A&D Econ Bras Baiana

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Revista temática que teve seu primeiro exemplar publicado em 1991. Com uma média de quatro lançamentos anuais, a publicação aborda temas atuais, de forma contextualizada, retratando a realidade do estado. Através de artigos e entrevistas, elaborados por colaboradores externos e especialistas da SEI, a revista proporciona uma reflexão sobre questões de interesse da sociedade.

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  • SALVADOR v.16 n.4 JAN./MAR. 2007

    ECONOMIABRASILEIRA EBAIANA: UMAANLISE DOPS-REAL

    www.sei.ba.gov.br

  • ISSN 0103 8117

    BAHIA ANLISE & DADOSSalvador SEI v. 16 n. 4 p. 517-674 jan./mar. 2007

  • SUMRIOApresentao........................................................................................................................................................................... 521

    ECONOMIA BRASILEIRAAs agonias do desenvolvimentismo e o (des)ajuste social no Brasil do Real ................................................................. 525

    Francisco Baqueiro Vidal

    Tempos de crise, reformas e insegurana econmica na Amrica Latina ....................................................................... 541Laumar Neves de Souza

    Questo fiscal no Brasil: impacto dos juros sobre as contas pblicas e seusreflexos sobre o crescimento econmico ............................................................................................................................. 561

    Ana Maria Ferreira Menezes

    Inflation Targeting no Brasil: balano e aperfeioamentos necessrios .......................................................................... 569Giuliano Contento de Oliveira, Aderbal Oliveira Damasceno

    Sistema Financeiro Nacional e oferta de crdito: uma anlise estrutural ps-plano real ............................................... 585Thiago Reis Ges, Lcio Flvio de Freitas, Fbio Batista Mota

    Renda mnima no Brasil: de programas residuais a polticas pblicas residuais .......................................................... 595Kenys Menezes Machado

    Ajustamento fiscal dos estados no ps-Real e suas implicaes para as polticas de desenvolvimento regional ................ 605Danilo Jorge Vieira

    ECONOMIA BAIANAAvaliao do FNE no desenvolvimento regional baiano no perodo ps-real ................................................................... 621

    Elmer Nascimento Matos, Fernando Czar de Macedo

    Uma anlise da poltica de atrao de investimentos na Bahia na dcada de 90 ........................................................... 635Fabiana Karine Pacheco dos Santos

    Crescimento econmico ou polticas sociais? Causas da reduo da pobreza na Bahia no ps-plano Real ............. 645Andr Silva Pomponet, Clia Regina Sganzerla

    Consideraes sobre a concentrao econmica na Bahia .............................................................................................. 655Marcos Guedes Vaz Sampaio

    Impacto do PIB na gerao de empregos da indstria de embalagens plsticas do Brasil e da Bahia ....................... 665Vera Spnola

  • APRESENTAO

    A partir de 1994, com a consolidao progressiva dos efeitos deflacionrios do Plano Real,inaugurou-se um novo modelo de desenvolvimento econmico e social para o pas,pautado, em ltima instncia, na hegemonia global do neoliberalismo. Iniciou-se assim,um processo de profundas reformas pr-mercado, com a conseqente reduo do papel ativodo Estado na economia e sociedade. Privatizao do aparelho produtivo estatal e aberturacomercial acelerada, bem como profundas alteraes nas estruturas produtivas nacionais eregionais, alm da precarizao geral das condies de trabalho representaram a contrapartidado controle da inflao a todo custo, em detrimento, inclusive, de um crescimento econmicomais vigoroso e duradouro.

    A realizao de um balano analtico do modelo de desenvolvimento adotado pelo pas, no perodoentre 1994 e 2006, aproximadamente, englobando no somente os aspectos tcnicos eeconmicos das polticas implementadas, como tambm as suas conseqncias sociais, tantopara o Brasil como para a Bahia, constitui-se em importante insumo para todo e qualquer esforode planejamento governamental voltado para o desenvolvimento integral da sociedade,particularmente quanto formulao de polticas pblicas mais adequadas para tal finalidade.

    Desse modo, a SEI neste nmero da Revista Bahia Anlise & Dados buscou estimular odebate acerca desse perodo recente da economia brasileira, assim como suas implicaes naeconomia baiana, dividindo-o em duas partes: a primeira que apresenta os textos que abordam otema dentro de uma perspectiva nacional e a segunda, direcionada para a anlise da Bahiadentro do perodo delimitado. Assim, a revista contempla artigos que discutem a temtica propostasob os mais variados prismas, tais como: os aspectos da fundamentao terica dos planos deestabilizao monetria, anlise da poltica econmica implementada, assim como das dinmicasdas economias brasileira e baiana dentro desse perodo; abordam, tambm, as polticas sociaisexecutadas no Brasil e na Bahia e a questo do desenvolvimento regional.

    Esta publicao, portanto, tem o intuito de contribuir com o debate sobre perodo recente daeconomia brasileira e baiana, iniciado ainda na primeira metade da dcada de 90, agregandoinformaes e conhecimento e disponibilizando-os sociedade. A realizao dessa revista,entretanto, no seria possvel sem a colaborao e o esforo de todos os autores e sem ocompetente trabalho da equipe tcnica da Coordenao de Contas Regionais e Finanas Pblicas,atravs do seu ncleo de Estudos Regionais.

  • Economia BrasileiraEconomia Brasileira

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    AS AGONIAS DO DESENVOLVIMENTISMO E O (DES)AJUSTE SOCIAL NO BRASIL DO REAL

  • BAHIA ANLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 4, p. 525-539, jan./mar. 2007 525

    FRANCISCO BAQUEIRO VIDAL

    Resumo

    Este artigo discute aspectos recentes do desenvolvimentobrasileiro, particularmente desde a implementao do PlanoReal, no ano de 1994. Entende-se aqui que esse planoeconmico correspondeu tambm, e sobretudo, a uma opopoltica por determinado modelo de desenvolvimento. Nessesentido, analisam-se os fundamentos e as contradies dessemodelo, bem como as principais conseqncias que esteacarretou para o pas, muito distintas, por sinal, daquelasanunciadas e antecipadamente festejadas quando de suaadoo, especialmente no que se refere aos setores maisdesprivilegiados da sociedade.

    Palavras-chave: Estado; Desenvolvimento; Neoliberalismo;Polticas pblicas; Reformas.

    Abstract

    This article discusses recent aspects of Braziliandevelopment, particularly the ones observed since theimplementation of the "Plano Real", in 1994. Here it isunderstood that this economic plan corresponded, over all, to apolitical option for a specific model of development. In this way,the model's fundamentals and contradictions are analyzed, aswell as the main consequences it caused to the country, whichare very different from the ones announced and celebrated inadvance when the plan was adopted, especially regarding theunprivileged sectors of society.

    Key words: State; Development; Neoliberalism; Publicpolicies; Reforms.

    As agonias do desenvolvimentismo e o(des)ajuste social no Brasil do Real

    Francisco Baqueiro Vidal*

    INTRODUOOs anos 90 do sculo passado tm sido aponta-

    dos e mesmo saudados por certo senso comumcomo aqueles que marcaram, definitivamente, para oBrasil, o combate com xito inflao. De fato, apsdcadas convivendo com tal fenmeno - o qual toma-va maior ou menor vulto conforme conjunturas espe-cficas -, o pas acompanhou uma queda expressivados ndices inflacionrios, desde a implementaodo Plano Real, no ano de 1994, feito que se prolongaat os dias atuais, com taxas mensais que remetem,em alguma medida, aos padres dos pases ditosdesenvolvidos.

    Para alguns, esse importante evento da histriaeconmica nacional encerrava, em seu prprio su-cesso, uma aura um tanto misteriosa, provavelmenteem virtude dos sucessivos malogros anteriores das

    diversas tentativas de controle inflacionrio, tanto emtermos mais ortodoxos como tambm heterodoxos.Mas o Plano Real nada tinha de enigmtico, e sim deparadigmtico, pois fazia parte de uma safra de pla-nos de estabilizao monetria, aplicados na Amri-ca Latina a partir de meados dos anos 80, muitosdeles com considervel eficcia. Na verdade, e paraalm de seus efeitos mais aparentes, correspondia adoo de um determinado modelo de desenvol-vimento e simbolizava, ademais, a ruptura com umoutro, anteriormente vigente, em maior ou menormedida atrelado a uma estratgia dita nacional-desenvolvimentista.

    A rigor, esse novo modelo encontrava-se aliceradona hegemonia continental obtida pela ideologianeoliberal - enfatizada no chamado Consenso deWashington - e pautava-se, especialmente, pelasreformas da ordem econmica de ntida inclinao pr-mercado, cujo corolrio s poderia se expressar numa

    * Mestre em Administrao pela Universidade Federal da Bahia. especialista em polticaspblicas e gesto governamental. Trabalha na Secretaria do Planejamento do Estado daBahia. [email protected]

    BAHIAANLISE & DADOS

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    AS AGONIAS DO DESENVOLVIMENTISMO E O (DES)AJUSTE SOCIAL NO BRASIL DO REAL

    reduo do papel ativo do Estado na economia e nacorrespondente privatizao do aparelho produtivoestatal; numa espcie de ncora cambial (asobrevalorizao da moeda nacional frente ao dlar);numa clere abertura comercial; nas elevadas taxasde juros; e numa ampla liber-dade para a entrada e sadade capitais, mesmo (ou prin-cipalmente) aqueles de natu-reza meramente financeira ouespeculativa. Desse modo, atarefa de analisar os funda-mentos de tal modelo, igual-mente adotado pelo Brasil, apresenta-se comobastante oportuna, no s para o conhecimento dasperspectivas socioeconmicas atuais, mas, princi-palmente, para o balizamento das escolhas polti-cas inerentes sociedade brasileira, inclusive noque diz respeito a possveis correes de rumos.

    O BRASIL DOS ANOS 90: UM CASO DE ADESOIRRESTRITA AO NEOLIBERALISMO

    A ltima dcada do sculo XX foi mesmoparadigmtica para o Brasil. Nesse perodo, suasclasses dirigentes no s preconizaram como tam-bm levaram a cabo um determinado projeto poltico,atuando em duas frentes bsicas: no plano externo,promovendo, a passos largos, uma integrao passi-va nova ordem mundial, pautada pelo iderioneoliberal; e, no plano interno, realizando um verda-deiro desmanche do Estado desenvolvimentista, querdizer, especialmente de seus instrumentos e institui-es historicamente voltados para o incremento doprprio desenvolvimento capitalista no pas. Emambas as situaes, essas mesmas classes, para aconsecuo de seus fins, viabilizaram tanto polticas(monetria, cambial, comercial etc.) como tambmcertas aes (desregulamentaes, quebra de mo-noplios pblicos, privatizaes, retirada de direitostrabalhistas etc.), caracterizando uma forte guinadapara as chamadas foras de mercado, tendo comoznite o primeiro governo Cardoso (1995-1998).

    Essa adeso do Brasil ao neoliberalismo foialgo tardia - rigorosamente a ltima, de peso, docontinente -, pois a vaga poltica pr-mercado jhavia chegado Amrica Latina nos anos 80,1 por

    meio dos planos de estabilizao monetria, ten-do redobrado suas foras com a celebrao dochamado Consenso de Washington, no final des-ses mesmos anos. Um passo inicial e importanteem direo ao alinhamento do pas a esse movi-

    mento de extenso mundialdeu-se com a chegadaefetiva presidncia deFernando Collor de Mello,em 1990. Datam do perodode seu curto mandato presi-dencial (foi apeado do po-der j em 1992, aps graves

    denncias de corrupo) as primeiras privatiza-es expressivas, alm de considervel desorga-nizao imposta burocracia estatal. Mas arelativa inabilidade poltica de Collor de Mello nocomando desse processo terminou por abrir asportas ao verdadeiro condottiere do projeto deajustamento pleno do pas ao campo neoliberal.Desse modo, foi, pois, com o incio do primeirogoverno de Fernando Henrique Cardoso, em 1995- aps uma significativa vitria eleitoral promovidapelo sucesso deflacionista do Plano Real, maisum dos tpicos "milagres" latino-americanos dognero, durante aquele perodo -, que as polticase reformas ortodoxas e liberalizantes assumiramuma fora avassaladora. Assim, tanto na AmricaLatina em geral - com destaque para as experin-cias anteriores do Mxico e da Argentina - comono Brasil em particular, os planos de estabiliza-o baseavam-se na sobrevalorizao relativa dasmoedas nacionais frente ao dlar, na abertura co-mercial frentica, nas altas taxas de juros e naampla liberdade para a entrada e a sada de capi-tais, entre outras medidas.

    Em um primeiro momento, a queda do chamadoimposto inflacionrio, que punia principalmente osmenores rendimentos, bem como a elevao da ca-pacidade de importao dos rendimentos mdioslogo provocaram bolhas de consumo e crescimentoeconmico, garantindo a reproduo ampliada do

    1 Exceo feita ao Chile que, muito antes disso, conforme Anderson (1995, p. 19), entreoutros, j se havia transformado no primeiro experimento neoliberal do mundo contempor-neo, com a implantao de uma feroz ditadura comandada pelo general Pinochet, em 1973 antes mesmo, portanto, das eleies de Thatcher, na Inglaterra, em 1979, e de Reagan,nos Estados Unidos, em 1980. Desregulamentaes, represso sindical, elevao do de-semprego, reconcentrao da renda, privatizaes etc., foram marcas do regimeneoliberal chileno desde seus primeiros anos.

    Essa adeso do Brasil aoneoliberalismo foi algo tardia -

    rigorosamente a ltima, de peso, docontinente -, pois a vaga polticapr-mercado j havia chegado

    Amrica Latina nos anos 80

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    FRANCISCO BAQUEIRO VIDAL

    prprio modelo, pelo menos em perspectiva de curtoe mdio prazos. Por outro lado, o considervel au-mento do fluxo de capitais externos de naturezaespeculativa,2 particularmente durante a primeira me-tade dos anos 90 (DEVLIN; FFRENCH-DAVIS;GRIFFITH-JONES, 1997, p. 265-267), permitiu aospases que adotaram essa orientao fechar as con-tas de seus respectivos balanos de pagamentos,pois ditos pases j se percebiam s voltas com pe-sados dficits comerciais - para no mencionar umaposio igualmente deficitria em suas contas cor-rentes -, em virtude da abertura comercial e da sobre-valorizao cambial que haviam sido impelidos apromover (FIORI, 1997, p. 66). Contudo, esse segun-do aspecto, especfica e paradoxalmente, serviu ain-da de combustvel para um otimismo sem freios, quevia "confirmar", desse modo, o fenmeno dos merca-dos emergentes. Em suma, foi dessa forma que oBrasil, assim como a Amrica Latina em geral, inte-grou-se nova ordem econmica mundial, vale dizer,pela via de uma globalizao basicamente financeirae sem maiores pretenses quanto a ganhos de auto-nomia, interna e externamente. Para alguns, no en-tanto, tratava-se mesmo de uma clara opo pelodesenvolvimento, de acordo com uma histrica viasugestivamente batizada, j h algum tempo, comodependente e associada. O carter subordinado des-sa integrao revelava-se, ento, explicitamente:

    Vemos a globalizao antes pela tica dasoportunidades que oferece do que pelos riscosque tambm acarreta. J comeamos a colheros frutos de um maior grau de integrao nosfluxos econmicos e financeiros internacionais.Em velocidades distintas, mas num movimentocoletivo, deixamos de lado os modelos econmi-cos de nosso passado recente, baseados naindustrializao protegida para substituir impor-taes, na forte presena do Estado no setoreconmico produtivo (CARDOSO, 1996, f. 9).

    Logo em seguida, contudo, aquela mesma repro-duo encontraria seus prprios limites, seja nocontnuo desequilbrio do balano de pagamentos,seja no desequilbrio fiscal decorrente do aumentoexponencial da dvida pblica, por conta de um in-sistente e patolgico vis de alta na taxa de juros,

    algo sempre bastante atrativo para as formas maisvolteis de capital. Estas ltimas, por sinal, revelar-se-iam por completo, em termos deletrios, quandodas sucessivas crises financeiras que abalaram osditos mercados emergentes, com fugas massivasde divisas, caso inclusive do Brasil em 1998. Alis,diga-se de passagem que a conjugao de todosesses fenmenos terminou por fornecer novo flego tpica viso crtica latino-americana, de inspiraoestruturalista, que os encarou, grosso modo, comoum mero deslocamento, para o balano de paga-mentos, dos crnicos problemas nacionais histori-camente manifestados na inflao.

    Apesar disso, no campo hegemnico, sequerse levou em considerao o que estaria promoven-do, predominantemente, aquele movimento inicialdos capitais externos, a saber: por um lado, relati-va estagnao econmica e baixas taxas de jurosem muitos espaos centrais do capitalismo, almde maior resistncia, nesses mesmos espaos, deexpressivos segmentos sociais ideologia de re-duo brutal da participao do Estado na econo-mia; e, por outro, na periferia do capitalismo, altastaxas de juros, combinadas eliminao de barrei-ras entrada e sada instantnea de capitais, almde oportunidades de valorizaes patrimoniais es-pantosas via aquisies/fuses privadas e privati-zaes de parcelas significativas do aparelhoprodutivo estatal. Particularmente em relao sprivatizaes, estas atendiam ao requisito funda-mental da busca de novos espaos de atuao evalorizao, por parte dos capitais lderes, numanova etapa da concorrncia intercapitalista.

    O alinhamento automtico do Brasil a esse modeloprovocou muito mais que o controle eficiente da infla-o, efeito mais aparente. Significou, entre outros, nosplanos econmico e social, a acelerao de algunsprocessos como a quebra de grupos empresariais tra-dicionais, mesmo na esfera do capital financeiro, noobstante a prpria financeirizao sistmica da eco-nomia; o sucateamento relativo de estruturas produti-vas setoriais e regionais; a desnacionalizao oumesmo alguma desindustrializao de determinadossetores produtivos; a precarizao geral das condi-es de trabalho; o desemprego e o subempregocrescentes; o debilitamento global dos movimentossociais e sindicais.

    2 No perodo 1992-1994, por exemplo, marcado por aporte volumoso de capitais na Amri-ca Latina, somente um em cada quatro dlares das entradas lquidas correspondeu a in-vestimento direto (DEVLIN; FFRENCH-DAVIS; GRIFFITH-JONES, 1997, p. 266).

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    AS AGONIAS DO DESENVOLVIMENTISMO E O (DES)AJUSTE SOCIAL NO BRASIL DO REAL

    bem verdade que a sobrevalorizao cambial,um dos eixos do plano de estabilizao monetria, foiabandonada j no incio do segundo governo Cardoso,em 1999, mas no o modelo propriamente dito. Comtal abandono, buscou-se certa reverso em favor deum estmulo s exportaes,numa tentativa de aliviar apresso sobre o balano depagamentos, pela pretensoda retomada de uma condiosuperavitria na balana co-mercial. Todavia, nesse pri-meiro momento, tal estmulodeu-se muito mais s custasda desonerao fiscal,3 por-tanto em consonncia duplacom os requisitos da chama-da competitividade global e do ajuste fiscal do quecom um retorno deliberado ao estgio de polticas in-dustriais e comerciais mais ativas.4

    Definir se e em que medida tais polticas foram defato retomadas, particularmente a partir do primeiromandato de Luiz Incio Lula da Silva (2003-2006), uma questo interessante, sujeita a naturais contro-vrsias. Uma anlise mais superficial tenderia a evi-denciar um retorno ao padro de polticas ativas,muito mais na esfera comercial que na industrial. Ossucessivos recordes na balana comercial, pautadosno sucesso do agribusiness - no obstante os insis-tentes reclamos de diversos setores exportadoresquanto a uma nova sobrevalorizao cambial - e auxi-liados por uma postura diplomtica no passiva (pelomenos) nas diversas rodadas do comrcio internacio-nal, assim o atestariam.

    Contudo, modificaes na gradao das polticaspblicas ou mesmo alteraes substantivas numramo particular daquelas no so suficientes para ca-racterizar o abandono de um determinado modelo dedesenvolvimento, quanto mais se seus fundamentosse perenizam. Nesse sentido, no causa estranhezaalguma que uma viso praticamente consensual in-sista em enxergar, atualmente, para o bem ou para o

    mal, a continuidade da poltica econmica prevale-cente desde o Plano Real. No por acaso, a taxa dejuros encontra-se ainda postada em patamares ele-vados, principalmente se as necessidades estrutu-rais de crescimento da economia so consideradas.

    Em outras palavras, o vis dereduo na taxa de juros,inaugurado h pouco tempo,relativamente, no mbito dapoltica econmica hegem-nica tmido, para dizer o m-nimo, apresentando comoresultado a permanncia doBrasil nas primeiras posiesdo ranking das maiores taxasde juros do mundo, o que,certamente, tranqiliza os

    principais agentes rentistas. Nesse mesmo sentido,continua igualmente de p a lgica da conteno dainflao a qualquer custo, notadamente pela clssicae ortodoxa compresso da demanda, combinada ain-da a um crescimento econmico descontnuo e mo-desto, alm da inexistncia de polticas explcitas dedesenvolvimento regional que dem conta das histri-cas desigualdades presentes no territrio nacional.

    A INVERSO DAS REFORMAS: ATROFIA DAAO DESENVOLVIMENTISTA

    No bojo dessa adeso do pas aos cnones doneoliberalismo mundial, crescia a conscincia dasclasses dirigentes nacionais de que urgia desfecharo ataque final ao Estado desenvolvimentista, ou me-lhor, ao que restava dele. A rigor, os arranjos, meca-nismos e instituies remanescentes do modeloestatal anterior eram ainda encarados como um obs-tculo ao intitulado projeto modernizador da econo-mia e da sociedade, o que se configurava no discursoou exortao de que era imprescindvel, para o pas,enterrar a "era Vargas".5 Desse modo, o processo dereforma do aparelho estatal brasileiro, significando

    3Na medida em que estes governos [latino-americanos] no tm controle das

    tecnologias de ponta e fizeram precipitadamente sua abertura comercial, no lhes restaalm disto, como forma de estimular suas exportaes, seno o instrumento dadesonerao fiscal (FIORI, 1997, p. 212).4 Desse modo, a desvalorizao do Real no surtiu os efeitos positivos pretendidos, pelomenos em perspectiva de curto prazo. Assim, os anos de 1999 e 2000 ainda apresentaramsaldos negativos na balana comercial brasileira, fechando um espantoso ciclo de seisanos de dficit.

    Os arranjos, mecanismos einstituies remanescentes do

    modelo estatal anterior eram aindaencarados como um obstculo ao

    intitulado projeto modernizador daeconomia e da sociedade, o que se

    configurava no discurso ouexortao de que era

    imprescindvel, para o pas,enterrar a era Vargas

    5 No entanto, a chamada era Vargas insiste em no ser liquidada. Em outros termos, veri-fica-se que as contradies presentes na sociedade em uma determinada etapa do desen-volvimento capitalista no Brasil, e que se faziam expressar, em alguma medida, nosarranjos poltico-institucionais denominados populistas, encontram-se mais uma vez re-postas (algo tambm vlido, grosso modo, para outras sociedades latino-americanas). Talreposio deve-se no somente ao fato de que tais contradies jamais foram resolvidas,como tambm evidncia de que foram mesmo aguadas, nos ltimos anos, sobretudo poruma aplicao indiscriminada do receiturio neoliberal. Particularmente no caso brasilei-ro, no mnimo irnico que a era Vargas parea ter ressurgido com certa fora, amea-ando arrastar para o limbo da histria aqueles que a queriam liquidar.

  • BAHIA ANLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 4, p. 525-539, jan./mar. 2007 529

    FRANCISCO BAQUEIRO VIDAL

    muito mais que uma nova reforma administrativa, foideflagrado com vigor logo no incio do primeiro gover-no Cardoso, em 1995. Em consonncia com essemovimento, ganhava contornos axiomticos o diag-nstico que apontava o setor pblico como epicentroda crise. Esta ltima era de natureza essencialmentefiscal, fruto, seguramente, de um Estado desvirtuadode suas funes, agigantado e prdigo em seus gas-tos. Mas, para alm do plano meramente fiscal, a cri-se do modelo estatal apontava para outros aspectos,como aqueles relacionados a uma excessiva regula-mentao, bem como um engessamento em forma-lismos e controles burocrticos.6

    Evidentemente, tal abordagem mostrou-se des-de logo funcional aos interesses hegemnicos,tanto no plano nacional como no internacional. To-davia, importa ter em conta que ela nem um poucoexplicava o porqu de mais de cem pases teremsido levados, ento, a executar programas agudosde reforma em seus aparelhos de Estado, de acor-do com um receiturio nico, sob o patrocnio nadainsuspeito do Banco Mundial. Tudo isto sem quese considerassem, rigorosamente, suas especifi-cidades nacionais, quer dizer, seus distintos pa-dres de desenvolvimento capitalista, muito menosas formas histricas que viabilizaram seu alcance(com maior ou menor participao estatal, arranjospoltico-institucionais, mecanismos de financia-mento etc.). To importante quanto o fato de queas reformas, no sentido da desestatizao da eco-nomia, avanaram muito mais nos pases perifri-cos - com destaque para as quebras demonoplios, privatizaes e concesses de servi-os pblicos - do que nos pases centrais,7 o quepoderia sugerir certa contradio, caso fosse outraa atual etapa do capitalismo. Em termos mais con-cretos, a busca desenfreada de novos espaos por

    parte dos capitais lderes que atuam no plano inter-nacional pode ser a chave para entender um capi-talismo que se mostra muito rentvel do ponto devista das valorizaes patrimoniais sem maior es-foro e dos ganhos rentistas, mas que se apresen-ta com tendncias marcadamente estacionriasno que se refere s atividades produtivas propria-mente ditas.

    At esse ponto, entretanto, tal diagnstico notrazia maiores novidades, pois a identificao do Es-tado como o grande causador das agruras do capita-lismo tornou-se desde cedo um lugar-comum nocampo liberal-conservador. Em sua fase mais recen-te, quer dizer, a partir do segundo ps-guerra e tendocomo origem os pases centrais coincidindo, as-sim, no tempo e no espao, com o incio da pregaoneoliberal8 , tal acusao tratou de enfatizar um ououtro aspecto, dependendo do contexto, particular-mente o poltico. Assim, diversos idelogos daquelecampo trataram de apontar, sucessivamente, umapermeabilidade estatal excessiva relativamente sdemandas da sociedade, sempre insaciveis e po-tencialmente geradoras de ingovernabilidade; umaampliao indevida dos gastos pblicos, sobretudoos de natureza social; um excesso de regulamenta-es, especialmente sobre os capitais; e uma cargafiscal abusiva, verdadeiro dreno da vitalidade dosagentes capitalistas.

    Ora, de comum a todos esses momentos estavapresente uma conhecida mxima da doutrina liberal,qual seja, a de que h excesso de Estado, e isto noapenas desvirtua o funcionamento do capitalismocomo tambm embota a prpria racionalidade dosagentes econmicos. Em outras palavras, como seesse excedente estatal associado, ainda, polticaimpedisse a manifestao plena das virtudes intrn-secas aos mercados. Assim, de acordo com essetipo de viso perfeitamente natural que o Estado e oprprio capitalismo sejam encarados como elemen-tos apartados, no necessariamente orgnicos. Opotencial de crise est peculiarmente presente noprimeiro e no no segundo. Um incorrigvelintervencionismo estatal estaria, portanto, na raiz detodo tipo de contaminao presente nas diversas di-nmicas econmicas.

    6 A veiculao massiva desse diagnstico, consubstanciado no documento oficial PlanoDiretor da Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995), bem como a tarefa de executara reforma propriamente dita, estavam formalmente a cargo do Ministrio da AdministraoFederal e Reforma do Estado (MARE). Sintomaticamente, surgiram tambm nos meiostcnicos e cientficos vrios trabalhos, a grande maioria deles celebratria, em maior oumenor medida, dos novos consensos atrelados ao referido diagnstico, como os de LuizCarlos Bresser-Pereira, ento titular do aludido ministrio e mais diretamente ligado aoprocesso da reforma do Estado, pelo menos no que tange ao enfrentamento ideolgico.Tais trabalhos, destacando-se Bresser-Pereira (1998), no obstante apresentassem umcarter circular, tornaram-se bastante representativos dessa fase.7 Nesse perodo de exortao s reformas pr-mercado, o gasto pblico nos pases centraismanteve-se relativamente inalterado ou at ampliou-se, mesmo na esfera social, em boa medidapelo incremento do desemprego, o que evidencia que houve, uma vez mais, certodescolamento entre a doutrina liberal pura e os movimentos concretos do capitalismo (HIRST;THOMPSON, 1998, p. 358). Sem embargo, tal mudana qualitativa nos gastos sociais j reve-la a guinada poltica e ideolgica verificada naqueles pases, com declnio dos valores vincula-dos universalizao dos direitos sociais, tpicos dos anos dourados do Welfare State.

    8 Sobre as origens, os fundamentos tericos e a prpria ascenso do neoliberalismo,consulte-se, entre outros, Anderson (1995) e Vidal (2006).

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    AS AGONIAS DO DESENVOLVIMENTISMO E O (DES)AJUSTE SOCIAL NO BRASIL DO REAL

    No caso do Brasil, faz-se necessrio contornar ocarter simplista do diagnstico que presidiu, sobre-tudo nos anos 90, todo o processo de atrofia do apa-rato desenvolvimentista. Isto porque aquele, aoatribuir a este ltimo a culpa exclusiva pela crise eco-nmica - vivida com especialintensidade a partir dos anos80 -, tratou de ignorar as prin-cipais causas da quebra dopadro de financiamento doEstado, responsvel, histori-camente, pela funoprecpua de promover a acu-mulao capitalista no espa-o nacional, em virtude,inclusive, de certa atrofia doscapitais privados internos,mais vinculados a atividades mercantis e financeiras.

    Nesse sentido, constata-se que, j no final dosanos 70, o choque dos juros promovido pelo governodos Estados Unidos trouxe srias conseqnciaspara o Estado brasileiro, pois, de imediato, fez multi-plicar sua dvida externa, alm de produzir mais umdesequilbrio no balano de pagamentos. Logo de-pois, em 1982, aps a moratria do Mxico, o Brasil,entre outros pases, foi afastado do sistema financei-ro internacional e posicionado em um grupo de pa-ses denominados devedores. Desorganizou-seprofundamente, ento, o padro de financiamento dosetor pblico, fortemente alicerado em emprstimosprivados estrangeiros. Buscando contornar o proble-ma, vale dizer, para continuar a tom-los, o governoconvocou suas prprias empresas e, ademais, tam-bm em relao a estas ltimas, adotou uma polticade conteno de seus preos de mercado, como for-ma de subsidiar determinadas empresas privadas (oude rebaixar-lhes os custos, ensejando uma amplia-o de suas margens de lucro), com a alegao deque se tratava, afinal, de um esforo adicional de ex-portao, visando combater o desequilbrio no balan-o de pagamentos. Ora, em um contexto de altas epermanentes taxas de inflao, ocorreu uma fragili-zao extraordinria das empresas estatais, corres-pondendo a uma transferncia macia de capitais dosetor pblico para o setor privado, de carter nacionalou associado ao capital internacional. Seguiu-se umendividamento pblico crescente, ampliado, inclusi-

    ve, com a converso acelerada da dvida privada ex-terna em dvida pblica externa, ao passo que o pr-prio dficit pblico atingia um estgio deautonomizao igualmente crescente (AFFONSO,1990, p. 40-49; FIORI, 1997, p. 149-150; TAVARES;

    MELIN, 1998, p. 57-59).Desse ponto de vista, a

    crise que afetou o Estadobrasileiro , em suas origens,fundamentalmente financeirae no fiscal como tanto se apre-goou, diretamente provocadapor decises polticas inter-nas da potncia capitalistahegemnica e impulsionada,em boa medida, por modifica-es no quadro internacional.

    Essa crise a que levado o setor pblico s adquiriucarter fiscal em sua fase terminal, ou seja, j nosanos 90, e mesmo assim dentro de uma tica maisou menos minimalista do Estado. Seus contornos jestavam definidos, contudo, desde os anos 70, e pre-ponderantemente por determinaes externas. E ain-da nos anos 80, em relao ao governo brasileiro,entre uma ruptura deliberada com o sistema financei-ro internacional - que o estrangulava com elevadas ta-xas de juros, fazendo disparar sua dvida externa - eum ajuste passivo paulatino s condies impostaspelo mesmo, a alternativa adotada por aquele foi asegunda. As sucessivas polticas de estabilizaopactuadas com o Fundo Monetrio Internacional(FMI) bastam como comprovao.

    Assim, medida que o Estado desenvolvimentis-ta enfrentava um processo de desaparelhamentocrescente - expresso inclusive pelo desbaratamentodas polticas pblicas de cunho social - emergia, emcontrapartida, o fenmeno que Santos e Ribeiro(1993, p. 131) denominam de revelao de capacida-de ociosa no setor pblico, tanto do ponto de vista dacapacidade instalada como da mo-de-obra emprega-da. Disso se valeram os adeptos internos do projetoneoliberal (alguns j tradicionais, outros recm-conver-tidos, embora professando o novo credo de uma formaainda mais ruidosa) para transformar em verdadeirosenso comum uma pretensa natureza absoluta, e norelativa, da referida capacidade ociosa. Em outras pa-lavras, era a senha que aguardavam para fazer ressoar

    A crise que afetou o Estadobrasileiro , em suas origens,

    fundamentalmente financeira e nofiscal como tanto se apregoou,

    diretamente provocada pordecises polticas internas da

    potncia capitalista hegemnica eimpulsionada, em boa medida, por

    modificaes no quadrointernacional

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    suas crticas a um modelo que julgavam em tudo equi-vocado: protecionista, populista e dirigista.

    Mas nem mesmo isso representava maior novida-de em relao a perodos anteriores da histria brasi-leira (excetuando-se, talvez, uma aceitao crescentedas referidas crticas). Fiori(1995, p. 49-50) observa que,desde a experincia do Esta-do Novo, o antiestatismo repre-sentou sempre uma espciede chantagem com que asclasses dirigentes, especial-mente o empresariado, estabe-leciam suas relaes com oEstado brasileiro, sobretudo naqueles momentos emque se apresentavam revezes para os grandes capitais(ou para importantes fraes destes).9 Todavia, em ou-tros momentos de privilegiada acumulao capitalista,regida pelo crescimento econmico e com a inflaosob relativo controle, essas mesmas classes no apenasabandonavam, de modo geral, a doutrina antiestatista,como passavam a requerer e a comandar o aumento daparticipao estatal na economia.

    No entanto, como se sabe, do ponto de vista dasposies mais tericas e ideolgicas e no das rela-es e negcios concretos estabelecidos com o Es-tado, os adeptos brasileiros do neoliberalismo (assimcomo os demais, a rigor, em outras partes do mundo)sempre fizeram questo de ignorar a presena ativa eexpansiva do Estado nas atividades econmicascomo uma caracterstica comum aos processos dedesenvolvimento capitalista, mais ou menos retarda-trios ("algo de difcil comprovao emprica", confor-me assegurado). Ao contrrio, enxergaram aexistncia de um terrvel "leviat dos trpicos", sem-pre a atrapalhar a manifestao plena das virtudesdos mercados. O receiturio sugerido e sua posteriorexecuo s poderiam incluir, com nfase, o des-manche desse modelo estatal com sua parafernliade instituies, regulamentaes e polticas, e decujo processo a expresso mais dramtica talvez te-nha sido a mutilao da intelligentsia nacional,10 his-toricamente formada no setor pblico, bem como adesestruturao de um j relativamente frgil sistema

    de polticas sociais (SANTOS; RIBEIRO, 1993, p.128). Para Fiori (1995, p. 79-80), em sntese.

    No final de uma longa trajetria, fazia-se mais ex-plcito o que foi sempre, num s tempo, a fora e afragilidade do Estado desenvolvimentista brasileiro

    [...] Foi forte enquanto arbi-trou com certa autonomia ovalor interno do dinheiro e doscrditos. Mas foi fraco todavez que quis ir alm dos limi-tes estabelecidos pelos seuscompromissos constitutivos.Movendo-se sempre sobre ofio da navalha de uma aliana

    conservadora e de uma estratgia econmica liberal-desenvolvimentista, acabou sucumbindo s contradi-es que o moveram e instabilizaram constantemente.Premido entre a necessidade de comandar a fugapara frente necessria soldagem de um conjuntoextremamente heterogneo de interesses e a neces-sidade de se submeter ao veto que esses mesmosinteresses faziam estatizao, propiciou, por umlado, a ordem, os subsdios, os insumos e a infra-es-trutura, sendo impedido, por outro, de realizar a mo-nopolizao e a centralizao financeira.

    UM TERRITRIO DE SOMBRAS: EMERGNCIADO NOVO PADRO ESTATAL

    importante apreender o carter do novo modelode Estado que emergiu aps a desconstruo deseus elementos desenvolvimentistas. Esse novo mo-delo, ao contrrio de certas negativas presentes naretrica governamental, tendeu sempre ao padromnimo, velha receita adaptada aos novos tempos.nfase na estabilidade monetria, rigor quanto dis-ciplina dos "bons" fundamentos macroeconmicos emodstia relativamente aos gastos sociais foram,desde cedo, alguns de seus traos mais visveis. Um

    Desde a experincia do EstadoNovo, o antiestatismo representousempre uma espcie de chantagem

    com que as classes dirigentes,especialmente o empresariado,

    estabeleciam suas relaes com oEstado brasileiro

    1 0 No mbito especfico da reforma administrativa, as aes empreendidas nos dois go-

    vernos Cardoso com destaque para o papel do MARE no primeiro mandato podemser resumidas acelerao de processos de morte por inanio, quando no a puraextino, de instituies criadas em perodos anteriores do desenvolvimentismo, em con-traste com o reforo substancial dado a outras instituies, algumas delas recm-criadas,bem como a revalorizao ou mesmo a criao de determinados cargos e carreiras, con-siderados relevantes para um certo ncleo estratgico do Estado; e revogao de direi-tos trabalhistas dos servidores pblicos em geral, sempre buscando alcanar aprerrogativa de demiti-los. As medidas relativas aos servidores assumiram, ento, propor-es irracionais, chegando o governo federal ao paroxismo de apresentar, oficialmente,programas de demisso voluntria e de reduo da jornada de trabalho e da remunerao,entre outros, como componentes de uma suposta poltica de valorizao do servidor pbli-co, sob os auspcios do Banco Mundial e dos agentes do sistema financeiro internacional.

    9 Mesmo nos anos 70, durante a vigncia do segundo Plano Nacional de Desenvolvimento(II PND), iniciou-se mais uma campanha antiestatista que ganhou fora, at certo pon-to, na medida em que o referido plano ia enfrentando dificuldades crescentes , com des-taque para Eugnio Gudin e diversas lideranas empresariais (CRUZ, 1995, p. 33-68).

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    AS AGONIAS DO DESENVOLVIMENTISMO E O (DES)AJUSTE SOCIAL NO BRASIL DO REAL

    padro mnimo que nada tem a ver, necessariamente,com fragilidade, antes pelo contrrio: forte principal-mente na manuteno de uma determinada ordemeconmica e social, a qual se pretende verdadeira-mente incoercvel; mas fraco, deliberadamente,quando se trata de intervir nodomnio econmico segundouma tica redistributiva atre-lada aos valores histricosuniversalistas de justia soci-al. Nesse sentido, importapouco que esse modelo esta-tal, em seus aspectos tericosmais rigorosos, represente umideal irrealizvel ou uma uto-pia - o que certamente termi-na por fornecer conforto espiritual a muitosneoliberais que pensam no o serem -, mas sim asupremacia dos valores que o impeliram a mover-sena direo do conhecido Estado mnimo liberal. Masassim no enxergavam os entusiastas das refor-mas. Para Bresser-Pereira (1998, p. 59-60), porexemplo, eram inequvocos, j poca, os benefci-os futuros dos ajustes:

    Delineia-se, assim, o Estado do sculo vinte-e-um. No ser, certamente, o Estado Social-Burocrtico, porque foi esse modelo deEstado que entrou em crise. No ser tambmo Estado Neoliberal sonhado pelos conserva-dores, porque no existe apoio poltico nemracionalidade econmica para a volta a umtipo de Estado que prevaleceu no sculodezenove. Nossa previso a de que o Esta-do do sculo vinte-e-um ser um Estado Soci-al-Liberal: social porque continuar a protegeros direitos sociais e a promover o desenvolvi-mento econmico; liberal, porque o far usan-do mais os controles de mercado e menos oscontroles administrativos, porque realizarseus servios sociais e cientficos principal-mente atravs de organizaes pblicas no-estatais competitivas, porque tornar osmercados de trabalhos mais flexveis, porquepromover a capacitao dos seus recursoshumanos e de suas empresas para a inova-o e a competio internacional.

    O que esse autor omite em quase todo o seu tra-balho, no entanto, que a satisfao das demandas

    sociais via polticas pblicas ficar subordinada, nes-se horizonte, s prerrogativas da competio interna-cional, entre elas a chamada flexibilizao dotrabalho, que significa, sucintamente, sucessivasperdas de direitos trabalhistas rdua e historicamen-

    te conquistados.11 Andrews eKouzmin (1998) so exem-plares na desmistificao daretrica associada adminis-trao pblica gerencial,como pea-chave nos proces-sos de reforma dos Estados;e demonstram como todasessas idias-fora so tribu-trias, em alguma medida, deformulaes e variantes do

    pensamento neoliberal, particularmente a Teoria daEscolha Pblica.12 Que se podia esperar, ento, daspolticas pblicas emanadas desse novo formato es-tatal? Ora, de um ponto de vista radicalmente distintodo iderio neoliberal, quase nada. Com efeito, nosanos 90, notadamente aps o aprofundamento doajuste passivo do governo brasileiro nova ordemmundial, as polticas pblicas teoricamente dispon-veis numa forma mais ativa (econmica, social, fis-cal, industrial etc.) entraram em franco declnio. Pior:ficaram subordinadas, em sua quase totalidade, estratgia da estabilizao monetria, o que equivalea afirmar que ditas polticas passaram a ficarlotadas no prprio Ministrio da Fazenda, zelosocumpridor dos ditames deflacionistas e orbitrio

    Esse novo modelo tendeu sempreao padro mnimo, velha receita

    adaptada aos novos tempos. nfasena estabilidade monetria, rigorquanto disciplina dos bons

    fundamentos macroeconmicos emodstia relativamente aos gastossociais foram, desde cedo, alguns

    de seus traos mais visveis

    1 1 O desenrolar dos dois governos Cardoso comprovaria tais perdas. No mbito da reforma

    trabalhista ento desfechada, destacam-se, entre outros, o Decreto 2.100/96, que denuncioua Conveno 158 da Organizao Internacional do Trabalho (OIT), eliminando instrumentosinibidores da demisso imotivada e reafirmando a possibilidade de demisso sem justa cau-sa; a MP n 1.906/97, que estabeleceu o fim da correo do salrio mnimo, passando seuvalor a ser uma atribuio do Poder Executivo, introduzindo, ainda, um piso regional paraaquele; a Lei n 9.601/98, que estabeleceu o contrato por prazo determinado, reduzindo cri-trios de resciso contratual e as contribuies sociais correspondentes; a MP n 1.709/98,que regularizou o contrato por jornada parcial, com jornada de at 25 horas semanais e sa-lrio e demais direitos proporcionais, sem participao sindical na negociao; a Lei n9.061/98 e a j citada MP n 1.709/98, que definiram o chamado banco de horas, passandoas jornadas de trabalho a serem organizadas ao longo do ano para atender s flutuaesdos negcios, com prazo de at um ano para compensaes, por meio de acordo ou de con-veno coletiva; a MP n 1.878-64/99, que liberou o trabalho aos domingos para o comrciovarejista em geral, sem necessidade de negociao coletiva; e a Lei 9.801/99, bem como aLei complementar n 96/99, especficas para o setor pblico, que definiram limites de despe-sas com pessoal, tornando possvel a demisso de servidores pblicos, mesmo os estveis,quando da transposio dos referidos limites (SILVA, 2006, f. 5).1 2

    A resposta de Bresser-Pereira (1999) no poderia ter sido mais infeliz. Primeiro, por-que parece confundir autoridade administrativa com prerrogativa de uso da arrogncia nodebate cientfico, valendo-se inclusive de um vocabulrio que representa, na verdade,autodesabono. Segundo, e mais importante, porque no consegue contrastar devidamenteos argumentos dos supracitados autores. Melhor seria, ento, se tivesse tentadoaprofundar um pouco mais o conceito de Estado Social-liberal, alis, desde sempre umaespcie de equvoco terminolgico, nas palavras de um liberal insuspeito como Ludwig vonMises. Para tanto, poderia ter se escudado em Norberto Bobbio, talvez o mais ilustre pen-sador ocidental dos ltimos anos a perseguir essa categoria um tanto nebulosa, para dizero mnimo. Mas assim no o fez, limitando-se a repetir elaboraes banais dos policy-makers contemporneos.

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    dos principais mercados financeiros e das chama-das instituies multilaterais, como o FMI e o Ban-co Mundial, este ltimo, alis, bem apontado porOliveira (1998) como um notvel promotor da acei-tao do receiturio nico de ajuste por parte dospases perifricos.

    Assim, no plano das polti-cas macroeconmicas, ocontrole passou a escaparmais e mais ao governo, res-tando-lhe apenas um raio demanobra subsidirio. J naesfera dos instrumentos tpi-cos de estmulo produo, significativo foi o queocorreu com a poltica industrial. Ainda no primeiromandato de Fernando Henrique Cardoso, dentro dacoalizo de poder que o sustentava, houve uma ten-tativa de reeditar o debate sobre a poltica industrial.Todavia, no interior do prprio governo, excetuando-se algumas iniciativas esparsas como o regimeautomotivo, a vitria coube de forma rpida aosneoliberais. E tambm s vsperas do segundo go-verno Cardoso ocorreram divergncias entre estes l-timos e outros que atacavam o exagerado grau desubordinao das polticas voltadas para a produo estratgia de estabilizao (os "desenvolvimentis-tas", como foram chamados pela grande mdia emsua costumeira ignorncia quanto aos verdadeirossentidos de termos histricos). Criou-se, logo de-pois, um ministrio para o desenvolvimento, o qualno passou de uso de mera nomenclatura em meioao vazio governamental. Em suma, optou-se clara-mente por uma espcie de no-poltica industrial,bem ao contrrio dos pases centrais, sempre h-beis em separar as retricas oficiais das aes con-cretas dos governos.

    Paralelamente a tudo isso, fazia barulho a ideolo-gia das privatizaes, especialmente quando afirma-va que o Estado, ao se desfazer de seus ativosprodutivos, dedicar-se-ia a suas funes essenciais,notadamente as de natureza social, especializan-do-se, portanto, com incrementos adicionais deeficincia. No obstante as diversas irregularida-des e situaes esdrxulas presentes em todo oprocesso - destacando-se a cobertura estatal, viaBanco Nacional de Desenvolvimento Econmico eSocial (BNDES), para os prprios compradores do

    patrimnio pblico -, os valores arrecadados foramminguando relativamente ao montante da dvida pbli-ca, a qual atingia patamares gigantescos em virtu-de das elevadas taxas de juros, pea-chave domodelo de estabilizao enquanto fator de atra-

    o para os capitais vol-teis externos.

    O governo brasileiro caiu,assim, numa verdadeira arma-dilha. Se verdade que estano foi uma autntica criaosua, mas sim dos mercados fi-nanceiros, no menos verda-

    de que tenha aceitado participar de bom grado de suaexecuo. Quanto ideologia das privatizaes, parti-cularmente no que se referia aos supostos ganhos es-tatais de eficincia, transformou-se em verdadeirapndega e no apresentou maior ressonncia, num si-nal evidente de que os negcios mais atrativos j havi-am sido realizados, como ditam os "bons" costumescapitalistas. Tudo isto provocou restries crescentesno s s intervenes do Estado na economia - o quese esperava atingir, coerentemente -, como tambm prpria capacidade de coordenao das aes governa-mentais - um efeito talvez no to pretendido assim.

    Na esteira das novas idias-fora aplicadas aosetor pblico, instalou-se uma lgica de competio,tanto nas instncias intra-estatais como entre as pr-prias unidades subnacionais, considerada positivapelo establishment pela gerao potencial de inova-es. Tal lgica associava-se amplamente aos pro-cessos ento vigentes de descentralizao. Estaseria, para Melo (1996, p. 13), "[...] um market oucompetition surrogate, ou seja, criaria, semelhanado mercado, incentivos que promovem competio eeficincia alocativa", o que equivale a afirmar que asaes de descentralizao das polticas e dos servi-os pblicos, do governo federal para os governossubnacionais, estavam informadas pelo signo doneoliberalismo.13 Significavam, em outros termos,o desmonte considervel do poder central e a redu-o pacfica ou mesmo a extino de suas ativida-des regulatrias e produtivas, pelo menos emdeterminadas reas.

    Da que, notadamente para os Estados nacionaismais fragilizados, caso do Brasil, a conseqnciano poderia ter sido outra seno a "[...] perda de ca-

    Optou-se claramente por umaespcie de no-poltica industrial,

    bem ao contrrio dos pasescentrais, sempre hbeis em separar

    as retricas oficiais das aesconcretas dos governos

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    AS AGONIAS DO DESENVOLVIMENTISMO E O (DES)AJUSTE SOCIAL NO BRASIL DO REAL

    pacidade regulatria e de formulao de polticas porparte do governo central pelo desmonte de estruturassetoriais centralizadas e relativamente insuladasda competio poltica" (MELO, 1996, p. 14). O re-sultado-sntese dessa competio poderia ter sidoconhecido desde ento,qual seja, o reforo dos es-paos subnacionais mais ca-pacitados em prejuzo nos daqueles menos capaci-tados, mas, sobretudo, deuma integrao verdadeira-mente virtuosa do espao na-cional. Os fundos constitucionais de naturezaredistributiva, tanto para os estados como para osmunicpios, mostraram-se insuficientes para deteressa tendncia, ainda mais em uma conjuntura deperdas relativas de valores.

    Mais especificamente, ainda, para o caso bra-sileiro, no poderia ter sido outro o desfecho des-se processo seno a exploso de conflitosintrafederativos, vale dizer, a exacerbao dacompetio entre unidades subnacionais (a hori-zontalizao das disputas, opondo estados a es-tados e municpios a municpios), bem como suaprpria generalizao (o alargamento da esferadessas disputas, no mais se atendo exclusiva-mente a recursos tributrios e investimentos, em-bora se admita que tal aspecto permaneceupredominante), e cuja manifestao aguda foi achamada guerra fiscal, fenmeno que apontavapara um debilitamento crescente da federaobrasileira, com perda potencial das receitas tribu-trias totais (AFFONSO, 1995, p. 60-62). A guerrafiscal, assim como a descentralizao concreta-mente executada, representavam a prpria auto-desonerao do governo central em relao arelevantes questes nacionais e regionais. Tomais grave, conforme Soares (2001, p. 47), namedida em que a j citada descentralizao dosservios pblicos no guardava maior correspon-dncia com transferncias intergovernamentais

    de recursos, antes pelo contrrio, pois aquelaestava embutida na estratgia global da privatiza-o, jogando por terra o prprio princpio da eqi-dade no federalismo fiscal.

    Verificou-se, pois, durante certo perodo, umaexacerbao de polticasativas, s que em sua ver-so neolocalista, vale dizer,aquelas polticas respons-veis por uma busca inces-sante de articulao estreitacom os circuitos econmi-cos e financeiros nacionais

    e internacionais, especialmente estes ltimos. Ascoalizes de poder nesses espaos exacerbadoscomearam a apostar deliberadamente no enfra-quecimento do governo central, ao invs de lhecontraporem pautas e exigncias regionais ma-neira tradicional, e passaram a oferecer aos capi-tais a mxima liberdade, ao passo que lhesasseguravam tambm certo controle sobre o fluxoda fora de trabalho (VAINER, 1995, p. 462). Afi-nal, nessas bases, o neolocalismo tem repercus-ses predatrias sobre a cidadania social, ouseja, o hobbesianismo municipal, que se expres-sa, entre outras coisas, na disputa entre localida-des por investimentos industriais - deslegitimandoas prioridades sociais em lugar de benefcios fis-cais e isenes tributrias [...] pelos seus prpriospressupostos,

    o neolocalismo consagra vantagens comparati-vas locais e as reproduz ou potencializa. Almdisso, converte todas as questes relativas desigualdade e concentrao de renda emquestes ilegtimas: elas passam a ser vistascomo obstculos ao progresso. Investimentossociais compensatrios tendem a ser pensadoscomo custos e/ou desincentivos localizaode empresas, o que debilita sua viabilidade pol-tica. Por outro lado, tais incentivos enfraquecemas frgeis bases fiscais de tais localidades, in-viabilizando o financiamento de polticas sociais(MELO, 1996, p. 15).

    Em todo esse processo, o governo brasileirojamais foi uma vtima, muito pelo contrrio, poisbuscou sempre estimular, s vezes de forma tci-ta, outras tantas mais explicitamente, a competi-o generalizada. Tal estmulo deu-se inclusive

    1 3 No necessrio grande esforo para reconhecer algumas influncias do pensamento

    neoliberal na exaltao das virtudes da descentralizao poltica e administrativa, vale di-zer, do reforo ao chamado poder local em detrimento do poder central. Diversos intelectu-ais desse campo, como Milton Friedman, por exemplo, declararam-se partidrios doreforo aos governos locais, dentro dos limites concernentes ao Estado mnimo. certoque as distintas teorias que privilegiam o poder local no so necessariamenteantiestatais em seu sentido mais rigoroso. Mas tambm no incorreto afirmar que todaselas tm em comum, no mnimo, uma razovel desconfiana em relao ao poder central.

    A guerra fiscal, assim como adescentralizao concretamente

    executada, representavam a prpriaautodesonerao do governo

    central em relao a relevantesquestes nacionais e regionais

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    FRANCISCO BAQUEIRO VIDAL

    pela sinalizao do esvaziamento dos investi-mentos pblicos, mesmo aqueles das empresasestatais, configurando, assim, uma perda derumo relativamente a uma estratgia ativa e maisvirtuosa de integrao do espao nacional,tendo como expressorotunda disso a desconstru-o do arcabouo poltico-institucional engendrado edas polticas pblicas for-muladas para o combate sdesigualdades regionais, con-forme uma lgica que havia prevalecido a partirdos anos 50 do sculo XX.14

    A DUREZA DO AJUSTE: REPRODUO SOCIALEM MEIO AO VAZIO GOVERNAMENTAL

    O vazio de polticas ativas, intervencionistas,redistributivas e expansivas, imposto externa e inter-namente ao Estado brasileiro, era prenhe de signifi-cados. Na convergncia da hegemonia neoliberalcom uma globalizao fundamentalmente financeirae reforadora das hierarquias entre os Estados naci-onais, novos contedos passaram a pautar asaes governamentais e polticas pblicas, especi-almente aquelas de cunho social. Tais contedosdesde sempre estiveram atrelados a uma supostaps-modernidade - ps-industrial, ps-burocrtica,ps-fordista, ps-ideolgica etc. -, alis, apressada-mente aceita por muitos.

    Nessa linha se inscrevem, entre outros, e somen-te a ttulo de ilustrao, o desenvolvimento sustent-vel e o desenvolvimento local, quando no acombinao de ambos, abordagens que abstraem,em boa medida, importantes questes vinculadasaos conflitos sociais inerentes ao capitalismo15 e quebuscam apresentar-se ainda como um contraponto

    desejvel lgica do planejamento nacional outrorapraticado, dito "de cima para baixo", agora conside-rado maldito; o empresariamento, o empreendedoris-mo e o papel das pequenas empresas como eixoestratgico no novo modelo de desenvolvimento, es-

    pcies de portais celestiaispara a fuga dos males do de-semprego estrutural contem-porneo; a responsabilidadesocial da empresa, afilantropia e o voluntariado,em tese capazes de debelar

    a pobreza; a emergncia de um pretenso terceiro se-tor, nem pblico - embora se afirme que seus fins oso - e nem privado - conquanto se admita que suaadministrao o -, ao lado de um certo ressurgi-mento da chamada sociedade civil e de novos esque-mas de "parceria" entre o setor pblico e o setorprivado,16 snteses de um longo processo de fim dadicotomia pblico-privado pela criao de uma esferacomum, na qual interesses privados supostamenteconvertem-se em patrocinadores do "bem comum"etc. Tais abordagens passaram, ento, a no apenasdelimitar as polticas, diretrizes e aes de governo:tornaram-se seu prprio substrato.

    Significativo foi o que ocorreu com as polticas eprogramas sociais, que sofreram um considervel re-trocesso, passando a postar-se no grande arco dafilantropia liberal, de acordo com os desdobramentosnaturais da concepo filantrpica original do sculoXIX.17 Sugestivamente denominados de "compensa-trios", apresentaram como caso emblemtico oPrograma Comunidade Solidria, a rigor uma rplicado mexicano Programa Solidariedade, anteriormenteexecutado e igualmente concebido sob a hegemoniacontinental do neoliberalismo. Tratava-se, afinal, deuma nova verso do assistencialismo, ainda que odiscurso oficial buscasse ressaltar importantes rup-turas conceituais com o antigo assistencialismo,vale dizer, uma maior referncia ao exerccio pleno dacidadania ao invs da tradicional focalizao na po-breza, ou melhor, na condio do indivduo pobre.

    1 4 Para uma viso de conjunto da trajetria da clssica questo regional brasileira (ques-

    to nordestina), bem como do desbaratamento da estratgia de interveno planejada paratratar da problemtica do subdesenvolvimento regional, consulte-se Vidal (2004).1 5

    No tocante ao chamado desenvolvimento sustentvel, veja-se, por exemplo, Jara (1996,p. 19): El concepto de desarrollo sustentable traduce la idea de crecimiento sindestruccin y de transformacin sin divisin social, anunciando un orden societal capaz degarantizar equidad distributiva y calidad de vida para todos, as como un nuevo ordeneconmico capaz de ampliar las oportunidades sociales de trabajo productivo, asegurar elsustento de las familias y, en particular, aumentar las capacidades de autosuficiencia. Eldesarrollo sustentable y la equidad representan dos caras de la misma moneda; no esposible evaluar un proceso de desarrollo como sustentable sino posibilita el acceso a losrecursos y a las oportunidades ni estimula la distribucin equitativa. La esencia espiritualde la visin sustentable encuentra su expresin en la justicia, creando un nuevo sistema devalores, capaz de transformar las prcticas, subordinaciones, sanciones, abusos ydiscriminaciones enraizadas en nuestra cultura.

    1 6 Deve-se aos governos Thatcher a implementao, em termos relativamente recentes,

    da chamada parceria pblico-privada, na esteira do esvaziamento dos investimentos pbli-cos. No caso do Brasil, a adoo oficial dessa modalidade ainda mais recente, mas suafilosofia basicamente a mesma, sendo sua prpria nomenclatura uma traduo literal daexpresso anglo-saxnica public-private partnership (BRITO, 2006, f. 6).1 7

    Mais uma vez os sucessivos governos Thatcher foram exemplares nesse sentido, sau-dando a filantropia e o voluntariado como meios eficazes para o alcance de maior bem-es-tar social (TAYLOR-GOOBY, 1991, p. 181).

    Significativo foi o que ocorreu comas polticas e programas sociais,que sofreram um considervel

    retrocesso, passando a postar-seno grande arco da filantropia liberal

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    AS AGONIAS DO DESENVOLVIMENTISMO E O (DES)AJUSTE SOCIAL NO BRASIL DO REAL

    Habilidade e plasticidade retricas parte, no res-ta dvida de que quaisquer programas assistencialis-tas, sob nova ou velha roupagem, s podem atuar, porsuas prprias limitaes estruturais, na periferia dosistema. Em outras palavras, muito pouco ou nada in-terferem nos mecanismos demercado que, dia aps dia, re-produzem crescentemente asdesigualdades sociais no ca-pitalismo. Postando-se a re-boque de tais mecanismos edas polticas que configuramseus interesses principais, omximo que podem engendrarso estratgias de integraosocial sistmica, porm sem-pre perifrica, isto , de pouca virtuosidade, poisconsideravelmente alheia insero produtiva pro-priamente dita.18

    No por acaso, durante a maior parte desse per-odo, a reproduo social apresentou, como uma desuas caractersticas mais marcantes, taxas cres-centes de desemprego e subemprego, que atingiampatamares alarmantes, especialmente nas regiesmetropolitanas dos estados menos desenvolvidos.Mas isto, a rigor, no poderia ser apontado comoum efeito to indesejvel assim do modelo de de-senvolvimento adotado, muito pelo contrrio, pois aampliao do tradicional "exrcito de reserva" detrabalhadores desempregados sempre se mostroufuncional para o rebaixamento dos salrios, bemcomo para quebrar a espinha dorsal dos sindicatose movimentos sociais. Tratando-se de atualiza-es ideolgicas, especialmente aquelas de fundops-utpico, correspondia emergncia do fen-meno dos "inimpregveis", na lamentvel, pormsincera, declarao do ento presidente FernandoHenrique Cardoso.

    As polticas sociais, bem como seus correspon-dentes programas, a exemplo do j citado Comunida-de Solidria, aferraram-se, ento, a essa lgicaglobal dominante, com destaque para o predomnio

    das abordagens do desenvolvimento local e sustent-vel, buscando atingir aquilo que seria uma articulaoideal do governo com o setor privado e as ditas or-ganizaes no-governamentais, estas ltimas leg-timas representantes daquele pretenso terceiro

    setor. Os objetivos de tais po-lticas e programas eram ex-plcitos: combater a pobrezapela promoo da auto-ajuda,principalmente em relao scomunidades mais necessi-tadas;19 e formar uma "rede"de "atores" locais, visandoobter maior sinergia na opera-cionalizao dos aludidosprogramas. Assim, falta de

    macios investimentos pblicos capazes de desen-cadear processos vigorosos de crescimento econ-mico e de distribuio mais eqitativa do produto,sobretudo para espaos subdesenvolvidos, apostou-se mais e mais na animao dos agentes locais, re-presentando, pois, um simulacro da funo estatalde promoo do desenvolvimento.

    Ademais, os adeptos desse neolocalismo exa-gerado passaram a brandir de forma crescente o ar-gumento de que a aposta nas capacidadesendgenas do mbito local promoveria, por razesbvias de proximidade ao pblico-alvo, maior efici-ncia alocativa no atendimento das demandas doscidados, alm da - e nisto ressaltavam grande im-portncia - ampliao da participao poltica, aqual incidiria sobre o prprio mbito local, em ter-mos de um maior controle social, configurando umprocesso de melhoria contnua.

    Tais vises eram prenhes de otimismo, pois es-ses neolocalistas, assim como os neoliberais e eco-nomistas neoclssicos em geral, associavam idiada promoo da competio uma convergncia finaldos distintos processos locais de desenvolvimento.Todavia, vale ressaltar que em pases perifricos mar-cados por considerveis e razoavelmente institucio-nalizadas desigualdades sociais e regionais, entreos quais o Brasil um caso clssico, o incrementodo poder do mbito local, especialmente como se

    1 8 De modo anlogo a atuao dos atuais programas sociais, com destaque para o Bol-

    sa Famlia, no obstante apresentarem um acrscimo considervel de recursos comparati-vamente aos seus congneres anteriores. Argumenta-se que essa injeo de recursos,sobretudo para os estados nordestinos com grande concentrao de famlias pobres, ter-minou por alavancar as atividades do setor tercirio, quer dizer, o comrcio em geral, pelomenos em algumas localidades. Mas isto no subverte seu carter perifrico, o que equi-vale a afirmar que a tnue acumulao de capital que a se verifica fica restrita, basica-mente, esfera do capital comercial.

    falta de macios investimentospblicos capazes de desencadear

    processos vigorosos decrescimento econmico e de

    distribuio mais eqitativa doproduto, sobretudo para espaos

    subdesenvolvidos, apostou-semais e mais na animao dos

    agentes locais

    1 9 Sintomtico por si s o fato de que tais abordagens em sua grande maioria abstraem

    a categoria sociedade, reintroduzindo a categoria comunidade, esta ltima entendida comoum conjunto social no cindido por classes sociais distintas e interesses polticos comple-xos e contraditrios (BRANDO, 2004, p. 9).

  • BAHIA ANLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 4, p. 525-539, jan./mar. 2007 537

    FRANCISCO BAQUEIRO VIDAL

    deu efetivamente, s poderia mesmo reforar aindamais tais desigualdades. Instalando-se e exacerban-do-se essa lgica competitiva, o paroxismo logo sefez representar na tese de que as unidadessubnacionais deveriam de fato formular e executarpolticas pblicas de suacompetncia, independente-mente de quaisquer conside-raes, mesmo aquelasrelacionadas aos interessesde preservao do Estado na-cional. Em suma, e aindacom pretenso de validadepara a atualidade,

    Esta "endogenia exagerada" das localidadescr, piamente, na capacidade das vontades einiciativas dos atores de uma comunidade em-preendedora e solidria, que tem autocontrolesobre o seu destino, e procura promover suagovernana virtuosa lugareira. Classes sociais,ao pblica, hegemonia etc., seriam compo-nentes, foras e caractersticas de um passadototalmente superado, ou a ser superado(BRANDO, 2004, p. 11, grifo do autor).

    CONCLUSES: CONDENAO DA PERIFERIAAO "DESENVOLVIMENTO POSSVEL"

    Durante o apogeu das reformas, no campo hege-mnico, buscou-se argumentar que o novo modelo doEstado brasileiro (tendente ao padro mnimo), assimcomo seu antecessor (desenvolvimentista), permane-cia na condio de promotor do desenvolvimento; eque as modificaes efetuadas configuravam umaestratgia de adaptao aos novos tempos, nosquais sobressaa o fenmeno da globalizao, redu-tora universal das soberanias dos Estados nacio-nais. No entanto, nessa etapa de continuadasupremacia do pensamento neoliberal, o prprio de-senvolvimento como categoria analtica retrocedeuao estgio da tradio inaugurada por Adam Smith.Em outras palavras, e com suposta validade paratodos os espaos, o desenvolvimento, sobretudo emseu vis mais economicista, voltou a ser apreendidoto-somente pela tica da expanso dos mercados,que engendrada - e isto o mais importante - exclu-sivamente pelos prprios mercados. De modo ainda

    mais restrito, pode ser associado a uma mera mobili-zao dos agentes econmicos, basicamente indiv-duos e empresas.

    Assim, as distintas e dominantes abordagens dodesenvolvimento na atualidade, sejam as baseadas

    na supremacia da sustentabi-lidade, sejam as que apos-tam nas capacidadesendgenas do plano localpassaram a descartar aque-las outras anteriores, maisreferenciadas nos processosclssicos, tanto os originri-os como os retardatrios.

    Como se sabe, o desenvolvimento capitalista clssi-co foi um fenmeno vinculado estreitamente, masno exclusivamente, ao progresso tcnico, quer di-zer, a aumentos de produtividade que impulsionarama concentrao dinmica da renda e a acumulaode capital, vetores para a difuso de novas tcnicas.Com a acumulao de capital crescendo com maiorintensidade, no longo prazo, que a oferta de mo-de-obra, foi possvel s classes trabalhadoras, no semantes travarem rduas lutas polticas, aumentar suaparticipao no incremento do produto social. Da omaior grau de homogeneidade que passaram a des-frutar aquelas sociedades. Tudo isto em um contextomarcado por relativo isolamento das economias naci-onais, desde a fase da acumulao primitiva de capi-tal. Com tal isolamento e dada a relativa estabilidadedos demais fatores, era natural que os aumentos deprodutividade s pudessem advir da incorporao denovas e mais eficazes tcnicas de produo. Assim,o desenvolvimento clssico diz respeito, fundamen-talmente, aos "[...] processos sociais em que a assi-milao de novas tcnicas e o conseqente aumentode produtividade conduzem melhoria do bem-estarde uma populao com crescente homogeneizaosocial" (FURTADO, 1992, p. 6).

    Numa etapa posterior, a partir do momentoem que as economias abriram-se mais ao exteri-or, tais aumentos de produtividade puderam sertambm obtidos mediante realocao de recur-sos para potencializar vantagens comparativasditas naturais, dado que "[...] a propagao denovas tcnicas, inerente ao capitalismo, an-tes de tudo a difuso de uma civilizao que

    O desenvolvimento, sobretudo emseu vis mais economicista, voltoua ser apreendido to-somente pelatica da expanso dos mercados,

    que engendrada - e isto o maisimportante - exclusivamente pelos

    prprios mercados

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    AS AGONIAS DO DESENVOLVIMENTISMO E O (DES)AJUSTE SOCIAL NO BRASIL DO REAL

    impe s populaes padres de comporta-mento em permanente modificao" (FURTADO,1992, p. 7). Mas a j se tratava de um aumentode produtividade meramente econmico. Isto sobremodo importante para a compreenso dofenmeno do subdesenvol-vimento, pois este corres-ponde justamente aosprocessos em que os au-mentos de produtividade ea assimilao de novastcnicas no levam quelahomogeneizao social,ainda que relativa, conquanto produza a ele-vao do nvel de vida mdio da populao.

    Nas sociedades subdesenvolvidas ocorre, pois,certa modernizao, s que de natureza eminente-mente conservadora, marcada pela contradio en-tre a assimilao por mimetismo dos novospadres de consumo mais sofisticados emanadosdo centro e a expanso da acumulao destinada alavancagem de tcnicas produtivas mais efica-zes, com prejuzo da ltima. O subdesenvolvimen-to refere-se, enfim, a um bloqueio da passagem docrescimento econmico para o desenvolvimento, jque os aumentos de produtividade alcanados soessencialmente econmicos e, portanto, no con-duzem referida homogeneizao. Ademais, asclasses privilegiadas obstruem a elevao da taxade poupana necessria viabilizao do progres-so tcnico, em virtude de seu apego desmesuradoaos padres de consumo transplantados do centro(FURTADO, 1974, p. 95-100). Em outras palavras,no conjunto da economia das trocas internacionaise do prprio sistema interestatal mundial, subde-senvolvimento aquilo que o desenvolvimento cria,com tendncia perpetuao.

    Colocaes como essas que envolvem ascomplexidades histricas inerentes aos proces-sos de desenvolvimento e subdesenvolvimentopassaram, ento, a ser desconsideradas de modogeral, o que levanta a hiptese de que as j cita-das abordagens dominantes na atualidade confi-guram aquilo que se poderia definir como o"desenvolvimento possvel", talvez um herdeiro le-gtimo da "utopia possvel". Sintomaticamente,essa natureza atual do desenvolvimento uma

    caracterstica central do modelo brasileiro, decor-ridos mais de dez anos de sua adoo. Pois, pa-radoxalmente, o "desenvolvimento possvel"guarda correspondncia com a fobia adquirida pe-los Estados, notadamente os perifricos, pro-

    moo de um crescimentoeconmico mais vigoroso,por meio de estmulos de-manda e dos investimentospblicos. Ilustrativo disso o fato de que as vozes dapoltica econmica hegem-nica continuam a assegurar

    que de nada adiantaria um carter acelerado do cres-cimento, se este no fosse "sustentado", acenando,ainda, com um futuro promissor nessa direo. Noentanto, se tal futuro se apresenta como permanen-temente postergado ou mesmo hipostasiado, s res-ta mesmo a concluso de que prevalece, no mbitodaquela poltica, o temor inflao, vale dizer, sconseqentes sanes que os mercados financeirospoderiam impor aos Estados - das quais sobressai afuga dos famosos capitais especulativos -, sintetiza-das na clebre advertncia de que ditos mercados,bem ao contrrio dos cidados comuns, "votam to-dos os dias". Desse modo, tm razo aqueles quedenunciam as gritantes insuficincias da democracialiberal representativa. Nesse sentido, urge viabilizarcontrapontos inteligentes s lgicas dos mercados,que tanto afetam o exerccio pleno da cidadania, oque significa proporcionar a esta ltima mecanismose instituies que lhe permitam, igualmente, "votartodos os dias".

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    No conjunto da economia dastrocas internacionais e do prprio

    sistema interestatal mundial,subdesenvolvimento aquiloque o desenvolvimento cria,com tendncia perpetuao

  • BAHIA ANLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 4, p. 525-539, jan./mar. 2007 539

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    TEMPOS DE CRISE, REFORMAS E INSEGURANA ECONMICA NA AMRICA LATINA

  • BAHIA ANLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 4, p. 541-559, jan./mar. 2007 541

    LAUMAR NEVES DE SOUZA

    BAHIAANLISE & DADOS

    Tempos de crise, reformas e inseguranaeconmica na Amrica Latina

    Laumar Neves de Souza*

    Resumo

    Este artigo foi redigido com a inteno de mapear alguns dosprincipais fatos que marcaram e definiram a conjunturaeconmica e social da Amrica Latina entre os anos de 1980 e1990. Conforme se poder comprovar, toda discusso que nelese realiza conduzida com o propsito de apresentar algunselementos que esto na origem do problema da inseguranaeconmica vivida pela sociedade latino-americana.

    Palavras-chave: Crise econmica; Reformas econmicas;Insegurana econmica; Amrica Latina; Mercado de trabalho.

    Abstract

    This article is written intending to outline some of the mainfacts that had marked and defined Latin Americas economicand social conjuncture between 1980 and 1990. As the readerwill confirm, any discussion carried out in this article isconducted with the purpose of showing some elements in theorigin of the economic insecurity problem suffered by the LatinAmerican society.

    Key words: Economic crisis; Economic reforms;Economic insecurity; Latin America; Labor Market.

    INTRODUOEste artigo foi redigido com a inteno de mapear

    alguns dos principais fatos que marcaram e definirama conjuntura econmica e social da Amrica Latinaentre os anos de 1980 e 1990. Conforme se podercomprovar, toda discusso que nele se realiza conduzida com o propsito de apresentar alguns ele-mentos que esto na origem do problema da inseguran-a econmica vivida pela sociedade latino-americana1.

    Sendo assim, ao inici-lo, procura-se detalhar ascondies macrossociais que imperaram nos paseslatino-americanos nas duas ltimas dcadas do s-culo passado e que ainda imperam, infelizmente, napresente dcada. Ao se fazer isso, possvel identifi-car as razes da insegurana econmica pela qualpassa a sociedade latino-americana e que possuicomo traos mais definidores o sentimento de pioranas condies gerais de vida e a sensao de incer-teza quanto ao futuro.

    Na seqncia, so feitos alguns comentrios arespeito do panorama econmico latino-americanoque antecedeu o perodo de reformas que se insta-lou na regio a partir da dcada de 1980. Logo de-pois, parte-se para analisar os elementos e/ou aspolticas que deram o tom das reformas, ao tempoem que se destaca o esforo daqueles que defendi-am sua implantao para dotar seus argumentos deuma elevada dose de inexorabilidade, tentando,nesse sentido, fazer crer sociedade latino-ameri-cana que aquela era a nica alternativa possvel instalao do caos.

    Mais adiante so evidenciados os principais ele-mentos que conformam, por assim dizer, a nova lgi-ca de funcionamento do sistema capitalista na faseem que foram gestadas tais reformas na Amrica La-tina, de tal sorte que se torne possvel perceber, mais frente, a impossibilidade de se atingir a correo dedeterminados problemas cruciais, a exemplo dasdistores existentes no mercado de trabalho latino-americano. Em se tratando desse problema, especi-ficamente, procura-se apontar, de forma detalhada,os motivos que impediram sua correo.

    * Doutorando em Cincias Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pesquisa-dor da SEI. [email protected] O autor agradece os lcidos comentrios e a reviso minuciosa de Diva Ferlin, ao tem-po que tambm a isenta das possveis incorrees que tenham, porventura, permanecido.

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    TEMPOS DE CRISE, REFORMAS E INSEGURANA ECONMICA NA AMRICA LATINA

    Analisadas essas questes, parte-se, por fim,para averiguar algumas estatsticas que permitemtraar uma espcie sntese do panorama social des-sa sociedade. Nesse ponto, conferida uma nfaseespecial s informaes relativas ao quadro de po-breza e desigualdade de ren-dimento atualmente vigentena regio, de modo a se per-ceber o quanto foram malfada-das as reformas econmicasno sentido de corrigir proble-mas para os quais deveriam ser a soluo.

    RAZES DA INSEGURANA ECONMICA NAAMRICA LATINA

    Nos ltimos dois decnios do sculo passado, a so-ciedade latino-americana foi sendo tomada por um fortesentimento de insegurana. Isso o que mostra, porexemplo, Rodrik (2001), ao comentar os resultados deuma pesquisa, de carter transnacional, realizada peloMirror on the Americas Poll Wall Street JournalInteractive Edition, em 1999, com o objetivo de aferir asexpectativas de mudana em seus nveis de vida.

    Nessa pesquisa foi possvel constatar que 61,2%das pessoas entrevistadas pensavam que seus paistinham vivido melhor que eles. Alm dessa informa-o bastante valiosa, a pesquisa captou outras duasinformaes que, assim como a primeira, eram muitopreocupantes, pois expressavam certopessimismo em relao ao futuro.

    Uma delas dizia respeito ao fato deque menos da metade das pessoas en-trevistadas (46,1%) acreditava na possi-bilidade de que seus filhos pudessem teruma vida melhor do que a que eles tive-ram. A outra se referia forte demanda deseguro social esboada por todos os gru-pos sociais, tendo em vista que quase dos entrevistados expressaram o desejode que se gastasse mais com penses.

    Diante dessas informaes, resta oquestionamento sobre quais os elemen-tos responsveis pela configurao deum ambiente de tamanha desesperana.Tomando como referncia a linha de raci-ocnio desenvolvida por Rodrik (2001),

    pode se dizer que existem trs fatores que contribuempara explicar de forma decisiva o crescimento da inse-gurana econmica na Amrica Latina. O primeiro de-les, segundo sua viso, se associa ao trauma dosanos de 1980, decorrente da crise da dvida externa.

    Tal crise, como todos sa-bem, acabou provocandouma recesso profunda e pro-longada nos pases da re-gio, em funo do que seproduziram fortes baixas em

    matria de rendimento e emprego. Conforme destacaAltenburg, Qualmann e Weller (2001), o baixo cresci-mento econmico da dcada de 1980, quando com-parado aos nveis mdios de crescimento registradosnas dcadas anteriores e na dcada de 1990 (Grfico1), obstaculizou a criao de postos de trabalho nosetor formal da economia.

    Em razo do rpido crescimento da oferta de for-a de trabalho, o setor informal passou a funcionarcomo espcie de vlvula de escape, absorvendo tan-to a fora de trabalho dispensada em virtude da crise,quanto aquela que pela primeira vez exercia algumtipo de presso sobre o mercado de trabalho. Comoseria de se esperar, em funo dessa expanso daocupao no setor informal, a produtividade mdia dotrabalho se reduziu e as remuneraes reais diminu-ram, muitas vezes em combinao com taxas infla-cionrias elevadas.

    Nos ltimos dois decnios dosculo passado, a sociedade latino-americana foi sendo tomada por um

    forte sentimento de insegurana

    Fonte: CEPAL, 2002, p. 32

    Grfico 1Evoluo do crescimento econmico, em mdias anuais do PIB,Amrica Latina e Caribe, 1951-2000

  • BAHIA ANLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 4, p. 541-559, jan./mar. 2007 543

    LAUMAR NEVES DE SOUZA

    A percepo desse quadro por parte dos estudio-sos das questes relativas ao mercado de trabalho,ressalta Weller (2000; 2004), fez surgir o consensode que, embora as taxas de desemprego, medidasno intervalo de tempo acima mencionado, se situas-sem em nveis mdios relati-vamente reduzidos, gravesproblemas laborais persisti-am na Amrica Latina. Certa-mente, o mais importantedeles era o subemprego (vi-svel e invisvel) que caracte-rizava grandes grupos detrabalhadores da agricul-tura campesina e do setor informal urbano.

    Em face desse cenrio, fica evidente que os pa-ses da Amrica Latina no conseguiram difundir am-plamente, em seus respectivos mercados detrabalho nacionais, o emprego formal. Segundo infor-mam Dedecca e Baltar (1997), as causas desse fe-nmeno se encontram em trs frentes. A primeira serelaciona ao fato de que o processo de moderniza-o, levado a cabo nas economias da regio, no re-sultou na ampliao do grau de assalariamento. Asegunda est relacionada com o fato de que o pro-cesso de transformao econmica pelo qual passa-ram os pases integrantes no suscitou alteraesde grande monta no plano da organizao social. Aterceira, por sua vez, encontra-se na combinao defatores de ordem econmica e poltica, os quais noperpetraram uma organizao do Estado e da socie-dade capaz de equacionar as grandes chagas quemarcam esses pases: as questes agrria, regional,urbana e das polticas sociais.

    A definio desse quadro conduz concluso deque o problema da excluso econmica e social naAmrica Latina nos dias que correm ainda maisagravado em funo, sobretudo, da influncia daglobalizao da economia mundial tem sua ori-gem na no-definio de uma estratgia dehomogeneizao social que permita o surgimento deum mercado de trabalho menos fragmentado. Em vir-tude desse estado de coisas que os pases latino-americanos no conseguiram desencadear umesquema de amplificao das relaes assalariadas,sujeitas proteo social, a chamada standardemployment relationship, como foi o caso, por

    exemplo, dos pases de capitalismo avanado(DEDECCA; BALTAR, 1997).

    Mesmo sendo esse o contexto da sociedade lati-no-americana, a sada para a crise da dvida dos anosde 1980 foi a implementao de uma srie de refor-

    mas que, em realidade, seprestaram a debilitar suas jfrgeis instituies de segurosocial. Em funo disso, oemprego se tornou, em geral,menos estvel e as redes desegurana proporcionadaspelo setor pblico se debilita-ram. Isso por que, as linhas-

    mestras de tais reformas possuam um contedo queprivilegiava as iniciativas do mercado realandoseu raio de ao em detrimento da interveno dogoverno na esfera econmica (RODRIK, 2001).

    O segundo fator, que na avaliao de Rodrik(2001) provoca a elevao da insegurana econmicana Amrica Latina, precisamente o fato de que,quando chegaram os anos de 1990, a regio se depa-rou com um mundo de grande volatilidade macroeco-nmica, impulsionada, em parte, por fluxos decapitais errticos ou, ao menos, ampliada por eles.No h como negar que, medida que se incorpora-ram ao mercado internacional de capitais, os pasesperderam a capacidade e/ou abriram mo de formu-lar polticas macroeconmicas de forma independen-te, tornando-se, no raras vezes, refns doscaprichos dos investidores internacionais de curtoprazo. Com efeito, instrumentos como a poltica fis-cal e o tipo de cmbio foram sobrepujados pela ne-cessidade de se administrar fluxos de capital e j nopuderam ser destinados a promover a estabilidadeinterna. Nesse esquema, a poltica macroeconmicase divorciou cada vez mais da economia real, fatoesse que exacerbou a volatilidade dos resultadoseconmicos2.

    Por fim, o terceiro fator responsvel pelo incre-mento da insegurana econmica diz respeito,

    O problema da excluso econmicae social na Amrica Latina tem suaorigem na no-definio de umaestratgia de homogeneizao

    social que permita o surgimentode um mercado de trabalho

    menos fragmentado

    2 Esse cenrio validado pela prpria CEPAL (2002), ao avaliar a sustentabilidade

    do desenvolvimento na Amrica Latina e no Caribe, na medida que reconhece, cate-goricamente, que na dcada de 1990 o crescimento econmico foi voltil e estevevinculado aos ciclos dos fluxos internacionais de capitais. Prova disso que o pero-do de crescimento econmico primeira metade dos anos de 1990 coincide exa-tamente com o perodo em que as transferncias lquidas de recursos para a regioforam maiores. Esse movimento de capitais, se de um lado teve esse efeito positivo,por outro permitiu a acumulao de grandes desequilbrios macroeconmicos quese refletiram, em seguida, na vulnerabilidade dos pases da regio ao contgio dascrises financeiras externas.

  • 544 BAHIA ANLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 4, p. 541-559, jan./mar. 2007

    TEMPOS DE CRISE, REFORMAS E INSEGURANA ECONMICA NA AMRICA LATINA

    justamente, conforme sugere Rodrik (2001), ao fatode que, at agora, as instituies sociais e polti-cas na Amrica Latina no se sensibilizaram, ade-quadamente, ao clamor por maior seguranaeconmica. Na opinio desse autor, ao invs deassumirem, de forma con-sistente, as nova