo ao se tracionar sua cauda. Ao se referir à fraqueza de músculos flexores,

nota-se uma passada mais plana, chegando até em movimentos de arrastar a pinça, principalmente

quando colocado em curva.

Graus muito leves de ataxia podem ser exacerbados por meio de algumas manobras, tais como puxar o

cabresto em movimento de serpentina, círculo, elevando a cabeça, caminhar em rampa, fazer paradas

abruptas e afastar. Essas manobras alteram os sinais proprioceptivos, visuais, gravitacionais e

vestibulares que são enviados ao sistema nervoso, evidenciando a possível existência de problemas,

(MAYHEW, 1999a).

A localização da lesão na medula espinhal pode ser verificada em função dos sinais clínicos

apresentados, os quais estão diretamente relacionados a lesões de neurônios motores inferiores e

superiores, como descrito na Tabela 2.

19

Tabela 2 – Anormalidades clínicas associadas a lesões de diferentes segmentos da medula espinhal,

adaptado de FURR & REED (2008).

Segmento espinhal Sinais clínicos

C1-C5 Andamento espástico, pior nos membros pélvicos (MP’s)

Déficit proprioceptivo, fraqueza

Síndrome de Wobbler

C6-T2 Déficit proprioceptivo, pior nos membros torácicos (MT’s)

Fraqueza, atrofia muscular nos MT’s

Síndrome Wobbler

T3-L3 Déficit proprioceptivo nos MP’s

Andamento normal nos MT’s

Fraqueza ou espasticidade nos MP’s

S3-S5 Incontinência urinária

Retenção fecal

Hipoalgesia anal e de cauda

MT’s e MP’s normais

Cd+ Tônus da cauda diminuído

Hipoalgesia caudal à lesão

MT’s e MP’s normais

FURR & REED (2008) descrevem que as anormalidades de andamento podem ser classificadas de

grau 0 (normal) a grau 5 (decúbito). A avaliação deve ser realizada utilizando-se as manobras de

exacerbação descritas anteriormente.

Os melhores testes sugeridos por MAYHEW (1999a) a serem realizados durante o exame físico para

auxiliar na detecção de lesões medulares são: a avaliação da assimetria de pescoço, tronco e membros;

o reflexo toracolaríngeo (Slap Test); reflexo cervicofacial e musculocutâneo; o tônus anal e de cauda;

o reflexo anal; o exame de preenchimento do reto e vesícula urinária; a postura adotada em descanso;

avaliação do andamento ao passo e trote e a avaliação do andamento com manobras de exacerbação.

COLAHAN (1999) e colaboradores listam os principais testes auxiliares que podem ser utilizados para

diagnóstico das lesões neurológicas. A análise do líquido cerebroespinhal, coletado diretamente do

forame magno ou da junção lombossacra, fornece informações sobre cor, opacidade, proteína total,

glicose e celularidade e ainda permite realizar testes para a identificação de agentes infecciosos

(ELISA, PCR, entre outros). A radiografia normal e a mielografia auxiliam na detecção de

malformações, fraturas, luxações e eventualmente infecções no crânio e coluna cervical. A

eletromiografia (EMG) é um método interessante para auxiliar na localização das lesões, realizado por

meio de agulhas que funcionam como eletrodos e medem a atividade elétrica da região de interesse.

Termografia e cintilografia são métodos interessantes para detectar anormalidades de fluxo sanguíneo

superficial. As imagens termográficas podem aparecer anormais em situações de miosite, atrofia

muscular, neurites e interrupções de nervos. Já a cintilografia é capaz de detectar massas anormais ou

20

sítios de inflamação ao longo da coluna vertebral. A ultrassonografia auxilia no diagnóstico das lesões

em que há comprometimento das funções urinárias, como na síndrome da cauda equina, por meio da

verificação do grau de repleção vesical. Alterações estruturais da medula e coluna vertebral podem

ser avaliadas ainda por meio de ressonância magnética, apesar de ser ainda um método pouco

difundido na medicina veterinária de grandes animais.

3.2 Exame medular pela medicina tradicional chinesa

O diagnóstico pela MTC é composto por cinco ações básicas: ouvir, perguntar, observar, cheirar e

sentir. Em geral, um exame que utiliza os princípios orientais não se restringe somente ao sistema ou

ao órgão afetado, mas sim avalia o paciente como um todo, em busca de desarmonias e bloqueios

energéticos por todo o corpo (MACIOCIA, 2007).

A medicina chinesa considera a função do corpo e da mente como o resultado da interação de

substâncias vitais, o Qi, Xue (Sangue), Jing (Essência), Jin Ye (Fluidos Corporais) e o Shen (Mente). O

Qi é o estado constante de fluxo de energia. Quando o Qi se estagna, a energia se transforma e se

acumula na forma física, se apresentando como doenças.

O conceito de Yin-Yang também é muito importante e distintivo da MTC. É possível dizer que toda

fisiologia, patologia e tratamento podem ser reduzidos a essa teoria. Yin-Yang representam qualidades

opostas, porém complementares. Todos os sinais clínicos decorrem basicamente de um desequilíbrio

entre Yin-Yang.

Juntamente a teoria do Yin-Yang, a teoria dos Cinco Elementos constitui a base da MTC. É composta

pelo fogo, terra, metal, água e madeira, sendo que as inter-relações entre os elementos permitem ao

clínico estruturar o diagnóstico de forma racional e montar estratégias de tratamento buscando a

harmonização entre eles. Segundo MACIOCIA (2007), os aspectos diagnósticos relatados aos cinco

movimentos são: cores, sons, odores, emoções, sabores, tecidos, orifícios dos sentidos e climas.

O diagnóstico em MTC, além de se basear nos fundamentos das teorias Yin-Yang e dos Cinco

Elementos, também utiliza a palpação para a avaliação do paciente, especialmente em Medicina

Veterinária.

SHOEN (2001) afirma os pontos diagnósticos mais importantes de cavalos estão localizados nas

costas, paralelamente ao curso da medula espinhal. Estes pontos especializados são chamados Shu

Dorsais, os quais estão intimamente relacionados às raízes nervosas sensitivas da medula e à cadeia de

gânglios paravertebrais simpáticos. Estes pontos estão localizados sobre o meridiano da Bexiga, que

possui 2 trajetos paralelos em cada um dos metâmeros. O trajeto interno, localizado a 3 tsun dos

processos espinhosos (3 tsun = largura do casco), geralmente se relaciona a desarmonias dos

21

meridianos de acupuntura. O trajeto externo, localizado a 6 tsun dos processos espinhosos, está

intimamente ligado a desordens nos órgãos, Figura 4.

Figura 4 – Regiões de associação com os Zang-Fu (órgãos na MTC) em equinos.

(Obs.: O asterisco representa referência ao meridiano e não ao órgão.)

Nota-se que no equino não existem pontos Shu Dorsais como em humanos ou cães, mas sim regiões

Shu Dorsais, as quais compreendem um conjunto de pontos coincidentes aos gânglios da cadeia

paravertebral simpática, promovendo o chamado Reflexo Víscero-somático, Figura 5.

Figura 5 – Alvos dos nervos simpáticos. Modificado de FURR & REED (2008).

Obs.: (1) Origem toracolombar da inervação simpática. (2) Tronco simpático. (3) Gânglio

cervicotorácico. (4) Gânglio celíaco. (5) Gânglio mesentérico cranial. (6) Gânglio mesentérico caudal.

(7) Fibras simpáticas pós-ganglionares.

22

4 AFECÇÕES DA MEDULA ESPINHAL

Após a finalização do exame global do paciente, incluindo as ferramentas convencionais e da MTC de

forma complementar, o clínico é capaz de identificar a ocorrência de uma afecção medular, sua

localização, extensão e consequências. O próximo passo é identificar as causas desta lesão, de forma a

se concluir o diagnóstico e estabelecer um plano de tratamento adequado, MAYHEW (1999b).

4.1 Doenças congênitas

4.1.1 Malformação de vértebras cervicais (MVC)

Nesta doença, os sinais neurológicos aparecem de forma progressiva devido à compressão contínua,

sem a ocorrência de episódios de trauma contemporâneo (GERBER et al., 1989). Existem dois tipos

característicos de MVC, a serem descritos.

A MVC tipo I tende a ocorrer em animais jovens, até os 2 anos de idade. Provavelmente a

malformação vertebral se inicia durante a vida uterina e se prolonga pelos primeiros meses de idade.

As principais alterações observadas nestes casos são a malformação com estenose parcial do canal

cervical, a qual se piorar em flexão indica localização entre C2-C6 e se piorar em extensão indica

localização entre C6-T1; malformação dos processos articulares, com alterações degenerativas do tipo

osteocondrose; malformação com cifose e redução do canal em flexão (C2-C6); malformação com

hiperextensão e redução do canal medular (C6-T1); aumento das regiões de crescimento fisárias

(equivalente às fisites de ossos longos) em cavalos de crescimento rápido; extensão caudal do aspecto

dorsal do arco vertebral sobre a fise cranial do próximo corpo vertebral, geralmente gerando estenose

em C2-C5 (MOORE et al., 1994 e YOVICH et al., 1991).

A MVC tipo II tende a ocorrer em pacientes adultos ou idosos e está relacionada a uma osteoartrite

com alargamento do processo articular cervical (GERBER et al., 1989 e WHIWELL & DYSON,

1987). Nestes casos, ocorre proliferação dos tecidos articulares e periarticulares promovendo a

compressão da medula espinhal. Isto inclui a formação de cistos epidurais e periarticulares (sinoviais)

(WHITWELL, 1980). Os sinais geralmente são repentinos, sem histórico de trauma e assimétricos.

4.1.2 Malformações occiptoatlantoaxiais (MOAA)

Esta doença incomum geralmente afeta potros árabes (WATSON & MAYHEW, 1986). Os potros

afetados podem ser natimortos, atáxicos ao nascimento ou demonstrar ataxia progressiva em recém-

desmamados, ou seja, Síndrome de Wobbler. Os potros assumem posição de pescoço estendido e a

malformação pode ser palpada. Apresentam pequena flexão da articulação atlanto-occipital e

demonstram sons de clique ao se manipular a articulação. A escoliose pode estar presente e os sinais

neurológicos podem variar de ausentes até a tetraparesia e tetraplegia.

23

4.2 Condições inflamatórias, infecciosas ou imunomediadas

4.2.1 Mieloencefalite protozoária equina (EPM)

A mieloencefalite protozoária equina é uma grave enfermidade causada principalmente pelo

protozoário Sarcocystis neurona, caracterizada por alteração na marcha, ataxia assimétrica dos

membros pélvicos, paralisia facial, fraqueza e atrofia muscular. Frequentemente se observa paralisia

de bexiga e incontinência urinária. É transmitida por gambás do gênero Didelphis que se infectam pela

ingestão de tecido muscular que contém cistos provenientes de um hospedeiro intermediário infectado.

Os equinos adquirem a doença acidentalmente quando comem alimentos contaminados com fezes de

gambás, que possuem esporocistos infectantes. Depois de ingeridos, os esporocistos migram do trato

intestinal para a corrente sanguínea, ultrapassam a barreira hematoencefálica e atacam o sistema

nervoso central (MOURA et al., 2008). O protozoário provoca vasculite generalizada e provoca a

isquemia da substância branca e cinzenta (JOHNSON, 2011).

4.2.2 Osteomielite vertebral e discoespondilite

A sepse envolvendo a coluna vertebral é incomum em potros e rara em cavalos adultos. Porém, em sua

ocorrência se observam episódios de dor seguido por paresia. Diarréia, abscessos ou evidências de

sepse geralmente coexistem com este problema em potros. Evidências neurológicas de compressão

espinhal focal com para ou tetraparesia podem ser localizadas pela presença de sinais de calor, dor e

inchaço envolvendo os tecidos vertebrais ou paravertebrais. A osteomielite e discoespondilite podem

ocorrer em qualquer trecho da coluna vertebral, porém são mais frequentes em C1-C2, C6-C7 e região

lombar. Sepse proveniente de abscessos abdominais ou pulmonares podem provocar estas afecções

tanto em potros quanto em cavalos adultos (MAYHEW, 1999b).

4.2.3 Mielite provocada por helmintos e larvas de insetos

Vários parasitas podem migrar acidentalmente para o interior do sistema nervoso central, sendo que os

equinos de todas as idades são susceptíveis. Os sinais geralmente refletem o trajeto migratório tortuoso

e assimétrico (Strongylus sp., Habronema sp., Setaria sp.) ou ainda difuso e generalizado (Setaria sp.,

Micronema deletrix). Nestes casos, a avaliação do líquido cerebroespinhal traz importantes

informações sobre eosinofilia, leucocitose neutrofílica e hemorragia (MAYHEW, 1999b).

4.2.4 Mieloencefalopatia por herpesvirus equino

A forma neurológica da infecção por herpesvirus tipo 1 (EHV-1) e EHV-4 não é comum mas tem sido

observada no continente americano. Os principais sinais clínicos dessa forma são episódios agudos de

ataxia simétrica, paresia ou decúbito em um período de uma semana após a exposição ao vírus. Pode

haver também a ocorrência de edema de membros em fêmeas prenhes e cavalos estabulados e

episódios de retenção urinária seguida de incontinência por extravasamento. Os sinais geralmente se

24

estabilizam em 24 horas e geralmente estão associados a sinais respiratórios ou de aborto. Vasculite

associada à necrose isquêmica da substância branca e cinzenta é generalizada. A lesão vascular das

arteríolas do cérebro e especialmente da medula espinhal resultando em infarto do tecido nervoso

explica à manifestação aguda da doença (MAYHEW, 1999b e JOHNSON, 2011).

4.2.5 Doença de Lyme - Neuroborreliose

A doença causada pela Borrelia burgdorferi tem sido crescentemente diagnosticada em equinos nos

EUA e entre humanos no Brasil. Porém, ainda é desafiadora por apresentar grande variabilidade de

sinais clínicos e limitações dos testes diagnósticos (JOHNSON et al., 2008). Os sinais anteriormente

atribuídos à borreliose incluíam perda de peso crônica, claudicação esporádica, fraqueza, artrite,

inchaços articulares, flacidez muscular, hepatite, laminite, febre, uveíte e encefalite. Mais

recentemente, estudos e relatos de caso têm verificado a presença de sinais medulares relacionados à

meningite e polirradiculite tais como dores no pescoço e lombar, ataxia, paresia, déficits de andamento

e fraqueza de pescoço (JAMES et al., 2010, IMAI et al., 2011). Ainda há poucas evidências sobre a

eficácia do tratamento da neuroborreliose com doxiciclina. Nos casos reportados, os animais

necessitaram ser eutanasiados devido à má evolução da doença.

4.3 Desordens por intoxicações

4.3.1 Envenenamento por samambaia

A ingestão de samambaias causa deficiência de tiamina devido à presença de tiaminase, provocando

os sinais neurológicos. Os sinais clínicos mais comuns são ataxia, com possível envolvimento dos

quatro membros. Podem ocorrer também sinais cerebrais, tais como convulsões, opistótono e cegueira

(COLAHAN et al., 1999).

4.3.2 Intoxicação por Indigofera spp. (anileira)

A Indigofera spp. é popularmente chamada de anileira, pois dela se extrai o anil. A intoxicação pela

sua ingestão inclui perda de peso, ataxia progressiva e fraqueza. Estomatite e conjuntivite também

podem estar presentes. A toxicidade pode ser reduzida por meio da ingestão de forrageiras ricas em

arginina, tais como a alfafa (COLAHAN et al., 1999).

4.4 Condições nutricionais

4.4.1 Mieloencefalopatia degenerativa equina

Esta doença é mais frequentemente vista em potros, cujos sinais são insidiosos no aparecimento e

apresentam evolução progressiva, com fraqueza nos membros pélvicos ou nos quatro membros,

podendo chegar ao decúbito. Os animais também apresentam ataxia simétrica e hipermetria, que

geralmente são piores nos membros pélvicos. Os animais severamente afetados podem apresentar

25

paraplegia, com postura de “cão sentado”. Em animais moderadamente afetados, pode-se observar

hiporreflexia ou arreflexia ao Slap Test e reflexo cutâneo. A patogenia está relacionada à distrofia da

medula espinhal, provocando a degeneração das vias ascendentes e descendentes principalmente na

região toracolombar. A principal etiologia está ligada à deficiência de vitamina E promovida por

alimentação mal balanceada, oxidada ou pobre em forrageiras de boa qualidade (MAYHEW, 1997).

4.4.2 Doença do neurônio motor de equinos

Esta doença provoca atrofia muscular progressiva devido à degeneração de neurônios motores

inferiores e medula espinhal. O principal sinal clínico observado é a fraqueza postural, sendo que a

raça quarto-de-milha é a mais afetada. O pico de incidência ocorre aos 16 anos de idade e na maioria

dos casos, está relacionada à equinos com infrequente acesso a pastagens. No início, a doença se

manifesta por perda de peso acentuada sem diminuição de apetite, decúbitos frequentes e tremores

musculares. Os equinos afetados adotam posição característica de apoiar a maior parte do peso nos

membros torácicos, posicionando a cabeça de forma anormalmente baixa. Esta síndrome tende a se

estabilizar ou melhorar num período de 1 a 2 meses. A etiologia sugere que haja atividade antioxidante

deficiente nas fibras nervosas, favorecida pela presença de fibras musculares do tipo I, que são

altamente oxidativas, em determinadas raças (CUMMINGS, 1990).

4.5 Trauma

A causa mais comum de doenças no sistema nervoso central (SNC) é o trauma. Estudos publicados

por FEIGE et al. (2000) e TYLER et al. (1993) mostraram que o trauma é responsável por cerca de

24% das afecções no SNC de equinos, dos quais 73% das lesões são medulares. Traumas na coluna

vertebral são geralmente provocados por colisões com objetos imóveis ou por quedas. Apesar dos

ferimentos poderem ocorrer em qualquer parte da coluna, as fraturas de vértebras cervicais são as mais

comuns (REED, 1994). A hiperextensão, hiperflexão, deslocamento e compressão da coluna vertebral

podem resultar em lesões medulares de severidade variável. O estiramento ou avulsão de ligamentos

intervertebrais podem provocar a instabilidade da coluna, tornando o paciente susceptível às lesões

medulares. Luxações e subluxações também são frequentes em cavalos (JEFFCOTT, 1980). Tem sido

observado um incremento nos casos de luxações, subluxações e separações epifisárias em cavalos

jovens por desordens nutricionais relacionadas ao fechamento epifisário.

26

5 INCONTINÊNCIA URINÁRIA EM EQUINOS

A incontinência urinária é uma afecção incomum em cavalos, apresentada por uma revisão recente de

37 casos ocorridos em 8 anos (SCHOTT et al., 2004) e que representa um desafio para os clínicos

tanto para seu diagnóstico quanto para seu tratamento. As causas associadas a esta desordem incluem

etiologias infecciosas, tóxicas, congênitas ou traumáticas.

Tanto o sistema simpático quanto o parassimpático são necessários para coordenar as funções do trato

urinário inferior. A inervação somática do músculo do esfíncter uretral provém do nervo pudendo, que

se origina nos trechos S2, S3 e S4. A inervação simpática emerge dos segmentos L1-L4 via nervo

hipogástrico, com as fibras pré-ganglionares realizando sinapse no gânglio mesentérico caudal. As

fibras pós-ganglionares suprem a bexiga e a uretra proximal (BAYLY, 1998). As fibras

parassimpáticas que inervam a bexiga deixam a medula espinhal em S2, S3 e S4, formando o nervo

pélvico. Os mesmos segmentos inervam a genitália externa e a uretra.

O reflexo de micção é um processo autônomo de arco reflexo que pode ser inibido ou favorecido pelo

córtex cerebral. Os centros facilitadores ou inibidores se encontram na ponte e em outros locais do

córtex cerebral (SAPER, 2002). Conforme a bexiga se enche, há um aumento progressivo no tônus

dos músculos que envolvem os esfíncteres uretrais. Durante o preenchimento, o músculo detrusor

permanece relaxado devido à influência do nervo hipogástrico da inervação simpática. Neurônios

motores superiores (NMS) medeiam o tônus dos esfíncteres uretrais. Este reflexo permite que a bexiga

acumule grande volume de urina com um pequeno aumento na pressão intravesical, Figura 6.

Figura 6 - Inervação e neurofisiologia do trato urinário inferior.

27

Assim que o músculo detrusor atinge distensão máxima, a pressão intravesical aumenta e impulsos

sensitivos são transmitidos via nervo pélvico até a ponte, cérebro e cerebelo, transmitindo a sensação

de estar repleta. Ocorre então uma transmissão descendente via NMS pelo trato reticuloespinhal até o

núcleo parassimpático sacral. O nervo pélvico estimula a contração do músculo detrusor, juntamente

com a estimulação dos nervos simpáticos pudendo e hipogástrico os quais promovem o relaxamento

dos esfíncteres, permitindo o esvaziamento (FURR & SAMPIERI, 2008).

A incontinência neurogênica pode ter duas formas distintas, podendo ser provocada por uma

disfunção do neurônio motor inferior (NMI) ou superior (NMS).

5.1 Atonia vesical

Doenças que promovem a destruição do nervo sensitivo resultam em incontinência urinária porque

não há transmissão de sinais de distensão da bexiga para iniciar o reflexo de micção. A doença do

NMI (que inerva o m. detrusor) também resulta em fraqueza e incapacidade de preenchimento da

bexiga. Neste caso, a bexiga se preenche até seu volume máximo e a urina passa continuamente

através da uretra. Trata-se de uma incontinência por extravasamento (overflow). Em humanos, a causa

mais descrita está relacionada à traumas na região sacral. Em cavalos, além dos traumas há descrição

de infecções por herpesvirus (EHV-1), osteomielite vertebral, empiema epidural, neurite da cauda

equina, mieloencefalopatia por intoxicação, mielite parasitária ou administrações epidurais mal

sucedidas (FURR & SAMPIERI, 2008).

5.2 Bexiga neurogênica

Danos ao NMS no cérebro ou na medula espinhal resultam inicialmente numa síndrome causada por

incontroláveis e frequentes micções incompletas. Esta condição deriva de um dano parcial na medula

espinhal ou no cérebro anulando o sinal inibitório do reflexo de micção. Pequenos volumes de urina

tornam-se capazes de iniciar o ato mictório. Ao longo do tempo, o acúmulo de urina provoca distensão

e atonia vesical, resultando também no caso de incontinência por extravasamento (overflow). Podem

ser observados pequenos jatos incontroláveis de urina (SAPER, 2002).

5.3 Bexiga automática

Esta condição está associada à falta de controle do reflexo de micção com esvaziamento incontrolável

da bexiga, sem modulação do NMS. Geralmente está associada a lesão medular cranial à região

lombar (FURR & SAMPIERI, 2008).

28

6 PATOGENIA E TRATAMENTO DAS SEQUELAS DE TRAUMAS MEDULARES

6.1 Patogenia de acordo com a medicina convencional

A lesão primária da medula espinhal é gerada pelo dano mecânico inicial que irá provocar a ruptura de

vasos sanguíneos, axônios e morte de células da glia. O deficiente suprimento sanguíneo local leva à

isquemia do tecido nervoso e à resposta inflamatória como consequência, com liberação de citocinas,

metabólitos do ácido araquidônico, metaloproteinases e radicais livres, os quais serão responsáveis

pela formação da lesão secundária (NOUT, 2008).

Subsequente à inflamação da medula espinhal, ocorre a liberação de neurotransmissores excitatórios

que também provocarão danos ao tecido medular, mecanismo chamado de excitotoxicidade. O

glutamato é o neurotransmissor excitatório mais abundantemente liberado nestas condições, o qual

induz ainda mais a liberação de espécies reativas de oxigênio, alterando a função vascular local

(GASIC, 1992). O glutamato atua em diversos receptores de membrana responsáveis pelo equilíbrio

eletrolítico celular. A hiperexcitação destes receptores provoca um desbalanço de cálcio e sódio,

desregulando a homeostase citosólica e mitocondrial. Como consequência, ocorre a ativação de

mecanismos de morte celular programada e morte neuronal (POPPOVICH et al., 1997).

As lesões medulares secundárias ao trauma evoluem de forma dinâmica e dependente da qualidade do

impacto (força e duração). As concussões com déficits neurológicos transientes são resultado de uma

despolarização axonal deficiente e passageira, sendo que a paralisia permanente está relacionada não

somente ao dano local inicial, mas sim ao espalhamento da lesão provocado por mecanismos

secundários inflamatórios (TENNENT-BROWN, 2007 e NOUT, 2008).

6.2 Terapia convencional

De acordo com NOUT (2008), não existe tratamento convencional que promova a reversão dos efeitos

provocados pela lesão primária. O objetivo da intervenção farmacológica é conter a progressão da

lesão secundária.

O período da lesão secundária pode ser dividido em três janelas terapêuticas (OLBY, 1999). As

primeiras 48 horas após a lesão medular aguda (LMA) são dominadas pelas alterações vasculares e

bioquímicas. O segundo período é resultado da atuação das células inflamatórias, o qual se estende até

4 dias após a LMA. O terceiro período se inicia aproximadamente após 1 semana do evento e é

caracterizado pela regeneração axonal e reparação da lesão (NOUT, 2008). As metas do tratamento

consistem em estacionar a cascata de eventos celulares que seguem o evento traumático, proteger o

tecido nervoso intacto e promover a regeneração. As intervenções cirúrgicas são permitidas quando há

necessidade de estabilização da coluna ou evidência de lesão compressiva, porém não são uma prática

rotineira. O uso do tratamento farmacológico deve sempre anteceder qualquer procedimento cirúrgico.

29

As lesões craniais à C5 podem resultar em dificuldades cardiopulmonares, resultando em hipotensão e

hipoventilação, o que agrava o quadro de isquemia medular. A ressuscitação volêmica é altamente

indicada nestes casos, mantendo uma normotensão euvolêmica para garantir a perfusão tecidual.

O avanço da cascata inflamatória pode ser eficazmente contido por meio da administração de

succinato sódico de metilprednisolona (SSMP), (BRACKEN et al., 1998). Seus benefícios incluem a

inibição da peroxidação e hidrólise lipídica, formação de eicosanóides, inibição da liberação do ácido

araquidônico, manutenção da perfusão tecidual e metabolismo aeróbio, facilitação da liberação do

cálcio intracelular acumulado e melhorias na excitabilidade neuronal e transmissão sináptica. SSMP

foi selecionada para o tratamento em humanos ao invés da dexametasona porque o radical succinato

tem mostrado que é capaz de cruzar as membranas mais rapidamente que outros radicais (BRACKEN

et al., 1992).

Em cavalos, as doses reportadas de dexametasona variam entre 0,10 a 0,25 mg/kg intravenosa a cada

6-24 h por 24-48 h. Espera-se uma resposta favorável entre 4-8 h após a primeira administração. Os

pacientes devem ser monitorados quanto ao risco de desenvolvimento de laminite durante este período.

Caso a melhora clínica seja observada, pode-se alternar para a administração via oral de prednisolona

(0,5 a 1,0 mg/kg a cada 24 h por 3-5 dias) para diminuir o risco de laminite (NOUT, 2008 e

TENNENT-BROWN, 2007).

O uso de antiinflamatórios não esteroidais (AINE's) tais como a flunixina meglumina e a

fenilbutazona pode ser benéfico por diminuírem a inflamação associada ao trauma e controlarem a

temperatura retal. Adicionalmente, o DMSO utilizado a 1g/kg intravenoso em solução 10-20% por 3

dias consecutivos favorece o fluxo sanguíneo no SNC, diminui o edema, aumenta a vasodilatação por

PGE1, diminui a agregação plaquetária, diminui a produção de PGE2, estabiliza as membranas

celulares e neutraliza radicais livres (DE LA TORRE, 1981). Vitamina E e selênio também podem ser

adjuvantes na contenção dos mecanismos oxidativos.

6.3 Patogenia de acordo com a medicina tradicional chinesa

Para a MTC, traumas na medula espinhal afetam primariamente o meridiano Vaso Governador (VG).

Este meridiano controla a função Yang do Qi e reúne os pontos de confluência dos meridianos Yang.

Portanto, um trauma medular irá provocar a estagnação de Qi e de Sangue, o que terá consequências

sobre os ossos, músculos, tendões e órgãos. A estagnação de Qi também pode ser secundária à

estagnação de Sangue, resultando em dor lancinante, sangramento de coloração escura e com coágulos,

sensação de formigamento, parestesia e perda de sensibilidade (SCHOEN, 2001).

30

6.4 Estratégias adotadas na acupuntura

O tratamento utilizando acupuntura, eletroacupuntura, laser ou aquapuntura consistem em remover a

estagnação de Qi e Sangue. Os pontos mais utilizados são (SCHOEN, 2001 e XIE & PREAST, 2011):

- B10, B11, VG14: que são pontos de intersecção dos seis canais Yang dos membros torácicos e

pélvicos e regulam o fluxo de Qi;

- VG16, B67: pontos locais toracolombares (pontos Shu dorsais);

- B62, VB39, B40, B60, VB34, E36, VG3, VG4: que preenchem o Yang Qi;

- B39, B40, B60: pontos distais que afetam o meridiano da Bexiga;

- VB20, ID16, IG18, TA16, ID3, B62, B67, VB44, ID1, TA1, P7: mover o Qi e resolver a estagnação

de Sangue.

De acordo com DORSHER & MCINTOSH (2011), menos de 1% dos pacientes que sofreram lesão

medular aguda apresentam recuperação neurológica com uso somente das práticas hospitalares.

WONG e colaboradores (2003) examinaram o efeito da eletroacupuntura na recuperação neurológica

de 100 pacientes com lesão medular aguda (LMA) por trauma ASIA A/B (classificação da American

Spinal Injury Association, em que A significa ausência completa de função motora e sensorial e E

significa estado normal). Destes, 50 pacientes receberam somente tratamentos convencionais e 50

receberam tratamento convencional e eletroacupuntura (estimulação dos pontos ID3 e B62 com 75Hz,

5 vezes por semana, por 30 min). O grupo que recebeu eletroacupuntura mostrou melhora clínica

significante em relação ao grupo controle 1 ano após a LMA.

Os pontos escolhidos por este estudo são responsáveis pela ativação do meridiano Vaso Governador,

cujo trajeto parte da cauda equina até o crânio. O ponto B62 está relacionado com o nervo sural na

porção lateral da articulação do tarso e o ponto ID3 está relacionado ao nervo lateral digital palmar,

localizado na porção lateral do terço distal do metacarpo. A estimulação dos pontos à 75 Hz promove

a liberação de encefalinas e dinorfinas na medula espinhal, promovendo um mecanismo endógeno de

limitação dos danos aos axônios e medula (HAN, 2004).

A incontinência urinária associada à LMA tem sido relatada como um estado de prognóstico

desfavorável e com recuperação demorada (MADERSBACHER, 1999). As pesquisas referentes ao

tratamento da bexiga neurogênica com acupuntura, tanto em humanos quanto em animais, são bastante

restritas. Para pacientes com LMA (< 1 mês), CHENG et al. (1998) demonstraram que a estimulação

dos pontos VC3, VC4 e B32 com eletroacupuntura de 20 Hz auxiliou na reativação da função urinária

normal 33% mais rápido que nos pacientes tratados somente com fármacos e cateterização. A

31

localização de VC3 e VC4 sugere que atuem na estimulação simpática do gânglio mesentérico caudal,

levando à contração dos esfíncteres e relaxamento do músculo detrusor da bexiga, permitindo o

preenchimento completo e posterior esvaziamento.

YANG e colaboradores (2003) estudaram os efeitos do tratamento com corticosteróides e

eletroacupuntura em lesões experimentais induzidas na medula espinhal de cães. O estudo consistia

em promover a compressão de cerca de 25% da medula por meio da inserção cirúrgica de um

fragmento ósseo autógeno entre L2 e L3. Os grupos foram divididos em A (corticosteróide), B

(eletroacupuntura), AB (corticosteróide + eletroacupuntura) e C (controle). O tratamento

farmacológico consistia em succinato de metilprednisolona (30 mg/kg, intravenosa, a cada 6 h, por 6

vezes), seguida de acetato de prednisolona (2 mg/kg, oral, a cada 12 h), cimetidina (10 mg/kg),

misoprostol (5g/kg) e vitamina B1 (1 mg/kg). O tratamento com eletroacupuntura consistia em

sessões diárias de estimulação dos pontos VG4, VG3, B23, B24, VB30, VB34, E36, E40, E41 com 25

Hz durante 20 minutos. Avaliou-se o tempo de recuperação da propriocepção e reação postural em

dias e constatou-se que o grupo AB apresentou resposta significantemente mais rápida que os demais,

cerca de 3 vezes mais rápida que os grupos A e B (estatisticamente iguais) e 5 vezes mais rápida que o

grupo controle.

32

7 AÇÃO DA ELETROACUPUNTURA SOBRE AS LESÕES NERVOSAS

Em modelos experimentais de LMA em animais, a eletroacupuntura tem demonstrado possuir uma

série de efeitos fisiológicos positivos no local da lesão espinhal (DORSHER & MCINTOSH, 2011).

7.1 Proteínas produzidas por eletroestimulação

A eletroacupuntura (EA) produz redução nos níveis de proteína glial fibrilar ácida na medula

lesionada, uma proteína presente principalmente nos astrócitos e que é responsável por promover a

multiplicação destas células. Ao inibir sua produção, ocorre redução na taxa de mitose destas células,

prevenindo a produção da cicatriz glial no local da lesão (YANG et al., 2005 e PENG et al., 2007). A

produção reduzida de receptores de fatores de crescimento epidermais também favorece a

minimização das cicatrizes (PENG et al., 2007).

Observa-se também a redução na produção de radicais livres (WU et al., 2002) e a menor expressão de

aquaporina (AQP-4) (HAN et al., 2005), o que reduz a ocorrência de edema secundário ao dano

medular. POLITIS & KORCHINSKY (1990) constataram que a EA reduz a atrofia da medula

espinhal após lesões induzidas cirurgicamente em animais, além de reduzir também a resposta de

estresse destes animais medida por meio dos níveis de cortisol sérico.

O estímulo de eletroacupuntura aumenta o potencial de regeneração medular também por aumentar os

níveis de expressão de laminina (ZHU, 2002). MENEZES e colaboradores (2010) estudaram o efeito

da administração local de um polímero de laminina exógeno na reparação medular de ratos

submetidos à LMA por compressão via catéter subaracnóideo em T7. Os animais tratados

apresentaram recuperação motora significante dos membros em relação ao grupo controle a partir de 2

semanas após o tratamento.

WU et al. (1999) reportaram que a acupuntura reverte a elevação da acetilcolinesterase e succinato

desidrogenase no corno ventral da medula espinhal com LMA experimental, o que pode inibir o

atrasar a deterioração (e possivelmente promover a recuperação) dos corpos celulares do corno

medular.

Um estudo realizado por LI e colaboradores (2010) demonstrou a produção de 15 proteínas

diretamente na medula espinhal de ratos que sofreram transecção completa de T10 e foram tratados

com eletroacupuntura por 3 semanas. Os pontos estimulados que apresentaram os resultados mais

significantes foram VG6 e VG9, com 60 Hz, corrente < 1 mA, por 20 min, diariamente. Das proteínas

identificadas, destacam-se a ANXA5 e a CRMP2, além de PEBP1, HSPB1, FTH1, HSPB1, ANXA3,

FRIL1, SEPT2, MOES, TRFE, LAP3, CRYAB e RAN, todas presentes em maior concentração no

grupo tratado com EA e que estão diretamente relacionadas com a modulação da inflamação, adesão e

migração celular, transdução de sinal e apoptose. A ANXA5 é uma proteína com efeitos

33

antiinflamatórios, que atua por meio da inibição da fosfolipase A2. A CRMP2 é o elemento central

que envolve o crescimento axonal e direciona o processo de transdução de sinal que permite que os

axônios cresçam nas direções corretas (LI et al., 2010).

7.2 Liberação dos opióides endógenos

A eletroacupuntura de baixa frequência (2 Hz) estimula a produção de met-encefalina e -endorfina no

sistema nervoso central, cujo efeito analgésico pode ser bloqueado pela naloxona (MA, 2004). A

eletroestimulação de média frequência (15 Hz) produz tanto met-encefalina e -endorfina quanto

dinorfina e a alta frequência (100 Hz) produz somente dinorfina (HAN, 2004). Os efeitos da dinorfina

nos neurônios medulares e glia são complexos, as dinorfinas podem ter ações neuroprotetoras ou pró-

apoptóticas dependendo da quantidade de receptores opióides tipo kappa expressos ou da

concentração de dinorfina liberada (HAUSER et al., 2005). Níveis excessivos de dinorfina na LMA

contribuem para a hiperalgesia bem como para a excitotoxidade dos neurônios e da glia enquanto que

quando liberada em concentrações fisiológicas, apresentam efeito analgésico e neuroprotetor nas

células da medula espinhal (HAUSER, 2005).

A Figura 7 apresenta um resumo geral dos efeitos da eletroacupuntura sobre as lesões da medula

espinhal.

34

Figura 7 – Principais efeitos da eletroacupuntura na recuperação das lesões medulares agudas.

Adaptado de DORSHER & MCINTOSH (2011).

Eletroacupuntura

dimunui cortisol diminui estresse

aumenta met-encefalina e b-endorfina (2 Hz)

analgesia

aumenta dinorfina (100 Hz)

excitotoxicidade para neurônios e glia

diminui proteína glial fibrilar ácida e fatores de

crescimento

diminui formação de cicatriz glial

diminui RL's e aquaporina diminui edema

aumenta lamininaaumenta regeneração

neuronal

aumenta fosfatase ácida, diminui

acetilcolinesterase e succinato desidrogenase

aumenta a sobrevivência neuronal

aumenta ANXA5 inibe forsfolipase A2

aumenta CRMP2estimula e direciona o

crescimento axonal

PEBP1, HSPB1, FTH1, HSPB1, ANXA3, FRIL1,

SEPT2, MOES, TRFE, LAP3, CRYAB e RAN

inflamação, adesão e migração celular,

transdução de sinal e apoptose

35

8 ESTUDO DE CASO: LESÃO MEDULAR LOMBOSSACRA POR TRAUMA EM

EQUINO

8.1 Histórico do paciente

Um cavalo SRD, 7 anos, castrado, 420 kg (escore corporal 5 de 9), propriedade de uma universidade,

fazia parte de um grupo de cavalos de um experimento que envolvia o teste de uma substância para

analgesia toracolombar subaracnóide, Figura 8.

Figura 8 - Posicionamento do catéter e agulha na analgesia toracolombar subaracnóide, (MUIR &

HUBBEL, 2009).

Obs.: A, Posicionamento da agulha no espaço lombossacro. B, Posicionamento da ponta do catéter no

espaço toracolombar subaracnóide. C, Área dessensibilizada após o bloqueio local. a, Gordura e tecido

conjuntivo presentes no espaço epidural. b, Dura mater. c, Aracnóide, d, Medula espinhal. e, Espaço

subaracnóide com líquido cerebroespinhal.

A execução do procedimento foi precedida pela sedação do animal com acepromazina (0,05 mg/kg) +

xilazina (0.6 mg/kg), tricotomia, antissepsia e aplicação de um botão anestésico local com lidocaína

(10 ml). O equino foi posicionado em tronco de contenção em local silencioso e bem iluminado.

Porém, este animal não apresentou boa sedação e, no instante da aplicação da agulha lombossacra, se

movimentou provocando a inserção da agulha na medula espinhal e consequente lesão (dia 0).

No dia 1, o equino demonstrava desconforto (talvez dor) na baia, havendo fezes escassas e sem sinal

de urina na cama. Foi aplicada dipirona Buscofin® (25 ml) pela manhã e o equino foi mantido em baia.

À noite foi realizada palpação retal e constatado que a bexiga se encontrava repleta de urina e havia

retenção de fezes na ampola retal. Foi feita hidratação cecal e flunixina meglumina (0,5 mg/kg).

36

No dia 2 pela manhã, foi realizada a sondagem vesical, pois o animal aparentemente não havia urinado

durante toda a noite. Ele se encontrava bastante incomodado na baia, demonstrando dor e relutância

em se mover. Novamente foi feita a hidratação cecal e flunixina meglumina (0,5 mg/kg). Durante a

tarde, foi retirado o catéter subaracnóide e administrada dexametasona (0,2 mg/kg) intramuscular.

No dia 3, foi realizada hidratação cecal e acrescentou-se linhaça na alimentação. As fezes começaram

a voltar ao normal porém a retenção urinária permaneceu. Dexametasona (0,2 mg/kg) intramuscular

foi administrada novamente.

No dia 4, foi realizada hidratação cecal e linhaça na alimentação. Observou-se sinais de defecação

normal e retenção urinária persistente com incontinência urinária. procedeu-se com a administração de

dexametasona (0,2 mg/kg) intramuscular.

No dia 5, foi repetido o procedimento do dia anterior e no dia 6 foi administrada somente a

dexametasona (0,2 mg/kg) intramuscular. Não houve melhora no quadro de retenção urinária. O

animal urinava por gotejamento constantemente.

8.2 Avaliação do paciente

8.2.1 Medicina veterinária convencional

No 32o dia, o animal apresentava ato de defecação, porém com fezes escassas e ressecadas, estava

apático e com hiporexia, havia perdido peso (escore corporal 3 de 9) e tinha pelos opacos, Figura 9.

Ainda apresentava retenção urinária com gotejamento constante e não expunha o pênis desde o evento

da lesão, Figura 10.

Figura 9 - Estado geral de apatia e escore corporal do paciente no dia da avaliação, 32 dias após a

lesão medular.

37

Figura 10 - Gotejamento constante de urina devido a retenção urinária persistente.

As mucosas estavam pálidas, frequência cardíaca (42 bpm) e respiratória (20 mpm) normal,

temperatura retal normal (37.5 oC). Grau leve de desidratação e motilidade levemente diminuída.

O exame termográfico da região da garupa do paciente (Figura 11) revelou assimetria de irrigação

sanguínea entre o lado esquerdo e direito, com déficit de suprimento sanguíneo do lado direito

refletido pela presença de heterogeneidade de cores e presença de áreas verdes, o que denota baixa

temperatura no local. Observou-se também a presença de uma região avermelhada na musculatura da

garupa juntamente com uma região branca sobre a coluna vertebral (vermelho e branco são áreas

quentes), indicando a presença de um processo inflamatório na região. Em um exame qualitativo de

termografia, o mais importante é observar a heterogeneidade de cores entre os metâmeros e o quão

abrupta é a mudança entre as cores. Regiões saudáveis são simétricas e com mudanças graduais entre

as cores (BASILE et al., 2010).

Figura 11 - Termografia da garupa do equino antes de iniciar o tratamento com acupuntura (dia 32).

A pessoa responsável pelo animal relatou que não havia observado melhora no quadro de retenção

urinária após o tratamento com corticóides. Naquele momento, a acupuntura foi apontada como a

38

última ferramenta que poderia ser utilizada e, caso o sucesso clínico não fosse atingido, o animal seria

eutanasiado.

8.2.2 Medicina tradicional chinesa

No exame de palpação pela MTC, o equino apresentava sensibilidade nos pontos de imunidade, triplo

aquecedor (B51), assentimento do Rim (B23), alarme do Baço-Pâncreas (F13), alarme do Fígado

(F14), alarme da Bexiga (VC3), alarme do Rim (VB25), alarme do pulmão (P1) e sensibilidade por

excesso de jarrete e joelho, principalmente do lado direito. O animal se tornava agitado e agressivo ao

ser tocado nos membros pélvicos e apresentava odor fétido.

8.3 Diagnóstico

8.3.1 Medicina veterinária convencional

Retenção urinária por lesão da medula espinhal no trecho lombossacro (L6-S1) atingindo as fibras

paraependimais e consequentemente o ramo parassimpático de inervação da bexiga, genitália externa e

uretra, Figura 12. Bexiga Neurogênica.

Figura 12 - Diagrama das consequências da lesão da medula espinhal lombossacra do equino.

Obs.: As linhas em cinza e tracejadas indicam os trechos nervosos cuja condução de informação ficou

comprometida após a lesão.

8.3.2 Medicina tradicional chinesa

Ao se juntar os dados da avaliação clínica no diagnóstico dos Cinco Movimentos, é possível notar os

seguintes desequilíbrios, apresentados na Tabela 3 e Figura 13:

39

Tabela 3 - Resumo dos sinais clínicos aplicados à avaliação pelos 5 Movimentos.

Sinal clínico ou sensibilidade Elemento Tipo de desequilíbrio

Alarme Rim

Assentimento Rim

Alarme Bexiga

Retenção urinária

Dor no jarrete e joelho

Água Deficiência

Alarme Fígado

Atonia de pênis

Apatia, letargia

Agressividade

Madeira Excesso

Triplo aquecedor

Agitação Fogo Excesso

Hiporexia

Perda de peso

Mucosa oral pálida

Terra Deficiência

Imunidade

Alarme Pulmão

Odor fétido

Hipomotilidade intestinal

Metal Deficiência

Figura 13 - Diagrama dos 5 movimentos evidenciando o desequilíbrio.

Os pontos de sensibilidade e o padrão de desarmonia dos 5 elementos permitem concluir que, no

diagnóstico pela MTC, trata-se de uma deficiência de Yang do Rim e desconexão entre o Jiao Superior

e Inferior devido ao bloqueio de Qi e Xue no meridiano Vaso Governador.

8.4 Estratégias de tratamento

A adoção da terapia com corticóides nos primeiros dias que seguiram a lesão foi importante para

conter o processo inflamatório e edematoso no local, minimizando a ocorrência da lesão secundária.

Porém, não apresentou benefícios ao processo de restauração neuronal e cicatrização medular. Nesta

40

fase, a acupuntura se torna a ferramenta mais viável e aplicável de acordo com os conceitos que já

foram discutidos nos capítulos anteriores.

A estratégia de tratamento consistiu em tonificar os elementos Água (R1, B67) e Metal (P11), sedar o

elemento Fogo (C9), equilibrar a Madeira e o trajeto do meridiano (VB44), estimular a imunidade por

meio de aplicação de 10 ml de sangue venoso no respectivo ponto (somente na primeira sessão),

tonificação geral (E36 e IG10), estimulação lombossacra (Bai Hui), tonificação do Rim (B23), pontos

de tonificação local com eletroacupuntura entre B26 e B30 (4 e 10 Hz com 4 s cada, 2 mA, por 10

minutos), tonificar região lombar (VB 28), laserpuntura no VC4 (4 J, caneta de 904 nm, 25 W) para

retenção urinária, VG2 para tonificar a lombar e moxabustão no R7 para estimular diurese. Este

protocolo foi utilizado 2 vezes por semana, durante 3 semanas. Posteriormente, parou-se com a moxa

no R7 e a eletroacupuntura foi realizada entre VG1 e VG3. Os pontos B25 e B30 foram mantidos com

agulha seca. Este segundo protocolo foi aplicado por mais 6 sessões. O tratamento completo de

acupuntura durou 74 dias consecutivos (12 sessões no total), ou seja, foi finalizado 106 dias após a

lesão medular (Figura 14).

Figura 14 - Pontos de acupuntura utilizados na região lombossacra do equino.

8.5 Evolução do paciente

A Tabela 4 apresenta um resumo da evolução do paciente observada a cada nova sessão de acupuntura.

41

Tabela 4 - Resumo da evolução do paciente após o tratamento com acupuntura.

Sessão Escore de melhora

aparente (1 a 10) Observações após a sessão

1 3

Exposição parcial do pênis, relaxamento, bocejos, se

movimentou com maior facilidade, maior gotejamento,

maior conforto.

2 3 Relaxou durante a sessão, expôs parte do pênis e soltou um

filete de urina não intencional.

3 4

Exposição total do pênis, soltou filete de urina não

intencional por 3 s, muitos bocejos, mastigação e salivação

durante a sessão, trotou e galopou no piquete.

4 5 Bocejos, exposição completa do pênis, mímica de urinar,

bastante ativo no piquete.

5 7

Nervoso antes da sessão, se acalmou durante a acupuntura.

Fez gesto completo de micção e urinou um pequeno jato no

piquete. Ultrassonografia mostrou bexiga repleta e cistite.

Urinálise indicativa de cistite severa.

6 4 Urina somente quando aumenta a pressão intra-abdominal

(espirros, movimentação). Tratamento para cistite.

7 4 Quadro estabilizado. Tratamento para cistite.

8 4 Quadro estabilizado. Tratamento para cistite.

9 4 Quadro estabilizado. Tratamento para cistite.

10 4 Quadro estabilizado. Repetição do exame ultrassonográfico.

11 4 Quadro estabilizado. Tratamento para cistite.

12 4 Quadro estabilizado. Tratamento para cistite.

O exame ultrassonográfico transretal após a 5a sessão indicou que o paciente ainda não era capaz de

realizar o esvaziamento completo da bexiga e que havia um quadro de cistite instalado, evidenciado

pela grande distensão, espessura aumentada de parede da vesícula urinária e presença de conteúdo

hiperecóico, Figura 15.

42

Figura 15 - Ultrassonografia transretal da bexiga mostrando grande distensão e conteúdo hiperecóico,

sugestivo de cistite.

A urinálise revelou alta densidade (1,033 mg/ml), aspecto turvo, pH baixo (6,5), proteína (+), sangue

oculto (+++), presença de bactérias (++++), leucócitos (+++), cristais de oxalato de cálcio (+), cristais

de fosfato triplo (+++), cristais de carbonato de cálcio (+++) e células epiteliais de transição (+).

Iniciou-se então o tratamento para a cistite por meio da administração de enrofloxacina (5,5 mg/kg) a

cada 24 h por 15 dias. Repetiu-se o exame ultrassonográfico para avaliação do quadro de cistite

(Figura 16).

Figura 16 - Segunda avaliação ultrassonográfica realizada após o tratamento da cistite com

enrofloxacina.

43

Reiniciou-se então um novo tratamento com gentamicina (6,6 mg/kg) a cada 24 horas por 10 dias,

porém sem a demonstração de melhora pelo paciente.

Optou-se então pela uretrostomia perineal de forma a permitir o esvaziamento constante e lavagem

ambulatorial da bexiga (Figura 17).

Figura 17 - Drenagem da bexiga logo após a colocação cirúrgica de uma sonda uretral com acesso

pelo períneo.

O paciente permaneceu internado durante 10 dias para drenagem da urina e lavagem da bexiga com

solução fisiológica duas vezes ao dia. A sonda foi retirada e o exame ultrassonográfico foi novamente

realizado após 5 dias sem sonda, Figura 18.

Figura 18 - Exame ultrassonográfico realizado 5 dias após a retirada da sonda uretral.

44

Foi possível constatar que o paciente já estava apto a esvaziar voluntariamente a bexiga, pois o exame

ultrassonográfico mostrava pequena distensão da parede vesical e não se observava mais gotejamento

pelo pênis. Além disso, o conteúdo da bexiga se apresentava anecóico, indicando a resolução do

quadro de cistite. Foi observada uma camada de deposição de cristais na parede vesical e indicou-se

que fosse realizada a lavagem da bexiga por meio de sonda uretral por mais 2 vezes.

Realizou-se novamente um exame termográfico após a alta do paciente (126 dias após a lesão) para

avaliar a evolução da perfusão na região da garupa, Figura 19.

Figura 19 - Termografia realizada após a alta ambulatorial do paciente.

Observou-se a aparência homogênea da distribuição de temperatura em ambos lados da garupa, com

incremento de temperatura notável na região que antes havia sido avaliada com hipoperfusão.

8.6 Conclusão do caso

Após o tratamento ambulatorial, a sonda uretral foi retirada e o paciente voltou a urinar

voluntariamente. Concluiu-se então que a estabilização do quadro após a sexta sessão de acupuntura

pode ter sido provocada pela cistite devido ao grande período de retenção urinária.

O paciente recuperou o controle da micção e a vascularização da região da garupa, comprovando os

efeitos benéficos da acupuntura no cenário de lesão medular, Figura 20.

Figura 20 - Alta do paciente cerca de 130 dias após a lesão medular.

45

9 CONCLUSÃO

O tratamento das lesões na medula espinhal ainda é um desafio para a medicina. Em equinos, a causa

mais frequente de lesões medulares está associada ao trauma, porém encontram-se também os agentes

infecciosos e congênitos entre os fatores etiológicos mais comuns.

A avaliação completa e consistente de um paciente suspeito de lesão medular deve envolver as

técnicas disponíveis na medicina convencional, os exames auxiliares e a metodologia proposta pela

medicina tradicional chinesa. Desta forma, o clínico se torna apto ao final do exame em distinguir

entre uma lesão espinhal ou um problema ortopédico, identificar o local e a extensão da lesão, detectar

órgãos que possam ter sido afetados pela lesão e ainda diagnosticar a real causa de tal lesão.

Diante destas informações, torna-se possível estabelecer um plano de tratamento adequado e

abrangente, com o objetivo não somente de estabilizar a lesão primária e minimizar a lesão secundária,

mas sim de dar condições de reparação neuronal ao organismo. Sendo assim, vários estudos em

humanos e animais comprovaram que a lesão medular aguda deve ser primeiramente contida por meio

de tratamento com antiinflamatórios esteroidais e, posteriormente, a estimulação de pontos específicos

por acupuntura.

A eletroacupuntura apresenta atuação singular nos mecanismos de reparação neuronal, estimulando a

produção de diversas substâncias com ação antiinflamatória, analgésica, antiedematosa e estimuladora

do crescimento axonal. Contribui incisivamente na reparação do tecido nervoso sem que haja a

formação de cicatriz glial.

A aplicação deste protocolo de tratamento em um caso de lesão medular por trauma em um cavalo

mostrou que os equinos são bastante responsivos, sendo que este caso apresentou resolução do quadro

de bexiga neurogênica em cerca de 130 dias.

46

10 BIBLIOGRAFIA

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