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1 Análise do Processo de Seleção do Efetivo Variável de uma Unidade do Exército Brasileiro Autoria: Carlos Ronchi Witschoreck, Drean Damaceno dos Santos, Marcelo Trevisan, Damiana Machado de Almeida, Lúcia Rejane da Rosa Gama Madruga, Vânia Medianeira Flores Costa Resumo Nas Forças Armadas Brasileiras ocorre recrutamento e seleção para o Serviço Militar Obrigatório. Algumas vezes esse período é interrompido resultando em retrabalho, desperdícios de tempo e de recursos financeiros. Este estudo objetiva analisar e propor ajustes no processo de seleção do contingente anual incorporado em uma OM. A pesquisa é qualitativa, do tipo estudo de caso, com uso da análise documental e de quinze entrevistas. Resultados demonstraram que a comissão de seleção não possui formação ou capacitação suficiente, não há compatibilidade entre o número de participantes da CS e os candidatos. Seria válida a participação de psicólogo. Palavras-Chave: Recrutamento, Seleção, Interrupção do Serviço Militar Inicial, Exército Brasileiro.

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Análise do Processo de Seleção do Efetivo Variável de uma Unidade doExército Brasileiro

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Análise do Processo de Seleção do Efetivo Variável de uma Unidade do Exército Brasileiro

Autoria: Carlos Ronchi Witschoreck, Drean Damaceno dos Santos, Marcelo Trevisan,

Damiana Machado de Almeida, Lúcia Rejane da Rosa Gama Madruga, Vânia Medianeira Flores Costa

Resumo Nas Forças Armadas Brasileiras ocorre recrutamento e seleção para o Serviço Militar Obrigatório. Algumas vezes esse período é interrompido resultando em retrabalho, desperdícios de tempo e de recursos financeiros. Este estudo objetiva analisar e propor ajustes no processo de seleção do contingente anual incorporado em uma OM. A pesquisa é qualitativa, do tipo estudo de caso, com uso da análise documental e de quinze entrevistas. Resultados demonstraram que a comissão de seleção não possui formação ou capacitação suficiente, não há compatibilidade entre o número de participantes da CS e os candidatos. Seria válida a participação de psicólogo. Palavras-Chave: Recrutamento, Seleção, Interrupção do Serviço Militar Inicial, Exército Brasileiro.

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INTRODUÇÃO

O processo de captação de pessoas necessita estar alinhado ao planejamento estratégico das empresas e adequado ao clima, cultura, missão, visão e valores, de tal forma que recrutar e selecionar “consiste em encontrar a pessoa certa para o lugar certo” (KNAPIK, 2008, p. 137). O recrutamento de pessoas pode ser caracterizado como um conjunto de processos e técnicas, com o escopo de atrair indivíduos capazes, motivados e dispostos a integrar uma organização, ao passo que a seleção é o processo pelo qual a empresa utiliza de certos filtros para identificar entre os candidatos recrutados os que reúnem as melhores qualificações e competências exigidas para ocupar o cargo oferecido. As políticas de Gestão de Pessoas devem estar entrelaçadas aos objetivos da organização e voltadas para a gestão do conhecimento e das competências, evidenciando uma preocupação de aprendizagem contínua (PONTES, 1996).

Carvalho e Nascimento (1993) ressaltam que o recrutamento é o procedimento que busca atrair candidatos ao preenchimento de determinados cargos oferecidos, e a seleção tem o objetivo central de escolher os candidatos que sejam mais qualificados para atuar nesses cargos. Nesse sentido, Marras (2009) explica que o subsistema de recrutamento e seleção é responsável pela captação e triagem de profissionais no mercado e pelo seu encaminhamento à empresa.

O processo de seleção é fundamental para a contratação de pessoas adequadas para assumir os cargos oferecidos de acordo com as necessidades da organização, sendo esta pública ou privada. No caso específico das Forças Armadas, o desafio é ainda maior devido às particularidades do Serviço Militar Inicial (SMI), por seu caráter obrigatório e pela constante rotatividade no quadro de efetivo, principalmente no que se refere ao contingente incorporado no primeiro trimestre de cada ano, denominado de Efetivo Variável (EV).

Desta forma, além de um processo de seleção amparado na legislação específica em vigor, surge a necessidade de estar apoiado nos conhecimentos oferecidos pela área de Gestão de Pessoas pois o convívio entre líderes e liderados é essencial para que os indivíduos tenham motivação para trabalhar em equipe e cumprir as metas da Organização Militar (OM). Em geral, em um processo de recrutamento e seleção de pessoas busca-se características relacionadas a uma visão holística que ajude a perceber, com clareza, aspectos primordiais que possam traçar perfis que venham se adequar aos interesses e estratégias da organização.

Assim como na Marinha e na Aeronáutica, no Exército Brasileiro (EB) ocorre, anualmente, o recrutamento e a seleção de jovens do sexo masculino para cumprir o período definido como Serviço Militar Obrigatório (SMO) de, aproximadamente, doze meses. No entanto, algumas vezes esse período é rompido resultando em diversos contratempos nas OMs, tais como retrabalho e desperdícios de tempo e de recursos financeiros. Nesse contexto, essa ruptura é chamada de interrupção do Serviço Militar Inicial e pode estar relacionada a um processo seletivo pouco eficiente.

As interrupções do Serviço Militar Inicial constam do Regulamento da Lei do Serviço Militar – RLSM (1999), que em seu artigo 138, afirma que o serviço ativo das Forças Armadas será interrompido:

1) pela anulação da incorporação; 2) pela desincorporação; 3) pela expulsão; 4) pela deserção. O parágrafo único desse artigo estabelece que as essas prescrições são extensivas, no

que forem aplicáveis e de acordo com legislação peculiar, aos incorporados que se encontrem prestando o Serviço Militar Inicial. Por sua vez, o artigo 139 prevê que a anulação da incorporação ocorrerá, em qualquer época, nos casos em que tenham sido verificadas

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irregularidades no recrutamento, inclusive relacionadas com a seleção. Cabe à autoridade competente, mandar apurar, por sindicância ou Inquérito Policial Militar (IPM), se a irregularidade preexistia ou não à data da incorporação, e a quem cabe a responsabilidade correspondente. Este procedimento, além dos gastos com material de expediente, exigirá o afastamento temporário do encarregado da sindicância ou IPM de suas atividades normais bem como do envolvimento dos demais integrantes do processo que for instaurado (sindicado, testemunhas e demais militares).

Conforme dados obtidos junto à OM investigada nesse estudo, dentre os fatores responsáveis pela interrupção do Serviço Militar Inicial destacam-se a anulação de incorporação e a deserção. Os índices anuais desses fatores cresceram gradativamente, sendo que a anulação de incorporação no ano de 2010 registrou 6,9%, e no ano de 2012 foi de 10,6%. Já em relação à deserção, em 2010 o índice foi de 2,2% e em 2012 registrou 5,1%.

Em face ao exposto, torna-se relevante buscar estratégias que venham a diminuir falhas no processo seletivo da Organização Militar em estudo que está localizada na cidade de Santa Maria/RS e foi fundada em 1944 tendo como atividade fim a Segurança Nacional. Para tanto, no presente artigo definiu-se como problema: Quais ações podem ser adotadas para ajustar o processo de Seleção do Efetivo Variável da OM investigada tendo em vista reduzir as interrupções do Serviço Militar Inicial? Por sua vez, o objetivo geral foi analisar e propor ajustes no processo de seleção do contingente anual incorporado em uma OM.

Com este estudo espera-se reduzir os impactos negativos causados pelas interrupções do Serviço Militar Obrigatório, pois a perda de pessoal vem acompanhada pela redução da capacidade operacional da OM como um todo, e pelo desperdício de recursos financeiros e pelo desgaste da imagem do EB perante a sociedade. Outro aspecto que justifica a realização desta investigação está atrelado ao fato da carência de literatura abordando os elementos relacionados à Gestão de Pessoas nas Organizações Militares do Exército Brasileiro, tornando-se assim, uma oportunidade de contribuir com a referida instituição nacional.

Para tanto, o presente artigo está estruturado em seis partes. A primeira delas é a introdução, onde se contextualizou a pesquisa e seu objetivo. Na sequência, é exposta uma breve revisão de literatura a cerca do tema recrutamento e seleção de pessoas, bem como é evidenciada a organização e o funcionamento do processo de seleção do Efetivo Variável. A quarta parte descreve o método utilizado para atingir o objetivo do presente estudo. Posteriormente, discutem-se os resultados encontrados e, por fim, apresenta-se as considerações finais sobre a pesquisa, enfatizando seus principais achados, assim como suas limitações. 2 RECRUTAMENTO E SELEÇÃO DE PESSOAS

Gestão de Pessoas (GP) é o conjunto de políticas e subsistemas responsáveis pelo gerenciamento estratégico dos seres humanos nas organizações, conduzindo à eficácia dos colaboradores, com foco nos objetivos pessoais e empresariais (KNAPIK, 2008; PONTES, 2011). Envolve práticas gerenciais que visam identificar características e condições para a execução das atividades, assim como a definição dos pré-requisitos que deverão constituir o perfil das pessoas que irão executá-las (LONGO, 2007).

Dessa forma, além da participação nas ações estratégicas, a área de GP divide-se em vários procedimentos e técnicas, dentre eles, os de recrutar e selecionar pessoas, que de acordo com Knapik (2008), o profissional escolhe a empresa e a empresa escolhe o profissional. Percebe-se que os dois processos estão intimamente ligados e buscam o preenchimento das vagas e a contratação de pessoal nas empresas, sejam elas públicas, privadas ou organizações não governamentais (LIMONGI-FRANÇA; ARELLANO, 2002).

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Para Stoner e Freeman (1999), o recrutamento tem o propósito de conseguir um razoável número de candidatos para que a organização possa selecionar os colaboradores com o perfil mais apropriado à suas necessidades. Pontes (1996) classifica o recrutamento em interno e externo, sendo que o primeiro ocorre pelo preenchimento das vagas mediante a promoção ou transferência de funcionários da própria organização. Para esse autor, entre suas principais vantagens destaca-se que por meio da política de valorização dos seus atuais profissionais há elevação da moral interna. Em outras palavras, quando as organizações optam pelo recrutamento interno, cometendo justiça no processo, ou seja, escolhendo profissionais capazes e com bons desempenhos, estimula os demais na busca da excelência. Outra vantagem é o tempo de ambientação do colaborador que é menor em relação ao contratado externamente. É também mais rápido e mais econômico o processo de recrutamento interno em relação ao externo.

Após os candidatos terem sidos recrutados, a próxima etapa é a seleção. Knapik (2008, p. 146) afirma que “seleção é o processo pelo qual a organização utiliza certas estratégias para filtrar e identificar os candidatos que reúnem as qualificações e as competências exigidas para ocupar o cargo oferecido pela empresa em um determinado momento”. A seleção é um processo de comparação entre duas importantes variáveis, os requisitos exigidos para o ocupante do cargo e o perfil e as características de cada candidato.

O processo de seleção inicia-se, geralmente com uma triagem entre os candidatos recrutados. Esta triagem é realizada por uma entrevista e/ou análise de currículo ou ficha de inscrição do candidato. Esta etapa tem como finalidade verificar, em termos gerais, se o candidato possui os requisitos exigidos pelo cargo. Na segunda fase, são aplicados testes de conhecimentos exigidos pelo cargo e/ou psicológicos. No entanto, algumas empresas optam em não aplicar nenhum teste. No caso da entrevista de seleção é uma etapa mais profunda e visa averiguar a qualificação, potencial e motivação do candidato ao cargo. É comum, também, quando a empresa possui psicólogo em seu quadro de pessoal, a realização de entrevista psicológica. É importante salientar que as entrevistas permitem que a empresa conheça melhor o candidato e vice-versa (PONTES, 1996). Outra etapa do processo de seleção é constituída do exame médico, que tem por finalidade principal averiguar a adequação do indivíduo ao cargo do ponto de vista médico. Segundo Marano (1987) o exame médico tem como objetivos básicos: a) conhecer o estado de saúde dos candidatos; b) permitir a colocação dos trabalhadores em serviços adequados às suas condições físicas e psíquicas; c) preservar a saúde e a segurança da comunidade trabalhadora, e d) cumprir disposições legais.

Como argumenta Gramigna (2002), os processos seletivos normalmente vêm acompanhados de duas demandas, agilidade de resposta (preenchimento da vaga em tempo hábil) e qualidade no atendimento (escolher candidatos que atendam ao perfil desenhado pelo detentor da vaga). Nesse último aspecto encontra-se o principal desafio para os responsáveis deste processo, de traduzir as expectativas em prol da escolha de um profissional com perfil e competências que sinalizem em direção à assertividade na escolha.

No que se refere às organizações públicas, Oliveira e Ckagnazaroff (2010, p.1) salientam que estas “também possuem o desafio de atrair e reter seus profissionais, por meio da implementação de políticas inovadoras de recrutamento e seleção, desenvolvimento de pessoal, desenvolvimento de carreira, plano de cargos e salários, remuneração e benefícios”. De forma similar, Ferreira, Gomes e Araújo (2008, p.1) alertam para a construção de uma nova gestão pública, que procura “priorizar uma melhor presteza dos serviços ao cidadão como também o incremento de sua participação na gestão tem sido o alvo a ser alcançado pelo Estado contemporâneo.  Dentro desse prisma o estudo das pessoas dentro das organizações se apresenta como estratégico”.

No próximo item é dedicado a apresentar a organização e o funcionamento do processo seletivo do Efetivo Variável no EB, bem como o fluxo de suas etapas.

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3 ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DO PROCESSO SELETIVO DO EFETIVO VARIÁVEL

As Normas Técnicas para as Comissões de Seleção (CS) - EB30-N-30.004 (PORTARIA 015-DGP, 2012) têm por finalidade orientar as CS quanto ao seu funcionamento e procedimentos relativos ao processo de seleção dos jovens alistados para as fileiras do Exército Brasileiro. Sendo que a CS é a comissão designada pela Região Militar (RM) para realizar a escolha de brasileiros da classe convocada, de voluntários, e aqueles em débito com o Serviço Militar, visando à incorporação ou matrícula nas Forças Armadas. Seu desenvolvimento ocorre no ano anterior à apresentação dos candidatos selecionados às OMs nas quais irão prestar o Serviço Militar Obrigatório de, aproximadamente, doze meses.

A RM estabelece no Plano Regional de Convocação (PRC) o efetivo, a constituição, o período e o local de funcionamento de cada CS, tendo como base o Plano Geral de Convocação (PGC). A comissão de seleção tem a sua organização e o seu efetivo determinados por sua finalidade, dividida em: (I) fixa, quando funciona no município sede de uma ou mais OM (o período de seu funcionamento no ano de 2012 compreendeu as datas de 12 de agosto a 19 de setembro); (II) volante, quando funciona em um ou mais municípios localizados fora da sede da CS fixa (em 2012 atuou no período de 8 a 30 de outubro); e (III) de Tiro de Guerra (TG), quando funciona em um município sede de TG (PORTARIA nº 015-DGP, 2012).

A estrutura básica de uma CS fixa está dimensionada para atender a um número máximo de cem conscritos por dia. Na Figura 1 ilustra-se o fluxo de funcionamento de uma Comissão de Seleção.

Figura 1. Fluxo de Funcionamento da Comissão de Seleção Geral Fonte: Elaborado pelos autores Legenda:

Conscrito Apto Conscrito Incapaz/Inapto PA Posto de Apresentação PIS Posto de Inspeção de Saúde PEF Posto de Exame Físico PAT/1 Posto de Aplicação de Testes nº 1 PAT/2 Posto de Aplicação de Testes nº 2 PCD Posto Controle de Dispensados PCS Posto Controle de Seleção

Conforme evidencia-se a Figura 1, o fluxo de funcionamento da comissão de seleção inicia no Posto de Apresentação (PA) que recepciona os candidatos (conscritos), confere a documentação; confere, atualiza e insere os dados cadastrais no sistema, e por fim, encaminha o conscrito para o Posto de Inspeção de Saúde (PIS) e para o Posto de Exame Físico (PEF).

Os postos PIS/PEF têm a responsabilidade pela avaliação das condições físicas e de saúde, verificando se o candidato tem condições de prestar o Serviço Militar Inicial. Para os considerados incapazes, o Posto de Controle de Dispensados (PCD) é a sua última etapa. O

PA PIS PEF PAT/1 PAT/2

PCD PCS

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PCD tem a missão de fornecer o Certificado de Isenção (CI), dentre outras funções (PORTARIA 015-DGP, 2012).

O conscrito apto em todos os exames é encaminhado ao Posto de Aplicação de Testes nº 1 (PAT/1) que tem a função de realizar o Teste de Seleção Inicial (TSI) e o Inventário de Atividades Preferenciais (IAP). Caso seja considerado apto, o conscrito é encaminhado ao Posto de Aplicação de Testes nº 2 (PAT/2) que tem a missão principal de aplicar a Bateria de Classificação de Conscritos (BCC). Entretanto, o conscrito inapto no PAT/1 é encaminhado ao PCD.

Após estar apto no PAT/2, o conscrito é encaminhado para ao Posto de Controle de Seleção (PCS) que é a última fase da CS para os conscritos aptos à prestação do Serviço Militar Inicial. Nesta etapa, os conscritos são informados da data que devem retornar para tomarem conhecimento dos próximos passos do processo seletivo (PORTARIA 015-DGP, 2012).

Em continuidade à CS, é realizada a Seleção Complementar. É desenvolvida no interior da OM na qual o conscrito foi designado para comparecer para realizar a seleção que antecede à incorporação. Esta etapa é de competência exclusiva do Comandante da OM e desenvolve-se no início do ano em que os jovens selecionados irão cumprir o Serviço Militar Obrigatório (referente ao ano de 2012, atuou no período de 11 a 28 de fevereiro de 2013).

No próximo item apresentam-se os procedimentos metodológicos utilizados para alcançar os objetivos propostos. 4 MÉTODO

Esta pesquisa classifica-se como qualitativa, do tipo estudo de caso, na qual se fez uso da análise documental e de entrevistas semiestruturadas. Para Lakatos e Marconi (2008, p. 271) “a pesquisa qualitativa pode ser caracterizada como a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e características situacionais apresentadas pelos entrevistados”. A maioria de suas informações não podem ser medidas ou mensuradas, sendo necessária a “construção de teorias a partir do significado e das explicações que os entrevistados atribuem aos eventos pesquisados” (DIEHL; TATIM, 2004, p. 82).

Para Yin (2005), o estudo de caso é uma forma de se fazer pesquisa investigativa de fenômenos atuais dentro de seu contexto real, em situações em que as fronteiras entre o fenômeno e o contexto não estão claramente estabelecidos. De acordo com Gil (1991), o estudo de caso é caracterizado pela pesquisa exaustiva e em profundidade de poucos objetos, de forma a permitir conhecimento amplo e específico do fenômeno em evidência.

Para a coleta de dados utilizou-se análise documental e entrevistas semiestruturadas com sete militares integrantes da comissão de seleção atual e o chefe da comissão anterior; além de seis ex-militares do efetivo variável que tiveram o seu Serviço Militar Inicial interrompido; culminando com a entrevista de um oficial com curso de Comando e Estado Maior do Exército Brasileiro (experiência em comando de organizações militares). Esta última entrevista teve o intuito de acrescentar visão estratégica sobre o processo seletivo em análise. Na Figura 2 sintetiza-se o perfil dos sujeitos entrevistados.

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Componentes da CS Entrevistados Função na CS Tempo de CS Tempo de Serviço no EB

CS A Chefe da CS (anterior) 1 ano 20 anos CS B Chefe da CS (atual) 1 ano 19 anos CS C Chefe PAT/1 e Entrevistador 6 anos 17 anos CS D Chefe PAT/1 e Entrevistador 5 anos 20 anos CS E Entrevistador 8 anos 20 anos CS F Entrevistador 12 anos 28 anos CS G Entrevistador 8 anos 20 anos CS H Médico 1 ano 1 ano

Militares do Efetivo Variável excluídos Durante o Serviço Militar Inicial

Entrevistados Motivo da interrupção do tempo de

serviço Idade

Tempo de Permanência no EB

M EV I Problemas Psicológicos 18 anos 5 meses M EV J Arrimo de Família 18 anos 6 meses M EV K Desertor 18 anos 7 meses M EV L Excluído a Bem da Disciplina 18 anos 8 meses M EV M Desertor 18 anos 6 meses M EV N Excluído a Bem da Disciplina 18 anos 7 meses

Oficial Com Curso de Comando e Estado Maior Entrevistado Função Idade Tempo de Serviço no EB

OF O Oficial Superior 45 Anos 28 Anos

Figura 2. Perfil dos militares e ex-militares entrevistados Fonte: Elaborado pelos autores

O objetivo das entrevistas foi o de buscar maiores informações quanto ao funcionamento das atividades do processo de seleção, bem como oportunizar aos seus integrantes espaço para expor os pontos fortes, os pontos fracos e oportunidades de melhorias. Para tanto, elaborou-se, previamente, roteiros de entrevistas semiestruturadas contemplando, entre outros aspectos, dados relativos a dificuldades enfrentadas no decorrer da seleção, preparação prévia para atuar na CS, como tornar o processo mais eficaz e evitar possíveis interrupções do Serviço Militar Inicial. Também quanto à adaptabilidade do conscrito às atividades da Caserna, expectativas em relação ao Exército e motivos/doenças da desincorporação do Serviço Militar.

Quanto à análise documental foram realizadas consultas a documentos e registros constantes do arquivo histórico da OM estudada a fim de identificar os fatores responsáveis pela interrupção do SMI, ou seja, o contingente que é selecionado e recrutado para cumprir o período definido como SMO de aproximadamente doze meses. Destaca-se que a presente investigação foi desenvolvida ao longo do segundo semestre de 2013. No próximo item apresenta-se os resultados encontrados na presente pesquisa. 5 RESULTADOS

A exposição dos resultados está organizada em cinco seções. Na primeira seção relaciona-se os motivos que levaram à interrupção do Serviço Militar Inicial na OM em estudo no período de 2008 a 2012. Posteriormente, evidencia-se a percepção dos integrantes da Comissão de Seleção a respeito do processo seletivo dos conscritos. A terceira seção trata da percepção dos ex-militares do Efetivo Variável quanto ao processo seletivo a que foram submetidos. Por sua vez, a quarta etapa é destinada a relatar a percepção do oficial com curso de Auto Comando do Exército a respeito do funcionamento de uma CS. E, por fim, são apresentadas propostas de ajustes ao processo seletivo analisado.

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5.1 Motivos que levam à interrupção do Serviço Militar Inicial

Após análise dos documentos e arquivos tanto da 1ª Seção, quanto da Seção Jurídica da OM, verificou-se um crescimento nos índices de interrupção do Serviço Militar Inicial decorrente das anulações de incorporação, bem como da elevação do número de militares deste grupo cometendo o crime de deserção. Na Tabela 1 sintetiza-se a situação da referida OM em relação ao período de 2008 a 2012. Tabela 1: Situação da OM em termos de interrupção do Serviço Militar Inicial no período de 2008 a 2012 Fatores/Períodos 2008 2009 2010 2011 2012

Efetivo Incorporado 264 227 359 374 369

Anulação de Incorporação 16 6,06% 06 2,6% 18 6,9% 13 3,5% 39 10,6%

Deserções 01 0,4% 03 1,3% 08 2,2% 09 2,4% 19 5,1%

Fonte: Arquivo Histórico da OM em estudo. Na Tabela 1 verifica-se que os fatores responsáveis pela interrupção do Serviço Militar

Inicial do Efetivo Variável (contingente que é selecionado e recrutado para cumprir o período definido como Serviço Militar Obrigatório de aproximadamente doze meses) são a anulação da incorporação e a deserção. Constata-se que o ano de 2012 representou um ápice nos índices, ratificando a relevância de aprofundar análises a respeito dessa temática.

Já na Tabela 2 ilustra-se a situação da OM em relação ao período de 2008 a 2012 considerando-se a relação dos principais motivos causadores da interrupção do Serviço Militar Inicial na Organização Militar. Tabela 2: Situação da Organização em termos de interrupções do Serviço Militar Inicial

PeríodoRelação de Motivos

2008 2009 2010 2011 2012 Total

Asma 03 01 03 03 06 16 Transtornos de Ordem Psicológica 09 03 10 06 20 49 Problemas de Joelho/Coluna 01 01 02 02 06 12 Arrimos de Família 03 01 03 02 06 15 Deserções 01 03 08 09 19 40 Total de Interrupções 17 09 26 22 58 132

Fonte: Arquivo Histórico da OM em estudo. Na Tabela 2 contata-se que os transtornos de ordem psicológica e as deserções são os

principais motivos causadores de interrupção do Serviço Militar Inicial. Percebe-se que fatores referentes a problemas físicos ou de saúde e específicos à necessidade do conscrito assumir a responsabilidade pela subsistência de sua família (arrimo), são menos significativos em detrimento de aspectos de maior complexidade de constatação no momento da operacionalização de uma comissão de seleção, tais como aqueles vinculados a perturbações psicológicas ou sociais. 5.2 Percepção dos integrantes da Comissão de Seleção a respeito do processo seletivo dos conscritos

Os questionamentos a respeito de como ocorre o processo seletivo foram realizados a

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8 membros da Comissão de Seleção da OM. Na Figura 3 apresenta-se os questionamentos e as principais respostas.

Questionamentos Respostas

Tempo de participação na CS A maioria possui considerável experiência na CS, com exceção do respondente “CS H”, que está participando do processo a apenas um ano.

Formação recebida para participar da CS

Todos os entrevistados foram unânimes em responder que a formação é ineficiente.

Número de integrantes da CS

Os respondentes que ocupam cargo de chefia responderam que o número de integrantes é compatível, contrariando os demais participantes deste grupo de entrevistados que afirmaram que esse número é insuficiente considerando a quantidade de candidatos e o tempo de duração da CS.

Critérios para a escolha dos participantes da CS

Frequentemente, o critério prioritário é o de afinidade com os demais integrantes, deixando outros fatores como perfil, formação intelectual e capacitação profissional em segundo plano. Contexto que pode favorecer a ocorrência futura de interrupções do Serviço Militar Inicial.

Principais dificuldades encontradas no decorrer do processo de seleção

A maioria dos participantes respondeu: “identificar os conscritos que possuem algum problema de saúde ou problema social que irá se manifestar após a incorporação”. Apenas um respondente afirmou que há “falta de estrutura para a realização e aplicação de exames médicos mais específicos, uma vez que os exames realizados atualmente são bastante superficiais”.

O que poderia ser feito para tornar o processo mais eficaz

Foram unânimes em responder que a realização de inspeção e exames médicos mais detalhados, bem como realização de testes físicos com índices mais apurados de desempenho.

Necessidade da participação de um psicólogo ou psicopedagogo

A maioria respondeu que tal participação seria de considerável valia para o processo de seleção, uma vez que este profissional, usando de técnicas e meios auxiliares específicos, poderia identificar possíveis conscritos com potenciais problemas causadores de interrupção do Serviço Militar. Apenas um entrevistado respondeu que a participação deste profissional não seria relevante, pois o EB conta com um número limitado de profissionais nesta área e geralmente possuem uma considerável demanda de pacientes. No entanto, destacou que seria mais adequado que os integrantes da CS realizassem cursos e estágios habilitando-os a identificar os conscritos possuidores de problemas.

Seleção mais rígida ou apurada pode comprometer a imagem positiva do EB

A maioria respondeu que uma seleção mais rígida e apurada seria benéfica para as Forças Armadas pois tal procedimento contribuiria para a seleção dos jovens mais aptos.

Percepção sobre o significado de “selecionar os melhores homens para o Exército”

As respostas podem ser sintetizadas com o significado de selecionar, dentro do universo apresentado, os jovens com melhores condições física, moral e intelectual, bem como, com boa base familiar para serem os futuros integrantes das fileiras do Exército.

Figura 3. Percepção dos integrantes da Comissão de Seleção e respectivas respostas Fonte: Elaborado pelos autores

De acordo com as informações contidas na Figura 3, percebe-se que ao serem questionados sobre há quanto tempo participam(ram) da comissão de seleção, constata-se que a maioria dos respondentes possui considerável experiência no desempenho das atividades de uma CS. A exceção refere-se ao respondente “CS H”, que está participando do processo há apenas um ano, por ser o seu primeiro ano como Médico Perito da Organização Militar, e designado pelo Comandante da OM para compor o processo.

Observa-se que os integrantes da Comissão de Seleção possuem experiência no assunto colaborando para a eficiência do processo de seleção, demonstrando alinhamento entre os trabalhos realizados pela CS e o que prescreve as Normas Técnicas para Comissões de Seleção (EB30-N-30.004), 1ª edição, 2012 (PORTARIA 015-DGP, 2012).

Quanto à formação recebida para integrar a CS, os entrevistados foram unânimes em responder que a formação é ineficiente. Esta se resume apenas em operar o sistema de

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catalogação e não está voltada para a identificação de possíveis omissões dos candidatos que futuramente podem ocasionar motivos de interrupção do Serviço Militar Inicial. Assim sendo, os aspectos formação e capacitação dos integrantes da CS são de suma importância no que tange à eficiência e à eficácia do processo seletivo, conforme mencionado pelo entrevistado OF O, que ressaltou que o próprio Exército poderia e tem meios disponíveis para realizar a qualificação dos integrantes da CS, utilizando a plataforma de ensino do EB. Segundo OF O, “uma seleção bem feita, onde os melhores são selecionados, reflete lá na frente, durante o ano de instrução”.

Ainda, verifica-se que neste contexto as ações estão desajustadas uma vez que, se os responsáveis pelo processo de seleção não possuírem as competências e não estiverem habilitados para realizarem tais tarefas poderão comprometer o resultado final do processo. Estabelecendo-se uma ligação com o que descrevem Milkovich e Boudreau (2000) sobre a importância do papel dos profissionais de recrutamento de pessoas em conhecerem as necessidades que terão de suprir, interpretando corretamente essas demandas para resultar no alcance das metas estipuladas pela organização.

O questionamento sobre o número de integrantes da Comissão de Seleção, visando identificar se é compatível com quantidade de candidatos a serem selecionados, bem como em relação ao tempo de duração de cada CS, causou respostas divergentes entre os entrevistados. Os que ocupam cargo de chefia, entrevistados CS A e CS B, responderam que o número de integrantes é compatível, contrariando os entrevistados CS C, CS D, CS E, CS F e CS G, que afirmaram que esse número é insuficiente levando em consideração a quantidade de candidatos e o tempo disponível para a realização das atividades.

Verificam-se, assim, visões distintas entre chefia e executantes do processo. Há demonstração de falta de sintonia e deixam de atender às Normas Técnicas que descreve que o Chefe da CS deve organizar um sistema de controle das atividades desenvolvidas pelos postos da CS, de tal forma que facilite a explanação a visitantes ou inspecionadores.

Os critérios para a escolha dos integrantes da comissão de seleçõ foi um aspecto que apresentou algumas lacunas. Pois, em geral, o critério prioritário para esta escolha é o de afinidade com os demais integrantes, deixando outros fatores como perfil, formação intelectual e capacitação profissional em segundo plano, concorrendo para a ocorrência de interrupções do Serviço Militar Inicial. Verifica-se que não foram observados os critérios de competência para alocar os integrantes em suas funções (FERREIRA, GOMES e ARAÚJO, 2008).

Quando questionados sobre quais as principais dificuldades encontradas no decorrer do processo de seleção, os entrevistados CS A, CS B, CS C, CS D, CS E, CS F, CS G posicionaram-se de tal forma que pode ser sintetizada na seguinte afirmação: identificar os conscritos que possuem algum problema de saúde ou problema social que irá se manifestar após a incorporação. Como se pode observar, é nesse fator que cresce a importância do preparo e da qualificação dos integrantes da CS, pois não basta possuir tempo de experiência no processo. É preciso estar habilitado para realizar as atividades sob sua responsabilidade. Como defendido por Pontes (1996), ao afirmar que a função no processo seletivo perpassa a escolha do candidato ideal para uma vaga que foi aberta, visa também a identificação do potencial de crescimento do selecionado ao desempenhar o cargo.

Já o entrevistado CS H respondeu que “falta estrutura para a realização e aplicação de exames médicos mais específicos, uma vez que os exames realizados atualmente são bastante superficiais”. Observa-se que não está sendo dispensada a devida atenção ao aspecto da situação de saúde dos candidatos, o que, futuramente, poderá causar a interrupção do Serviço Militar Inicial por ocasião da anulação de incorporação por doença preexistente, conforme prevê o Regulamento da Lei do Serviço Militar. Nesse sentido, Stoner e Freeman (1999, p. 97) ressaltam que “a seleção de pessoal não é uma tarefa fácil, por isso, é essencial o

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cumprimento das etapas de seleção, dentre as quais consta o exame médico”. Quando questionados sobre o que poderia ser feito para tornar o processo seletivo

mais eficaz a fim de evitar possíveis interrupções do Serviço Militar Inicial, os entrevistados CS B, CS C, CS D, CS E, CS F e CS G destacaram a necessidade de realizar exames médicos mais detalhados, bem como testes físicos com índices mais apurados de desempenho. A respeito da validade da CS contar com a participação de um psicólogo ou um psicopedagogo com a finalidade de identificar possíveis aspectos que possam causar futuras interrupções no Serviço Militar Inicial, os entrevistados de comum acordo responderam que tal participação seria de considerável valia para o processo de seleção. Na opinião dos respondentes este profissional teria competências e conhecimentos técnicos específicos extremamente úteis às atividades desenvolvidas pela comissão de seleção.

Já o entrevistado OF O respondeu que a participação deste profissional não seria tão relevante, pois o Exército conta com um número limitado de profissionais nesta área e geralmente possuem uma considerável demanda de pacientes. No entanto, destacou que seria mais adequado que os integrantes da CS realizassem cursos e estágios habilitando-os a identificar conscritos possuidores de problemas relacionados a essa questão. Todavia, há de destacar-se que a atuação nesta área específica exige formação prolongada e registros em órgãos profissionais competentes.

Também foi perguntado aos participantes deste grupo de entrevistados se a realização de uma seleção mais criteriosa dos conscritos pode comprometer a imagem positiva que o Exército Brasileiro quer transmitir perante a sociedade (PORTARIA 015-DGP, 2012). Na opinião dos respondentes CS A e CS B um processo mais rígido poderia causar certo desconforto a alguns jovens candidatos à prestação do Serviço Militar Inicial por serem dispensados por algum motivo, seja intelectual ou físico. Entretanto, deve ser observado um dos preceitos das Normas para Seleção que visa selecionar os melhores homens para o Exército.

Nesse sentido, o entrevistado CS C respondeu que “não chegaria ao ponto de comprometer a imagem positiva do Exército. Iria reduzir bastante o número de incorporados para o Serviço Militar Inicial. A ideia da “Força” é dar oportunidade para os jovens conhecerem e participarem das atividades militares e se possível seguirem na carreira militar por meio de concursos”. Por sua vez, os entrevistados CS D, CS E, CS F e CS G responderam que uma seleção mais rígida e apurada seria benéfica para as Forças Armadas. Tal procedimento contribuiria para a seleção dos melhores jovens. Por fim, o entrevistado “OF O” foi categórico ao responder que o Exército recebe o ‘produto’ pronto da sociedade e que a principal missão da OM é, ao final de cada ano, ‘devolver’ para a sociedade um jovem mais bem preparado e em condições de ser empregado na defesa da Pátria.

Questionados sobre o que significa “selecionar os melhores homens para o Exército”, conforme consta no Plano Regional de Seleção, todos os entrevistados responderam que se trata de selecionar, dentro do universo apresentado, os jovens com melhores condições físicas, moral e intelectual, bem como com boa base familiar para serem os futuros representantes do Exército Brasileiro. Neste quesito surge a seguinte dúvida: a partir do que foi constatado ao analisar as respostas dos entrevistados, teriam os integrantes da CS competências essenciais para “selecionar os melhores homens para o Exército?”.

5.3 Percepção dos ex-militares do Efetivo Variável quanto ao processo seletivo a que foram submetidos

Foram desenvolvidas seis entrevistas com ex-militares do Efetivo Variável da OM, pois foram excluídos durante o Serviço Militar Inicial. Na Figura 4 apresenta-se os questionamentos realizados e as principais respostas deste grupo de entrevistados.

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Questionamentos Respostas Preexistência, ao ato de incorporação ao EB, do motivo/doença que causou a interrupção do Serviço Militar Inicial

Todos responderam que a causa era preexistente.

A equipe da CS, durante o processo de seleção, questionou sobre o motivo/doença que veio a causar a interrupção do Serviço Militar Inicial

Todos responderam que sim. No entanto, os entrevistados afirmaram que omitiram tal situação com a intenção de não serem dispensados do Serviço Militar Inicial.

Foi voluntário para servir ao Exército Todos responderam que sim.

Imagem que leva do Exército Brasileiro

A maioria respondeu que foi muito bom o período em que permaneceu no Exército, principalmente pelas amizades construídas e os ensinamentos recebidos dos superiores.

Figura 4. Percepção dos ex-militares do Efetivo Variável quanto ao processo seletivo a que foram submetidos Fonte: Elaborado pelos autores

Conforme detalha a Figura 4, quando os ex-militares foram questionados se o

motivo/doença que causou a interrupção do Serviço Militar Inicial era preexistente ao ato de incorporação, todos responderam que sim. E, ao serem questionados se esse aspecto foi indagado nas entrevistas durante o processo de seleção, também se manifestaram de forma positiva.

No entanto, todos os entrevistados responderam que omitiram tal situação com a intenção de não serem dispensados do Serviço Militar Inicial. Fica claro que manter o processo de seleção tende a não ser eficaz, pois os integrantes da CS demonstraram não possuir conhecimentos e não dispõem de técnicas para identificar se os entrevistados estão omitindo informações. Tal fato evidencia que a presença de um profissional da área de Psicologia seria muito útil ao processo seletivo em análise, como destacado por Stoner e Freeman (1999) quando alertam que a seleção de pessoal não é uma tarefa fácil. Por isso, é essencial o cumprimento das etapas de seleção, dentre elas a entrevista aprofundada com a intenção de ampliar o conhecimento do perfil do candidato.

Verificou-se ainda que todos os entrevistados foram voluntários para servir ao Exército. Aspecto que contribuiu para que omitissem, durante o processo de seleção, a preexistência do motivo que causou a interrupção do Serviço Militar Inicial que estavam cumprindo no EB.

O entrevistado M EV I, foi licenciado por apresentar problemas de ordem psicológica, disse que nutria o sonho de incorporar ao Exército devido a comentários dos próprios familiares que engrandeciam a experiência de servir à Nação. Por esse fato, criou expectativas positivas, mas que ao incorporar nas fileiras da instituição teve um choque, pois não estava acostumado com o ritmo que se deparou no dia a dia, ocasionando certa decepção e dificuldade para se adaptar às atividades diárias no interior da OM. Como alternativa, decidiu trazer à tona seu problema, a fim de ser dispensado e retornar para casa.

Sobre a imagem que leva do Exército, relatou que não leva mágoas da instituição, afirmou que “isso é para quem gosta, não é pra mim”. Sobretudo, leva boas experiências e ensinamentos e que jamais se esquecerá dos amigos que fez e as oportunidades que teve.

Por sua vez, o entrevistado M EV J foi excluído do Serviço Militar Inicial, porque antes de seu alistamento já possuía filho, o que lhe acarretou a situação de arrimo. Disse que omitiu a existência do mesmo por que pensou que o Exército lhe ofereceria uma chance de melhorar sua vida, tendo em vista que em sua cidade não há oferta de emprego. Mas que ao chegar ao EB se deparou com a distância de casa, e mesmo que não residisse com sua namorada, sentiu muita falta de seu filho e que a realidade não era como ele pensava: “o dia é corrido, não tenho tempo pra nada, e como sou de outra cidade as dificuldades são ainda maiores”.

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Questionados sobre qual a expectativa em relação ao Exército, o entrevistado M EV K respondeu que gostou bastante. Entretanto, o seu envolvimento e de sua família com drogas fez com que cometesse, por várias vezes, o crime de deserção. Já o entrevistado M EV L respondeu que gostaria de ter exercido outras atividades, pois nas propagandas na televisão sempre via helicópteros, barcos e viaturas. Mas sua vida no quartel se resumia a serviços, formaturas, faxinas e instrução. Imaginava ser um pouco diferente. Os entrevistados M EV M e M EV N, responderam que gostavam muito das atividades desenvolvidas na Organização Militar.

Questionados a respeito da imagem que levam do Exército Brasileiro, os entrevistados M EV K, M EV L e M EV M responderam que foi muito bom o período que passaram no quartel, principalmente pelas amizades que fizeram e os ensinamentos que receberam de seus superiores, tanto sargentos, quanto oficiais.

Assim, convém destacar que Longo (2007) apresenta três pontos críticos na gestão de pessoas: a existência e a integridade dos subsistemas planejamento e organização; a qualidade técnica e a flexibilidade do projeto dos postos de trabalho, que se referem à descrição e precisão das atividades e; a qualidade da definição dos perfis, sendo as habilidades, atitudes, aptidões, capacidades cognitivas, motivações e traços de personalidade necessários para cada posto. 5.4 Percepção do oficial com curso de Auto Comando do Exército a respeito do funcionamento de uma comissão de seleção

O entrevistado destacou que ter profissionais especializados e experientes na área de seleção permite que a organização obtenha os melhores resultados possíveis em seu processo de captação de pessoas. Contudo, esta experiência deve estar atrelada ao aperfeiçoamento contínuo.

Verifica-se, então, que este aspecto é de vital relevância, contrariando as respostas obtidas aos questionamentos direcionados aos integrantes da CS, pois seus membros recebem o mesmo treinamento há vários anos com a mesma metodologia e com o mesmo foco. Foco este voltado para a operação do sistema e não a utilização de ferramentas e técnicas de entrevistas, a fim de identificar possíveis falhas ou omissões que possam ocorrer durante as atividades de seleção.

Conforme declarado pelo entrevistado OF O, “o Exército poderia investir de maneira substancial na formação dos integrantes das comissões de seleção”. Segundo este oficial, o EB tem a sua disposição o portal de educação do próprio Exército (www.ensino.eb.br), disponibilizando treinamentos à distância, no modelo EAD e ao seu final, para o término do curso, reunir todos os participantes com a finalidade de fornecer aos integrantes contato com pessoas especializadas neste assunto e o acesso a novas técnicas voltadas à capacitação do pessoal. Na opinião do respondente, os profissionais para coroar esta espécie de curso poderiam ser contratados pelo EB, ou fazer uso dos profissionais da própria instituição militar, como psicopedagogos e/ou psicólogos já integrantes do sistema do Exército.

Destacou ainda que o Comandante de cada Organização Militar deve ser mais criterioso no que diz respeito à escolha dos integrantes para participar da CS. Ao analisar as antigas concepções, muitas vezes seus componentes eram escolhidos como forma de punição, com o escopo de se livrar de uma presença indesejável. Conforme o entrevistado, “o Exército é um enorme elefante que demora a se movimentar e assumir novas perspectivas”. Afirmou ainda que, como organização, o Exército é um time que está ganhando, com missões no exterior como no Timor, Angola, Haiti e quem sabe Líbano. Por isso se deve prestar mais atenção no “varejo” onde se encontram alguns paradigmas que devem ser superados, recrutar e selecionar de forma eficiente faz com que todos ganhem.

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A visão do entrevistado OF O transparece que realmente existem paradigmas a serem quebrados pela instituição quanto ao recrutamento e seleção do Efetivo Variável e que o caminho ainda é longo. Ter considerável tempo de participação na CS não é sinônimo de possuir conhecimentos adequados, dominar técnicas e know-how para compô-la. Assim, um avanço rumo ao aperfeiçoamento do processo seletivo anual dos jovens candidatos a comporem as fileiras do EB, perpassa por escolher adequadamente os militares que receberão a significativa missão de compor a CS e, em paralelo, investir na sua formação enquanto selecionadores de pessoas.

5.5 Propostas de ajustes

Para tornar o processo de seleção e recrutamento mais eficiente e amenizar futuras interrupções do Serviço Militar Inicial, são apresentadas algumas propostas de ajustes. Entre as principais sugestões, a partir da análise dos dados coletados, encontra-se a possibilidade dos participantes da CS realizarem aperfeiçoamentos para a condução de entrevistas e técnicas de negociação. Além disso, outras ações são recomendadas e, para tanto, são apresentadas de forma sintética na Figura 5.

Etapas Sugestões - Aumentar o período de funcionamento da CS, o que irá corroborar na identificação por parte dos entrevistadores de conscritos com algum tipo de impedimento para prestação do Serviço Militar Inicial, tendo em vista disponibilizar maior tempo para cada atividade, em especial, para a entrevista; - Criar e disponibilizar cursos e estágios por meio da plataforma de ensino do EB, bem como cursos de capacitação, visando aprendizagem de métodos de entrevistas e técnicas de negociação, que permitam a obtenção de melhores resultados durante as atividades de seleção com os conscritos; - Investimentos na área médica, por meio da realização de exames mais específicos com o objetivo de identificar os candidatos com alguma doença ou incapacidade para a prestação do Serviço Militar Inicial, como por exemplo: a realização de exames de Raio X e de sangue, eletrocardiograma, entre outros;

Durante a Comissão de Seleção – Fixa e Volante

- Atualização dos testes de conhecimentos, visando o alcance do objetivo de “selecionar os melhores homens para o Exército”. - Aplicação de testes físicos e realização de nova inspeção de saúde, pois decorre um certo período de tempo entre a seleção geral e a apresentação na OM para a seleção complementar. Sendo que nesse período o candidato pode adquirir ou estar incorrendo em situações de contraindicações ao serviço do Exército; - Formação e capacitação dos militares entrevistadores para que tenham condições de identificar candidatos designados à OM que por algum motivo não estão em condições de serem incorporados ao EB. Por exemplo, aqueles envolvidos com drogas, arrimos de família e ou problema social na família; - Realização de diligências in loco para verificar as condições sociais dos candidatos, bem como estabelecer contato com seus familiares com o intuito de colher informações que possam subsidiar o Comando nesta fase de seleção;

Durante o processo de Seleção Complementar

- Prorrogar o funcionamento da seleção complementar para todo mês de fevereiro. Assim, será possível executar um trabalho com melhor qualidade, uma vez que os entrevistadores terão um período de tempo maior com os candidatos criando um vínculo de amizade e confiança que corroborará na identificação de candidatos com algum problema que os contraindiquem para serem selecionados.

Figura 5. Etapas e respectivas sugestões oriundas do presente estudo Fonte: Elaborado pelos autores

No próximo item apresenta-se as considerações finais a cerca da presente pesquisa, assim como as limitações e sugestões de próximos estudos.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse estudo teve o objetivo de analisar e propor ajustes no processo de seleção do contingente anual incorporado em uma OM. Considera-se que o mesmo foi atingido visto que foram apresentadas sugestões de ajustes e melhorias possíveis de serem colocados em prática.

A seleção do pessoal que irá compor a CS é de responsabilidade direta do comandante da Organização Militar. Desta forma, com o auxílio dos integrantes do seu Estado-Maior (nível de assessoria do comandante) e das informações obtidas, a seleção pode ser mais criteriosa, escolhendo militares que possuam competências adequadas ao desempenho destas funções.

Para a capacitação dos membros das CS, conforme proposto neste estudo, é necessária a aprovação e o envolvimento do alto Comando do Exército. Tal situação pode ser provocada a partir do momento em que questionamentos e sugestões sejam encaminhados pelo canal de comando para as estâncias superiores que possuem ferramentas disponíveis para tornar a capacitação possível. Dentre essas capacitações destaca-se a criação de estágios via portal de ensino do EB, bem como a realização de palestras e simpósios com o intuito de agregar conhecimento aos integrantes da comissão de seleção das Organizações Militares.

Foram apresentadas ações para reduzir os índices de interrupção do Serviço Militar Inicial, como aumentar o período de duração da CS, a presença de um psicólogo durante as entrevistas, elevando o número de integrantes da comissão e investindo na capacitação do pessoal. Adotando estas ações em um curto prazo de tempo os resultados serão percebidos, à medida que com melhores técnicas e profissionais capacitados e tempo para execução do trabalho, irão gerar ganhos para a CS e para as OMs.

Um aspecto percebido durante a pesquisa foi de que em muitas ocasiões há certa decepção por partes dos recrutas com a realidade encontrada diariamente na vida na caserna. A imagem passada pelos meios de comunicação e mídia em geral é de que a rotina dentro de uma Organização Militar seria semelhante à apresentada nos filmes de televisão, causando um choque com a realidade, o que contribui para a desinteresse em permanecer nas fileiras do Exército. Outro fato que também contribui para isso é que dentro da organização existem os mesmos problemas encontrados na sociedade, tais como drogas, furto, absenteísmo e desmotivação por parte do efetivo profissional. Aspectos bem ressaltados por um dos entrevistados que, inclusive, afirmou que o Exército consome os ‘frutos da sociedade’.

A partir dos relatos, ainda surge, muito latente, o fato de que ocorre também o choque da vida em que o recruta vivia antes, com a cultura da vida militar. Em especial, relacionados à disciplina e à hierarquia, que geram um maior desapego dos costumes vividos anteriormente pelo jovem cidadão. Tanto que um dos entrevistados relatou: “senti muita falta da minha casa”. Esta observação pode remeter ao questionamento de como se dá essa transição, da casa para a caserna.

Cabe salientar que o presente estudo não teve a presunção de mapear e apontar toda a realidade que ocorre durante o processo seletivo do Efetivo Variável da OM. Mas, contudo, quer servir de oportunidade de reflexão e questionamento na busca de possibilidades de melhoria.

Entre as limitações desta investigação, destaca-se o não acompanhamento in loco da comissão de seleção. Atitude que poderia fornecer percepções diferentes, agregando ao trabalho experiências vividas no dia a dia. Além disso, a legislação que regula o Serviço Militar Inicial impõe barreiras no que tange a mudanças imediatas, pois independe do Comando do Exército muito menos dos escalões inferiores. Sendo assim, neste estudo, o recrutamento não teve a devida atenção merecida. Outro fator relevante refere-se à carência de literatura voltada para a Gestão de Pessoas nas Forças Armadas. Especialmente para o Exército Brasileiro, o que denota que o assunto ainda não despertou a atenção devida.

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