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1 ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL ADMISSIBILITY OF EVIDENCE ILLEGAL IN CRIMINAL PROCEDURE Saulo Mateus Gomes Lima Graduando do Curso de Direito da Faculdade Icesp de Brasília. Resumo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar as diversas teorias relacionadas a provas ilícitas no processo penal, principalmente acerca das teorias de sua admissibilidade em favor do réu e da sociedade haja vista a grande influência que o tema possui na processualística de modo geral, bem como pelos diversos acontecimentos que envolvem este tema na atualidade. O aspecto prático da prova ilícita no processo penal é bastante sensível no sentido de interpretar a sua ilicitude. Diante disto tendo em vista os princípios e garantias constitucionais e com a finalidade de abordar as inúmeras divergências doutrinarias acerca do assunto, é de se concluir que a teoria que mais se adequa no presente estudo é o da proporcionalidade tendo por base no conflito de garantias constitucionais. Palavras-chave: provas ilícitas, teoria, admissibilidade, processualística. Abstract: This study aims to present the various theories related to illegal evidence in criminal proceedings, mainly on the theories of admissibility in favor of the defendant and society given the great influence that the subject has in general processualistic as well as by various events involving this subject today. The practical aspect of illegal evidence in criminal proceedings is very sensitive to interpret their illegality. Faced with this in view the principles and constitutional guarantees and in order to address the numerous doctrinal differences on the subject, one would conclude that the theory that best fits in this study is that of proportionality based on the conflict of constitutional guarantees. Keywords: illegal evidence, theory, admissibility, processualistic. Sumário: Introdução. 1. Prova: conceito e classificação. 1.1 Classificação 2. Limitação do Direito de prova 3.Princípios atinentes à prova. 3.1. Princípio da comunhão da prova. 3.2. Princípio da liberdade da prova. 3.3. Princípio da Inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. 3.3.1. Prova ilícita, ilegítima e irregular. 4. Prova ilícita e a lei 11.690/08. 5. Provas ilícitas por derivação e a teoria dos “frutos da árvore envenenada ( fruits of the poisonous tree). 5.1. Teoria da fonte independente. 5.2. Teoria da descoberta inevitável. 5.3. Teoria do nexo causal atenuado. 6. Admissão das provas ilícitas: Teorias. 6.1 Teoria da Exclusão da ilicitude. 6.2. Teoria Permissiva. 6.3. Teoria Obstativa 6.4. Teoria da Proporcionalidade. 6.4.1 Teoria da proporcionalidade pro reo. 6.4.2. Teoria da proporcionalidade pro societate. Considerações Finais. Referências.

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ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL ADMISSIBILITY OF EVIDENCE ILLEGAL IN CRIMINAL PROCEDURE

Saulo Mateus Gomes Lima

Graduando do Curso de Direito da Faculdade Icesp de Brasília.

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar as diversas teorias relacionadas a

provas ilícitas no processo penal, principalmente acerca das teorias de sua admissibilidade em

favor do réu e da sociedade haja vista a grande influência que o tema possui na

processualística de modo geral, bem como pelos diversos acontecimentos que envolvem este

tema na atualidade. O aspecto prático da prova ilícita no processo penal é bastante sensível no

sentido de interpretar a sua ilicitude. Diante disto tendo em vista os princípios e garantias

constitucionais e com a finalidade de abordar as inúmeras divergências doutrinarias acerca do

assunto, é de se concluir que a teoria que mais se adequa no presente estudo é o da

proporcionalidade tendo por base no conflito de garantias constitucionais.

Palavras-chave: provas ilícitas, teoria, admissibilidade, processualística.

Abstract: This study aims to present the various theories related to illegal evidence in

criminal proceedings, mainly on the theories of admissibility in favor of the defendant and

society given the great influence that the subject has in general processualistic as well as by

various events involving this subject today. The practical aspect of illegal evidence in

criminal proceedings is very sensitive to interpret their illegality. Faced with this in view the

principles and constitutional guarantees and in order to address the numerous doctrinal

differences on the subject, one would conclude that the theory that best fits in this study is that

of proportionality based on the conflict of constitutional guarantees.

Keywords: illegal evidence, theory, admissibility, processualistic.

Sumário: Introdução. 1. Prova: conceito e classificação. 1.1 Classificação 2. Limitação do

Direito de prova 3.Princípios atinentes à prova. 3.1. Princípio da comunhão da prova. 3.2.

Princípio da liberdade da prova. 3.3. Princípio da Inadmissibilidade das provas obtidas por

meios ilícitos. 3.3.1. Prova ilícita, ilegítima e irregular. 4. Prova ilícita e a lei 11.690/08. 5.

Provas ilícitas por derivação e a teoria dos “frutos da árvore envenenada (fruits of the

poisonous tree). 5.1. Teoria da fonte independente. 5.2. Teoria da descoberta inevitável. 5.3.

Teoria do nexo causal atenuado. 6. Admissão das provas ilícitas: Teorias. 6.1 Teoria da

Exclusão da ilicitude. 6.2. Teoria Permissiva. 6.3. Teoria Obstativa 6.4. Teoria da

Proporcionalidade. 6.4.1 Teoria da proporcionalidade pro reo. 6.4.2. Teoria da

proporcionalidade pro societate. Considerações Finais. Referências.

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Introdução

Diante da visível divergência acerca de sua possível ou não, admissibilidade das provas

ilícitas no decorrer da persecução penal, o presente estudo busca entender a sua aceitação sob

o ponto de vista dos princípios presentes dentro do processo penal para buscar da efetiva e

lídima justiça.

Embora a Constituição da República demonstrar expressamente sobre a vedação das

provas ilícitas, vedação esta que de forma aparente possui um caráter absoluto, não as

disciplinou de forma específica nem dispôs acerca de sua admissibilidade.

Desta forma, visando o meio hábil para a consolidação do entendimento de que é possível

em casos complexos e excepcionais a introdução de prova obtida por meio ilícito, o presente

estudo tem como objetivo verificar a existência de certas exceções para sua admissibilidade

tendo em vista o princípio do in dubio pro reo e da verdade real bem como o princípio da

proporcionalidade.

No processo penal, vale dizer, que em relação às provas, o direito a ela é limitado por

existir uma vedação quanto às provas obtidas de forma ilícita. Desta forma quanto a vedação

dos meios probatórios ilícitos no processo penal existem correntes que a defendem como

correntes que a repudiam.

Assim, mesmo diante da vedação das provas ilícitas presente na Constituição Federal, e

diante da discussão acerca de sua admissibilidade em casos excepcionais bem como a

confrontação com outros princípios constitucionais, como por exemplo, o da presunção da

inocência, busca-se então o entendimento da sua admissibilidade, o que é objeto do presente

estudo.

1. Prova: Conceito e Classificação

Em nosso ordenamento jurídico, a prova é tratada de forma genérica como todo meio que

tem o condão de comprovar a validade de algo que foi alegado em juízo. De certo modo,

todos os meios hábeis que servem como um instrumento assecuratório de uma alegação

podem ser definidos como prova.

Preliminarmente, cumpre destacar o conceito de prova, do latim probatio,, segundo os

ensinamentos do mestre Paulo Rangel: “é o meio instrumental de que se valem os sujeitos

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processuais (autor, juiz e réu) de comprovar os fatos da causa, ou seja, os fatos deduzidos

pelas partes como fundamento do exercício dos direitos de ação e de defesa.” (RANGEL,

2015, p. 461).

É sabido que qualquer pretensão é vinculada ao fato em que se baseia. Os

questionamentos existentes acerca da verdade das alegações feitas pelas partes no vinculo

jurídico-processual que sejam questões de fato deverão ser resolvidas pelo magistrado. Porém

o termo utilizado possui três sentidos que são disciplinados pelos mestres Ada Pellegrini

Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes (2009, p. 112):

[...] o termo “prova” não é unívoco. Em uma primeira acepção, indica o

conjunto de atos processuais praticados para averiguar a verdade e formar o

convencimento do juiz sobre os fatos. Num segundo sentido, designa o

resultado dessa atividade. No terceiro, aponta para os “meios de prova”.

Acerca da prova de modo geral, entende Fernando Capez (2015, p. 367):

Sem dúvida alguma, o tema referente à prova é o mais importante de toda

ciência processual, já que as provas constituem os olhos do processo, o

alicerce sobre o qual se ergue toda a dialética processual. Sem provas

idôneas e válidas, de nada adianta desenvolverem-se aprofundados debates

doutrinários e variadas vertentes jurisprudenciais sobre temas jurídicos, pois

a discussão não terá objeto.

Em relação à função da prova, Eugênio Pacelli disciplina que: “As provas no processo

desempenham uma função muito bem definida, a saber: a reconstrução da realidade histórica,

sobre a qual se pronunciará a certeza quanto à verdade dos fatos, para fins de formação da

coisa julgada.” (OLIVEIRA, 2015, p. 341)

Não resta dúvida que este tema, é um dos mais importantes na persecução penal, pois são

como a base de toda processualística. Sem a prova, não tem motivo que sejam postos em

discussões várias teses doutrinarias e jurisprudenciais, pois não teriam nenhuma forma.

1.1. Classificação da Prova

Ainda se tratando da prova, existem alguns critérios que às classificam como:

Quanto ao objeto dividindo-se em:

o Direta: tem como objetivo demonstrar o fato de forma imediata,

prescindindo de ligação lógica como é o caso de uma confissão ou

flagrante. Nas palavras de Rangel: “Direta será quando se referir ao próprio

fato probando. Pois o fato é provado sem a necessidade de qualquer

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processo lógico de construção. É aquela que demonstra a existência do

próprio fato narrado nos autos” (RANGEL, 2015, p.464)

o Indireta: Segundo Edilson Bonfim: “[...] afirma uma fato do qual se infira,

por dedução ou indução, a existência do fato que se busque provar [...]”

(BONFIM, 2008, p.310). Ainda sim, não é necessário um processo de

relação de lógica para se chegar a conclusão de um fato que se quer provar

como uma suspeita ou indício.

Quanto ao sujeito podendo ser:

o Real: Tratando-se de uma prova materializada através de um objeto ou

uma coisa que possua alguns vestígios de crime, como por exemplo, uma

arma ou camisa ensanguentada.

o Pessoal: Oriunda da consciência humana através da manifestação de

vontade tendo como objetivo demonstrar a veracidade dos fatos, como um

testemunho, depoimento e laudo assinado por dois peritos. Em outras

palavras, Paulo Rangel (2015, p. 466) define que:

Prova pessoal é toda afirmativa consciente destinada a mostrar a veracidade

dos fatos afirmados. Assim, a testemunha que narra os fatos que assistiu e o

laudo cadavérico assinado por um perito oficial (art. 159 do CPP) são

exemplos de provas pessoais, pois a afirmativa emana da pessoa.

Quanto à forma:

o Testemunhal: Trata-se de uma prova produzida por meio de uma

manifestação subjetiva oral, podendo também ser por escrito nos moldes do

art. 221, §1º do CPP. Podem ser produzidas por testemunhas bem como

pelo ofendido ou pelo acusado através de uma confissão.

o Documental: Prova adquirida por intermédio de um documento escrito ou

alguma gravação como fotografias, cartas e etc.

o Material: Na visão de Edilson Bonfim: “[...] é a que consiste em qualquer

materialidade que sirva de elemento para o convencimento do juiz sobre o

fato probando” (BONFIM, 2008, p.310). Como a existência do exame de

corpo de delito.

Quanto ao valor:

o Plena: Tem o tratamento de prova verossímil e com bastante grau de

certeza.

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o Não plena ou indiciária: É tratada apenas como indicio por não haver

tanta certeza a seu respeito.

2. Limitação ao Direito de Prova

Com base no princípio e no consequente exercício da ampla defesa, é plenamente possível

afirmar que o réu tem direito à prova. Ocorre que não se poder afirmar de forma clara que o

mesmo direito se aplica ao órgão acusador uma vez que a existência do princípio da ampla

defesa decorre exatamente do direito da acusação.

Assim dispõe Eugênio Pacelli (2015, p.344):

Como decorrência do princípio e em consequência do exercício da ampla

defesa, pode-se afirmar que o réu tem direito à prova. Desnecessário afirmar

que igual direito assiste ao órgão da acusação, já que o direito do réu à prova

tem como pressupostos a existência e o exercício do direito da acusação.

O direito à prova é plenamente assegurado pela constituição, pois está inserido nas

garantias fundamentais da defesa, ação e contraditório, porém é relativo e sempre esbarra em

alguns limites.

Portanto, é vedada a título de exemplo uma prova obtida mediante a violação do princípio

da dignidade da pessoa humana ou que viole a sua integridade, como uma obtida mediante

tortura ou hipnose.

No processo penal, o juiz a todo o momento tem como função a busca da realidade dos

fatos com a finalidade de se chegar a uma conclusão. Todavia, essa busca esbarra em

limitações ao direito de prova previstos constitucionalmente, que protegem os direitos e

garantias fundamentais.

De qualquer sorte e de acordo com a doutrina constitucional moderna, as provas não

poderão ter caráter absoluto diante do princípio da convivência das liberdades, não se

permitindo que confrontem a ordem pública e a liberdade;

Resta claro que o direito de prova, apesar de conter restrições, se estende em todas as

fases nela inserida como o da produção, obtenção, introdução e valoração na decisão do

magistrado.

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3. Princípios atinentes à prova

Os princípios relacionados à prova no processo penal são as premissas utilizadas durante a

persecução penal a fim de que sejam obedecidos princípios constitucionais e

infraconstitucionais no tocante à aplicação da lei referente a instrução probatória, como

podemos ver:

3.1. Princípio da comunhão da prova

O princípio da comunhão da prova tem em seu bojo o entendimento de que, uma vez

produzida a prova, ela pertencerá a todos os sujeitos processuais, mesmo que tenha sido

levada por apenas uma das partes.

A respeito deste princípio, entende Paulo Rangel (2015, p.468) que:

A palavra comunhão vem do latim communione, que significa ato ou efeito

de comungar, participação em comum em crenças, ideias ou interesses.

Referindo-se à prova, portanto, quer-se dizer que a mesma, uma vez no

processo, pertence a todos os sujeitos processuais (partes e juiz), não

obstante ter sido levada apenas por um deles.

O mencionado princípio trata-se de uma consequência dos princípios da igualdade das

partes e verdade processual na relação processual, pois na busca pela real verdade dos fatos as

partes não dispõe das provas que foram levadas ao processo.

3.2. Princípio da liberdade da prova

O princípio da liberdade da prova tem como escopo a busca pela verdade dos fatos e

assim decorre do princípio da verdade processual, devendo o juiz caso haja conveniência

sempre buscar a reconstrução dos fatos com a sua liberdade de agir.

Porém, há de se ressaltar que tal princípio não é absoluto, posto que, o juiz estará restrito

somente em sua pesquisa acerca da verdade dos fatos. Acerca do fundamento de tal restrição,

dispõe Paulo Rangel: “O fundamento dessa limitação está em que a lei considera certos

interesses de maior valor do que a simples prova de um fato, mesmo que seja ilícito.”.

(RANGEL, 2015, p. 469).

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Por fim, deve-se entender que existe o princípio da liberdade da prova como corolário do

princípio da verdade processual, porém não se trata de um princípio absoluto, sofrendo

restrições previstas em lei.

3.3. Princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos

A Constituição Federal, em seu art. 5º, LVI, é clara ao estabelecer como garantia e direito

fundamental a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, in verbis: “são

inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.”

O entendimento jurisprudencial e doutrinário de alguns países sempre divergiu quanto à

admissibilidade das provas ilícitas. Anteriormente, a ideia que prevalecia era de que eram

admitidas as provas ilícitas desde que pertinentes e relevantes dando-se ênfase à punição do

responsável pela colheita da prova ilegal.

Acerca da natureza jurídica das provas ilícitas, dispõe Paulo Rangel (2015, p. 471):

A vedação da prova ilícita é inerente ao Estado Democrático de Direito, que

não admite a prova do fato e, consequentemente, punição do individuo a

qualquer preço, custe o que custar. Os direitos previstos na Constituição, já

dissemos, são direitos naturais, agora positivados, não havendo mais razão

para o embate entre o direito natural e o direito positivo, como no passado.

Hodiernamente, o grande embate é entre normatividade e efetividade dos

direitos previstos na Constituição, ou seja, estão previstos, disciplinados,

consagrados (normatizados), mas não são garantidos, aplicados, concedidos

(efetivados). (grifo do autor)

É visível que as normas que disciplinam as provas ilícitas tanto constitucionais quanto

legais possuem um propósito bastante relevante no tocante à atuação fiscalizatória da

atividade do Estado relativa à persecução penal, desestimulando e coibindo atividades ilegais

de seja quem for o responsável pela produção e colheita da prova ilegal.

Há de se ressaltar que, o princípio da inadmissibilidade das prova ilícitas está ligado ao

momento de obtenção da prova em que ocorra violação de direitos, até mesmo de imagem,

privacidade, honra entre outros.

Ainda assim, acerca da qualidade da prova, disciplina Eugênio Pacelli (2015, p. 345) que:

No que se refere à questão da qualidade da prova, o reconhecimento da

ilicitude do meio de obtenção da prova já impede o aproveitamento de

métodos cuja idoneidade probatória seja previamente questionada, como

ocorre, por exemplo, na confissão obtida mediante tortura, ou mediante

hipnose, ou, ainda, pela ministração de substâncias químicas (soro da

verdade etc.). De outro lado, a vedação das provas obtidas ilicitamente

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também oferece percussão no âmbito da igualdade processual, no ponto em

que, ao impedir a produção probatória irregular pelos agentes do Estado –

normalmente os responsáveis pela prova -, equilibra a relação de forças

relativamente à atividade instrutória desenvolvida pela defesa.

É de se ressaltar que, apesar da Constituição Federal e a lei 11.690/08 disciplinarem a

vedação das provas obtidas por meios ilícitos, não dispuseram acerca da sua diferenciação

entre gêneros e espécie que é possível observar a seguir.

3.3.1. Prova Ilícita, Ilegítima e Irregular.

O conceito de prova ilícita vem da regra de vedação da prova obtida com afronta as

normas de direito material, ou seja, todas as provas produzidas através da prática de infração

penal, que de alguma forma violem as normas constantes no Direito Civil, Comercial ou

Administrativo, e também aquelas que violem os princípios constitucionais.

A esse respeito, disciplina Fernando Capez (2105, p. 370-371):

[...]quando a prova for vedada, em virtude de ter sido produzida com afronta

a normas de direito material, será chamada de ilícita. Desse modo, serão

ilícitas todas as provas produzidas mediante a prática de crime ou

contravenção, as que violem normas de Direito Civil, Comercial ou

Administrativo, bem como aquelas que afrontem princípios constitucionais.

Não obstante o mencionado conceito, não se deve confundir Prova ilícita de Prova

ilegítima, eis que a ultima é aquela prova obtida por meio de violação as normas de Direito

Processual.

Em seus ensinamentos, Eugênio Pacelli é claro ao diferenciar prova ilícita de prova

ilegítima. “Ainda segundo a doutrina, as provas ilícitas seriam aquelas obtidas com violação

ao direito material, enquanto as provas ilegítimas receberiam tal definição por violarem

normas de Direito Processual.” (OLIVEIRA, 2015, p. 368)

Ainda sobre a distinção, entende Guilherme Nucci (2008, p. 391) que:

Em primeiro lugar, tomou-se como gênero a expressão provas ilícitas, do

qual surgem as espécies: as obtidas em violação a normas constitucionais ou

legais. Naturalmente, constituem provas ilegais as que afrontam qualquer

norma da legislação ordinária, por isso, envolvem tanto as penais quanto as

processuais penais. Uma prova conseguida por infração à norma penal (ex.:

confissão obtida por tortura) ou alcançada violando-se norma processual

penal (ex.: laudo produzido por um só perito não oficial) constitui prova ilícita e deve ser desentranhada dos autos.

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As provas ilegítimas, mesmo sendo produzidas durante a instrução probatória, nem

chegam a fazer algum efeito em razão da ofensa à lei processual, como por exemplo, o artigo

564, III, b, do CPP, ocorrendo a nulidade e assim sendo desconsiderada pelo magistrado.

Desta forma, entende Fernando Capez (2015, p. 370):

As provas produzidas em substituição serão nulas por ofensa à norma

processual e, portanto, ilegítimas, não podendo ser levadas em conta pelo

juiz (CPP, art. 564, II, b), o que acarreta a absolvição por falta de

comprovação da materialidade delitiva.

No sistema pós 2008 (após a edição da lei 11.690/08) alguns doutrinadores começaram a

defender que o artigo 157 do Código de Processo Penal, que não faz distinção entre prova

ilícita e ilegítima, deveria ser interpretado à luz da distinção feita por Pietro Nuvolone, sendo

feita uma diferenciação entre prova ilícita como as obtidas violando normas de direito

material e ilegítima como as oriundas de violação de direito processual. Porém, uma parte

minoritária da doutrina, como o Doutor Gustavo Badaró entendeu que a partir da edição da

lei, não haveria mais distinção.

Há ainda, alguns doutrinadores que defendem a existência da prova irregular, que apesar

de cumprir as normas de direito processual e material, deixou de obedecer às formalidades

legais para o ato. Ou seja, não obstante a lei instrumental admita determinada prova, tal lei

exige o cumprimento de formalidades.

Paulo Rangel (2015, p. 474) é claro ao exemplificar:

[...]a busca e apreensão domiciliar é permitida (cf. art. 5º,XI, da CRFB c/c

art. 240 do CPP), mas o mandado deve conter todos os requisitos legais

exigidos no art. 243 do CPP. Se no mandado constar que o objeto a ser

apreendido é uma arma de fogo, não poderá ser apreendida uma camisa suja

de sangue nem qualquer outro instrumento que não conste do mandado, sob

pena de colheita de prova irregular. Do contrário, de nada vale a regra

constitucional da inviolabilidade do domicilio.

A título de ilustração, o artigo 243 do CPP indica alguns requisitos a serem cumpridos no

mandado de busca apreensão sob pena de configurar prova irregular, in verbis:

Art. 243. O mandado de busca deverá:

I- Indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada

a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de

busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a

identifiquem;

II- Mencionar o motivo e os fins da diligência;

III- Ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer

expedir.

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§ 1º Se houver ordem de prisão, constará do próprio texto do mandado de

busca.

§ 2º Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do

acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito. (grifo nosso)

Como se pôde observar, o motivo e os fins da diligência precisam necessariamente estar

descritos no mandado, não sendo assim, será colhida uma prova irregular, acarretando

nulidade do ato.

Nos ensinamentos do professor Paulo Rangel (2015, p. 477):

Imagine ainda a mãe do acusado prestar depoimento e ser advertida, pelo

juiz, a prestar compromisso de dizer a verdade, sob pena de falso

testemunho. Essa prova é permitida (mãe prestar depoimento), mas foi

colhida irregularmente (o juiz advertiu-a de que se calar a verdade ou mentir

será crime).

Assim, cumpre ressaltar que, prova ilegal é um gênero em que prova ilícita, ilegítima e

irregular se enquadram como espécies.

4. Provas ilícitas e a lei 11.690/08

Apesar da Constituição Federal em seu art. 5º, LVI, ter disposto expressamente sobre a

proibição das provas que forem obtidas por meios ilícitos, apenas no ano de 2008 o legislador

infraconstitucional dispôs sobre a matéria.

As provas ilícitas foram disciplinadas pela lei 11.690/08 que modificou o teor do art. 157

do CPP, in verbis: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas

ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.”. Desta

maneira, a redação dada pela mencionada lei, igualou a prova ilícita e ilegítima, distanciando

de certo meio a lei do entendimento doutrinário e jurisprudencial.

Acerca da reforma, Paulo Rangel (2015, p. 484) disciplina que:

Hodiernamente, não haverá mais qualquer discussão sobre as provas ilícitas

por derivação: estão legalmente, vedadas. Quer-se dizer, o Código veda

expressamente. É como se dependêssemos do Código para nos dizer que a

CRFB, a partir de agora, passa a valer. É o Código dando vida à

constituição. A consagração do absurdo.

A mencionada lei, não obstante apresentar vedação a provas ilícitas e ilegítimas, não

figura como afastadora do princípio constitucional da proporcionalidade, podendo ser

admissível a prova ilícita sempre em casos extremos em que tivermos um desequilíbrio entre

os interesses do cidadão a exemplo da liberdade, vida ou segurança.

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A proibição da prova ilícita em si, não busca, de alguma forma, dificultar a busca pela

verdade dos fatos, mas de inibir ações do Estado ou de algum particular que possam violar os

Direitos e garantias fundamentais previstos na constituição federal, que são fundamentais para

a mantença do Estado Democrático de Direito e a proteção da dignidade da pessoa humana.

5. Provas ilícitas por derivação e a teoria dos “frutos da árvore

envenenada” (the fruits of the poisonous tree)

Após a modificação do teor do artigo 157 do CPP, a doutrina e jurisprudência abraçaram a

teoria dos frutos da árvore envenenada trazendo limites a ela através do Direito norte-

americano como forma de se deduzir se uma prova é ou não decorrente da obtida ilicitamente,

procurando encontrar a existência de nexo causal entre uma e outra.

As provas ilícitas por derivação, apesar de serem lícitas em sua forma, apresentam

ilicitude por derivação, ou seja, se originaram de uma prova obtida através de um meio ilícito.

Previstas no CPP, as provas derivadas das ilícitas possuem o mesmo tratamento das

originalmente ilícitas e deverão ser desentranhadas do processo.

Ada Pellegrini Grinover (2009, p. 128) exemplifica:

É o caso da confissão extorquida mediante tortura, em que o acusado indica

onde se encontra o produto do crime, que vem a ser regularmente

apreendido. Ou o caso da interceptação telefônica clandestina, por

intermédio da qual o órgão policial descobre uma testemunha do fato que,

em depoimento regularmente prestado, incrimina o acusado.

Surgida através da jurisprudência americana, a teoria dos frutos da árvore envenenada

explana perfeitamente as provas ilícitas por derivação sendo a lógica da aplicação das provas

ilícitas por derivação.

Como é possível observar, Eugênio Pacelli (2015, p. 363) entende que:

Se os agentes produtores da prova ilícita pudessem dela se valer para a

obtenção de novas provas, a cuja existência somente se teria chegado a partir

daquela (ilícita), a ilicitude da conduta seria facilmente contornável. Bastaria

a observância da forma prevista em lei, na segunda operação, isto é, na busca

das provas obtidas por meio das informações extraídas pela via da ilicitude,

para que se legalizasse a ilicitude da primeira (operação). Assim, a teoria da

ilicitude pro derivação é uma imposição da aplicação do princípio da

inadmissibilidade das provas obtidas licitamente.

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Todavia, é necessário saber que existem teorias que atenuam as provas ilícitas por

derivação. Sabe-se que muitas destas teorias vieram do Direito Norte-americano, como a

teoria da Fonte Independente, como podemos verificar adiante.

5.1. Teoria da Fonte Independente

Originada na década de 60, nos Estados Unidos, no caso Bynum, a teoria da fonte

independente tem em seu interior que, caso sejam obtidas pelo órgão persecutório novas

informações relativas ao ônus probatório por uma fonte autônoma de forma legítima, e que

não tenha nenhum vínculo com a prova originalmente ilícita quer dizer que o instrumento

probatório é perfeitamente admissível.

A teoria da fonte independente preceitua que caso existam duas fontes em que podem ser

colhidas as provas e uma for lícita e a outra ilícita, se reconhecerá a admissibilidade da prova

e não existirá contaminação da prova decorrente.

Acerca da teoria da fonte independente, disciplina Eugênio Pacelli (2015, p. 364):

Já a teoria da fonte independente baseia-se precisamente na ausência fática

de relação de causalidade ou de dependência lógica ou temporal (produção

de prova posteriormente à ilícita). Fonte de prova independente é apenas

isso: prova não relacionada com os fatos que geraram a produção da prova

contaminada. Nada mais.

Um exemplo a ser citado é o da ação penal 470/MG em que o Procurador Geral da

República mandou quebrar o sigilo bancário dos investigados mesmo não possuindo

legitimidade, ocorre que a CPI também mandou quebrar o sigilo dos mesmos investigados,

não obstante a prova se ilícita por incompetência do Procurador, a CPI possui essa

competência.

Como é possível observar em um julgamento do STF acerca da Teoria da fonte

independente:

SÉTIMA PRELIMINAR. DADOS DE EMPRÉSTIMO FORNECIDOS

PELO BANCO CENTRAL. PEDIDO DIRETO DO MINISTÉRIO

PÚBLICO. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. REQUISIÇÃO FEITA PELA

CPMI DOS CORREIOS. POSTERIOR AUTORIZAÇÃO DE

COMPARTILHAMENTO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO PARA

INSTRUÇÃO DO INQUÉRITO. LEGALIDADE. Não procede a alegação

feita pelo 5º acusado de que os dados relativos aos supostos empréstimos

bancários contraídos com as duas instituições financeiras envolvidas teriam

sido colhidos de modo ilegal, pois o Banco Central teria atendido

diretamente a pedido do Procurador-Geral da República sem que houvesse autorização judicial. Tais dados constam de relatórios de fiscalização do

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Banco Central, que foram requisitados pela CPMI dos Correios. No âmbito

deste Inquérito, o Presidente do Supremo Tribunal Federal determinou o

"compartilhamento de todas as informações bancárias já obtidas pela CPMI

dos Correios" para análise em conjunto com os dados constantes destes

autos. Por último, o próprio Relator do Inquérito, em decisão datada de 30 de

agosto de 2005, decretou o afastamento do sigilo bancário, desde janeiro de

1998, de todas as contas mantidas pelo 5º acusado e "demais pessoas físicas

e jurídicas que com ele cooperam, ou por ele são controladas. Preliminar

rejeitada.

(STF – Inq: 2245 MG, Relator: JOAQUIM BARBOSA, Data de

Julgamento: 27/08/2007, Tribunal Pleno, Data da Publicação: Dje- 139

DIVULG 08-11-2007 PUBLIC 09-11-2007 DJ 09-11-2007 PP-00038

EMENT Vol-02298-01 PP-00001)

Além da teoria da fonte independente, existem duas que foram sedimentadas pela

Suprema corte norte-americana, quais sejam a teoria da descoberta inevitável e do nexo causal

atenuado. Em qualquer um dos casos, adotam que entre a prova ilícita e a derivada existe uma

conexão bastante tênue ou nem chega a existir.

5.2. Teoria da Descoberta inevitável

A teoria da descoberta inevitável que surgiu no caso Nix v. Williams em 1984 nos Estados

Unidos em que um acusado teria assassinado uma criança e escondido o seu corpo, onde

posteriormente, iniciadas as buscas por cerca de 200 voluntários, inclusive por municípios

contíguos os quais foram divididos por áreas de buscas. No decorrer das buscas, o acusado

realizou uma confissão, a qual foi obtida de forma ilegal, especificando a localização do

corpo, sendo interrompidas as buscas que estavam próximas de localizarem o corpo. A corte

americana considerou que a prova obtida era ilícita, porém a apreensão do corpo era legal,

pois a descoberta era inevitável.

O entendimento exposto no caso acima é de que não existe contaminação da prova

derivada, pois seria descoberta de forma inevitável, sendo lícita ou não. Neste caso, não seria

necessário um meio legítimo para a busca do corpo, pois seria inevitavelmente encontrado

mesmo sem a confissão ilícita.

Acerca da Teoria da descoberta inevitável, o Supremo Tribunal Federal já dispôs a

respeito, no HC: 91867 PA sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes:

HABEAS CORPUS. NULIDADES: (1) INÉPCIA DA DENÚNCIA; (2)

ILICITUDE DA PROVA PRODUZIDA DURANTE O INQUÉRITO

POLICIAL; VIOLAÇÃO DE REGISTROS TELEFÔNICOS DO CORRÉU,

EXECUTOR DO CRIME, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL; (3)

ILICITUDE DA PROVA DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS DE

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CONVERSAS DOS ACUSADOS COM ADVOGADOS, PORQUANTO

ESSAS GRAVAÇÕES OFENDERIAM O DISPOSTO NO ART. 7º, II, DA

LEI 8.906/96, QUE GARANTE O SIGILO DESSAS CONVERSAS.

VÍCIOS NÃO CARACTERIZADOS. ORDEM DENEGADA. 1. Inépcia da

denúncia. Improcedência. Preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP. A

denúncia narra, de forma pormenorizada, os fatos e as circunstâncias.

Pretensas omissões – nomes completos de outras vítimas, relacionadas a

fatos que não constituem objeto da imputação – - não importam em prejuízo

à defesa. 2. Ilicitude da prova produzida durante o inquérito policial -

violação de registros telefônicos de corréu, executor do crime, sem

autorização judicial. 2.1 Suposta ilegalidade decorrente do fato de os

policiais, após a prisão em flagrante do corréu, terem realizado a análise dos

últimos registros telefônicos dos dois aparelhos celulares apreendidos. Não

ocorrência. 2.2 Não se confundem comunicação telefônica e registros

telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode

interpretar a cláusula do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos

dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da

comunicação de dados e não dos dados. 2.3 Art. 6º do CPP: dever da

autoridade policial de proceder à coleta do material comprobatório da prática

da infração penal. Ao proceder à pesquisa na agenda eletrônica dos

aparelhos devidamente apreendidos, meio material indireto de prova, a

autoridade policial, cumprindo o seu mister, buscou, unicamente, colher

elementos de informação hábeis a esclarecer a autoria e a materialidade do

delito (dessa análise logrou encontrar ligações entre o executor do homicídio

e o ora paciente). Verificação que permitiu a orientação inicial da linha

investigatória a ser adotada, bem como possibilitou concluir que os

aparelhos seriam relevantes para a investigação. 2.4 À guisa de mera

argumentação, mesmo que se pudesse reputar a prova produzida como ilícita

e as demais, ilícitas por derivação, nos termos da teoria dos frutos da árvore

venenosa (fruit of the poisonous tree), é certo que, ainda assim, melhor sorte

não assistiria à defesa. É que, na hipótese, não há que se falar em prova

ilícita por derivação. Nos termos da teoria da descoberta inevitável,

construída pela Suprema Corte norte-americana no caso Nix x Williams

(1984), o curso normal das investigações conduziria a elementos

informativos que vinculariam os pacientes ao fato investigado. Bases desse

entendimento que parecem ter encontrado guarida no ordenamento jurídico

pátrio com o advento da Lei 11.690/2008, que deu nova redação ao art. 157

do CPP, em especial o seu § 2º. 3. Ilicitude da prova das interceptações

telefônicas de conversas dos acusados com advogados, ao argumento de que

essas gravações ofenderiam o disposto no art. 7º, II, da Lei n. 8.906/96, que

garante o sigilo dessas conversas. 3.1 Nos termos do art. 7º, II, da Lei

8.906/94, o Estatuto da Advocacia garante ao advogado a inviolabilidade de

seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática,

desde que relativas ao exercício da advocacia. 3.2 Na hipótese, o magistrado

de primeiro grau, por reputar necessária a realização da prova, determinou,

de forma fundamentada, a interceptação telefônica direcionada às pessoas

investigadas, não tendo, em momento algum, ordenado a devassa das linhas

telefônicas dos advogados dos pacientes. Mitigação que pode,

eventualmente, burlar a proteção jurídica. 3.3 Sucede que, no curso da

execução da medida, os diálogos travados entre o paciente e o advogado do

corréu acabaram, de maneira automática, interceptados, aliás, como qualquer

outra conversa direcionada ao ramal do paciente. Inexistência, no caso, de relação jurídica cliente-advogado. 3.4 Não cabe aos policiais executores da

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medida proceder a uma espécie de filtragem das escutas interceptadas. A

impossibilidade desse filtro atua, inclusive, como verdadeira garantia ao

cidadão, porquanto retira da esfera de arbítrio da polícia escolher o que é ou

não conveniente ser interceptado e gravado. Valoração, e eventual exclusão,

que cabe ao magistrado a quem a prova é dirigida. 4. Ordem denegada.

(STF - HC: 91867 PA, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de

Julgamento: 24/04/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO

ELETRÔNICO DJe-185 DIVULG 19-09-2012 PUBLIC 20-09-2012)

Se a prova, que sabidamente decorre de uma originalmente ilícita seria obtida de qualquer

maneira por atos investigatórios válidos e eficazes, ela será perfeitamente aproveitada, sendo

eliminada sua contaminação. Uma prova que seria descoberta mesmo sem a necessidade de

outra prova, seja ela lícita ou não, não terá cunho de contaminação (ex: blitz de rotina em um

local que em que passaria um carregamento de drogas que fora descoberta por uma

interceptação telefônica ilícita).

5.3. Teoria do Nexo causal atenuado

A outra teoria a ser mencionada é a do nexo causal atenuado, também conhecida como

teoria da tinta diluída, ocorre quando posteriormente um ato atenua a ilicitude afastando-a,

não por não haver relação entre uma e outra mas pelo fato de não existir uma linha de ligação

tênue entre as duas, pois, não obstante haver uma ligação, o lapso temporal existente bem

como os aspectos de menor relevância não permitem a contaminação da última prova, ou caso

esteja viciada, um ato posterior expurga a ilegalidade.

A teoria do nexo causal atenuado teve como base o caso de Wong Sun x USA (1963) onde

a polícia tortura um cidadão em busca de um traficante de drogas, porém este ao ser torturado

e conta aos policiais que não é traficante, e quem traficava era Wong. A polícia então vai até

Wong e o tortura, que, por conseguinte confessa a autoria do trafico. O magistrado, ao

conhecer da confissão eivada de ilegalidade, o libera e arquiva o processo. Posteriormente,

Wong confessa espontaneamente o crime e é preso com base na segunda confissão.

É possível observar que esta teoria está expressamente prevista no art. 157 § 1º do CPP, in

verbis: “São também Inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não

evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem

ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.”. (grifo nosso)

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Desta forma, é visível que deve haver uma flexibilização no tocante às provas adquiridas

decorrente de ilícitas desde que não guardem uma relevante relação uma com a outra.

6. Admissão das Provas ilícitas: Teorias

No ordenamento jurídico brasileiro, é inegável que nenhum princípio constitucional ou

infraconstitucional é absoluto, podendo sofrer relativizações. Assim não é diferente com o

princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, previsto no artigo 5º, LVI

da Constituição Federal.

6.1. Teoria da Exclusão da ilicitude

Prevista no ordenamento jurídico pátrio a teoria da exclusão da ilicitude prevê que, a

prova ilícita poderá ser aproveitada excluindo assim sua ilicitude caso haja circunstâncias que

autorizem a medida.

Há de se ressaltar que, somente em casos previstos e reconhecidos pelo Direito que

poderão ser aceitas as excludentes de ilicitude, casos em que são chamados de causas de

justificação segundo a doutrina. Desta forma, importante destacar que a vedação das provas

obtidas por meios ilícitos tem caráter relativo e não absoluto.

Quando, por alguma circunstância respaldada pelo ordenamento jurídico, ocorrer uma

situação suficiente para afastar a sua ilegalidade, as provas, mesmo assim sendo produzidas,

serão perfeitamente aproveitadas na persecução penal.

Acerca da exclusão, destaca Eugênio Pacelli (2015, p.369-370):

A exclusão poderá ocorrer em razão da presença de fatos e/ou circunstâncias

que afastam a ilicitude da ação praticada, como também em razão de nem

sequer se ter por configurada a hipótese de violação de qualquer direito e,

por isso, não configurada a hipótese da ilicitude.

O que deve ser observado é a análise utilizada para equilibrar o mal ocorrido na prática da

infração penal que tivera uma finalidade de defesa e o que poderia ocorrer com a possível

condenação de um inocente.

Assim, a prova que foi colhida através de uma possível violação de lei, desde que seja

para provar a inocência do réu é inegavelmente admissível, pois como destaca Paulo Rangel:

“... absurda seria a condenação de um acusado que, tendo provas de sua inocência, não

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poderia usá-las só porque (aparentemente) colhidas ao arrepio da lei.” (RANGEL, 2015,

p.487)

Ainda na visão de Eugênio Pacelli (2015, p. 373), destaca que:

Para um eventual aproveitamento dela, deverá haver fundamentação distinta,

atendendo, sobretudo, à gravidade do caso concreto, por critérios de

proporcionalidade e razoabilidade, orientando sempre pela proibição de

excesso, e/ou pela presença de uma excludente legal de ilicitude (caso de

estado de necessidade, quando, por exemplo, fundada suspeita de crime de

extorsão mediante sequestro).

A possível violação da lei se baseia no entendimento de ser cabível tal prova, pois quando

obtida, por estado de necessidade, o mesmo exclui a ilicitude, tendo em vista que a premente

necessidade de resguardar um de seus maiores interesses, qual seja, a liberdade de ir e vir,

sendo sacrificado um menor, como o sigilo das comunicações telefônicas justificando a

conduta do réu.

6.2. Teoria Permissiva

Segundo a teoria permissiva, toda e qualquer prova, ainda que obtida através de meios

ilícitos, seria aceita no ordenamento jurídico sendo uma prova eficaz e válida.

Embora a denominação da mencionada teoria possa soar como algo depreciativo a ponto

de se entender que a prova ilícita é aceita sem restrições, porém há de se ressaltar que não se

trata de admissão de todas as provas sem nenhuma restrição.

Entre os Doutrinadores que defendem esta teoria, está Fernando de Almeida Pedroso que

no seu entendimento: “Se o fim precípuo do processo é a descoberta da verdade real, aceitável

é que, se aprova ilicitamente obtida mostrar essa verdade, seja ela admissível, sem olvidar-se

o Estado da persecução criminal contra o agente que infringiu as disposições legais e os

direitos do réu”. (PEDROSO apud CUSTÓDIO).

No presente caso, o descobrimento da verdade dos fatos deverá sempre estar acima da

ilicitude da prova que não terá cunho de retira-la seu valor que o meio possui para a formação

de um elemento útil para a cognição do magistrado. Ainda assim, o infrator que a produziu

deverá ser responsabilizado.

Esta teoria não significa que a prova obtida de forma ilícita será perfeitamente válida e

eficaz dentro de um processo, pois o que trata de ilícito é a forma como foi obtida e não o seu

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conteúdo. Desta forma, significa que o infrator será punido pela infração praticada, mas o teor

em si da prova será aproveitado para que possa contribuir na convicção do julgador.

Aos seus adeptos, a prova ilícita deverá sempre ser valorada, sempre se sobressaindo a

busca pela verdade, assim trazendo para a sociedade benefícios em razão dela bem como um

acréscimo de um elemento na convicção do julgador.

6.3. Teoria Obstativa

De acordo com a teoria obstativa, toda e qualquer prova obtida por através de meios

ilícitos deve ser rejeitada de plano.

A mencionada teoria considera de qualquer forma, inadmissível a prova ilícita devendo a

mesma ser sempre recusada, seja qual for a importância do direito discutido. Desta forma,

entende-se de forma majoritária que a teoria obstativa possui valores que conflitam com a

Constituição Federal, a qual assegura de forma abrangente as garantias e direitos

fundamentais.

Para os adeptos da teoria obstativa, o ordenamento jurídico não tem a obrigação de abrigar

um individuo que tenha infringido normas, sejam materiais ou processuais, no intuito de

produzir uma prova a qualquer custo. Em tais casos, o julgador deverá imediatamente ordenar

o seu desentranhamento.

Um dos defensores da teoria, Francisco das Chagas Lima Filho entende que: "a prova

obtida por meios ilícitos deve ser banida do processo, por mais altos e relevantes que possam

se apresentar os fatos apurados.” (LIMA FILHO, apud CUSTÓDIO).

Um princípio a ser mencionada dentro da teoria obstativa é o da moralidade

administrativa, o qual seria violado caso fosse admitida uma prova ilícita na persecução penal,

podendo trazer grandes consequências além da relação entre as partes.

6.4. Teoria da Proporcionalidade

Também conhecida como teoria da restrição das restrições, surgida na Alemanha, a

teoria da proporcionalidade dispõe que sempre, em casos comprovadamente e extremamente

graves e de caráter excepcional poderá ser admitida a prova ilícita, tendo como base o

equilíbrio entre valores discrepantes, como seria no caso de quebrar um princípio geral para

que seja atendida uma finalidade excepcional e justificável.

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Nesta toada, a vedação das provas obtidas por meios ilícitos trata-se de um princípio que

pode ser relativizado quando houver um conflito de interesse de maior relevância e de um

direito fundamental que contraste com este interesse.

A lei 11.690/2008, não obstante ter disciplinado as provas ilícitas no processo penal, não

mencionou a teoria da proporcionalidade, o que não significa dizer que a vedou, sendo que a

sua admissão seria no caso exclusivo de defesa do réu, em obediência ao princípio do in dubio

pro reo. Desta forma, resta claro que existe de fato a possibilidade de que seja admitida a

prova ilícita, em último caso, para provar a inocência do acusado.

O entendimento que prevalece é de que não seria razoável a inflexibilidade no tocante ao

desprezo de qualquer prova ilícita. Sabe-se que em vários casos, o interesse posto em

discussão é bem mais importante do que a título de exemplo a intimidade a ser preservada.

Utilizando a razoabilidade, o magistrado poderá admitir uma prova ilícita para que seja

evitado um grave equivoco como uma condenação injusta ou a impunidade.

Acerca do conflito de princípios e garantias constitucionais entende Fernando Capez: “...

não existe propriamente conflito entre princípios e garantias constitucionais, já que estes

devem harmonizar-se de modo que, em caso de aparente contraste, o mais importante

prevaleça.” (CAPEZ, 2015, p. 374).

Sobre os riscos trazidos pela mencionada teoria, Ada Pellegrini Grinover (2009, p. 127)

dispõe que:

[...] embora reconhecendo que o subjetivismo ínsito no princípio da

proporcionalidade pode acarretar sérios riscos, alguns autores têm admitido

que sua utilização poderia transformar-se no instrumento necessário para a

salvaguarda e manutenção de valores conflitantes, desde que aplicado única

e exclusivamente em situações tão extraordinárias que levariam a resultados

desproporcionais, inusitados e repugnantes se inadmitida a prova

ilicitamente colhida.

Há de se ressaltar que o princípio da proporcionalidade teve como principal motivo inibir

a atividade em excesso do Estado contra as pessoas que o compõe, fazendo com que haja

equilíbrio entre o Estado e os indivíduos no tocante aos interesse em questão.

Desta forma, a teoria da proporcionalidade sob o aspecto de vista constitucional é cabível

tendo em vista a valoração de princípios colocados em destaque.

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6.4.1. Teoria da Proporcionalidade pro reo

A corrente que discute a admissibilidade da prova ilícita pro reo, tem sido perfeitamente

aceita pela doutrina e pelos tribunais superiores, que até já consolidaram jurisprudências

relacionadas ao assunto. A base das mencionadas jurisprudências sustenta a existência de

estado de necessidade no momento da obtenção de tal prova, se baseando no princípio do

favor rei e in dubio pro reo bem como ao direito de defesa.

No caso de um réu, acusado injustamente, que tenha como única forma de prova uma

interceptação ilegal como meio para provar a sua inocência, esta teoria seria perfeitamente

aplicável tendo em vista o conflito de princípios e a soberania de um destes princípios em

relação ao outro.

Desta forma, quando a evidência, de algum modo seja ilícita e ainda assim seja colhida

pelo réu/acusado, o entendimento é que a ilicitude foi eliminada por situações excludentes,

como o estado de necessidade ou legitima defesa.

Ainda sobre tal teoria, Paulo Rangel tem o seguinte entendimento: “A liberdade de

locomoção tem um peso maior diante do sigilo das comunicações telefônicas e, portanto, é

razoável que se possa quebra-lo com o escopo de resguardar a liberdade de locomoção do

réu.” (RANGEL, 2015, p. 486)

Sobre a admissibilidade do princípio da proporcionalidade em favor do réu, esta tem como

base o fato do princípio da vedação das provas obtidas por meios ilícitos não ser usado como

sustentáculo para se perpetrar injustas condenações, pois entre aceitar uma prova ilícita, como

único meio de se provar a inocência, e ter uma pessoa condenada injustamente, a primeira

alternativa é a mais adequada no Direito Brasileiro.

6.4.2. Teoria da Proporcionalidade pro societate

Sabe-se que a tendência no ordenamento jurídico brasileiro é a da não aceitação da

mencionada teoria, pois no tocante a uma eventual admissibilidade de uma prova ilícita no

processo penal, deve se obedecer o princípio do favor rei, ou seja, somente em favor do

acusado.

Na referida teoria, também existem correntes que defendem a admissibilidade das provas

ilícitas pro societate no tocante a supremacia do interesse público, porém a jurisprudência dos

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Tribunais Superiores entende pela sua não admissibilidade, apenas com uma decisão isolada

da 6ª Turma do STJ que entende que deve ser aceita a teoria pro reo e pro societate.

Segundo a jurisprudência, a não admissão de meios que possam de alguma forma

flexibilizar as garantias previstas na constituição tem como finalidade preservar os direitos

individuais pertencentes ao devido processo legal, de forma que o Estado se mantenha dentro

da lei.

Destaca Fernando Capez (2015, p.375):

No que tange ao principio da proporcionalidade pro societate, consistente na

admissibilidade das provas ilícitas, quando demonstrada a prevalência do interesse público na persecução penal, a tendência atual da jurisprudência

dos Tribunais Superiores é a da sua não adoção. De acordo com esse

entendimento, a não admissão de mecanismos de flexibilização das garantias

constitucionais tem o objetivo de preservar o núcleo irredutível de direitos

individuais inerentes ao devido processo legal, mantendo a atuação do poder

público dentro dos limites legais. As medidas excepcionais de constrição de

direitos não podem, assim, ser transformadas em práticas comuns de

investigação.

O posicionamento doutrinário que é contra a admissão da teoria da proporcionalidade pro

societate entende que a proteção da sociedade se dá justamente pela preservação do dos

direitos e garantias constitucionais.

Por outro lado, ao verificar as restrições aos direitos fundamentais, entende Alexandre de

Moraes (2002, p. 60) que:

Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias

individuais e coletivos consagrados no art. 5° da Constituição Federal, não

podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de

atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou

diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena

de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.

Portanto, tendo em vista a possibilidade de consideração das provas ilícitas no processo

penal, sob o aspecto constitucional, é de se entender impossível a aceitação de tal modalidade

de prova em favor da sociedade. A presente afirmativa se motiva no fato da prova possuir

uma característica social, garantindo os Direitos fundamentais.

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Considerações Finais

Diante de todo o exposto no presente trabalho, prova é todo elemento que ajuda a

construir a convicção do magistrado no momento em que toma a sua decisão, e diante desta

definição, é de se concluir que em se tratando de prova ilícita, não poderá ser admitida.

Ocorre que, há de se ressaltar que mesmo encontrando restrições, em alguns casos mesmo

que se trate de uma prova ilícita ela poderá ser admitida quando houver conflitos entre

direitos e garantias fundamentais, como por exemplo, o da inadmissibilidade das provas

obtidas por meios ilícitos e o da dignidade da pessoa humana.

As exceções a serem analisadas estão em sua maioria, amparadas pela teoria da

proporcionalidade, devendo sua aplicação ser observada em cada caso concreto

excepcionalmente.

A doutrina pátria é bastante divergente no tocante à admissibilidade das provas ilícitas no

processo penal sendo que alguns doutrinadores entendem que ela deve ser aceita em

obediência á teoria da proporcionalidade pro societate e outros pro reo.

No tocante à admissão das provas ilícitas em favor da sociedade, a mais polêmica das

exceções, respaldada por uma minoria doutrinária, os seus defensores têm como entendimento

o direito à vida, ao patrimônio e a segurança da sociedade.

Já os doutrinadores defensores da admissibilidade da prova ilícita em favor do réu

argumentam que existem princípios como o do devido processo legal e o da presunção de

inocência são muito mais relevantes do que qualquer outro princípio conflitante, podendo a

sua aplicação impedir a condenação de um inocente.

Não obstante a divergência doutrinária, o estudo embasado na teoria da proporcionalidade,

permite que seja verificada que em casos de colisão de princípios, seria admissível a prova

ilícita tanto em favor do réu quanto em favor da sociedade.

De qualquer sorte, resta claro que todos os princípios constitucionais sempre serão

relativos entre si, sendo que havendo conflito devem ser equilibrados no caso concreto com

base na teoria da proporcionalidade, podendo ser admitidas em ambos os casos (réu ou

sociedade), desde que o magistrado decida fundamentadamente.

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