Adolescentes Em Conflito Com a Lei - Guia de Referência Para a Cobertura Jornalística

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Adolescentes Em Conflito Com a Lei - Guia de Referência Para a Cobertura Jornalística.

Citation preview

  • Guia de refernciapara a cobertura

    jornalstica

    Srie Jornalista Amigo da Criana

    Realizao: ANDI Apoio: Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica

    Adolescentes em conflito com a lei

  • Adolescentes em conflito com a leiGuia de referncia para a cobertura jornalstica

    Srie Jornalista Amigo da Criana

    Realizao: ANDI Apoio: Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica

  • EXPEDIENTE

    Copyright2012 ANDI Comunicao e Direitos e Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica

    Dilma RousseffPresidenta da Repblica Federativa do Brasil

    Michel TemerVice-presidente da Repblica Federativa do Brasil

    Maria do Rosrio NunesMinistra de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica

    Patrcia BarcelosSecretria-Executiva da Secretaria de Direitos Hu-manos da Presidncia da Repblica

    Thelma OliveiraCoordenadora do Sistema Nacional de Atendi-mento Socioeducativo (Sinase)

    Carmen Silveira de OliveiraSecretria Nacional de Promoo dos Direitos da Criana e do Adolescente

    Secretaria Nacional de Promoo dos Direitos da Criana e do AdolescenteSCS B, Qd. 9, Lt. C, Ed. Parque Cidade Corporate Torre A, sala 805-A70.308-200 Braslia DFTelefone: (61) [email protected]

    ANDI Comunicao e Direitos

    Presidenta do Conselho DiretorCenise Monte Vicente

    Secretrio Executivo Veet Vivarta

    Gerente de Articulao Institucional Miriam Pragita

    Gerente do Ncleo de QualificaoSuzana Varjo

    SDS Ed. Boulevard Center Bloco A Sala 10170391-900 Braslia DFTelefone: (61) [email protected]

    Esta publicao resultado de convnio entre a Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica e a ANDI Comunicao e Direitos.

    A reproduo do todo ou parte deste documento permitida somente para fins no lucrativos e com a autorizao prvia e formal da ANDI e da SDH/PR.

    Ttulo original: Adolescentes em conflito com a lei Guia de referncia para a cobertura jornalstica;

    Contedo disponvel tambm nos sites da SDH/PR (www.direitoshumanos.gov.br) e da

    ANDI (www.andi.org.br).

  • Sumrio

    04 Apresentao05 Conhecendo o assunto18 Marcos legais e processo judicial37 O atendimento socioeducativo55 O papel da imprensa69 Construindo uma cobertura de qualidade80 Assessorias de imprensa: papel estratgico96 Guia de fontes

  • ApresentaoEste guia integra uma srie de publicaes edi-tadas pela ANDI Comunicao e Direitos ao longo da ltima dcada, com o objetivo de con-tribuir para o aprimoramento da cobertura jor-nalstica sobre assuntos relacionados ao univer-so das crianas e dos adolescentes brasileiros.

    Diferentemente da tendncia geral do notici-rio sobre a maioria dessas temticas, que vem re-gistrando significativos avanos, as narrativas de imprensa sobre os adolescentes em conflito com a lei encontram-se nos mais baixos patamares qua-litativos, como atestam diversas anlises de cober-tura realizadas pela ANDI.

    Excessivamente factual, descontextualizado e pleno de lacunas, mitos e esteretipos alm de centrar-se nas violncias contra a pessoa, em pre-juzo da discusso sobre as polticas pblicas rela-cionadas , o noticirio produzido no Pas acaba por construir representaes distorcidas do segmento em questo, pouco contribuindo para o enfrenta-mento da problemtica a ele associada.

    Por esses motivos, a ANDI, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presi-dncia da Repblica, construiu uma srie de es-

    tratgias voltadas para o fortalecimento do debate pblico sobre o tema, entre as quais destacam-se um seminrio, uma anlise de mdia e a presente publicao. Em sntese, esto aqui contemplados:

    Uma viso geral sobre a problemtica, com um apanhado dos principais avanos e desafios no mbito dos trs poderes (Executivo, Legislativo e Judicirio) e das trs esferas da administra-o pblica (municipal, estadual e federal);

    Um apanhado das principais estratgias, me-canismos e ferramentas construdos para en-frentar o fenmeno, tanto no mbito norma-tivo (marcos legais) quanto no administrativo (sistema de atendimento);

    Um panorama geral da cobertura jornalstica sobre o tema, apontando desafios, potenciali-dades e recursos para a melhoria desse tipo de noticirio;

    Uma relao dos principais atores pblicos, fontes de financiamento e experincias estru-turantes, desenvolvidas em diferentes unida-des da federao.

    Tenham todos uma boa leitura!

    Veet Vivarta Secretrio ExecutivoANDI Comunicao e Direitos

    Maria do Rosrio Nunes Ministra de Estado ChefeSecretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica

  • 5Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    Uma breve introduoSo considerados adolescentes em conflito com a lei pessoas na faixa etria de 12 a 17 anos de idade que cometeram atos infracionais de pequenos furtos a delitos graves, como homicdios. Totalizam 58.764 indivduos, nmero correspondente aos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas no Brasil, segundo recente levantamento da Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica1.

    um segmento frequentemente associado prtica de crimes hediondos, mas as estatsticas contrariam o senso comum, de-monstrando a prevalncia de aes contra o patrimnio (62,8%), sendo o roubo (34,7%) e o furto (22%) as modalidades mais re-correntes2. Os crimes contra a pessoa e os costumes representam 13,6% dos atos que geraram aplicao de medida socioeducativa, sendo que os homicdios respondem por 4,1%.

    1 SDH, 2011. 2 ILANUD, 2007.

    Conhecendo o assunto

  • 6 adolescentes em conflito com a lei

    importante observar, ainda, que o nme-ro de assassinatos atribudos a esse segmento da populao foi levantado no momento da apreenso dos adolescentes. Antes, portan-to, da aplicao da medida socioeducativa o que significa dizer antes de as denncias te-rem sido efetivamente apuradas e os acusados serem sentenciados. Observando-se infor-maes colhidas aps esta fase, a proporo diminui significativamente.

    Este tipo de dado, associado a outros, ajuda a compreender um fenmeno complexo, que tem entre os seus vetores a desigualdade so-cioeconmica e tnico-cultural3.

    INDCIOS O relatrio Situao da Adolescn-cia Brasileira, do Fundo das Naes Unidas para a Infncia (Unicef)4 de 2011, articula indicadores sociais que evidenciam a situa-o de vulnerabilidade a que est submetida parcela significativa dos adolescentes bra-sileiros. E atesta que essas vulnerabilidades no afetam da mesma forma seus 21 milhes de indivduos, sendo agravadas por diferen-tes desigualdades:

    3 O termo cultural, aqui, usado no sentido sociolgico, de modo de vida.4 UNICEF, 2011.

    [...] nascer branco, negro ou ind-gena, viver no Semirido, na Ama-znia ou em comunidades populares de grandes centros urbanos, ser menino ou menina, ter ou no de-ficincia so fatores que ainda de-terminam as oportunidades na vida desses adolescentes.

    Entre os indicadores relacionados no estu-do, est a situao de extrema pobreza em que vivem milhes de garotas e garotos com ida-des entre 12 e 17 anos: 17,6% dos adolescentes brasileiros, pela metodologia usada pelo Uni-cef, ou 7,6% deles, de acordo com os parme-tros recentemente estabelecidos pelo governo federal, no Plano Brasil sem Misria (ver nota sobre o assunto na prxima pgina ).5

    Vinculado informao de que os adoles-centes em conflito com a lei somam menos de 4% dos jovens brasileiros nesta faixa etria, o indicador evidencia a impropriedade de se estabelecer uma relao direta entre pobreza e criminalidades. Mas sinaliza para o fato de que esta condio leva a outras vulnerabili-dades, que incluem a ultrapassagem da linha que leva insero de garotos e garotas no Sistema de Justia Juvenil.

    5 MDS, 2012.

  • 7Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    Em outras palavras, informaes colhidas em diferen-tes setores e esferas de poder indicam que nem todos os que vivem em condies socioeconmicas adversas so impelidos a cometer infraes, mas a maioria dos que as cometeram esto vinculados a baixos ndices de desen-volvimento humano, o que aponta para uma sucesso de falhas institucionais que os expem a violncias e crimi-nalidades seja como vtimas, seja como autores.

    ENGRENAGENS A baixa escolaridade parte da engre-nagem que gera pobreza e limita o desenvolvimento da pessoa. O acmulo de repetncias e o abandono escolar fazem com que a escolaridade mdia dos brasileiros de 15 a 17 anos seja de 7,3 anos de estudos. Isso quer dizer que os indivduos nessa faixa etria sequer completa-ram o nvel fundamental de ensino, que abarca nove anos de dedicao6.

    Outro indicador da extensa cadeia de falhas e vulnera-bilidades qual est atrelada grande parte dos adolescen-tes brasileiros a explorao do trabalho infanto-juvenil. Ainda que a legislao do Pas proba o trabalho formal at os 16 anos, exceto como aprendiz, e a partir dos 14 anos, o trabalho de crianas e adolescentes, associado ou no aos estudos, uma realidade no Brasil.

    Realidade, alis, construda e que constri condies socioeconmicas desfavorveis. Isso porque grande parte dos adolescentes que trocam a escola por atividades re-6 MEC/Inep, 2009.

    Parmetros diferentes

    A discrepncia entre os dados do

    Unicef e do governo federal sobre

    extrema pobreza deve-se ao uso de

    diferentes parmetros de classifi-

    cao. O organismo internacional

    considera nesta condio as pesso-

    as que sobrevivem com do salrio

    mnimo por ms. J pelo ndice ofi-

    cial, os extremamente pobres so os

    que dispem de menos de R$ 70,00

    no mesmo perodo. Em ambos os

    casos, a situao de vulnerabilidade

    socioeconmica de parte significa-

    tiva dos adolescentes brasileiros

    evidente.

  • 8 adolescentes em conflito com a lei

    muneradas, geralmente informais, o faz para contribuir para a renda familiar uma deci-so que leva baixa escolaridade, a qual, por sua vez, limita a ascenso do indivduo, que acaba por reproduzir o ciclo de misria no qual estiveram inseridos seus pais.

    Alm da baixa escolaridade e da explorao do trabalho, o relatrio Situao da Adolescn-cia Brasileira aponta diversas outras falhas e vulnerabilidades, como a privao da convi-vncia familiar e comunitria, os homicdios e a explorao e o abuso sexual a que so ex-postos cotidianamente garotos e garotas em condies desfavorveis em termos socioe-conmicos e tnico-culturais.

    SEM SONHOS Apesar de raros, h levanta-mentos sobre o perfil do adolescente envol-vido em atos infracionais, como o realizado pelo Ministrio Pblico do Distrito Federal, a partir de extratos de auscultas informais e plantes de atendimento7. No estudo, 18,2% desse pblico revelaram no frequentar es-cola e 90,5% disseram ter sofrido reprova-o escolar. E, um dado chocante e revelador: 29% afirmaram no ter sonhos, ou, em ou-tras palavras, projetos de vida.7 MPDF, 2011.

    Assim, a partir da anlise e articulao de dados objetivados, possvel recompor e dar visibilidade ao caminho da negligncia, do abandono, da ausncia de oportunidades, da desesperana, enfim, das violncias sim-blicas alm das fsicas que permeiam o universo da maioria dos garotos e garotas colhidos pelas malhas do Sistema de Justia Juvenil do Brasil.

    So estatsticas que denunciam falhas gra-ves nos sistemas encarregados de promover o desenvolvimento e o bem-estar dos ado-lescentes. E a sistemtica violao dos seus direitos demonstra que a prioridade absoluta com que famlia, poderes pblicos e socieda-de deveriam agir para garanti-los, por impo-sio da Constituio Federal e do Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), ainda um ideal a ser alcanado.

    DESAFIOS Na busca deste ideal, uma das questes que devem nortear o debate p-blico como trabalhar pela promoo in-tegral dos direitos de todos os brasileiros em formao, independentemente de sua condio socioeconmica e tnico-cultural, sem perder a perspectiva daqueles que, no tendo sido suficientemente protegidos, su-

  • 9Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    A desigualdade construda a partir dos parmetros de raa e etnia faz dos adolescentes negros e ind-genas os que mais sofrem os impactos das vulnera-bilidades de pobreza extrema, de baixa escolarida-de e de violncias sexual e letal. Se comparados

    mdia nacional, os adolescentes indgenas so trs vezes mais vulnerveis ao analfabetismo que o to-tal do grupo de meninos e meninas. E os ndices de homicdios de adolescentes negros so duas vezes maiores que os dos adolescentes brancos.

    Os mais vulnerveis

    Comparao dos ndices de analfabetismo, extrema pobeza e incidncia de homicdios, por raa/etnia

    % Anafalbetos* % Extrema pobreza Homicdios**

    Mdia nacional 1,8 17,6 43,2

    Brancos 1,2 10,3 22

    Negros 2,0 22 54

    Indgenas 6,5 38,8 30,4

    Fonte: PNAD 2009 e MS/SVS/DASIS*Dados da Pnad de 2000**Na faixa etria de 15 a 19 anos em cada grupo de 100 mil habitantes entre 15 e 19 anos

  • 10 adolescentes em conflito com a lei

    cumbiram a vulnerabilidades e cometeram atos infracionais.

    Para isso, imperioso ultrapassar as barreiras dos mitos, das mentiras e dos esteretipos, norteando-se por horizontes tcnicos e ticos para estruturar narrativas sempre estruturantes de realidades e executar as aes que afetam esse segmen-to. E entre as problemticas que merecem ateno acurada (e sero abordadas neste Guia) esto o encarceramento dos adoles-centes em conflito com a lei e a reduo da maioridade penal.

    Como ser exposto nesta publicao, o sistema que deveria ressocializar esse gru-pamento est longe de ser o ideal, o que se pode perceber, dentre outros rastros, pelos altos ndices de reincidncia regis-trados nas unidades de internao como os 30% verificados em So Paulo8. Significa dizer que, no mbito do Poder Executivo, sequer a ltima rede da teia protetiva do Estado est conseguindo cumprir a conten-to o seu papel.

    AVANOS no mbito normativo que se observam os avanos mais significativos no 8 PASSAMANI, 2006.

    enfrentamento do fenmeno. Com a mu-dana de paradigma sobre o atendimento, o adolescente que inflige a lei, ao invs de ser privado de direitos e punido como adulto, submetido a medidas socioeducativas, que tm por objetivo ressignificar as atitudes que o levaram quela prtica e promover sua reinsero social.

    Essa transformao no atendimento destinado a crianas e adolescentes envol-vidos em prtica infracional se deu com a formulao da Doutrina da Proteo Inte-gral, no mbito da Organizao das Naes Unidas (ONU), por ocasio das discusses para adoo da Conveno sobre os Direi-tos da Criana. O documento foi oficializa-do como lei internacional e ratificado pelo Brasil em 1990.

    Em plena sintonia com a Conveno e trazendo claros benefcios para a populao brasileira , tambm em 1990 foi institu-do o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), que afirma o valor destes dois seg-mentos populacionais como seres humanos plenos de direitos; a necessidade de ateno especial sua condio de pessoa em desen-volvimento; e o reconhecimento de sua situ-ao de vulnerabilidade.

  • 11Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    SINASE Outro grande avano na esfera nor-mativa foi a recente promulgao da lei 12.594, instituindo o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Estru-turado no mbito do Executivo, a partir de re-soluo do Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente (Conanda), o Sinase regula o processo de apurao de ato infra-cional e execuo de medidas destinadas aos adolescentes em conflito com a lei (ver tpico especfico sobre o assunto no captulo 2).

    Em outras palavras, a legislao brasilei-ra absorveu o entendimento mundial de que o adolescente, independentemente de sua eventual condio de autor de ato infracional, merecedor de proteo integral por parte da famlia, da sociedade e do Estado, e que estes setores devem priorizar polticas pblicas e sociais que os protejam e promovam seus di-reitos. Portanto, mudar a lei com base no sen-so comum e no clamor pblico pode significar grandes retrocessos.

    IMPRENSA Os jornalistas tm papel relevan-te no trabalho de esclarecimento sobre esta grave questo. Ainda excessivamente factual, descontextualizada, plena de lacunas e cen-trada no ato infracional, como veremos em

    captulo especfico, a cobertura sobre adoles-centes em conflito com a lei tambm precisa ser repensada, com vistas ao efetivo enfren-tamento do fenmeno.

    a partir de tal perspectiva que, neste e nos prximos captulos, sero oferecidos ele-mentos que visam favorecer a compreenso sobre as diferentes facetas da problemtica dos adolescentes em conflito com a lei. Co-nhecer melhor estes garotos e garotas e o ca-minho percorrido por especialistas de todo o mundo para esboar os atuais parmetros da legislao e dos sistemas de atendimento um bom comeo.

    Quem so A maior parte das pesquisas que buscam tra-ar o perfil dos adolescentes em conflito com a lei baseada nos indivduos que cumprem medidas socioeducativas em unidades de in-ternao. Significa dizer que a representao de um universo amplo de atores suas expe-rincias, motivaes e atos construda a partir de um grupo especfico, ou seja, de uma minoria que cometeu delitos graves contra a pessoa, como homicdios.

    O Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA) estabelece a adoo de outras cinco

  • 12 adolescentes em conflito com a lei

    medidas, que devem ser aplicadas de acordo com a gravidade da infrao praticada:

    Advertncia; Obrigao de reparar o dano; Prestao de servios comunidade; Liberdade assistida; Semiliberdade.

    Em todos os casos, leva-se em conta a capa-cidade do adolescente em cumprir as medidas, as circunstncias e a gravidade da infrao.

    RISCOS A gradao desse sistema de res-ponsabilizao sinaliza para a necessidade de observncia dos perfis dos adolescentes e da gravidade do ato infracional cometido, quan-do da adoo de providncias ressocializantes e sancionatrias. Chama a ateno, tambm, para os riscos inerentes defesa e constru-o de solues extremas para este grupa-mento, tendo como elementos norteadores parmetros baseados no comportamento de apenas uma parcela desses jovens.

    A temtica da maioridade penal, por exem-plo, ganha fora quando da ocorrncia de um homicdio de grande repercusso, como o que vitimou o garoto Joo Hlio9. E a maioria dos 9 Joo Hlio Fernandes, de seis anos, foi vitimado durante

    argumentos em defesa de sua reduo base-ada neste universo recortado (ou seja, o dos adolescentes que cometem crimes graves con-tra a pessoa), sem levar em conta a diversidade do segmento que seria atingido pela medida.

    Mais: como ser exposto no captulo que trata especificamente do sistema de atendi-mento socioeducativo, h evidente descum-primento dessa progressividade na aplicao de medidas socioeducativas nas diferentes unidades da Federao, muitas vezes sub-metendo garotos e garotas a tratamento mais severo do que demandaria o ato praticado alm de forar a convivncia cotidiana de in-divduos com graus diversos de delinquncia e criminalidade.

    Associada s lacunas flagradas no proces-so de acompanhamento e orientao desses adolescentes desprovidos de efetivas opor-tunidades de lazer, estudo e profissionali-zao , tal convivncia aponta para efeito inverso ao desejado pelo sistema, tornando eventuais infratores vulnerveis incidncia em prticas delituosas mais graves. Esse con-

    um assalto ao carro em que estava com a me, no Rio de Janeiro, em 2007. Retirada do veculo, ela no conseguiu soltar o cinto de segurana do garoto, que acabou sendo arrastado pelo lado de fora do automvel.Do grupo que cometeu o assalto participava um adolescente de 16 anos.

  • 13Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    texto claramente sinaliza para uma prioridade no debate e na ao pblica: o esforo para fa-zer valer a legislao que trata do atendimento aos adolescentes em conflito com a lei.

    CONTEXTO GERAL Nmeros oficiais ajudam a compreender outra perspectiva do fenmeno brasileiro, ao relativizar a participao dos adolescentes no quadro geral de violncias e criminalidades no Pas. De acordo com le-vantamentos de rgos do Ministrio da Jus-tia, os adolescentes sob restrio e privao de liberdade em 2010 representavam 3,6% do total de adultos presos no mesmo perodo: foram cerca de 18 mil adolescentes em restri-o e privao de liberdade10 e aproximada-mente 500 mil adultos presos (ver quadro)11.

    um dado que corrobora com informaes sobre o quadro internacional. Segundo estudo das Naes Unidas (Crime Trends, ou Tendn-cias do Crime, em traduo livre), a mdia mundial de participao de jovens na crimi-nalidade de 11,6%12. Ou seja, a contribuio dos adolescentes na criminalidade no Brasil est abaixo da mdia mundial e corresponde,

    10 SDH, 2011.11 CNJ, 2011. 12 KAHN, S/D.

    h dcadas, a menos de 10% do total de crimes.Resumindo, a anlise dos dados disponveis

    desautoriza a adoo de medidas com o pro-psito de barrar exploses ou aumento da criminalidade relacionada a adolescentes. No entanto, este o principal argumento usado nos pedidos de reduo da maioridade penal e de extenso do tempo das medidas socioe-ducativas o que aponta, mais uma vez, para a necessidade de ampliao e aprofundamento do debate sobre o tema (leia mais sobre o assun-to no captulo 2).

    Onde estoA regio Sudeste a que concentra maior n-mero de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas, seguidas das regies Sul, Nordeste, Centro-Oeste e Norte. importan-te destacar, no entanto, que apenas o estado de So Paulo possui 15.803 adolescentes em tal condio, representando 26,9% do total deste pblico no Pas.

    Levantamento de 2007 do Ilanud13 indicou que a liberdade assistida a medida socioe-ducativa mais aplicada nas diferentes unida-des da Federao (41,8%), seguida de presta-o de servios comunidade (PSC, 24,5%), 13 ILANUD, 2007.

  • 14 adolescentes em conflito com a lei

    internao (15,5%), semiliberdade (10%), cumulao de PSC com liberdade assistida (7,4%) e reparao de danos (0,5%).

    Esta mesma pesquisa verificou que h con-sidervel prevalncia de cumprimento de me-didas em meio aberto nas varas de interior em relao s das capitais: 88%, contra 62,6%. Um dos motivos da discrepncia aponta a pesquisa seria a concentrao dos estabele-cimentos de internao nas capitais. A maior diferena est na aplicao da medida de prestao de servios comunidade, que re-presenta 41,5% das medidas em cumprimen-to no interior e apenas 11,3% nas capitais.

    Rumo proteo integralA forma como a sociedade enfrenta a ques-to da infncia e da adolescncia envolvidas em atos infracionais alterou-se ao longo do tempo, transitando de uma postura de abso-luta represso para o sistema protetivo que se tem hoje. Jurista argentino e uma das maiores referncias em direitos da criana e do ado-lescente, Emilio Garcia Mendez14 identifica trs fases principais pelas quais passaram as normas relativas a esse grupamento:

    14 Emilio Garcia Mendez, atual presidente da Fundacin Sur Argentina - [email protected]

    Adolescentes em cumprimento de medidAs socioeducAtivAs por regime e por regio1*

    Regio Privao de liberdade (MSE)Privao de

    liberdade (outros) Meio aberto Total %

    Norte 974 11 1.691 2.676 4,55Nordeste 3.804 22 6.294 10.120 17,22Centro-oeste 1.401 21 7.171 8.593 14,63Sudeste 9.147 318 14.840 24.305 41,36Sul 2.377 32 10.661 13.070 22,24Total 17.703 404 40.657 58.764 100

    * Privao de liberdade (MSE) equivale a internao, internao provisria e semiliberdade. Outros so, por exemplo, apreenso em delegacia e espera de oitiva, internao em unidade emergencial de Sade, etc.

  • 15Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    Dentre as especificidades que precisam ser ob-servadas no enfrentamento da problemtica dos adolescentes em conflito com a lei est a questo de gnero. Segundo o levantamento da Secretaria de Direitos Humanos, dos 58.764 adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, 18.107 (31%) esto em regime de privao de liberdade e 40.657 (60%) esto em meio aberto.

    E a representao feminina dos que se encontram em meio fechado muito pequena: so 5% de mulheres, contra 95% de homens.

    Nas medidas em meio aberto esta proporo aumenta um pouco: 6% de mulheres.

    Um detalhe chama a ateno no universo feminino. As garotas so minoria absoluta, dentro do quadro geral de autores de atos in-fracionais, e, como os garotos, cometem mais crimes contra o patrimnio. Entretanto, o per-centual de crimes contra a pessoa e os costu-mes maior neste segmento (24,7%) do que no grupamento masculino (12,6%), conforme evidencia o grfico.

    Sexo masculino maioria

    24,7%

    46,4%

    16,3%

    12,6%

    12,6%

    64,2%

    12,9%

    10,3%

    Crimes contra a pessoa/costumes

    Crimes contra o patrimnio

    Crimes/delitos relacionados ao

    Outros crimes/delitos/contravenes

    MasculinoFeminino

    Fonte: ILANUD, 2007

    Ato infracional cometido pelo adolescente, por gnero

  • 16 adolescentes em conflito com a lei

    Fase 1. Tratamento penal indiferenciado Vigente especialmente no sculo XIX, no fazia distino entre crianas, adolescentes e adultos. Todos eram punidos, indepen-dentemente da idade, sendo que para crian-as e adolescentes, s vezes havia uma re-duo do tempo da pena. No entanto, todos cumpriam o castigo imposto em um mesmo local. A indignao com o encarceramento conjunto deu espao para o surgimento da segunda fase.

    Fase 2. Tutelar Neste perodo, compreendido entre o fim dos sculos XIX e XX, a populao com menos de 18 anos era tratada de acordo com a Doutri-na da Situao Irregular, segundo a qual os jovens em risco (expostos, abandonados ou delinquentes) deveriam ser tutelados pelo Estado leia-se, recolhidos e encarcerados. E os juzes de menores, como eram chama-dos, agiam de ofcio, isto , sem a necessidade de provocao externa.

    Crianas e adolescentes pobres e abandona-dos poderiam ser presos sem que praticassem qualquer conduta identificada como delituo-sa ou criminosa, e aqueles envolvidos em tais prticas no tinham que passar por um proce-

    dimento acusatrio e um julgamento. Essa es-trutura acabou por criar um sistema de controle sociopenal das populaes vulnerabilizadas15.

    CDIGOS importante destacar que o direito tutelar no Brasil foi inaugurado pelo Cdigo Mello Matos (Decreto 17.943-A), em 1927, que previa internao em estabelecimentos oficiais para os menores entre 14 e 18 anos e outros tipos de interveno para os meno-res de 14 anos.

    Em 1964, a Lei 4.513 instituiu a Poltica Nacional do Bem Estar do Menor, prevendo a criao das Funabem (Fundao Nacional do Bem Estar do Menor) e das Febem (Fundao Estadual do Bem Estar do Menor), respons-veis pelo encarceramento dos menores em situao irregular.

    O Cdigo Mello Matos foi revogado pela Lei 6.697/79, chamada de Cdigo de Meno-res. O novo documento, entretanto, acabou mantendo a mesma linha de interveno do anterior, normatizando a categoria menor em situao irregular16 e ampliando os po-deres dos juzes e da polcia no exerccio do controle sociopenal. 15 MENDEZ, 1998.16 RIZZINI, 1997

  • 17Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    O tratamento tutelar e a Doutrina da Situa-o Irregular s foram extintos com a Consti-tuio Federal de 1988 e o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), aprovado em 1990. Esses documentos inauguraram a fase da pro-teo integral e da responsabilizao penal dos adolescentes.

    Fase 3. Doutrina da Proteo Integral Sob influncia dos preceitos da Conveno sobre os Direitos da Criana, nesta atual fase h uma diferenciao significativa no atendimento aos adolescentes em situao de abandono e aqueles que cometeram delitos, representando uma real ruptura em relao aos modelos anteriores.

    A Doutrina da Proteo Integral estabe-lece que crianas e adolescentes so sujeitos plenos de direitos, e no mais objetos de in-terveno por parte do Estado. Alm disso, firma sua condio peculiar de pessoa em desenvolvimento, que demanda, portanto,

    proteo especial. famlia, ao Estado e sociedade em geral cabe a corresponsabi-lidade pela proteo e respeito aos direitos destes grupamentos.

    Com o advento da adoo da Doutrina da Proteo Integral, houve tambm uma mu-dana de foco relevante: a responsabilidade sobre a situao de irregularidade, que re-caa sobre a criana e o adolescente, passou a ser dos atores encarregados de zelar pelo respeito aos direitos deste pblico.

    Para Emlio Garcia Mendez, a Doutrina da Proteo Integral trouxe trs elementos novos para o enfrentamento da problem-tica: a separao do tratamento destinado a crianas e adolescentes que praticaram de-litos daquele destinado aos que se encon-tram em situao de excluso e carncia; a participao ativa das crianas e adolescen-tes nas decises e aes que afetam suas vi-das; e a responsabilidade penal por cometi-mento de crimes.

  • 18 adolescentes em conflito com a lei

    Um marco legal resultado de um consenso entre os vrios ato-res polticos envolvidos no debate sobre determinada questo. Seu estabelecimento compromete o Estado e a sociedade, que se veem obrigados a observar princpios acordados em seus instrumentos, levando-os em considerao quando da implementao de polti-cas pblicas. tambm um mecanismo que fundamenta as cobran-as dos cidados e das organizaes da sociedade civil.

    A partir da Declarao Universal dos Direitos Humanos, ado-tada no ano de 1948, a comunidade internacional, por intermdio da Organizao das Naes Unidas (ONU), vem construindo uma srie de instrumentos normativos, nos quais so registrados meca-nismos de controle e cooperao, visando assegurar a no-violao dos direitos fundamentais do ser humano.

    Nesse esforo de estruturao de marcos legais que guiem a con-cretizao dos direitos universais, verificou-se a necessidade de me-didas dirigidas queles segmentos mais vulnerveis s violaes. Para

    Marcos legais e processo judicial

  • 19Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    atender a tais demandas especficas, criou-se um sistema especial de proteo, que destaca alguns grupamentos, como negros, mulheres, crianas, adolescentes, idosos e pessoas com deficincias, e se materializa nos diversos do-cumentos firmados pelas Naes Unidas.

    Duas dessas ferramentas so os pactos in-ternacionais de Direitos Civis e Polticos1 e de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais2, adotados pela Assembleia Geral das Naes Unidas em 1966. No artigo 10 deste ltimo, por exemplo, acordado que medidas espe-ciais de proteo e de assistncia devem ser tomadas em benefcio de todas as crianas e adolescentes, sem discriminao alguma de-rivada de razes de paternidade ou outras.

    J no pacto sobre os Direitos Civis e Pol-ticos (artigo 10), h referncia explcita aos adolescentes em conflito com a lei, sendo fir-madas as bases do tratamento destinado aos acusados e sentenciados:

    Jovens sob deteno sero separados dos adultos e o seu caso ser decidido o mais rapidamente possvel [...]. O regi-me penitencirio comportar tratamen-to dos reclusos, cujo fim essencial a sua emenda e a sua recuperao social. De-

    1 ONU, 1966. 2 Idem.

    linquentes jovens sero separados dos adultos e submetidos a um regime apro-priado sua idade e ao seu estatuto legal.

    Mas o instrumento-base do corpo normati-vo construdo pela comunidade internacional para proteger esse pblico a Conveno In-ternacional sobre os Direitos da Criana3. Ado-tada pela Assembleia Geral da ONU em 1989 e ratificada pelo Brasil em 1990, dispe sobre a Doutrina da Proteo Integral, demandando a observncia dos princpios da excepcionalidade e brevidade da privao de liberdade de adoles-centes e a instituio da justia juvenil.

    Em relao, especificamente, aos garotos e garotas autores de ato infracional, h outros documentos que servem de referncia para o atendimento e a aplicao da justia. Nas Re-gras Mnimas das Naes Unidas para Admi-nistrao da Justia da Infncia e da Juventu-de4, por exemplo, so detalhadas as diretrizes para a instalao de justias especializadas e as garantias mnimas que devem ser conferidas ao adolescente acusado de prtica infracional.

    Diretrizes das Naes Unidas para a Pre-veno da Delinquncia Juvenil5; e Regras

    3 ONU, 1989.4 ONU, 1985.5 ONU, 1990.

  • 20 adolescentes em conflito com a lei

    Mnimas das Naes Unidas para a Proteo dos Jovens Privados de Liberdade (Regras de Beijing)6 so outros instrumentos legais estruturados pela comunidade internacional para balizar o atendimento ao pblico adoles-cente envolvido com prticas infracionais, e cujos contedos permeiam a legislao brasi-leira relativa problemtica.

    BRASIL No ordenamento jurdico brasileiro, a Constituio Federal7 o documento nor-mativo mais importante. Ali esto os princ-pios bsicos que norteiam a elaborao de ou-tros instrumentos legais do Pas. E na Carta Magna, o tema adolescentes em conflito com a lei aparece em dois artigos (227 e 228), es-tabelecendo, dentre outros:

    O direito prioridade absoluta (art. 227, caput);

    O direito proteo especial, que com-preende o direito ao devido processo legal, se acusado de prtica infracional (art. 227, 3 , IV);

    O direito de ter respeitada a sua con-dio peculiar de pessoa em desen-volvimento e de que as medidas pri-

    6 ONU, 1990.7 BRASIL, 1988.

    vativas de liberdade sejam breves e excepcionais (art. 227, 3 , V);

    O direito de ser tratado por legislao especial se cometer uma infrao com menos de 18 anos (art. 228).

    A legislao especial qual a Constituio se refere o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), como conhecida a lei federal 8.069. Promulgada em 1990, complementa o disposto na Carta Magna sobre a proteo e o tratamento que deve ser dispensado a garotos e garotas com menos de 18 anos, especificando e regulando os preceitos da Doutrina da Proteo Integral.

    INIMPUTABILIDADE tambm na Constituio que se encontra o critrio de inimputabilida-de penal de crianas e adolescentes. Significa dizer que, de acordo com a lei mxima do Pas, esses segmentos no podem ser submetidos ao sistema de justia comum, cabendo legislao especial (o ECA) a tarefa de definir os critrios de imputabilidade e ordenar o processo de res-ponsabilizao pelos delitos cometidos.

    As infraes no ECAA Lei 8.069/90 se destina proteo integral da criana e do adolescente (art. 1), considerando criana a pessoa com at 12 anos incompletos e

  • 21Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    adolescente a que possui entre 12 e 17 anos. Prev ainda, de forma excepcional, a aplicao da lei aos maiores de idade que se encontram na faixa etria de 18 a 21 anos (art. 2).

    Esta diferenciao entre crianas e adolescentes no existe nos tratados internacionais, nos quais so crian-as todos os indivduos com menos de 18 anos. Mas foi a partir dela que foram estabelecidos os limites do modelo brasileiro de responsabilizao penal, imposta apenas aos adolescentes.

    O ECA trata dos atos infracionais em seu Ttulo III, captulos I a IV, estabelecendo que os adolescentes que cometem atos infracionais podem ser responsabilizados pela Justia da Infncia e da Juventude. Para as crianas que cometem delitos, so aplicadas medidas protetivas.

    No modelo de responsabilizao trazido pelo ECA, dife-rentemente das legislaes anteriores, apenas as condutas classificadas como crime pelo Cdigo Penal (Decreto Lei n. 2.848/40) podero ser consideradas atos infracionais, afastando definitivamente categorias indeterminadas.

    CRITRIOS No texto do Estatuto, so estabelecidas trs pr-condies para a aplicao de qualquer medida socioeducativa:

    Tipicidade (conduta previamente classificada como crime);

    Antijuridicidade, ou seja, que o ato no tenha sido praticado em estado de necessidade, por estrito cumprimento do dever legal ou em legtima defesa;

    Imputabilidade X Inimputabilidade

    Para a doutrina penal moderna,

    imputabilidade a capacidade

    atribuda pessoa de entender a

    ilicitude de determinados atos e agir

    de acordo com esse entendimento.

    No Brasil, os adolescentes so inim-

    putveis no contexto do sistema de

    justia comum, mas so imputveis

    no mbito de uma legislao e

    sistema de justia especializados,

    previstos no Estatuto da Criana e

    do Adolescente.

  • 22 adolescentes em conflito com a lei

    Culpabilidade comprovada do acusado/suspeito de cometer o ato infracional.

    Tais exigncias se relacionam com o novo paradigma de atendimento s crianas e ado-lescentes, na medida em que os consideram su-jeitos plenos de direitos, e no mais objetos de interveno. O reconhecimento de que adoles-centes acusados de prtica infracional tambm

    so sujeitos plenos de direitos implica confe-rir-lhes as garantias do devido processo legal e da ampla defesa previstas constitucionalmente.

    De fato, no artigo 106, o ECA determina que nenhum adolescente ser privado de sua liberdade seno em flagrante de ato infracio-nal ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciria competente.

    O Estatuto da Criana e do Adolescente prope um sistema de responsabilizao especfico para pessoas dos 12 aos 17 anos que, em determina-dos aspectos, mais rigoroso do que o sistema punitivo para adultos, conforme demonstram os exemplos abaixo:

    Quando apreendido em flagrante por fur-to, o adolescente conduzido por policiais militares para delegacia especializada da infncia e juventude e pode ficar internado provisoriamente por 45 dias at que haja de-ciso judicial sobre a autoria. J um adulto poderia responder em liberdade acusao;

    Adolescentes no tm direito reduo de pena por bom comportamento, pres-crio por ao do tempo ou por capa-cidade demonstrada de readaptao ao convvio social, como prev o Cdigo Pe-nal em relao aos adultos;

    Infratores na faixa etria de 12 a 17 anos no gozam do benefcio de no ter um pro-cesso aberto quando as causas so consi-deradas irrelevantes, como acontece com os adultos.

    Fonte: UNICEF, 2011

    O ECA e o mito da defesa da impunidade

  • 23Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    O passo-a-passo do atendimento socioeducativo

    No final deste Guia, so detalhadas,

    passo a passo, as trs principais

    fases da apurao do ato infracional

    no Brasil: a Policial, a de competn-

    cia do Ministrio Pblico e a Judicial.

    A partir dos fluxogramas esboa-

    dos, possvel acompanhar os

    procedimentos que devem ser

    seguidos pelos atores pblicos en-

    carregados de zelar pela aplicao

    das medidas socioeducativas aos

    adolescentes em conflito com a lei.

    Boa leitura!

    E nos artigos 110 e 111, estabelece que ao adolescente acusado de prtica infracional devem ser garantidos:

    A igualdade na relao processual; O respeito s garantias do devido processo legal; A defesa tcnica por um advogado ou defensor; O direito de ser ouvido pela autoridade judiciria; O conhecimento formal e integral das acusaes

    que lhe so dirigidas.

    A autoridade judiciria competente para a apurao do ato infracional praticado por esse pblico a justia espe-cializada e exclusiva da infncia e juventude (art. 145). So seus juzes os responsveis por analisar as representaes (acusaes formais) feitas pelo Ministrio Pblico contra os adolescentes. A partir da, segue-se o processo judicial.

    Tratamento diferenciadoAs medidas socioeducativas tm carter pedaggico e vi-sam reinserir os grupamentos em questo na sociedade e inibir a reincidncia em aes consideradas inadequadas ao convvio social. Sua aplicao leva em considerao as circunstncias e a gravidade da infrao praticada, sendo dividida em seis diferentes modalidades, de acordo com o Estatuto da Criana e do Adolescente:

    ADVERTNCIA (art. 115). Repreenso verbal aplicada pela autoridade judicial, em que deve estar presente um juiz e um membro do Ministrio Pblico.

  • 24 adolescentes em conflito com a lei

    OBRIGAO DE REPARAR O DANO (art. 116). Quando o ato in-fracional resulta em danos patrimoniais, o juiz pode deter-minar que o adolescente repare ou restitua o bem, ou ainda compense o prejuzo financeiro causado vtima.

    PRESTAO DE SERVIOS COMUNIDADE (art. 117). O ado-lescente cumpre tarefas gratuitas de interesse geral em entidades assistenciais, hospitais, escolas ou instituies afins. A medida deve ser aplicada durante uma jornada mxima de oito horas semanais, em horrio que no pre-judique a frequncia escola ou o turno de trabalho, no podendo ultrapassar seis meses.

    LIBERDADE ASSISTIDA (art. 118). Um orientador acom-panha o adolescente por um prazo mnimo de seis me-ses. Esse profissional deve promover socialmente os adolescentes e sua famlia, fornecendo-lhes orientao e inserindo-os, quando necessrio, em programa de as-sistncia social. Tambm deve supervisionar a frequn-cia e o aproveitamento escolar do adolescente e ajud-lo a buscar oportunidades de profissionalizao e trabalho.

    SEMILIBERDADE (art. 120). O juiz pode optar pelo regime de semiliberdade como medida socioeducativa ou como forma de transio da internao para o meio aberto. Du-rante a semiliberdade, o jovem fica vinculado a uma ins-tituio, geralmente no formato de uma casa, mas deve participar de atividades externas, sem necessidade de au-

    Internao provisria

    Aplicada antes da sentena, a

    internao provisria um recurso

    excepcional, e s pode ser admitido

    quando o adolescente tiver sido

    detido em flagrante ou com ordem

    escrita e fundamentada pela autori-

    dade judiciria competente.

    A internao provisria no pode

    ultrapassar 45 dias e deve ser

    cumprida em estabelecimento ade-

    quado. Se no houver instituio

    que atenda s exigncias na cidade

    onde o adolescente reside, ele deve

    ser transferido para o municpio

    mais prximo que conte com a

    infraestrutura adequada.

  • 25Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    Aps a internao

    O ECA estabelece, ainda, em seu

    artigo 94, que as unidades de

    internao tm o dever de manter

    programas destinados ao acompa-

    nhamento do adolescente egresso

    da privao de liberdade. Este

    acompanhamento deve oferecer

    aos internos condies e orienta-

    o que facilitem a sua reinsero

    na sociedade.

    torizao do juiz. Durante a aplicao da medida, o jovem deve frequentar a escola ou centros de profissionalizao existentes na comunidade. A medida no tem prazo de-terminado, e sua manuteno deve ser reavaliada a cada seis meses.

    INTERNAO (art. 121). Deve ser aplicada somente nos casos de grave ameaa ou violncia pessoa; de reiterao no cometimento de infraes graves; ou de descumpri-mento da medida proposta anteriormente. A internao no tem prazo determinado, devendo sua manuteno ser reavaliada a cada seis meses. O perodo mximo de encar-ceramento, entretanto, de 3 anos, com liberao com-pulsria aos 21. E deve ser cumprido em local exclusivo para adolescentes. Os internos devem ser separados por critrios de idade, compleio fsica e gravidade da infra-o. Durante o cumprimento da medida, as atividades de escolarizao so obrigatrias, bem como a estruturao do Plano Individual de Atendimento (PIA).

    O sistema deve respeitar a regra da progressividade, ou seja, da transio de medidas mais gravosas para menos gravosas, sendo que hipteses de regresso de medida so excepcionais. Progresso e regresso, aqui, ganham novo significado, pois a inteno, nas medidas socioe-ducativas, diminuir ao mximo o tempo de isolamento do adolescente, para que ele retorne o mais brevemente possvel ao convvio social.

  • 26 adolescentes em conflito com a lei

    Durante o cumprimento da medida socioedu-cativa de internao, o adolescente tem privado apenas o seu direito de ir e vir. Todos os demais direitos permanecem intactos. No artigo 124, o Estatuto da Criana e do Adolescente enumera, especificamente, os direitos de:

    Peticionar; Dialogar com o defensor reservadamente; Receber informaes sobre o processo; Ser tratado com respeito e dignidade; Ser internado em local mais prximo da fa-

    mlia e da comunidade a que pertence;

    Receber visitas semanais; Corresponder-se; Habitar alojamento em condies salubres; Receber escolarizao e profissionalizao; Realizar atividades culturais, esportivas e

    de lazer; Ter acesso aos meios de comunicao; Receber assistncia religiosa; Receber os documentos quando desinternado; Manter a posse de seus objetos pessoais [...],

    recebendo comprovante daqueles porventu-ra depositados em poder da entidade.

    Direitos e deveres nas unidades de internao

    Concomitantemente s medidas socioedu-cativas, podem ser aplicadas medidas proteti-vas. Descritas no artigo 101 do ECA, objetivam prevenir e reparar violaes de direitos da criana e do adolescente. Matrcula obrigatria em estabelecimento oficial de ensino, requisi-o de tratamento mdico, psicolgico ou psi-quitrico e colocao em famlia substituta so algumas dessas medidas.

    H, tambm, medidas pertinentes aos pais ou responsveis pela criana e pelo adolescen-te, quando a violao dos direitos desses gru-pos se d diretamente ou por eles favorecida. Advertncia, encaminhamentos para trata-mento psicolgico e psiquitrico, incluso em programas de auxlio, tratamento de alcola-tras e dependentes de drogas so algumas das medidas previstas no artigo 129 do ECA.

  • 27Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    Sinase, um passo frente no sistema de justia juvenil

    Sancionada em 18 de janeiro de 2012 pela presidenta Dil-ma Rousseff, a Lei 12.594 instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), um conjunto ordenado de princpios, regras e critrios de carter ju-rdico, poltico, pedaggico, financeiro e administrativo que envolve o processo de apurao de ato infracional e execuo de medidas destinadas aos adolescentes em conflito com a lei.

    Resultante de um longo e complexo processo de ausculta e construo coletiva, pode ser considerado como uma das maiores conquistas dos poderes pbli-cos encarregados da proteo dos direitos e da res-ponsabilizao de adolescentes em conflito com a lei, depois da mudana de paradigma sobre o atendimento ou seja, da formulao e adoo da Doutrina da Pro-teo Integral.

    um mecanismo com um grau relevante de articu-lao e consenso entre as esferas da administrao p-blica e a sociedade civil organizada. Coordenado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Re-pblica, o processo contou com ampla participao de especialistas, tcnicos e gestores dos poderes Executi-vo e Judicirio (ver quadro na pgina 29), obtendo, por fim, o aval do Legislativo.

    Adolescentes grvidas

    Nos pargrafos primeiro e segun-

    do do artigo 63, a lei que criou o

    Sinase estabelece que a criana

    nascida durante o perodo em que

    a adolescente estiver cumprindo

    medida socioeducativa de privao

    de liberdade no ter tal informa-

    o lanada em seu registro de

    nascimento, sendo asseguradas as

    condies necessrias para que a

    interna permanea com o filho no

    perodo de amamentao, ou seja,

    durante pelo menos seis meses.

  • 28 adolescentes em conflito com a lei

    COMO FUNCIONA Com 88 artigos, o instrumento legal busca uniformizar a poltica de atendimento socioeduca-tivo em todo o Pas, integrando-a a outras polticas p-blicas. O grfico abaixo8 demonstra a relao do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo com alguns elos do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) da Criana e do Adolescente e outros subsistemas.

    O Sinase prev que a aplicao da medida socioedu-cativa seja individualizada, levando em conta condies como doenas, deficincias ou dependncia qumica. A lei garante, ainda, que os adolescentes tenham acesso educao e capacitao profissional, continuando os es-tudos em unidades da rede pblica de ensino aps o per-odo de internao. 8 PORTAL MJ, 2006.

    Cada caso um caso

    Os gestores dos programas so-

    cioeducativos nos nveis estadual

    e municipal devem garantir uma

    equipe multidisciplinar que oriente

    a construo do Plano Individual de

    Atendimento (PIA).

    Nele, cada adolescente deve

    declarar os objetivos que pretende

    alcanar em seu processo socioe-

    ducativo, e o programa de atendi-

    mento deve garantir as condies

    para a realizao de atividades que

    estejam de acordo com os objetivos

    traados em conjunto com o ado-

    lescente e sua famlia.

    equipe multidisciplinar cabe a

    responsabilidade de apoiar a cons-

    truo do PIA, comprometendo a

    famlia com o processo socioeduca-

    tivo do adolescente.

    Sistema de Garantia de Direitos

    (Sistema nico da Assistncia Social)SUAS

    (Sistema nicode Sade)SUS

    (Sistema Nacionalde Atendimento Socioeducativo)

    SINASESistema

    Educacional

    Sistema de Justia e Segurana Pblica

  • 29Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    consentidas as visitas de seus entes queridos incluindo as ntimas. Essas visitas sero permitidas mediante uma autorizao do juiz responsvel pelo acompanhamento da sen-tena qual o interno estiver submetido.

    DIREITOS INDIVIDUAIS Na perspectiva desse atendimento personalizado, foi tambm ga-rantido aos jovens casados ou que tenham unio estvel o direito convivncia fami-liar, o que significa dizer que lhes devem ser

    A estruturao da poltica do Sinase foi cata-lisada por um encontro nacional, seminrios regionais e reunies tcnicas, envolvendo o Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente (Conanda), a Associao Bra-sileira de Magistrados e Promotores de Justia da Infncia (ABMP) e o Frum Nacional de Or-ganizaes Governamentais de Atendimento Criana e ao Adolescente (Fonacriad).

    De autoria do Poder Executivo, o proje-to transformado em lei contou tambm com a contribuio ativa de juzes, promotores, con-selheiros de direito e tutelares, alm de tcnicos que desenvolvem trabalhos com adolescentes.

    O Fundo das Naes Unidas para a Infncia (Unicef) e o Instituto Latino Americano das Naes Unidas para a Preveno do Delito (Ila-nud) apoiaram o processo.

    Mas importante compreender que a lei que criou o Sinase foi baseada em resoluo do Conse-lho Nacional dos Direitos da Criana e do Adoles-cente (Conanda) de 2006. Foi esse texto, constru-do tambm de modo participativo, que orientou o processo acima citado. Portanto, eventualmente, ser necessrio distinguir os dois documentos, uma vez que aps a aprovao da lei, alguns par-metros e requisitos contidos no texto da resoluo sero objeto de reviso/regulamentao.

    Construo coletiva

  • 30 adolescentes em conflito com a lei

    RESPONSABILIDADES A legislao distribui tarefas, delegando aos estados a responsabi-lidade pela execuo das medidas de semili-berdade e internao. Aos municpios, cou-beram as medidas em meio aberto, como a prestao de servios comunidade e a liber-dade assistida. A unio coordenar, por meio da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), a poltica nacional de atendimento aos adoles-centes em conflito com a lei. A legislao de-termina ainda que as trs esferas de governo trabalhem em cooperao, em um modelo de co-financiamento (ver imagem).

    EQUILBRIO ENTRE PODERES Alm de uma diviso balanceada e articulada de tarefas entre as esferas de governo, o Sinase pro-cura equilibrar as responsabilidades do poder Judicirio em relao ao Executivo no cumprimento das medidas socioeduca-tivas, com o objetivo de garantir o desen-volvimento dos adolescentes em conflito com a lei e a construo de um projeto de vida, por meio de um Plano Individual de Atendimento (PIA).

    A escolarizao, a profissionalizao e o fortalecimento de vnculos familiares e comunitrios so esforos fundamentais nesse processo, para que o/a adolescente sinta-se preparado/a para uma convivn-cia social, saudvel e produtiva. Assim, o sucesso da execuo do Sinase depende da articulao entre Executivo, Judicirio, Mi-nistrio Pblico, Defensoria Pblica, Con-selhos de Direitos e Tutelares e movimen-tos sociais.

    Outro grande avano a previso de um processo de avaliao e monitoramento dos sistemas, entidades e programas de atendi-mento, que a Unio dever coordenar.

    Unio

    Estados eDistrito Federal

    Municpios

    Articulao dos entesfederativos no mbito do Sinase

    Coordena a Poltica

    Nacional de Atendimento

    ao Adolescente

    Executam as medidas de

    semiliberdade e internao

    Respondem por medidas

    em meio aberto, como

    prestao de servios comunidade e liberdade assistida

  • 31Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    As prises no diminuem taxa de crimi-nalidade: Pode-se aument-las, multi-plic-las ou transform-las. A quanti-dade de crimes e criminosos permanece estvel, ou ainda pior, aumenta.

    (MICHEL FOUCAULT)

    Como visto na Introduo, quando ocorrem crimes graves contra a pessoa envolvendo indivduos com menos de 18 anos como au-tores, comum a sociedade se comover, cla-mando por leis mais severas. Pressionados pela opinio pblica, e contrariando todas as recomendaes tcnicas e ticas em con-trrio, os parlamentares tendem a responder indignao popular com projetos de vis meramente repressivo.

    Uma dessas pseudosolues para a diminui-o da violncia fsica que circulam no mbito do Legislativo a da reduo da maioridade penal. Em debate no Senado e na Cmara dos Deputados, h propostas de tornar imputveis (ou seja, penalmente responsabilizveis) garo-tos e garotas de 13 e de at 16 anos incluindo o trfico no rol de infraes pelas quais seriam punidos (ver quadro sobre o assunto).

    De pronto observa-se indcios de inefic-cia desta medida, uma vez que tende a seguir a lgica de determinadas redes criminosas, em vez de quebr-la. Pesquisas como a do Observatrio de Favelas9, por exemplo, vm atestando a crescente cooptao de crianas e adolescentes pelo trfico de drogas. E o fen-meno est vinculado questo da inimputa-bilidade penal.

    Apostando numa suposta impunidade desse segmento, o mundo adulto do crime se apropria dele para tentar garantir a prpria incolumidade uma ttica perversa, que a reduo da maioridade penal no desarticu-laria. Pelo contrrio: provocaria a entrada de indivduos cada vez mais jovens num sistema que, longe de ressocializar, tende a transfor-mar pequenos contraventores em criminosos de grande potencial ofensivo.

    DIMENSO TICA H componentes ticos na problemtica dos adolescentes em confli-to com a lei que precisam ser evidenciados no debate pblico. E eles passam pelo justo esforo para no revitimizar indivduos em 9 OBSERVATRIO DE FAVELAS, 2006.

    Discutindo a reduo da maioridade penal

  • 32 adolescentes em conflito com a lei

    formao vulnerabilizados pelas falhas nos sistemas primrio e secundrio de garantia de direitos, que deveriam lhes assegurar edu-cao, moradia digna, alimentao, sade e segurana, por exemplo.

    Mas, para alm desta dimenso, h as evi-dncias tcnicas que, articuladas, desautori-zam a diminuio da maioridade penal como estratgia de reduo dos ndices de violn-cias e criminalidades, expondo um vaivm paralisante no mbito do poder pbico: no momento em que o Executivo e o Legislativo avanam no enfrentamento da problemtica, com a estruturao do Sinase, alguns parla-mentares ameaam promover retrocessos.

    O investimento insatisfatrio em medidas socioeducativas em meio aberto uma dessas evidncias. Considerando que essas medi-das promovem uma interveno no incio da trajetria infracional, e que, portanto, tm maiores chances de obter resultados posi-tivos que as demais (o que comprovado pe-las pequenas taxas de reincidncia registra-das nesses programas), o dado aponta para a urgncia de se colocar o sistema pensado para enfrentar o fenmeno em pleno funciona-mento, em lugar de se despender esforos com medidas gravosas e ineficientes.

    Em resumo, importante ter a percep-o de que no apenas ao adolescente em conflito com a lei que um sistema de resso-cializao baseado em parmetros humanis-tas beneficia. Impedindo, por exemplo, que garotos e garotas usados como olheiros ou soldados nas redes de trfico de entorpe-centes sejam jogados cada vez mais cedo num sistema que os corrompe, toda a sociedade sair ganhando.

    Por que dizer no reduo da maioridade penalSo muitos os motivos que mobilizam a so-ciedade civil contra a reduo da maioridade penal. Confira alguns dos mais importantes, sistematizados pelo Unicef:

    incompatvel com a doutrina da proteo integral, presente no ECA, na Constituio e em documentos internacionais;

    inconcilivel com o Sinase, um conjun-to de princpios administrativos, polti-cos e pedaggicos que orienta a aplicao de medidas socioeducativas em meio aberto ou fechado;

    inconstitucional, pois viola Clusula Ptrea (imutvel) da Carta Magna;

  • 33Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    Das 18 proposies de reduo da maioridade pe-nal criadas na Cmara dos Deputados entre 1989 e 2009, 12 coincidem com episdios de grande repercusso: nove foram apresentadas entre no-vembro de 2003 e maro de 2004, quando ainda repercutia o caso Champinha (codinome do adolescente envolvido no assassinato de um ca-sal de namorados que acampava no interior de So Paulo, em novembro de 2003); e trs foram apresentadas no perodo de fevereiro a novembro

    de 2007, quando o Pas se comoveu com o caso do menino Joo Hlio.

    A imprensa brasileira tambm tem sido pau-tada pela comoo. O monitoramento de 54 jor-nais dirios realizado pela ANDI ilustra o fen-meno: o nmero de matrias publicadas sobre maioridade penal saltou de uma mdia de 370 por ano para 3.970 em 2007, ano da morte de Joo Hlio. Desse total, 1.334 textos foram publi-cados em fevereiro, quando o crime aconteceu.

    Movidos pela indignao popular

    1600

    1400

    1200

    1000

    800

    600

    400

    200

    0

    jan/

    06

    mar

    /06

    mai

    /06

    jul/0

    6

    jan/

    08

    mar

    /08

    mai

    /08

    jul/0

    8

    set/

    06

    nov/

    06

    set/

    08

    nov/

    08

    jan/

    09

    mar

    /09

    mai

    /09

    jul/0

    9

    set/

    09

    nov/

    09

    jan/

    10

    mar

    /10

    mai

    /10

    jul/1

    0

    set/

    10

    nov/

    10

    jan/

    07

    mar

    /07

    mai

    /07

    jul/0

    7

    set/

    07

    nov/

    07

    Maioridade penal na imprensa

  • 34 adolescentes em conflito com a lei

    Afronta compromissos internacionais, que tm peso de normas constitucionais;

    Est na contramo do que discute a co-munidade internacional, que tende a di-minuir a severidade das respostas penais, a fim de reduzir seus efeitos negativos;

    As propostas de reduo da idade penal se sustentam na exceo, pois o percen-tual de adolescentes autores de crimes de homicdio minoria entre os adoles-centes internados no Pas;

    Quando aplicado, o ECA apresenta bons resultados;

    A violncia est associada a elementos como a desigualdade social, o racismo, a concentrao de renda e a insuficincia de polticas sociais. E no se resolve com ado-o de leis penais mais severas, exigindo medidas de natureza social que diminuam a vulnerabilidade de adolescentes.

    Propostas de Emenda Constituio: retrocessos em curso

    Recentemente, deputados e senadores de-sarquivaram Propostas de Emenda Cons-tituio (PECs), provocando a volta agenda

    nacional de ideias associadas problemtica do menor, viso caracterstica dos tempos do Cdigo de Menores.

    No Senado, duas PECs propondo a reduo da maioridade penal voltaram a tramitar:

    A PEC 90/2003, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES) e outros membros do Senado, foi desarquivada em abril de 2011 e aguarda designao do relator da Comisso de Constituio e Justia (CCJ). A proposta inclui pargrafo nico no artigo 228 da Constituio Federal, para considerar penalmente imputveis os maiores de 13 anos que tenham prati-cado crimes hediondos;

    A PEC 20/1999, de autoria do ex-se-nador Jos Roberto Arruda (ex-DEM--DF), desarquivada em maro de 2011 pelo senador Demstenes Torres (ento pertencente ao DEM-GO), defende a re-duo da maioridade penal para 16 anos nos casos de crime hediondo, trfico, tortura e terrorismo, se atestada a plena capacidade de entendimento do adoles-cente sobre o ato ilcito. Uma junta de-signada pelo juiz seria responsvel pelo laudo psicolgico.

  • 35Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    Mito VerdadeO ECA no permite punio para adolescentes em conflito com a lei.

    O ECA prev seis tipos de medidas socioeducativas para adolescentes em conflito com a lei: advertncia, obrigao de reparar o dano, prestao de servios comunidade, liberdade assistida, semi-liberdade e internao (a qual implica real privao de liberdade, podendo durar at 3 anos).

    Os adolescentes so responsveis por grande parte da violncia praticada no Pas.

    Os atos infracionais realizados por adolescentes no atingem 10% do total de crimes praticados no Brasil h dcadas. A ampla divulgao dos atos infracionais na imprensa que d a impresso de que esta uma prtica comum.

    Os adolescentes esto ficando cada vez mais perigosos, come-tendo crimes mais graves.

    De todos os atos infracionais praticados pelos adolescentes, segundo o Ilanud, somente 4% so homicdios. A grande maioria dos atos infracionais (cerca de 62,8%) so contra o patrimnio.

    Somente com a diminuio da idade penal e imposio de penas a adolescentes, em patamar ele-vado, haver uma diminuio da violncia nessa faixa etria.

    No o tamanho ou grau da pena que estimula ou desestimula o crime. A reduo da(s) violncia(s) se d pela via de acesso s polticas pblicas; diminuio das desigualdades; fortalecimento de valores cooperativos e mudanas de padres culturais, dentre outros.

    H reincidncia de atos infracio-nais porque o ECA liberal com os adolescentes em conflito com a lei e as medidas so muito leves.

    A reincidncia entre adolescentes no culpa da lei, mas da no aplicao da lei. A Unio, os estados e os municpios no tm investido em programas que realmente possibilitem a incluso social do jovem. A inadequao dos programas em meio aberto e dos centros de internao expem ainda mais o jovem s violncias e criminalidades o que a instituio do Sinase pode minimizar.

    Reduo da maioridade penal: mitos e verdades

  • 36 adolescentes em conflito com a lei

    Na Cmara dos Deputados, o assunto tam-bm ganhou fora:

    Em julho de 2011, o deputado Andr Mou-ra (PSC-SE) apresentou a PEC 57/2011, sugerindo a reduo da maioridade penal;

    Em fevereiro, o deputado Maral Fi-lho (PMDB-MS) desarquivou a PEC 321/2001, com proposta similar;

    Outras 30 proposies10 com teor seme-lhante esto apensadas (tramitam em conjunto) PEC 171/1993, de autoria do deputado Benedito Domingos (PP-DF), que prope a alterao do artigo 228 da Constituio Federal, estabelecendo inimputabilidade at os 16 anos de idade.

    10 ANDI, 2012.

  • 37Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    Neste captulo, relatado como a poltica de atendimento socio-educativo foi pensada no Brasil; os principais acertos e falhas do sistema e os desafios que ainda precisam ser enfrentados para que os mecanismos estatais funcionem de maneira a, efetivamente, proteger e ressocializar os adolescentes que cometeram atos in-fracionais, evitando revitimizaes e reincidncias.

    tambm detalhado o papel dos atores pblicos encarregados do atendimento e relacionadas algumas boas prticas desenvolvi-das em diferentes unidades da federao iniciativas que, aten-dendo a princpios elementares de respeito aos direitos humanos, vm obtendo resultados positivos no trabalho de recuperao de garotos e garotas que cometeram contravenes ou crimes.

    Princpios bsicos para um atendimento eficienteFica evidente, nas experincias exitosas, a contribuio das nor-mas previstas nos diversos instrumentos legais que regulam o campo principalmente, no Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA) e no Sinase. A ttulo de ilustrao, segue uma sntese das

    O atendimento socioeducativo

  • 38 adolescentes em conflito com a lei

    principais condutas a serem seguidas no tra-ado e na operao de dispositivos destinados aplicao de medidas socioeducativas.

    RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS Liberda-de, solidariedade, justia social, honestidade, paz, responsabilidade e respeito diversidade cultural, religiosa, tnico-racial, de gnero e orientao sexual so alguns dos valores con-sagrados a partir da Declarao Universal dos Direitos Humanos e que passaram a nortear a construo coletiva de estratgias para garantir direitos e imputar responsabilidades aos dife-rentes grupamentos humanos o que inclui os adolescentes em conflito com a lei.

    E uma das direes que devem ser toma-das para alcanar esse ideal a da superao de prticas, ainda corriqueiras, que resumem o adolescente em cumprimento de medidas socioeducativas ao ato a ele atribudo. Assim, alm de terem acesso a direitos e condies dignas de vida, os autores de atos infracionais devem ser reconhecidos como indivduos pertencentes a uma coletividade, com a qual compartilham valores.

    ARTICULAO DE POLTICAS A aplicao de me-didas socioeducativas no pode estar isolada

    das demais polticas pblicas. Os programas e servios de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei devem estar articulados com servios e programas de sade, defesa jurdica, trabalho, profissionalizao, escolarizao e outros, visando assegurar aos garotos e garotas a proteo e o acesso integral aos seus direitos.

    FINANCIAMENTO DE POLTICAS A responsa-bilidade pelo financiamento do sistema compartilhada por todos os entes federativos (Unio, estados, Distrito Federal e munic-pios), de acordo com o preceito constitucio-nal de conceder destinao privilegiada de recursos pblicos para a infncia e juventude.

    MUNICIPALIZAO DO ATENDIMENTO Tanto a aplicao de medidas socioeducativas quan-to o atendimento inicial aos adolescentes em conflito com a lei devem ocorrer, sempre que possvel, no limite geogrfico do municpio em que os garotos e as garotas residem, de modo a facilitar o contato e viabilizar o pro-tagonismo da comunidade e da famlia no es-foro de ressocializao dos indivduos aten-didos pelo sistema.

    A diretriz da municipalizao do atendi-mento, porm, no deve seguir na direo do

  • 39Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    Segundo a mdica Simone Assis, pesquisadora do Centro Latino-Americano de Estudos da Vio-lncia e Sade (Claves), da Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz), a eficcia de programas de pre-veno, em comparao aos de represso e pri-vao de liberdade, bem ilustrado por um es-tudo publicado em 2001 pelo Departamento de Sade dos Estados Unidos.

    Alm dos benefcios sociais, a pesquisa mostrou que para cada dlar investido em um programa de preveno voltado a jovens em conflito com a lei e suas famlias, o governo economizou 14 dlares em gastos futuros com justia criminal. Apesar de anlises como essa evidenciarem o sucesso dos programas de pre-veno, a mdica destaca que os EUA priori-zam investimentos em estratgias de policia-mento e instituies de privao da liberdade, tendncia que se observa no Brasil.

    De acordo com a pesquisadora do Claves, a anlise dos programas de preveno revela que os mais eficientes na reduo das infra-es so aqueles que atuam sobre vrios fa-tores de risco e que se iniciam na infncia, abrangendo no s a criana, mas sua fam-lia. Programas que envolvem a escola tambm se mostram bem-sucedidos.

    Para Irene Rizzini, diretora do Centro Inter-nacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infn-cia (Ciesp), a preveno da violncia cometida ou sofrida por crianas e adolescentes deve conjugar o fortalecimento dos seus elos signifi-cativos com intervenes estruturais, que visem a melhoria nas condies de vida da famlia, criando-se uma poltica multissetorial, e no meramente assistencialista.

    Fonte: MATTOS, 2005.

    Prevenir melhor

  • 40 adolescentes em conflito com a lei

    fortalecimento de prticas de internao, ou proliferao de unidades destinadas a este fim. Pelo contrrio. As medidas de liberda-de assistida e de prestao de servios co-munidade devem ser priorizadas, haja vista a proximidade com os espaos e equipamentos sociais do municpio, que facilitam maior in-terao com a comunidade.

    RESPONSABILIDADE SOLIDRIA A sociedade e o poder pblico devem dar suporte para que as famlias se responsabilizem pelo cuidado e acompanhamento dos adolescentes em cum-primento de medida socioeducativa. A fam-lia, a comunidade e a sociedade incluindo os jornalistas devem zelar para que o Estado cumpra suas responsabilidades, fiscalizando e acompanhando o atendimento socioeduca-tivo e reivindicando a melhoria das condies de tratamento.

    FISCALIZAO DO ATENDIMENTO As instituies de atendimento de adolescentes em conflito com a lei devem ter transparncia e gesto par-ticipativa, mantendo articulao permanente com os Conselhos de Direitos e Tutelares, a comunidade e a sociedade civil organizada. Os Conselhos de Direitos tm a funo de de-

    liberar e controlar a poltica de atendimento, assim como monitorar e avaliar sua execuo. Conselhos Tutelares e Ministrio Pblico so tambm parceiros na fiscalizao.

    Privao de LiberdadeNo caso especfico das unidades de internao se aplicam tambm os seguintes princpios:

    LEGALIDADE O ECA dispe de normas que responsabilizam administrao e agentes das unidades de internao que incidam em posturas contrrias legislao. Quando se trata do direito liberdade, a lei descreve, minuciosamente, as possibilidades de res-trio de direitos. Portanto, no so admi-tidas interpretaes extensivas ou analogias que impliquem em cerceamentos alm dos legalmente previstos.

    INCOLUMIDADE, INTEGRIDADE FSICA E SEGURANA Os poderes pblicos tm a responsabilida-de de adotar todas as medidas para garantir a segurana e a integridade fsica e mental do adolescente privado de liberdade, repa-rando qualquer dano eventualmente causa-do ao indivduo sob sua custdia. Ao Estado cabe tambm garantir aos internos o direito

  • 41Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    a instalaes fsicas em condies adequadas de acessibilidade, higiene, salubridade, ves-turio e alimentao suficientes e adequadas sua faixa etria, alm de cuidados mdicos, odontolgicos e farmacuticos.

    ATENDIMENTO INDIVIDUALIZADO Como visto nos captulos anteriores, o ECA e o Sinase preveem que as medidas de internao de-vem ocorrer em local exclusivo para adoles-centes, obedecendo-se, rigorosamente, a separao por critrios de idade, compleio fsica e gravidade da infrao, sendo obriga-tria a oferta de atividades de escolarizao. Significa dizer que o atendimento deve con-siderar as especificidades de cada interno, sendo orientada por um Plano Individual de Atendimento (PIA).

    Breve diagnsticoMarcos legais so instrumentos importantes para a garantia dos direitos dos adolescen-tes que cometeram atos infracionais, mas a existncia das leis no garante sua aplicao. Um processo constante de monitoramento e cobrana sobre as responsabilidades do Esta-do, da famlia e da sociedade , pois, de suma importncia para a materializao do dispos-

    to nesses mecanismos. E para vigiar um siste-ma, preciso conhec-lo.

    O mais recente Levantamento Nacional so-bre Atendimento Socioeducativo1 mostra que no Brasil h 12.041 adolescentes cumprindo medida de internao, 3.934 em internao provisria e 1.728 em cumprimento de semi-liberdade. Os estados com as maiores taxas de internao so o Distrito Federal, com 29,6 internados para cada mil adolescentes, segui-do do Acre, com 19,7, e So Paulo, com 17,8 (ver grfico na pgina 42).

    O mesmo estudo revela que 40.657 ado-lescentes esto cumprindo medidas em meio aberto, e que a proporo, na mdia brasileira, de um interno para dois (1/2) em meio aberto uma relao ainda dis-tante da ideal, pois a preferncia deve ser pela aplicao de medidas em meio aberto, reservando-se o encarceramento para os casos mais graves de crimes contra a pessoa, como determina o ECA.

    As maiores diferenas apresentadas na proporo entre as medidas de internao e as de meio aberto foram detectadas nos es-tados de Roraima (1/15), Gois (1/12), Santa Catarina (1/6), Paran e Mato Grosso do Sul 1 SDH, 2011.

  • 42 adolescentes em conflito com a lei

    (1/5). As menores, no Acre, Amap, Ron-dnia, Tocantins, Alagoas, Bahia, Paraba, Pernambuco, Sergipe, Rio de Janeiro e So Paulo (1/1).

    As elevadas taxas de internao verificadas nestes ltimos estados apontam para a preva-lncia da concepo anterior ao ECA, quando a institucionalizao era a alternativa prefe-rencial de enfrentamento da problemtica. Mas importante avaliar se esta preferncia dos juzes tem alguma relao com o nvel de eficcia das alternativas de ressocializao aplicadas em cada unidade da federao.

    Competncias A Constituio Federal atribui Unio a coor-denao nacional e a formulao de regras ge-rais de atendimento socioeducativo, enquanto os estados, o Distrito Federal e os municpios devem gerenciar, coordenar e executar pro-gramas de atendimento no mbito de suas competncias o que foi regulamentado pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioedu-cativo. Em seguida, uma sntese das atribui-es e responsabilidades das trs esferas de poder e dos Conselhos de Direitos, esboada a partir do disposto na Carta Magna e no Sinase.

    Ranking nacionalProporo entre populao adolescente x adolescentes restritos e privados de liberdade

    5,2 5,4

    17,8

    13,4

    3,6 45,6

    1,6

    14,8

    5,1

    1,2

    10,3

    2,9 3,7

    7,1 6,2

    29,6

    9,88,4

    6,8

    9,3

    3

    7,1

    19,7

    1,5

    9,9

    5,5

    MG RJ SP ES RN AL SE PI PE PB MA CE BA GO MS MT DF PR RS SC AP PA TO AC AM RO RR

    (proporo por 10 mil adolescentes)

  • 43Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    Relatrio encaminhado ONU pela Associao Nacional dos Centros de Defesa da Criana e do Adolescente (Anced) e pelo Frum dos Direitos da Criana e do Adolescente (Frum DCA) denuncia a constante violao do princpio da excepciona-lidade da medida de internao, a qual tem sido aplicada indiscriminadamente no Brasil.

    No estado de So Paulo, por exemplo, de 30% a 40% dos adolescentes internos pode-riam estar em liberdade assistida. As medidas socioeducativas em meio aberto ainda so pou-co utilizadas no Pas e isso se deve, em parte, ao fato de seus instrumentos e mecanismos de aplicao estarem concentrados nas capitais e nas regies metropolitanas.

    Por outro lado, h experincias positivas de emprego de medidas em meio aberto que pre-

    cisam transformar-se em polticas de Estado. Destinadas a autores de infraes menos gra-ves, cometidas geralmente em incio de trajet-ria infracional, so passveis de maior sucesso no objetivo de ressocializao dos adolescentes o que se pode observar pelos baixos ndices de reincidncia dentro desses programas.

    Os de liberdade assistida e de prestao de servios comunidade, por exemplo, no ultra-passam 5%. Ou seja, alm de resgatar indivduos em formao, esse tipo de medida socioeducativa interrompe um percurso que, no raro, desembo-ca no Sistema de Justia Criminal. So estrat-gias, portanto, que beneficiam no s as pessoas envolvidas, mas a toda uma coletividade.

    Fonte: PASSAMANI, 2006.

    Medidas em meio aberto ainda so pouco empregadas

  • 44 adolescentes em conflito com a lei

    EXECUTIVO FEDERAL (Secretaria Nacional de Direitos Humanos) formula, coordena e executa a po-ltica nacional de atendimento socioeducativo estabelecida no Sinase e no Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo; repassa recursos suplementares para que estados e municpios desenvolvam seus sistemas de atendimento; presta assistncia tcnica aos entes federados; constri um sistema nacional de cadastro e in-formao para facilitar o monitoramento e a avaliao do atendimento socioeducativo.

    O que cobrar: informaes sobre a aplica-o do Plano Nacional de Atendimento Socio-educativo; acompanhamento das aes muni-cipais e estaduais de atendimento; repasse de recursos para que estados e municpios im-plementem suas polticas.

    EXECUTIVO ESTADUAL (governos dos estados e DF) coordena o Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo; elabora o Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo, respeitadas as diretrizes gerais fixadas pela Unio; mantm programas de atendimento para a execuo das medidas de semiliberdade e internao, inclu-sive de internao provisria; estabelece com os municpios as formas de colaborao para o atendimento inicial e a aplicao de medidas so-

    cioeducativas em meio aberto; presta assistncia tcnica e suplementao financeira aos munic-pios e s organizaes da sociedade civil, para regular oferta de programas de meio aberto.

    O que cobrar: programas de atendimento para execuo das medidas de semiliberda-de e internao; condies fsicas e de se-gurana das unidades de internao; quadro de funcionrios que contemple as mltiplas necessidades dos jovens em conflito com a lei; manuteno de programas de educao e profissionalizao para jovens.

    EXECUTIVO LOCAL (municpios e capital federal) co-ordena o Sistema Municipal de Atendimento Socioeducativo; elabora o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo; fornece os meios e os instrumentos necessrios ao pleno exerc-cio da funo fiscalizadora dos Conselhos Tu-telares; mantm os programas de atendimento para a execuo das medidas de meio aberto.

    O que cobrar: programas de acompanha-mento das medidas de prestao de servios comunidade e semiliberdade; quadro de fun-cionrios capacitados para realizar o acom-panhamento destas medidas; programas de assistncia voltados famlia; condies de funcionamento para os Conselhos Tutelares.

  • 45Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    RGOS DE DELIBERAO (Conselhos dos Direitos da Criana e do Adolescente) edita e acompanha a implementao de polti-cas e planos; aprova normas; promove e articula campanhas pblicas; delibera pela utilizao de recursos dos Fundos para a Infncia e Adolescncia (FIA); participa do processo de elaborao do Plano Plurianual (PPA), da Lei de Dire-trizes Oramentrias (LDO) e da Lei Oramentria Anual (LOA); registra entidades e inscries de programas.

    O que cobrar: a fiscalizao e correta deliberao so-bre a utilizao dos recursos dos Fundos para a Infncia e Adolescncia; a efetiva participao nos processos de elaborao do PPA, da LDO e da LOA; o registro/inscrio de entidades e programas.

    FinanciamentoO financiamento das medidas socioeducativas fomen-tado pela incluso do tema dos adolescentes em conflito com a lei nos oramentos de cada ministrio envolvido na responsabilizao e promoo de direitos desse seg-mento, podendo ser acessado pelos municpios e estados por meio de convnios ou projetos desde que as aes previstas estejam de acordo com as diretrizes do Sinase.

    Como complementao aos recursos oramentrios destinados a essa poltica, h fontes diversificadas, pbli-cas e especiais, como o Fundo Nacional Antidrogas (Fu-nad), o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educa-o (FNDE) e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), sendo que estes recursos so acessados mediante projetos

    Polticas sociais bsicas

    O financiamento das polticas bsicas

    de educao e sade se d, sobretu-

    do, por meio de investimento obriga-

    trio, constitucionalmente previsto.

    Este um dos motivos pelos quais

    foram criados, a partir de 1988, sis-

    temas mais organizados e robustos

    nestes setores: h o Sistema nico

    de Sade (SUS), implementado por

    meio das trs esferas federativas e

    complementado pela inciativa priva-

    da; e a repartio de competncias,

    de acordo com as diferentes fases

    de ensino, na rea da educao.

    Em ambos os casos, cabe Unio

    estabelecer as normas gerais de

    atendimento. H tambm, por

    suposto, financiamentos privado e

    pblico indireto de aes executa-

    das por organizaes no gover-

    namentais, em parceria com os

    poderes pblicos.

  • 46 adolescentes em conflito com a lei

    nal (Conanda) de Direitos da Criana podero destinar-se ao atendimento de crianas e ado-lescentes (artigo 90 do ECA), devendo man-ter pleno respeito s determinaes legais da Constituio, do ECA e do Sinase.

    Relevante registrar que cabe aos Conselhos de Direitos, tambm, a definio do percen-tual anual destinado pelos Fundos da Infn-cia e Adolescncia s aes autorizadas pelo Sinase. E que a lei do Sinase prev requisitos especficos para a atualizao da inscrio de programas socioeducativos tanto estaduais (registrados nos CEDCAs) quanto municipais (inscritos no CMDCAs).

    Municipalizao incompletaA municipalizao dos programas de atendi-mento aos adolescentes em conflito com a lei ainda no uma realidade no Pas. Segundo o Ilanud3, em 2007 apenas 11,4% dos muni-cpios brasileiros haviam implementado ou estavam em processo de implementao de programas de atendimento socioeducativo em meio aberto.

    Dentre os fatores apontados como obs-tculos municipalizao esto a ausncia de interesse dos estados federados em im-3 ILANUD, 2007.

    especficos, que atendam s normas da res-pectiva poltica setorial repassadora.

    H, ainda, a possibilidade de repassasses fundo a fundo, como o Fundo Nacional de As-sistncia Social (FNAS), o Fundo Nacional de Sade (Funsade) e o Fundo Nacional dos Di-reitos da Criana e do Adolescente (FNDCA/ FIAs), este ltimo, com o processo de regula-mentao para o repasse fundo a fundo ainda em curso.

    FUNDOS DE DIREITOS O artigo 71 da Lei 4.320/64 especifica que os fundos pblicos especiais (nacional, estaduais e municipais), como os Fundos dos Direitos da Criana e do Adolescente, ou Fundos para Infncia e Ado-lescncia so produto de receitas especifica-das que, por lei, se vinculam realizao de determinados objetivos ou servios, facultada a adoo de normas peculiares de aplicao. Assim, a manuteno e a boa utilizao desses recursos inserem-se no rol de atribuies e competncias dos Conselhos [de direitos]2.

    Mas qualquer que seja a forma de finan-ciamento, apenas programas, projetos e aes inscritos e aprovados pelos Conselhos Munici-pais (CMDCAs), estaduais (CEDCAs) e nacio-2 ILANUD e UNICEF, 2004.

  • 47Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    Boa prtica de ressocializao

    Uma parceria entre a Secretaria

    da Criana do Distrito Federal e

    a Fundao Zoolgico de Braslia

    vem contribuindo para a ressociali-

    zao de adolescentes em conflito

    com a lei. Desde janeiro de 2012,

    dez garotos e garotas que cum-

    prem medidas socioeducativas de

    prestao de servio comunidade

    integram um grupo envolvido em

    atividades nas reas administrativas

    e de educao no zoolgico.

    Aps um curso de capacitao, eles

    iro atender ao pblico, monitorar

    os visitantes e realizar servios

    administrativos em geral. O tempo

    de permanncia no local ir variar

    de um a seis meses, respeitando-se

    o perodo escolar. Dezessete funcio-

    nrios do zoolgico e profissionais

    da Secretaria da Criana acompa-

    nham a aplicao da medida.

    Fonte: LABOISSIRE, 2012.

    pulsionar o processo e a falta de recursos dos munic-pios para implantar programas de atendimento. Difi-culdades em se obter equipes qualificadas tambm so apontadas pelos gestores municipais como barreiras implementao e execuo de medidas socioeducativas em meio aberto.

    Quando se trata de atendimento socioeducativo em meio fechado, so os municpios que resistem des-centralizao, evitando o custo poltico de ter uma unidade de privao de liberdade no territrio ainda que o ECA estabelea a prioridade dessa poltica, so-bretudo pela capacidade de assegurar ao adolescente o cumprimento da medida socioeducativa em meio fe-chado o mais prximo possvel de seus familiares e de sua comunidade.

    Visando contornar as dificuldades de municipalizao e adequao do atendimento s normas legais, a Secre-taria de Direito Humanos (SDH) vem promovendo arti-culaes para restringir a privao de liberdade aos casos excepcionais e fortalecer as medidas em meio aberto. Re-aliza, ainda, estudos e pesquisas para subsidiar o aprimo-ramento contnuo dos programas.

    Na execuo desse trabalho, conta com a parceria do Ministrio do Desenvolvimento Social (MDS), que assu-miu o co-financiamento a 912 municpios para o acompa-nhamento das medidas socioeducativas em meio aberto pelos Centros de Referncia Especializados de Assistn-cia Social (CREAS).

  • 48 adolescentes em conflito com a lei

    unidades prisionais (delegacia de polcia); Condies precrias de instalaes, com

    excesso de umidade em paredes e ins-talaes eltricas, sistemas de coleta de esgoto e guas pluviais inadequados;

    Insalubridade; Precariedade ou inexistncia de refei-

    trios; Isolamento de internos, privados de ati-

    vidades de escolarizao ou de lazer; Inexistncia de instalaes exclusivas

    para adolescentes do sexo feminino; Transferncia de internos sem comunica-

    o ao Judicirio.

    Cultura profissional, um desafio Outro empecilho eficcia das medidas soci-oeducativas a cultura profissional das insti-tuies de internao. O corpo tcnico, mui-tas vezes, no est sensibilizado para a tarefa que desempenha, como demonstram os pes-quisadores Daniel Espndula e Maria de Fti-ma Santos4 ao evidenciarem a reproduo, nas unidades de ressocializao de adoles-centes, da realidade carcerria do Brasil.4 ESPNDULA e SANTOS, 2004.

    Unidades de internao em precrias condies

    Avaliao recente do Conselho Nacional de Justia (CNJ) exps a precariedade das insta-laes de muitas unidades responsveis pela aplicao das medidas socioeducativas em meio fechado no Pas. Realizada por meio do Programa Justia ao Jovem, revelou ainda a presena de adolescentes em estruturas pri-sionais ou em delegacias de polcia o que vetado pela legislao.

    O CNJ visitou os estados brasileiros, anali-sando os processos dos adolescentes internos e as condies das unidades socioeducativas. O levantamento, realizado em articulao com os gestores estaduais, apontou a necessidade de desativao de aproximadamente 18 dessas estruturas, em funo do completo desrespei-to s diretrizes estabelecidas no ECA.

    Abaixo, so listadas as irregularidades e viola-es do sistema mais recorrentes detectadas nas diversas unidades de internao do Pas e regis-tradas nos relatrios de visitas da organizao:

    Superlotao; Uso abusivo de fora, agresses, maus

    tratos e tortura praticados por policiais militares;

    Permanncia ilegal de adolescentes em

  • 49Guia de referncia para a cobertura jornalstica

    Eles entrevistaram socioeducadores em diversas instituies de assistncia a ado-lescentes que cometeram ato infracional e constataram que os profissionais encarre-gados da aplicao das medidas ressociali-zantes demonstravam descrdito quanto recuperao desse contingente, adotando prticas baseadas exclusivamente em puni-o, por meio de castigos.

    HOMICDIOS Alm das violaes mais re-correntes observadas no sistema socioe-ducativo, como superlotao, ms condi-es de internao, agresses, maus tratos e tortura, em muitos casos, so registrados homicdios de adolescentes (confira nota na pgina 50). Tais violaes j foram, inclu-sive, objeto de anlise, registro e denncia por relatores especiais das Organizaes

    Para alm dos problemas detectados nos mbitos dos poderes Legislativo (normativas) e Executivo (polticas de atendimento), importante no perder de vista os desafios a serem enfrentados na esfera do Judicirio, na perspectiva da consolidao de um modelo eficaz de responsabilizao e garantia de direitos dos adolescentes em conflito com a lei. Abaixo, alguns problemas/necessidades recorrentes de instncias do Sistema de Justia Juvenil no Pas:

    Varas da Infncia e da Juventude (VIJ) Nmero elevado de processos judiciais trami-

    tando em VIJ centralizadas, penalizando os

    Desafios do Judicirio

    que residem em localidades mais distantes; Tramitao prolongada de processos; Nmero insuficiente de servidores; Condies precrias de salas de audincia.

    Promotorias de Defesa da Infncia e da Juven-tude (PDIJ)

    Escassez de recursos humanos; Instalaes inadequadas; Deficincia na fiscalizao da execuo das

    previses oramentrias destinadas a polti-cas pblicas destinadas concretizao dos direitos desse segmento.

  • 50 adolescentes em conflito com a lei

    das Naes Unidas (ONU), durante visitas s unidades de internao do Pas.

    Por tais desrespeitos sistemticos aos direitos de ado-lescentes privados de liberdade que o Brasil responde a processos perante o sistema interamericano de direitos humanos. Entre outros casos, de