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17.12.2016 – 5.3.2017 36.º aniversário GALERIA NEUPERGAMA Vítor Pomar FOTOGRAFIA YOU ARE MY KOAN adivinha se fores capaz

adivinha se fores capaz - Vitor Pomar · adivinha se fores capaz. Sim, sempre estiveram prontas Veja, as coisas estão cá todas; e eu sei isso porque estive a espreitá-las uma a

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17.12.2016 – 5.3.2017

palavras como todo, mundo, cosmos e sei lá mais o quê. É o mundo dele, são partes do mundo dele, são bocados do mundo dele, são fragmentos do mundo dele, são instantes... Não tem fim. Fica a tralha toda, como nos inventários, são os plásticos, aqui tão presentes, os cortes, os rasgões, as pessoas que representam um dia-a-dia que nos parece ganhar sentido aqui e ali e também as texturas porque deixam adivinhar o tempo. Tudo gasto por ele que é afinal quem lhes dá sentido.

E chegados aqui atiramos tudo pelos ares e dizemos que se lixe.

Vamos lá arrumar toda esta tralha.

São tintas, são pedras, são riscos, são manchas, são gestos, são movimentos, são plásticos diferentes e diferentes pessoas, são momentos únicos. É isto o que ele faz. É isto que sempre, sempre fez.Ora com isto ora com aquilo.Não o conseguem apanhar: faz sempre o mesmo doutro modo.

Jorge Molder, Nov. 2016

36.º aniversárioGALERIA NEUPERGAMA

SÃO MOMENTOS ÚNICOS

Tal como o arco-íris resulta duma conjugação de factores que o tornam manifesto, sem no entanto possuir existência própria em si e por si, assim a presente exposição é o culminar dum processo que parece ser tão expontâneo quanto recente.Para que espontaneidade e intuição possam ter lugar, haverá que cultivar alguma abertura e presença de espírito, sem as quais somos subjugados por opacas opiniões e obscuras certezas.Em primeiro lugar, devo referir o convite que me foi dirigido pela actual directora da Galeria Neupergama em Torres Novas, Célia Cardoso, assistida pelo diligente Bruno Fonseca, para a realização duma exposição de fotografia, na sequência do programa de continuidade e renovação do projecto iniciado por seu falecido Pai, José Carlos Cardoso, que conta já 35 heróicos anos, e em que tive ocasião de participar com exposições de pintura e de fotografia em 2004.Uma exposição é, em si mesma, equiparável a uma obra cujos elementos são as peças expostas que devem formar um todo, rico de interligações, de que resulta uma sinergia própria que ultrapassa o somatório das peças escolhidas.No presente caso, optou-se por confrontar dois conjuntos de peças que parecem conversar entre si e apontar para novos e insuspeitos sentidos.Assim, a série intitulada “Questão de Género” data de finais dos anos ‘90 e tem raízes numa exposição que teve lugar na Cooperativa Árvore (Porto 2000), tal como ficou registado no filme “História duma Vida” (1996-2001), que pode ser visionado AQUI: https://vimeo.com/191713766As fotos que constituem esta série fizeram parte da minha exposição “O meu Campo de Batalha”, no Museu de Serralves (Porto 2003), (ver AQUI: https://vimeo.com/169714001).Em contraponto, um conjunto de fotos muito recentes assumem o risco de exposição, em sentido literal, e de revelação de um tempo e uma vivência cuja leitura se fará através da própria exposição.Finalmente last but not least, o texto que gentilmente Jorge Molder nos oferece, vem consolidar a ousadia desta exposição e leva-nos pela mão a fazer uma visita guiada em que somos seduzidos pela combinação única da profundidade e ligeireza do seu espírito sagaz.Falta mencionar a omnipresença de Annelies com quem tive ocasião de trabalhar, digo, deixar-me fascinar pela sua multifacetada personalidade, já em 1985, de que resultou o filme “Sermão Zen” (ver AQUI: https://vimeo.com/62505317) e que protagonizou todo o conjunto das fotografias recentes que posso designar por “Momentos Únicos”.Um encontro que, tal como a vida, se faz caminhando, sem agenda nem objectivo outro que não seja o valor que lhe somos capazes de descobrir a cada passo, iluminando um tempo que assim se deixa delinear, now by now, e que parece beliscar uma dimensão propriamente intemporal: you are my koan!

Vítor Pomar, 26 de Novembro 2016

Vítor Pomar FOTOGRAFIA

YOU ARE MY KOAN adivinha se fores capaz

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Sim, sempre estiveram prontas

Veja, as coisas estão cá todas; e eu sei isso porque estive a espreitá-las uma a uma. É precisamente isso, são todas e uma a uma. É este o seu evidente segredo. São inseparáveis.Ora veja comigo: Tem uma data delas com plásticos. Têm bonitas e estranhas cores, têm sombras que as escondem e ao mesmo tempo lhes emprestam mistérios e esplendores, deixam adivinhar coisas e ocultá-las também. Afinal não fizeram falta as previsíveis cambraias e tules. Nunca fizeram parte deste território. As transparências, os encobrimentos, as revelações e as meias luzes, pronto, está tudo à vista.Tem uma com umas pegas de plástico e que no centro e na frente mais parece um motor e que deve ser com toda a certeza um anjo. Podia também ser uma biga. E também uma outra imagem com um alguidar verde que não sei porquê dá-me a impressão de o conhecer já dantes. Quase o posso garantir.Depois há uma outra que lembra uma aparição em branco; está ao pé de uma laranja decepada. Pensando um pouco melhor talvez se possa tratar mais de uma ocultação. É engraçado, poderia ser o Pinóquio a dizê-lo, como uma aparição e uma ocultação têm tanto em comum. A laranja também não deixa de ter muito que se lhe diga: olha cá, é o corte, que divide o fruto, o mundo e a vida, e sugestão de que algo fica no ar – o sumo para não irmos mais longe no catálogo das figuras ou águas mais profundas –.E uma com uma garrafa cortada e um saco com panos amarelos que parece do Egipto, daquelas ânforas em que se mostra as separações dos órgãos para preparar os embalsamamentos. E a do saco fúcsia está muito bem vista. É com toda a sua simplicidade uma escultura. E também podia tapar uma pequena cavidade na parede, mas isso pouco interessa. E mais a do sexo com garrafões decepados, até me faz lembrar as cabeças do Géricault. Há uma cabalística, aparentemente. Tem por cima um triângulo de

pedra e por baixo um rectângulo igualmente de pedra. Os dois juntos parecem um pórtico. Depois tem uns pregos entortados e combinados que parecem querer dizer algo. No rectângulo referido, cinco molas da roupa de madeira desenham uma outra porta. É uma porta dentro doutra porta. Tem mais, mas vou só falar de mais uma. A que tem uma tábua de cozinha do lado esquerdo, sobre a qual um garrafão de plástico, também decepado, esconde uma data de coisas que não distinguimos; do lado direito um outro garrafão, desta vez não está decepado mas tem um grande buraco por onde entra um saco de plástico, um final dum rolo de papel higiénico, um final daqueles rolos grossos de fita-cola e um pau que empurra tudo lá para dentro mais um saco de plástico. Por cima um espelho de que se antevê apenas um pedaço. Falei tanto desta porque ela põe dum modo mais explícito a variedade de olhares e de razões com que podemos assediar uma imagem. Ficamos na retórica ou na ontologia? Em que é que ficamos, ou melhor, onde é que nos puseram.Atenção: tem uma cena de cama desfeita, assim à maneira da Tracey Emin, mas faltam-lhe pormenores imprescindíveis nestes casos: apesar dum copito com restos de café faltam-lhe preservativos, algodões sujos, umas queimadelas,..... há um certo descuido nisto tudo: ou bem que é mesmo ou bem que não.Noutra, uma mulher jovem com uma criança que brinca com uma coisa que também tem molas de roupa; à frente uma mulher inclina-se num movimento misterioso e desenvolto que mais parece um ritual ou a procura duma imobilidade.Tem muitas criaturas: que podem ser amigos ou conhecidos, sei lá.

Tem duas muito especiais: uma em que aparece com uma fotografia à valete de copas e onde tem escrito “you are my Koan”; fui ver ao Google e diz lá que pode ter a haver com a iluminação espiritual. Talvez. A outra mete duas criaturas vestidas de preto – uma com um duplo colar de pérolas rosa e branco – que

parecem estar a fazer ou a dizer uma à outra qualquer coisa.Há várias de uma que anda nua e por estar nua adivinha-se ou suspeita-se de uma maior proximidade. Vá-se lá saber. Até chega a estar agachada.Por princípio não falo destas coisas, mas deixem-me explicar-me. Não o faço por moralismo ou por devassidão. Faço-o por impossibilidade de voltar o que digo paro o lado da emoção; isso supõe capacidade para análises diferentes das que possuo. Tudo o que seja mudanças de ontologia não contem comigo.Uns devem ser amigos ou andar por lá, um tem mesmo um ramo de flores e, uns outros estão ao pé da sombra dum boi (?) e é engraçado porque as sombras deles parecem mais sombra do que é costume.Tem uma com uma sombra de um corvo talvez de cartão que tanto pode ser por acaso como de propósito. Não se sabe!Há uma que atravessa a sombra e um outro que mostra um olhar surpreendido, cúmplice, comovido. Sem certezas.Há uma outra em que o homem vai mais ou menos a ocultar a cara ou a proteger-se do vento, sentado na última fila de um barco (um vaporetto?) talvez Veneza, em Amesterdão ou no Seixal. Uma tem uma fotografia de uma rapariga nova e bonita, mas a fotografia pode não ser recente e, nesse caso a fotografia é ainda bonita mas a rapariga pode já ter sofrido bastante com o tempo.Numa, uma mulher, sentada numa grande pedra, parece rememorar o seu tempo: banha-a uma luz suave e o seu rosto transmite uma serenidade grande; parece estar bem consigo.Voltando a um momento já passado, há uma duma escova de dentes que parece um lugar de visita ou peregrinação e noutra alguém corta um tomate em pequenos gomos, parecendo preparar uma salada ou outra coisa qualquer.As descrições são infinitas; são sempre infindáveis se é isso que queremos. Para isso podemos usar

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Sim, sempre estiveram prontas

Veja, as coisas estão cá todas; e eu sei isso porque estive a espreitá-las uma a uma. É precisamente isso, são todas e uma a uma. É este o seu evidente segredo. São inseparáveis.Ora veja comigo: Tem uma data delas com plásticos. Têm bonitas e estranhas cores, têm sombras que as escondem e ao mesmo tempo lhes emprestam mistérios e esplendores, deixam adivinhar coisas e ocultá-las também. Afinal não fizeram falta as previsíveis cambraias e tules. Nunca fizeram parte deste território. As transparências, os encobrimentos, as revelações e as meias luzes, pronto, está tudo à vista.Tem uma com umas pegas de plástico e que no centro e na frente mais parece um motor e que deve ser com toda a certeza um anjo. Podia também ser uma biga. E também uma outra imagem com um alguidar verde que não sei porquê dá-me a impressão de o conhecer já dantes. Quase o posso garantir.Depois há uma outra que lembra uma aparição em branco; está ao pé de uma laranja decepada. Pensando um pouco melhor talvez se possa tratar mais de uma ocultação. É engraçado, poderia ser o Pinóquio a dizê-lo, como uma aparição e uma ocultação têm tanto em comum. A laranja também não deixa de ter muito que se lhe diga: olha cá, é o corte, que divide o fruto, o mundo e a vida, e sugestão de que algo fica no ar – o sumo para não irmos mais longe no catálogo das figuras ou águas mais profundas –.E uma com uma garrafa cortada e um saco com panos amarelos que parece do Egipto, daquelas ânforas em que se mostra as separações dos órgãos para preparar os embalsamamentos. E a do saco fúcsia está muito bem vista. É com toda a sua simplicidade uma escultura. E também podia tapar uma pequena cavidade na parede, mas isso pouco interessa. E mais a do sexo com garrafões decepados, até me faz lembrar as cabeças do Géricault. Há uma cabalística, aparentemente. Tem por cima um triângulo de

pedra e por baixo um rectângulo igualmente de pedra. Os dois juntos parecem um pórtico. Depois tem uns pregos entortados e combinados que parecem querer dizer algo. No rectângulo referido, cinco molas da roupa de madeira desenham uma outra porta. É uma porta dentro doutra porta. Tem mais, mas vou só falar de mais uma. A que tem uma tábua de cozinha do lado esquerdo, sobre a qual um garrafão de plástico, também decepado, esconde uma data de coisas que não distinguimos; do lado direito um outro garrafão, desta vez não está decepado mas tem um grande buraco por onde entra um saco de plástico, um final dum rolo de papel higiénico, um final daqueles rolos grossos de fita-cola e um pau que empurra tudo lá para dentro mais um saco de plástico. Por cima um espelho de que se antevê apenas um pedaço. Falei tanto desta porque ela põe dum modo mais explícito a variedade de olhares e de razões com que podemos assediar uma imagem. Ficamos na retórica ou na ontologia? Em que é que ficamos, ou melhor, onde é que nos puseram.Atenção: tem uma cena de cama desfeita, assim à maneira da Tracey Emin, mas faltam-lhe pormenores imprescindíveis nestes casos: apesar dum copito com restos de café faltam-lhe preservativos, algodões sujos, umas queimadelas,..... há um certo descuido nisto tudo: ou bem que é mesmo ou bem que não.Noutra, uma mulher jovem com uma criança que brinca com uma coisa que também tem molas de roupa; à frente uma mulher inclina-se num movimento misterioso e desenvolto que mais parece um ritual ou a procura duma imobilidade.Tem muitas criaturas: que podem ser amigos ou conhecidos, sei lá.

Tem duas muito especiais: uma em que aparece com uma fotografia à valete de copas e onde tem escrito “you are my Koan”; fui ver ao Google e diz lá que pode ter a haver com a iluminação espiritual. Talvez. A outra mete duas criaturas vestidas de preto – uma com um duplo colar de pérolas rosa e branco – que

parecem estar a fazer ou a dizer uma à outra qualquer coisa.Há várias de uma que anda nua e por estar nua adivinha-se ou suspeita-se de uma maior proximidade. Vá-se lá saber. Até chega a estar agachada.Por princípio não falo destas coisas, mas deixem-me explicar-me. Não o faço por moralismo ou por devassidão. Faço-o por impossibilidade de voltar o que digo paro o lado da emoção; isso supõe capacidade para análises diferentes das que possuo. Tudo o que seja mudanças de ontologia não contem comigo.Uns devem ser amigos ou andar por lá, um tem mesmo um ramo de flores e, uns outros estão ao pé da sombra dum boi (?) e é engraçado porque as sombras deles parecem mais sombra do que é costume.Tem uma com uma sombra de um corvo talvez de cartão que tanto pode ser por acaso como de propósito. Não se sabe!Há uma que atravessa a sombra e um outro que mostra um olhar surpreendido, cúmplice, comovido. Sem certezas.Há uma outra em que o homem vai mais ou menos a ocultar a cara ou a proteger-se do vento, sentado na última fila de um barco (um vaporetto?) talvez Veneza, em Amesterdão ou no Seixal. Uma tem uma fotografia de uma rapariga nova e bonita, mas a fotografia pode não ser recente e, nesse caso a fotografia é ainda bonita mas a rapariga pode já ter sofrido bastante com o tempo.Numa, uma mulher, sentada numa grande pedra, parece rememorar o seu tempo: banha-a uma luz suave e o seu rosto transmite uma serenidade grande; parece estar bem consigo.Voltando a um momento já passado, há uma duma escova de dentes que parece um lugar de visita ou peregrinação e noutra alguém corta um tomate em pequenos gomos, parecendo preparar uma salada ou outra coisa qualquer.As descrições são infinitas; são sempre infindáveis se é isso que queremos. Para isso podemos usar

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Sim, sempre estiveram prontas

Veja, as coisas estão cá todas; e eu sei isso porque estive a espreitá-las uma a uma. É precisamente isso, são todas e uma a uma. É este o seu evidente segredo. São inseparáveis.Ora veja comigo: Tem uma data delas com plásticos. Têm bonitas e estranhas cores, têm sombras que as escondem e ao mesmo tempo lhes emprestam mistérios e esplendores, deixam adivinhar coisas e ocultá-las também. Afinal não fizeram falta as previsíveis cambraias e tules. Nunca fizeram parte deste território. As transparências, os encobrimentos, as revelações e as meias luzes, pronto, está tudo à vista.Tem uma com umas pegas de plástico e que no centro e na frente mais parece um motor e que deve ser com toda a certeza um anjo. Podia também ser uma biga. E também uma outra imagem com um alguidar verde que não sei porquê dá-me a impressão de o conhecer já dantes. Quase o posso garantir.Depois há uma outra que lembra uma aparição em branco; está ao pé de uma laranja decepada. Pensando um pouco melhor talvez se possa tratar mais de uma ocultação. É engraçado, poderia ser o Pinóquio a dizê-lo, como uma aparição e uma ocultação têm tanto em comum. A laranja também não deixa de ter muito que se lhe diga: olha cá, é o corte, que divide o fruto, o mundo e a vida, e sugestão de que algo fica no ar – o sumo para não irmos mais longe no catálogo das figuras ou águas mais profundas –.E uma com uma garrafa cortada e um saco com panos amarelos que parece do Egipto, daquelas ânforas em que se mostra as separações dos órgãos para preparar os embalsamamentos. E a do saco fúcsia está muito bem vista. É com toda a sua simplicidade uma escultura. E também podia tapar uma pequena cavidade na parede, mas isso pouco interessa. E mais a do sexo com garrafões decepados, até me faz lembrar as cabeças do Géricault. Há uma cabalística, aparentemente. Tem por cima um triângulo de

pedra e por baixo um rectângulo igualmente de pedra. Os dois juntos parecem um pórtico. Depois tem uns pregos entortados e combinados que parecem querer dizer algo. No rectângulo referido, cinco molas da roupa de madeira desenham uma outra porta. É uma porta dentro doutra porta. Tem mais, mas vou só falar de mais uma. A que tem uma tábua de cozinha do lado esquerdo, sobre a qual um garrafão de plástico, também decepado, esconde uma data de coisas que não distinguimos; do lado direito um outro garrafão, desta vez não está decepado mas tem um grande buraco por onde entra um saco de plástico, um final dum rolo de papel higiénico, um final daqueles rolos grossos de fita-cola e um pau que empurra tudo lá para dentro mais um saco de plástico. Por cima um espelho de que se antevê apenas um pedaço. Falei tanto desta porque ela põe dum modo mais explícito a variedade de olhares e de razões com que podemos assediar uma imagem. Ficamos na retórica ou na ontologia? Em que é que ficamos, ou melhor, onde é que nos puseram.Atenção: tem uma cena de cama desfeita, assim à maneira da Tracey Emin, mas faltam-lhe pormenores imprescindíveis nestes casos: apesar dum copito com restos de café faltam-lhe preservativos, algodões sujos, umas queimadelas,..... há um certo descuido nisto tudo: ou bem que é mesmo ou bem que não.Noutra, uma mulher jovem com uma criança que brinca com uma coisa que também tem molas de roupa; à frente uma mulher inclina-se num movimento misterioso e desenvolto que mais parece um ritual ou a procura duma imobilidade.Tem muitas criaturas: que podem ser amigos ou conhecidos, sei lá.

Tem duas muito especiais: uma em que aparece com uma fotografia à valete de copas e onde tem escrito “you are my Koan”; fui ver ao Google e diz lá que pode ter a haver com a iluminação espiritual. Talvez. A outra mete duas criaturas vestidas de preto – uma com um duplo colar de pérolas rosa e branco – que

parecem estar a fazer ou a dizer uma à outra qualquer coisa.Há várias de uma que anda nua e por estar nua adivinha-se ou suspeita-se de uma maior proximidade. Vá-se lá saber. Até chega a estar agachada.Por princípio não falo destas coisas, mas deixem-me explicar-me. Não o faço por moralismo ou por devassidão. Faço-o por impossibilidade de voltar o que digo paro o lado da emoção; isso supõe capacidade para análises diferentes das que possuo. Tudo o que seja mudanças de ontologia não contem comigo.Uns devem ser amigos ou andar por lá, um tem mesmo um ramo de flores e, uns outros estão ao pé da sombra dum boi (?) e é engraçado porque as sombras deles parecem mais sombra do que é costume.Tem uma com uma sombra de um corvo talvez de cartão que tanto pode ser por acaso como de propósito. Não se sabe!Há uma que atravessa a sombra e um outro que mostra um olhar surpreendido, cúmplice, comovido. Sem certezas.Há uma outra em que o homem vai mais ou menos a ocultar a cara ou a proteger-se do vento, sentado na última fila de um barco (um vaporetto?) talvez Veneza, em Amesterdão ou no Seixal. Uma tem uma fotografia de uma rapariga nova e bonita, mas a fotografia pode não ser recente e, nesse caso a fotografia é ainda bonita mas a rapariga pode já ter sofrido bastante com o tempo.Numa, uma mulher, sentada numa grande pedra, parece rememorar o seu tempo: banha-a uma luz suave e o seu rosto transmite uma serenidade grande; parece estar bem consigo.Voltando a um momento já passado, há uma duma escova de dentes que parece um lugar de visita ou peregrinação e noutra alguém corta um tomate em pequenos gomos, parecendo preparar uma salada ou outra coisa qualquer.As descrições são infinitas; são sempre infindáveis se é isso que queremos. Para isso podemos usar

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17.12.2016 – 5.3.2017

palavras como todo, mundo, cosmos e sei lá mais o quê. É o mundo dele, são partes do mundo dele, são bocados do mundo dele, são fragmentos do mundo dele, são instantes... Não tem fim. Fica a tralha toda, como nos inventários, são os plásticos, aqui tão presentes, os cortes, os rasgões, as pessoas que representam um dia-a-dia que nos parece ganhar sentido aqui e ali e também as texturas porque deixam adivinhar o tempo. Tudo gasto por ele que é afinal quem lhes dá sentido.

E chegados aqui atiramos tudo pelos ares e dizemos que se lixe.

Vamos lá arrumar toda esta tralha.

São tintas, são pedras, são riscos, são manchas, são gestos, são movimentos, são plásticos diferentes e diferentes pessoas, são momentos únicos. É isto o que ele faz. É isto que sempre, sempre fez.Ora com isto ora com aquilo.Não o conseguem apanhar: faz sempre o mesmo doutro modo.

Jorge Molder, Nov. 2016

36.º aniversárioGALERIA NEUPERGAMA

SÃO MOMENTOS ÚNICOS

Tal como o arco-íris resulta duma conjugação de factores que o tornam manifesto, sem no entanto possuir existência própria em si e por si, assim a presente exposição é o culminar dum processo que parece ser tão expontâneo quanto recente.Para que espontaneidade e intuição possam ter lugar, haverá que cultivar alguma abertura e presença de espírito, sem as quais somos subjugados por opacas opiniões e obscuras certezas.Em primeiro lugar, devo referir o convite que me foi dirigido pela actual directora da Galeria Neupergama em Torres Novas, Célia Cardoso, assistida pelo diligente Bruno Fonseca, para a realização duma exposição de fotografia, na sequência do programa de continuidade e renovação do projecto iniciado por seu falecido Pai, José Carlos Cardoso, que conta já 35 heróicos anos, e em que tive ocasião de participar com exposições de pintura e de fotografia em 2004.Uma exposição é, em si mesma, equiparável a uma obra cujos elementos são as peças expostas que devem formar um todo, rico de interligações, de que resulta uma sinergia própria que ultrapassa o somatório das peças escolhidas.No presente caso, optou-se por confrontar dois conjuntos de peças que parecem conversar entre si e apontar para novos e insuspeitos sentidos.Assim, a série intitulada “Questão de Género” data de finais dos anos ‘90 e tem raízes numa exposição que teve lugar na Cooperativa Árvore (Porto 2000), tal como ficou registado no filme “História duma Vida” (1996-2001), que pode ser visionado AQUI: https://vimeo.com/191713766As fotos que constituem esta série fizeram parte da minha exposição “O meu Campo de Batalha”, no Museu de Serralves (Porto 2003), (ver AQUI: https://vimeo.com/169714001).Em contraponto, um conjunto de fotos muito recentes assumem o risco de exposição, em sentido literal, e de revelação de um tempo e uma vivência cuja leitura se fará através da própria exposição.Finalmente last but not least, o texto que gentilmente Jorge Molder nos oferece, vem consolidar a ousadia desta exposição e leva-nos pela mão a fazer uma visita guiada em que somos seduzidos pela combinação única da profundidade e ligeireza do seu espírito sagaz.Falta mencionar a omnipresença de Annelies com quem tive ocasião de trabalhar, digo, deixar-me fascinar pela sua multifacetada personalidade, já em 1985, de que resultou o filme “Sermão Zen” (ver AQUI: https://vimeo.com/62505317) e que protagonizou todo o conjunto das fotografias recentes que posso designar por “Momentos Únicos”.Um encontro que, tal como a vida, se faz caminhando, sem agenda nem objectivo outro que não seja o valor que lhe somos capazes de descobrir a cada passo, iluminando um tempo que assim se deixa delinear, now by now, e que parece beliscar uma dimensão propriamente intemporal: you are my koan!

Vítor Pomar, 26 de Novembro 2016

Vítor Pomar FOTOGRAFIA

YOU ARE MY KOAN adivinha se fores capaz

Page 6: adivinha se fores capaz - Vitor Pomar · adivinha se fores capaz. Sim, sempre estiveram prontas Veja, as coisas estão cá todas; e eu sei isso porque estive a espreitá-las uma a

17.12.2016 – 5.3.2017

palavras como todo, mundo, cosmos e sei lá mais o quê. É o mundo dele, são partes do mundo dele, são bocados do mundo dele, são fragmentos do mundo dele, são instantes... Não tem fim. Fica a tralha toda, como nos inventários, são os plásticos, aqui tão presentes, os cortes, os rasgões, as pessoas que representam um dia-a-dia que nos parece ganhar sentido aqui e ali e também as texturas porque deixam adivinhar o tempo. Tudo gasto por ele que é afinal quem lhes dá sentido.

E chegados aqui atiramos tudo pelos ares e dizemos que se lixe.

Vamos lá arrumar toda esta tralha.

São tintas, são pedras, são riscos, são manchas, são gestos, são movimentos, são plásticos diferentes e diferentes pessoas, são momentos únicos. É isto o que ele faz. É isto que sempre, sempre fez.Ora com isto ora com aquilo.Não o conseguem apanhar: faz sempre o mesmo doutro modo.

Jorge Molder, Nov. 2016

36.º aniversárioGALERIA NEUPERGAMA

SÃO MOMENTOS ÚNICOS

Tal como o arco-íris resulta duma conjugação de factores que o tornam manifesto, sem no entanto possuir existência própria em si e por si, assim a presente exposição é o culminar dum processo que parece ser tão expontâneo quanto recente.Para que espontaneidade e intuição possam ter lugar, haverá que cultivar alguma abertura e presença de espírito, sem as quais somos subjugados por opacas opiniões e obscuras certezas.Em primeiro lugar, devo referir o convite que me foi dirigido pela actual directora da Galeria Neupergama em Torres Novas, Célia Cardoso, assistida pelo diligente Bruno Fonseca, para a realização duma exposição de fotografia, na sequência do programa de continuidade e renovação do projecto iniciado por seu falecido Pai, José Carlos Cardoso, que conta já 35 heróicos anos, e em que tive ocasião de participar com exposições de pintura e de fotografia em 2004.Uma exposição é, em si mesma, equiparável a uma obra cujos elementos são as peças expostas que devem formar um todo, rico de interligações, de que resulta uma sinergia própria que ultrapassa o somatório das peças escolhidas.No presente caso, optou-se por confrontar dois conjuntos de peças que parecem conversar entre si e apontar para novos e insuspeitos sentidos.Assim, a série intitulada “Questão de Género” data de finais dos anos ‘90 e tem raízes numa exposição que teve lugar na Cooperativa Árvore (Porto 2000), tal como ficou registado no filme “História duma Vida” (1996-2001), que pode ser visionado AQUI: https://vimeo.com/191713766As fotos que constituem esta série fizeram parte da minha exposição “O meu Campo de Batalha”, no Museu de Serralves (Porto 2003), (ver AQUI: https://vimeo.com/169714001).Em contraponto, um conjunto de fotos muito recentes assumem o risco de exposição, em sentido literal, e de revelação de um tempo e uma vivência cuja leitura se fará através da própria exposição.Finalmente last but not least, o texto que gentilmente Jorge Molder nos oferece, vem consolidar a ousadia desta exposição e leva-nos pela mão a fazer uma visita guiada em que somos seduzidos pela combinação única da profundidade e ligeireza do seu espírito sagaz.Falta mencionar a omnipresença de Annelies com quem tive ocasião de trabalhar, digo, deixar-me fascinar pela sua multifacetada personalidade, já em 1985, de que resultou o filme “Sermão Zen” (ver AQUI: https://vimeo.com/62505317) e que protagonizou todo o conjunto das fotografias recentes que posso designar por “Momentos Únicos”.Um encontro que, tal como a vida, se faz caminhando, sem agenda nem objectivo outro que não seja o valor que lhe somos capazes de descobrir a cada passo, iluminando um tempo que assim se deixa delinear, now by now, e que parece beliscar uma dimensão propriamente intemporal: you are my koan!

Vítor Pomar, 26 de Novembro 2016

Vítor Pomar FOTOGRAFIA

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