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ADESO INDIRETA DOS CONSUMIDORES-TRABALHADORES NOS
CONTRATOS DE PLANO DE SADE COLETIVOS: LIMITES E
POSSIBILIDADES A PARTIR DE UM CASO CONCRETO
GABRIEL SCHULMAN
RICARDO H. WEBER
Sumrio
1. Desafio proposto. 2. Contratos coletivos de servio de
assistncia mdica suplementar. 3. A deciso objeto do
AI n. 499683-0, 8. Cmara Cvel, do Tribunal de
Justia do Estado do Paran. 4. Regime jurdico dos
contratos coletivos e os consumidores-trabalhadores; 4.1
Aplicabilidade das Leis n. 8.078/90 e 9.656/98; 4.2 Tutela
do aderente indireto. 5. Problematizao da bipartio da
aplice de contrato de plano de sade coletivo. 6.
Concluses. 7. Referncias.
Palavras-chave: plano de sade coletivo, trabalhador,
consumidor, adeso indireta, seguro-sade.
1. Desafio proposto
O presente estudo visa examinar e problematizar a contratao de plano de sade
coletivo por empregadores aos trabalhadores. Em detrimento da viso que se limita a
considerar apenas as partes que formalizam o instrumento contratual quais sejam o
fornecedor da assistncia mdica hospitalar e o empregador ou antigo empregador no caso dos
aposentados , prima-se por uma perspectiva crtica a enfocar-se a proteo da pessoa do
consumidor indireto, isto , o trabalhador ativo ou ainda, o aposentado.
Busca-se analisar a adeso indireta derivada da vinculao relacional de trabalho de
modo a discutir modalidade de contratao na qual o consumidor no participa da fase das
tratativas (como tambm usual nos contratos de adeso), mas nem sequer toma parte da
Mestre em Direito das Relaes Sociais na UFPR. Professor de Direito Civil da Universidade Positivo
e da UniBrasil. Advogado.
Mestrando em Direito das Relaes Sociais na UFPR. Advogado.
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celebrao do contrato. Neste contexto, acentuada a vulnerabilidade do trabalhador-
consumidor, usualmente qualificado como beneficirio do contrato, tal como se fosse
terceiro estranho relao. Esse conjunto de circunstncias amplia a adoo de prticas
abusivas pela operadora do plano de sade em prejuzo do consumidor, a reforar a
importncia do debate objeto deste texto.
O ponto de partida para a leitura proposta extrado da anlise de um caso concreto
levado ao debate jurdico perante o Tribunal de Justia do Estado do Paran. A controvrsia
envolve ex-empregados que aderiram ao plano de sade contratado pela ento empregadora,
conservaram-se vinculados durante longo perodo e, com a aposentadoria, optaram por
exercer o direito de assumir os pagamentos e permanecerem no contrato. Tais consumidores
receberam de forma inesperada a informao de um aumento considervel nas suas
mensalidades, sob o fundamento de repasse da taxa de sinistralidade. Ocorre que o grupo
dos funcionrios em atividade da mesma empresa sofreu outro reajuste, bem inferior.
O Tribunal decidiu que este reajuste ao grupo de ex-empregados, alm de
exagerado, fere a isonomia de tratamento entre integrantes de uma mesma categoria
funcionrios e aposentados. Embasou-se o julgamento na circunstncia de que aos
aposentados, remanescem os mesmos direitos inerentes ao plano de sade, do perodo durante
o qual exerciam a atividade laborativa. Com base em tal fundamento, determinou-se a
incidncia do mesmo percentual de aumento concedido aos funcionrios ativos.1
2. Contratos coletivos de servio de assistncia mdica suplementar
Segundo a ANS (Agncia Nacional de Sade Suplementar) considera-se contrato
coletivo de prestao de assistncia mdica por planos de sade: o contrato assinado entre
uma pessoa jurdica e uma operadora de planos de sade para assistncia sade de
empregados/funcionrios, ativos/inativos, ou de sindicalizados/associados da pessoa jurdica
contratante.2
Tambm chamados empresariais, esses contratos so freqentemente celebrados
entre o empregador e operadora de plano de sade, sem que o empregado tome parte e mesmo
1 PARAN. TJPR. Agravo de Instrumento n. 499.683-0. Oitava Cmara Cvel. Rel. Designada: Denise
Krger Pereira. Unnime. Julgamento: 27/11/2008. DJ: 02/02/2009.
2 ANS. Caderno de Informao da Sade Suplementar. Beneficirios, operadoras e planos. Rio de
Janeiro: ANS, mar. 2009. p. 9.
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sem seu conhecimento. Com efeito, a incluso do trabalhador ao contrato3 feita
posteriormente, mediante adeso indireta.4 Observa-se, neste caso, um regime peculiar na
celebrao do contrato: usualmente no h participao do usurio, do consumidor-
trabalhador, ou aderente indireto. Combina-se a falta de autonomia falta de informao das
clusulas contratuais.5
Por envolverem pessoas jurdicas nos plos da relao contratual, muitas vezes essas
avenas so tomadas, sem maior cuidado, como contratos entre iguais. Nesse sentido, ao
julgar a apelao cvel n. 2008.001.27977 o TJ/RJ decidiu pela impossibilidade de
beneficiria pleitear a manuteno de contrato coletivo estabelecido por seu sindicato.
Entendeu-se pela inexistncia de relao de consumo com base na frgil hiptese de
que a beneficiria no estabeleceria relao jurdica com a operadora de plano de sade.6 Na
ementa salientou-se a ilegitimidade da parte autora, que no partcipe do contrato. Tal
apontamento se compatibiliza com a compreenso expressa no voto segundo a qual a
beneficiria no mantm relao jurdica direta com a cooperativa do plano de sade. Com
naturalidade injustificada incorporou-se a noo clssica de relao jurdica como vnculo
juridicamente reconhecido, derivado de um fato jurdico, no qual possvel identificar um
sujeito ativo (credor) e um sujeito passivo (devedor), os quais seriam indiferentes realidade
3 Contrato, como leciona ROPPO, expresso polissmica a exigir ateno. Designa operao
econmica, sua recepo pelo direito sob a forma de negcio jurdico, o instrumento pelo qual se representa tal
negcio sob a forma escrita, bem como pode significar direito contratual. ROPPO, Enzo. O Contrato. (Trad.
Ana Coimbra e M. Janurio C. Gomes). Coimbra (Portugal): Almedina, 1988. p. 7-10.
4 O termo procura acentuar o dficit de autodeterminao presente nos contratos coletivos, como se ir
demonstrar. Lus Otvio FARIAS chega a sugerir a denominao adeso compulsria, significativa pela
paradoxal aproximao entre vocbulos opostos. Em seu dizer nessa modalidade o vnculo empregatcio do
indivduo aparece como um fator de induo adeso. FARIAS, Lus Otvio. Estratgias individuais de
proteo sade: um estudo da adeso ao sistema de sade suplementar. Cincia & Sade Coletiva.
v.6 n.2. Rio de Janeiro: Associao Brasileira de Ps-Graduao em Sade Coletiva, p. 405-416. p. 407. A
expresso adeso indireta parece mais adequada por enfatizar o dficit de autodeterminao dos contratantes.
Por outro lado, cumpre advertir, desde logo e de modo enftico que a ausncia de atuao e informao do
consumidor-trabalhador no pode justificar limitaes da defesa de seus direitos perante o Judicirio.
5 Exprime Fabola Santos ALBUQUERQUE: Temos como premissa que o dever de informar
desempenha uma finalidade funcional nas relaes de consumo, serve de lastro ao consentimento e assim integra
a etapa pr-contratual ou da formao contratual (...) a obrigao de informar, de origem legal, tem por funes o
equilbrio dos contratantes e a preveno de danos aos consumidores. A informao exprime uma situao
relacional entre fornecedor e consumidor, pois aquele tem o dever de informar e este tem o direito de ser
informado, com vistas melhoria, lealdade e harmonizao do mercado de consumo. O dever de informar
funciona como mecanismo de controle legal do equilbrio da relao entre fornecedores e consumidores.
ALBUQUERQUE, Fabola Santos. O Direito do Consumidor e os Novos Direitos. In: MATOS, Ana Carla
Harmatiuk (Org.). Porto Alegre: Nria Fabris, 2008. p. 94-95.
6 RIO DE JANEIRO. TJRJ. Apelao Cvel n. 2008.001.27977. 15. Cmara Cvel. Rel.: Sergio Lucio
de Oliveira e Cruz. Julgamento: 07/10/2008.
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que os cerca.7 Decidiu-se, pois ao arrepio da Lei n. 9.656/98 a qual assegura, em seus arts. 30
e 31,8 ao empregado e ao ex-empregado (aposentado), assim como aos seus dependentes e
agregados, o direito de permanecerem vinculados ao contrato de plano de sade, respeitados
determinados parmetros, como a imposio de limite temporal.
Em contraposio, impende observar a possibilidade de se identificar a figura do
consumidor-trabalhador at mesmo na redao do art. 30 da Lei dos Planos de Sade, a qual
recepciona essa construo ao prever que:
Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o 1o do art.
1o desta Lei, em decorrncia de vnculo empregatcio, no caso de resciso ou
exonerao do contrato de trabalho sem justa causa, assegurado o direito de manter
sua condio de beneficirio, nas mesmas condies de cobertura assistencial de que
gozava quando da vigncia do contrato de trabalho, desde que assuma o seu
pagamento integral. (Grifou-se).
Nessa toada, ressalta-se que na formao da contratualidade contempornea, impe-se
um desenvolvimento interpretativo do contrato, dos seus significantes e significados,
permeado pelos princpios e valores integrantes no sistema unitrio constitucional, que visam
harmonizar: liberdade contratual, finalidade do contrato, sua relevncia social e atividade
econmica. Trata-se de promover a abertura da idia de contrato, consoante a lio do Prof.
Luiz Edson Fachin, segund