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DINÂMIA Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS A ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS RELATÓRIO FINAL ESTUDO PARA O OBSERVATÓRIO DO QCA III / DGDR SETEMBRO DE 2005

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS · 2012-09-13 · PIB per capita e PIB por pessoa empregada (em PPS) (1993 e 2003, ... Tipologia de formas de organização institucional

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D I N Â M I A Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS A ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS RELATÓRIO FINAL

ESTUDO PARA O OBSERVATÓRIO DO QCA III / DGDR SETEMBRO DE 2005

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

RELATÓRIO FINAL

EQUIPA: José Maria Castro Caldas (coord.) Isabel Salavisa Fátima Suleman Helena Lopes Pedro Costa Ana Cláudia Valente Ana Sofia Henriques Ricardo Ferreira

ESTUDO PARA O OBSERVATÓRIO DO QCA III / DGDR

SETEMBRO DE 2005

ÍNDICE Introdução......................................................................................................... 1

Adaptabilidade(s) e Emprego.......................................................................... 9 A adaptabilidade nas estratégias de emprego dos anos 90 .............................. 9 Mudança e adaptação .............................................................................. 17 Perspectivas teóricas sobre a adaptabilidade ............................................... 22 Processos de adaptação ........................................................................... 27 As estratégias de emprego em retrospectiva ............................................... 32 Conclusão .............................................................................................. 41

Portugal: características e complementaridades institucionais................ 43 Estrutura Produtiva e Especialização .......................................................... 43 O Sistema de I&D e a Inovação em Portugal ............................................... 48 Educação e Formação .............................................................................. 50 Legislação de protecção do emprego.......................................................... 61 Relações laborais .................................................................................... 65 Modelos organizacionais........................................................................... 68 Relações inter-empresas .......................................................................... 72 Financiamento e governação empresarial ................................................... 75 Protecção Social...................................................................................... 81 Complementaridades e elementos de bloqueio institucional ........................... 85

Atitudes, estratégias e visões do futuro ...................................................... 93 Diagnóstico comum ................................................................................. 93 Atitudes face à mudança e valores............................................................. 95 Convergência e divergência na percepção dos factores críticos....................... 96 Jogos de actores ....................................................................................104 A adaptabilidade necessária e o que queremos evitar ..................................108

Políticas para a adaptabilidade ................................................................... 118 Níveis de capacitação e prioridades de actuação .........................................118 Das prioridades estratégicas aos meios de acção ........................................120 Lógicas e princípios organizativos das intervenções .....................................133

Anexos .......................................................................................................... 141

Referências................................................................................................... 155

ÍNDICE DE QUADROS E FIGURAS

Dimensões da adaptabilidade e domínios institucionais relevantes ....................... 6 PIB per capita e PIB por pessoa empregada (em PPS) (1993 e 2003,

UE25=100) ........................................................................................... 44 Taxa de emprego e desemprego (1993 e 2003) .............................................. 44 Decomposição do gap do PIB per capita dos países da UE face aos EUA (2002) ... 45 Estrutura das exportações (1992 e 2001) ...................................................... 46 Número de empresas, por actividade, segundo a dimensão .............................. 47 Despesa total em I&D em Portugal (1990-2001) ............................................. 48 Comparação internacional do esforço de I&D (2001) ....................................... 49 Número médio de anos de escolaridade (1960 - 2002) .................................... 51 Jovens com o ensino secundário completo (20-24 anos, em %) ........................ 52 Nível de instrução da população em idade activa (25-64 anos) por ISCED-97

(2002) .................................................................................................. 53 Percentagem de população dentro e fora do sistema educativo, por grupo

etário e situação perante o trabalho (2002)................................................ 53 Abandono precoce do sistema educativo pelos jovens (18-24 anos, em %)......... 54 Aprendizagem ao longo da vida .................................................................... 56 Níveis de capacidades básicas ...................................................................... 57 Taxa de desemprego por nível de instrução (2002) ......................................... 59 Taxa de desemprego por nível de literacia...................................................... 60 Empresas com envolvimento dos representantes dos trabalhadores na

introdução da participação directa (em %) ................................................. 66 Prática da participação directa...................................................................... 68 Percentagem dos estabelecimentos que declararam, em 1996, certas

iniciativas da parte dos empregadores nos últimos 3 anos ............................ 70 Tipologia de formas de organização institucional tendo em consideração as

suas formas de financiamento .................................................................. 76 Capitalização do mercado / PIB .................................................................... 79 Desigualdade na distribuição do rendimento................................................... 82 Taxas de risco de pobreza (%) ..................................................................... 84 Bifurcações por factor crítico .......................................................................113 Combinações impossíveis ...........................................................................114 Perfis dos cenários.....................................................................................115 Rede de dependências no cenário de capacitação...........................................117

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

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Introdução

O estudo que seguidamente se apresenta foi realizado por uma equipa do DINÂMIA

entre Janeiro e Julho de 2005, a solicitação do Observatório do QCA III, tendo

como objectivo geral contribuir para a reflexão estratégica sobre a questão da

adaptabilidade no quadro das políticas de emprego portuguesas. O estudo procura,

em particular, ajudar a identificar prioridades para políticas relacionadas com a

adaptabilidade dos trabalhadores e das empresas em Portugal, tendo em vista uma

utilização racional dos fundos estruturais no ciclo 2007 – 2013.

A “adaptabilidade dos trabalhadores e das empresas” é actualmente concebida no

âmbito da Estratégia Europeia de Emprego de forma abrangente (CE, 2003a) como

capacidade de antecipação, geração e integração da mudança por parte dos

trabalhadores e das empresas. O desenvolvimento desta capacidade é encarado na

perspectiva de mudanças institucionais orientadas para a produção de resultados

em três dimensões: (a) ambiente para o desenvolvimento das actividades

empresariais; (b) desenvolvimento e difusão da inovação e da investigação; e (c)

promoção da flexibilidade e da segurança no mercado de trabalho.

A generalidade, ou mesmo a indefinição, desta noção de adaptabilidade decorre de

causas objectivas. A UE sempre foi, e com os sucessivos alargamentos é cada vez

mais, um mosaico de “modelos sociais”. Compreende-se assim facilmente que seja

difícil ou mesmo indesejável consensualizar ao nível da União orientações

específicas comuns para as mudanças institucionais associadas aos requisitos da

adaptabilidade, já que um mesmo tipo de reconfiguração institucional, dependendo

da estrutura pré-existente, tanto pode reforçar como enfraquecer as vantagens

comparativas mobilizadas pelas empresas instaladas nos diferentes espaços

nacionais e regionais. Além disso, as políticas da UE são sempre produto de

laboriosos compromissos políticos – as formulações em que maiorias políticas e

ideologicamente pouco homogéneas se reconhecem são necessariamente vagas.

Por detrás das formulações “oficiais” a respeito da adaptabilidade escondem-se, na

realidade, acesos debates teóricos, políticos e ideológicos. A controvérsia

fundamental trava-se em torno das questões da “regulamentação” e da

“flexibilidade” do mercado de trabalho. Trata-se, mais precisamente, de saber se,

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

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ou em que medida, os problemas de competitividade e emprego europeus resultam

de uma regulamentação excessiva da economia e das relações de trabalho, de uma

desadequação dessa regulamentação, ou se existem outras causas mais

importantes. Trata-se, afinal, de discutir o sentido de uma reconfiguração

institucional que na realidade está em curso há mais de trinta anos.

Os debates em torno da adaptabilidade têm como pano de fundo a aceleração das

transformações no sistema económico internacional verificadas nas últimas três

décadas – a crescente abertura dos mercados de bens e serviços, acompanhada da

intensificação da concorrência, e a liberalização e expansão dos mercados

financeiros internacionais e dos movimentos de capitais – a que se acrescentam

mudanças demográficas e societais como o envelhecimento populacional, a

intensificação dos fluxos migratórios e as alterações de papéis na família

tradicional.

Este processo de mudanças encadeadas modificou o contexto que deu origem e

sustentou os arranjos institucionais do pós-guerra – o Welfare State – e

desencadeou pressões que tendem a por em causa: (a) a estabilidade do emprego

nos sectores expostos das economias nacionais; (b) a capacidade de financiamento

dos sistemas de protecção social; (c) o poder dos sindicatos e dos governos

nacionais nas suas relações com o poder económico.

Quer em teoria, quer na prática, as concepções de adaptabilidade divergem. Do

ponto de vista teórico, o debate envolve desde as perspectivas que tendem a

considerar as instituições que enquadram as relações de trabalho como causas do

desemprego, às que encaram estas instituições como sustentáculo de vantagens

comparativas específicas susceptíveis de serem valorizadas mesmo no contexto da

globalização, passando pelas que reconhecem os limites e as falhas do mercado e

do estado e procuram compatibilizar a flexibilidade do mercado de trabalho com a

segurança dos trabalhadores.

Da combinação de visões teóricas com características institucionais específicas de

cada país têm resultado processos de adaptação divergentes. Enquanto nalguns

casos as pressões da envolvente internacional se traduziram em processos de

reconfiguração institucional tendentes a aproximar os sistemas de emprego do ideal

tipo do mercado de trabalho “desregulado”, noutros o movimento no sentido da

flexibilização foi limitado e sobretudo complementado com medidas de apoio, de

“activação” e de protecção dos indivíduos relativamente a acidentes nos percursos

profissionais.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

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O modelo analítico

Pensar a adaptabilidade no contexto nacional português pressupõe um esforço de

aprofundamento do conhecimento das características distintivas dos nossos

sistemas de emprego e welfare, uma identificação das suas potencialidades e

fraquezas e dos factores críticos em que se devem concentrar as atenções.

O modelo analítico adoptado neste estudo é inspirado em abordagens comparativas

das “variedades de capitalismo” (Hall e Soskice, 2001; Amable, 2005) e parte da

identificação de um conjunto de domínios institucionais relevantes para a análise da

questão da adaptabilidade, envolvendo subsequentemente:

o a caracterização da situação portuguesa em cada um destes domínios;

o a identificação das complementaridades institucionais que no seu conjunto

caracterizam o sistema socioeconómico;

o a identificação dos factores críticos, isto é, dos elos ao longo da cadeia de

complementaridades institucionais que constituem factores de bloqueio à

reconfiguração do sistema socioeconómico.

Este modelo em que nos apoiamos é centrado nos agentes (individuais e colectivos)

– em particular empresas e trabalhadores. Os agentes procuram realizar propósitos

que são seus agindo individual e colectivamente, sempre, ou quase sempre, em

relação com outros. O seu comportamento é determinado pela representação que

elaboram da situação em que se encontram e pelos critérios de avaliação que

mobilizam na selecção entre cursos de acção alternativos. Mas as representações e

os critérios de avaliação mobilizados dependem do contexto institucional da acção.

As instituições, entendidas como “sistemas duradouros de regras sociais

estabelecidas e embutidas (embedded) que estruturam as interacções sociais”

(Hodgson, 2002: 113), ou mais informalmente como “regras do jogo” da vida em

sociedade, condicionam a percepção e representação do contexto da acção por

parte dos agentes, os seus julgamentos e as suas escolhas.

O modelo enfatiza a importância das instituições. Sendo mais do que restrições no

espaço de escolha, as instituições influenciam as preferências e os valores dos

agentes, estabelecem expectativas quanto à acção dos outros, facilitam (ou

dificultam) a difusão de informação e conhecimento, viabilizam (ou impedem) a

coordenação e a cooperação. As instituições condicionam o espaço deixado livre à

discrição individual, mas ao permitirem realizar propósitos que requerem acção

colectiva expandem, ao mesmo tempo, o domínio das oportunidades.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

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Os mercados são instituições centrais características do capitalismo desenvolvido

que fazem apelo à autonomia individual e ao relacionamento anónimo e

concorrencial entre agentes, economizando, em contrapartida, nos laços afectivos e

nas obrigações normativas em que se fundam todas as relações sociais. Mas a

viabilidade e a expansão do mercado enquanto instituição dependeu sempre, e

continua a depender, de instituições complementares, nomeadamente do sistema

judicial, como garante dos contratos e dos direitos de propriedade, e mesmo de

instituições informais em que se fundam laços de confiança sem os quais a

existência de sociedade não é concebível. Além disso, o mercado nunca se

substituiu aos colectivos de produção que conhecemos por empresas e que se

caracterizam internamente pelo predomínio de princípios de organização não

mercantis.

Na realidade a história sugere que a expansão dos mercados foi sempre

acompanhada de um processo de criação-destruição de formas institucionais

complementares que se traduziu não no desaparecimento mas antes na expansão

de novas instituições não mercantis, nomeadamente as jurídico-políticas.

O modo como as instituições mercantis e não mercantis se articulam na produção

de ordem social pode ser tomado como a questão fundamental na caracterização e

diferenciação das variedades de capitalismo. No modelo analítico adoptado a

análise da articulação entre instituições baseia-se na noção de complementaridade

institucional, segundo a qual duas instituições são ditas complementares quando a

existência (e o desempenho) de uma depende da existência (e do desempenho) da

outra.

Por exemplo, instituições de protecção do emprego que promovem a segurança

podem estar associadas a níveis elevados de emprego estável quando as

instituições financeiras favorecem relações de financiamento “pacientes” (pouco

sensíveis às variações conjunturais da rendibilidade). Em contrapartida, instituições

que favorecem relações laborais líquidas (facilmente revertíveis) podem igualmente

produzir níveis de emprego elevados quando articuladas com instituições

financeiras que favorecem a transferência rápida de recursos entre

empreendimentos alternativos, sustentando, apesar das flutuações, níveis de

procura de trabalho elevados.

A existência de complementaridades institucionais implica, para a análise

comparativa de modelos de capitalismo, a necessidade de considerar o sistema

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

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institucional no seu conjunto – a estrutura institucional – e não cada instituição em

particular.

Da natureza sistémica das relações institucionais resultam duas implicações

importantes. Em primeiro lugar, há que contar com um certo grau de rigidez nas

instituições – as alterações pontuais são difíceis ou mesmo indesejáveis se não

forem acompanhadas de outras alterações concomitantes noutros pontos críticos da

estrutura. Em segundo lugar, há que prever efeitos sistémicos de alterações

pontuais – mudanças num ponto da estrutura (endógena ou exogenamente

induzidas) tendem a repercutir ao longo da cadeia de complementaridades podendo

originar quer novos padrões de estruturação viáveis, quer processos de

desestruturação de tipo catastrófico.

A análise das “variedades de capitalismo” sustenta a existência de mais do que uma

estrutura institucional viável, isto é, mais do que um capitalismo competitivo.

Relativamente aos debates acerca da adaptabilidade sugere que existem vantagens

comparativas institucionais quer no modelo caracterizado pelo predomínio das

relações de tipo mercantil em todos os domínios incluindo o do emprego, quer em

modelos “coordenados”, em que as instituições mercantis estão menos

disseminadas e coexistem com instituições complementares que favorecem a

confiança como suporte da acção colectiva.

No entanto, por estar centrada nas modalidades mais avançadas de capitalismo,

esta abordagem fornece poucas indicações quanto a modelos “periféricos” como os

dos países da Europa do Sul, incluindo Portugal. Apesar de todos os esforços (ver,

por exemplo, Silva (2002)) a caracterização destes modelos continua a ser

insuficiente, vacilando entre interpretações que consideram tratar-se apenas de

modalidades subdesenvolvidas de “modelos continentais ou corporativos” e outras

que salientam os contornos de um “modelo mediterrânico” específico. O diagnóstico

apresentado neste relatório, centrado nas dimensões institucionais relevantes do

ponto de vista da adaptabilidade, ressentindo-se do défice analítico prévio, procura,

ao mesmo tempo, contribuir para o reduzir.

As dimensões da adaptabilidade e os domínios institucionais relevantes

As três dimensões da adaptabilidade identificadas nos documentos da UE,

(nomeadamente no relatório Wim Kok de 2003 (CE, 2003a)) referem-se a um

conjunto vasto de domínios institucionais (ver quadro 0.1).

A melhoria do ambiente para o desenvolvimento de actividades empresariais

remete para medidas como: (a) remoção de obstáculos administrativos e

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regulamentares à criação e gestão de empresas; (b) informação e assistência às

PMEs; (c) acesso ao financiamento das PME e das novas empresas; (d) promoção

da cultura de empresa e intensificação da formação em gestão; (e) reexame da

legislação respeitante às falências; e (f) redução dos custos não salariais do

trabalho e indexação dos salários aos ganhos de produtividade. Inúmeros domínios

institucionais estão aqui envolvidos: (a) administração pública; (b) sistema

financeiro; (c) sistema de educação-formação; (d) sistema jurídico; (e) sistema de

protecção social; e (f) sistema de relações laborais.

Quadro 0.1 Dimensões da adaptabilidade e domínios institucionais relevantes

Dimensões da adaptabilidade

Ambiente para o desenvolvimento de

actividades empresariais

Difusão da inovação e da investigação

Flexibilidade e segurança

Obstáculos administrativos e regulamentares

Informação e assistência às PME

Acesso ao financiamento

Cultura de empresa e formação em gestão

Legislação sobre falências

Custos não salariais do trabalho e salários

Redes de parceria envolvendo universidades, empresas e

autoridades públicas

Difusão das TIC

Incentivos ao investimento privado em investigação

Normas comuns, cooperação transnacional e mobilidade dos

investigadores

Flexibilização dos contratos de duração indeterminada

Alargamento de opções quanto ao tipo de contrato

Garantias de segurança independentes do tipo de contrato

Desenvolvimento das agências de trabalho temporário

Flexibilidade do tempo de trabalho e modernização da organização do trabalho

Adaptação dos regimes de protecção social

Domínios institucionais

Estrutura produtiva

e especiali-

zação

Sistema de I&D

Sistemas de

educação e

formação

Legislação de

protecção do

emprego

Relações laborais

Modelos organi-

zacionais

Relações inter-

empresas

Financia-mento e

governação empresarial

Sistema de

protecção social

A difusão da inovação e da investigação envolve: (a) o encorajamento das redes de

parceria envolvendo universidades, empresas e autoridades públicas; (b)

acessibilidade e difusão das TIC; (c) incentivos apropriados (fiscais, direitos de

propriedade intelectual) ao crescimento do investimento privado em investigação; e

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(d) normas comuns, cooperação transnacional e mobilidade dos investigadores no

quadro europeu. Os domínios institucionais envolvidos são: (a) as relações inter-

empresas; (b) o sistema de educação-formação; (c) o sistema de I&D nacional e

europeu; e (d) o sistema jurídico.

A flexibilidade e a segurança evocam: (a) a flexibilização dos contratos de duração

indeterminada; (b) o alargamento das opções quanto ao tipo de contrato, incluindo

o trabalho a tempo parcial; (c) garantias de segurança suficientes para os

trabalhadores independentemente do tipo de contrato; (d) desenvolvimento das

agências de trabalho temporário; (e) promoção das TIC e da flexibilidade do tempo

de trabalho na modernização da organização do trabalho; e (f) adaptação dos

regimes de protecção social. Os domínios institucionais implicados são: (a) a

legislação de protecção do emprego; e (b) o sistema de protecção social.

O presente estudo não tem a pretensão de cobrir todas as dimensões da

adaptabilidade e todos os domínios institucionais relevantes. A caracterização da

estrutura produtiva e institucional portuguesa apresentada no segundo capítulo

enfatiza sobretudo aspectos ligados à terceira dimensão e cobre os domínios

identificados no quadro 0.1. Os aspectos ligados ao ambiente para o

desenvolvimento das actividades empresariais, nomeadamente os que remetem

para aspectos regulamentares e práticas da administração pública, não foram

objecto de análise. Do mesmo modo, a inovação e a investigação são apenas

abordadas em relação com a estrutura produtiva e a especialização.

As ambições deste estudo são limitadas ainda noutro sentido. Um processo de

reconfiguração institucional como aquele para que remete a problemática da

adaptabilidade não é uma questão técnica que deva ser deixada ao cuidado de

“peritos”. É um processo de negociação social que envolve todos os actores

relevantes. O papel dos “peritos” é necessariamente modesto. Cabe-lhes apoiar o

debate com elementos de reflexão e intervir nesse debate sem pretensão de vir a

substituir os actores e os decisores políticos a quem, na realidade, incube a

responsabilidade das escolhas.

Organização do relatório

O presente relatório reúne, resume e complementa os resultados apresentados em

fases intermédias do estudo. O primeiro capítulo, dedicado a uma discussão geral

da noção de adaptabilidade dos trabalhadores e das empresas, sublinha a

diversidade das perspectivas teóricas sobre as questões da “regulamentação” e da

“flexibilidade” do mercado de trabalho, assim como dos próprios processos

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 8

empíricos de adaptação. O segundo capítulo trata da caracterização da estrutura

produtiva e institucional portuguesa, procurando identificar as principais

complementaridades institucionais e os factores críticos delas decorrentes. O

terceiro capítulo, baseado na análise e interpretação da informação recolhida em

entrevistas com actores e numa reflexão prospectiva, procura descortinar cenários

de médio prazo, estabelecendo o quadro dos desígnios das “políticas de

adaptabilidade”. As implicações em termos de actuações políticas, particularmente

as que são susceptíveis de ser mobilizadas no âmbito do próximo Quadro

Estratégico de Referência Nacional (QERN), constituem objecto do capítulo

conclusivo.

Agradecimentos

A equipa responsável por este estudo contou com valiosos apoios e colaborações.

Aos responsáveis do Observatório do QCA III, nomeadamente Nuno Vitorino e

Paulo Areosa Feio ficamos a dever o acompanhamento atento, a crítica e o

encorajamento. Um agradecimento pelos contributos críticos é também devido a

todos os participantes num seminário de apresentação de resultados intermédios

realizado no ISCTE no dia 6 de Maio de 2005 e, em particular, a Jérôme Gautié.

Este seminário foi realizado com o apoio institucional do IGFSE.

Uma referência particular é devida aos autores de dois capítulos do segundo

relatório intermédio, cujos resultados incorporamos agora parcialmente: Reinhard

Naumann, Fernando Cabral, Arminda Neves e Manuel Roxo.

Sem a colaboração das entidades (e seus dirigentes) que acederam em conceder

entrevistas, o estudo não teria sido possível. Agradecimentos são devidos à

EFACEC, VW Autoeuropa, Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses,

União Geral de Trabalhadores, Comissão de Trabalhadores da VW Autoeuropa,

Associação Industrial Portuguesa, Confederação do Comércio e Serviços de

Portugal, Confederação da Indústria Portuguesa, Câmara do Comércio Luso-Alemã,

Direcção Geral de Estudos, Estatística e Planeamento, Direcção Geral do Emprego e

das Relações de Trabalho e programas Equal, Prime e POEFDS.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 9

Adaptabilidade(s) e Emprego

Partindo de uma comparação sistemática das duas estratégias de emprego dos

anos 90 em que a questão da adaptabilidade foi originalmente suscitada – a da

OCDE e a da UE –, este capítulo tem por objectivo mostrar que a montante e a

jusante das formulações “oficiais” existem concepções de adaptabilidade

divergentes. Na teoria é possível identificar pelo menos três perspectivas

alternativas que remetem para implicações políticas substancialmente diferentes.

Na prática é possível constatar, a partir do estudo comparativo de diferentes casos

nacionais, que as reconfigurações institucionais operadas em nome da

adaptabilidade têm vindo a seguir sendas de desenvolvimento marcadamente

distintas.

Além disso, a própria concepção da adaptabilidade tem vindo a evoluir em

consequência da reflexão e da experiência. De facto, as reavaliações das

estratégias de emprego, nomeadamente a que está em curso na OCDE, contrastam

em aspectos importantes com a perspectiva predominante nos anos 90.

Quer na teoria quer na prática há, portanto, mais do que uma concepção de

adaptabilidade. O espaço para o exercício das escolhas colectivas existe

manifestamente, embora o domínio das soluções admissíveis seja fortemente

condicionado pela estrutura institucional, os recursos disponíveis e as capacidades

dos agentes.

A adaptabilidade nas estratégias de emprego dos anos 90

No início da década de 90 a questão do desemprego irrompeu com grande

premência nas agendas dos governos nacionais dos países da OCDE e da UE e, por

extensão, na destas organizações multilaterais.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 10

A necessidade de uma resposta política urgente resultava de uma dupla

constatação: (a) o número de desempregados na OCDE (cerca de 10 milhões em

finais da década de 1960) havia triplicado entre 1972 e 1982; o crescimento

económico posterior, na década de 1980, não fizera regredir significativamente o

desemprego; e, pior, no início dos anos 90 a taxa de desemprego crescia de novo;

(b) as opiniões públicas representavam o desemprego como a mais perigosa

ameaça ao bem-estar e à coesão social. Para a OCDE, daqui decorria um perigo de

ressurgimento de tendências proteccionistas; para a UE, o problema era a erosão

da base de apoio à construção da União Económica e Monetária.

A reacção foi desencadeada praticamente ao mesmo tempo na OCDE e na UE, mas

a OCDE foi mais rápida. Em 1992 realizaram-se no âmbito desta organização

encontros ministeriais sobre questões de emprego e, logo em 1994, foi publicado o

documento que sintetiza a estratégia acordada – The OCDE Jobs Study: Facts,

Analysis, Strategies (JS) (OCDE, 1994). Na UE o processo foi lento. Teve início em

1993 com o Livro Branco sobre Crescimento, Competitividade e Emprego (CE,

1993), e só foi formalmente concluído em 1997, na cimeira do Luxemburgo que

lançou a Estratégia Europeia para o Emprego (EEE).

Em ambas as estratégias, JS e EEE, a “adaptabilidade” surge como uma questão

central em consequência de diagnósticos que atribuem a causa do desemprego à

“insuficiente capacidade de adaptação à mudança” (OCDE, 1994). Embora as duas

estratégias sejam em traços gerais convergentes (Casey, 2004; OCDE, 2004a),

existem diferenças significativas que importa identificar.

Diagnóstico

O diagnóstico da OCDE era claro. Ao longo dos anos de estabilidade do pós-guerra

os rendimentos per capita subiram e convergiram, os termos de troca da área da

OCDE melhoraram, o comércio e os sistemas de pagamentos foram

progressivamente liberalizados. Contudo, em finais dos anos 60 o desempenho

económico deteriorou-se revelando pressões inflacionistas que tinham estado

contidas e no início dos anos 70, com o choque petrolífero e o colapso do sistema

de câmbios fixos, o ambiente económico tornou-se turbulento. Na década seguinte

verificaram-se “vagas de liberalização dos mercados financeiros e de

desregulamentação dos mercados de produtos que expandiram grandemente a

eficiência potencial das economias da OCDE e ao mesmo tempo aceleraram o ritmo

das mudanças”, pondo à prova “a capacidade de adaptação das economias e das

sociedades” (OCDE, 1994).

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 11

No entanto, ao mesmo tempo que estas forças testavam a flexibilidade das

economias, na Europa e na Oceânia, as políticas orientadas para a “prossecução de

objectivos sociais foram alargadas, tendo como efeito colateral não intencional

tornar os mercados, em particular os mercados de trabalho, mais rígidos” (OCDE,

1994). Nestas zonas o sector público cresceu como empregador à medida que os

obstáculos à criação de emprego privado, criados pela redução “do incentivo para

aceitar trabalho – particularmente trabalho precário e mal remunerado” (OCDE,

1994) aumentavam, e as sociedades exigiam mais serviços públicos.

Em contrapartida, nos EUA os mercados de trabalho continuaram a ser altamente

flexíveis e o empreendedorismo dinâmico. Em consequência, o número de novos

postos de trabalho cresceu rapidamente no sector privado. “Muitos dos novos

postos de trabalho eram altamente produtivos e bem remunerados. Mas muitos

outros eram postos de trabalho de baixa qualificação, muitas vezes ocupados por

mulheres. Os trabalhadores nestes postos de trabalho não podiam deixar de aceitar

salários baixos, condições precárias e poucos benefícios de saúde e outros, já que

careciam das competências necessárias em postos de trabalho mais qualificados e

não dispunham da alternativa do apoio social ao estilo europeu. Por outro lado, os

problemas sociais enfrentados por muitos destes trabalhadores poderiam ter sido

piores caso os mercados de trabalho inflexíveis os tivessem privado destes

empregos” (OCDE, 1994).

Em suma, a economia dos EUA – flexível e dinâmica – parecia responder melhor do

que a europeia aos novos desafios e apontava o caminho, apesar do inconveniente

da precariedade nos segmentos menos qualificados da força de trabalho.

Os diagnósticos na UE não divergiam deste em nada de fundamental. Referindo-se

à posição dos países membros, o Livro Branco refere um “acordo unânime” nos

seguintes pontos: (a) os mercados de trabalho não funcionam de forma eficiente,

tendo falta de flexibilidade, particularmente em termos da organização do tempo de

trabalho, salários e mobilidade (a consequência seria o aumento relativo dos custos

da mão-de-obra na Europa e a tendência das empresas para substituir o trabalho

por factores intensivos em capital); (b) há um desencontro entre a oferta e a

procura no mercado de trabalho no que diz respeito a qualificações; (c) os

esquemas de protecção do emprego têm um impacto negativo no sentido em que

defendem os já empregados (insiders) mas impedem o recrutamento dos que

procuram trabalho (outsiders); e ainda (aparentemente com níveis de consenso

mais precários entre os países membros) (d) sistemas desadequados de protecção

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 12

social reduzem a motivação para o trabalho; e (e) o elevado nível de encargos

obrigatórios acresce pesadamente ao custo unitário da mão-de-obra.

Além disso, o diagnóstico dos autores do Livro Branco acrescentava à rigidez do

mercado de trabalho como causa do desemprego, a reduzida taxa de crescimento

do produto na UE. A nuance é importante porque releva das preocupações de

Jacques Delors e de alguns governos europeus relativamente aos efeitos

potencialmente deflacionistas das políticas fiscais e monetárias restritivas do Banco

Central Europeu e a sua intenção de contrabalançar estes efeitos com

melhoramentos das infra-estruturas físicas publicamente financiados (as redes

transeuropeias). Pode não ser exagerado notar que a estratégia do Livro Branco

diferia da JS sobretudo neste retoque “keynesiano” na estrutura supply-sider

(Casey, 2004). No entanto, os planos para a rede transeuropeia nunca foram

prosseguidos e o fundamento supply-sider permaneceu.

A mensagem política fundamental

As duas estratégias coincidiam quanto à mensagem política fundamental. A OCDE

(1994) afirmava: “o elevado desemprego deve ser abordado não através da

tentativa de abrandar o ritmo de mudança, mas antes por via da restauração da

capacidade das economias e das sociedades se adaptarem a ela”. E acrescentava:

“mas isto deve ser realizado por meios que não impliquem o abandono dos

objectivos sociais das sociedades da OCDE [... estes...] devem ser garantidos por

meios novos e mais cuidadosamente desenhados que não tenham os efeitos

colaterais, não pretendidos e não desejados, dos do passado”.

Em contrapartida, no Livro Branco podia ler-se que a resolução do problema do

desemprego “requer mudanças nas políticas económicas e sociais e mudanças no

ambiente do emprego quanto à estrutura do mercado de trabalho, no sistema fiscal

e nos incentivos da segurança social” (CE, 1993) e prosseguia: “isto implica

mudanças significativas, mas não significa simplesmente a desregulamentação dos

mercados de trabalho europeus” e envolve “a necessidade de manter a paz

industrial e social e de evitar a criação de mais pobreza nos grupos que ocupam já

a posição mais fraca no mercado de trabalho”.

Recomendações

O sentido destas mudanças era clarificado nas recomendações formuladas, em

ambas as estratégias, em torno de nove prioridades.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 13

1) Estabelecimento de um enquadramento macroeconómico apropriado

Quer a JS quer a EEE sublinhavam que a capacidade de criar emprego duradouro

depende da solidez do enquadramento macroeconómico. A OCDE especificava: (a)

finanças públicas sãs, para que o sector público não absorva a poupança nacional e

consequentemente impeça o investimento; (b) controlo da inflação, de molde a que

as empresas e os trabalhadores não sejam afectados pela incerteza associada à

distorção dos sinais transmitidos pelos preços; e (c) gestão da procura agregada

que evite um crescimento demasiado rápido, gerador de inflação, ou demasiado

lento com o risco de deflação.

Já a UE na conclusão da cimeira do Luxemburgo (paragrafo 10) escrevia: “A

respeito do contexto macroeconómico é essencial que a União prossiga uma política

de crescimento orientada para a estabilidade, finanças públicas sãs, contenção

salarial e reforma estrutural”. De facto, a preocupação com a compatibilidade entre

os objectivos do emprego e os da estabilidade macroeconómica tinha ganho na UE

grande destaque a partir do momento em que o tratado de Amesterdão estabelecia

que as guidelines do emprego destinadas a promover “um alto nível de emprego”

deviam ser consistentes com as das políticas económicas, isto é, com a atribuição

da prioridade ao controlo da inflação.

2) Criação e difusão de tecnologia

Na JS o desenvolvimento tecnológico é visto como a força determinante do

crescimento da produtividade, do emprego e dos níveis de vida, a longo prazo: os

efeitos negativos de curto prazo sobre o emprego menos qualificado resultante da

adopção de tecnologias poupadoras de trabalho seriam mais do que compensados

pelo aumento dos rendimentos reais possibilitados pelo aumento da produtividade e

pelo acréscimo da procura gerada por novos produtos.

O desenvolvimento tecnológico era evidentemente também uma prioridade nas

políticas europeias, mas, até à cimeira de Lisboa, a UE parecia ser mais céptica do

que a OCDE quanto às virtualidades de longo prazo do progresso técnico a respeito

da criação de emprego. Nas guidelines da EEE de 1998 (paragrafo 64) refere-se

apenas: “Se a União Europeia quiser enfrentar com sucesso o desafio do emprego

terá de explorar eficazmente todas as possíveis fontes de emprego e novas

tecnologias”. A Estratégia de Lisboa contribuiu para alterar a perspectiva. Em

consequência, o relatório Wim Kok (CE, 2003a) integra explicitamente o

desenvolvimento tecnológico (investigação e difusão da inovação) na estratégia de

emprego.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 14

3) Aumento da flexibilidade do tempo de trabalho

O aumento da flexibilidade do tempo de trabalho é outra recomendação comum. Na

JS envolve a flexibilidade na organização do tempo de trabalho no interior das

empresas, o estímulo ao trabalho a tempo parcial voluntário e surge associado à

remoção de incentivos à reforma antecipada.

No pilar da adaptabilidade das guidelines de 1998 (CE, 1997, paragrafo 70),

referem-se explicitamente “arranjos flexíveis do trabalho” como: a expressão do

tempo de trabalho em termos de um número de horas anual, a redução das horas

trabalhadas, a redução do trabalho considerado extraordinário, o desenvolvimento

do trabalho a tempo parcial, a articulação entre tempo de trabalho e tempo de

formação. Neste aspecto a única diferença relativamente à JS diz respeito à

referência à redução do tempo de trabalho.

4) Acarinhar o espírito empresarial

A recomendação de medidas tendentes a acarinhar o “clima empresarial” na JS

(redução dos custos de arranque, provisão de informação e aconselhamento,

eliminação de obstáculos regulamentares) tem como contrapartida na EEE o

segundo pilar das guidelines de 1998 (“desenvolver a empresarialidade”,

parágrafos 61 - 66) onde além da mesma menção aos custos de arranque existe

uma referência ao capital de risco, à redução da carga fiscal e dos custos

administrativos das pequenas e médias empresas.

5) Aumentar a flexibilidade dos salários e dos custos do trabalho

No que diz respeito à flexibilidade dos salários e dos custos do trabalho a JS

recomenda que os salários e os custos do trabalho sejam flexibilizados de forma a

remover as restrições que impedem que os salários reflictam as condições locais e

os diferenciais de qualificação.

Nas guidelines de Luxemburgo há apenas referência à flexibilização dos custos

indirectos do trabalho e não à flexibilização dos salários propriamente ditos. Há no

entanto diversas alusões à moderação salarial (crescimento dos salários inferior ao

da produtividade) quer no Livro Branco quer nas guidelines de Luxemburgo.

6) Reformar as disposições de protecção do emprego

Quanto à segurança do emprego, a JS advogava: (a) o estabelecimento, por via

legislativa ou de acordos colectivos, de provisões que sancionassem os

despedimentos sem justa causa ou discriminatórios mas facilitassem os

economicamente justificados; e (b) a adopção de contratos a termo certo

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 15

contrabalançada por desincentivos à sua generalização (contribuições patronais

mais elevadas para a segurança social, por exemplo).

A EEE é menos precisa a este respeito preconizando, por um lado, a reforma dos

elementos abertamente restritivos da legislação laboral que afectam as dinâmicas

do mercado de trabalho e, por outro, a articulação desta flexibilidade com a

segurança.

7) Expandir as políticas activas de emprego

Em ambas as estratégias as políticas activas de emprego surgem no quadro de uma

defesa da deslocação das políticas de emprego, do apoio financeiro passivo aos

desempregados para a ajuda activa ao reemprego. Para a OCDE a activação dos

desempregados interage virtuosamente com a redução dos custos unitários da

mão-de-obra no sentido em que reforça a capacidade competitiva dos “outsiders”

no mercado de trabalho reduzindo o poder dos “insiders”.

Na EEE as políticas activas de emprego surgem associadas não só à activação dos

“outsiders” como à empregabilidade dos “insiders”, isto é, o reforço da sua

capacidade de retenção do emprego.

8) Melhorar as qualificações e competências dos trabalhadores

A melhoria das qualificações e competências dos trabalhadores é vista em ambas

as estratégias como a pré-condição determinante para a criação de novos postos de

trabalho qualificados e bem remunerados, a única via para a sustentabilidade do

emprego num contexto de deslocalização dos segmentos da produção intensivos

em mão-de-obra pouco qualificada para as regiões de baixos salários e mão-de-

obra não qualificada abundante. A ideia chave em ambas as estratégias é a de

perspectivar a melhoria das qualificações e competências como um processo

contínuo ao longo da vida. O objectivo envolve para a OCDE: a melhoria da

qualidade da educação inicial, a melhoria da transição escola-trabalho e o reforço

dos incentivos para a provisão e aquisição de formação, respectivamente por parte

das empresas e dos trabalhadores. As mesmíssimas prioridades surgem no Livro

Branco, embora em muito mais detalhe, e nas guidelines posteriores associadas ao

eixo da “empregabilidade”.

9) Reformar o sistema de subsídios de desemprego

A reforma do sistema de subsídios de desemprego na JS deve ser orientada para a

redução dos benefícios dos seguros de desemprego e da sua duração e para a

restrição das condições de elegibilidade. No Livro Branco é também feita referência

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 16

aos efeitos desmotivadores da oferta de trabalho de “sistemas de protecção social

inapropriados”, mas a ênfase atribuída ao problema é muito menor.

JS e EEE – Principais diferenças

As duas estratégias, JS e EEE, coincidem em dois aspectos fundamentais: (a) no

diagnóstico que atribui o desemprego à rigidez do mercado de trabalho; e (b) na

defesa de uma resposta adaptativa a tendências globais tidas como inelutáveis

quanto ao comércio internacional, à dinâmica dos mercados financeiros

internacionais e à tecnologia (excluindo portanto a possibilidade de uma

intervenção na esfera da política internacional que condicione estas tendências).

Coincidem ainda, em geral, quanto às recomendações.

No entanto, como refere Casey (2004), divergiam à partida num aspecto e

divergem ainda noutros dois. O ponto em que à partida se diferenciavam era o

toque keynesiano dado pela proposta das redes transeuropeias. Os aspectos em

que ainda divergem são a ênfase atribuída pela UE à relação entre emprego e

políticas de protecção social e ao papel dos “parceiros sociais”.

Quanto ao primeiro aspecto, a EEE procura sublinhar a necessidade de

compatibilizar a flexibilização do mercado de trabalho com o que designa de

“modelo social europeu”. Incorporando o objectivo do aumento da taxa de emprego

(e não apenas o da redução do desemprego), a EEE procura articular a política de

emprego e a política social. De facto, uma das pré-condições para a

sustentabilidade dos sistemas de protecção social é não só a redução do

desemprego como o alargamento da base contributiva dos sistemas de seguro

social. Globalmente, a UE declara-se comprometida com o propósito de

compatibilizar a necessária adaptação às tendências globais com a salvaguarda do

“modelo social europeu”. Em contrapartida, na JS a complementaridade não é tida

em conta surgindo referências vagas a “riscos criadores de tensões sociais que

podem acarretar custos humanos e económicos avultados” e a necessidade de

preservar os “objectivos sociais dos países da OCDE”.

Quanto ao segundo aspecto, a EEE atribui um peso considerável ao papel dos

“parceiros sociais” em todos os planos das políticas de emprego: formulação,

execução e avaliação. Em contrapartida, a OCDE fica-se por uma referência

genérica às responsabilidades dos empregadores, dos sindicatos e dos

trabalhadores individuais na acção orientada para a promoção do emprego.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 17

Mudança e adaptação

A adaptabilidade apresenta-se como um imperativo decorrente de um processo

encadeado de mudanças socio-económicas com origem na crise dos anos 70. A

partir do final da 2ª guerra mundial e até essa data o arranjo institucional que

designamos por Welfare State foi capaz de assegurar o crescimento e o emprego. É

um facto universalmente reconhecido que a partir de então o desemprego se

instalou de uma forma duradoura, questionando as virtualidades e a própria

viabilidade dos arranjos institucionais arduamente construídos no pós-guerra.

Compreender as razões pelas quais a adaptabilidade surge como um imperativo

neste quadro de mudanças encadeadas, determinar até que ponto os requisitos da

adaptabilidade implicam uma reconfiguração do Welfare State ou a sua erradicação

pura e simples, exige uma caracterização das mudanças a que a adaptabilidade se

refere1.

As mudanças na envolvente económica internacional

O Welfare State foi produto de circunstâncias históricas irrepetíveis. Em

consequência da vaga proteccionista dos anos trinta e da própria guerra, a

economia mundial caracterizava-se no final do conflito por um baixo nível de

integração. Os controlos aos movimentos de capitais, a estabilidade das taxas de

câmbio e as barreiras ao comércio asseguravam um considerável poder e margem

de manobra aos estados nacionais. Além disso, no contexto da reconstrução do

pós-guerra, a procura dirigida à indústria crescia rapidamente na América do Norte

e na Europa e os ganhos de produtividade alcançados com a produção em massa

de produtos estandardizados possibilitavam o crescimento quer dos lucros quer dos

salários, sustentando deste modo a procura de bens de investimento e de consumo.

No interior das fronteiras económicas a liberdade de escolha dos consumidores e a

liberdade de movimentos dos capitais e dos contribuintes era limitada – o seu

poder negocial face quer aos governos nacionais quer aos sindicatos era

incomparavelmente menor do que é hoje. Em consequência, o nível dos impostos e

da despesa pública eram determinados sobretudo por considerações políticas (e

menos por imperativos de competitividade). Além disso, os aumentos dos salários e

dos custos não salariais do trabalho, assim como o fardo da regulamentação das

condições de produção e das relações de trabalho, tendo que ser suportados por

todas as empresas no espaço económico, repercutiam sobre os consumidores e não

1 Baseamo-nos neste ponto sobretudo na perspectiva de Scharpf (Scharpf e Schmidt, 2000, Cap. 2).

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 18

sobre o lucro das empresas. Por outro lado, o controlo da taxa de juro e da oferta

de moeda permitiam aos governos controlar os ciclos económicos através da gestão

da procura agregada, mantendo o emprego e as taxas de investimento a níveis

relativamente elevados.

Dois acontecimentos conjugados, no início da década de 1970 – o colapso do

sistema de câmbios fixos de Bretton-Woods e o primeiro choque petrolífero –

assinalam o início do fim desta “idade de ouro”. De facto, a emergência e expansão

dos mercados de euro-dollars, resultante da riqueza súbita dos países produtores

de petróleo, combinado com o novo regime de câmbios flutuantes, criou as

condições e a oportunidade para a expansão de uma especulação cambial sem

precedentes que passou a condicionar as políticas orçamentais e monetárias dos

governos. Daí em diante, as políticas keynesianas de pleno emprego passaram a

ter repercussões nas taxas de câmbios das moedas nacionais afectando quer a

competitividade das exportações, quer o nível de inflação. Neste contexto, passou a

ser difícil, senão impossível, contrariar em simultâneo o desemprego e a inflação

induzida pelo aumento do preço do petróleo. Os governos enfrentavam o dilema da

estagflação: se escolhessem combater o desemprego a partir da reflação da

procura, teriam de enfrentar a inflação e a perda de competitividade; se quisessem

enfrentar a inflação com políticas monetárias restritivas, teriam de enfrentar o

desemprego.

Quando no início dos anos 80 eclodiu uma nova crise petrolífera, os governos

debatiam-se ainda com elevados níveis conjugados de inflação e desemprego. Mas

agora, contrariamente ao ocorrido na década de 1970, o novo choque exógeno iria

ser respondido não com políticas keynesianas mas com os instrumentos

monetaristas que entretanto as haviam substituído. As políticas monetárias

restritivas adoptadas pelo FED norte-americano combinadas com o astronómico

défice orçamental da era Reagan iriam resultar num aumento das taxas de juro

sem precedentes, primeiro nos EUA e depois em praticamente todos os países da

OCDE. Em consequência o serviço da dívida pública tornou-se mais pesado para

todos os estados que entretanto se haviam endividado e o controlo do défice

orçamental passou a figurar, a par da inflação e do desemprego, na agenda

política.

Paralelamente, face ao aumento das taxas de juro, as condições de atractividade do

investimento real tornaram-se mais exigentes. Agora, tornar o investimento real

compensador face a alternativas financeiras com elevadas taxas de juro e baixo

risco passava por garantir taxas de lucro elevadas, o que num contexto de

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 19

estagnação da procura agregada e da produtividade se traduzia necessariamente

numa redistribuição do valor acrescentado em benefício do capital e em detrimento

do trabalho.

Na segunda metade dos anos 80 os preços do petróleo tinham regressado ao seu

nível original, a inflação tinha sido controlada e as taxas de juro haviam iniciado um

percurso descendente. O desemprego, no entanto, regredira marginalmente mas

mantinha-se a níveis elevados. Mas quando, no início da década de 90, as

economias da OCDE entraram de novo em recessão o desemprego disparou em

quase todos os países a níveis superiores aos do início da década de 80.

A nova recessão coincidia no tempo com o culminar do processo de integração dos

mercados de produtos e de capital que se vinha desenvolvendo ao longo de todo o

período do pós-guerra. De facto, o processo de integração económica e financeira

havia sido acelerado por uma conjugação de acontecimentos e decisões políticas

entre as quais avultam: o colapso do sistema soviético, o reforço e alargamento do

regime de livre comércio no âmbito da OMC, o estabelecimento do mercado único

na UE, as políticas de desregulamentação e privatização e, mais importante, a

liberalização e a desregulamentação dos mercados financeiros. Em geral, o quadro

era o de uma concorrência acrescida nos mercados de bens e serviços e uma muito

maior mobilidade do capital.

Este processo de mudanças encadeadas na envolvente económica internacional

modificou radicalmente o contexto que deu origem e sustentou os arranjos

institucionais do pós-guerra. Com fronteiras económicas porosas não há já

consumidores, capitais ou contribuintes cativos, nem governos e sindicatos capazes

de condicionar as suas decisões. No novo contexto, os governos nacionais estão

impedidos de responder à perda de competitividade com ajustamentos cambiais, o

aumento dos custos deixa de poder ser transmitido para os consumidores, as

empresas passam a ser financiadas por agentes que tomam decisões de

investimento real ou de carteira com base na comparação da rendibilidade de cada

alternativa disponível e a rendibilidade da melhor oportunidade à escala global. Em

traços largos, as posições relativas dos agentes inverteram-se, no sentido em que

os governos nacionais e os sindicatos estão agora numa situação em que para criar

emprego são obrigados a competir com outros governos e sindicatos de forma a

atrair e fixar o capital real e financeiro que se movimenta à escala global.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 20

Consequências das mudanças na envolvente: concorrência

A intensificação da concorrência nos mercados mundiais de bens e serviços resulta

quer da integração na economia mundial de novos países industrializados, dotados

de stocks abundantes de mão-de-obra barata, quer da crescente integração

económica dos países industrialmente avançados.

Em consequência destas pressões conjugadas a competitividade das empresas

instaladas em países com custos de mão-de-obra elevados, ou relativamente mais

elevados, passa a depender da automação da produção, da especialização em

segmentos com alto valor acrescentado e da incessante inovação de produto que

permite ocupar nichos de mercado privilegiados.

Nos casos em que este processo de adaptação é bem sucedido, os requisitos em

qualificação da mão-de-obra aumentam e as oportunidades de emprego dos

trabalhadores menos qualificados diminuem. O efeito líquido sobre a criação de

emprego é indeterminado, mas o facto é que as taxas de emprego nos sectores

expostos à concorrência internacional declinaram desde o início dos anos 70 em

quase todos os países industrialmente avançados. Nesses países os sectores

abrigados são os que criam emprego: comércio grossista e de retalho, restaurantes

e hotéis, serviços comunitários, sociais e pessoais.

Consequências das mudanças na envolvente: financiamento

A consequência mais evidente da liberalização dos fluxos de capital é a

transformação dos padrões de financiamento das empresas. O financiamento do

investimento real através de “capital paciente”, característico da maior parte das

empresas europeias está a dar lugar à dependência das empresas relativamente a

investidores institucionais que sendo moveis exigem dos projectos e das empresas

rendibilidades de curto prazo e desempenhos bolsistas sempre superiores à da

melhor alternativa globalmente disponível. O resultado é que empresas

tradicionalmente imunes às pressões especulativas estão cada vez mais sujeitas às

flutuações da sua valorização bolsista. As dinâmicas especulativas passam a

condicionar a sua capacidade de financiamento e de resistência a aquisições hostis.

Consequências das mudanças na envolvente: financiamento do estado

O processo de mudanças encadeadas está também a sujeitar os estados nacionais

a pressões financeiras contraditórias.

No sentido do aumento da despesa convergem o desemprego, o aumento da

pobreza, o envelhecimento da população, as crescentes exigências da educação e

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 21

formação e a necessidade de infraestruturação de apoio à actividade económica. No

sentido da descida das receitas, pressiona a concorrência fiscal entre estados e

outros incentivos orientados para a atracção de novo investimento.

Os dados relativos à OCDE revelam, em traços largos, que a partir de meados da

década de 80 o peso dos impostos e das contribuições para a segurança social no

PIB estagnou, mantendo-se as diferenças preexistentes entre países.

Simultaneamente, na maior parte dos casos, o controlo dos défices orçamentais

tornou-se mais apertado.

No entanto, isto não significa que nada se tenha alterado na receita pública. De

facto, em resposta ao efeito conjugado das pressões contraditórias, o nível da

despesa manteve-se, mas a base fiscal alterou-se com um desagravamento dos

impostos sobre os lucros e os rendimentos de capital e o agravamento dos

impostos sobre o consumo e das contribuições para a segurança social.

Tendências e contra-tendências

Três tendências principais parecem decorrer das mudanças na envolvente

internacional: (a) erosão e perda da estabilidade do emprego nos sectores

expostos; (b) perda de capacidade de financiamento do estado; (c) perda de poder

dos sindicatos e dos governos nacionais.

Ao mesmo tempo os objectivos e os valores do Welfare State – pleno emprego,

segurança social e igualdade – enquanto aspirações, não parecem estar em

regressão, como o demonstra a sua reafirmação em programas eleitorais da grande

maioria das forças políticas. Os eleitores resistem às tendências que decorrem das

mudanças na envolvente internacional. Reclamam respostas dos governos afastam

as coligações políticas no poder que se manifestam incapazes de as proporcionar.

As forças sociais reorganizam-se à revelia das fronteiras tradicionais doutrinárias ou

de classe. Na realidade, as pressões concorrenciais e especulativas não atingem

apenas os trabalhadores e os sindicatos, elas estão a pôr em causa as vantagens

comparativas institucionais em que se funda a competitividade de muitas

empresas.

Em geral, o acordo é unânime num ponto – os regimes de Welfare State tal como

se desenvolveram no pós-guerra vacilam face às pressões da envolvente externa.

Alguns prenunciam o colapso definitivo das instituições de “protecção social” e o

alastramento do mercado a todas as esferas da vida. Outros antecipam mudanças

tendentes a “uma mudança de regime” (Esping-Andersen, 2002), e outros ainda

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 22

afirmam que está em causa apenas a “forma do Welfare State” (Scharpf in Scharpf

e Schmidt (2000)). Em qualquer caso não há dúvida que está em curso um

processo rápido de reconfiguração institucional; como veremos as direcções em que

aponta esse processo são divergentes.

Perspectivas teóricas sobre a adaptabilidade

As estratégias de emprego dos anos 90 são em grande medida tributárias de uma

perspectiva teórica que tende a encarar as instituições que enquadram as relações

de trabalho como impedimentos ao bom funcionamento do mercado de trabalho e

portanto como causas do desajustamento da oferta e da procura de emprego. Esta

visão, dominante nas décadas de 80 e 90, partilhou e partilha o terreno do debate

teórico com outras correntes que reconhecem os limites ou as falhas dos mercados

e acentuam o papel das políticas públicas e das instituições não só como garantes

de objectivos de equidade mas também como condicionantes da eficiência e da

competitividade.

A perspectiva neo-liberal

A perspectiva habitualmente designada neo ou ultra liberal resulta de uma simbiose

de correntes teóricas diversas – a neoclássica, que tem o modelo de equilíbrio geral

como referência, e a austríaca, representada sobretudo por Hayek. A perspectiva

neoclássica erigiu a concorrência pura e perfeita em todos os mercados (bens e

serviços, capital, recursos naturais e trabalho) como modelo de referência ideal em

que a eficiência é realizada. Durante muito tempo esta visão foi matizada pela

percepção da importância de falhas de mercado, inclusivamente na esfera da

distribuição do rendimento, que justificariam a intervenção supletiva do estado.

Mas a “descoberta” de falhas do estado, potencialmente mais graves que as do

próprio mercado, combinada com a ideia hayekiana de que qualquer intervenção

pública se traduz em distorções do sistema de preços que induzem nos agentes

comportamentos que afastam o sistema da eficiência, para além de o

encaminharem para um plano inclinado de crescente socialização, modificaram a

perspectiva.

A síntese neoliberal, condensada no chamado “consenso de Washington”, preconiza

a liberalização de todos os mercados, internos e externos, a extensão da provisão

privada aos domínios tradicionais da esfera pública, a redução da carga fiscal e o

controlo estrito dos défices orçamentais. Ao estado caberia um papel, ainda assim

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 23

importante, na atribuição e salvaguarda dos direitos de propriedade, na garantia do

cumprimento dos contratos e eventualmente na provisão de mínimos de protecção

social.

A adaptabilidade no modelo neoliberal traduz-se sobretudo em flexibilidade total na

gestão da mão-de-obra e nos salários, individualização da negociação dos contratos

de trabalho, e substituição dos sistemas de welfare públicos por sistemas de

seguros privados.

O projecto neoliberal nunca foi até hoje realizado. Se existe alguma realidade que

dele se aproxime ela é, como é sabido, a América de Reagan e a Grã-bretanha de

Tatcher, além de, convém não esquecer, numerosos países de desenvolvimento

intermédio que nunca conheceram o Welfare State.

As terceiras vias

As “terceira vias” partem de uma rejeição das soluções neoliberais que, no entanto,

reconhece ao mesmo tempo, as vantagens do mercado e as falhas quer do

mercado quer do estado (Gautié, 2003). Defendem que a flexibilidade do mercado

de trabalho e a segurança dos trabalhadores só numa lógica fordista tradicional são

incompatíveis.

Os contornos das terceiras vias são muito menos precisos do que os da solução

neoliberal e não existe consenso, nem entre os investigadores nem entre os

políticos, acerca dos projectos de reforma que podem ser incluídos nesta via do

meio.

As “terceiras vias” partem do reconhecimento de transformações irreversíveis nos

mercados de trabalho pós-fordistas que tendem a atribuir sobretudo a mudanças

tecnológicas e sociais. Gautié (2003) identifica, entre outras, as seguintes: a) a

“balkanização” da relação salarial; (b) a substituição da relação de trabalho pela

relação de serviço; (c) a reconfiguração dos riscos e das desigualdades.

A “balkanização” remete para a substituição das regras de protecção do emprego e

das modalidades de fixação do salário características do fordismo, por relações de

emprego mais “líquidas”, isto é, mais facilmente revertíveis pela empresa. Este

regime é, na realidade, um regime dual que afecta de forma diferenciada os

trabalhadores segundo o seu nível de qualificação: de um lado situam-se os

trabalhadores pouco qualificados e facilmente substituíveis que a empresa não

procura fidelizar e que tendem a ser, como tal, precários, do outro estão os

trabalhadores altamente qualificados que empresa procura fidelizar e que tentam,

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 24

eles próprios, tirar partido da liquidez, isto é, das oportunidades de mobilidade

inter-empresas.

A emergência da relação de serviço tem como contexto a substituição da produção

de massa pela produção personalizada; a substituição da organização taylorista

baseada no posto de trabalho por uma outra mais flexível capaz de responder

rápida e criativamente às exigências da procura. Numa economia que tenta

incessantemente diferenciar-se com a oferta de soluções adaptadas a cada procura

particular, a qualidade do “serviço” depende fortemente de qualidades relacionais e

cognitivas que vêm sendo descritas como competências-chave e não só do domínio

de conhecimentos técnicos necessários à ocupação de postos claramente definidos.

Contra um pano de fundo fordista assente no trade-off segurança-subordinação, a

produção flexível parece exigir aos trabalhadores autonomia, poupando ao mesmo

tempo na segurança.

A reconfiguração dos riscos e das desigualdades resulta principalmente da

incapacidade dos sistemas de protecção social face, quer à precariedade acrescida

da relação de emprego, quer às transformações sociais que afectam a esfera de

protecção social familiar. Os sistemas concebidos para níveis de desemprego

relativamente baixos e nalguns casos apoiados num modelo familiar caracterizado

pela estabilidade vacilam e ameaçam ruir. Por outro lado, a dualização das relações

de trabalho acarreta um inevitável aumento das desigualdades na repartição do

rendimento entre o núcleo de trabalhadores dotado de competências chave para as

empresas e a periferia menos qualificada.

Para as terceiras vias estas tendências obrigam necessariamente a repensar os

modelos sociais, nomeadamente a articulação entre mercado de trabalho e

protecção social. Segundo Gautié (2003) existe um terreno comum que é

transversal a todas elas. O primeiro elemento desse consenso seria a necessidade

de explorar a possibilidade de articular flexibilidade do sistema produtivo com

segurança do indivíduo, passando de uma lógica de protecção passiva contra o

risco, a uma lógica de segurança activa, isto é, inscrevendo a protecção social

numa “lógica preventiva e não simplesmente reparadora” (Gautié, 2003: 17). Nesta

perspectiva “a empregabilidade”, permanentemente recriada através da formação

ao longo da vida, constituir-se-ia como o elemento securizante para o trabalhador.

Mas nem por isso o indivíduo trabalhador assim responsabilizado pelo seu destino

deveria deixar de ser apoiado pela sociedade. A redução das garantias dos sistemas

de protecção do risco de desemprego devia ser acompanhada de políticas activas

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 25

que permitissem ao indivíduo-trabalhador readquirir a empregabilidade perdida

quando necessário.

O segundo elemento de consenso diz respeito às políticas redistributivas. As

terceiras vias opõem-se simultaneamente às visões igualitaristas e à naturalização

da desigualdade. Reconhecem o condicionamento das trajectórias individuais pelas

diferenças nas condições de partida e contrapõem à redistribuição reparadora, a

que visa a igualdade de oportunidades.

Para lá destes elementos de consenso, afirma Gautié, as vias divergem,

particularmente no que diz respeito à necessidade de regulações colectivas que

assegurem direitos.

Perspectivas institucionalistas

Um terceiro conjunto de perspectivas que aqui descrevemos por “institucionalistas”

contrapõe aos cenários de convergência para um modelo de capitalismo único, seja

ele de tipo neo-liberal ou uma qualquer modalidade de terceira via, cenários de

diversidade.

De acordo com esta perspectiva, a diversidade de configurações institucionais

origina diferentes formas de capitalismo, cada uma delas com as suas

características, sendas de desenvolvimento, forças e fraquezas específicas.

Em particular, a perspectiva das “variedades de capitalismo” proposta por Hall e

Soskice (Hall e Soskice, 2001) opões ao cenário de convergência para um modelo

“liberal” único o argumento de robustez de outros capitalismos de tipo

“coordenado”.

Essa abordagem assume, em primeiro lugar, diferenças na estrutura e na

estratégia das empresas ditadas pelas diferenças institucionais dos modelos em que

se apoiam. Constata, em segundo lugar, que a tendência das empresas para se

deslocarem em função dos diferenciais nos custos unitários da mão-de-obra é

frequentemente contrariada por contra-tendências relacionadas com a necessidade

de competências avançadas e com vantagens institucionais que sustentam as

relações de cooperação inter e intra-empresas em que se fundam as suas

estratégias.

Assumem, por último, dinâmicas diferenciadas ao nível do sistema político. A

pressão das empresas a favor da desregulamentação em face de pressões

competitivas tenderia a ser mais forte no caso dos modelos liberais do que nos

coordenados, já que o aprofundamento das vantagens comparativas institucionais

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 26

do modelo liberal depende exactamente do alargamento e do aperfeiçoamento das

relações mercantis, enquanto a desregulamentação representa uma ameaça para

as vantagens comparativas do modelo coordenado. A consequência seria uma

menor pressão para as reformas liberalizantes (e uma menor simpatia dos

governos por estas reformas) no último caso. Além disso, a base política para a

resistência à desregulamentação seria mais alargada nos modelos coordenados já

que existiria aí espaço para uma larga convergência de interesses entre sectores

empresariais, laborais e políticos diversificados.

O cenário defendido pela abordagem das “variedades de capitalismo” antecipa

portanto uma bifurcação caracterizada pelo aprofundamento das relações mercantis

no modelo liberal e uma deslocação limitada neste sentido no modelo coordenado.

Os autores encontram na evolução do padrão das políticas dos países da OCDE nas

décadas recentes evidência favorável à sua tese.

Amable (2005) encara a “terceira via”, pelo menos na sua versão britânica, e a

política europeia de emprego como portadoras de uma estratégia de desarticulação

das vantagens comparativas institucionais dos modelos europeus continentais que

tende a agravar e não a superar os problemas de competitividade destas

economias. Contrapõe-lhes não um regresso ao passado fordista, mas antes uma

via da flexigurança à dinamarquesa que combina uma relativa flexibilidade do

mercado de trabalho com um sistema de protecção social generoso e políticas

activas orientadas para a formação permanente.

Debate teórico e evolução das estratégias de emprego

A visão dos analistas e dos decisores políticos é sempre muito mais influenciada por

visões doutrinárias do que eles próprios estão dispostos a admitir. Enquanto as

estratégias de emprego dos anos 90 têm a marca da perspectiva teórica que nas

décadas de 80 e 90 se tornou hegemónica em consequência da crise do

keynesianismo e do marxismo, as reavaliações e reconfigurações posteriores são já

matizadas por influências inspiradas nas terceiras vias. Partem do pressuposto que

a competitividade exige uma reconfiguração dos mercados de trabalho e dos

sistemas de protecção social, mas não deixam de assinalar os perigos de dualização

e de ruptura da coesão social inerentes à liberalização e de preconizar medidas

correctoras.

Alem disso, na UE as políticas de emprego estão hoje enquadradas por uma

estratégia mais ampla de resposta aos desafios da globalização. Esta estratégia – a

estratégia de Lisboa – parece assentar no reconhecimento de que o risco de

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 27

ruptura da coesão social só poderá ser conjurado caso a Europa transite

rapidamente para um regime de acumulação intensivo em conhecimento. A

reconfiguração da especialização produtiva da Europa permitiria abrigar a economia

europeia e o “modelo social europeu” das pressões competitivas da economia global

que se pensa actuarem sobretudo nos sectores intensivos em mão-de-obra não

qualificada. A adaptabilidade surge assim inscrita numa via para a competitividade

assente no conhecimento, na inovação e na diferenciação.

Processos de adaptação

Os estudos comparativos mostram claramente que a vulnerabilidade dos países às

mudanças da envolvente económica internacional, tal como a orientação das

respostas elaboradas e testadas, depende de forma determinante das estruturas

dos sistemas de emprego e do Welfare State pré-existentes, assim como da

experiência histórica embutida na cultura. Consideremos brevemente alguns casos

nacionais representativos de três sistemas de Welfare: Suécia e Dinamarca (welfare

escandinavo ou social democrático), Reino Unido (welfare anglo-saxónico), França

(welfare continental).

Suécia e Dinamarca

Até à década de 1990 o modelo sueco, com baixas taxas de desemprego e

desemprego de longa duração praticamente inexistente era a história de sucesso

das políticas de emprego (Björklund, 2000). Em contrapartida, a Dinamarca

experimentava desde a década de 70 um desemprego elevado e crescente e era

considerada um fracasso. Em 1990 o desemprego na Suécia disparou, subindo de

cerca de 2% para 8% três anos depois.

A Suécia e a Dinamarca partilhavam (e partilham) características estruturais que

justificam a sua inclusão num regime de welfare e de emprego específico: taxas

elevadas de emprego feminino e taxas igualmente elevadas de emprego no sector

público; um elevado nível de provisão de serviços públicos para os idosos, os

doentes, os deficientes e as famílias com crianças a cargo, suportado por elevadas

cargas fiscais2; densidade sindical e grau de cobertura dos acordos colectivos

elevados; regulação das relações laborais relativamente uniforme com diferenciais

2 Os elevados níveis de emprego e serviços públicos eram e são financiados por impostos elevados aceites por famílias que beneficiam quer como consumidores quer como produtores das actividades a cargo do estado.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 28

salariais muito reduzidos e negociação centralizada; benefícios dos sistemas de

seguro de desemprego generosos com taxas de reposição elevadas, períodos de

benefício longos e regras de elegibilidade abarcando os entrantes no mercado de

trabalho.

Ao mesmo tempo os sistemas dos dois países não diferiam apenas no que diz

respeito ao seu desempenho. Enquanto na Suécia a legislação da protecção do

emprego era (e ainda é) muito estrita, na Dinamarca era (e ainda é) muito flexível.

Além disso o sistema sueco, contrariamente ao dinamarquês, envolvia políticas

activas de emprego.

A crise de emprego dos anos 90 fez despoletar processos de reformas que fizeram

evoluir os dois países em direcções relativamente distintas.

Na Dinamarca a duração dos subsídios de desemprego foi reduzida e os critérios e

elegibilidade reforçados. Em contrapartida, medidas de activação tendentes a

facilitar a transição do desemprego para o emprego foram introduzidas. Um

generoso sistema de licenças remuneradas foi implementado.

Quanto à legislação de protecção do emprego, que já era muito flexível, as

alterações introduzidas na década de 90 foram no sentido de tornar mais oneroso

para as empresas o recurso aos lay-offs temporários. Além disso, o sistema de

negociação dinamarquês foi gradualmente descentralizado para o nível do sector e

da empresa.

Na Suécia o sistema de seguro de desemprego mudou muito menos. A taxa de

substituição sofreu uma ligeira redução em baixa, mas a duração dos benefícios

manteve-se apesar de diversas tentativas de alteração por parte do governo, a que

os sindicatos resistiram. Durante a recessão os programas de activação,

nomeadamente programas de trabalho temporário, foram expandidos.

Posteriormente estes programas foram sendo progressivamente substituídos por

ofertas de participação no sistema educativo regular dirigidas aos desempregados.

Ao mesmo tempo que a duração da escolaridade obrigatória era aumentada para a

idade de 19 anos, o número de vagas na universidade foi duplicado.

Alterações na legislação de protecção do emprego introduzidas em 1994 pelo

governo conservador alterando os procedimentos de despedimento e alargando o

período probatório do contrato foram posteriormente repelidas em 1995 pelo novo

governo social democrático. Entretanto o sistema de negociação colectiva foi

evoluindo no sentido da descentralização para o nível sectorial.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 29

Actualmente3 as taxas de desemprego dos dois países nórdicos são das mais baixas

da OCDE, 5.6% na Dinamarca e 4.9% na Suécia, e as taxas de emprego são das

mais elevadas. O “modelo” Dinamarquês de flexigurança com a sua combinação de

flexibilidade e protecção social converteu-se na nova história de sucesso.

Reino Unido

Em 1979 o governo conservador de Margareth Tatcher foi pioneiro do programa de

reformas estruturais de sentido neo-liberal que vê na “desregulamentação” do

mercado de trabalho a chave para a resolução dos problemas do desemprego e da

competitividade.

Este programa prosseguido energicamente até meados da década de 90 (Deakin e

Reed, 2000) envolveu: o desmantelamento das instituições que até então

sustentavam o processo de determinação dos salários, a redução das provisões de

seguro social para os desempregados e reformados e a flexibilização da legislação

de protecção do emprego.

Este processo embora seja habitualmente descrito como “desregulamentação”

envolveu de facto uma ampla intervenção jurídica traduzida na progressiva

substituição do direito de trabalho pela lei geral, no uso das políticas de

concorrência para contrariar o estabelecimento de normas de enquadramento da

prestação de trabalho em sede de contratação colectiva e a re-regulamentação no

sentido restritivo da intervenção sindical e do direito à greve.

Mantendo o compromisso com a flexibilidade do mercado de trabalho o governo

trabalhista eleito em 1997 não inverteu propriamente o sentido das reformas

estruturais de Tatcher mas desacelerou-as, introduzindo elementos que são alheios

à lógica neo-liberal, como o salário mínimo, provisões para a protecção individual

do emprego e sobretudo medidas na área da educação e formação, assim como

políticas de activação dos jovens e desempregados de longa duração.

Actualmente as taxas desemprego no Reino Unido são também das mais baixas da

OCDE. Além disso ao longo do período das “reformas estruturais” tornaram-se

também das mais voláteis (Deakin e Reed, 2000): a taxa de desemprego oscilou de

6.4% em 1980 para 12.4% em 1983, descendo para 6.8% em 1990 para subir de

novo para 10% em 1993 e voltar a descer para 4.6% em 1999. A taxa de emprego

em 2003 era das mais elevadas da OCDE.

3 2003 (OCDE, 2004a)

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 30

França

Nos estudos comparativos, a França é habitualmente incluída no cluster designado

“modelo de welfare continental ou corporativo”, caracterizado pela influencia do

modelo bismarkeano que enfatizava a estabilidade da relação de trabalho e a

segurança social para a família na pessoa do “pai de família”, deixando o cuidado

das crianças, dos idosos e dos doentes para as mães as esposas e as filhas (Esping-

Andersen, 1990) e pela ligação da protecção ao estatuto profissional, com

esquemas universalistas subsidiários.

O caso francês é paradigmático da resistência e da relutância na adopção das

reformas estruturais “desregulamentadoras”. No entanto, não estando imune às

pressões da envolvente externa, também a França está a experimentar desde os

anos 80 uma reconfiguração institucional no sentido da flexibilização do mercado de

trabalho. Apesar disso o processo tem sido marcada por sucessivos avanços e

recuos e a imagem prevalecente do caso francês é a de uma “desregulação que

nunca existiu” (Malo et al., 2000).

No plano da legislação de protecção do emprego ao longo da década de 1980 foram

removidos obstáculos ao despedimento colectivo e facilitado o recurso a contratos

temporários e em part-time, mas na década de 90, quando se tornou manifesta a

tendência para substituir os trabalhadores despedidos por trabalhadores

temporários, foram introduzidos novos requisitos para o despedimento colectivo,

particularmente nas grandes empresas. No entanto, a facilidade de recurso a

formas atípicas de trabalho manteve-se, enquanto elemento flexibilizante.

O sistema de negociação colectiva, tradicionalmente fraco em França, não

conheceu nenhuma mudança fundamental. No entanto, a negociação ao nível da

empresa, tornada obrigatória por lei, contribuiu, de facto, para descentralizar um

sistema anteriormente baseado na negociação sectorial. Ao mesmo tempo verifica-

se uma tendência para a individualização da determinação dos salários, com um

número crescente de trabalhadores a receber remunerações “extra” dependentes

das “competências” demonstradas e dos “desempenhos”.

As alterações respeitantes à gestão do tempo de trabalho são as que mais

evidentemente respondiam aos propósitos de flexibilização defendidos pelas

empresas. A partir de 1993 passou a ser legalmente possível recorrer a contagens

de tempo de trabalho anualizadas. Embora a aplicação da lei estivesse condicionada

pelos resultados da negociação entre parceiros sociais em sede de contratação

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 31

colectiva a “flexibilidade horária” parece ter vindo a aumentar em França nos anos

mais recentes (Malo et al., 2000).

Em consequência das crescentes pressões financeiras o sistema de seguro de

desemprego foi também reformado no sentido do reforço das condições de

elegibilidade, da redução da extensão dos benefícios.

A França conheceu ao longo da década de 1990 uma taxa de desemprego elevada e

crescente. Em 2003, esta situava-se próxima dos 10%, acima da média da OCDE,

enquanto que a taxa de emprego se encontrava abaixo da média.

A diversidade dos processos de adaptação

A imagem que emerge dos estudos comparativos sobre os diversos processos de

adaptação é sinteticamente apresentada em Scharpf (2000). Países como o Reino

Unido (e também a Nova Zelândia), com as características estruturais do welfare

anglo-saxónico que experimentaram reformas estruturais de inspiração neo-liberal,

vendo o seu estado “emagrecer” e a sua esfera privada de produção de bens e

serviços de interesse geral “engordar”, parecem ter obtido resultados positivos no

plano da redução do desemprego. Enfrentam hoje desafios decorrentes do aumento

das desigualdades e da pobreza e procuram enfrentá-los mediante investimentos

na educação e na formação. Por outro lado, os países nórdicos, que se limitaram a

recalibrar os seus sistemas de emprego e welfare, parecem ter obtido resultados

igualmente positivos no plano do emprego. No entanto, embora o apoio político à

combinação de uma carga fiscal elevada com serviços públicos desenvolvidos

pareça não estar em causa, há uma tensão crescente entre a fidelidade ao

compromisso normativo com os valores de igualdade e a maior diferenciação das

condições de trabalho em função da qualificação.

Entre estes dois extremos os países de welfare continental como a França (ou a

Alemanha) estão a braços com sérios problemas de emprego e face a escolhas que

se apresentam como dilacerantes.

O quadro geral parece assim corroborar a análise das variedades de capitalismo

segundo a qual estamos a assistir a uma bifurcação nos regimes de welfare e

emprego: ao aprofundamento das relações mercantis no modelo liberal e a uma

deslocação limitada neste sentido no modelo coordenado. Em que medida o mau

desempenho da variedade “continental” de “modelo coordenado” se fica a dever à

relutância em adoptar um padrão de reformas “liberalizantes”, à incapacidade de

recalibrar o modelo com inovações institucionais ou de outras causas, é objecto de

intensa polémica.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 32

A variedade dos processos de adaptação, inclusive dos processos de adaptação

bem sucedidos nos planos da competitividade e do emprego, favorece a ideia de

que a adaptabilidade não é uma via de sentido único para a “desregulamentação”.

As estratégias de emprego em retrospectiva

A uma distância de dez anos é já possível avaliar as estratégias de emprego dos

anos 90 à luz dos resultados obtidos e isso é efectivamente o que tem vindo a ser

feito por vários investigadores e por parte da própria OCDE.

A primeira constatação é a de que os resultados da estratégia ficaram muito aquém

das promessas – as taxas de desemprego mantêm-se altas em média na UE. Uma

possível resposta a esta constatação é que a execução das estratégias não foi

apropriada. Verifica-se, no entanto, que há países que conseguiram obter alguns

resultados positivos sem seguir à letra as recomendações prescritas e outros que

não obtiveram qualquer resultado positivo apesar da adopção das reformas

recomendadas, e há ainda países que tendo realizado estas reformas conseguiram

efectivamente reduzir o desemprego. A inexistência de qualquer relação entre

resultados obtidos e grau de profundidade das reformas pode levar a questionar

não a boa ou má execução das recomendações mas os próprios fundamentos em

que assentaram as estratégias.

A relação rigidez – desemprego em questão

As estratégias de emprego baseiam-se essencialmente no pressuposto de uma

relação entre níveis de desemprego e rigidez do mercado de trabalho, evidenciado

pelo contraste entre uma América flexível e com baixo desemprego a uma Europa

esclerosada e com altos níveis de desemprego. Com base em abundante

investigação empírica, Esping-Andersen (2000) escrutina este pressuposto. Começa

por constatar que dada a variedade das situações na Europa, o confronto Europa-

América é desprovido de fundamento – “perto de um terço da população europeia

vive em ambientes com menos desemprego do que a América” (pág. 67). Além

disso a relação regulamentação-desemprego é no mínimo simplista – “algumas

economias supostamente regulamentadas têm bom desempenho, e vice-versa,

algumas supostamente desregulamentadas menos bom” (pág. 68), sobretudo não

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 33

existe evidência estatística concludente que permita relacionar regulamentação4 e

volume do desemprego – “não existe simplesmente qualquer relação consistente ou

convincente entre protecção do emprego e desemprego”. No entanto, segundo

Esping-Andersen parece existir alguma relação entre a regulamentação e os fluxos

de entrada e saída no emprego e portanto a composição do desemprego,

originando um problema específico para os jovens e os menos qualificados.

Uma investigação mais recente (Baker et al., 2004) conclui, por outro lado (pág.

54), “não existir (...) relação óbvia entre os padrões de desregulamentação ao

longo dos anos 90 e as tendências das taxas de desemprego”.

Estes estudos empíricos sugerem efectivamente que a relação simplista

regulamentação-desemprego carece de fundamento empírico.

Outros diagnósticos do desemprego

Diversos estudos recentes de orientação pós-keynesiana (de que Stockhammer,

2004, é um exemplo) sugerem que se procurem as causas do desemprego noutros

quadrantes, nomeadamente nalguns aspectos da transformação estrutural da

economia mundial verificada nas últimas duas décadas, em particular a

liberalização dos fluxos de capitais e o crescimento exponencial dos mercados

financeiros.

A perspectiva keynesiana relaciona crescimento do emprego com crescimento da

procura e crescimento da procura com acumulação de capital.

A quebra, efectivamente verificada, na taxa de acumulação de capital explicaria, de

acordo com esta visão, a incapacidade de criar emprego na Europa e portanto as

elevadas taxas de desemprego. A quebra da taxa de acumulação por sua vez seria

explicada pela financiarização da economia.

As transformações no sector financeiro foram estimuladas não só pelas inovações

tecnológicas que permitem comunicar e processar informação a baixo custo, como

pelas decisões políticas que culminaram na liberalização dos fluxos internacionais

de capitais e dos sistemas financeiros nacionais. Estas liberalizações levaram ao

florescimento de novas instituições financeiras, fundos de todos os tipos, e à

proliferação de novos produtos.

Os efeitos destas transformações são múltiplos. Em primeiro lugar a distribuição de

rendimento mudou radicalmente em benefício do rentismo (rendimentos de juros,

4 Entendendo a “regulamentação” como: (a) garantias de rendimento proporcionadas pelo sistema de welfare; (b) praticas de fixação de salários (salário mínimo e diferenciais salariais); (c) limitações à liberdade de despedir e contratar.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 34

dividendos e ganhos de capital) e em prejuízo do trabalho. Em segundo lugar, em

muitos países, sistemas de financiamento baseados na banca transformaram-se em

sistemas baseados nos mercados financeiros. As empresas passaram não só a

depender mais dos mercados financeiros para o financiamento do seu investimento

como passaram elas próprias a fazer correntemente aplicações financeiras. Em

terceiro lugar, emergiu um mercado de corporate governance com frequentes

takeovers hostis, fusões e aquisições.

A reemergência das crises financeiras, com o consequente contágio da economia

real activado pelo efeito no consumo da perda de riqueza, ilustra uma das

consequências macroeconómicas desta cadeia de transformações. A ênfase no valor

dos activos na gestão corrente das empresas ilustra a outra, porventura a

fundamental, para explicar a quebra da taxa de acumulação.

Em empresas fortemente dependentes dos mercados financeiros em consequência

das suas necessidades de financiamento e de resistência a takeovers hostis e

mesmo da importância que as suas aplicações financeiras passaram a assumir, a

margem de autonomia da gestão relativamente ao capital accionista foi

substancialmente reduzida. Incentivos à gestão baseados no desempenho bolsista

culminaram o processo de realinhamento dos objectivos da empresa, fazendo

prevalecer a posição dos accionistas sobre a dos restantes stakeholders. As

empresas (e os gestores) deixaram de definir a sua identidade em função dos seus

produtos ou dos seus serviços, tornando-se apenas em centros (agentes) de

produção de lucro cujo desempenho (e mérito) deve ser medido como tal.

Em consequência, o enviesamento nos objectivos da empresa a favor do

crescimento e da acumulação de capital, em detrimento dos dividendos

distribuídos, que anteriormente existia, foi substituído por um enviesamento a favor

dos dividendos e do valor bolsista, em detrimento agora do crescimento e da

acumulação.

Esta explicação pós-keynesiana, como a que se baseia exclusivamente na rigidez

do mercado de trabalho, é uma explicação mono-causal, podendo por isso não

abarcar o problema em toda a sua complexidade. No entanto, ela modifica

integralmente o ângulo de análise do problema e deve ser considerada.

A reavaliação da Job Strategy pela OCDE

O ângulo de análise do problema do desemprego europeu parece efectivamente

estar a deslocar-se.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 35

Em 2003 a OCDE iniciou um processo de reavaliação da Job Strategy cujos

primeiros resultados foram recentemente publicados (OCDE, 2004a). A análise, até

agora, incide em particular na avaliação das seguintes recomendações das

estratégias dos anos 90: (a) aumento da flexibilidade do tempo de trabalho; (b)

reforma das disposições de protecção do emprego; (c) aumento da flexibilidade dos

salários e dos custos do trabalho; (d) melhoria das qualificações e competências

dos trabalhadores. A questão do emprego informal (e), subestimada nas

estratégias dos anos 90, e de grande relevância para países como Portugal, é agora

abordada pela OCDE

(a) Aumento da flexibilidade do tempo de trabalho

A OCDE parte da constatação de que nos dez anos decorridos após a adopção da JS

a ênfase se deslocou da flexibilização na contagem do tempo de trabalho para a

importância do numero médio de horas trabalhadas.

A questão foi suscitada por investigação que mostra que a vantagem dos EUA em

termos de PIB per capita relativamente às economias mais avançadas da UE é

determinada pelo diferencial positivo nas horas totais trabalhadas per capita e não

por um maior produto por hora trabalhada. Os estudos sugerem que o aumento do

tempo de trabalho se tornou num factor determinante dos diferenciais de

crescimento na área da OCDE.

O aumento do tempo de trabalho, considera o relatório da OCDE, pode ser

encarado de duas perspectivas distintas: (a) uma centrada nas suas vantagens em

termos de produto e rendimento; (b) outra baseada no receio de que a cultura dos

“horários longos” esteja a minar o equilíbrio trabalho-vida dos trabalhadores, com

prejuízo graves para a vida familiar, sobretudo quando combinada com horários de

trabalho flexíveis ditados pela lógica do “just-in-time”.

“Enquanto as discussões sobre políticas orientadas para a melhoria de desempenho

do crescimento económico têm tendido a adoptar a primeira perspectiva, as

discussões sobre políticas de emprego e regulamentação do mercado de trabalho

tipicamente enfatizam a segunda” (pág. 48). As duas perspectivas, afirma a OCDE,

são complementares. Quer do ponto de vista do crescimento, quer do ponto de

vista do combate ao desemprego, o aumento da taxa de emprego apresenta-se

como uma pré-condição do sucesso. No entanto, o aumento da taxa de emprego,

quando resulta do crescimento do trabalho a tempo parcial, pode traduzir-se numa

diminuição do número médio de horas trabalhadas. Por outro lado, o alongamento

dos horários do trabalho pode levar à redução da taxa de emprego já que pode

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 36

originar uma retracção da procura de emprego por parte de alguns indivíduos em

idade activa, em consequência do aumento do custo de oportunidade do tempo de

trabalho. A reconciliação, adianta a OCDE, passaria pela flexibilidade dos horários

de trabalho. No entanto, constata a OCDE, “é evidente que os tipos de flexibilidade

dos horários de trabalho que reduzem os conflitos trabalho – vida familiar, só em

parte se sobrepõem aos tipos de flexibilidade procurados pelos empregadores”

(pág. 50).

(b) Reforma das disposições de protecção do emprego

A OCDE parte neste ponto da constatação de que “a maior parte dos estudos

disponíveis encararam a protecção do emprego como um custo do trabalho

adicional para as empresas e estudaram os efeitos deste custo no emprego e no

desemprego, deixando de lado dois aspectos importantes e interrelacionados: (i) a

razão de ser da existência da protecção do emprego; e (ii) as suas consequências

em termos de bem-estar.” (pág. 62). Ao mesmo tempo assinala o surgimento de

novas abordagens em que a protecção do emprego é encarada como um

instrumento de política “capaz de resolver certas imperfeições do mercado, com

implicações potencialmente positivas em termos de bem-estar” e a evolução das

recomendações de política “no sentido de uma visão mais equilibrada do dilema

que opõe a necessidade de flexibilidade expressa pelas empresas à importância de

proteger os trabalhadores contra os riscos do mercado de trabalho” (pág. 62).

Estes desenvolvimentos recentes, lê-se no relatório, justificam uma reanálise da

questão da legislação de protecção do emprego (LPE) e uma revisão da JS neste

ponto.

As principais conclusões da reanálise empreendida são as seguintes:

o Nos últimos 15 anos verificou-se um processo de convergência na OCDE

que se traduziu num relaxamento da regulamentação nos países em que

era relativamente estrita; na maior parte dos casos as reformas facilitaram

o recurso a formas de emprego temporário sem alterar as provisões

relativas aos contratos regulares ou permanentes.

o A LPE dá origem a dois efeitos opostos: reduz o fluxo de entrada no

desemprego e ao mesmo tempo dificulta o acesso ao emprego por parte

dos que procuram emprego; o efeito líquido da LPE no desemprego

agregado é a priori ambíguo (“os numerosos estudos empíricos sobre esta

questão conduzem a resultados contraditórios, e além disso a sua robustez

tem sido posta em causa”, pág. 63).

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 37

o Facilitar o recurso ao trabalho temporário, sem modificar a LPE quanto ao

emprego regular pode agravar a dualidade do mercado de trabalho,

afectando a progressão na carreira de trabalhadores que caem na

armadilha das formas temporárias de trabalho que tipicamente se

caracterizam por uma falta de aderência ao posto de trabalho e

oportunidades limitadas de acumulação e actualização do capital humano.

o A LPE pode estimular relações de emprego de longo-prazo, promovendo

deste modo o esforço dos trabalhadores, a cooperação e a disposição para

a formação, o que é positivo para o emprego agregado e a eficiência

económica. Além disso, um nível “razoável” de protecção do emprego, “ao

promover a responsabilidade social das empresas face ao ajustamento a

circunstâncias económicas desfavoráveis pode traduzir-se num

melhoramento do bem-estar” (pág. 63).

O relatório da OCDE advoga a necessidade de “uma abordagem equilibrada” à

questão da LPE que: 1) reconcilie as recomendações no sentido de uma protecção

menos estrita, com incentivos que levem as empresas a internalizar o custo social

das suas decisões de despedimento; 2) assegure a coerência entre as várias

dimensões da segurança no mercado de trabalho (estabilidade no emprego,

oportunidade de encontrar rapidamente um novo emprego após períodos de

desemprego ou inactividade, segurança de rendimento).

A OCDE sublinha as complementaridades entre regimes de LPE, seguro de

desemprego e políticas activas de emprego. Constata a existência de múltiplas

combinações possíveis: “Alguns países parecem ter tido sucesso na redução das

taxas de desemprego, mantendo um elevado rácio emprego-população através do

uso combinado destes instrumentos. Outros parecem ter também melhorado o

desempenho do mercado de trabalho reduzindo em simultâneo a LPE e os

benefícios de desemprego, com recurso limitado a políticas activas de emprego”

(pág. 99).

(c) Aumento da flexibilidade dos salários e dos custos do trabalho

A JS assumia que as instituições que enquadram a determinação dos salários, ao

restringir o livre jogo das forças de mercado, eram parcialmente responsáveis pela

deterioração da situação do emprego e recomendava reformas tendentes à

contenção dos custos salariais e à adaptação dos níveis salariais às diferenças de

produtividade e condições locais.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 38

Passados cinco anos, a OCDE havia constatado num relatório de avaliação da JS

que esta era uma das áreas em que muitos governos dos estados membros haviam

dado mostras de uma maior relutância em implementar as recomendações da

organização.

Passados dez anos, a OCDE considera agora que esta relutância reflecte

preocupações de equidade e coesão social que merecem atenção: “Em todos os

países da OCDE, uma maior dispersão salarial está associada com uma maior

incidência do emprego fracamente remunerado e uma maior persistência das

baixas remunerações. Além disso, há uma associação forte entre emprego

fracamente remunerado e incidência da pobreza na população em idade activa,

embora a relação entre desemprego e pobreza seja ainda mais forte.”

Independentemente da relutância e das preocupações de muitos governos,

constata a OCDE, as instituições que enquadram a determinação dos salários,

assim como o nível e a dispersão dos salários sofreram efectivamente

transformações profundas nestes dez anos:

o Na maior parte dos países da OCDE tem-se verificado desde a década de

1970 uma tendência para a moderação salarial com reflexo na

desaceleração do crescimento dos salários nominais e na diminuição da

parte dos salários no rendimento gerado no sector privado.

o Verificou-se uma tendência global para o aumento da dispersão dos

salários.

o Na maior parte dos países densidade sindical declinou (à excepção da

Bélgica, Dinamarca, Finlândia e Suécia), embora o grau de cobertura dos

contratos colectivos se tenha mantido relativamente estável.

Discutindo o fundamento das recomendações da JS, a OCDE aponta para a

necessidade de aprofundamento da investigação e conclui apenas que:

o A associação de níveis salariais elevados e da fraca dispersão dos salários a

maus desempenhos do mercado de trabalho continua a ser plausível,

embora “a evidência seja de certo modo frágil”.

o “(...) A grande dificuldade encontrada pelos investigadores que tentam

identificar associações robustas entre diferenças na organização da

negociação e diferenças no desempenho macroeconómico sugere que

formas organizacionais muito distintas podem ser capazes de desempenhos

semelhantes”.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 39

o A única relação robusta entre organização da negociação colectiva e os

resultados do mercado de trabalho é a que aponta para uma redução da

dispersão dos rendimentos com o aumento da densidade sindical, da

cobertura dos contratos colectivos e do grau de centralização/coordenação

da negociação, sugerindo que os efeitos das reformas no plano da equidade

devem ser considerados com cuidado.

(d) Melhoria das qualificações e competências dos trabalhadores.

A importância conferida na JS ao aumento das qualificações dos trabalhadores em

resposta aos desafios da mudança tecnológica, das transformações estruturais da

economia mundial e do envelhecimento populacional é inteiramente corroborada na

reavaliação da OCDE. O relatório aponta mesmo para um aumento da importância

da educação e da formação num contexto em que a intensificação da concorrência

agrava o risco de obsolescência das qualificações.

O relatório informa que a investigação levada a cabo a partir de comparações inter-

países permite concluir que existe uma forte correlação entre taxas de emprego,

por um lado, e, quer educação inicial, quer formação de adultos, por outro. Esta

correlação não existe, no entanto, no que diz respeito à relação entre formação e

taxas de desemprego.

Ao nível individual a associação entre trajectórias de formação e emprego é forte. O

tempo de formação aumenta significativamente a probabilidade de estar

empregado e reduz significativamente a probabilidade de desemprego, embora o

impacto da formação nos desempregados não seja claro.

(e) Emprego informal

Suscitando uma questão inteiramente ignorada quer na JS quer na EEE, afirma o

relatório da OCDE: “Para um conjunto de países de rendimento intermédio

membros da OCDE, o emprego informal [isto é, o emprego que se exime aos

impostos, contribuições para a segurança social e outra regulamentação] e as suas

consequências são problemas do mercado de trabalho mais importantes do que o

desemprego em si mesmo”.

Dada a relevância da questão no que diz respeito ao caso português, vale a pena

atentar em alguns dos principais resultados e recomendações do estudo da OCDE:

o O emprego informal na OCDE, segundo estimativas pouco fiáveis, varia

entre um mínimo de 5% e um máximo de 30%.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 40

o O emprego informal assume formas muito diversificadas: (a) relações de

emprego dependente disfarçadas de prestações de serviços; (b)

subcontratação em cadeia ocultando a relação entre o empregador principal

e o empregado; (c) trabalho de imigrantes ilegais; (d) combinação de

emprego formal e informal no interior de pequenas ou médias empresas

formais; (e) actividade de indivíduos que são beneficiários de subsídio de

desemprego; (f) sub-declaração de rendimentos do trabalho.

o O emprego informal tem como consequências: (a) altas taxas de imposto

combinados com baixas receitas públicas; (b) ineficácia dos sistemas de

protecção social; (c) concorrência desleal e incentivos para actividades

pouco produtivas; (d) ineficiência na produção da economia informal; (e)

facilitação da imigração ilegal. Em geral, assinala a OCDE, “o emprego

informal pode bloquear a economia num baixo nível de desenvolvimento”.

o Qualquer estratégia orientada para a redução do emprego informal deve

incluir questões de governação como o estabelecimento de um

enquadramento legal adequado para as transacções na economia formal,

remuneração adequada dos funcionários públicos e melhoria da capacidade

administrativa do estado, em particular das autoridades fiscais.

o Embora a responsabilidade do emprego informal seja normalmente

atribuída a regulamentação excessivamente estrita, é preciso não perder de

vista que as autoridades fiscais não dispõem por vezes de outros meios

senão o enquadramento regulamentar para sustentar a colecta fiscal (o que

pode ajudar a explicar por que razão nos países de rendimento intermédio

existe uma combinação de regulamentação estrita e altos níveis de

emprego informal). Sendo certo que em certos casos pode ser necessário

desregulamentar, em geral o que se justifica é “uma regulamentação de

melhor qualidade que promova eficazmente a colecta fiscal e outros

objectivos, mas com custos de cumprimento reduzidos”.

o As autoridades fiscais devem procurar criar incentivos à declaração dos

custos salariais por parte das pequenas empresas taxando os lucros reais e

não os lucros estimados de forma presuntiva.

o As políticas devem procurar uma transição gradual, de longo-prazo, para a

economia formal reforçando simultaneamente as sanções e relaxando a

“má” regulamentação e a burocracia.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 41

o Programas de apoio social bem geridos podem contribuir para o combate à

informalidade: “por exemplo, o pagamento de subsídios de desemprego

adequados, combinado com um combate eficaz à fraude, pode reduzir a

incidência do trabalho informal mal remunerado”.

Conclusão

A atribuição do desemprego à rigidez do mercado de trabalho, isto é, às instituições

que ao longo do século XX, e em particular depois da segunda guerra mundial,

garantiram a viabilidade social do capitalismo, estando longe de ser uma ideia

recente, esteve silenciada até à década de 1970, enquanto o Welfare State foi

capaz de realizar as promessas de segurança e de pleno em emprego que o

legitimavam.

No entanto, posteriormente, a ideia foi reintroduzida, primeiro nos círculos

académicos (flexibilidade) e, nos anos 90, sob a designação de “adaptabilidade”,

nas estratégias de emprego da OCDE e da UE, assim como nos programas de

reforma estrutural implementados um pouco por todo o lado.

A adaptabilidade é normalmente apresentada como um imperativo face a uma

ordem económica internacional que é normalmente tomada como um dado. “A

globalização”, entendida como processo de intensificação da concorrência

internacional e sobretudo de remoção das barreiras ao livre movimento de capitais,

não é evidentemente um fenómeno natural ou um processo espontâneo. A

“globalização” foi construída. E da mesma forma que o foi, a possibilidade e a

necessidade de a condicionar mediante intervenções concertadas dos estados

nacionais, existe e merece ser discutida. A verdade, no entanto, é que para os

indivíduos, as organizações cívicas e políticas confinadas aos espaços nacionais e

para os estados nacionais individualmente considerados, a capacidade de

intervenção a este nível é mais do que muito limitada.

As respostas às pressões exógenas da “globalização” podem variar e efectivamente

variam – quer em teoria quer na prática existe mais do que uma “adaptabilidade” e

entre as várias adaptabilidades existentes mais do que uma delas é

economicamente viável. A adaptabilidade varia no espaço geográfico e institucional,

como os estudos comparativos demonstram, e varia também no tempo como a

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 42

reconsideração equilibrada e ideologicamente desapaixonada da Job Strategy da

OCDE pela própria OCDE sugere.

Esta constatação sugere, em geral, que mesmo num quadro que admite a

“globalização” como um dado, existe espaço para escolhas. No entanto, a

possibilidade de escolha é sempre condicionada pelas capacidades do sujeito da

escolha. Como os estudos comparativos demonstram a vulnerabilidade às

mudanças na envolvente internacional e a capacidade de resposta estratégica de

cada país dependem fortemente das estruturas produtivas e institucionais pré-

existentes. As respostas estratégicas, como não podia deixar de ser, têm de ser

concebidas tendo em conta as especificidades institucionais nacionais e as

capacidades dos agentes locais.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 43

Portugal: características e complementaridades institucionais A caracterização do caso português ensaiada neste capítulo engloba os domínios

institucionais identificados na introdução. A análise envolve comparações com cinco

países que representam tipos distintos de configurações institucionais: a Alemanha

e a França (modelo coordenado de economia de mercado, dominante na Europa

Continental); a Suécia, (variante social-democrata do modelo coordenado,

correspondente aos países escandinavos); a Irlanda e os Estados Unidos (modelo

liberal anglo-saxónico); e, finalmente, a Espanha (país do Sul da Europa, como

Portugal, de nível de desenvolvimento intermédio, mas com uma escala e uma

dinâmica muito diferenciada da nossa)1. O capítulo conclui com uma síntese das

principais complementaridades institucionais e uma identificação dos elementos de

bloqueio estrutural que, numa óptica de actuação política, constituem aspectos

críticos.

Estrutura Produtiva e Especialização

No decurso das últimas décadas, assistiu-se a uma transformação em vários planos

nas economias avançadas: expansão absoluta e relativa dos serviços – ou

terciarização –, tanto no que se refere ao produto como no que se refere ao

emprego; expansão dos sectores industriais de alta tecnologia e dos serviços

intensivos em conhecimento; aumento da exposição ao exterior, mediante o

incremento das trocas de bens, serviços e capitais; e aumento do investimento,

quer em TIC quer em conhecimento, com o eventual declínio da taxa de

investimento material.

O quadro 2.1 revela que, entre 1993 e 2003, o gap da UE face aos EUA se manteve

ou foi agravado no tocante à produtividade e que a Espanha e a Irlanda tiveram um

1 Ver Hall e Soskice, 2001 e Esping-Andersen, 1990.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 44

notável desempenho. Entretanto, apesar do razoável progresso de Portugal quanto

à produtividade, o fosso manteve-se.

Quadro 2.1

PIB per capita e PIB por pessoa empregada (em PPS) (1993 e 2003, UE25=100)

PIB por habitante

(UE25=100)

PIB por pessoa empregada (UE15=100 em 1993; UE25=100

em 2003)

1995 2003 1993 2003

Alemanha 119.4 108.1 98.5 100.9

Espanha 87.5 97.8** 95.8 103.9

França 115.2 111.0 115.4 118.7**

Irlanda 99.1 132.5 101.4* 127.2**

Portugal 73.1 74.7 56.0* 67.5**

Suécia 118.2 115.2** 92.8 103.0**

UE15 110.7 109.2** 100 106.8**

EUA 153.4 154.0 123.7 139.0

Nota: * Estimado ** Previsão Fonte: Eurostat, Indicadores estruturais, 29 de Abril 2005.

A disparidade entre o PIB per capita e a produtividade indica uma mobilização de

emprego muito diferenciada, o que se pode constatar no quadro 2.2. Neste é visível

uma aparente convergência das taxas de emprego entre países. Portugal apresenta

uma taxa superior à da UE, e quase 10 pp. acima da Espanha.

Quadro 2.2 Taxa de emprego e desemprego (1993 e 2003)

Taxa de emprego

Taxa de emprego feminina

Taxa de desemprego

1993 2003 1993 2003 1993 2003

Alemanha 65.1 65.1 55.1 59.1 7.7 9.0

Espanha 46.6 59.7 30.7 46.0 18.6 11.3

França 59.3 63.2 51.5 57.2 11.1 9.5

Irlanda 51.7 65.4 38.5 55.8 15.6 4.6

Portugal 65.1 68.1 55.0 61.4 5.6 6.3

Suécia 71.3 72.9 69.7 71.5 9.1 5.6

UE15 60.1 64.4 49.2 56.1 10.0 7.9

UE25 - 63.3 - 55.1 - 8.9

EUA 71.2 71.2 64.0 65.7 6.8 6.0

Fonte: Eurostat, Indicadores estruturais, 29 de Abril 2005.

Uma análise mais completa tem forçosamente de incluir a produtividade horária. A

leitura do quadro 2.3 permite identificar uma especificidade portuguesa, apenas

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 45

comparável à da Grécia, quer no tocante ao PIB per capita, quer, sobretudo, no

tocante ao baixíssimo nível da produtividade horária que “explica” praticamente

todo o desvio em relação aos países mais avançados.

Quadro 2.3 Decomposição do gap do PIB per capita dos países da UE face aos EUA

(2002) Componentes

Gap no PIB per capita em pontos

percentuais

População em idade

activa

Taxa de emprego

Horas trabalhadas

Produtividade por hora

Alemanha -27 1 -8 -13 -7

Espanha -40 2 -18 6 -29

França -26 -2 -18 -9 2

Irlanda -13 1 -14 0 -1

Portugal -51 1 -4 1 -49

Suécia -28 -2 -2 -5 -19

UE15 -29 0 -12 -4 -13

Fonte: CE (2003b): 40.

O diferencial de produtividade parece resultar sobretudo da diferente especialização

do país, ou seja, da diferente composição da sua economia, com a preponderância

dos sectores tradicionais, onde a produtividade média é mais baixa. A análise das

exportações (quadro 2.4) revela que, apesar dos assinaláveis progressos na fileira

automóvel, de média-alta tecnologia, a especialização portuguesa exibe um

contraste gritante com a maioria dos países da OCDE. Em 2001, as indústrias de

alta tecnologia representavam apenas 11% das exportações industriais

portuguesas, contra 24% na UE e 38% nos EUA. Em conjunto, a alta e a média-alta

tecnologia pesavam 43% nas exportações, contra 64% na UE e 75% nos EUA.

Mesmo a comparação directa com a Espanha é-nos bastante desfavorável.

Contudo, o factor eficiência parece ser igualmente importante para dar conta da

distância entre o nosso país e os restantes no que toca à produtividade. O baixo

nível de eficiência e o tipo de produtos e mercados onde se posicionam (fraco valor

acrescentado, gama baixa ou média, não diferenciação do produto, deficiente

posicionamento na cadeia produtiva global) parecem ser factores que não estão

circunscritos a alguns sectores específicos.

Deste modo, estamos perante um sério problema de capacidade de criação de

riqueza em Portugal, irredutível “à culpa dos sectores tradicionais”. A retracção

forçada desses sectores, que está em curso acelerado mediante um movimento

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 46

intenso de deslocalizações, mas também de falências e de “emagrecimento” de

empresas domésticas, não é susceptível de ter um efeito a prazo muito relevante

em termos de produtividade global, como parece ter tido no caso espanhol nos

anos 80-90, com os conhecidos custos sociais em termos de um desemprego

elevadíssimo.

Quadro 2.4 Estrutura das exportações (1992 e 2001)

Indústrias de alta

tecnologia

Indústrias de

média-alta

tecnologia

Indústrias de

média-baixa

tecnologia

Indústrias de baixa

tecnologia

1992 2001 1992 2001 1992 2001 1992 2001

Alemanha 14,7 20,6 52,3 51,1 15,9 14,6 17,0 13,7

Espanha 9,3 10,2 46,9 46,8 21,9 19,2 22,0 23,8

França 18,3 25,4 40,2 39,8 17,0 14,7 24,4 19,7

Irlanda 32,7 58,2 21,7 23,9 7,4 3,0 38,2 15,0

Portugal 6,3 11,2 20,9 31,6 13,2 13,3 59,6 43,8

Suécia 17,6 23,5 36,1 36,3 19,5 17,4 26,9 22,8

UE15 15,5 23,5 41,1 40,2 17,7 15,3 25,7 20,8

EUA 32,4 37,9 39,1 37,1 11,1 10,6 17,3 14,3

Nota: Parte nas exportações industriais totais. Para cada país e ano, o total em linha é igual a 100. Fonte: OCDE, OECD Science, Technology and Industry Scoreboard 2003, pp. 193-194.

Em síntese, embora Portugal seja pouco dotado em indústrias e sectores de alta

tecnologia, fortemente criadores de riqueza e posicionados em mercados em

expansão, o caso português não se pode resumir à existência de uma má

especialização. Para além desta, é necessário ter em consideração outros factores:

a esmagadora hegemonia da pequena escala a par da fraquíssima presença de

empresas com alguma dimensão, não só na indústria, mas também nos serviços; o

posicionamento em produtos de gama baixa/média, pouco susceptíveis de se

valorizarem nos mercados; a fraca capacidade de gestão e a quase inexistência de

gestão profissional na maioria das empresas nacionais2; a escassa presença de

técnicos altamente qualificados para o exercício de muitas profissões e de quadros

médios, tendencialmente portadores de habilitações superiores; o baixo nível de

preparação escolar e técnica dos donos/gestores; o fraco interesse por promover

formação profissional, etc.

2 Em 1997, 78% das empresas industriais, com 10 ou mais trabalhadores, eram geridas pelos seus proprietários em exclusividade, isto é, sem apoio de gestores contratados (Salavisa, 2000: 64-66). Segundo a mesma fonte, metade das empresas referidas não tinha nenhum licenciado ao serviço.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 47

A pequena dimensão da esmagadora maioria das empresas nacionais e, sobretudo,

o escassíssimo número de empresas com alguma dimensão é certamente um

problema sério. Das quase 289 mil empresas recenseadas em 2002 (Quadros de

Pessoal, 2005), no Continente, apenas 300 tinham mais de 500 trabalhadores e

apenas 2.681 tinham mais de 100. O número de micro-empresas, com menos de

10 efectivos, era ligeiramente superior a 240 mil. É errado falar de um país de PME,

quando se trata, afinal, de um país de pequenas e muito pequenas empresas.

Quadro 2.5

Número de empresas, por actividade, segundo a dimensão

Escalões de dimensão (efectivos) 1 – 9 10 – 49 50 - 99 100-249 250-499 500 e + TOTAL

Actividades (CAE - REV.2)

Total 241.141 41.104 3.752 1.886 495 300 288.678

Do qual:

D Ind. Transformadoras 30.229 12.285 1.585 851 214 103 45.267

F Construção 36.275 7.654 425 175 45 18 44.592

G Comércio e reparação 77.835 9.038 582 239 53 33 87.780

H Alojamento e restauração 28.879 2.820 157 58 19 12 31.945

I Transportes, armaz. e comunicações 10.443 1.365 139 72 28 26 12.073

I 60/63 Transportes e armazenagem 10.311 1.322 133 66 23 18 11.873

I 64 Correios e Telecomunicações 132 43 6 6 5 8 200

J Actividades Financeiras 1.392 260 55 34 13 19 1.773

K Actividades imobiliárias, alugueres e serviços às empresas, dos quais: 24.870 2.493 246 194 67 54 27.924

K74 Outros serviços às empresas 16.710 1.818 185 149 60 51 18.973 Fonte: MTSS, DGEEP, Quadros de Pessoal, 2005.

Esta realidade indica que as empresas não têm, em geral, massa crítica suficiente

para assegurarem funções e competências essenciais nas áreas da abordagem ao

mercado, da organização e planeamento, da formação, da inovação, da qualidade,

etc., e que só a procura de soluções externas, das parcerias à inserção em redes ou

pólos, e à ligação com carácter regular a instituições de apoio (centros

tecnológicos, centros de formação, empresas de serviços avançados às empresas,

etc.), pode representar um início de solução para as suas muito graves deficiências.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 48

O Sistema de I&D e a Inovação em Portugal

A partir dos anos 90, o incipiente sistema de I&D português, beneficiando de

financiamento comunitário, e por virtude de uma forte aposta política, abandona o

estado letárgico e enceta uma fase de crescimento e de criação e consolidação de

instituições de ciência e de intermediação.

Apesar desta evolução, a distância que nos separa dos países avançados é muito

grande, e constituindo o reforço do sistema de I&D uma prioridade para todos eles,

a convergência de Portugal nesta matéria afigura-se particularmente difícil e crítica.

Os números constantes dos quadros 2.6 e 2.7 devem ser lidos numa perspectiva

dupla: de avaliação do progresso obtido, e de verificação da distância em relação a

um alvo em movimento, a saber o desempenho dos países da OCDE e mesmo da

UE.

Quadro 2.6

Despesa total em I&D em Portugal (1990-2001)

Despesa total em I&D Parte das

empresas na I&D executada (%)

Ano Preços

correntes 106 euros

Preços constantes1

106 euros

Tmca2

(%) PPCC3

106 US$ DI&D/PIB Portugal UE

1990 259,5 379,4 - 501,8 0,51 26% 65%

1992 401,0 477,8 12,2% 695,7 0,61 22% 63%

1995 460,0 460,0 -1,3% 774,5 0,57 21% 62%

1997 576,9 539,6 8,3% 978,0 0,62 22% 63%

1999 814,7 711,6 14,8% 1283,5 0,76 23% 64%

2001 1038,4 838,2 8,5% 1582,8 0,85 32% -

Notas: (1) Deflactores implícitos do PIB (Base 1995 = 1). (2) Taxa média de crescimento anual a preços constantes. (3) Paridade de poder de compra a preços correntes.

Fonte: OCES (2003).

A partir dos dados, é evidente a fragilidade nacional nesta matéria, pese embora a

evolução da década de 90. Uma análise mais atenta permite identificar, como uma

das causas, ou mesmo a causa fundamental da distância, o desempenho em I&D

das empresas portuguesas, como mostra o quadro 2.6. Executam apenas cerca de

¼ da investigação e desenvolvimento do país, contra um valor médio de 2/3 na

União Europeia. Este resultado é inteiramente compatível com o esperado, tendo

em conta a estrutura dimensional das empresas (quadro 2.5).

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 49

Quadro 2.7 Comparação internacional do esforço de I&D (2001)

DI&D/PIB

Pessoal total em I&D (por 103

activos)

Investigadores (por 103

activos)

Alemanha 2,53% 12,1 2 6,4 2

Espanha 0,97% 6,7 2 4,3 2

França 2,20% 12,3 2 6,5 2

Irlanda 1,21%1 7,3 1 4,9 1

Portugal 0.85% 4,4 3,4

Suécia 3,78% 1 15,2 1 9,1 1

UE15 1,88% 2 10,1 2 5,5 2

EUA 2,80% 3 - 9,0 1

Notas: (1) Em 1999; (2) Em 2000; (3) Em 2002. Fonte: OCES (2003).

É interessante, e revelador, examinar o universo das empresas que realizam

actividades de I&D no nosso país. Em 2001, eram 568 e empregavam um pouco

mais de 2.700 investigadores e um total de cerca de 3.900 trabalhadores em I&D

(equivalente a tempo integral). Estes números, bastante modestos, representam

um acréscimo muito significativo desde 1995.

Quando se passa ao domínio da inovação, a posição relativa de Portugal aparenta

ser mais confortável o que, pelo menos em parte, se deverá ao tipo de indicadores

utilizados.

Com efeito, de acordo com o indicador sintético de inovação (SII), usado nos

relatórios que monitorizam, desde 2000, os progressos dos países da UE (European

Innovation Scoreboard 2004), Portugal apresentava, em 2004, um valor de 0,30,

contra uma média da UE15 de 0,44, situando-se a meio da tabela. Dentro da UE, a

Suécia e a Finlândia lideravam, com valores de 0,76 e 0,75, respectivamente. A

boa notícia é que Portugal figura entre os países com um catching up mais forte nos

últimos anos, apenas superado ou aproximado por alguns dos novos membros,

como o Chipre, a Hungria e a Eslovénia.

A performance portuguesa é ainda positiva quando se toma a designada mudança

não técnica realizada pelas empresas (que engloba a implementação de mudança

organizacional, ou de técnicas avançadas de gestão e a alteração da aparência

estética dos produtos), situando-se em 7º lugar no conjunto dos 23 países que

responderam ao CIS III – Community Innovation Survey III (1998-2000).

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 50

Segundo a tipologia avançada dos modos de inovação (inovadores estratégicos;

inovadores intermitentes; modificadores de tecnologia; e adoptantes de

tecnologia), baseada nas respostas ao CIS III, Portugal parece situar-se mais

próximo de um padrão híbrido de modificador de tecnologia/inovador intermitente,

se bem que o uso desta fonte careça da maior prudência3.

Já os indicadores de recursos humanos para a inovação ficam muito aquém da

média europeia, especialmente o da aprendizagem ao longo da vida que é bastante

inferior a metade da média.

Nos indicadores de criação de conhecimento, além da referida fraca contribuição

das empresas domésticas, é clamorosa a baixa performance portuguesa nas

patentes. É curioso assinalar, neste domínio, o esforço público em I&D, o qual é

comparável ao dos outros países quando posto em proporção do PIB.

A conclusão a retirar é que, nos últimos anos, se verificaram melhorias importantes

no desempenho português, mas não tão significativos como as fontes europeias

sobre inovação indicam.

Educação e Formação

Um diagnóstico do estado da educação permite identificar problemas persistentes

no que respeita ao processo de escolarização da população portuguesa. Nesta

secção distinguimos três aspectos: a dinâmica da escolarização; os níveis de

instrução da população portuguesa comparativamente aos países em análise; e,

finalmente, os níveis de escolaridade da mão-de-obra.

Apresentamos igualmente uma análise qualitativa da performance educativa, tendo

por base os dados relativos às capacidades básicas dos jovens e dos adultos que

decorrem de estudos internacionais.

Escolarização da população portuguesa: uma visão dinâmica e comparada

No início do século XIX, Portugal, assim como outros países do Sul da Europa,

apresentava taxas de analfabetismo próximas dos 90%. No início do século XX,

Portugal iniciava já o seu processo de divergência: contava com 78% de

analfabetos, enquanto a Espanha tinha reduzido a sua taxa para 60% e a Itália

3 Os dados do CIS III parecem contaminados por um efeito de simpatia pelo tema da inovação, que deverá ter pesado nas respostas, as quais se prestam a um elevado grau de subjectiviadade por parte dos respondentes.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 51

para 56% (Carneiro, 2000). Nesse período, o analfabetismo nos países

industrializados situava-se entre os 10% e os 30%.

Em 1960, o número médio de anos de escolaridade era de 4,4 em Portugal,

enquanto que a Dinamarca apresentava o valor mais elevado, com 10,8 anos. Já

em 2002, o indicador passou em Portugal para 7,2 anos, e na Dinamarca para 12,5

anos (De la Fuente e Dommenech (2001) in CE (2003c)). A análise revela que os

diferentes países partem de situações muito díspares, mas que certos países

avançam mais rapidamente que outros. A evolução de Portugal e Espanha é mais

rápida do que a média, mas ainda assim insuficiente.

Quadro 2.8 Número médio de anos de escolaridade (1960 - 2002)

1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2002 Var (%)

Alemanha 9,9 10,4 11,0 11,5 12,0 12,6 12,9 13,1 13 31,3

Espanha 5,0 5,1 5,2 5,5 5,9 6,5 7,1 9,2 84,0

França 8,1 8,6 9,0 9,6 9,9 10,2 10,5 10,6 30,8

Portugal 4,4 4,6 4,9 5,3 5,7 6,1 6,4 7,2 63,6

Irlanda 7,4 7,5 7,8 8,2 8,5 8,9 9,4 10,1 10,6 43,2

Suécia 8,0 8,3 8,6 9,1 9,6 10,1 10,6 11,1 11,7 46,3

UE 15 7,8 8,2 8,5 8,9 9,3 9,7 10,2 11,1 42,2

EUA 10,6 11,0 11,3 11,8 12,2 12,4 12,7 13,0

Fonte: De la Fuente e Dommenech (2001) in CE (2003c). Cálculos próprios da variação entre 1960 e 2002.

A educação pré-escolar

Os efeitos positivos da educação pré-escolar são amplamente reconhecidos,

designadamente sobre a aquisição de mais formação e de capacidade de

aprendizagem. Este tipo de educação beneficia ainda os mais desfavorecidos, que

obtêm melhores performances educativas quando passam pelo sistema pré-escolar.

Portugal investe menos neste nível de escolaridade, embora haja um crescimento

substancial nos últimos 30 anos. Em 2000/2001, a taxa de participação na

educação pré-primária (ISCED 0) era de 76% para as crianças com 4 anos (dados

do Eurostat).

O ensino básico e secundário

Entre 1993 e 2003, a taxa de participação dos estudantes neste nível cresce, em

Espanha, de 55,4% para 63,4%, em França, de 76,6% para 80,9% e, em Portugal,

de 37,8% para 47,7% (dados do Eurostat).

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 52

Quadro 2.9 Jovens com o ensino secundário completo (20-24 anos, em %)

1993 2003 Variação em p.p.

Alemanha 81,3 72,5 - 8,8

Espanha 55,4 63,4 + 8

França 76,6 80,9 + 4,3

Portugal 37,8 47,7 + 9,9

Suécia 88,1 85,6 -2,5

UE 15 69,2 73,8 + 3,4

UE 25 - 76,7 -

Fonte: Eurostat, Indicadores estruturais, 29 de Abril 2005.

Portugal, seguido da Espanha, é dos países onde o ensino profissionalizante é

menos atractivo para os estudantes (28% dos estudantes com ensino secundário

profissionalizante em Portugal e 36% em Espanha, em 2000/2001), enquanto que

na Alemanha é claramente dominante (63%) (dados do Eurostat).

A situação mais preocupante em Portugal é, com se referiu, a dos estudantes que

abandonam o ensino sem terminar os estudos de nível secundário.

O ensino superior

A taxa de participação no ensino superior em Portugal é mais elevada relativamente

à média europeia. Mas as opções são claramente orientadas para as ciências sociais

e mais fracamente para as ciências exactas – matemática e engenharia – as quais

permitem a “produção” de mão-de-obra adequada à economia da informação.

Para sintetizar, o quadro 2.10 revela a distribuição da população em idade activa

por níveis de escolaridade.

O dado mais relevante é a concentração da população portuguesa em idade activa

nos níveis mais baixos de escolaridade (67% da população do grupo etário). Não

obstante os progressos verificados, os jovens continuam a abandonar o sistema

educativo mais cedo em Portugal do que nos outros países (quadro 2.10).

Portugal, seguido dos EUA, apresenta as menores percentagens de população

jovem (15-19 anos) a frequentar o sistema educativo (quadro 2.11). Em

contrapartida, nos outros países a quase totalidade – entre 82% e 95% –, da

população jovem encontra-se no sistema educativo.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 53

Quadro 2.10 Nível de instrução da população em idade activa (25-64 anos)

por ISCED-97 (2002)

Ensino secundário superior

Ensino terciário

Ensino primário

e pré-primário

Ensino secun-dário

inferior ISCED

3C Curto

ISCED 3C

Longo/3B

ISCED 3A

Ensino pós-

secun-dário não

terciário Tipo B

Tipo A e progra-mas de investi-gação

avança-da

Anos médios

de escola-ridade

(%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%)

(1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8) (9)

Alemanha 2 15 52 3 5 10 13 13,4

Espanha 32 26 nd 6 11 nd 7 17 10,3

EUA 5 8 x(5) x(5) 49 x(5) 9 29 12,7

França 17 18 27 3 10 nd 12 12 10,9

Irlanda 21 18 23 12 10 16 12,7

Portugal 67 13 x(5) x(5) 11 x(5) 2 7 8,0

Suécia 8 10 x(5) 49 x(7) 15 18 12,4

Nota: x indica que o valor está incluído noutra coluna. A referência da coluna encontra-se entre parêntesis depois do x [p. ex., x(2) significa que o valor está incluído na coluna 2]. Fonte: OCDE.

Quadro 2.11 Percentagem de população dentro e fora do sistema educativo,

por grupo etário e situação perante o trabalho (2002) Dentro do

sistema educativo

Fora do sistema educativo

Grupo de idade

Total Empregada Desempregada

França 15-19 94,6 1,9 3,4 20-24 53,2 32,5 14,4 25-29 11,7 70,1 18,2 Alemanha 15-19 90,1 5,2 4,7 20-24 38,1 46,0 15,9 25-29 16,3 66,3 17,4 Irlanda 15-19 81,6 13,6 4,8 20-24 29,0 60,2 10,8 25-29 3,5 81,8 14,7 Portugal 15-19 72,4 20,3 7,3 20-24 34,7 53,3 12,0 25-29 10,7 77,1 12,2 Espanha 15-19 81,9 11,0 7,2 20-24 43,4 41,5 15,1 25-29 16,1 64,2 19,8 Suécia 15-19 88,4 7,0 4,6 20-24 41,7 47,0 11,2 25-29 22,4 69,5 8,1 EUA 15-19 75,3 16,2 8,6 20-24 31,0 53,7 15,3 25-29 13,3 70,7 16,0

Nota: EUA: 2001. Fonte: OCDE.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 54

O abandono escolar

Convém recordar as diferenças do número de anos de escolaridade obrigatória em

cada um dos países. Assim, o quadro 2.12 reflecte o abandono escolar precoce e

tem como referência a idade e não o nível de escolaridade.

Quadro 2.12 Abandono precoce do sistema educativo pelos jovens

(18-24 anos, em %) 1993 2003

Alemanha 13,3 12,8

Espanha 37,7 29,8

França 17,2 13,7

Portugal 46,7 40,4

Irlanda n.d. n.d.

Suecia 7,5 9,0

UE 15 21,7 18,1

UE 25 - 15,9

Nota: Percentagem dos jovens na classe etária dos 18 aos 24 anos que abandonaram o sistema escolar, sem concluir 12 anos de escolaridade. Fonte: Eurostat, Indicadores estruturais, 29 de Abril 2005.

Apesar de ser possível constatar, em Portugal, um decréscimo nos últimos 10 anos,

este não é muito significativo e continua a atingir 40% da população em idade

escolar. O panorama espanhol é igualmente negativo, mas a recuperação é, de

certa forma, mais rápida.

Segundo, a taxa de emprego, bem como de desemprego, desses jovens é

igualmente das mais elevadas. Quer isto dizer que os jovens com (ou sem)

escolaridade mínima, obedecendo em Portugal apenas à condição de terem 15 anos

para aceder ao mercado de trabalho, apresentam uma empregabilidade que pode

ser motivadora da não prossecução dos estudos.

A formação profissional sob tutela do IEFP

A formação profissional tutelada pelo IEFP envolveu sobretudo jovens e, apesar dos

esforços, só conseguiu trazer para a formação um número muito reduzido de

adultos, o que constitui um facto preocupante quando se conhecem as baixas

qualificações da população activa. A educação e formação de adultos promovidas

pelo IEFP e entidades associadas só abrangeram 0,2% dos formandos.

Tal como no sistema educativo, as áreas de formação predominantes no sistema de

formação profissional são as áreas associadas ao sector terciário, apesar de um

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 55

forte peso das formações técnicas, sobretudo no quadro do Sistema de

Aprendizagem (IEFP, 2003). É de notar que este último, apesar de proporcionar

uma formação profissionalizante em alternância, particularmente adequada para os

jovens que desistem do sistema educativo formal, não conseguiu atingir, em

Portugal, a maioria dos jovens em situação de abandono escolar tendo, portanto,

em parte fracassado no objectivo primeiro desta modalidade de educação-

formação, que era a de proporcionar uma segunda oportunidade aos jovens menos

orientados para os estudos gerais.

A formação promovida pelas empresas

O Inquérito à Execução das Acções de Formação Profissional em 2002 (DGEEP,

2004) revela que 16% das empresas inquiridas realizaram formação no ano

anterior ao inquérito, envolvendo 17,5% dos seus trabalhadores, sobretudo do sexo

masculino. Convém assinalar e sublinhar que este inquérito só abrange as

empresas com 10 trabalhadores ou mais4. Mas a promoção de formação é muito

diferenciada por sector e por escalão de dimensão da empresa: enquanto que

65,4% dos trabalhadores das empresas ligadas às actividades financeiras

realizaram formação, só 6,3% dos trabalhadores da construção e do

alojamento/restauração tiveram acesso à formação. O “aperfeiçoamento” é a

modalidade de formação largamente predominante (envolvendo 88,5% do total de

participantes), enquanto que só 1% dos participantes seguiu acções de formação

de “reconversão”. Os trabalhadores que têm oportunidades de formação pertencem

a grandes empresas dos sectores mais produtivos do país e, apesar de não haver

dados que o confirmem, trata-se provavelmente dos trabalhadores com níveis de

instrução acima da média. Assim, a fraca e desigual dotação em capital humano

que resulta da passagem pelo sistema educativo não é compensada, muito pelo

contrário, pelo acesso à formação profissional.

Existe um envolvimento muito fraco por parte das empresas na formação. As

empresas, para além de uma procura de formação muito fraca, não influenciam o

tipo e a natureza da oferta formativa, com o efeito perverso de a formação

realizada não ir ao encontro das respectivas necessidades – sobretudo das PME – e

dos seus trabalhadores. O relatório de avaliação do FSE refere um “efeito

massificador” da formação, ou seja, a formação realizada é fortemente influenciada

pela oferta promovida pelas entidades com capacidades instaladas, o que contribui

4 Ou seja, 17% do total de empresas em Portugal.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 56

para o desajustamento da oferta e das necessidades do mercado de trabalho,

nomeadamente quanto à formação de antecipação e de reconversão (IESE, 2000).

A aprendizagem ao longo da vida

A proporção de adultos em idade activa com participação em acções de educação e

formação em Portugal é a mais baixa dos países da UE. Enquanto todos os outros

países registaram uma melhoria muito significativa deste rácio entre 1993 e 2003

(nalguns países, o rácio mais do que duplicou), em Portugal a situação permaneceu

quase inalterada.

Quadro 2.13 Aprendizagem ao longo da vida

Taxa de participação de adultos em idade activa 1993 2003

Alemanha 5,7 6,0

Espanha 3,5 5,8

França 3,0 7,4

Irlanda 3,5 9,7

Portugal 3,2 3,7

Suécia 26,5 34,2

UE15 5,7 10,0

UE25 - 9,3

Nota: O indicador representa a percentagem da população entre os 25 e os 64 anos que participou em educação ou formação ao longo das últimas quatro semanas anteriores ao inquérito. UE15 (estimativa do Eurostat); Alemanha e Suécia: 1996 em vez de 1993; UE25, EU15, França, Irlanda e Suécia: quebra na série em 2003. Fonte: Eurostat, Indicadores Estruturais, 29 de Abril 2005.

Capacidades básicas

Actualmente, a atenção dos actores sociais tem-se concentrado, com maior

acuidade, na componente qualitativa da educação. Para este efeito, são usados

indicadores de performance individual da educação, a que se atribui correntemente

a designação de “capacidades básicas”. Iremos assim avaliar o grau de capacidades

básicas da população portuguesa e compará-lo com os outros países, através de

uma análise dos dados do PISA (Programme for International Student Assessment),

relativos aos níveis de literacia, numeracia e resolução de problemas dos jovens

com 15 anos de idade, e ainda do IALS5 (International Adult Literacy Survey), o

qual fornece uma imagem idêntica da população adulta.

5 Literacia de texto (prose): conhecimentos e capacidades necessárias para compreender e usar informação dos textos, incluindo editoriais, novas histórias, brochuras e manuais de instrução.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 57

Jovens e capacidades básicas

Analisando cada uma das dimensões que compõem as capacidades básicas, ou o

nível de literacia, os quais facilitam a aquisição de outras capacidades, e tomando

como base os dados do PISA (OCDE: PISA 2003), verificamos que os jovens em

Portugal apresentam os níveis mais baixos em todas as dimensões no conjunto dos

países de referência (quadro 2.14). É importante assinalar que, de acordo com a

divisão proposta no estudo em apreço, Portugal, Espanha e os EUA se encontram

todos no mesmo grupo, ou seja, no grupo dos que estão estatisticamente abaixo da

média da OCDE. Em contrapartida, a França e a Suécia estão no grupo oposto, ou

seja, naqueles que estão acima da média da OCDE.

Quadro 2.14

Níveis de capacidades básicas

Literacia

matemática Literacia de

leitura Literacia científica

Resolução de problemas

Alemanha 503 491 502 513

Espanha 485 481 487 482

França 511 496 511 519

Portugal 466 478 468 470

Irlanda 503 515 505 498

Suécia 509 514 506 509

EUA 483 495 491 477

Fonte: OCDE: PISA 2003.

Os investimentos em educação não parecem explicar estas diferenças de

performance educativa dos jovens. Países com rendimento nacional e investimentos

em educação próximos (Portugal e Coreia) apresentam uma disparidade muito

elevada dos desempenhos médios ao nível da literacia matemática. Com níveis de

despesa por aluno inferiores, a Irlanda e a Espanha têm melhor desempenho neste

mesmo tipo de literacia.

População adulta e capacidades básicas

No que se refere à população adulta, Portugal apresenta os mais baixos níveis

médios em todos os domínios da literacia. Enquanto que, na Suécia, apenas 25%

da população activa se fica pelos 271,1 pontos na análise de textos, em Portugal

Literacia de documentos (document): conhecimentos e capacidades requeridos para localizar e usar informação contida em vários formatos, incluindo candidaturas a empregos, formulários, horários de transportes, mapas, tabelas e cartas. Literacia matemática (quantitative literacy): conhecimentos e capacidades requeridos para aplicar operações matemáticas, únicas ou sequenciais, em números integrados em materiais impressos, como análise do conteúdo de cheques, preencher um formulário de encomenda ou determinar a taxa de juro num empréstimo, a partir de um anúncio.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 58

75% fica-se praticamente no mesmo patamar de desempenho – 272,7 pontos. Na

análise documental, a situação é ainda mais preocupante, na medida em que 75%

da população activa portuguesa tem um nível ainda mais baixo – não ultrapassando

os 268,6 pontos –, enquanto que na Suécia apenas 25% têm um nível equivalente

a 276,0 pontos. É apenas na numeracia que Portugal se encontra mais perto dos

outros países, embora o respectivo desempenho seja o mais fraco do conjunto dos

países (IALS, dados relativos a 1994-1998).

Esta situação é, de certa forma, influenciada pelo nível de escolaridade da

população que, como já vimos, é muito baixo. Mas o baixo nível de escolaridade

não explica tudo. A população sueca atinge, com o ensino secundário, um nível em

análise de texto – 302,3 pontos –, que a população portuguesa apenas atinge com

o ensino superior – 304,8. Aliás, a Suécia afigura-se como um país de elevada

performance educativa em todas as dimensões que estamos a retratar. Um

segundo aspecto a reter é que, na análise documental, a população portuguesa

com o ensino superior revela níveis mais baixos – 289,9 pontos –,

comparativamente à população alemã e sueca com o ensino secundário – 295,4 e

308,3, respectivamente. A mesma análise é válida para a numeracia,

comparativamente à Suécia: a população deste país com o ensino secundário

atinge os 307,4 pontos, contra os 304,3 da população com o ensino superior em

Portugal (IALS, dados relativos a 1994-1998).

Que factores podem estar na origem destas diferenças, uma vez que o nível dos

recursos financeiros afectos à educação não parece constituir a explicação? Assim,

e a título de exemplo, com níveis inferiores de despesa por aluno, a Irlanda e a

Espanha têm melhor desempenho na literacia matemática.

Impacto no mercado de trabalho

A questão que agora se levanta é do impacto desta performance educativa nos

diversos fenómenos do mercado de trabalho. Tratando-se da problemática da

adaptabilidade dos trabalhadores, de que forma este panorama influencia

negativamente (ou não) a performance individual no mercado de trabalho?

Tendo em atenção os níveis das diferentes dimensões das capacidades básicas da

população portuguesa comparativamente aos países em análise, iremos avaliar

brevemente o impacto destas em alguns fenómenos do mercado de trabalho.

Portugal é, dentro do conjunto dos países em apreço, o único em que os gestores

apresentam a taxa mais elevada nos níveis mais baixos de literacia e a taxa

substancialmente mais baixa nos níveis superiores. Quer isto dizer que o tecido

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 59

empresarial português não só apresenta níveis mais baixos da sua mão-de-obra,

mas revela igualmente uma fragilidade estrutural no âmbito da sua gestão. Esta

evidência empírica pode ser reveladora de um ciclo vicioso que impede, devido às

capacidades e qualificações dos gestores, uma requalificação da mão-de-obra. Um outro aspecto a reter para Portugal é o da absorção de mão-de-obra com

baixas capacidades básicas em empregos de comércio e serviços: 62,9% com o

nível 1. Nos EUA, o mesmo indicador é de 26,6% e na Irlanda de 16,8%,

verificando-se nos restantes países valores muito mais baixos. Nos outros sectores

de actividade; em Portugal, também é determinante a integração de mão-de-obra

com capacidades básicas baixas, representando 74,7% dos profissionais

qualificados da indústria. Na e 52,5% dos efectivos totais da agricultura., números

outra vez muitíssimo superiores aos dos restantes países.

Desta breve análise é possível concluir que dentro de um padrão de emprego pouco

qualificado, existe em Portugal facilidade de aceder a um emprego por parte de

indivíduos que possuem baixos níveis de literacia documental, em todos os sectores

de actividade.

Habilitações e desemprego

Paradoxalmente, apesar de o nível médio de habilitações literárias ser muito baixo

em Portugal, o desemprego atinge relativamente mais os indivíduos mais

qualificados, em comparação com outros países da EU (quadro 2.15). E a situação

é mais paradoxal ainda quando se sabe que as pessoas que têm no máximo 6 anos

de escolaridade estão relativamente menos afectadas pelo desemprego (recorde-se

que estas pessoas representam 62% da população activa). São sobretudo os

detentores do 9º ano e, sobretudo, do 12º ano, os indivíduos mais

sobrerepresentados no desemprego.

Quadro 2.15 Taxa de desemprego por nível de instrução (2002)

9º Ano ou menos

Ensino Secundário e Profissional

Ensino Médio Não

Universitário

Licenciatura e Pós-Graduação

Taxa de Desemprego

Alemanha 14,0 9,0 4,2 4,9 8,8

Espanha 12,7 11,4 8,8 9,8 11,4

França 13,3 7,9 5,7 5,6 8,9

Irlanda 6,7 3,7 2,0 2,4 4,2

Portugal 5,4 5,5 5,2 4,4 5,4

Suécia 8,4 5,1 3,0 3,4 5,2

EUA 13,9 6,7 2,9 4,0 6,4 Fonte: OCDE.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 60

Os dados do IALS mostram que, em geral, a incidência do desemprego decresce

quando o nível de literacia aumenta – a taxa de desemprego é claramente superior

entre os indivíduos com níveis baixos de literacia comparativamente aos indivíduos

com níveis mais elevados (quadro 2.16). Todavia, esta relação não assume a

mesma intensidade nos países em análise: na Alemanha, na Irlanda e nos EUA é

mais forte, enquanto que em Portugal, pelo menos na análise de texto e na análise

documental, a relação é menos intensa.

Quadro 2.16 Taxa de desemprego por nível de literacia

Análise de texto Análise documental Numeracia

Níveis 1 e 2

Níveis 3, 4 e 5

Níveis 1 e 2

Níveis 3, 4 e 5

Níveis 1 e 2

Níveis 3, 4 e 5

Alemanha 14,2 7,8 16,5 7,2 16,1 8,6

Irlanda 23,1 11,3 23,4 9,9 24,4 10,2

Suécia 11,1 7,4 12,8 7,0 11,2 7,5

Portugal 15,4 9,0 14,4 12,0 16,0 8,8

EUA 6,9 3,6 7,1 3,4 7,4 3,3

Fonte: OCDE: IALS.

A avaliação do POEFDS revela que o Eixo 2 – destinado a promover a

sustentabilidade/adaptabilidade das empresas e trabalhadores através da promoção

dos níveis de escolaridade e de qualificação – se saldou numa certa recuperação

dos níveis de escolaridade, e os níveis de empregabilidade dos ex-formandos após

a formação confirmam que a abordagem profissionalizante imprimida aos percursos

formativos era a estratégia adequada. Mas a análise das taxas de empregabilidade

revela que os que possuem a escolaridade obrigatória e uma qualificação

profissional de nível II tiveram mais sucesso na integração no mercado de trabalho

do que os de nível de instrução e qualificação superiores.

Estas evidências sugerem a existência de “um ciclo vicioso” de baixas qualificações:

as dificuldades experimentadas pelos mais qualificados quanto ao acesso ao

emprego podem desincentivar a procura de qualificações e, ao mesmo tempo, a

escassez de qualificações dificulta a criação de condições atractivas para

investimentos qualificantes e para a expansão da procura de qualificações.

Estrutura do emprego em Portugal: requalificação da mão-de-obra

Entre 1993 e 2000, houve um esforço considerável de requalificação da mão-de-

obra, com um decréscimo anual de 7,5% de trabalhadores com habilitações

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 61

inferiores ao 1º ciclo do ensino básico (Quadros de Pessoal). Se esta evolução é

positiva, no sentido das qualificações, ela pode não reflectir mudanças nos

comportamentos de recrutamento das empresas. Sabemos que os trabalhadores

com este nível de escolaridade são também os mais antigos pelo que esta melhoria

pode apenas resultar da evolução natural.

A evolução mais positiva é a dos trabalhadores com o ensino superior, cuja taxa

média anual de crescimento foi, entre 1993 e 2000, de cerca de 13%. Em

contrapartida, o crescimento da população empregada com o ensino secundário é

menos intensa – a taxa de crescimento anual médio foi, no mesmo período, de

6,7% (Quadros de Pessoal).

Legislação de protecção do emprego6

A redução do trabalho subordinado e o aumento da diversidade de formas de

trabalho são tendências que se manifestam na evolução do mercado de trabalho

em Portugal, tanto quanto em toda a Europa, determinando a necessidade de

revisão do quadro regulador da relação de trabalho. Em Portugal, a iniciativa da

regulação da flexibilidade tem sempre pertencido ao Estado, sendo adoptada a

forma legislativa.

As primeiras abordagens, no nosso país, com significado específico no plano da

flexibilidade da relação de trabalho foram estabelecidas, em 1976, em dois

domínios: (1) pela ampliação do conceito de “justa causa”, operada pela alteração

introduzida ao regime do despedimento promovido pelo empregador (Decreto-Lei

841-C/76, de 7 de Dezembro); (2) pela reformulação do regime legal do contrato

de trabalho a termo, operada em 1976 (DL 781/76, de 28 de Outubro), tendo-se

eliminado a figura do contrato a termo incerto e estabelecendo-se um sistema que,

apesar de diversas limitações de tipo formal, era, à época, consideravelmente

amplo, tendo servido, assim, de válvula de escape à rigorosa limitação de toda e

qualquer forma de “despedimento”, decorrente do período revolucionário de

1974/1975, e vindo a favorecer uma dinâmica intensa de precarização do vínculo

contratual no mundo do trabalho.

Nos anos oitenta, verificaram-se as seguintes abordagens legislativas com interesse

para a análise do quadro da flexibilidade: (1) o regime da suspensão ou redução da

6 Esta secção, resume e reproduz parcialmente um texto de Fernando Cabral, Arminda Neves e Manuel Roxo, incluído no segundo relatório intermédio deste estudo.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 62

prestação de trabalho (DL 398/83, de 2 de Novembro, alterado pela Lei 137/99, de

28 de Agosto); (2) o regime do contrato (especial) de aprendizagem (DL 102/84,

de 29 de Março com alterações introduzidas pelo DL436/88, de 23 de Novembro).

Todavia, só com a reforma legislativa de 1989 (DL 64-A/89, de 27 de Fevereiro)

foram introduzidas alterações significativas e com carácter de sistematização no

quadro jurídico, tendo em vista aproximar este quadro da legislação da

generalidade dos países da União Europeia. Os principais vectores desta reforma

consistiram nas abordagens seguintes:

o Trabalho a termo: (1) restaurada a figura do contrato a “termo incerto”; (2)

especificação das situações em que poderia ter lugar a contratação a termo; (3)

obrigação da introdução no contrato da indicação dos motivos da contratação;

(4) consequências automáticas penalizantes para a cessação do contrato no

final do termo por vontade do empregador (pagamento pelo empregador ao

trabalhador de indemnização e impossibilidade de contratar outros

trabalhadores a termo certo ou incerto para o mesmo posto de trabalho,

durante 3 meses);

o Denúncia unilateral do contrato: alargamento do período experimental;

o Cessação do contrato de trabalho: (1) possibilidade de serem associadas

cláusulas indemnizatórias à cessação do contrato por acordo de ambas as

partes (o que, na prática, pode funcionar como hipótese de redução de

pessoal); (2) ampliado, simplificado e retirado da autorização do Ministério do

Trabalho o regime de despedimento colectivo; (3) introduzida de novo a figura

da cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho,

justificada por causas objectivas de ordem estrutural, tecnológica ou

conjuntural relativas à empresa; (4) criação da figura do despedimento por

inadaptação do trabalhador (DL 400/91, de 16 de Outubro).

o Trabalho temporário: primeira definição autónoma de um regime legal (DL

358/89, de 17 de Outubro) do trabalho temporário que incluiu, também, a

cedência ocasional de trabalhadores, ainda que sob fortes restrições;

o Tempo de trabalho: compromisso assumido entre o Governo e os Parceiros

Sociais de redução do tempo de trabalho, a concretizar de forma diferida

através da contratação colectiva (compromisso entretanto não concretizado

nesse patamar da negociação colectiva, pelo que veio a ser retomado nos anos

noventa).

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 63

Em 1996/1999 verificaram-se abordagens relevantes no âmbito da flexibilidade em

torno do tempo de trabalho: (1) Lei 21/96, de 23 de Julho e Lei 73/98, de 10 de

Novembro, onde, a par da redução do tempo de trabalho, se procurou regular a

adaptabilidade na organização do tempo de trabalho e aflorar a polivalência

funcional; (2) configuração do contrato de trabalho a tempo parcial (Lei 103/99, de

26 de Julho).

No respeitante à “flexibilidade externa”, o actual Código do Trabalho não avançou

significativamente para além da legislação pré-existente. E, assim, os sistemas de

flexibilidade externa consagrados são os seguintes: (1) despedimento promovido

pelo empregador dependente da verificação de justa causa; (2) despedimento

promovido pelo empregador por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos,

com garantia de indemnização (despedimento colectivo e despedimento por

extinção de posto de trabalho); (3) despedimento por inadaptação do trabalhador

(condicionada à observância de requisitos de formação e com garantia de

indemnização); (4) suspensão do contrato de trabalho, ou redução temporária do

período normal de trabalho, por motivos económicos da empresa, catástrofes ou

outras ocorrências graves; (5) encerramento temporário do estabelecimento ou

diminuição temporária da actividade (com diminuição da retribuição); (6) regime de

trabalho a termo certo ou incerto (com direito a indemnização associada à cessação

no termo do prazo); (7) trabalho temporário e cedência ocasional de trabalhadores;

(8) contrato de trabalho em comissão de serviço (reservado a cargos de

administração, direcção ou de confiança); (9) trabalho independente (prestação de

serviços); (10) contrato de trabalho celebrado com uma pluralidade de

empregadores (dependente de haver entre os empregadores uma relação societária

de participações recíprocas ou que mantenham estruturas organizativas comuns).

Do mesmo modo, no respeitante à “flexibilidade interna” o Código do Trabalho

aborda, sem alterações significativas face à evolução registada até aos anos

noventa, os seguintes sistemas de flexibilidade interna: (1) mudança para categoria

profissional inferior (dependente da aceitação do trabalhador e da autorização da

Inspecção do Trabalho); (2) mobilidade funcional (com direito às vantagens

salariais correspondentes às novas funções); (3) mobilidade geográfica (com

salvaguarda de prejuízo sério para o trabalhador); (4) transferência temporária de

local de trabalho (modalidade introduzida pelo Código do Trabalho em termos

idênticos à mobilidade geográfica); (5) polivalência (restrita às funções afins, ou

funcionalmente ligadas à categoria profissional, e para as quais o trabalhador

detenha qualificação suficiente, conferindo ao empregador uma obrigação específica

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 64

de formação do trabalhador e de remuneração correspondente ás funções em

causa); (6) organização do tempo de trabalho nas suas formas clássicas (trabalho

por turnos, trabalho suplementar e isenções de horário de trabalho), possibilidade

de horários individualizados (em alguns casos) e modelação do período normal de

trabalho, com base em definições estabelecidas na contratação colectiva

(adaptabilidade); e, (7) reclassificação profissional.

A evolução mais marcante da legislação de protecção do emprego em Portugal foi a

que correspondeu à reforma de 1989, vindo dela a matriz essencial da actual

legislação. Apesar de, em alguns institutos, aquela legislação prever

desenvolvimentos concretizadores da flexibilidade negociada, o certo é que tem

permanecido sem grande relevância a abordagem que se conhece da negociação

colectiva. A explicação para tal desfecho poder-se-á, com certeza, procurar na falta

de renovação e débil representatividade dos actores sociais actuais, na quase

inexistente negociação colectiva ao nível da empresa e, naturalmente, na cultura

regulamentar e proteccionista ainda predominante. No entanto, a natureza da

flexibilidade e da adaptabilidade tem mais a ver com a dinâmica da negociação

colectiva do que com a acção legislativa do Estado (naturalmente mais rígida,

uniforme e duradoura).

O actual Código do Trabalho, apesar dos sinais dos tempos em que nasceu (ano de

2003), limitou-se, todavia, no essencial, a repor a doutrina clássica pré-existente.

Com efeito, (1) remete (parcialmente) para o regime do trabalho juridicamente

subordinado as únicas situações alternativas tipificadas (contratos de regime

especial e contratos equiparados), sem qualquer complemento de regulação

autónoma das suas especificidades, e (2) remete, ainda (totalmente), para o

mesmo regime do trabalho subordinado, todas as demais situações de contratos de

prestação de serviços que reúnam os requisitos factuais da relação subordinada.

Esta uniformização deixa a questão de fundo por resolver, ou seja: (1) emergiram,

de facto, diversas tipologias de relações de trabalho que exigem uma pluralidade de

enquadramentos jurídico-laborais; (2) em toda aquela diversidade de relações de

trabalho há a necessidade de ser configurada a tutela pública do “núcleo duro” dos

direitos fundamentais e ajustada a abordagem da protecção social.

A tendência desregulamentadora que acompanhou o movimento de flexibilização

nos finais do século XX, fez, a partir dos anos 70 e 80, emergir, também em

Portugal, aquilo que hoje vulgarmente se designa por dois mercados de trabalho –

o protegido e o não protegido.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 65

Uma vez que são praticamente inexistentes os sistemas de acompanhamento do

desenvolvimento da flexibilização, dotados de eficiência, criados pelos actores

sociais nos contextos da negociação colectiva, ou fomentados pelo Estado, resta o

recurso insistente à Inspecção do Trabalho e aos Tribunais onde as respectivas

metodologias, porque baseadas no exercício dos poderes de autoridade pública, não

são as mais adequadas ao desenvolvimento de compromissos ajustados às

necessidades concretas de conjugação flexibilidade/segurança.

Desta forma, o reduzido desenvolvimento jurídico e institucional da flexibilização

tem como efeito directo o aumento exponencial da zona franca da desprotecção de

uma faixa crescente do mercado de trabalho (sobretudo os trabalhadores jovens).

Em Portugal (como de resto noutros países de desenvolvimento intermédio da

OCDE) é característica a coexistência de um elevado nível de exigência formal da

legislação de protecção do emprego (Portugal ocupa a primeira posição no índice

publicado pele OCDE) e de uma igualmente elevada informalidade.

Relações laborais7

Por razões históricas, o sistema de relações industriais em Portugal tem uma

estrutura e uma “lógica” de funcionamento que condicionam a possibilidade de um

envolvimento bem sucedido dos trabalhadores na actual transição. O sistema de

relações industriais em Portugal hoje é caracterizado: pela falta de articulação entre

os diferentes níveis (macro-concertação, contratação colectiva, participação nas

empresas) e pela ausência de um “compromisso de base” genuíno entre as partes

relativamente à sua respectiva posição no sistema e em relação a um projecto

comum; pela estagnação da contratação colectiva a nível de sector, limitada em

grande medida às questões pecuniárias e com reduzida capacidade de adaptar as

convenções às novas necessidades; por uma estrutura contratual que não fomenta

soluções descentralizadas; por baixos índices de participação efectiva nas

empresas.

Concertação a nível macro e participação a nível micro

Há um grande contraste entre a dinâmica da macro-concertação e os baixos índices

de participação nas empresas. Desde a criação do CPCS, em 1984, assinaram-se

7 Esta secção, resume e reproduz parcialmente um texto de Reinhard Naumann, incluído no segundo relatório intermédio deste estudo.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 66

uma séria de Acordos de Política de Rendimentos, dois Acordos Globais (AES, 1990

e ACE, 1997) e vários Acordos Específicos (com maior incidência nas áreas da

formação profissional e da higiene e segurança no trabalho). Um recente estudo

comparativo sobre o envolvimento dos parceiros sociais nos Planos Nacionais de

Emprego (2002/2003) coloca Portugal no topo do “ranking” europeu (UE 15).

Segundo essa fonte, Portugal e Luxemburgo são os únicos países onde a consulta

na fase da definição das políticas chegou a um grau “muito significativo”.8 Um

inquérito sobre a participação directa dos trabalhadores na mudança organizacional

nas empresas europeias revela, por outro lado, índices muito baixos. Sob este

aspecto, Portugal ocupa, num grupo de dez países, o último lugar (quadro 2.17).

Quadro 2.17 Empresas com envolvimento dos representantes dos trabalhadores na

introdução da participação directa (em %) Empresas sem participação

(% do total) / % locais de trabalho com participação directa

Média dos 10 países 25 / 10

Dinamarca 22 / 5

França 22 / 8

Alemanha 29 / 10

Itália 25 / 15

Irlanda 40 / 12

Países Baixos 39 / 13

Portugal 44 / 18

Espanha 19 / 4

Suécia 3 / 3

Reino Unido 19 / 10

Fonte: EFILWC (1997)

Contratação colectiva

Numa perspectiva comparativa, a contratação colectiva em Portugal parece, à

primeira vista, situar-se nos mesmos níveis da Áustria, Alemanha, Itália, nos Países

Baixos, em Espanha e na Suécia (EIRO, 2002). O nível do sector ou ramo de

actividade é dominante e o nível de empresa é existente, mas não tem grande

importância. Ora, o que distingue fundamentalmente o sistema português dos

outros é a ausência de mecanismos de articulação entre o nível dominante (sector)

e o nível de empresa.

8 Chegaram a um grau “significativo: a Bélgica (só 2002), a Dinamarca, a Finlândia, a França (só 2002), a Grécia, a Irlanda e a Suécia. Nos escalões “suficiente” e “não suficiente” encontravam-se a Alemanha, a Itália, os Países Baixos, a Espanha e o Reino Unido (EFILWC, 2005).

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 67

No momento em que o Código de Trabalho de 2003 criou a possibilidade da

caducidade das convenções, a crise da contratação colectiva tornou-se uma

evidência. Anteriormente, uma convenção não podia caducar, só perdia a sua

validade se fosse substituída por outra. Agora basta a denúncia duma das partes

para abrir o caminho à caducidade. Teoricamente, esta nova regra poderia ser

entendida como um estímulo para as negociações. Mas, na prática, as associações

patronais aproveitaram-na para abrir caminho à caducidade de grande parte das

convenções. Entre 2003 e 2004, o número de trabalhadores abrangidos por

convenções publicadas (isto é, renegociadas) baixou de 1,5 milhões para 600 mil.

Direitos de participação colectiva versus práticas

Um inquérito nacional no universo das empresas com 100 e mais trabalhadores,

realizado no início dos anos 1990 (Stoleroff, 1995), revelou que a rede de

delegados sindicais é consideravelmente mais densa que o tecido de Comissões de

Trabalhadores (CT). É de notar que a densidade das estruturas representativas é

significativamente mais alta nas empresas de grande dimensão. Outro aspecto

importante é a predominância das estruturas sindicais, existentes em 39% das

empresas (contra 15% no caso das CT).

No entanto, os dados do inquérito supracitado mostram que metade das empresas

(com 100 e mais empregados) não realiza reuniões de informação com os órgãos

representativos dos trabalhadores, e 20% fazem-no apenas esporadicamente. Esse

índice deve ser ainda mais negativo nas empresas de menor dimensão. Portugal

tem a maior taxa de empresas “sem participação” (44% vs. 25% na média dos

dez) e o índice mais baixo (ao lado da Irlanda) no envolvimento de maior alcance

(a frequente tomada de decisões e negociações em conjunto) (EFILWC, 2005).

Participação directa dos trabalhadores

Existe uma correlação entre o baixo índice de envolvimento dos representantes dos

trabalhadores e a introdução da participação directa em Portugal. A reduzida

percentagem de empresas com participação directa em Portugal (quadro 2.18)

refere-se a todas as suas formas principais, nomeadamente à consulta individual

dos trabalhadores (directa e indirecta), à consulta de grupos (temporários e

permanentes) e à delegação (individual e ao grupo).

Da análise de vários estudos sobre Portugal (Kovács, 1993; Lopes, 2000; Caetano,

1999) conclui-se pelos baixos níveis de participação, em geral, e a adopção

crescente do modelo da participação individual, informal e limitado às tarefas do

trabalhador. Os mecanismos formais de participação colectiva, através dos

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 68

representantes, são relativamente desqualificados e têm um papel mais defensivo

do que pró-activo na gestão das condições de trabalho e do funcionamento geral

das organizações.

Quadro 2.18

Prática da participação directa Percentagem dos locais de trabalho com

participação directa

Média dos 10 países 82

Dinamarca 81

França 87

Alemanha 81

Itália 85

Irlanda 82

Países Baixos 90

Portugal 61

Espanha 65

Suécia 89

Reino Unido 83

Fonte: European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions, Novas Formas de Organização do Trabalho. Poderá a Europa via a concretizar as suas potencialidades? Resultados de um inquérito sobre a participação directa na Europa, s.l., s.d.

Modelos organizacionais

Em Portugal, apesar da diversidade dos modelos de organização do trabalho

encontrados e da crescente adopção da organização parcialmente flexível,

predomina a racionalização (Moniz, 1989; Kovács et al, 1993; Lopes, 2000; IQF,

vários anos). Continuam a predominar as práticas tayloristas, por vezes mesmo

pré-tayloristas, em particular nas pequenas empresas que constituem a maior parte

do tecido empresarial. As mudanças que estão a ocorrer serão maioritariamente

inspiradas pelos princípios da produção magra e não pelos do modelo

antropocêntrico (Alves, 2000:97). Quando se introduzem novas formas de

organização do trabalho, as modalidades mais frequentes são o enriquecimento e o

alargamento de tarefas. A prática de rotação de funções, menos frequente, está

fundamentalmente confinada à sequência da produção (normalmente linear).

Mesmo nalguns sectores de serviços estudados, prevalece este tipo de organização

nas funções mais operacionais e menos qualificadas. O trabalho a nível operacional

é essencialmente individual e pouco qualificante.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 69

As empresas mais inovadoras neste domínio apresentam normalmente

determinadas características – de dimensão média, com uma gestão

profissionalizada e uma estrutura de qualificações enriquecida –, apostando em

estratégias de diferenciação de produto e de qualidade e estreitando as suas

relações com o mercado. As estratégias das empresas com vista à obtenção da

certificação em qualidade e, nalguns casos, à implementação de sistemas de

qualidade total, são propiciadoras de maior inovação organizacional. Os círculos de

qualidade e, nalguns casos, a organização da produção em grupos semi-

autónomos, são as modalidades mais encontradas. Estes desenvolvimentos a nível

organizacional derivam sobretudo da necessidade de melhorar os níveis de

exploração da tecnologia empregue, e do cumprimento dos objectivos de produção

em volume e em qualidade, questões críticas face à pressão dos mercados.

Objectivos essencialmente económicos, para os quais as estratégias de co-

responsabilização dos trabalhadores têm demonstrado resultados (veja-se as

filosofias da lean production, da gestão por objectivos, do just in time - JIT - e da

qualidade total – TQM -, amplamente divulgadas).

Com base nos resultados do inquérito EPOC (Employee Direct Participation in

Organizational Change), para o ano de 1996, reforçamos a ideia de que Portugal

tem uma performance no domínio da inovação organizacional muito abaixo da dos

países europeus, em especial no que respeita ao envolvimento dos assalariados e

ao nivelamento das estruturas hierárquicas (quadro 2.19). Em praticamente todos

os indicadores, os países escandinavos lideram. A Suécia revela uma performance

muito inovadora precisamente no envolvimento, na rotação de tarefas e no

nivelamento da hierarquia, o que demonstra bem o desenvolvimento dos modelos

de organização inspirados no movimento sociotécnico e na democracia industrial.

O esforço de modernização em Portugal revela uma orientação fortemente

tecnológica e com grande enfoque nos processos (segundo os dados do

Innobarometer (CE, 2004b), o maior peso das respostas para Portugal concentra-se

em “novas tecnologias de processo”, um dos valores mais elevados no conjunto dos

países, e apenas equivalente ao da Itália). Do conjunto dos países analisados,

destaque-se a Espanha, com a maior orientação para a inovação de produto, e a

Alemanha, com a focalização na relação com os fornecedores e na inovação de

produto. A Suécia e a França revelam também uma significativa orientação para a

inovação dos processos, mas nas áreas da informação e da logística e distribuição.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 70

Quadro 2.19 Percentagem dos estabelecimentos que declararam, em 1996, certas

iniciativas da parte dos empregadores nos últimos 3 anos (EPOC - Employee Direct Participation in Organizational Change)

Rotação de tarefas

Trabalho em equipa

Envolvimento dos

assalariados subalternos

Nivelamento de estruturas hierárquicas

Suécia 38 29 60 46

Dinamarca 28 40 10 42

Países Baixos 9 9 46 47

Alemanha 7 20 19 30

França 6 30 44 21

Reino Unido 13 33 48 45

Irlanda 10 27 32 23

Itália 13 28 24 10

Espanha 14 34 33 --

Portugal 9 22 9 3

Média não ponderada 15 27 33 29

Fonte: OCDE, 1999 in Kovács (2003: 314).

A capacidade de inovação no produto parece não variar significativamente em

função da dimensão e da idade da empresa, mas sim em função do peso das

exportações: as empresas mais exportadoras são as que concentram mais atenção

na inovação de produto. A exposição a uma concorrência mais intensa e mais

exigente parece ser, assim, um factor crucial (Innobarometer, CE, 2004b).

No âmbito das intervenções do POE e do PRIME, do POCTI e do POSI, várias foram

e são as medidas que promovem a inovação organizacional. No entanto, a vocação

para os factores tangíveis da inovação, nomeadamente os tecnológicos, é evidente

nos resultados dos programas.

A necessidade de estabilidade das empresas

Apesar da forte aposta nas estratégias de flexibilização quantitativa da mão-de-

obra (precarizando os vínculos contratuais e externalizando serviços e mão-de-obra

não nuclear), as empresas procuram também atingir níveis de segurança e de

estabilidade suficientes para a sua sobrevivência e actuação estratégica de longo

prazo.

As estratégias mais adoptadas para reter os melhores e aumentar a sua motivação

incidem, principalmente, sobre factores extrínsecos, nomeadamente o aumento da

componente variável das recompensas, a individualização das promoções e das

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 71

progressões salariais e a sua vinculação à produtividade e ao desempenho. Revela-

se, assim, no seio da empresa (para o dito “segmento primário”), um modelo de

gestão centralizado na flexibilidade financeira e na importância das relações

“transaccionais” entre os empregadores e empregados, que resulta a curto prazo,

mas é gerador de tensões, a longo prazo.

Por outro lado, a empresa procura gerar vinculações afectivas e desenvolver

“contratos psicológicos” necessários para um desenvolvimento organizacional mais

sustentado (Caetano, 1999: 303). Esta vinculação afectiva é, contudo, cada vez

mais difícil: a forte orientação da empresa para os ajustamentos quantitativos (do

volume de mão-de-obra, dos custos, nomeadamente dos salariais, do tempo de

trabalho, com implicações salariais) gera, também, um nível de insegurança (real

e/ ou psicológico) elevado, mesmo no segmento dos core workers, cujo emprego

pode estar ameaçado por múltiplos factores. As mudanças de liderança e estilo de

gestão, o encerramento, emagrecimento ou reestruturação da empresa, a perda de

valor do know-how acumulado face às reorientações estratégicas da empresa ou ao

rápido avanço técnico-científico da área (particularmente importante em

determinados sectores), ou ainda a idade, são alguns desses factores. Neste

ambiente, a relação transaccional e pouco afectiva com a empresa é também o

comportamento mais natural por parte de um número crescente destes

trabalhadores, em que, efectivamente, a segurança do emprego está cada vez

menos garantida.

Lideranças e modelos de gestão

É frequente referir a necessidade de empresários e gestores com visão estratégica

para uma capacidade de actuação mais pró-activa face ao mercado. Contudo, as

competências de índole organizacional, específicas à gestão da mudança, ao

desenvolvimento de culturas abertas à inovação e ao risco, e à implementação de

relações do tipo democrático-participativo que favoreçam mais a confiança do que o

controlo, e mais a autonomia do que a hierarquia, parecem constituir efectivamente

uma “mudança de paradigma”, absolutamente necessária, mas difícil de

concretizar.

Cultura nacional

Recorrendo à análise de Hofsftede (1991) sobre as dimensões da cultura nacional

que afectam o trabalho, Portugal destaca-se pelos muito elevados índices de

controlo da incerteza e de distância hierárquica. Temos, segundo Hofstede (1991),

uma elevada formalização das relações no seio da organização e uma elevada

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 72

estratificação (ou desigualdade) na distribuição de poder, com reflexos nos níveis

de participação na tomada de decisão (elevado grau de centralização), na estrutura

salarial e de qualificações (acentuado dualismo) e nos níveis de mobilidade (baixa

mobilidade vertical).

Explicando, em parte, a aversão ao risco e a resistência à mudança na sociedade

portuguesa, em geral, o inquérito relativo às atitudes sociais dos portugueses, no

que concerne às orientações perante o trabalho (Cabral, 1997), revela que o

aspecto mais valorizado é o da estabilidade do emprego, com 76,7% dos inquiridos

a considerar este aspecto muito importante. Por outro lado, recorrendo ao

European Social Survey (1999) no que diz respeito à confiança, verifica-se que

Portugal se encontra em 31º lugar, num conjunto de 33 países, com 12,3% dos

inquiridos a responder “pode confiar-se na maioria das pessoas”. Nos primeiros

lugares encontram-se a Dinamarca, a Suécia, a Holanda e a Finlândia (Lopes e

Moreira, 2004). Considerando o factor confiança, um factor fundamental para o

desenvolvimento das relações que fomentam a descentralização da decisão, a

participação e a autonomia no quadro das empresas, gerando modelos de

organização do trabalho mais qualificantes, encontramos certamente aqui uma

razão também cultural para o fraco desenvolvimento destes modelos em Portugal.

Relações inter-empresas

Em traços muito genéricos, o contexto português pode ser caracterizado por uma

certa fragilidade das associações empresariais e por uma fraca cooperação nos

domínios da formação, tecnologia e mercados externos, onde ainda domina o

predomínio da concorrência inter-empresas, baseado essencialmente nos preços, e

isto não obstante um papel significativo das fidelidades informais no inter-

relacionamento empresarial.

Sistemas input-output relativamente integrados

No que concerne à questão das relações, mais ou menos formalizadas e

contratualizadas, entre empresas interdependentes (via redes e hierarquias), no

âmbito de sistemas de produção mais integrados, podemos verificar que estas têm

vindo progressivamente a densificar-se, por motivos diversos. Com efeito,

verificam-se alterações profundas nas redes empresariais, decorrentes dos

processos de reorganização empresarial e da reestruturação de alguns mercados,

particularmente com a densificação de relações entre empresas, no seio de grupos

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 73

económicos, com a difusão de redes empresariais, de maior ou menor dimensão e

hierarquia variável, ou com a pura e simples externalização de funções, através de

práticas de outsourcing em muitas actividades e sectores.

Simultaneamente, verifica-se em alguns mercados uma tendência para uma maior

concentração empresarial, através de operações como aquisições, fusões, ou

outras, mais ou menos voluntárias, tendência essa que, embora por vezes

signifique a criação (ainda que temporária) de entidades juridicamente únicas de

maior dimensão, na prática se traduz geralmente pela interligação numa rede

integrada de entidades que permanecem juridicamente autónomas, embora

claramente interdependentes entre si, em termos económicos, funcionais,

tecnológicos ou financeiros.

Obviamente que, em termos da sua visibilidade (e da sua contabilização no seio do

circuito económico formalizado), as relações entre empresas aumentam, aqui, de

forma clara, embora seja questionável se efectivamente as relações existentes

sofrem um incremento, ou se antes simplesmente deixam de se fazer – pelo menos

algumas delas – dentro da mesma unidade produtiva (ou estabelecimento, ou

empresa), para se fazerem através da subcontratação de serviços no seio de um

mesmo sistema input/output ou sistema produtivo9. Por exemplo, serão claros

sinais de uma “falsa” externalização, no plano económico, as empresas que

subcontratam simplesmente a função pessoal a outras empresas especializadas na

área, ou as empresas de pequena dimensão que regularmente efectuam a

montagem de infra-estruturas de telecomunicações ou as canalizações de gás ou

electricidade, para grandes empresas do sector. Em geral, esta externalização

traduz-se na flexibilização dos vínculos contratuais, particularmente da ligação ao

factor trabalho e à protecção social, mantendo-se as empresas subcontratadas

totalmente dependentes (em termos de mercado, de domínio da tecnologia, etc.)

das grandes empresas para as quais trabalham.

Finalmente, um outro caso a destacar no cenário da evolução deste primeiro tipo de

inter-relações entre empresas em Portugal, nos anos mais recentes, diz respeito às

relações de franchising, com um crescimento exponencial na última década, e um

peso muito significativo, tanto na actividade de comércio como, crescentemente, na

prestação de outros serviços, traduzindo uma lógica de adaptabilidade com um

grau de especificidade acentuado.

9 Utilizando novamente a terminologia de Storper e Harrison, 1994.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 74

Relações entre empresas autónomas

Em termos das relações inter-empresas vistas de forma mais genérica, é também

de salientar uma crescente tendência para o desenvolvimento de movimentos de

integração, embora a uma escala embrionária e, em geral, a um nível bem menor

do que acontece na generalidade dos países europeus. É de destacar neste domínio

o estabelecimento de redes locais, de plataformas de acordo sectoriais, com lógicas

horizontais ou verticais, na exploração das cadeias de valor dos bens que produzem

e transaccionam.

Um outro tipo de relações entre empresas que se desenvolve claramente (passando

por formas de subcontratação ou relações mais flexíveis, bem mais episódicas ou

pontuais) é aquele que se associa à exploração das economias de aglomeração e à

possibilidade de redução de custos de transacção em contextos de proximidade (e

particularmente, de urbanidade). Um interessante caso particular que será aqui

importante destacar (e que apresenta uma dimensão crescente na sociedade

portuguesa, tal como na generalidade dos países) é o das actividades “plataforma”

ou actividades realizadas “por projecto”, que consistem num conjunto de serviços

(por exemplo, na área artística, no campo da consultoria, no planeamento e na

actuação pública, nas políticas locais, etc.) que, no essencial, são prestados através

da conjugação de esforços individuais no seio de projectos concretos, para os quais

se constituem equipas com competências específicas.

Relações com o meio envolvente

No que se refere às “instituições intermédias”, que possam ter impacto nas relações

inter-empresas (como associações empresariais, associações ou agências de

desenvolvimento, a nível regional ou local, centros tecnológicos, ou outras

instituições que assumam parcerias entre empresas e outros agentes na óptica do

desenvolvimento local, etc.) a situação é bastante diversificada, não obstante um

crescimento, diversificação e complexificação, em termos genéricos, do tecido

institucional existente.

Quanto a outro tipo de relações, formais e informais, no plano local, é de destacar

que algumas outras instituições (autarquias, associações e agências de

desenvolvimento local, agências de promoção e marketing territorial, centros de

investigação e de tecnologia, regiões de turismo, etc.) podem e têm

desempenhado, em alguns casos, um papel importante como promotoras e

facilitadoras das relações inter empresas, como incentivadoras de comportamentos

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 75

cooperativos, ou mesmo simplesmente como mobilizadoras em torno de projectos

comuns.

Outras formas de relação particulares entre empresas, associadas com o ambiente

existente na sua envolvência, prendem-se em particular com a questão da

existência de clusters de actividades mais ou menos territorializados (estando

diversos identificados em Portugal, desde indústrias tradicionais, como o têxtil e

calçado, a actividades de expansão mais recente, como o automóvel ou os moldes;

desde actividades mais específicas, como a prestação de certos serviços culturais

ou financeiros, até actividades mais disseminadas, como o turismo ou as indústrias

extractivas, por exemplo). Esta realidade suscita a necessidade da análise e da

actuação sobre os processos de adaptabilidade ser vista à luz do tecido produtivo

regional/local (ou sectorial) em que se inserem.

São igualmente de destacar outras formas de colaboração e concertação de base

territorializada, com enfoque na relação entre empresas, embora envolvendo outros

agentes (locais ou não), como acima foi referido, as quais podem traduzir o

cruzamento com outras dimensões institucionais fundamentais para a análise da

adaptabilidade (por exemplo, a congregação de empresas e outros agentes em

torno de parques tecnológicos, a criação de centros de investigação ou tecnologia,

a articulação entre o tecido empresarial e as entidades responsáveis pela oferta de

formação e ensino, etc.). Um bom exemplo dessa articulação é o da concertação

entre os pequenos comerciantes do centro histórico da cidade de Lagos, no Algarve,

que, face às contingências do seu mercado particular, conseguiram chegar a acordo

de forma a alterar os regimes horários de funcionamento, num quadro específico de

adaptabilidade que não necessita de ser igual ao do resto do país ou do sector.

Financiamento e governação empresarial

De uma forma geral, regista-se uma tendência para a flexibilização das estruturas

empresariais e para o desenvolvimento de novas formas, cada vez mais específicas,

de governação no seio dos sistemas produtivos (envolvendo teias de relações e

hierarquias entre empresas, e entre estabelecimentos, articulando-se ou não com

as características do meio envolvente). A lógica de investimento será relativamente

distinta em muitos destes casos, bem como as perspectivas de adaptabilidade daí

decorrentes. Em termos simplificados, sob o ponto de vista da lógica de

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 76

financiamento, podemos identificar, no mínimo, o conjunto de formas de

organização institucional (empresarial) que consta da tipologia apresentada no

quadro 2.20.

Quadro 2.20 Tipologia de formas de organização institucional tendo em consideração as

suas formas de financiamento

Tipos de entidades Dinâmicas em termos das lógicas de financiamento

Implicações em termos dos processos de adaptabilidade

Empresas de grande dimensão (nacionais ou multinacionais), maiores grupos económicos

Crescente a lógica de financiamento pelo mercado de capitais, com a consequente pressão para apresentação de resultados no exercício; lógica de rentabilização de activos, fomentando investimentos financeiros fora do core business

Aumento da capitalização bolsista (e necessidade de distribuição de dividendos) implica restrições ao nível da flexibilidade laboral e da indisponibilidade para a inovação e formação

Pequenas empresas na órbita dos grupos económicos, das grandes empresas públicas e privadas e das multinacionais (subcontratadas, franquiisadas, formas de hierarquias informais), etc.

Essencialmente alimentadas por capitais próprios, pelo crédito, ou pelo investimento, directo ou indirecto das empresas-“núcleo”; clara dependência (de mercado, tecnológica, de investimento) das entidades-núcleo

O crescimento (evidente) destas empresas e da sua (inter)dependência, via outsourcing e participações cruzadas de capital, por exemplo, traduz uma crescente flexibilização

Pequena empresa tradicional, com características familiares

Essencialmente alimentada por capitais próprios e por crédito bancário (ou outro); estratégia muito virada para o mercado

Aumento do endividamento dificulta adaptabilidade tecnológica e promove precarização de vínculos laborais (a pequena escala)

Pequeno trabalhador isolado, free-lancer, portfolio worker (empresas individuais e os verdadeiros “trabalhadores independentes”)

Mercado ou crédito, embora muitas vezes estejam dependentes de hierarquias informais, pelas estruturas de mercado (de clientes, fornecedores, etc.)

Grande receptividade a estratégias de adaptabilidade, mas ónus na protecção social (apoio centrado na carreira?)

Sector empresarial do Estado, empresas públicas ou participadas (a nível local ou central)

Lógica de financiamento crescentemente assente nas parcerias com o privado, ou mesmo privatizações totais

Implica adaptabilidade na gestão da estrutura de competências das empresas públicas

Administração pública e serviços públicos não (?) mercantis

Lógica de financiamento público, crescentemente sujeita a pressões para a contenção orçamental (e a todas as retóricas associadas ao peso do Estado na economia)

Pressão para externalização de funções e/ou precarização dos vínculos laborais; fraco incentivo à inovação no seio da instituição; incentivo à renovação da força de trabalho, através de antecipação de reformas

Empresas e outras instituições (ONG’s, etc.) essencialmente dependentes de assistencialismo, sob diversas formas (bens e serviços públicos, actividades subsidiadas)

Lógica de financiamento público crescentemente sujeita a pressões de contenção orçamental; crescente alimentação por fontes externas ao orçamento do Estado (nomeadamente fundos estruturais)

Pressão para um planeamento da actividade a mais curto prazo e uma gestão mais flexível

Outras instituições (ONG, associações, etc.), viradas para objectivos não mercantis

Financiamento por capitais próprios e pelo mercado; crescente importância do mecenato ou outras fontes de benefício fiscal; importância decrescente do financiamento público

Incentivo a uma certa inovação e “adaptabilidade” a nível organizacional

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 77

Não obstante a grande diversidade de situações de modelos de governação

empresarial, o modelo português poderá, em termos muito genéricos, ser

caracterizado pelo facto de estar fortemente baseado num tecido empresarial de

pequenas empresas familiares, cuja estrutura de financiamento assenta no claro

predomínio dos capitais próprios e do crédito bancário, e isto apesar de muitas

vezes estas serem discriminadas no acesso ao financiamento bancário.

Formas de financiamento

Em termos globais, para a generalidade do tecido empresarial (e empregador) do

país, e para além da disponibilidade de capitais próprios, destaca-se um peso

elevado e crescente do sector financeiro no financiamento das empresas, via

concessão de crédito, a que se junta, no caso das micro e pequenas empresas, de

algumas grandes e da própria Administração Pública, uma forma de financiamento

singular que consiste no recurso ao crédito sobre fornecedores, o qual se torna

particularmente relevante (e asfixiante para a sua actividade) em períodos de

recessão. O crédito concedido pelo sistema financeiro a empresas não-financeiras

subiu de cerca de 31% do PIB, em 1995, para 53%, em 2000, o que traduz um

claro aumento deste tipo de financiamento, baseado sobretudo no crescimento do

crédito de longa duração (ECB, 2002). O grau de endividamento das empresas não-

financeiras, segundo o Banco de Portugal, representava, em 2003, um valor de

94% do PIB, o que ilustra bem a dimensão do crédito na sua estrutura de

financiamento (Banco de Portugal, 2004). Note-se que uma parte significativa do

aumento do crédito bancário verificado nos anos mais recentes se associa à

necessidade de aquisição de activos financeiros relacionados com aquisições e

fusões, e com operações de IDE, no contexto de reestruturação de alguns grandes

grupos económicos nacionais.

A importância dos investidores institucionais (fundos de pensões, companhias de

seguros), por seu turno, é ainda relativamente fraca em comparação com outros

países europeus, mas claramente crescente nos anos recentes (passando de 19%

do PIB, em 1995, para 33%, em 2000 (ECB, 2002), sobretudo com o

desenvolvimento de esquemas de protecção social paralelos aos estatais.

A importância dos mercados bolsistas é igualmente fraca em comparação com

outros países, embora francamente crescente ao longo dos últimos anos.

Igualmente segundo dados do Banco Central Europeu (ECB, 2002), a dimensão do

mercado de acções em Portugal, medido pelo valor da capitalização bolsista, passou

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 78

de menos de 20% do PIB, em 1995, para cerca de 60%, em 199910 (ainda abaixo

de valor médio da área euro, de 88% do PIB em 2000).

O acesso ao capital de risco, por seu lado, tem tido uma expressão residual,

destacando-se o surgimento de sociedades e fundos diversos ao longo dos últimos

anos (SCR, fundos de capital de risco, fundos de reestruturação e

internacionalização empresarial, sociedades de desenvolvimento regional, etc.),

mas, no entanto, sem grande significado em termos de impacto. Outras

experiências têm permitido o financiamento a projectos de menor dimensão ou com

maiores riscos de sustentabilidade, sejam regimes de financiamento particulares

como o microcrédito, por exemplo, sejam medidas pontuais de apoio institucional

ao funcionamento de empresas em incubadoras empresariais ou ninhos de

empresas (suportando ou reduzindo-lhes temporariamente custos de

funcionamento e permitindo a obtenção de economias de escala conjuntas), entre

outras.

Formas de governação empresarial

A alteração profunda, sentida progressivamente ao longo dos últimos anos, no que

concerne à articulação (formal e informal) entre empresas, no sentido de uma

maior densificação dos sistemas input/output, com anéis mais ou menos dispersos

em termos de núcleos mais ou menos fortes, tem resultado numa crescente lógica

de integração, tanto a nível horizontal como vertical, dos agentes, no âmbito de

redes empresariais organizadas pelo mercado ou por diversas outras formas de

hierarquia, bem como no seio do desenvolvimento de processos de fusão ou de

concentração empresarial.

Estes movimentos, em sectores muito diversos, dão-se claramente no seio dos

principais grupos económicos e financeiros, mas igualmente em áreas dinâmicas da

economia, nos novos sectores e actividades em crescimento, com a afirmação e

desenvolvimento de empresas mais competitivas e inovadoras, de entre as muitas

que tentam explorar esses mercados nascentes.

Associado a este fenómeno está igualmente um crescimento claro das redes

cruzadas de participação no capital entre empresas, no seio de redes de pequenas

empresas relativamente autónomas, mas também, e sobretudo, no âmbito do

desenvolvimento de grupos empresariais de grande dimensão (de carácter

essencialmente privado mas, por vezes, igualmente centrados em torno de

10 Ou 56%, em 2000, num cenário de recessão financeira em toda a Europa.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 79

empresas (semipúblicas), permitindo esta estratégia desenvolver formas de

financiamento específicas.

É de destacar um peso significativo e crescente de novas lógicas de financiarização,

particularmente pela via da capitalização bolsista, a qual, não obstante o seu forte

desenvolvimento, regista em Portugal um valor ainda relativamente baixo (cerca de

56% do PIB), quando confrontado com os outros países europeus considerados

(quadro 2.21).

Quadro 2.21

Capitalização do mercado / PIB Fim de 2000

Alemanha 0,68

Espanha 0,95

França 1,09

Irlanda 0,77

Portugal 0,56

Fonte: ECB, 2002.

Neste contexto, e no que concerne à questão da adaptabilidade, destaca-se ainda a

importância significativa do factor grau de autonomia da gestão face ao capital

accionista, pois será claro o incentivo das empresas cotadas para adoptarem lógicas

que lhes permitam distribuir maiores dividendos (que possibilitem manter

capitalizações bolsistas elevadas), o que terá impactos claros nas estratégias de

flexibilidade (em particular em termos laborais), seja pelos efeitos directos na

redução de custos e riscos, seja pelo seu impacto nas convenções dominantes nos

mercados (os “sinais” que envia ao mercado bolsista respectivo…). Esta tem sido

um vertente muito visível no nosso país, com uma articulação estreita entre os

resultados bolsistas de algumas grandes empresas e grupos e o anúncio de cortes

substanciais ao nível dos recursos humanos respectivos, por exemplo.

A crescente divergência entre as lógicas de gestão e as lógicas de rentabilização

dos investimentos na esfera accionista é igualmente manifesta, no caso português,

através de uma tendência para o incremento da concentração hostil, a qual tem

amplo espaço para se desenvolver no caso das empresas cotadas em mercados

bolsistas.

A informalidade

O aproveitamento de reservas de mão-de-obra excedentárias têm desempenhado

um papel importante na sustentação do crescimento de algumas empresas

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 80

(particularmente em alguns ramos em grande desenvolvimento, como a construção

civil ou a actividade turística), permitindo reduzir o custo de trabalho e suportar

artificialmente o crescimento económico (e o financeiro, visível nos resultados

líquidos…) de algumas empresas ou sectores.

Há ainda que destacar o papel que as estruturas familiares desempenham no

financiamento da actividade empresarial. Para além, obviamente, da canalização de

poupanças pela via do investimento, destaca-se que, em termos do papel da

família, este é indirectamente significativo igualmente por outros dois grandes

motivos: por um lado, pela sua contribuição através do trabalho familiar não

remunerado (o qual é muito diferenciado consoante o tipo de actividade, mas

assume relevância significativa em actividades como a agricultura ou a pequena

actividade comercial a retalho, por exemplo); por outro lado, ainda através de uma

outra situação típica em Portugal, que se relaciona com a sustentação económica

artificial de algumas actividades através do trabalho informal, complementar, que é

exercido a tempo parcial (e a titulo particular) pelos seus trabalhadores, numa

lógica de produção (sobretudo agrícola) para complemento da subsistência familiar,

a qual permite a manutenção de salários extremamente baixos nessas actividades.

A presença do Estado

No que concerne à presença do Estado, esta é ainda relativamente importante na

economia, particularmente pelo papel estratégico (embora nem sempre maioritário)

que o Estado continua a deter em algumas grandes empresas. Desenvolvem-se

parcerias entre sector público e privado, com as mais diversas soluções

institucionais, que vão desde as semiprivatizações de empresas públicas, à

constituição de empresas públicas com formas de gestão privadas, à formação de

associações, fundações ou diversos outros tipos de entidades associando estes e

outros agentes, etc. Tanto a nível nacional, como num âmbito local ou regional,

desenvolve-se todo um conjunto de novas instituições, mais ou menos casuísticas,

que formalizam estas parcerias (desde empresas públicas a nível municipal, a

centros tecnológicos ou a agências de desenvolvimento regional, por exemplo).

Mas, mais do que isso, a relevância do Estado no financiamento empresarial passa

pela assistência e o subsídio a vastos sectores da actividade económica, seja pela

via do fornecimento ou da subvenção à provisão de bens públicos, seja através do

apoio concedido, no âmbito de diversas outras políticas sectoriais, a várias outras

actividades (por exemplo, política agrícola comum, política de transportes, política

de desenvolvimento regional, etc.). Os fundos comunitários, e em particular os

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 81

associados à política de coesão comunitária, têm desempenhado aqui um relevante

papel nas duas últimas décadas, mas a sua importância (ainda que indirecta) no

financiamento das actividades empresariais irá necessariamente diminuir nos

próximos anos.

Há ainda que destacar o reduzido papel que desempenham em Portugal outros

tipos de instituições que noutros países preenchem um lugar importante no

financiamento de alguns sectores económicos mais específicos. É o caso do

chamado “terceiro sector”, que integra fundações ou outras organizações com

carácter não lucrativo, e que podem ter uma relevância fundamental no

financiamento de determinados sectores – em geral muito ligado à substituição ou

complemento da actividade do Estado na satisfação do interesse público – (p. e.,

com um papel fulcral em sectores como a cultura, o desporto, a economia social ou

a reabilitação urbana).

Protecção Social

Portugal combina, como tem vindo a ser o caso na maioria dos países da Europa

continental, esquemas bismarckianos de protecção social, baseados no estatuto

ocupacional dos cidadãos, com esquemas de rendimentos universalistas (pensões

sociais, velhice, invalidez e rendimento mínimo garantido). Estes últimos

esquemas, associados à assistência social, desempenham um papel extremamente

importante na luta contra a pobreza e a exclusão social, e abarcam um número de

beneficiários muito significativo. Todavia, os montantes das transferências

monetárias em que estes esquemas se traduzem são notoriamente baixos e

mantêm os beneficiários sempre abaixo do limiar da pobreza (fixado por convenção

em 60% do rendimento mediano).

A preponderância que assume ainda em Portugal o acesso à protecção social em

função das contribuições, combinada com a fragilidade da rede pública de serviços

sociais e o crescimento das instituições privadas, fazem com que uma das

características principais do sistema de protecção social em Portugal seja a

reprodução, nas esferas extraprofissionais da vida, das desigualdades existentes na

esfera do trabalho. A sociedade portuguesa encontra-se, assim, fortemente

segmentada. A desigualdade de distribuição do rendimento é, de longe, a mais

elevada de todos os países da OCDE, em geral, e de todos os países da UE, em

particular. Ao contrário da maioria dos países, em que o nível de desigualdade

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 82

diminuiu, a situação em Portugal permaneceu a mesma entre 1995 e 2002 (quadro

2.22).

Quadro 2.22 Desigualdade na distribuição do rendimento

(rácio entre o rendimento dos 20% da população com maior rendimento e o dos 20% da população com menor rendimento)

1995 2003

Alemanha 4,6 4,3

Espanha 5,9 5,1

França 4,5 3,9

Irlanda 5,1 4,5

Portugal 7,4 7,4

Suécia 3,0 3,3

UE 15 5,1 4,5

UE 25 - 4,5

Notas: (1) UE15 (1995) – estimativa do Eurostat. (2) UE15 e UE25: 2001 em vez de 2003 (estimativas do Eurostat). (3) Suécia: 1997 em vez de 1995. (4) França e Suécia: 2002 em vez de 2003 (estimativas do Eurostat); quebra na série em 2002. (5) Irlanda: 2001 em vez de 2003. Fonte: Eurostat – Indicadores Estruturais.

O financiamento do sistema de protecção social provém predominantemente das

contribuições patronais, baseadas nos custos salariais, e das contribuições dos

trabalhadores, apesar da legislação e regulamentação mais recente prever outras

fontes de financiamento, nomeadamente fiscal.

Protecção no desemprego

As taxas de substituição do rendimento proporcionadas pelo subsídio de

desemprego em Portugal são das mais altas de todos os países da OCDE e a

duração do direito ao subsídio também é relativamente elevada11, sobretudo para

os desempregados mais idosos. O facto destes subsídios, além disso, serem isentos

de impostos e contribuições para a segurança social, pode fazer aumentar o risco

de desincentivo ao trabalho – sobretudo dos trabalhadores menos qualificados – e,

sobretudo, de encorajamento do trabalho não-declarado.

Em contrapartida, os critérios de elegibilidade para a atribuição do subsídio de

desemprego são bastante selectivos, o que leva a que a maioria dos

desempregados não tenha acesso ao subsídio (jovens, trabalhadores com contrato

11 Sobretudo quando se tem também em conta o subsídio social de desemprego.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 83

precário que não reúnem as condições de acesso, trabalhadores com história curta

de contribuição, entre outros). Assim, os esquemas de protecção no desemprego

tendem a beneficiar os grupos profissionais à partida mais protegidos.

Políticas activas de emprego

Os poderes públicos têm vindo a promover políticas activas de emprego, com

algum sucesso no que diz respeito à prevenção do desemprego de longa duração.

Mas essas políticas têm beneficiado sobretudo os jovens e os menos

desfavorecidos. Em Portugal, como noutros países da UE, as medidas de activação

dos desempregados têm-se revelado incapazes de atingir os trabalhadores menos

qualificados. A única forma de ajudar esses trabalhadores e de prevenir a sua

exclusão social parece ser uma intervenção enquanto estão ainda no emprego,

através da melhoria da qualidade dos seus empregos (Gallie, 2000) e do acesso à

formação quando ainda se encontram a trabalhar12.

Working-poor em Portugal

O bem-estar dos cidadãos portugueses assenta, assim, em grande parte, numa

participação intensa no mercado de trabalho. Mas essa participação caracteriza-se,

como já foi dito, por fortes desigualdades, já que a percentagem de working-poor

em Portugal (ou seja, indivíduos que, mesmo trabalhando, não auferem

rendimentos acima do limiar da pobreza) é das mais elevadas dos países da UE.

Sendo que os trabalhadores de baixos salários beneficiam de baixos níveis de

protecção social, e que a rede pública de serviços sociais é deficiente, pode inferir-

se que as desigualdades sociais, com particular incidência para as mulheres, não

saem diminuídas da participação ao mundo do trabalho. Esta permite tão-somente

diminuir os níveis de pobreza. Importa para o efeito analisar dois factores: a

eficiência da acção retributiva e a eficiência das medidas e dos regulamentos.

Enquanto que, na maioria dos outros países, em 1995, o risco de pobreza depois

das transferências sociais diminuía de cerca de 10 pontos relativamente à situação

antes das transferências, em Portugal esse risco só diminuía 4 pontos. A situação

melhorou em 2002 (enquanto a “eficiência” da redistribuição nos outros países

piorava), mas o impacto da redistribuição permanece inferior em Portugal ao dos

outros países e o risco de pobreza permanece mais elevado (Quadro 2.24).

12 Como descrito no capítulo sobre formação profissional, a maioria da formação profissional promovida em Portugal tem envolvido sobretudo pessoas ainda não inseridas no mercado de trabalho. Por outro lado, os activos que beneficiam de formação são sobretudo os trabalhadores mais qualificados.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 84

Quadro 2.24 Taxas de risco de pobreza (%)

Taxa de risco de pobreza antes das transferências sociais13

Taxa de risco de pobreza depois das transferências

sociais14

1995 2003 1995 2003

Alemanha 22 24 15 15

Espanha 27 22 19 19

França 26 26 15 12

Irlanda 34 30 19 21

Portugal 27 26 23 19

Suécia - 17 8 11

UE 15 26 24 17 16

UE 25 - 24 - 15 Notas: (1) Taxa de risco de pobreza antes das transferências sociais:

- UE15 e EU25: 2001, em vez de 2003 (estimativas do Eurostat); - França (quebra na série) e Suécia: 2001, em vez de 2003; - Irlanda: 2001, em vez de 2003. (2) Taxa de risco de pobreza depois das transferências sociais: - UE15 e UE25: 2001, em vez de 2003 (estimativas do Eurostat); - Suécia: 1997, em vez de 1995; 2001, em vez de 2003 (quebra na série em 2001); - França: 2002, em vez de 2003; - Irlanda: 2001, em vez de 2003.

Fonte: Eurostat – Indicadores Estruturais.

Quanto à eficiência das medidas e dos regulamentos, os analistas concordam em

afirmar que existe, em Portugal, uma utilização instrumental dos esquemas de

substituição do rendimento e das medidas públicas, quer pelos agentes do Estado,

quer pelos seus beneficiários. Às apropriações particulares dos recursos do Estado

junta-se o clientelismo político. É também largamente conhecido que muitas

empresas portuguesas não cumprem as suas obrigações, quer em termos de

contribuições ou outros deveres sociais, quer em termos fiscais. O desenvolvimento

da economia informal desempenha, aliás, um papel crucial na sustentabilidade de

certos sectores da economia, cuja competitividade está baseada em baixos salários.

13 Segundo o Eurostat, a taxa de risco de pobreza antes das transferências sociais é a percentagem de pessoas com um rendimento disponível, antes de transferências, abaixo do limiar de pobreza, o qual é fixado em 60% do rendimento disponível mediano do país (depois das transferências). As pensões de reforma e de sobrevivência são contadas como rendimento antes das transferências e não como transferências sociais. 14 Segundo o Eurostat, a taxa de risco de pobreza depois das transferências sociais é a percentagem de pessoas com um rendimento disponível abaixo do limiar de pobreza, o qual é fixado em 60% do rendimento disponível mediano do país

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 85

Complementaridades e elementos de bloqueio institucional

Nas últimas três décadas Portugal conheceu: a) uma convergência com os países

mais avançados, em termos não apenas de riqueza por habitante, mas no domínio

dos indicadores sociais mais expressivos (esperança de vida, indicadores de saúde

e de conforto, equipamentos disponíveis, etc.); (b) uma evolução no sentido da

convergência com a média da UE num conjunto de domínios críticos (especialização

produtiva, níveis educativos médios, capacidade de I&D em infra-estruturas e

recursos humanos, taxa de penetração das novas tecnologias); (c) a emergência de

“pólos de excelência” (empresas, redes, instituições intermédias e unidades de

I&D), normalmente voltadas para o exterior e inseridas em redes internacionais.

No entanto, num conjunto de domínios importantes persistem fragilidades que

condicionam a competitividade da economia portuguesa e a sua capacidade de

resposta às pressões decorrentes das mudanças na envolvente internacional (ver

síntese por domínio institucional no Quadro A.1 do Anexo). As comparações com

países que partilham com Portugal o espaço da UE tornam manifestas as

dificuldades da convergência.

As divergências relativamente ao nosso espaço de integração são produto de uma

trajectória de industrialização tardia, baseada nas vantagens comparativas

decorrentes de diferenciais significativos nos custos salariais. Este processo

transformou o país numa plataforma manufactureira habitada por uma miríade de

pequenas e médias empresas industriais, inseridas de forma periférica (via

subcontratação de actividades de fraco valor acrescentado) em redes internacionais

de produção e distribuição.

Em consequência da transição democrática, que coincidiu com a crise dos anos 70,

e da alteração do balanço de forças sociais e políticas que originou, estabeleceram-

se em Portugal um conjunto de direitos há muito consagrados nos “Estados sociais”

da Europa, mas até então inéditos em Portugal. Em vastos domínios – trabalho,

protecção social, educação, saúde – o país transitou, pelo menos formalmente, e

em grande parte efectivamente, para um patamar de desenvolvimento superior.

No entanto, a progressiva efectivação destes direitos teve sempre de enfrentar as

resistências provenientes da instalação no terreno de um sistema produtivo cuja

viabilidade e capacidade de gerar emprego dependia de factores que colidiam com

o exercício pleno dos direitos consagrados. Sob a ameaça permanente de falências

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 86

ou deslocalizações, a “realidade” do sistema produtivo foi, durante décadas,

encontrando formas de se impor, alimentando-se quer de desvalorizações cambiais,

quer da “informalidade”, quando não da ilegalidade tolerada. Mais recentemente, o

recurso à imigração (de preferência clandestina), combinada em muitos sectores

com outras formas atípicas e precárias de emprego, avulta entre os mecanismos

que têm permitido adiar a reconversão.

Em contrapartida, e naquilo que surge como um movimento de dualização, em

alguns sectores mais organizados e protegidos da ameaça de desemprego, foi

possível ir fazendo prevalecer alguns dos direitos legalmente instituídos.

Do contraste entre direitos formalmente proclamados, com prevalência em sectores

protegidos, e práticas de informalidade generalizadas e oficialmente toleradas,

decorre uma perda de legitimidade do Estado e da lei, que se constitui em incentivo

a uma ainda maior e mais generalizada banalização da “informalidade”.

De facto, a “adaptabilidade” de grande parte do tecido empresarial português tem

sido fundada na “informalidade”, isto é, no incumprimento tolerado do

enquadramento regulamentar das relações de trabalho e na instrumentalização dos

esquemas de protecção social, utilizadas muitas vezes como complemento de

baixos rendimentos do trabalho.

É hoje finalmente consensual que o regime de acumulação intensivo em mão-de-

obra pouco qualificada e barata deixou de ser viável, e é o principal responsável

pelas dificuldades de convergência que o país tem sentido de forma mais nítida nos

últimos anos.

Ao mesmo tempo que novos países estão num processo de rapidíssima

industrialização, crescimento e posicionamento nos mercados externos, os países

avançados encetaram sérios esforços para ascender a um regime de crescimento

baseado em factores radicalmente novos – a economia baseada no conhecimento e

na aprendizagem. Entre estes dois mundos, o “cerco” tem claramente vindo a

apertar-se para Portugal.

Mas a transição para um novo regime mais intensivo em capital humano, tecnologia

e conhecimento tem sido dificultada pelo peso do lastro do passado, presente na

estrutura produtiva e nas atitudes, valores e comportamentos dos agentes.

A análise das principais complementaridades institucionais (ver quadro A.2 no

Anexo) ajuda a compreender os principais mecanismos envolvidos:

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 87

o a especialização produtiva baseada em fraca incorporação de tecnologia e

produções rotinizadas torna o investimento em capital humano, sobretudo por

parte das empresas, supérfluo; por outro lado, a escassez de procura e a

incerteza de valorização de qualificações mais elevadas desincentiva os

trabalhadores de investirem em formação e leva-os a dirigir o esforço para a

aquisição de competências gerais, susceptíveis de apoiar percursos de

mobilidade social ascendentes; a escassez de qualificações faz de Portugal uma

localização pouco atractiva para investimentos qualificantes;

o os baixos níveis de escolaridade reduzem a eficácia da formação dirigida aos

que dela mais necessitam, desviando os meios e os recursos disponíveis para a

formação em benefício dos mais jovens e escolarizados;

o a precariedade dos vínculos trabalhador-empresa e a debilidade dos esquemas

de substituição de rendimento dos menos qualificados e dos mais jovens

desincentiva-os de investirem na formação profissionalizante e na formação ao

longo de vida,

o a inserção periférica das PME industriais (via subcontratação), em redes de

produção e comercialização multinacionais, dispensa a colaboração inter-

empresas e favorece a atomização. Em consequência:

• o investimento público em I&D, que só poderia ser acompanhado pelas

empresas no quadro de redes de colaboração, tende a produzir pólos

isolados ou, no melhor dos casos, voltados para o exterior;

• a formação dos trabalhadores no interior das empresas é dificultada pela

reduzida escala dimensional e pelo tipo de gestor e de gestão

predominante;

• as débeis capacidades de gestão, decorrentes da frágil preparação

escolar e profissional dos proprietários/gestores, não são renovadas nem

reforçadas com a integração de quadros qualificados;

• a integração das empresas e dos trabalhadores em organizações

associativas é difícil, e a representatividade e capacidade negocial fracas;

em alternativa à procura conjunta de soluções negociadas para

problemas comuns, as organizações associativas tendem a privilegiar

funções de representação política e de reivindicação junto dos poderes

públicos; as práticas de relacionamento laboral defensivas,

caracterizadas por uma combinação da negociação política, no topo, com

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 88

um vazio comunicacional, na base, dificultam a invenção de soluções

institucionais equilibradas e efectivas;

o a segmentação do mercado de trabalho, expressa no contraste entre o vazio

regulamentar de novas formas de trabalho (designadas frequentemente de

prestação de serviços) e o detalhe jurídico que envolve o contrato de trabalho,

favorece a expansão da zona franca de desprotecção e incentiva estratégias de

informalidade;

o a predominância dos princípios de organização tayloristas (e, mesmo de formas

de organização pré-tayloristas, baseadas no casuísmo e na improvisação,

sobretudo nas empresas pequenas e muito pequenas que constituem a

esmagadora maioria das empresas portuguesas) reforça o dualismo das

qualificações, reduz a eficácia da formação e impede a mobilização e

desenvolvimento dos recursos cognitivos dos trabalhadores;

Bloqueio institucional: factores críticos

A trajectória de industrialização prosseguida, e artificialmente prolongada,

consolidou elementos da estrutura produtiva e institucional que hoje se constituem

como factores de bloqueio do processo de reconversão.

A análise precedente convida a pensar que os principais elementos de bloqueio, em

torno dos quais se devem centrar as respostas concertadas dos actores sociais e

dos poderes públicos, podem ser resumidos em cinco factores críticos: a)

qualificação dos recursos humanos; b) informalidade; c) cooperação inter-

empresas; d) relações laborais; e e) capacidade de inovação.

Qualificação dos recursos humanos

As comparações internacionais mostram que o problema das qualificações diz

respeito ao conjunto da população portuguesa – quer aos trabalhadores, quer aos

empresários.

A complementaridade entre a estrutura do sistema produtivo e os níveis educativos

e de formação, acima diagnosticada, corresponde a uma situação característica de

reforço mútuo cumulativo: as exigências do sistema produtivo em mão-de-obra e

capacidade de gestão qualificada são limitadas e as qualificações escasseiam; ao

mesmo tempo, a escassez de qualificações constitui-se como entrave ao

investimento qualificante. O investimento realizado pelo Estado, nos últimos anos,

nos sistemas de educação e formação não é despiciendo, e não poderá deixar de

dar alguns frutos a prazo. No entanto, as dificuldades de emprego e de valorização

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 89

profissional experimentadas pelos detentores de níveis de qualificação mais

elevados são um sintoma de que a dinâmica da oferta de qualificações não está a

ser acompanhada por igual dinâmica da procura.

A emergência e reforço de um novo tipo de empresariado, mais qualificado, será

também um resultado, e é simultaneamente uma condição de sucesso, de uma

estratégia de qualificação global, exigindo actuações públicas específicas.

Informalidade

A expansão da informalidade, entendida nos termos da OCDE como emprego que

se exime aos impostos, contribuições para a segurança social e ao cumprimento da

legislação laboral, é uma modalidade de “adaptabilidade” prenunciadora do pior dos

cenários. A combinação de produção legislativa exigente com o incumprimento

mais ou menos generalizado, numa “cultura da informalidade” em que ilegalidade,

tolerância, corrupção e ineficácia dos mecanismos de controlo e imposição se

confundem muitas vezes, e se alimentam mutuamente, pode, como afirma a OCDE

(2004), “bloquear a economia num baixo nível de desenvolvimento”.

A associação muito frequente entre informalidade e rigidez da regulamentação,

podendo em alguns casos ser justificada, tende não só a legitimar a própria

ilegalidade, como a fazer perder de vista a razão de ser da regulamentação e da lei.

Em alternativa, e como recomenda a OCDE, a criação de condições favoráveis a

uma transição gradual, de longo-prazo, para a economia formal passa por um

esforço simultâneo de reforço das sanções e de revisão da regulamentação

deficiente.

Cooperação inter-empresas

A cooperação inter-empresas que depara com maiores resistências é a de tipo

formal. Apesar de indícios de uma importante cooperação informal, os empresários

portugueses parecem resistir ao associativismo. As tentativas de explicações em

termos de “mentalidades” ou de “cultura” são manifestamente insuficientes. Muitos

empresários, sobretudo os de pequenas empresas, parecem representar a

cooperação como uma “violação da intimidade”. Cooperação pressupõe alguma

partilha de informação e nem sempre a informação que se procura reservar diz

respeito a “segredos de fabrico” legítimos. A existência de um nexo entre, por um

lado, atomização, empresarialidade “patriarcal”, aversão à cooperação formal e

práticas de informalidade, por outro, é tanto mais plausível quanto parece ter

paralelo em regiões (como o a Itália do Sul) que partilham com Portugal algumas

características institucionais.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 90

Além disso, muitas empresas dos sectores tradicionais inserem-se em cadeias de

produção e distribuição internacionais, como folhas na extremidade de longos

ramos. Podem coabitar no mesmo espaço geográfico e fornecer inputs à mesma

rede, mas não desenvolvem, nem sentem necessidade de desenvolver, qualquer

tipo de relação formal entre elas.

Relações laborais

A visão da flexibilidade como uma necessidade das empresas, e da segurança como

uma necessidade dos trabalhadores, é enganadora.

As empresas fordistas retiraram tantas ou mais vantagens da segurança quanto os

trabalhadores. O contexto mudou e as empresas do mundo globalizado parecem

enfrentar hoje pressões contraditórias. Estão sujeitas, por um lado, a novas

exigências de accionistas voláteis, no sentido de uma flexibilidade extrema na

gestão da mão-de-obra que lhes permita responder prontamente às variações da

procura, sendo levadas a procurar “transformar custos salariais em custos

variáveis”. Mas continuam, por outro, a sentir a necessidade de fidelizar os seus

trabalhadores (ou parte importante dos seus trabalhadores), de forma a mobilizar a

sua motivação e conhecimento tácito, garantindo, ao mesmo tempo, os frutos dos

investimentos em capital humano. Ao mesmo tempo que se pretendem flexíveis, as

empresas procuram cultivar ambientes de cooperação. A compatibilização de

relações laborais “líquidas”, isto é, facilmente revertíveis, com confiança mútua, é,

evidentemente, problemática.

Por outro lado, a necessidade de segurança não é vivida da mesma forma por todos

os trabalhadores. Para alguns deles, detentores de competências muito valorizadas

no mercado, o estabelecimento de vínculos de exclusividade com empresas não é

desejável. São eles os interessados, pelo menos enquanto as suas competências

não se tornam obsoletas, na prevalência de “relações de serviço líquidas”.

As estratégias orientadas para a desregulamentação das relações de trabalho

pressupõem que é sempre preferível deixar a cargo da direcção das empresas a

gestão da tensão existente entre flexibilidade e segurança, removendo na medida

do possível os obstáculos institucionais à flexibilidade. Ignoram o agravamento de

riscos sistémicos que podem resultar da generalização da gestão individual dos

riscos, com externalização dos custos de ajustamento para a sociedade. Grande

parte dos riscos que um contrato de trabalho envolve para o empregador é

externalizada quando os custos da ruptura do contrato para a empresa são

removidos. A redução dos “custos de transacção” na relação de trabalho facilita

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 91

sem dúvida a decisão de contratar. Mas a externalização desses custos quando

ocorre em contexto recessivo, transforma-se facilmente, por efeito de composição

entre as múltiplas decisões descentralizadas, em agravamento do risco sistémico,

sob a forma de quebra da procura agregada, ou de sobrecarga sobre os sistemas

de protecção social.

As instituições que enquadram as relações de trabalho desempenharam, no

passado, o seu papel no controlo dos riscos sistémicos. O contexto mudou, mas

nada indica, antes pelo contrário, que instituições capazes de desempenhar o

mesmo papel tenham deixado de ser hoje necessárias.

A criação de vazios institucionais – esvaziamento da legislação de protecção do

trabalho, enfraquecimento das organizações representativas e da negociação,

degradação da confiança e redução da participação dos trabalhadores nas empresas

– e a generalização de práticas de flexibilidade numérica, constituem-se como um

factor de agravamento dos riscos sistémicos. Dificultam, além disso, a adopção de

modelos organizacionais, baseados na cooperação e na confiança e, portanto, mais

produtivos e mais favoráveis à inovação. Não é, portanto, apenas por razões de

equidade que o diálogo social, a negociação e a participação dos trabalhadores são

factores críticos na transição institucional que estamos a viver.

Capacidade de inovação

A transição para um novo regime de acumulação depende de forma crítica do

reforço da capacidade de inovação das empresas. Sendo evidente que a existência

de uma infra-estrutura de I&D suficientemente desenvolvida condiciona essa

transição, a evolução recente em Portugal, marcada pelo desfasamento entre a

dinâmica das instituições de investigação e o esforço de inovação das empresas,

sugere que, mais uma vez, o problema principal se situa do lado da procura.

A inovação ocorre nas empresas por pressão da concorrência, como resposta ao

agravamento de custos (inclusive salariais) ou perda de condições de acesso a

rendas especulativas e outras. Pressupõe empresários e trabalhadores capacitados

e uma estrutura social que garanta oportunidades aos indivíduos mais dotados para

o empreendimento, independente da esfera – pública, privada, associativa – de

actividade, sendo que na esfera privada o acesso a capitais é determinante.

Mas as oportunidades não são ditadas só pelo acesso a capitais. A sociedade

portuguesa, apesar da notável transformação dos últimos trinta anos, é ainda

muito estratificada, e as oportunidades são ainda condicionadas mais pelo stock de

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 92

“capital político e social” de cada individuo, do que pelo seu acesso a capital e pelas

suas competências como empreendedor.

Esta elencagem de factores críticos orientou a fase final deste estudo. Nela se

confrontaram um conjunto de actores com os desafios implicados em cada um

destes aspectos, de forma a caracterizar a sua atitude e descortinar a respectiva

resposta estratégica. Partindo do princípio que é da acção e da interacção dos

actores que resultaram as novas configurações institucionais, essa etapa precedeu

a reflexão prospectiva e a formulação de implicações em termos de políticas e

actuações públicas.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 93

Atitudes, estratégias e visões do futuro

A análise dos depoimentos de actores recolhidos em entrevistas realizadas durante

o mês de Junho de 2005 induz uma constatação relativamente inesperada1: os

actores sociais coincidem numa visão do futuro a médio prazo, partilham um

diagnóstico e convergem nos traços gerais de uma estratégia nacional. Este

consenso é recente na sociedade portuguesa, parece ser genuíno e deve ser

assinalado e valorizado. Ao mesmo tempo são evidentes as dificuldades na sua

tradução em convergência na acção.

Partindo da constatação desta convergência, procura-se na primeira parte deste

capítulo identificar os obstáculos que dificultam a tradução dos consensos em acção

colectiva, ou pelo menos concertada. A atenção desloca-se então para as

diferenças, com uma caracterização das atitudes face à mudança, dos valores e das

divergências estratégicas.

Baseada nesta análise dos jogos de actores, a reflexão prospectiva que se

apresenta na última parte do capítulo, tem como objectivo definir cenários e

clarificar a orientação normativa subjacente ao quadro de referência para a

actuação pública sugerido neste estudo.

Diagnóstico comum Implícita no diagnóstico dos actores está uma visão semelhante do futuro. Os

actores coincidem na crença de que, pelo menos no curto e médio prazo, os

processos de integração económica europeus e mundiais não vão sofrer qualquer

1 Os resultados apresentados neste capítulo baseiam-se em quinze entrevistas realizadas com portavozes de associações empresariais, confederações patronais, confederações sindicais, comissões de trabalhadores, directores de recursos humanos de empresas e quadros administração pública (ver lista completa nos agradecimentos). As inferências contidas neste capítulo devem ser tomadas com as precauções que uma pequena “amostra” impõe.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 94

retrocesso ou inflexão e pelo contrário vão aprofundar-se na direcção até agora

prevalecente.

Daí decorre a percepção de um “esgotamento do modelo de desenvolvimento

português” – uma fórmula originalmente avançada por especialistas e depois

popularizada pelos media. A ideia consensual é a do esvaziamento das vantagens

comparativas tradicionais de Portugal, baseadas em custos salariais relativamente

baixos, com a decorrente perda irreversível de competitividade das empresas

típicas dos sectores tradicionais: o diferencial dos custos salariais reduziu-se em

consequência do processo de convergência e a moeda única inviabilizou as

estratégias cambiais proteccionistas; o alargamento da União Europeia introduziu

na arena da concorrência-preço nos mercados externos e internos, e da

concorrência pelo IDE, novos competidores; por fim, a crescente abertura ao

exterior da EU, acompanhada da entrada de novos jogadores na economia global,

abateu as ilusões que pudessem restar quanto à viabilidade de uma

competitividade baseada em mão-de-obra barata.

A percepção destas tendências como “desafios” é recente2 mas parece ser genuína.

Dela decorre, como esboço de uma resposta estratégica do país e das empresas, a

percepção da necessidade (e da urgência) de uma dupla qualificação: o

crescimento quantitativo deveria dar lugar a um crescimento qualitativo baseado,

por um lado, na qualidade do produto e do serviço, na inovação de processo e de

produto, na melhoria da gestão e, por outro, na qualificação da mão-de-obra, com

melhoria do sistema educativo e investimento em formação profissional.

O cenário implícito de reforço da integração económica mundial, o diagnóstico de

“esgotamento do modelo de desenvolvimento” e a aposta estratégica na

qualificação são efectivamente consensuais, de tantas vezes repetidos tornaram-se

lugares comuns.

Por que razão parece então ser tão difícil traduzir a visão consensual em acção

colectiva, ou concertada?

É possível que o consenso seja demasiado precário, ou em alguma medida

encenado, escondendo uma diversidade de interpretações quanto às causas mais

profundas de esgotamento do “modelo de desenvolvimento” (Figueiredo, 2005). No

2 Até há bem pouco tempo muitos empresários das empresas tradicionais e muitos trabalhadores acreditavam que os pré-avisos dos especialistas eram “previsões catastrofistas” desmentidas pelos factos. Na realidade, graças às desvalorizações cambiais, primeiro, e a incentivos e apoios diversos, depois, os “factos”, sob a forma de rendimento dos empresários pareciam desmentir os “profetas da desgraça”.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 95

entanto, a interpretação que fazemos admite que o consenso é genuíno e procura

as razões da dificuldade de tradução em acção concertada nas diferentes atitudes

face à mudança, valores e estratégias.

Atitudes face à mudança e valores

É possível identificar três tipos de atitude face à percepção da aceleração das

mudanças na envolvente – a “adaptativa”, a “aristocrática”, e a “de resistência” –

que atravessam as identidades tradicionais, convivem no interior dos mesmos

grupos sociais e coabitam por vezes no discurso de um só indivíduo.

A atitude adaptativa caracteriza-se por aceitar as mudanças na envolvente como

“dados” – tendências inelutáveis, imunes à acção dos indivíduos, das organizações

e dos países. “A pior coisa”, afirmava um dos entrevistados, “é negar os factos,

porque enquanto se negar os factos não se faz nada para os ultrapassar”. Quanto à

forma de “ultrapassar os factos” a atitude é competitiva. Como dizia outro

entrevistado é preciso “trabalhar bem... trabalhar cada vez melhor e vencer as

resistências”. Esta atitude envolve a atribuição da resistência à mudança a défices

de capacidade – “quanto mais baixa a formação, normalmente maior resistência há

à mudança”. A resistência é considerada irracional: “em altura de mudanças as

pessoas reagem às mudanças, mesmo que as mudanças não as afectem tanto

quanto elas antecipam no seu imaginário”.

Encontrando-se sobretudo em empresas e indivíduos “de sucesso”, este tipo de

atitude não é característica apenas de gestores, engenheiros e outros quadros

superiores. É possível encontrá-la mesmo entre trabalhadores qualificados e

representantes destes trabalhadores muito identificados com a empresa. Esta

atitude é pró-activa, está claramente relacionada com capacidades individuais e a

consciência e confiança nessas capacidades. Está associada a uma ética

concorrencial (ou meritocrática). Tende a sobrepor considerações de eficiência à

equidade. Mobilizando todas as energias individuais, deixa pouco espaço para a

consideração “de outros”, menos bem equipados para a mudança. A dissonância

moral resultante é muitas vezes resolvida responsabilizando os menos capacitados

pela situação de vulnerabilidade em que se encontram.

A atitude “aristocrática” aflora, por vezes, em algum discurso patronal sob a forma

de elogio às capacidades próprias e de responsabilização dos “outros” pelas

dificuldades ou insucessos. A atitude envolve a crítica sistemática aos

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 96

trabalhadores, aos sindicatos, ao estado e à administração pública (e mesmo aos

outros empresários) e a defesa de um cenário idílico em que a liberdade de

empreender “dos melhores” não seria entravada pelas instituições, sendo antes

activamente apoiada pelos recursos e políticas públicas. O “aristocrata” considera-

se detentor de direitos especiais, merecedor de privilégios por força da sua

propriedade. Nesta perspectiva, as pressões provenientes das mudanças na

envolvente não suscitam a necessidade de modificar as próprias estratégias ou

comportamentos, sendo antes encaradas como uma oportunidade para obter um

reforço de poder que independentemente destas mudanças já seria desejado.

A atitude “aristocrática” mobiliza e recicla valores ancestrais na sociedade

portuguesa. É uma espécie de “miguelismo burguês”, desenvolvido à sombra da

protecção e da instrumentalização do estado. Pressupondo a naturalização da

desigualdade, tende a escandalizar-se com a democratização do acesso aos bens

públicos e privados conquistado na sociedade portuguesa nos últimos trinta anos.

Conta com a submissão resignada e pode nesse sentido assumir formas

paternalistas.

A atitude de “resistência” procura adiar os impactos mais negativos das mudanças

na envolvente ou evitá-los. É mais frequente em meios laborais e sindicais,

interpreta as tendências como um episódio de refluxo histórico e perspectiva a sua

actuação na óptica da salvaguarda de direitos. Está dilacerada entre uma

flexibilidade táctica que aceita participar no jogo negocial, podendo estar disposta a

aceitar cedências que consolidem a sua posição de “parceiro negocial”, e uma

“firmeza de princípios” que tende a encarar a legislação do trabalho e outra

regulamentação, tal como existe, como a única rede de protecção possível. Num

contexto negocial desfavorável, a escolha entre qualquer das vias apresenta-se

difícil.

Convergência e divergência na percepção dos factores críticos

A análise dos depoimentos dos actores a respeito dos factores críticos acima

identificados permite identificar um conjunto de convergências e divergências em

torno das quais se desenrola o jogo estratégico.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 97

Qualificação dos recursos humanos

Os actores são unânimes em atribuir aos baixos níveis de qualificação da população

activa portuguesa (trabalhadores e empresários) grande parte da responsabilidade

pelos baixos níveis de produtividade, competitividade e capacidade de inovação das

empresas. Comentários tendentes a desvalorizar o problema como: “não estou a

dizer que a qualificação que nós temos é desejável, é boa, mas não é tão má como

as estatísticas apontam” – são marginais e minoritários.

O desajustamento entre as qualificações proporcionadas pelo sistema educativo e

as necessidades das empresas é amplamente referido. Em consequência, as

empresas que apostam na formação são obrigadas a desenvolver competências que

são transferíveis e portanto susceptíveis de valorização no quadro de outras

empresas.

O problema da ineficácia da formação para alguns grupos de trabalhadores é

salientado por alguns actores: “Formação por formação não resulta (...) O resultado

da formação para níveis etários elevados e pouca qualificação é praticamente nulo”.

A consequência é encarada com preocupação: “Aceleram-se os processos de

reestruturação, esta gente sai do mercado activo e depois vai fazer não sei bem o

quê”.

Alguns actores, sobretudo da administração pública, sublinham que a fraca

formação dos empresários constitui um obstáculo à valorização de uma mão-de-

obra mais qualificada, dificultando o recrutamento de jovens com qualificações

académicas mais elevadas.

Os actores coincidem também na percepção de que parte do problema decorre de

uma desvalorização do ensino profissional em Portugal, mas divergem quanto à

atribuição de responsabilidades a um défice de oferta ou a um défice de procura,

oscilando entre posições que atribuem o problema ao desmantelamento do ensino

técnico em 1974 e ao “estatuto de menoridade” que a formação profissional

continua a ter (“não se canalizam recursos suficientes para o ensino de formação

profissional”) e outras que salientam o facto de “o perfil das empresas estar

adequado ao perfil dos empregados”, não se podendo “alterar o perfil dos

empregados sem alterar o perfil das empresas”.

No horizonte parece desenhar-se um conflito público-privado neste domínio: “Neste

momento, parece que o Ministério [da Educação] se vai preocupar com o ensino

profissional e está a preparar-se para o fazer da pior maneira, que é destruir o que

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 98

existiu até agora, em grande parte privado e chamá-lo ao público”, notou um dos

entrevistados.

Por outro lado, em alguns depoimentos perpassa a percepção de que em torno da

formação como actividade amplamente subsidiada se desenvolveram fenómenos

perversos e um “aparelho” poderoso que resiste à mudança: “Ainda continuamos

muito com a ‘velha’ formação, ou seja, quando os trabalhadores não têm uma

actividade importante a desenvolver na empresa são colocados em formação, e

assim sempre é dado algum apoio, mesmo que a formação não sirva para nada”; e:

“Sou uma pessoa da formação e acho inacreditável o estado a que se chegou.

Ainda no outro dia falava com uma pessoa de uma das organizações que faz

formação de boa qualidade, e comentava como era possível que as empresas ainda

mandem pessoas e recorram a fundos comunitários para formação em Excel, Word

e outros conteúdos mais primários”, ou ainda: “O aparelho de formação que se

criou é altamente conservador. Ninguém quer mudar nada porque todos estão

satisfeitos com os poderes que têm. O Instituto de Emprego continua a gerir

duzentos e tal programas; não há nenhum técnico de emprego que consiga

conhecê-los a todos. Há grandes dificuldades internas para reduzir programas,

mesmo aqueles que praticamente não têm gente. A realidade mudou e a máquina

tem que se adaptar a essa nova realidade.”

Informalidade

As visões acerca da informalidade (entendida como incumprimento da legislação de

enquadramento, das obrigações fiscais e respeitantes à segurança social)

organizam-se entre um extremo em que “informalidade (...) significa concorrência

desleal” e um outro que a desvaloriza: “(...) é evidente que há fuga ao fisco (...)

mas as taxas estão dentro da média europeia, não são uma espécie de caso à

parte”. Consideram os primeiros que a informalidade tem consequências graves no

plano da qualificação das empresas, uma vez que a “empresa formal vê reduzida a

sua capacidade de investir em inovação e novos produtos”, adiantam os segundos

que a informalidade se deve “basicamente a duas condições: os mecanismos de

controlo existentes não são eficazes (...) e as leis em Portugal são feitas sem

consulta”.

É por vezes sugerido que informalidade deve ser atribuída a um excesso de

regulamentação. Quando assim é, recomenda-se, como via para o combate da

informalidade, a adaptação dos regulamentos e incentivos como a “isenção/

redução da contribuição para a segurança social (...) mais do que repressão”.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 99

A relação entre adaptabilidade e informalidade é identificada por alguns. Na opinião

de um entrevistado: “Podemos dizer que nos EUA há muita flexibilidade e em

Portugal há informalidade”.

A informalidade é vista sugestivamente como uma realidade enraizada, já

internalizada pelos indivíduos: “Quando se fala em obrigações já se está a pensar

em como violá-las”.

Um dos sindicalistas entrevistados encara-a como um problema nacional de grande

dimensão: “Nós costumamos dizer que o acordo social e político mais útil que se

podia trabalhar neste país era um acordo centrado no compromisso da lei, que

fosse envolvente em relação a todos os cidadãos, mas que tivesse uma expressão

muito forte no trabalho”

Cooperação inter-empresas

O défice de cooperação inter-empresas é geralmente visto como um traço negativo

caracteristicamente português atribuível “às mentalidades”: “Não há cultura de

cooperação em Portugal”.

No entanto, alguns dos entrevistados apresentam perspectivas mais elaboradas.

Afirmava um deles: “Há cooperação em Portugal. Há cooperação informal e

cooperação no sector informal (...). Há quem diga que existe uma forte rede de

cooperação informal em muitas empresas onde não existe a cooperação formal e

regulamentada”. Com uma perspectiva semelhante um outro entrevistado,

sindicalista, sugeria que o fechamento das micro e pequenas empresas sobre si

próprias poderia de alguma forma estar relacionado com o propósito de proteger

práticas de informalidade da curiosidade de observadores externos, nomeadamente

sindicais: “Onde há organização dos trabalhadores, há mais cumprimento da lei.

Em Portugal, os patrões fazem um ataque enorme ao exercício da actividade

sindical, e que tem dois factores muito bem identificados: (i) impedir que os

trabalhadores, organizando-se colectivamente, possam fazer pressão para

melhorarem as suas condições de trabalho (no plano salarial mas não só); (ii) Os

patrões querem ninguém que observe a gestão e o andamento da empresa – é uma

obsessão autêntica.”

Contra a opinião geral que sublinha as vantagens e a necessidade da cooperação

inter-empresas apenas um dos entrevistados referiu que a cooperação “facilitaria a

revelação de saberes específicos” como argumento em desfavor.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 100

Relações Laborais

Embora por razões distintas, os actores coincidem numa apreciação negativa do

novo código de trabalho. Para as confederações patronais e na opinião de gestores

de recursos humanos, ouve-se: “mexeu-se no código de trabalho, e não mudou

praticamente nada”. A parte sindical coincide na opinião de que o novo código não

dá resposta a nenhuma das “novas” questões; noutras, acrescenta, representa um

retrocesso: “Quais são as novas questões do trabalho? Organizacionais e

estruturais, deslocalizações de empresas, subcontratações, estruturação das

multinacionais. Quais são as grandes mudanças do trabalhador? Movimentos

migratórios, aumento da esperança de vida, aumento quantitativo e qualitativo das

mulheres no trabalho e, depois, as questões dos saberes e das qualificações.

Pegue-se neste código do trabalho português, por exemplo, e veja-se se incorporou

algo que tenha a ver com isto! Nada.”

Por outro lado, da parte sindical ouve-se também: “O direito do trabalho existe,

com as características que tem, baseado na consideração que o trabalhador é a

parte mais fraca da relação. (…) Mas, quando o código de trabalho permite, em

alguns aspectos da relação individual, e especialmente na contratação colectiva,

que os contratos possam ser mais desfavoráveis que a própria lei e a caducidade

dos contratos colectivos de trabalho, então o que resta aos trabalhadores para

negociar (após a caducidade dos contratos).”

O novo código de trabalho seria responsável segundo as confederações sindicais

pelo bloqueio da contratação colectiva; uma avaliação a que as confederações

patronais contrapõem números de novos contratos assinados que não coincidem

com os das primeiras.

Os actores sociais tendem a projectar imagens estereotipadas uns dos outros nos

seus depoimentos: ”eles [os sindicatos] vão é pela defesa dos direitos dos

trabalhadores, vão pela manutenção dos direitos que no fundo é tudo o que vai

permitir que tenhamos uma maior rigidez e maior inflexibilidade para gerir as

empresas”, afirmava um gestor de recursos humanos. “Muitas vezes há da parte

dos empresários o quero, posso, e mando”, contrapõe um dirigente sindical ou “há

hoje uma tentativa de matar a negociação”, acrescentava outro.

Mas logo a seguir o mesmo gestor de recursos humanos acrescentava: “nós aqui

não temos muita razão de queixa... as pessoas que temos na comissão são pessoas

até bastante esclarecidas, o que ajuda, não são daquela cegueira que só vêem as

queixas dos trabalhadores e o resto não conta muito nem que a empresa vá à

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 101

falência... nós temos vindo a trabalhar bem com eles...”. Por outro lado, o mesmo

dirigente sindical que tinha assinalado a tentativa de matar a negociação,

relativizava, mais à frente, esta tendência: “Mas no nosso país há sectores em que

há negociação, embora não com grande profundidade... Há sectores onde há

alguma capacidade de inovação…”

De facto os depoimentos sugerem uma abertura para a negociação que não

corresponde às imagens estereotipadas. De dirigentes sindicais foi possível ouvir,

por exemplo: “Hoje é mais ou menos pacífico na sociedade portuguesa que a

polivalência bem utilizada, nomeadamente a utilizada em articulação com a

negociação colectiva, pode ser muito importante em termos de adaptabilidade da

empresa, mas pode ser muito importante em termos de valorização profissional,

desde que de facto haja salvaguarda de alguns princípios e direitos”. Ou ainda de

outro quadrante sindical: “A ideia que se gerou é que os sindicatos são

completamente contrários à flexibilidade. Isso não corresponde à verdade e pode

ser constatado, nomeadamente em alguns ‘sítios’ no sector têxtil. Houve a

capacidade de se fazer essa negociação, os trabalhadores são sensíveis ao

problema do emprego e à realidade da empresa, sem prejuízo do que falámos

atrás, e a negociar esses aspectos se constatarem que a resolução de algumas

dessas questões podem conduzir à diminuição dos problemas da empresa.

Obviamente, que não estão receptivos, nomeadamente os sindicatos, a negociar

esses aspectos de uma maneira qualquer. Têm que ser inseridos num projecto que

tenha um mínimo de viabilidade e que seja, de facto, adaptado à empresa e às

necessidades da empresa, mas com uma visão de que aquilo vai servir para algo e

que não servir apenas para retirar direitos e cortar salários. Tem que haver

equilíbrios”

Do lado das empresas é possível ouvir também: “É muito importante a

representação dos trabalhadores, primeiro que tudo, numa empresa que quer

vingar e tem uma determinada dimensão, é preciso ter alguém que represente os

trabalhadores porque negociação individual torna-se difícil... Em relação à CT, o

meu conselho, a minha perspectiva é uma CT efectivamente representativa, e forte

e muito forte. Pode ser muito difícil negociar com uma CT, mas de certeza que os

resultados vão ser muito mais fiáveis e aplicáveis nesse contexto do que com uma

comissão fraca ou com representantes mais fracos que cedem mais facilmente mas

que depois são acordos que não vingam… mais cedo ou mais tarde não vingam…

perdem-se.”

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 102

Pelo lado sindical, a percepção de uma tendência para deslocar a negociação do

sector para empresa é vista com preocupação: “Num país dominado por PME,

defendemos que se deve caminhar para uma negociação ao nível da empresa

complementar à negociação sectorial, salvo em grandes empresas, em que há uma

dinâmica patronal e sindical, com parceiros altamente representativos, que torna

possível as negociações. Mas numa pequena empresa há riscos na negociação

colectiva e, com cerca de 200 mil empresas, não vamos a nenhum lado por essa

via”.

Em geral, constata-se dos depoimentos que as dificuldades no plano do diálogo

social tendem a ser atribuídas pela parte patronal à “ortodoxia” dos sindicatos, e

pela parte sindical à “estratégia de desregulamentação adoptada pelo patronato”. A

parte sindical ressente-se de um contexto negocial que é desfavorável: “A receita

neoliberal em termos gerais, e que varre o mundo, é criar a ideia de que aquilo que

é moderno no trabalho é a precariedade, ou as precariedades... e a desregulação

do trabalho. E a partir daí considerar que os direitos dos trabalhadores são

privilégios...”.

Da parte sindical ainda é a inexistência de um clima favorável à negociação o que

explica o fracasso de uma flexibilização negociada da legislação do trabalho:

“Havendo um desequilíbrio entre a lei e a negociação, em Portugal prevalece

sempre a legislação. Aliás se virmos bem os grandes contratos, normalmente a

maior parte reproduz a legislação... É evidente que não havendo um quadro de

negociação forte e claramente definido, então é preferível haver um quadro

legislativo detalhado. Se a negociação do clausulado tivesse maior detalhe, então o

quadro legislativo poderia ser mais ligeiro.”

E, no entanto, o mesmo dirigente sindical considerava: “Nós achamos que a lei do

trabalho, que é evidentemente uma lei geral, deve ser ‘substituída’ pela

negociação. Na lei do trabalho define-se o caso geral de protecção dos direitos e,

posteriormente, a negociação é a que afirma a expressão desses direitos... Não se

trata de ignorar ou desrespeitar a lei mas tentar avançar [através da negociação]

para além da legislação, que define um quadro próprio. E depois criou-se um

imobilismo muito grande, a lei muda mas a negociação mantém a lei de alguns

anos. De facto, estes passos por vezes conduzem à ruptura e o código de trabalho

acaba por ser uma ruptura. Face a bloqueamentos nestes aspectos, muitas

matérias estavam em vigor em contratos que reproduziam leis de ‘75 ou de ‘80, e

entretanto a economia e a sociedade mudara, as leis mudaram, de maneira muitas

vezes relativamente pacífica, mas os contratos mantiveram-se.”

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 103

A relação rigidez legislativa – negociação é vista do seguinte modo por um outro

dirigente sindical: “O problema de hoje não está nas novas formas de prestação de

trabalho ou em novos factores de aferição do valor do trabalho para efeitos de

remuneração ou de determinação dos horários do trabalho, ou outros, o problema

está na aceitação que as partes intervenham em ‘pé-de-igualdade’ na identificação

dos mecanismos para determinar esses factores”.

Capacidade de Inovação

Embora os depoimentos tenham sido menos desenvolvidos neste aspecto, é

possível constatar que a inovação é em geral considerada um “desígnio nacional”.

Esta percepção é matizada por vezes pelo cepticismo relativamente ao realismo de

um “salto” tecnológico de qualquer tipo e pela constatação de que a emergência de

empresas de excelência em áreas de tecnologia avançada não demonstra nem

implica uma capacidade do tecido empresarial para a inovação.

Numa das entrevistas, o tema da inovação evocou espontaneamente o da

“subsidiação”: “Uma forma de levar as organizações empresariais a trabalhar

melhor, era ter um era ter um estado mais moderno e mais exigente; … não é mais

pequeno … isto implicava … que o próprio estado tivesse uma concepção do País,

uma concepção da gestão que fosse influenciado por certas e determinadas ideias

ao nível do funcionamento das organizações, e ele próprio impusesse padrões de

excelência, de funcionamento elevado das organizações que quisessem cooperar

com o estado. Nós, enquanto comunidade, enquanto estado, atribuímos subsídios,

atribuímos… negociamos programas de desenvolvimento, etc. mas não exigimos…

poucas coisas exigimos ao nível do funcionamento das organizações propriamente

ditas, o resultado directo daquilo que se fez … o subsídio, procura-se que seja bem

aplicado, mas não se diz: como contrapartida do subsídio, nós consideramos que,

do ponto de vista da gestão e da organização, há marcos conceptuais que levam a

uma melhoria do funcionamento das organizações e os senhores têm que provar

que fazem isso... Isto é burocracia? Não! Isto é o dono da obra a dizer como é que

quer que as coisas funcionem… O grande problema… nós dizemos assim: mas

quem é que podia fazer isto? Podia fazer isto um estado moderno, um estado

avançado, que se preocupasse em definir um marco para o país, um marco para o

funcionamento das organizações… ”.

O palco de conflito fundamental

Como seria de esperar as relações laborais são ainda hoje o palco de conflito

fundamental. Noutras questões fundamentais, incluindo prioridades como a

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 104

qualificação dos recursos humanos e as capacitação das empresas para a inovação

parecem existir áreas de consenso importantes.

Nas questões laborais o confronto principal parece não residir exactamente na

contradição entre estratégias empresariais que procuram a criação de vazios na

regulamentação das relações laborais e estratégias sindicais de “resistência” que

procuram refúgio numa recusa da renegociação dos contratos colectivos e da

legislação laboral. Embora este confronto possa existir, as imagens estereotipadas

não dão conta de uma outra realidade mais complexa, envolvendo, por um lado,

empresas que procuram cultivar o diálogo social, mas em quadros em que a sua

hegemonia não seja questionada, e que em conformidade procuram deslocar a

negociação para o quadro exclusivo da empresa e, por outro lado, sindicatos que

estão em princípio dispostos a negociar a flexibilidade sob condição de um

reequilíbrio das posições negociais.

Jogos de actores

Os principais actores sociais parecem estar actualmente envolvidos num estranho

jogo. Ao mesmo tempo que reconhecem a importância e a necessidade de uma

dupla qualificação das empresas e dos trabalhadores, nem os empresários parecem

revelar uma intenção resoluta de investir na formação e em factores que capacitem

as empresas, nem os trabalhadores parecem suficientemente motivados para o

fazer.

Em torno da formação, por exemplo, a situação existente pode ser representada de

forma caricatural através de um jogo de duas pessoas – empresários e

trabalhadores – ambas confrontadas com a escolha formação ou não formação e

ambas conscientes das vantagens mútuas da dupla qualificação, poderíamos

construir a seguinte matriz em que (+ , +) significa um resultado positivo quer

para os empresários, quer para os trabalhadores e (— , ——), um resultado

negativo para os empresários e muito negativo para os trabalhadores:

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 105

Trabalhadores

Formação Não formação

Formação (+ , +) (—— , —)

Em

pre

sári

os

Não formação (— , ——) (— , —)

O não investimento em formação por parte dos empresários e dos trabalhadores é

considerado negativo por ambos os jogadores e o investimento de ambos é

reconhecido como positivo, quer por uns, quer por outros. No entanto, se partirmos

da situação em que os dois actores escolhem a não formação, qualquer deslocação

isolada no sentido da formação pioraria a situação de quem a empreendesse – se

os trabalhadores investissem isoladamente na formação, não encontrariam

empresas em que essas qualificações fossem valorizadas; se as empresas

tomassem a iniciativa, correriam o risco de não ver o seu esforço não

correspondido pelos trabalhadores.

Existem neste jogo dois “equilíbrios”, um “baixo” (não formação/não formação) e

um “alto” (formação/ formação). Quando a situação inicial é um equilíbrio “baixo”

nenhum dos jogadores dará o passo que permitirá a ambos passar ao equilíbrio

“alto”. A passagem de um a outro só é possível se ambos os jogadores tiverem

garantias de que são acompanhados no seu movimento. A situação exige

coordenação, ou, mais precisamente, confiança.

Se a interacção dos agentes num jogo como este assumir a forma estratégica, não

existe passagem do equilíbrio “baixo” ao “alto” senão através de uma alteração da

estrutura de incentivos. Isso poderia acontecer, por exemplo, no caso dos

jogadores receberem uma qualquer forma de benefício exógeno em caso de

formação (ou de penalização, no caso contrário) que cobrisse o custo da formação

descoordenada. A solução tem sido testada e nem sempre com sucesso.

Uma parte do insucesso deste tipo de incentivos pode resultar de uma

descoordenação dos perfis de qualificação – não havendo esforço de qualificação

por parte das empresas pode ser difícil determinar o tipo de formação em que os

trabalhadores devem apostar.

Outra parte do insucesso pode estar relacionada com outro tipo de jogo, que

envolve apenas as empresas. Assumindo que os trabalhadores estão motivados

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 106

para adquirir formações e que as empresas sentem necessidade de recursos

humanos mais qualificados, para que exista investimento das empresas em

formação é preciso garantir que um número suficiente de empresas o faça e que

para nenhuma delas exista a possibilidade de aceder sem custo aos benefícios da

formação financiada por outros. Uma solução para este dilema, poderia passar pela

imposição legal de um número mínimo de horas de formação em todas as

empresas.

Incentivos e valores

O jogo que acima serve de ilustração captura apenas a dimensão estratégica de

interacção, ignorando o contexto institucional e normativo em que a interacção

ocorre. Na realidade, os jogos que os actores jogam são mais complexos.

Toda a interacção social, em particular no domínio das relações laborais, envolve

necessariamente conflito e negociação. No entanto, é importante não perder de

vista que os papéis desempenhados pelos actores nos processos de

conflito/negociação são institucionalizados. O jogo tem regras que estabelecem as

jogadas admissíveis e as acções apropriadas em cada contexto.

Além disso, o enquadramento normativo do jogo pode sobrepor-se às preferências

decorrentes do interesse próprio: “Por outras palavras, as regras institucionais

canalizam e restringem as jogadas potenciais, moldam os incentivos e podem

influenciar as percepções e as preferências dos actores” (Scharpf, 2000: 22). A

expectativa que os jogadores têm dos outros e de si mesmos é a de respeito pelas

regras formais e informais do jogo.

Estas regras envolvem sempre sistemas de valores. Nesse sentido, os sistemas de

valores são pelo menos tão relevantes quanto a conflitualidade de interesses,

quando está em causa a explicação da incapacidade de acção colectiva. Na

realidade, subjacente ao défice de confiança que dificulta a passagem de equilíbrios

“baixos” a “altos” pode esconder-se uma insuficiente partilha de valores na

sociedade portuguesa.

O modo como os valores se criam e se delapidam, as formas que as intervenções

públicas podem assumir no sentido da criação e acumulação dos valores, são

questões cruciais, mas infelizmente insuficientemente compreendidas.

Os esquemas de incentivos (positivos e negativos), em particular os pecuniários,

são sempre concebidos no pressuposto de que os agentes são exclusivamente

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 107

movidos pelo interesse próprio, isto é, que as obrigações normativas, se bem que

possam influir nas motivações dos agentes, são negligenciáveis.

No entanto, existe hoje abundante investigação teórica e empírica que põe em

causa esta concepção das motivações humanas (ver, por exemplo, Frey, 1997).

Essa investigação sugere que as dimensões normativas são efectivamente muito

importantes na definição das preferências dos agentes, e revela algumas das

formas através das quais os incentivos operam sobre as preferências e as

motivações. Mostra, em particular, que os incentivos pecuniários podem em alguns

casos reforçar a disposição dos agentes para a realização de acções que, à partida,

estão dispostos a empreender, independentemente de qualquer prémio ou punição.

Mas mostra também que podem ocasionar uma diminuição da prestação, quando a

motivação “extrínseca” (decorrente do incentivo) substitui a motivação “intrínseca”

(decorrente, por exemplo, de uma obrigação normativa).

O caso clássico é o da doação de sangue ou de órgãos, onde a provisão por dadores

voluntários e a qualidade da provisão podem diminuir quando o voluntariado é

substituído pela provisão remunerada. No entanto, a investigação demonstra que

estes mecanismos não dizem respeito apenas a situações marginais (não

económicas). Em múltiplos domínios – do ambiente às relações laborais – tem sido

identificada a presença deste tipo de efeito de substituição de motivações com

redução da disposição contributiva (crowding out).

O que esta investigação sugere é que o recurso generalizado a incentivos

pecuniários (positivos e negativos), equivalendo a uma mercantilização de todas as

formas de relação social, se poderia contar entre os factores que explicariam a

delapidação de valores.

A conclusão geral a retirar desta linha de investigação é a de que as dimensões

normativas da acção não podem ser ignoradas. Os actores evocam frequentemente

valores morais quando reflectem sobre a sua actividade. Nas nossas entrevistas

ouvimos um gestor de recursos humanos dizer a respeito de negociações salariais:

“não faças aos outros o que não queres que te façam a ti, isto é a minha máxima;

é assim, eu não vou fazer a ninguém aquilo que eu acho prejudicial para mim, nem

sequer consigo argumentar muito bem numa situação dessas, portanto temos de

ter moral, ter respeito, temos de nos olhar ao espelho e estarmos felizes com o que

somos, dormirmos descansados”. Testemunhos como este devem ser levados a

sério. Os valores evocados influenciam de facto o comportamento de todos os dias.

Além disso, se o sistema de valores se alterar, por exemplo, em consequência da

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 108

introdução de esquemas de incentivos, o comportamento pode modificar-se em

sentido contrário ao antecipado.

Os sistemas de valores e o discurso têm influência no resultado dos jogos que os

actores jogam. O sucesso na passagem de equilíbrios “baixos” a “altos” é

condicionado não só pela negociação como pela argumentação (Schmidt, 2000) –

isto é, a capacidade de produção de um discurso político persuasivo, envolvendo

aspectos positivos e normativos, capaz de induzir nos agentes a disposição para

participar em “desígnios colectivos”. Essa disposição depende de uma convicção

individual a respeito do mérito da participação, apesar do custo que ela possa

envolver, e a confiança quanto à existência de uma semelhante disposição

participativa por parte dos outros.

Liderar a negociação e elaborar a argumentação são, afinal, duas das missões

fundamentais dos dirigentes políticos.

A adaptabilidade necessária e o que queremos evitar

Não faz sentido discutir a reforma da regulamentação sem uma ideia precisa do que queremos alcançar e do que queremos evitar.

Gøsta Esping-Anderson e Marino Regini

Introdução a Why Deregulate Labour Markets?

Partindo da análise das tendências de evolução e das motivações e estratégias dos

actores, o objectivo da prospectiva é a identificação de futuros possíveis. A

prospectiva não é um exercício meramente técnico. Envolve sempre escolhas

explícitas ou implícitas, baseadas em critérios normativos, entre uns cenários que

se pretendem evitar e outros que se pretendem alcançar. Esses cenários e as

escolhas a eles associadas, cujo fundamento normativo preferimos explicitar,

constituem o objecto desta secção. Partimos de uma reflexão sobre tendências e

cenários a uma escala europeia, particularizando-a depois para o caso português.

Tendências

Em geral, parece ser consensual que as transformações do trabalho no quadro da

chamada “crise do fordismo”, se têm traduzido “numa degradação das condições de

vida e de trabalho (...), evidente para os desempregados e os working poor (...)

mas também para ‘os que têm a sorte de ter um emprego’”, que “é particularmente

visível onde a flexibilidade foi entendida de forma unilateral, como ajustamento dos

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 109

recursos humanos às mínimas flutuações do mercado, e não de forma bilateral,

como conciliação da liberdade de empreender e da liberdade de trabalhar” (Supiot,

1999: 10).

Mas esta tendência negativa não está necessariamente inscrita nas transformações

do trabalho que, segundo Supiot (1999), se têm operado a três níveis distintos: (a)

o da promoção do trabalho independente relativamente ao trabalho assalariado; (b)

o da evolução do critério de subordinação que caracteriza o contrato de trabalho;

(c) o da exteriorização ou subcontratação do trabalho.

Estas mudanças podem ter expressão em modelos muito diferentes de relações de

trabalho. Em sectores de actividade tradicionais e de fraco valor acrescentado

podem corresponder simplesmente a estratégias de fuga ao direito do trabalho e à

procura de uma compressão de custos salariais; em sectores dotados de elevadas

qualificações podem corresponder a estratégias de inovação. No primeiro caso, o

objectivo é “reduzir o peso do factor humano (em termos financeiros); no outro, é

pelo contrário aumentá-lo (em termos de iniciativa, de competências e de

qualificações)” (Supiot, 1999: 27).

O recurso ao trabalho independente tanto pode assumir a forma de exclusão do

direito do trabalho dos trabalhadores pouco qualificados e em condição precária,

como meio de evasão, eventualmente fraudulento, por parte de algumas empresas,

dos constrangimentos que impendem sobre empresas concorrentes; como pode

significar uma valorização das capacidades de inovação e de adaptação de

trabalhadores autónomos e muito qualificados.

A evolução do critério de subordinação tanto pode implicar um reforço da

autonomia no trabalho, como um aumento do peso da própria subordinação. No

primeiro caso incluem-se os movimentos de substituição da organização piramidal

pela organização em rede, onde a autonomia dos trabalhadores é estimulada. No

segundo caso inclui-se a generalização dos empregos precários, em que ao poder

de direcção característico do contrato tradicional se adiciona o poder irrestrito de

dar ou não seguimento à relação de trabalho no momento em que o contrato

expira.

Sob a capa de exteriorização ou subcontratação tanto podem estar relações de

serviço genuínas, que em muitos casos podem impulsionar spin offs envolvendo

trabalhadores muito qualificados, os quais, desta forma, vêm acrescida a sua

autonomia, como se pode esconder, no pior dos casos, o puro e simples tráfico de

mão-de-obra.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 110

As direcções em que apontam as transformações do trabalho, no fundo as formas

que pode assumir “a adaptabilidade”, são portanto divergentes. Como escreve

Supiot (1999: 13), para o trabalhador assalariado ou independente e para a

sociedade, a evolução “pode (...) conduzir ao melhor ou ao pior: ao melhor no caso

em que as evoluções conduzem à fundação de um estado profissional que concilia

liberdade, segurança e responsabilidade. Ao pior quando falta um destes três

factores.”

O cenário a evitar

O modelo do Wefare State, como lembra Supiot (1999), pode ser interpretado

como um pacto social, envolvendo um compromisso entre dependência económica

e segurança social: quem aceitava um emprego submetia-se ao poder de outrem,

mas em troca via garantidas as condições de “uma vida social normal”. As bases

desse pacto foram postas em causa – a pressão económica, sobre os que não têm

e sobre os que têm trabalho, deixou de ser compensada pela segurança.

O discurso da “desregulamentação” procura agora fazer passar a mensagem de

que, uma vez rompido esse pacto, o dilema emprego-segurança só pode ser

resolvido a favor do emprego se o trabalho for reconduzido à situação de uma

mercadoria-como-as-outras, e a relação de trabalho for desembaraçada de

constrangimentos institucionais. Desejável ou não, essa transformação do trabalho

estaria inscrita na ordem natural das coisas.

Mas “a ordem natural das coisas” é escrita, quase sempre, por linhas tortas e como

nos lembra mais uma vez Supiot,

“(...) os homens acabam sempre por se revoltar contra um determinismo que pretende

condená-los à miséria ou ao vazio social. Mas essa revolta (e a violência que inevitavelmente a

acompanha) pode conduzir às piores regressões quando não é sustentada por uma utopia

razoável, por uma nova ideia de Justiça; dito de outra forma, pela reivindicação de um novo

estado de direito. O estado-providência foi a utopia razoável deste século; onde triunfaram as

utopias “científicas” (leis da história, leis da raça), a revolta deu à luz monstros.” (Supiot, 1999:

13)

À falta de uma utopia razoável, por exemplo a “integração plena da dimensão social

no direito comunitário” defendida no relatório Supiot, a revolta contra o

determinismo poderia facilmente degenerar numa escalada da violência, da

xenofobia e de todos os enconchamentos identitários culminando em novas derivas

totalitárias.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 111

O que queremos alcançar

Da mesma forma que a aposta num regresso ao “fordismo” é desprovida de sentido

– o tempo histórico desse mundo de produção do pós-guerra é passado, e além

disso esse mundo não foi exactamente uma idade de ouro – igualmente insensata é

a ideia de que estamos condenados a uma ordem natural global que nos impõe

uma adaptação de sentido único.

A “globalização” não é um estado da natureza. O processo de globalização tal como

o conhecemos é, em grande parte, um resultado de uma sequência de decisões

tomadas no plano das relações internacionais. Em função da avaliação dos

resultados essas decisões podem ser corrigidas. Além disso, por muito diminuído

que esteja, o poder regulador dos governos nacionais não deixou de existir. Por

último, em espaços de integração económica e política, como a UE, existe um

potencial de intervenção reguladora que está patente em múltiplas áreas. As razões

pelas quais na UE essas capacidades se exercem com grande determinação em

alguns domínios – políticas orçamentais, políticas agrícolas, políticas ambientais –,

e se mantêm latentes noutros – políticas fiscais e políticas sociais –, relevam da

orientação política dominante da União ou da sua incapacidade de forjar consensos.

São, de qualquer modo, causas políticas e não resultados da acção de forças da

natureza.

A preservação da “sociedade aberta” depende em grande medida da capacidade de

conceber a adaptabilidade, não em termos de liquefacção geral das relações

sociais, re-mercantilização total do trabalho e individualização de todos os riscos,

mas antes de preservação dos valores de autonomia, responsabilidade e

solidariedade em que se fundaram as sociedades democráticas. Depende da

capacidade de opor ao determinismo utopias razoáveis, como a de que fala Supiot,

em que estes valores sejam recriados.

Para a Europa, as escolhas parecem polarizar-se entre os projectos que a

concebem como um simples espaço de integração económica, e os que a encaram

como um espaço de integração económica e social. Para os primeiros, são

desejáveis os vazios no normativo comunitário no que diz respeito às relações de

trabalho, como é saudável a concorrência pela atracção de capitais e pelo emprego,

entre estados, espaços regionais, empresas e trabalhadores. O resultado

antecipado seria o de uma maior competitividade das empresas europeias no

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 112

mercado global e, portanto, mais emprego na Europa3. Para os segundos é

necessária uma integração equilibrada de todos os domínios de política, que

contrarie as dinâmicas competitivas entre espaços territoriais, sem restringir a

concorrência entre empresas, salvaguardando deste modo a “coesão social”, assim

como as empresas cuja competitividade radica em instituições que favorecem a

coordenação e a cooperação.

Cenários para Portugal

O futuro para Portugal depende naturalmente dos rumos da integração ao nível

global e da UE. Mas depende também da descoberta de respostas nacionais que

possam amortecer os impactos negativos das dinâmicas globais e influir nelas,

mesmo que modestamente.

Os exercícios sobre cenários, como o que se segue, devem ser sempre tomados

com as precauções que as especulações sobre o futuro recomendam. Procuram ser

lógicos e disciplinados e, nesse sentido, requerem pressupostos que naturalmente

estão sujeitos a ser desmentidos pelos factos. Têm de qualquer modo a vantagem

de exigir a explicitação destes pressupostos e, por vezes, ajudam a descobrir

relações que não seriam de outro modo imediatamente perceptíveis.

O exercício de cenarização que de seguida propomos parte do estabelecimento de

bifurcações para cada um dos factores críticos, em que a tendência 0 corresponde

ao prolongamento de traços negativos actuais e a tendência 1 aponta numa

direcção desejável (ver quadro 3.1).

Da combinação do conjunto de bifurcações por factor crítico resultariam 32 cenários

possíveis. No entanto, a constatação de que algumas combinações são impossíveis,

ou muito pouco prováveis, permite eliminar a grande maioria dos cenários.

Consideraram-se impossíveis as combinações constantes do quadro 3.2.

O número de cenários resultante da eliminação de incompatibilidades é de cinco.

Dois deles são os cenários extremos – bifurcação 0 ou 1 em todos os factores

críticos – e os restantes três têm como elementos comuns a bifurcação 1 no

segundo e no quarto factor crítico e a bifurcação 0 no quinto. O quadro 3.3

apresenta os perfis dos cinco cenários que podem ser reduzidos a três se os

cenários intermédios forem agregados.

3 Mas o resultado observado tem sido maior competitividade das empresas europeias e menos emprego na Europa.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 113

Quadro 3.1 Bifurcações por factor crítico

1. Qualificação dos recursos humanos

0. Manutenção de taxas elevadas de abandono escolar; acesso à formação sobretudo dos trabalhadores mais qualificados; predomínio da formação geral; oferta de formação pouco influenciada por necessidades sentidas pelas empresas; reprodução dos perfis de baixa qualificação dos empresários.

1. Aumento das taxas de escolarização e melhoria da qualidade em todos os níveis de ensino; expansão da formação promovida pela procura por parte das empresas e redes de empresas; elevação dos níveis de qualificação dos empresários e pessoal dirigente.

2. Informalidade 0. Manutenção do actual quadro de adaptabilidade pela informalidade.

1. Redução dos comportamentos de fraude, evasão e incumprimentos normativos por parte de empresas e trabalhadores

3. Cooperação inter-empresas 0. Atomização empresarial, fraca densidade das redes de cooperação formal, fraco nível de integração em associações empresariais.

1. Reforço da cooperação formal local e sectorial; aumento da representatividade e protagonismo das associações.

4. Relações Laborais 0. Recuo da negociação colectiva com deslocação da negociação laboral para os níveis individual e de empresa, com perda de poder das organizações representativas dos trabalhadores.

1. Passagem de lógica de bloqueio para lógica de diálogo e negociação ao nível sectorial e da empresa, com recalibragem do direito do trabalho no sentido da flexibilização negociada.

5. Capacidade de Inovação 0. Emergência de “ilhas de excelência” inseridas na economia global num oceano de actividades tradicionais de fraco valor acrescentado

1. Desenvolvimento de pólos de excelência com capacidade de arrastamento do conjunto do tecido produtivo

No fundamental, os resultados sugerem que a disseminação da inovação a todo o

tecido produtivo é um desígnio difícil de alcançar – emerge em apenas um dos

cinco cenários. Sugerem ainda que existe uma associação forte entre a

informalidade e o tipo de relações laborais que é patente nos cinco cenários.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 114

Quadro 3.2 Combinações impossíveis

Tendência... é incompatível com... dado que...

1.0. Manutenção de taxas elevadas de abandono escolar; acesso à formação sobretudo dos trabalhadores mais qualificados; predomínio da formação geral; oferta de formação pouco influenciada por necessidades sentidas pelas empresas; reprodução dos perfis de baixa qualificação dos empresários.

5.1. Desenvolvimento de pólos de excelência com capacidade de arrastamento do conjunto do tecido produtivo

A qualificação dos empresários e dos trabalhadores é uma condição necessária do desenvolvimento da capacidade de inovação das empresas; a qualificação de segmentos da força de trabalho viabiliza apenas o desenvolvimento de alguns pólos de excelência “globalizados” mas desligados das redes nacionais

2.0. Manutenção do actual quadro de adaptabilidade pela informalidade.

3.1. Reforço da cooperação formal local e sectorial; aumento da representatividade e protagonismo das associações.

A informalidade dificulta o aprofundamento da integração em redes de cooperação formal e organizações associativas

2.0. Manutenção do actual quadro de adaptabilidade pela informalidade.

4.1. Passagem de lógica de bloqueio para lógica de diálogo e negociação ao nível sectorial e da empresa, com recalibragem do direito do trabalho no sentido da flexibilização negociada.

A adaptação pela informalidade dispensa a negociação formal e bloqueia os esforços de extensão e efectivação da protecção legal

3.0. Atomização empresarial, fraca densidade das redes de cooperação formal, fraco nível de integração em associações empresariais.

1.1. Aumento das taxas de escolarização e melhoria da qualidade em todos os níveis de ensino; expansão da formação promovida pela procura por parte das empresas e redes de empresas; elevação dos níveis de qualificação dos empresários e pessoal dirigente.

Tendo em conta a pequena dimensão das empresas, esforços de formação bem sucedidos pressupõem articulação de meios no seio de redes de cooperação inter-empresas

3.0. Atomização empresarial, fraca densidade das redes de cooperação formal, fraco nível de integração em associações empresariais.

5.1. Desenvolvimento de pólos de excelência com capacidade de arrastamento do conjunto do tecido produtivo

Tendo em conta a pequena dimensão das empresas, os esforços de capacitação das empresas para a inovação pressupõem articulação de meios no seio de redes de cooperação inter-empresas

4.0. Recuo da negociação colectiva com deslocação da negociação laboral para os níveis individual e de empresa, com perda de poder das organizações representativas dos trabalhadores.

2.1. Redução dos comportamentos de fraude, evasão e incumprimentos normativos por parte de empresas e trabalhadores

A transição para a formalidade pressupõe o reforço das organizações de trabalhadores e da participação dos trabalhadores, nomeadamente nos locais de trabalho

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Quadro 3.3 Perfis dos cenários

Perfil Cenário

Qualificação Informalidade Cooperação Relações Laborais Inovação

(1). Regressão 0 0 0 0 0

(2,3,4). Transição 0 1 0 1 0 0 1 1 1 0 1 1 1 1 0

(5). Capacitação 1 1 1 1 1

Regressão

O cenário de regressão decorrente do prolongamento de traços negativos actuais

nos diferentes factores críticos não corresponde a uma simples transposição para o

futuro do quadro actual. Em circunstâncias em que “o cerco” se aperta – isto é, em

que a competitividade dos sectores tradicionais está posta em causa e em que a

escassez de qualificações dificulta a atracção dos capitais que podem promover

uma reconversão qualificante – a inércia tende a traduzir-se em regressão. O

dilema “emprego” vs. “melhoria da qualidade do emprego” assumiria formas mais

agudas.

Para garantir o emprego seria necessário continuar a comprimir custos salariais.

Neste cenário este ajustamento seria feito à custa do alastramento da área de

desprotecção do emprego, à custa da informalidade. Neste caso, apesar da

reconversão inevitável, poderia ser possível manter algum emprego nos sectores

tradicionais (empresas que produzem pequenas séries just-in-time) e nos sectores

abrigados. Apesar das inevitáveis falências e deslocalizações o efeito agregado

sobre o emprego é indeterminado.

O cenário é compatível com a existência de pólos de excelência internacionalizados

(enclaves), onde os segmentos mais qualificados e bem remunerados da força de

trabalho se concentram. O que se pode antecipar é uma fragmentação, um

aprofundamento da dualização. Este processo poderia ser tanto mais complexo nas

suas consequências quanto a combinação da mobilidade do trabalho com a

informalidade poderia sustentar o prolongamento de dinâmicas migratórias

paradoxais. O aumento da emigração (legal) de portugueses menos qualificados

para outros países da UE, onde são melhor remunerados, é compatível com a

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

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continuação da imigração (ilegal) de trabalhadores extra-comunitários para

Portugal, onde os mecanismos de informalidade predominam.

Transição

Nos cenários de transição, a capacitação do tecido produtivo para a inovação ainda

não ocorreu, ou foi bloqueada pela (des)qualificação e pela incapacidade de

cooperação das empresas, ou só pelo primeiro destes dois factores, o que não

exclui a emergência de alguns pólos de excelência.

É um cenário bastante provável a médio prazo, embora, mesmo assim, exigente,

no sentido em que pressupõe uma transição gradual para a formalidade e uma

melhoria da qualidade do diálogo social.

Representará uma antecâmara da dupla qualificação se os factores de bloqueio

(qualificações e cooperação inter-empresas) forem removidos e se forem

encontrados os nichos e segmentos de mercado em que existe espaço para a

valorização da inovação.

Capacitação

O cenário de capacitação corresponde à realização das bifurcações virtuosas em

todos os factores críticos. Envolve o fechamento do ciclo em que a capacitação das

empresas para a inovação se transforma em elemento dinamizador da própria

produção de qualificações.

A realização do cenário de capacitação pressupõe a realização de mudanças

coordenadas ao longo da cadeia de interacções representada na figura 3.1, onde se

tornam patentes as articulações fundamentais pressupostas neste cenário: a

transição para a formalidade é viabilizada pelo (e facilita o) diálogo social e a

participação dos trabalhadores; a transição para a formalidade facilita a cooperação

inter-empresas e a cooperação inter-empresas viabiliza a qualificação da mão-de-

obra e a capacitação das empresas para a inovação; e, finalmente, o ciclo é

fechado com o impacto da capacitação das empresas para a inovação na produção

de novas qualificações.

A natureza sistémica destas mudanças sugere que elas só poderão ter lugar se

forem coordenadas, isto é, caso se desenvolva a capacidade de governação. O

estado e as políticas públicas desempenham um papel central a este respeito.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

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Figura 3.1 Rede de dependências no cenário de capacitação

A capacitação envolve quatro níveis: o dos indivíduos (qualificação), o das

empresas (capacitação para inovação), o das organizações associativas (capacidade

de diálogo e negociação, reforço da capacidade de participação na governação) e o

do estado (reforço da capacidade de governação). Constitui a resposta nacional que

pode amortecer os efeitos mais negativos da mudança na envolvente. É, em suma,

a adaptabilidade de que precisamos.

Qualificação Inovação

Cooperação

inter-empreas

Transição para

a formalidade

Diálogo social

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DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 118

Políticas para a adaptabilidade

Este último capítulo especifica um quadro de actuação pública tendente ao

desenvolvimento da adaptabilidade, particularmente aquela actuação que possa ser

mobilizada no âmbito do Quadro Estratégico de Referência Nacional (QERN),

equacionando possíveis prioridades estratégicas e formas de organização para uma

política para a adaptabilidade dos trabalhadores e das empresas.

Tomando como referência o cenário de capacitação, o capítulo apresenta de forma

sintética as principais prioridades e objectivos estratégicos de política, bem como

meios de intervenção a mobilizar, por grupo de actores.

Num segundo momento, formula um conjunto de sugestões em termos dos

princípios de organização e de gestão das medidas preconizadas, nomeadamente

no âmbito dos futuros programas operacionais.

Níveis de capacitação e prioridades de actuação

Do diagnóstico da situação portuguesa, bem como da análise das atitudes, valores

e estratégias dos actores, assim como do exercício de cenarização que lhes foi

associado, resulta a ideia de que a chave para a promoção da adaptabilidade dos

trabalhadores e das empresas se encontra na capacitação dos actores. Essa

capacitação diz respeito aos indivíduos, às empresas, às organizações associativas

e ao estado. Em complemento, a comunicação e a existência de instituições

criadoras de confiança entre esses mesmos actores são, num contexto como o

português, condições necessárias do processo de capacitação.

A capacitação dos indivíduos

É crucial dotar os portugueses de competências que lhes permitam ultrapassar o

mais rapidamente possível a situação de enorme desvantagem que ainda persiste,

apesar dos avanços registados nas últimas décadas nos domínios da educação e da

formação. O aprofundamento das competências (cognitivas, técnicas,

organizacionais, relacionais, de empreendedorismo) passa, por um lado, pelo

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 119

desenvolvimento de uma base cognitiva sólida (no qual o sistema de educação

formal é fundamental) e por outro pela actualização permanente (ao longo da vida)

das competências individuais (vertente onde o sistema de formação será

determinante).

São prioridades estratégicas ao nível da capacitação dos indivíduos: (i) Aumentar a

escolarização da população; (ii) Melhorar a qualidade da oferta educativa; (iii)

Promover a aprendizagem ao longo da vida; (iv) Promover a adequação entre

qualificações oferecidas e requeridas.

A capacitação das empresas e do tecido produtivo

Um traço característico da situação portuguesa é o baixo nível de qualificações de

grande número dos seus empresários, gestores e quadros intermédios, com

consequências graves no potencial de qualificação das pequenas empresas e na

capacidade de renovação do tecido produtivo.

No nível da capacitação das empresas e do tecido produtivo destacam-se as

seguintes prioridades: (i) o incremento da capacidade de inovar (nos produtos, mas

também nos processos ou nas formas de organização, articulando-se com o

sistema de I&D, com o meio envolvente, com os mercados globais); (ii) o

desenvolvimento da capacidade de arriscar (ultrapassando a tradicional aversão ao

risco e promovendo a aposta em empreendimentos e actividades menos seguras,

mas potencialmente mais inovadoras e dinâmicas); (iii) o aperfeiçoamento da

capacidade de se organizar e de planear a médio longo prazo (ao nível interno à

empresa, nos seus processos produtivos, na sua estrutura organizacional, mas

também ao nível da sua relação com os sistemas input-output em que esta se

insira, ou mesmo da articulação estrita com o exterior); e, finalmente, (iv) a

promoção da capacidade de se relacionar (ultrapassando as resistências à

cooperação inter-empresas, mas também ultrapassando as dificuldades de

relacionamento com o meio envolvente e com o estado).

A capacitação das organizações associativas

O reforço das organizações associativas locais, sectoriais e nacionais, tende a

favorecer a cultura de negociação e a emergência de compromissos de base

genuínos entre parceiros sociais e entre parceiros sociais e o estado. No entanto,

algumas organizações associativas tendem a dar prioridade ao seu papel enquanto

interlocutores dos poderes políticos, e a subvalorizar as suas funções de

governação.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 120

São prioridades no que respeita à capacitação destas organizações: (i) desenvolver

a cultura de negociação e de compromisso entre os parceiros sociais; (ii) incentivar

o papel das associações enquanto promotoras de dinâmicas de desenvolvimento e

de reconversão produtiva.

A capacitação do estado e dos poderes reguladores

Finalmente, é igualmente fundamental a capacitação do próprio estado e de todas

as agências com poder regulador e regulamentador nos diversos mercados (em

termos de produção legislativa, da sua implementação e fiscalização, do

estabelecimento de normas e padrões de qualidade, etc.).

Esta capacitação envolve como prioridades: (i) o aumento da eficiência e eficácia

(na obtenção e gestão de recursos, de regulamentação e fiscalização da actuação

dos outros agentes, no compromisso com o interesse colectivo público e na

garantia da sua sobreposição aos interesses particulares, na desburocratização e

facilitação da relação com os outros agentes, etc.); (ii) o desenvolvimento da

capacidade de pensar e actuar estrategicamente (mobilizando interesses

transversais de longo prazo, em torno de objectivos comuns à sociedade e

ultrapassando as questões associadas à gestão dos interesses político-partidários e

a lógica de gestão dos ciclos eleitorais); (iii) ou a capacidade de actuar de forma

efectiva, isto é, de conseguir governar efectivamente (explorando as diversas

formas de governação possíveis, articulando-se com outros actores, organizando

actuações em conjunto e reunindo esforços para, face a cada problema concreto,

encontrar soluções específicas para os resolver, adoptando o papel de mobilizador e

de facilitador de actuações e de processos de mudança, etc.).

Das prioridades estratégicas aos meios de acção

Identificados estes quatro níveis de intervenção no cenário de capacitação, procura-

se nesta secção especificar os objectivos estratégicos, para cada um dos níveis e

prioridades, bem como enunciar meios de intervenção, alguns deles passíveis de

enquadramento no âmbito dos programas operacionais a definir no quadro do

próximo QERN (ver quadro A3 no anexo).

Estando ainda muito em aberto a lógica de organização e a própria matriz global de

financiamento deste quadro, e não fazendo sentido procurar concretizar aqui o

desenho de medidas específicas, limitamo-nos a enunciar um conjunto de ideias e

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 121

princípios base de actuação que se nos afiguram fundamentais para a promoção da

adaptabilidade dos trabalhadores e das empresas em Portugal.

Capacitação dos indivíduos

Do ponto de vista da capacitação dos indivíduos, o factor crítico fundamental é a

qualificação dos recursos humanos.

O principal obstáculo à qualificação dos recursos humanos, em Portugal, decorre da

baixa escolarização (em particular da população adulta), que se reflecte não só na

performance dos trabalhadores, em geral, como, particularmente, na própria

organização e gestão das empresas.

Uma vez que a eficácia da formação é condicionada pelas aprendizagens prévias, o

aumento da escolarização e a melhoria da qualidade da educação surgem como

prioridades absolutas e urgentes, mesmo tendo em conta que os seus efeitos só se

farão sentir a prazo, e que o investimento nestas áreas terá uma visibilidade e

resultados imediatos relativamente escassos.

As complementaridades entre procura de qualificações, por parte das empresas, e

esforço de qualificação, por parte dos trabalhadores, indicam que a requalificação

exige mais do que políticas de oferta de formação. A oferta de formação deve ser

acompanhada de um impulso à procura de formação, que tem de partir das

empresas, assim como de outras condições que estimulem o investimento em

formação por parte de empresas e dos trabalhadores.

A capacitação dos indivíduos depende também da superação de bloqueios em

outras áreas identificadas como críticas.

Práticas de informalidade, como o trabalho infantil, contribuem fortemente para o

abandono escolar precoce, e o incumprimento das normas que regulam o tempo de

trabalho dificultam os percursos de aprendizagem ao longo da vida.

Por outro lado, o fortalecimento da cooperação inter-empresas pode favorecer

avanços quanto à qualificação dos recursos humanos na medida em que permite

partilhar os custos e reduzir o risco de apropriação dos benefícios da formação por

parte de quem não incorreu nos respectivos encargos, incentivando, deste modo, a

aposta das empresas na formação de competências.

Paralelamente, a capacitação dos indivíduos é uma pré-condição para a capacitação

das empresas para a inovação, mas é igualmente um resultado de processos de

inovação organizacional: a via mais eficiente para a formação dos trabalhadores

(sobretudo os menos qualificados e os mais idosos), passa pelo enriquecimento do

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 122

conteúdo da sua actividade de trabalho quotidiana, graças à implementação de

modelos organizacionais pós-tayloristas, baseados em postos de trabalho menos

especializados e mais polivalentes.

A qualidade das relações laborais condiciona igualmente o processo de capacitação

dos indivíduos, no sentido em que a adopção de modelos organizacionais, baseados

na negociação, que viabilizem relações de “lealdade” e de confiança favorece a

disposição para a aquisição de competências por parte dos trabalhadores e para a

sua provisão por parte das empresas em que estão inseridos.

Um aspecto igualmente fulcral, para lá dos factores críticos identificados, é a

protecção efectiva dos indivíduos relativamente a riscos de percurso na sua carreira

profissional, incluindo a substituição do rendimento em caso de desemprego.

Os objectivos estratégicos e os meios de intervenção para a capacitação dos

indivíduos, correspondentes a cada uma das prioridades acima indicadas é a

seguinte:

1. Aumentar a escolarização da população

• Combater o abandono escolar precoce;

• Promover e facilitar o acesso de 2ª oportunidade a quem abandonou

precocemente o sistema;

• Nivelar a escolaridade mínima obrigatória com a média europeia.

A prossecução destes objectivos estratégicos envolve a mobilização de

meios de intervenção tendentes a:

a) Acentuar a fiscalização ao trabalho infantil;

b) Desincentivar o acesso ao mercado de trabalho de jovens sem

escolaridade obrigatória;

c) Adequar as metodologias educativas aos públicos-alvo;

d) Intensificar o apoio social às crianças de famílias desfavorecidas

(refeições escolares, manuais, etc.)

e) Aumentar a oferta educativa nocturna;

f) Garantir a equivalência das formações profissionais a níveis de

escolaridade;

g) Passar a escolaridade obrigatória para o nível do ensino secundário

ou equivalente.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 123

2. Melhorar a qualidade da oferta educativa

• Promover a aquisição de competências-chave para a sociedade do

conhecimento;

• Apostar no desenvolvimento de capacidades relacionais e da

autonomia pessoal;

• Garantir a disponibilidade e qualidade das infra-estruturas de base.

Estes objectivos envolvem meios de intervenção tendentes a:

a) Identificar as competências-chave e melhorar a preparação

pedagógica e científica dos professores em todos os graus de ensino;

b) Desenvolver as capacidades de planeamento e de organização (e

outras competências relacionais e da autonomia pessoal) e adequar a

preparação pedagógica e científica dos professores à realização

destes desígnios;

c) Garantir os meios de financiamento às autarquias que lhes permitam

prover adequadamente as necessidades de infra-estruturação de

base.

3. Promover a aprendizagem ao longo da vida

• Incentivar os indivíduos a actualizarem permanentemente as suas

competências;

• Garantir que as empresas facilitam e valorizam a aquisição de

competências;

• Assegurar uma oferta adequada às necessidades (actuais e futuras)

dos indivíduos e das empresas por parte dos sistemas de ensino e de

formação;

• Estimular a actividade de formação no interior das empresas.

São meios conducentes à realização destes objectivos:

a) A validação e certificação de competências adquiridas pela

experiência;

b) A construção de balanços de competências e a identificação de

défices individuais de competências;

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 124

c) A protecção efectiva em relação a riscos de percurso na carreira

profissional dos trabalhadores;

d) A adopção de modelos organizacionais que viabilizem relações de

lealdade e confiança;

e) O reforço da cooperação inter-empresas no âmbito da formação

profissional, partilhando os seus riscos e custos;

f) A concepção da oferta formativa a partir de diagnósticos

(profissionais, sectoriais, e territoriais) das necessidades de

competências numa lógica preventiva e curativa;

g) O envolvimento dos parceiros sociais no diagnóstico das necessidades

de competências;

h) Criar programas de requalificação das chefias intermédias em PME,

com certificação (por exemplo, criação de um diploma de gestão e

organização de empresas de nível III);

i) Incentivar programas de reconversão organizacional tendentes ao

enriquecimento dos postos de trabalho.

4. Promover o ajustamento entre qualificações oferecidas e requeridas

1. Reduzir o desemprego de recursos humanos qualificados e/ou a

subutilização das competências já adquiridas;

2. Valorizar as representações sociais da educação e da formação

profissional;

3. Garantir a transferibilidade profissional, particularmente em sectores

em reestruturação.

A efectivação destes objectivos estratégicos envolve como meios de

intervenção:

a) A promoção de programas de estágios profissionais aos diferentes

níveis de educação e formação, e outros programas de inserção de

jovens na vida profissional (salvaguardando a desejável estabilidade

do vínculo de inserção);

b) A disseminação de informação sobre formações, profissões, saídas

profissionais e condições de trabalho;

c) A oferta de orientação profissional nas escolas básicas e secundárias;

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 125

d) A concepção da oferta de formação em função diagnósticos de

necessidades novas competências;

e) O alargamento dos programas de inserção de jovens licenciados.

Capacitação das empresas

O reforço da capacidade de inovação e da cooperação inter-empresas são aspectos

críticos fulcrais para o processo de capacitação das empresas na actual fase de

ajustamento da economia portuguesa.

No plano da capacitação das empresas para a inovação, o gap fundamental que é

necessário ultrapassar, envolve, por um lado, a debilidade da I&D no sector privado

e a sua desarticulação com as instituições públicas e, por outro a fraca capacidade

de introdução de inovação (mesmo incremental) nos produtos, nos processos

produtivos e na organização empresarial.

O alargamento da infra-estrutura de I&D depende fortemente não só da iniciativa

pública como de iniciativas empresariais que permitam valorizar o conhecimento

disponível e integrar as competências que o sistema de ensino e de investigação

(nacional e internacional) tem vindo a produzir. A articulação entre o tecido

produtivo e as instituições de ensino, de I&D e outras instâncias mediadoras

(centros tecnológicos, associações empresariais, etc.) é aqui fundamental.

Num quadro genérico de atomização empresarial (a par de uma certa solidificação

de redes relativamente estanques de empresas, em sistemas input-output

autónomos, no quadro de grupos económicos ou outros), a cooperação inter-

empresarial surge igualmente como uma prioridade. A cooperação permitirá

explorar economias de escala e de gama conjuntas, mobilizando massas críticas

que permitam às empresas reforçar a sua competitividade. A formação profissional,

a capacidade de criação de novos produtos e marcas, o acesso aos mercados

internacionais, a própria distribuição interna e o ganho de poder negocial face a

grandes superfícies comerciais ou a distribuidores, dependem destes factores de

escala, que tanto podem ser induzidos pela via da concentração, como pela via da

densificação de redes de cooperação. Para a maior parte do tecido empresarial (que

representa uma ainda maior parcela do emprego nacional), a cooperação é uma

condição de subsistência, que pode ser fomentada pela via do acesso a fontes de

financiamento conjunto, à informação, à partilha de infra-estruturas, etc. A

capacitação das empresas para a cooperação pressupõe e envolve ainda uma

mudança de atitudes dos pequenos empresários.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 126

Num plano mais alargado, o envolvimento num esforço conjunto de requalificação

do tecido produtivo exige coordenação e cooperação e a invenção de formas

institucionais que sustentem mecanismos de regulação autónomos ou em parceria

com outros actores e poderes públicos. A geração de formas de governação

específicas, enraizadas territorial ou sectorialmente, é crucial, devendo ser

contemplada no desenho das políticas públicas.

A qualificação dos recursos humanos (incluindo as competências dos próprios

empresários) é igualmente um aspecto central do processo de capacitação das

empresas. A empresa capaz de inovar, de arriscar, de se organizar eficientemente e

de se relacionar, é necessariamente uma empresa que mobiliza competências

avançadas nos planos operacionais e de gestão.

A capacitação das empresas pressupõe ainda um ambiente de relações laborais

favorável, caracterizado pelo diálogo, a negociação e a concertação, e é

incompatível com práticas de informalidade nos domínios das relações de trabalho e

da articulação com outras empresas e com o próprio estado.

São objectivos e meios de intervenção para a capacitação das empresas:

1. Incrementar a capacidade de inovar, ao nível dos produtos, dos

processos e das formas de organização

• Estimular a I&D empresarial, bem como a colaboração inter-

empresas no campo da I&D;

• Estimular a capacidade empreendedora e apoiar a iniciativa

profissional de quadros científicos e técnicos;

• Fomentar o aprofundamento da articulação universidade-empresas,

designadamente para a transferência de conhecimento científico e

técnico;

• Fomentar a difusão de capital de risco e do apoio à gestão a novos

projectos;

• Promover o upgrading das qualificações a todos os níveis dentro das

empresas.

A concretização destes objectivos estratégicos envolve meios de intervenção

como:

a) Adoptar uma abordagem “problem solving” na implementação de

parcerias, locais e não só, envolvendo um número razoável de

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 127

empresas de pequena e média dimensão, tendo em vista a criação e

a adopção de inovação em ligação com instituições tecnológicas e

científicas (centros tecnológicos, agências de desenvolvimento

regional ou local, parques de ciência e tecnologia, universidades,

etc.);

b) Apoio à formação de organizações de interface entre universidades,

empresas e outras instituições públicas;

c) Recrutamento de indivíduos com formações técnicas e tecnológicas

avançadas;

d) Diálogo entre empresas e instituições de educação e formação para

afinação de currículos;

e) Oferta de estágios profissionais e programas de inserção de jovens

licenciados;

f) Requalificação das chefias intermédias e reconfiguração das suas

funções profissionais, tendo em vista o seu papel de catalisador da

inovação.

2. Desenvolver a capacidade de arriscar

• Estimular a capacidade de empreendimento e apoiar a iniciativa

empresarial de quadros científicos e técnicos;

• Garantir meios de financiamento para projectos inovadores e

mecanismos que permitam socializar o elevado risco destes

projectos;

• Fomentar a internacionalização das empresas, em particular no que

diz respeito à exploração de novos mercados.

Estes objectivos estratégicos envolvem, como meios de intervenção:

a) O desenvolvimento das competências-base do empreendedorismo

nos currículos escolares, em particular no ensino secundário;

b) A difusão de conhecimentos de gestão de organizações nos cursos

técnicos, tanto a nível secundário e profissionalizante, como superior;

c) O apoio, através da disponibilização de informação e de consultoria

técnica, aos start ups de projectos de jovens empreendedores;

d) A difusão do capital de risco;

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 128

e) O desenvolvimento de atitudes pró-activas dos empresários face aos

processos de reconversão produtiva e aos seus efeitos;

f) O desenvolvimento de programas de apoio (técnico e logístico) à

internacionalização das empresas, dando prioridade às iniciativas que

visem o estabelecimento de parcerias de médio e longo prazo para

promoção e comercialização de produtos nacionais.

3. Aperfeiçoar a capacidade de organização e de planeamento

• Desenvolver as capacidades organizacionais em funções internas à

empresa, de empresários, gestores e quadros intermédios

(planeamento estratégico, planeamento e controlo dos processos

produtivos e concepção da estrutura organizacional);

• Desenvolver as capacidades organizacionais respeitantes aos

sistemas input-output em que a empresa se insere.

Estes objectivos estratégicos envolvem meios de intervenção tendentes a:

a) Melhorar as competências organizacionais dos empresários, através

do contacto com experiências de sucesso e do aconselhamento

especializado, proporcionado por agências públicas ou associações

empresariais;

b) Aprofundar a articulação universidade-indústria orientada para o

apoio à gestão e à reconversão organizacional.

4. Promover a capacidade de relacionamento

• Incentivar a implementação de parcerias locais e outras, orientadas

para a adopção e criação de inovação, para a formação, para o

acesso a mercados internos e externos, etc;

• Articular os sistemas produtivos com o meio em que se inserem,

aproveitando os recursos existentes nesse espaço e promovendo a

sua valorização exógena, aproveitando formas de governância

específicas, apropriadas à realidade sociocultural local e ao saber-

fazer codificado e tácito aí acumulado historicamente;

• Reforçar a exigência quanto ao respeito pelas normas legais e

contratuais e generalizando e difundindo a cultura da

responsabilidade social.

A estes objectivos correspondem enquanto meios de intervenção:

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 129

a) A valorização, nos critérios de selecção de projectos a apoiar

financeiramente, da colaboração entre empresas ou entre estas e

outras instituições públicas, associativas ou privadas;

b) O incentivo a projectos que envolvam um número razoável de

empresas de pequena e média dimensão, ligadas a instituições

tecnológicas e científicas (centros tecnológicos, agências de

desenvolvimento regional e local, parques de ciência e tecnologia,

universidades, etc.);

c) O apoio à criação de soluções institucionais específicas adaptadas a

cada realidade, que suportem a governação das parcerias;

d) A criação de mecanismos de fomento à formalidade, em particular

no campo da “certificação social das empresas”, exigindo estudos de

viabilidade ou de impacto social para o financiamento de projectos e

criando comissões de acompanhamento independentes para analisar

a sua implementação.

Capacitação das organizações associativas

As organizações associativas (sindicatos, associações e confederações empresariais,

mas também estruturas diversas de base territorial ou sectorial) podem

desempenhar um papel fundamental na mediação de interesses diversos, no que

concerne aos diversos aspectos críticos da adaptabilidade.

O factor crítico relações laborais é aquele que, porventura, envolve maior crispação

e um maior conflito entre posições extremas de (pelo menos alguns) actores. No

entanto, o diálogo e a concertação são cruciais para minimizar os custos da

adaptação para todos os agentes e para a sociedade como um todo. A capacitação

para a negociação das organizações associativas é, neste aspecto, fundamental.

A recalibragem dos aspectos regulamentares da protecção do emprego e da

protecção social, de forma a torná-las mais efectivas e a responder às mutações da

relação de trabalho terá de ser feita de forma negociada e sem esvaziar o princípio

do direito que estabelece a protecção da parte fraca das relações contratuais.

A imposição de facto da desregulamentação pode ser possível mas tem custos.

Parte destes custos recaem sobre as próprias empresas, com consequências

financeiras a que elas são naturalmente sensíveis. Mas uma outra parte é

externalizada, traduzindo-se numa ruptura da solidariedade e da coesão, com

consequências para todos. Os imperativos da competitividade (muitas vezes

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 130

evocados mesmo quando não está em causa a viabilidade nem a rentabilidade de

um investimento) podem, mas não devem, resultar numa desresponsabilização das

empresas e numa legitimação da externalização dos seus custos salariais para o

conjunto da sociedade.

A capacitação das estruturas associativas, particularmente as empresariais, envolve

ainda a extensão da sua área de actuação. Para além de meros interlocutores dos

poderes políticos, estas associações podem transformar-se no efectivo suporte para

o desenvolvimento das relações de cooperação inter-empresas, nomeadamente nos

planos da inovação e da qualificação dos recursos humanos, bem como no do

combate a mecanismos de informalidade.

Os objectivos e meios de intervenção respeitantes à capacitação das associações

são os seguintes:

1. Favorecer a cultura de negociação e de compromisso entre os

parceiros sociais

• Desenvolver os requisitos legais de consulta, diálogo e concertação,

com a abertura do domínio do negociável;

• Articular os quadros negociais nacionais e sectoriais com quadros

mais descentralizados que favoreçam a descoberta e adopção de

soluções adequadas a realidades sectoriais, empresariais e territoriais

específicas;

• Reforçar a representatividade das estruturas associativas.

Estes objectivos estratégicos envolvem meios de intervenção tendentes a:

a) Reforçar algumas das atribuições das associações, nomeadamente

nos planos da deontologia profissional e da responsabilidade social;

b) Desenvolver as competências negociais dos dirigentes e quadros

associativos, melhorando em quantidade e qualidade a assessoria

técnica das organizações associativas;

c) Reforçar o nível de implicação dos membros nos processos negociais

conduzidos pelas direcções das organizações associativas,

nomeadamente através da dinamização de acções comunicacionais

dirigidas aos associados;

d) Fomentar a participação activa nas decisões estratégicas aos níveis

profissional, sectorial, territorial e nacional;

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 131

e) Reforçar a representação na negociação dos interesses e direitos das

mulheres, dos emigrantes, dos desempregados, nomeadamente

jovens, dos trabalhadores em situação precária, e das pessoas com

deficiência.

2. Incentivar o papel das associações enquanto promotoras de

dinâmicas de desenvolvimento e de reconversão produtiva

• Sensibilizar as associações empresariais para a necessidade de

assumirem um papel mais activo junto dos seus associados apoiando

o estabelecimento de redes e plataformas de cooperação e de

partilha de informação;

• Promover a articulação entre actores a nível local/regional em

particular em zonas com o tecido produtivo mais débil ou rarefeito,

com a assunção de um papel mobilizador por parte das agências de

desenvolvimento local, associações de municípios ou estruturas

municipais.

A concretização destes objectivos estratégicos implica a mobilização de

meios de intervenção como:

a) A promoção de lógicas de financiamento que façam depender a

elegibilidade dos projectos do estabelecimento de parcerias

específicas, mediadas por organizações associativas, tendo em vista a

dinamização de redes flexíveis e adaptáveis;

b) O estabelecimento de plataformas de partilha de informação

baseadas nas associações (a nível interno, e com o exterior);

c) A partilha de infra-estruturas e de serviços de apoio, de base local

(em particular em zonas com o tecido produtivo mais débil ou

rarefeito);

d) A implementação de mercados transicionais de emprego, a nível

sectorial ou regional, envolvendo os parceiros sociais respectivos

(bolsas de emprego, reconversão de competências, protecção social,

etc.).

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 132

Capacitação do estado e dos poderes reguladores

A capacitação do estado e dos agentes reguladores é uma pré-condição para a

remoção dos bloqueios que resultam da informalidade.

A informalidade pode ser vista (e é entendida pelos próprios agentes) de forma

muito diversificada. Numa das suas acepções, considera-se que potencia

mecanismos de compressão artificial de custos que permitem uma concorrência

“desleal” com outras empresas ou países. Noutro sentido, e nalguns casos, pode

funcionar como plataforma de cooperação e de colaboração entre agentes tendente

a ultrapassar obstáculos ao nível da burocratização ou da formalização da relação

entre actores. A informalidade a combater é a que corresponde à primeira dessas

acepções, associada à subversão de mecanismos legais, tendo em vista uma

competitividade pela compressão de custos, particularmente os respeitantes ao

factor trabalho. Esta informalidade retarda a reestruturação, afecta recursos a

actividades pouco produtivas, exerce pressão concorrencial sobre o sector formal e

reforça a dualização da sociedade portuguesa. O combate à informalidade será,

portanto, imprescindível na óptica de um reforço sustentável da competitividade da

economia nacional e da coesão social.

No plano das relações laborais, o estado desempenha o triplo papel de árbitro, de

fiscal e de promotor do diálogo social e da inovação legislativa e institucional. A sua

capacitação será portanto fulcral em todas estas dimensões.

A eficiência e eficácia do estado, bem como a sua capacidade de actuação

estratégica e de governação condicionam também os processos de inovação e de

qualificação dos recursos humanos. O estado e a administração pública podem,

ainda, constituir-se em incentivadores e facilitadores da cooperação inter-

empresas.

Não tendo o estado e a administração pública sido objectos de análise aprofundada

no âmbito deste trabalho, não arriscamos a sugestão de quaisquer meios de

intervenção, limitando-nos aqui a enunciar prioridades e objectivos estratégicos.

1. Aumentar a eficiência e a eficácia da administração pública e

estado

• Melhorar a qualidade da produção legislativa e regulamentar;

• Agilizar os procedimentos da administração pública, nomeadamente

os processos de licenciamento (sem prejuízo da realização dos

objectivos de interesse geral que os justificam);

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 133

• Reforçar a fiscalização do cumprimento das normas legais,

particularmente no domínio das relações laborais;

• Aumentar a eficiência do sistema judicial;

• Combater as práticas de pequena e grande corrupção e nepotismo.

2. Desenvolver a capacidade de pensar e actuar estrategicamente

• Reforçar os recursos da administração para aumentar a sua

capacidade de processamento de informação e de acumulação de

conhecimento, com vista ao apoio à tomada de decisão política;

• Reforçar a ligação da administração à realidade, através do

acompanhamento e avaliação ongoing dos processos de inovação e

reconversão produtiva.

3. Desenvolver a capacidade de actuar

• Explorar novas formas de governação em articulação com outros

actores

• Desenvolver a capacidade de identificação de problemas e de

mobilização dos actores para intervenções conjugadas

Lógicas e princípios organizativos das intervenções

Tendo em conta as propostas adiantadas no ponto anterior, pretendemos aqui

apresentar algumas linhas condutoras em termos de princípios organizativos a

seguir nas intervenções e na organização dos Programas Operacionais que possam

abranger as medidas preconizadas.

Neste sentido, afiguram-se-nos como estruturantes 3 princípios gerais que deverão

organizar a intervenção a definir:

o Ênfase nas actuações transversais centralmente coordenadas:

A coerência das intervenções determina a necessidade de actuações

transversais, não sectorializadas. A tendência para a “ministerialização” ou

“departamentalização” dos programas operacionais ou das medidas a

desenvolver, que se tem vindo a aprofundar como forma de facilitação

institucional da sua implementação (cf. o que tem ocorrido sistematicamente no

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 134

actual e anteriores QCA’s, independentemente de diversas intenções e esforços

em sentido contrário), deve ser contrariada.

o A consideração das especificidades locais e regionais:

As especificidades locais e regionais requerem uma maior flexibilização (e

portanto também uma certa “adaptabilidade”…) das medidas a desenhar, sem

que o requisito da coerência e gestão centralizada dos programas seja

sacrificado. Com efeito, algumas medidas que promoveram uma gestão

descentralizada de programas levaram no passado a uma multiplicação de

instituições e a uma duplicação desnecessária e ineficiente de recursos, pelo

que a necessária adaptação das medidas e dos instrumentos de política às

especificidades das políticas adequadas para cada realidade concreta, deverá

traduzir-se numa gestão efectivamente descentralizada, mas fortemente

articulada num todo coerente e numa lógica de concepção e organização de

programas congruente e mais centralizada.

o O reforço da selectividade

Finalmente, a escassez de recursos exige uma aposta numa maior selectividade

das medidas, com a concentração das intervenções e dos próprios apoios num

conjunto de acções fundamentais, com impacto mais estruturante e com efeitos

reprodutores mais intensos sobre a economia, em detrimento de actuações

mais dispersas e abrangentes, que eventualmente apoiassem mais agentes

directamente no curto prazo, mas com efeitos indutores de longo prazo mais

reduzidos.

Neste quadro genérico, e face a tudo o que anteriormente foi especificado no que

concerne a objectivos e meios de intervenção que reconhecemos como

fundamentais para a questão da adaptabilidade, não nos parece adequada a

autonomização de um Programa Operacional específico sobre esta questão,

devendo antes as diversas formas de intervenção que preconizamos e os diversos

objectivos que reputamos como importantes serem distribuídos e cruzados em

diversas áreas de intervenção “sectoriais” (educação, formação, inovação,

economia, agricultura, etc.) ou “regionais”.

Paralelamente a estas três ideias-base gerais, vários outros princípios de

intervenção mais específicos, a seguir enunciados, deverão ser seguidos no

desenho dos Programas Operacionais decorrentes do próximo QERN.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 135

o Intervenções orientadas por diagnósticos de necessidades

A intervenção a efectuar deverá ser centrada claramente nas necessidades.

Muitas das intervenções anterior e actualmente realizadas no âmbito dos QCA

têm tido origem em programas desenhados no seio de organizações que

promovem a oferta em domínios tão diversos como a formação ou a

reconversão tecnológica e organizacional, para os quais são mobilizados a

posteriori agentes públicos ou privados interessados na promoção dessas

iniciativas. Tem-se verificado que muitas vezes esses programas estão muitos

desfasados das efectivas necessidades e potencialidades do tecido produtivo e

empresarial (em termos dos tipos de competências requeridas, da I&D

necessária à inovação, da tecnologia mais apropriada, da informação que seria

útil, etc.). Neste quadro, uma intervenção orientada pelas necessidades reais

dos diversos sectores e agentes seria aconselhável, mesmo que sacrificando

algumas competências entretanto geradas (ao nível de instituições, do saber

fazer acumulado) pelos agentes que têm feito essa intermediação (empresas,

centros de formação, associações de desenvolvimento local, associações

empresariais, etc.), os quais necessitariam de reconverter um pouco as suas

lógicas de funcionamento se quisessem manter este tipo de actividade.

Esta intervenção centrada nas necessidades não pode, no entanto, ser

focalizada nas necessidades particulares de empresas (ou instituições)

específicas, mas antes nas necessidades de um determinado tecido produtivo

(sectorial, regional, local, etc.). Com efeito, as intervenções prioritárias são as

que respondem às necessidades sentidas pela generalidade dos agentes num

determinado mercado, pela globalidade do tecido produtivo, e não por cada

agente em particular. A transferência da capacidade de obter apoios de uma

entidade para um conjunto de entidades (via incentivo às parcerias) ou para

instituições intermédias (associações empresariais, associações de

desenvolvimento local, associações de municípios, …) poderá ser uma via para a

prossecução deste objectivo.

o Fomento da cooperação inter-empresas e das parcerias

Deverão ser fortemente fomentadas as parcerias, podendo ser criados

mecanismos de elegibilidade nesse sentido, de forma a minimizar as “falsas

parcerias” (ou a mediação de instituições como associações empresariais ou

outras, desligada da especificidade de um dado projecto concreto). A

experiência de algumas iniciativas comunitárias neste campo apresenta alguns

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 136

resultados positivos, podendo ser aproveitada. Estas parcerias deveriam ser

estabelecidas especificamente para cada projecto concreto (sem prejuízo de

situações de cooperação sustentada em sequências de projectos), de forma a

promover cruzamentos e colaborações diversificadas entre agentes, adequados

à especificidade de cada projecto, e a dinamizar redes mais flexíveis, paralelas

às redes formais mais duradoiras.

Paralelamente a esta lógica de favorecimento do estabelecimento de parcerias,

organizadas especificamente por projectos, seria importante fomentar a

“abordagem orientada para a resolução de problemas” no desenho das medidas

a enquadrar no âmbito destes Programas Operacionais. As medidas viradas

para a actuação sobre sectores de actividade, ou mesmo sobre clusters de

actividades, têm o problema de muitas vezes terem uma abrangência restrita,

pelo que a ideia de fomentar o desenvolvimento de projectos estratégicos, para

responder a problemas específicos (por exemplo, protecção ambiental,

requalificação urbana, combate à falta de água, obtenção de energias

renováveis, promoção da identidade cultural, dinamização demográfica, etc.),

com efeitos de arrasto transversais em diversos clusters e diversas dimensões

críticas (mobilização de competências, fomento da inovação, reconversão da

base económica, etc.) se torna atractiva, pela sua transversalidade e extensão,

embora seja claramente mais difícil de implementar, por exigir a concertação de

instituições públicas que tutelam a intervenção em múltiplos campos.

O fomento de parcerias entre agentes, em torno do desenvolvimento de

projectos concretos, poderá ser articulado ainda com uma outra dimensão

importante a ter em conta nas medidas a elaborar no âmbito do QERN,

nomeadamente a que se prende com a questão da elegibilidade territorial. Com

efeito, as contingências com que uma parte considerável do território nacional

se terá de confrontar no que concerne à sua elegibilidade, particularmente em

relação aos vultuosos fundos do ex-objectivo 1, actualmente objectivo da

“convergência” (a região de Lisboa, já no âmbito do objectivo “competitividade

regional e emprego”; e o Algarve e a Madeira, em regimes transitórios de

phasing out do objectivo “convergência” e phasing in do objectivo

“competitividade regional e emprego”, respectivamente) pode fomentar a

colaboração entre parceiros de diversas regiões em torno de projectos

específicos que possam desenvolver em comum. A abertura destas hipóteses,

tendo em conta os critérios e regulamentos dos diversos fundos estruturais,

poderá ser estudada de forma a permitir adaptar quantitativamente e

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 137

qualitativamente (por exemplo, gerindo a calendarização da programação pelas

diversas regiões, de forma a aproveitar ao máximo, em moldes territorialmente

equitativos os recursos disponíveis) as possibilidades de obter resultados com

as medidas a desenhar, bem como o seu grau de exequibilidade.

o Viabilidade social dos projectos (avaliação social das empresas

promotoras e dos projectos)

Com o objectivo de contrariar algumas das facetas negativos da “flexibilidade”

(nomeadamente em termos sociais, económicos e fiscais), em particular

aquelas que estão associadas a algumas dimensões de informalidade, será

fortemente recomendável a implementação da exigência de estudos prévios de

“viabilidade social” de todos os projectos, como condição para a sua

elegibilidade. Este estudo (à semelhança dos estudos de viabilidade económica,

ou dos estudos de impacto ambiental hoje requeridos para muitos projectos)

seria requisito para a aprovação e implementação dos projectos a financiar. Os

projectos financiados deveriam ser monitorizados na sua execução por

Comissões de Acompanhamento. A esta avaliação social dos projectos poderia

estar associada uma ”certificação social das empresas”, que poderia ser

igualmente feita no âmbito de um acompanhamento, para o qual poderiam ser

mobilizados agentes “facilitadores” (estes poderiam vir mesmo de dentro da

própria administração pública: universidades, estruturas técnicas, etc.) cuja

missão seria a promoção da mudança de comportamentos nas empresas e a

sua adaptação às exigências de certificação da viabilidade social.

o Reforço das condições de elegibilidade pela via da avaliação do

currículo dos promotores

Um outro aspecto essencial será a assunção de uma lógica de elegibilidade

condicionada à avaliação curricular dos proponentes, avaliando o mérito das

medidas e projectos anteriormente financiados a esse agente, bem como o nível

(quantitativo e qualitativo) da sua execução. Esta lógica permitiria evitar

processos de abuso sistemático de utilização de fundos sem grande repercussão

prática (e sem grande controle da sua eficácia e eficiência ao nível micro),

minorar a fraude ou má utilização de recursos, e promover uma maior equidade

e selectividade nos apoios, embora necessitasse obviamente de mecanismos de

salvaguarda para algumas situações, nomeadamente para os casos de

candidatos sem historial de apoios, bem como para projectos inovadores ou

para novos agentes ou novas formas de intervenção.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 138

o Reforço do acompanhamento social, económico e financeiro dos

projectos (mediadores e facilitadores, Comissões de Acompanhamento

multiprojectos, reprodutibilidade de actuações específicas, visibilidade)

No quadro que aqui está a ser desenhado, um papel fulcral terá de será

assumido por um conjunto de agentes “facilitadores”, ou “mediadores”, que

introduzam choques exógenos (pelas suas competências, pelo know-how que

transmitem, pela sua capacidade relacional e de mediação, etc.) em realidades

estáveis e sedimentadas. Estes agentes podem originar um impulso de

mudança e de mobilização (ao nível sectorial, de um cluster, regional ou local),

em torno de opções estratégicas fundamentais, particularmente em situações

de reestruturação profunda ou de equilíbrios “baixos” nas lógicas de negociação

dos actores. A disseminação destes facilitadores (bem como a própria formação

de agentes com estas competências técnicas, relacionais ou pessoais, que não

são muito fáceis de conciliar num perfil único…) constituiria um desafio crucial

na organização e forma de implementação deste QERN, contribuindo para

“olear” a máquina de implementação das medidas.

A necessidade crescente de medidas específicas, para cada região ou sector,

com a tendência paralela para a flexibilização das formas de intervenção (o que,

relembre-se, não implica necessariamente falta de articulação e coordenação

das medidas, mas apenas descentralização da sua execução…), levanta um

outro problema ao qual será necessário fazer face. Quanto mais concretas a

cada caso e mais específicas são as intervenções, mais difícil será tirar lições do

sucesso ou insucesso dessas mesmas actuações e, portanto, mais difícil será a

sua reprodução para outros contextos. A intransferibilidade das actuações será,

por conseguinte, uma realidade crescente, implicando novos desafios para os

avaliadores e desenhadores de políticas, nomeadamente no campo da

adaptação das boas práticas a novos contextos de intervenção. Neste campo, o

desenvolvimento de estruturas institucionais que permitissem um

acompanhamento mais próximo das intervenções seria o ideal, em particular

com o apoio de elementos especializados com o perfil de “facilitadores” ou

“mobilizadores” acima enunciado, que tivessem a capacidade de ir

acompanhando diversos projectos, e difundindo e adaptando as boas práticas

verificadas.

Finalmente, em associação aos princípios de intervenção anteriores, será

igualmente importante assegurar uma maior visibilidade dos projectos, exigindo

uma maior transparência como contrapartida para o apoio público. Sendo

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 139

obviamente necessários limites a esta exposição (por exemplo, salvaguarda de

direitos de propriedade, ao nível da inovação, ou salvaguarda do poder

concorrencial nos respectivos mercados), ela poderia, no entanto, dentro de

certos limites, ser utilizada, através da actuação da Comissão de

Acompanhamento do projecto acima referida, como forma de assegurar uma

maior reprodutibilidade das boas práticas verificadas em cada projecto, e como

fonte de um maior controlo financeiro, social e político das intervenções.

Anexos

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 143

Quadro A1 Síntese das características por domínio institucional

Estrutura produtiva, especialização

Peso relativo elevado do emprego no sector primário

Hegemonia da produção em pequena escala (pequeníssima dimensão da esmagadora maioria das empresas): Portugal é um país de pequenas e micro-empresas

Predomínio esmagador da gestão não profissionalizada em empresas familiares

Especialização produtiva (peso na estrutura das exportações) enviesada a favor das indústrias de baixa tecnologia

Posicionamento em produtos de gama baixa/média, com pouco valor acrescentado, na generalidade dos sectores

Predominância da concorrência pelos preços em produtos banalizados e não diferenciados em mercados estagnados ou em fraca expansão

Sistema de I&D

Sistema de I&D relativamente incipiente

Esforço de investigação predominantemente público fracamente acompanhado pela generalidade das empresas

Escassez de capital de risco

Muito fraca cooperação entre empresas e instituições de investigação

Catching up centrado em alguns “pólos de excelência” internacionalizados e desligados do “pelotão”

Sistemas de educação e formação

Baixo nível médio de escolaridade

Baixas taxas de escolarização no pré-escolar e secundário combinadas com elevadas taxas de abandono e baixos níveis de capacidades básicas dos jovens, em termos de literacia matemática, de leitura e científica (segundo o PISA), apesar do investimento público elevado em educação

Baixa proporção do ensino profissionalizante no ensino secundário

Taxas de escolarização relativamente elevadas no ensino superior, acompanhadas de fraca proporção de estudantes nos domínios da ciência, da matemática e da computação

Baixíssimos níveis relativos de literacia da população adulta em todos categorias profissionais, com particular destaque para os escalões dirigentes (gestores)

Eficácia da formação fortemente condicionada pelos baixos níveis de instrução

Conteúdos de trabalho empobrecedores levam frequentemente à deterioração das competências dos trabalhadores

A formação não mobiliza os que mais dela necessitam – a formação de antecipação e de reconversão dos adultos menos qualificados tem muito pouca expressão – e não constitui segunda oportunidade, reforçando mesmo as diferenças geradas pelo sistema escolar

Escassez de formação no interior das empresas; conteúdos influenciados pela oferta por parte de entidades externas

Conteúdos orientados para a formação genérica e não para a formação específica e profissionalizante: armadilha dupla das baixas qualificações e das qualificações gerais

Incipiente sistema de certificação profissional

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 144

Legislação de protecção do emprego

Diversificação crescente das formas da relação de trabalho (trabalho a termo certo ou incerto, a tempo parcial, sazonal ou intermitente, trabalho temporário, independente, domiciliário …)

Ancoragem das formas contratuais emergentes no enquadramento ambíguo da prestação de serviços, a qual recobre efectivamente novas formas de trabalho frequentemente

Contraste entre o vazio regulamentar dos novos regimes de trabalho e o detalhe jurídico que envolve o contrato de trabalho

Regulação da flexibilidade/segurança entregue à iniciativa dos poderes públicos; inexistência de sistemas de acompanhamento da iniciativa dos actores

Segmentação do mercado de trabalho (protegido – desprotegido)

Relações laborais

Falta de articulação entre os diferentes níveis de negociação/contratação entre parceiros sociais (macro-concertação, contratação colectiva, participação nas empresas)

Ausência de um compromisso de base genuíno entre as partes relativamente à sua respectiva posição no sistema e em relação a um projecto comum

Estagnação da contratação colectiva a nível de sector, limitação da existente às questões pecuniárias; reduzida capacidade de adaptar as convenções às novas necessidades

Modelos organizacionais

Inovação organizacional globalmente muito fraca (em particular no que respeita ao envolvimento dos trabalhadores, à rotação de tarefas e ao nivelamento das estruturas hierárquicas)

Modelo dominante caracterizado por uma cadeia hierárquica longa e rígida e uma forte aversão à incerteza e ao conflito

Forte ênfase na inovação centrada na tecnologia e na melhoria dos processos de produção, administrativos e logísticos, em detrimento da inovação orientada para os produtos/serviços e para a relação com os fornecedores e com os clientes

Predomínio da organização rígida, caracterizada pela especialização vertical e horizontal das tarefas

Predomínio das práticas tayloristas e pré-tayloristas. Nas novas formas de organização do trabalho parece privilegiar-se o enriquecimento e alargamento de tarefas, em detrimento da rotação. Caminha-se mais no sentido da produção magra, da racionalização e da formalização do trabalho do que no sentido do modelo antropocêntrico, ou seja, mais no sentido do neotaylorismo do que do pós-taylorismo.

Baixos níveis de participação dos trabalhadores e adopção crescente do modelo de participação individual, informal e limitado às tarefas do trabalhador

Relações inter-empresas

Três situações distintas:

Relações no seio de sistemas integrados: relações densas e em progressiva densificação no interior de redes que resultam de processos de reorganização empresarial (externalização de funções ou reafectação de funções decorrente de fusões)

Relações entre empresas efectivamente autónomas: formas de colaboração incipientes (não obstante excepções relevantes), particularmente nas áreas tradicionais de especialização;

Associações patronais e empresariais numerosas e diversificadas mas com débil capacidade de integração dos membros e frequentemente muito concentradas nas funções de representação política e de defesa de interesses corporativos e muito pouco nos domínios da cooperação, da formação, da tecnologia e doo acesso aos mercados externos Relações com o meio ambiente sócio-cultural: emergência, ainda incipiente de instituições intermédias (locais, regionais e sectoriais) e clusters territorializados

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 145

Financiamento e governação empresarial

Lógicas de financiamento diferenciadas consoante o tipo de entidades empresariais:

Pequena empresa tradicional, com características familiares essencialmente alimentada por capitais próprios e crédito bancário a cujo acesso tem dificuldade

Pequenas empresas na órbita dos grupos económicos e grandes empresas ligadas a eles muitas vezes em redes de outsourcing, alimentadas por capitais próprios ou por recursos da empresa-núcleo

Grandes empresas crescentemente submetidas à lógica dos mercados financeiros, com pressão para apresentarem resultados a curto prazo

Recurso a formas “informais” de financiamento como os expedientes do crédito “involuntário” dos fornecedores, da evasão fiscal e do não-pagamento ou dilação do pagamento das contribuições sociais

Peso residual do capital de risco

Forte movimento de concentração no seio dos principais grupos económicos, particularmente evidente nos sectores financeiro, na distribuição, nos media, no entretenimento, nas telecomunicações e na construção e obras públicas; mas também em sectores com a agricultura e pecuária, os serviços às empresas e as tecnologias ligadas à informática e comunicação

Reduzida, mas crescente, importância dos investidores institucionais e dos mercados bolsistas

Crescente divergência entre as lógicas de gestão e as lógicas de rentabilização dos investimentos financeiros nas empresas cotadas em bolsa, acompanhada da adopção de mecanismos de protecção contra a ameaça de aquisições hostis

Peso do sector empresarial do Estado em refluxo

Dependência das empresas relativamente aos sistemas de incentivos públicos ao investimento

Sistema de protecção social

Importância das solidariedades tradicionais (família e Igreja)

Combinação de esquemas baseados no estatuto ocupacional dos cidadãos com esquemas universalistas (pensões sociais, velhice, invalidez e rendimento mínimo garantido)

Baixas prestações nos regimes universalistas

Rede pública de serviços sociais pouco desenvolvida

Reprodução nas esferas extra-profissionais das desigualdades existentes na esfera do trabalho quer no que se refere ao subsídio de desemprego, quer a outras prestações

Fraca eficácia redistributiva do sistema

Risco de pobreza elevado para os menos escolarizados

Instrumentalização da protecção como complemento a baixos salários em empregos informais

Dificuldade de abarcar os trabalhadores menos qualificados nos sistemas de activação

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 146

Quadro A2 As complementaridades institucionais em Portugal

Estrutura produtiva e

especialização Sistema de I&D

Sistemas de educação e formação

Financiamento e governação empresarial

Relações inter-empresas

Legislação de protecção do emprego e relações laborais

Modelos organizacionais

Sistema de protecção social

Est

rutu

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pro

du

tiva e

e

speci

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ção

A especialização produtiva predominante não requer investimento das empresas em I&D; atomização inviabiliza investimento em I&D

A especialização produtiva predominante não requer investimento em capital humano, nem incentiva a aquisição de qualificações pelos jovens e pelos trabalhadores

Pequena dimensão e atomização enfraquecem a posição negocial face à banca

Inserção periférica (via subcontratação) em redes de produção multinacionais favorece a atomização

O predomínio da pequena dimensão dificulta a integração associativa das empresas e dos trabalhadores e favorecem informalidade

A produção rotinizada não exige autonomia e participação dos trabalhadores e inibe a passagem a formas mais evoluídas de organização

Sis

tem

a d

e I

&D

A desarticulação universidade-indústria dificulta o upgrade de algumas empresas; a cultura académica não favorece os spin offs

A insipiência do sistema de I&D não permite empregar mestres e doutores, formados em grande número nos últimos anos

Sis

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uca

ção

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o

A orientação para as qualificações gerais origina escassez de qualificações específicas

O sistema de educação não produz qualificações suficientes nas áreas científicas e em várias áreas tecnológicas (ex: computação)

Os baixos níveis de preparação escolar e profissional de gestores e trabalhadores não favorecem a participação, o diálogo e a autonomia

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 147

Fin

an

ciam

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g

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em

pre

sari

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Escassez de capital de risco dificulta a emergência de spin offs e a criação ou upgrade das empresas

A crescente dependência da performance bolsista por parte das (poucas) grandes empresas incentiva a flexibilidade numérica

A dependência da performance bolsista incentiva o controlo unilateral por parte da gestão e dificulta a fidelização dos trabalhadores

O reforço dos investidores institucionais pressiona a privatização dos sistemas de protecção social

Rela

ções

inte

r-em

pre

sas

A escassa colaboração inter-empresas dificulta a reorientação da especialização produtiva

A atomização empresarial dificulta o esforço de I&D e a procura de soluções de inovação pelas empresas

A atomização empresarial e a fraca preparação escolar e profissional dos gestores dificultam o esforço de formação

A atomização empresarial torna as empresas muito dependentes do crédito bancário e dos mecanismos informais de financiamento

A fraca integração nas associações empresariais dificulta a negociação e o diálogo social

Atomização dificulta renovação das capacidades de gestão

A crescente externalização de funções reduz a eficácia da protecção social e cria profunda segmentação no mercado de trabalho

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A fraca aplicação da regulamentação viabiliza a compressão dos custos salariais e permite a sobrevivência de práticas empresariais arcaicas

A fraca aplicação da legislação dificulta a formação no interior da empresa; A concentração da negociação colectiva em matérias salariais e de carreiras leva a negligenciar a formação profissional

A sectorialização da negociação esvazia a negociação dentro da empresa; a concentração da negociação em matérias salariais e de carreiras dificulta a procura de formas mais avançadas de organização

A concentração da negociação colectiva em matérias salariais e de carreiras leva a negligenciar os aspectos correlativos da protecção social.

Estrutura

produtiva e especialização

Sistema de I&D Sistemas de educação e formação

Financiamento e governação empresarial

Relações inter-empresas

Legislação de protecção do emprego e relações laborais

Modelos organizacionais

Sistema de protecção social

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 148

Estrutura produtiva e

especialização Sistema de I&D

Sistemas de educação e formação

Financiamento e governação empresarial

Relações inter-empresas

Legislação de protecção do emprego e relações laborais

Modelos organizacionais

Sistema de protecção social

Mo

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Os modelos organizacionais prevalecentes e o tipo de gestão não são favoráveis à assunção de risco e à modificação do posicionamento nos mercados

Os modelos organizacionais prevalecentes e o tipo de gestão não são favoráveis a práticas visando a inovação

A adopção de princípios tayloristas reforça o dualismo das qualificações e impede a mobilização e desenvolvimento dos recursos cognitivos dos trabalhadores

Os modelos organizacionais prevalecentes e o tipo de gestão e propriedade familiar não são favoráveis ao desenvolvimento de cooperação entre empresas

Os modelos organizacionais prevalecentes e o tipo de gestão não são favoráveis à busca de novas possibilidades de negociação e aplicação dos instrumentos jurídicos que regulam o trabalho

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A protecção social tende a ser instrumentalizada para complementar baixos salários ou para mascarar situações de lay off intermitente

Precariedade do sistema desincentiva a aquisição de competências específicas e reforça o incentivo à aquisição de competências gerais

A externalização dos custos do desemprego não incentiva as empresas à procura de alternativas ao despedimento no quadro de redes formais ou informais

O enviesamento do sistema de protecção social a favor dos trabalhadores com estatuto profissional mais privilegiado enfraquece a posição negocial dos trabalhadores não protegidos

A precariedade do sistema de protecção social enfraquece a posição negocial dos trabalhadores menos protegidos e o seu grau de autonomia

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 149

Quadro A3 Síntese do cenário de “capacitação” e prioridades estratégicas, objectivos prioritários e meios de intervenção

Capacitação dos

actores Prioridades estratégicas Objectivos estratégicos Meios de intervenção

Indivíduos o Aumentar a escolarização da população

o Combater o abandono escolar precoce

o Promover e facilitar o acesso de 2ª oportunidade

o Nivelar a escolaridade mínima com a média europeia

o Acentuar a fiscalização ao trabalho infantil

o Desincentivar o acesso ao mercado de trabalho de jovens sem escolaridade obrigatória

o Adequar as metodologias educativas aos públicos-alvo

o Intensificar o apoio social às crianças de famílias desfavorecidas

o Aumentar a oferta educativa nocturna

o Adequar os currículos e metodologias aos públicos-alvo

o Garantir a equivalência das formações profissionais a níveis de escolaridade

o Passar a escolaridade obrigatória para o nível do ensino secundário ou equivalente

o Melhoria da qualidade da oferta educativa

o Promover a aquisição de competências-chave para a sociedade do conhecimento

o Apostar no desenvolvimento de capacidades relacionais e da autonomia pessoal

o Garantir a disponibilidade e qualidade das infra-estruturas de base

o Identificar as competências-chave e melhorar a preparação pedagógica e técnica dos professores em todos os graus de ensino

o Desenvolver as capacidades de planeamento e de organização (e outras competências relacionais e da autonomia pessoal) e adequar a preparação pedagógica e científica dos professores à realização destes desígnios

o Garantir os meios de financiamento às autarquias que lhes permitam prover adequadamente as necessidades de infra-estruturação de base

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 150

Capacitação dos actores

Prioridades estratégicas Objectivos estratégicos Meios de intervenção

Indivíduos

(cont.)

o Promover a aprendizagem ao longo da vida

o Incentivar os indivíduos a actualizar permanentemente as suas competências

o Garantir que as empresas facilitem e valorizem a aquisição de competências

o Garantir uma oferta adequada às necessidades (actuais e futuras) dos indivíduos e das empresas por parte dos sistemas de ensino e de formação

o Estimular a actividade de formação no interior das empresas

o Generalizar a validação e certificação de competências adquiridas pela experiência

o Apoiar a construção do balanço de competências e a identificação dos défices individuais de competências

o Protecção efectiva relativamente a riscos de percurso na carreira profissional dos trabalhadores

o Incentivar a adopção de modelos organizacionais que viabilizem relações de lealdade e confiança

o Reforçar a cooperação inter-empresas no âmbito da formação profissional, partilhando os seus riscos e custos

o Implementar a oferta formativa a partir de diagnósticos (profissionais, sectoriais, e territoriais) das necessidades de competências numa lógica preventiva e curativa

o Envolver os parceiros sociais no diagnóstico das necessidades de competências

o Criar programas de requalificação das chefias intermédias em PME’s, com certificação (por exemplo, criação de um diploma de gestão e organização de empresas de nível III)

o Incentivar programas de reconversão organizacional tendentes ao enriquecimento dos postos de trabalho

o Promover o ajustamento entre qualificações oferecidas e requeridas

o Reduzir o desemprego de recursos humanos qualificados e/ou a subutilização das competências adquiridas

o Valorizar as representações sociais da educação e da formação profissional

o Garantir a transferibilidade profissional, particularmente em sectores em reestruturação

o Promover programas de estágios profissionais aos diferentes níveis de educação e formação e outros programas de inserção de jovens na vida profissional (salvaguardando a desejável estabilidade do vínculo de inserção)

o Disseminar informação sobre formações, profissões, saídas profissionais e condições de trabalho

o Promover a oferta de orientação profissional nas escolas básicas e secundárias;

o Conceber oferta de formação em função diagnósticos de necessidades novas competências

o Alargar os programas de inserção de jovens licenciados

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 151

Capacitação dos actores Prioridades estratégicas Objectivos estratégicos Meios de intervenção

Empresas o Incrementar a capacidade de inovar, ao nível dos produtos, dos processos e das formas de organização

o Estimular a I&D empresarial, bem como a colaboração inter-empresas no campo da I&D

o Estimular a capacidade empreendedora e apoiar a iniciativa profissional de quadros científicos e técnicos

o Fomentar o aprofundamento da articulação universidade-empresas, designadamente para a transferência de conhecimento científico e técnico;

o Fomentar a difusão de capital de risco e do apoio à gestão a novos projectos

o Promover o upgrading das qualificações a todos os níveis dentro das empresas

o Adoptar uma abordagem “problem solving” na implementação de parcerias, locais e não só, envolvendo um número razoável de empresas de pequena e média dimensão, tendo em vista a criação e a adopção de inovação em ligação com instituições tecnológicas e científicas (centros tecnológicos, agências de desenvolvimento regional ou local, parques de ciência e tecnologia, universidades, etc.);

o Apoio à formação de organizações de interface entre universidades, empresas e outras instituições públicas;

o Recrutamento de indivíduos com formações técnicas e tecnológicas avançadas;

o Diálogo entre empresas e instituições de educação e formação para afinação de currículos;

o Oferta de estágios profissionais e programas de inserção de jovens licenciados;

o Requalificação das chefias intermédias e reconfiguração das suas funções profissionais, tendo em vista o seu papel de catalisador da inovação

o Desenvolver a capacidade de arriscar

o Estimular a capacidade de empreendimento e apoiar a iniciativa empresarial de quadros científicos e técnicos

o Garantir meios de financiamento para projectos inovadores e mecanismos que permitam socializar o elevado risco destes projectos

o Fomentar a internacionalização das empresas, em particular no que diz respeito à exploração de novos mercados

o Desenvolver as competências-base do empreendedorismo nos currículos escolares, em particular no ensino secundário

o Difundir os conhecimentos de gestão de organizações nos cursos técnicos, tanto a nível secundário e profissionalizante, como superior

o Apoiar, através da disponibilização de informação e de consultoria técnica, as start ups de projectos de jovens empreendedores

o Difundir o capital de risco

o Desenvolver atitudes pró-activas dos empresários face aos processos de reconversão produtiva e aos seus efeitos

o Desenvolver programas de apoio (técnico e logístico) à internacionalização das empresas, dando prioridade às iniciativas que visem o estabelecimento de parcerias de médio e longo prazo para promoção e comercialização de produtos nacionais.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 152

Capacitação dos

actores Prioridades estratégicas Objectivos estratégicos Meios de intervenção

Empresas

(cont.)

o Aperfeiçoar a capacidade de organização e de planeamento

o Desenvolver as capacidades organizacionais em funções internas à empresa, de empresários, gestores e quadros intermédios (planeamento estratégico, planeamento e controle dos processos produtivos e concepção da estrutura organizacional)

o Desenvolver as capacidades organizacionais respeitantes aos sistemas input-output em que a empresa se insere

o Melhorar as competências organizacionais dos empresários, através do contacto com experiências de sucesso e do aconselhamento especializado, proporcionado por agências públicas ou associações empresariais

o Aprofundar a articulação universidade-indústria orientada para o apoio à gestão e à reconversão organizacional

o Promover a capacidade de relacionamento

o Incentivar a implementação de parcerias locais e outras, orientadas para a adopção e criação de inovação, para a formação, para o acesso a mercados internos e externos, etc.

o Articular os sistemas produtivos com o meio em que se inserem, aproveitando os recursos existentes nesse espaço e promovendo a sua valorização exógena, aproveitando formas de governância específicas, apropriadas à realidade sócio-cultural local e ao saber fazer codificado e tácito aí acumulado historicamente

o Reforçar a exigência quanto ao respeito pelas normas legais e contratuais e generalizando e difundindo a cultura da responsabilidade social

o Valorizar nos critérios de selecção de projectos a apoiar financeiramente a colaboração entre empresas ou entre estas e outras instituições públicas, associativas ou privadas

o Incentivar projectos que envolvam um número razoável de empresas de pequena e média dimensão, ligadas a instituições tecnológicas e científicas (centros tecnológicos, agências de desenvolvimento regional e local, parques de ciência e tecnologia, universidades, etc.)

o Apoiar a criação de soluções institucionais específicas adaptadas a cada realidade, que suportem a governação das parcerias

o Criar mecanismos de fomento à formalidade, em particular no campo da “certificação social das empresas”, exigindo estudos de viabilidade ou de impacto social para o financiamento de projectos e criando comissões de acompanhamento independentes para analisar a sua implementação

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 153

Capacitação dos actores Prioridades estratégicas Objectivos estratégicos Meios de intervenção

o Favorecer a cultura de negociação e de compromissos entre os parceiros sociais

o Desenvolver os requisitos legais de consulta, diálogo e concertação, com a abertura do domínio do negociável

o Articular os quadros negociais nacionais e sectoriais com quadros mais descentralizados que favoreçam a descoberta e adopção de soluções adequadas a realidades sectoriais, empresariais e territoriais específicas

o Reforçar a representatividade das estruturas associativas

o Reforçar algumas das atribuições das associações, nomeadamente nos planos da deontologia profissional e da responsabilidade social

o Desenvolver as competências negociais dos dirigentes e quadros associativos, melhorando em quantidade e qualidade a acessória técnica das organizações associativas

o Reforçar o nível de implicação dos membros nos processos negociais conduzidos pelas direcções das organizações associativas, nomeadamente através da dinamização de acções comunicacionais dirigidas aos associados

o Fomentar a participação activa nas decisões estratégicas aos níveis profissional, sectorial, territorial e nacional

o Reforçar a representação na negociação dos interesses e direitos das mulheres, dos emigrantes, dos desempregados, nomeadamente jovens, dos trabalhadores em situação precária, e das pessoas com deficiência

Organizações associativas

o Incentivar o papel das associações enquanto promotoras de dinâmicas de desenvolvimento e de reconversão produtiva

o Sensibilizar as associações empresariais para a necessidade de assumirem um papel mais activo junto dos seus associados apoiando o estabelecimento de redes e plataformas de cooperação e de partilha de informação

o Promover a articulação entre actores a nível local/regional em particular em zonas com o tecido produtivo mais débil ou rarefeito, com a assunção de um papel mobilizador por parte das agências de desenvolvimento local, associações de municípios ou estruturas municipais

o Promover lógicas de financiamento que façam depender a elegibilidade dos projectos do estabelecimento de parcerias específicas, mediadas por organizações associativas, tendo em vista a dinamização de redes flexíveis e adaptáveis

o Estabelecer plataformas de partilha de informação baseadas nas associações (a nível interno, e com o exterior)

o Partilhar infra-estruturas e de serviços de apoio, de base local (em particular em zonas com o tecido produtivo mais débil ou rarefeito)

o Implementar mercados transicionais de emprego, a nível sectorial ou regional, envolvendo os parceiros sociais respectivos (bolsas de emprego, reconversão de competências, protecção social, etc.)

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

DINÂMIA – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica 154

Capacitação dos

actores Prioridades estratégicas Objectivos estratégicos Meios de intervenção

o Aumentar a eficiência e a eficácia da administração pública e estado

o Melhorar a qualidade da produção legislativa e regulamentar;

o Agilizar os procedimentos da administração pública, nomeadamente os processos de licenciamento (sem prejuízo da realização dos objectivos de interesse geral que os justificam)

o Reforçar a fiscalização do cumprimento das normas legais, particularmente no domínio das relações laborais

o Aumentar a eficiência do sistema judicial

o Combater as práticas de pequena e grande corrupção e nepotismo

o Desenvolver a capacidade de pensar e actuar estrategicamente

o Reforçar os recursos da administração com vista à sua capacidade de processamento de informação e de acumular conhecimento, com vista ao apoio à tomada de decisão política

o Reforçar a ligação da administração à realidade, através do acompanhamento e avaliação ongoing dos processos de inovação e reconversão produtiva

Estado e poderes reguladores

o Desenvolver a capacidade de actuar

o Explorar novas formas de governação em articulação com outros actores

o Desenvolver a capacidade de identificação de problemas e de mobilização dos actores para intervenções conjugadas

(ver Nota)

Nota: Não tendo o estado e a administração pública sido objectos de análise aprofundada no âmbito deste trabalho, não arriscamos a sugestão de quaisquer

meios de intervenção, limitando-nos aqui a enunciar prioridades e objectivos estratégicos.

ADAPTABILIDADE DOS TRABALHADORES E DAS EMPRESAS

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