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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO ADRIANA APARECIDA FELICETTI BOLSA FAMÍLIA E DESEMPENHO ESCOLAR: AVALIAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA NO MUNICÍPIO DE VIDEIRA (SC) Joaçaba (SC) 2010

Adriana Aparecida Felicetti

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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

ADRIANA APARECIDA FELICETTI

BOLSA FAMÍLIA E DESEMPENHO ESCOLAR:

AVALIAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA NO MUNICÍPIO DE V IDEIRA (SC)

Joaçaba (SC) 2010

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ADRIANA APARECIDA FELICETTI

BOLSA FAMÍLIA E DESEMPENHO ESCOLAR:

AVALIAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA NO MUNICÍPIO DE V IDEIRA (SC)

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação, da Universidade do Oeste de Santa Catarina - Campus Joaçaba - como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Joviles Vitório Trevisol.

Joaçaba (SC) 2010

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ADRIANA APARECIDA FELICETTI

BOLSA FAMÍLIA E DESEMPENHO ESCOLAR: AVALIAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA NO MUNICÍPIO DE V IDEIRA (SC)

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação, da Universidade do Oeste de Santa Catarina - Campus de Joaçaba - como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação.

Aprovado em 25 de outubro de 2010.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Prof. Dr. Joviles Vitório Trevisol

Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)

________________________________________________________ Prof. Dr. Sandino Hoff

Universidade Tuiutí do Paraná (UTP)

________________________________________________________

Prof. Dr. Elton Nardi Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC)

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Dedico este trabalho ao meu companheiro

Gilson, que me acompanhou e me incentivou

nesta caminhada. A minha mãe e ao meu pai

(in memorian), por me dar formação

necessária para estar aqui. A todos que, de

alguma forma, fizeram parte desta conquista.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a realização dessa Dissertação de Mestrado em Educação, elaborado com muito empenho, amor e dedicação, primeiramente a Deus que me deu forças e serenidade para poder realizar este sonho.

Ao meu companheiro, com muito amor, pelo incentivo, compreensão e por acreditar em meu potencial, durante esta caminhada.

Ao meu pai José Augusto, (in memorian), com muito carinho. Em especial, à minha mãe Clotilde, por sua dedicação e persistência, durante todos esses anos, superando todos os obstáculos que a vida lhe apresentou.

Ao professor e orientador Dr. Joviles Vitório Trevisol, por sua atenção e compreensão, mas principalmente por acreditar em meu potencial. Durante esses meses de orientação, encontrei nele não apenas um excelente professor, mas acima de tudo uma pessoa iluminada por Deus que, em sua sabedoria e persistência, é um exemplo de ser humano e acima de tudo um grande amigo.

Aos professores, agradeço pelos lindos momentos de discussão e partilha de saberes e experiências. Que Deus ilumine a todos.

Aos meus amigos e colegas, pela convivência, incentivo e troca de experiências ao longo dessa caminhada.

Enfim, a todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para o sucesso de mais esta jornada.

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Nenhuma calamidade é capaz de desagregar, tão profundamente e num sentido tão nocivo, a personalidade humana como a fome, quando atinge os limites da verdadeira inanição. Fustigado pela necessidade imperiosa de comer, o homem esfomeado pode exibir a mais desconcertante conduta mental. Seu comportamento transforma-se como o de qualquer outro animal submetido aos efeitos torturantes da fome.

Josué de Castro

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RESUMO

A pobreza é uma das expressões mais visíveis da desigualdade social e do autoritarismo que tem caracterizado a sociedade brasileira ao longo de toda a sua história. Os programas de transferência de renda e de combate à pobreza adotados nas últimas décadas, entre o quais o Programa Bolsa Família (PBF), visam reduzir o fosso que separa ricos e pobres, permitindo, especialmente às crianças e jovens, o direito à educação básica. O PBF é, atualmente, o principal programa nacional de combate à pobreza, cujos benefícios diretos estendem-se para cerca de doze milhões de famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. O propósito da presente pesquisa foi investigar a efetividade do PBF enquanto política pública de inclusão sócio-educacional, particularmente a incidência no tocante ao desempenho escolar das crianças e jovens beneficiados. De modo mais específico, o estudo objetivou (i) compreender a pobreza no Brasil enquanto uma dimensão fática da desigualdade sócio-econômica e cultural brasileira; (ii) situar histórica e politicamente a implantação dos programas de renda mínima e combate à pobreza no Brasil; (iii) investigar as percepções que os pais beneficiados e os professores pesquisados tem do PBF; (iv) analisar se, e de que modo, o PBF incide positivamente sobre o desempenho escolar das crianças e dos jovens beneficiados. A pesquisa foi realizada no município de Videira (SC), localizado no Meio-Oeste de Santa Catarina, com uma população de 50.000 habitantes, dos quais 858 famílias recebem o benefício. Os dados referentes ao perfil das famílias beneficiadas foram obtidos junto à Secretaria de Ação Social do município de Videira, por meio de um formulário desenvolvido para tal fim, onde se encontram os arquivos dos Cadastros Únicos. Os dados qualitativos foram obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas, realizadas com dez titulares do Cartão de Recebimento do Programa Bolsa Família (sendo estes moradores dos dois bairros com maior índice de pobreza e desigualdade social do município) e com dez professores que desenvolvem atividades nas escolas dos Bairros Amarante e Vila Verde. Os dados quantitativos e qualitativos foram organizados e analisados a partir de quatro categorias fundamentais: (i) perfil dos beneficiários do PBF; (ii) importância do PBF; (iii) avaliação do PBF e (iv) desempenho escolar. Entre os resultados do estudo, cabe destacar que: os responsáveis pelo benefício do PBF em sua maioria são mulheres, brancas, solteiras ou separadas, excluídas do mercado de trabalho, com baixa escolaridade, porém, a maioria reside em casa própria, em bairros mais populares e interiores. Com relação à importância e avaliação do PBF, foi possível evidenciar uma unanimidade por parte dos beneficiados de forma positiva. Os professores admitem a importância do PBF, mas com restrições. Importante destacar que tanto os pais como professores evidenciaram que o PBF auxilia no desempenho escolar, principalmente pelo fato das crianças frequentarem mais a escola.

Palavras-chave: Programa Bolsa Família; Políticas Públicas; Combate à pobreza; Desempenho Escolar.

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ABSTRACT

Poverty is one of the most visible expressions of social disparity as well as authoritarianism which have characterized the Brazilian society throughout its history. Income transferring programs and the fighting against poverty adopted in recent decades, among them, the (PBF) Programa Bolsa Familia (Family Food Program), aimed at reducing the gap between the rich and the poor allowing mainly children and young people the right to basic education. PBF is currently the main national program to fight poverty whose benefits are extended to about 12 million families living in poor conditions or extreme poverty. The objective of this research is to look into the PBF’s efficacy as far as a public policy of social-educational inclusion, particularly the school performance rate of children and young people benefited by the program. This study is specifically aimed at (i) understanding poverty in Brazil as a related dimension of social-economic and cultural disparity; (ii) describing historically and politically the implementation of minimum income programs and fighting poverty in Brazil; (iii) investigating the perceptions that interviewed parents and teachers have of PBF; (iv) analyzing if and how PBF influences positively school performance of children and young people benefited by the program. The research was done in Videira city (SC), located in the mid-west of Santa Catarina state which has a population of 50.000 people, among them 858 families receive this benefit. The data related to the profile of families benefited by the program was obtained from the Social Action city dept. of Videira city, using a form elaborated for this purpose where Unique Registration files can be found. Qualitative data was collected through semi-structured interviews applied to 10 registered people receiving PBF (being residents of two poorest and social disparity neighborhoods in the city) and 10 teachers who perform activities in schools in Amarante and Vila Verde neighborhoods. Quantitative and qualitative data were organized and analyzed through four fundamental categories: (i) profile of families benefited by the program; (ii) PBF importance; (iii) PBF evaluation and (iv) school performance. Among the study results it is necessary to point out that white, single or separated women are receiving most of the PBF benefit. These women are excluded from the labor market, have a low education level, but the majority have their own homes in popular neighborhoods and in countryside locations. Regarding the importance of PBF, it was possible to notice an unanimous positive feedback by all the beneficiaries. Teachers recognize the PBF importance, but have some restrictions. It is important to point out that parents and teachers acknowledge that PBF helps in the school performance, mainly by the fact that children attend school more frequently. .

Keywords: PBF(Family Food Program); Public Policies; Fighting Poverty; School Performance.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Tabela1- Benefício pago pelo programa bolsa família para as famílias extremamente pobres81

Tabela 2- Benefício pago pelo Programa Bolsa Família para as famílias pobres .................... 81

Tabela 3- População e famílias beneficiadas do Programa Bolsa Família .............................. 88

Mapa 1 - Localização geográfica do município de Videira .................................................... 92

Mapa 2 - Vista panorâmica da cidade de Videira .................................................................... 93

Quadro 1- Importância do Programa Bolsa Família ............................................................... 107

Quadro 2- Benefícios do Programa Bolsa Família ................................................................. 109

Quadro 3- Relação Programa Bolsa Família, pobreza e desigualdade ................................... 112

Quadro 4- Continuidade do Programa Bolsa Família ............................................................ 114

Quadro 5- Avaliação do Programa Bolsa Família .................................................................. 116

Quadro 6- Avaliação do valor pago pelo benefício ................................................................ 118

Quadro 7- Condicionalidades do Programa Bolsa Família .................................................... 120

Quadro 8- Desempenho escolar dos beneficiados .................................................................. 122

Quadro 9- Frequência escolar dos beneficiados ..................................................................... 126

Tabela 4- Média geral por aluno e frequência escolar no período de 2007, 2008.e 2009 ...... 128

Tabela 5- Média escolar por disciplina dos estudantes beneficiados pelo PBF, no ano de 2007,

2008 e 2009 ............................................................................................................................ 129

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico1-Queda da miséria no Brasil de 1992-2009 ................................................................ 49

Gráfico 2- Famílias atendidas pelo PBF no Brasil de 2003 - 2009 .......................................... 83

Gráfico 3-Famílias Inscritas no CadÚnico no Brasil de 2006 - 2009 ..................................... 84

Gráfico 4- Sexo dos responsáveis pelas famílias beneficiadas ................................................ 98

Gráfico 5 - Estado civil dos responsáveis pelas famílias beneficiadas .................................... 99

Gráfico 6 - Cor/raça dos responsáveis pelas famílias beneficiadas ....................................... 100

Gráfico 7 - Situação no mercado de trabalho dos responsáveis pelas famílias beneficiadas 100

Gráfico 8 - Escolaridade dos responsáveis pelas famílias beneficiadas ................................ 101

Gráfico 9 - Características dos domicílios das famílias beneficiada ..................................... 102

Gráfico 10 - Situação de Moradia das famílias beneficiadas ................................................ 103

Gráfico 11 - Escoamento Sanitário das famílias beneficiadas .............................................. 103

Gráfico 12- Quantidade de pessoas nas famílias dos beneficiadas ....................................... 104

Gráfico 13 - Número de Cômodos nas casas dos beneficiados ............................................. 105

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LISTA DE SIGLAS

ADS Agentes de Desenvolvimento Solidário

BNH Banco Nacional da Habitação

CadÚnico Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal

CAPs Caixas de Aposentadoria e Pensão

CGPAN Coordenação Geral de Política, Nutrição e Alimentação

CGV Controladoria Geral da União

CLT Consolidação das Leis Trabalhistas

CNBB Conferência Nacional dos Bispos

CPF Cadastro de Pessoa Física

CPS Centro de Políticas Sociais

CRAS Centros de Referencia da Assistência Social

DAB Departamento de Atenção Básica

DAPS Departamento Administrativo do Serviço Público

DF Distrito Federal

FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

FGV Fundação Getúlio Vargas

FHC Fernando Henrique Cardoso

FNDE Fundação Nacional de Desenvolvimento da Educação

IAPS Instituto de Aposentadorias e Pensões

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

IETS Instituto de Estudo do Trabalho e Sociedade

INED Instituto Nacional de Educação a Distância

INEP Instituto Nacional de Estudos e de Pesquisas Educacionais

INESC Instituto de Estudos Sociais e Econômicos

INPS Instituto Nacional de Previdência Nacional

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MDS Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome

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MEC Ministério da Educação

MP Medida Provisória

NIS Número de Identificação Social

ONG Organização Não Governamental

ONU Organizações das Nações Unidas

PBA Programa Brasil Alfabetizado

PBF Programa Bolsa Família

PCFM Plano de Combate à Fome e a Miséria

PCFMV Plano de Combate à Fome e à Miséria pela Vida

PCTRs Programas Condicionais de Transferência de Renda

PDRFM Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima

PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PGRM Programas de Renda Mínima

PNAA Programa Nacional de Acesso a Alimentação

PNAD Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios

PNDU Programa Nacional de Desenvolvimento Humano

PPDLES Projeto de Promoção do Desenvolvimento Local e Economia Solidária

PRONAF Programa Nacional da Agricultura Familiar

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

PT Partido dos Trabalhadores

RM Renda Mínima

SAS Secretaria de Atenção à Saúde

SC Santa Catarina

SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

SINE Sistema Nacional de Emprego

SISVAN Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional

SMDS Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social

SUAS Sistema Único de Assistência Social

TCU Tribunal de Contas da União

UnB Núcleo de Estudos do Brasil Contemporâneo da Universidade de Brasília

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

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SUMÁRIO

1- INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15

1.1 Problemática da pesquisa.................................................................................................... 16

1.2 Questões de pesquisa .......................................................................................................... 19

1.3 Objetivos ............................................................................................................................. 20

2- DESIGUALDADE SOCIAL E POBREZA NO BRASIL ........ ...................................... 22

2.1 Raízes histórico- sociais da pobreza e da desigualdade social no Brasil...........................22

2.2 Retratos da Desigualdade Social e da Pobreza no Brasil ................................................... 38

3- POLÍTICAS SOCIAIS E OS PROGRAMAS DE RENDA MÍNIMA NO BRASIL ... 52

3.1 O Estado Brasileiro e as Políticas Sociais .......................................................................... 52

3.2 O Sistema de Proteção Social no Brasil ............................................................................. 56

3.3 Os Programas de Transferência de Renda Mínima no Brasil ............................................. 68

3.3.1 O Programa Bolsa Escola ................................................................................................ 73

3.3.2 O Programa Bolsa Família .............................................................................................. 77

4- PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................................... 89

4.1 Tipo de Pesquisa ................................................................................................................. 89

4.2 Delemitação da Pesquisa .................................................................................................... 91

4.3 Instrumentos de Pesquisa ................................................................................................... 94

4.4 Procedimentos de Analise dos dados ................................................................................ 95

5 – PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E DESEMPENHO ESCOLAR ............................ 97

5.1.Perfil dos Beneficiários ...................................................................................................... 97

5.2.Importância do PBF .......................................................................................................... 106

5.3 Avaliação do PBF ............................................................................................................. 116

5.4 Desempenho Escolar dos Beneficiados ............................................................................ 122

6- CONSIDERAÇÕES FINAIS. ........................................................................................ 131

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REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 137

APÊNDICE A - Levantamento do Perfil dos Responsáveis pelo Benefício .................... 145

APÊNDICE B - Entrevista com as Famílias Beneficiadas ................................................ 148

APÊNDICE C - Entrevista com os Professores das Escolas ............................................. 151

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1 INTRODUÇÃO

Nossa política não se dirige contra nenhum país ou doutrina, mas contra a fome, a pobreza, o desespero e o caos.

George C. Marshall

O interesse pelo presente tema de investigação tem uma relação direta com uma

experiência de trabalho junto ao Conselho Tutelar do Município de Videira (SC),

desenvolvida no período entre 2003 a 2005 e janeiro de 2009 até a presente data. Por ser um

órgão autônomo e não jurisdicional - que tem como finalidade cumprir com as determinações

do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990) cabe ao

Conselho Tutelar zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente,

principalmente direitos civis e sociais fundamentais, como o direito à integridade física, à

educação, à saúde e ao bem-estar físico e psíquico.

O Conselho Tutelar de Videira foi instituído em 1990. Encontra-se atualmente ligado

ao Departamento de Ação Social da Secretaria Municipal de Videira, com atividades em

parceria com diversos órgãos públicos e com a sociedade civil, especialmente a Secretaria de

Educação e o Serviço de Ação Social do município. Após um período de trabalho junto ao

Conselho Tutelar, solicitei, em 2005, afastamento com o propósito de trabalhar como

psicóloga autônoma, tendo em vista minha formação profissional na área.

Após essa experiência com atendimento psicológico, considerei novamente a

possibilidade de regressar ao Conselho Tutelar, fato que se efetivou a partir de janeiro de

2009. O regresso serviu-me de motivação para escolher o principal programa de inclusão

social do governo federal, o Programa Bolsa Família (PBF), como o tema de investigação do

curso de mestrado em educação desenvolvido na Universidade do Oeste de Santa Catarina.

Mais precisamente, decidi desenvolver um estudo sobre os impactos/efeitos dessa política

pública federal sobre o desempenho escolar das crianças e dos jovens cujas famílias recebem

o benefício. O PBF é, afinal de contas, o principal programa de transferência de renda do

Governo Federal, cuja finalidade principal é combater a fome, a pobreza e as desigualdades

sociais no Brasil.

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Esta condição de trabalho me permitiu conviver diariamente com o público

beneficiado pelo PBF. Ainda que indiretamente, participo do dia-a-dia dessas pessoas, de suas

dificuldades, dilemas, angústias e esperanças. Elas são a expressão mais viva da desigualdade

e da pobreza que caracteriza o Brasil. A exclusão econômica é um dos fatores que leva as

pessoas a serem excluídas do acesso aos bens materiais e simbólicos essenciais ao

desenvolvimento humano, tais como alimentação, educação, saúde, habitação, trabalho, entre

outros. Estudar o PBF no município de Videira é uma via de acesso a esse mundo de homens

e de mulheres que lutam diariamente para assegurar a sua sobrevivência física, social e

psicológica. A desigualdade social e a pobreza continuam sendo feridas expostas da sociedade

brasileira; são marcas profundas de uma secular dívida social.

1.1 PROBLEMÁTICA DA PESQUISA

Diferentemente do que muitos fazem crer, o Brasil não é país pobre; é uma nação rica

que convive com a pobreza e alimenta os mecanismos (re) produtores da desigualdade e da

injustiça social. Como tão bem descrevem inúmeros intérpretes da sociedade brasileira, como

Gilberto Freyre (1999) Sérgio Buarque de Holanda (1978), Darcy Ribeiro (1995), Marilena

Chauí (2004), Florestan Fernandes e Ianni (1986), Raimundo Faoro (1979), José Murilo de

Carvalho (2008), Da Mata (1979) e Simon Schwartzman (2004) e tantos outros, a

desigualdade social é uma das dimensões estruturantes da formação do Brasil desde o seu

achamento, em 1500. Nas palavras de Darcy Ribeiro (1995, p. 24):

A estratificação social separa e opõe, assim, os brasileiros ricos e remediados dos pobres, e todos eles dos miseráveis, mais do que corresponde habitualmente a esses antagonismos. Nesse plano, as relações de classe chegam a ser tão infranqueáveis que obliteram toda comunicação propriamente humana entre a massa do povo e a minoria privilegiada, que a vê e a ignora, a trata e a maltrata, a explora e a deplora, como se esta fosse uma conduta natural [...] Os privilegiados simplesmente se isolam numa barreira de indiferença para com a sina dos pobres, cuja miséria repugnante procuram ignorar ou ocultar numa espécie de miopia social, que perpetua a alteridade. O povo-massa, sofrido e perplexo, vê a ordem social com um sistema sagrado que privilegia uma minoria contemplada por Deus, à qual tudo é consentido e concedido.

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Na mesma perspectiva, Marilena Chauí (2004, p. 89 e 93) assim se refere:

A divisão social das classes é naturalizada por um conjunto de práticas que ocultam a determinação histórica ou material da exploração, da discriminação e da dominação, e que, imaginariamente, estruturam a sociedade sob o signo da nação una e indivisa, sobreposta como um manto protetor que recobre as divisões reais que a constituem [...] A desigualdade na distribuição da renda – 2% possuem 98% da renda nacional, enquanto 98% possuem 2% dessa renda – não é percebida como forma dissimulada de apartheid social ou como socialmente inaceitável, mas é considerado natural e normal, ao mesmo tempo que explica por que o “povo ordeiro e pacífico” dispende anualmente fortunas em segurança, isto é, em instrumentos de proteção contra os excluídos da riqueza social”.

Acerca da desigualdade social no Brasil, o sociólogo Simon Schwartzman (2004, p.

31) faz a seguinte análise:

Qualquer análise que se faça da sociedade brasileira atual mostra que, ao lado de uma economia moderna, existem milhões de pessoas excluídas de seus benefícios, assim como dos serviços proporcionados pelo governo a seus cidadãos. Isto pode ser uma consequência de processos de exclusão, pelos quais setores, antes incluídos, foram expulsos e marginalizados por processos de mudança social, econômica, política; ou de processos de inclusão limitada, pelos quais o acesso a emprego, renda e benefícios do desenvolvimento econômico fica restrito a determinados segmentos da sociedade.

Dessa forma, a sociedade brasileira está marcada pela desigualdade social e pelos

elevados índices de pobreza, reflexo do modelo de desenvolvimento econômico, político e

social adotado no país desde o seu descobrimento. Assim, podemos afirmar que a

desigualdade social e a pobreza no Brasil é um problema complexo, resultado de um processo

histórico de múltiplas causalidades e desdobramentos.

Como forma de conter os altos índices de pobreza e desigualdade social que, durante

séculos fazem parte da sociedade brasileira, surgem os chamados Programas de Renda

Mínima (PGRM). Os PGRM no Brasil são iniciativas recentes que visam responder, ainda

que de forma tímida e limitada, à histórica dívida social. Por meio de tais políticas públicas, o

Estado introduz instrumentos concretos de distribuição de renda e inclusão social, cuja

finalidade principal é combater à pobreza, distribuir renda e estimular os grupos socais

excluídos a melhorarem suas condições de vida.

O Programa Bolsa Família (PBF) é uma dessas políticas públicas de distribuição de

renda. Trata-se, a bem da verdade, do principal programa social do atual governo federal. O

PBF beneficia, atualmente, cerca de doze milhões de famílias em situação de pobreza e de

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18

extrema pobreza. Instituído pela Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004 e regulamentado pelo

Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004. É um programa federal de transferência de

renda direta com condicionalidades. Integra o programa Fome Zero, que visa assegurar o

direito humano à alimentação adequada, promover a segurança alimentar e nutricional e a

conquista da cidadania pelas famílias mais vulneráveis. Os objetivos básicos do programa são:

(i) promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de saúde, educação e

assistência social; (ii) combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional; (iii)

estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de pobreza e extrema

pobreza; (iv) promover a intersetorialidade, a complementaridade e a sinergia das ações

sociais do poder público. (BRASIL, 2008).

Tendo em vista os seus propósitos, o PBF tem despertado a atenção de um grande

número de pesquisadores, jornalistas, gestores públicos e instituições públicas e privadas,

nacionais e internacionais. Por tratar-se da principal política pública de combate à pobreza no

Brasil e uma das principais ações governamentais do atual governo federal, é fundamental

desenvolver estudos com o propósito de conhecer melhor o funcionamento desse programa e,

sobretudo, os seus impactos no combate à pobreza e a inclusão social das famílias

beneficiadas.

Pesquisas recentes têm demonstrado alguns resultados positivos do PBF. De acordo

com Brandt (2009), entre 2001 a 2007, houve redução da desigualdade social no Brasil. O

coeficiente GINI1 caiu de 0,59 para 0,53. Segundo o Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA),

entre 2003 a 2006, o PBF reduziu 26% da pobreza e 41% da extrema pobreza no Brasil. A

desigualdade social hoje é a menor em 25 anos. Estima-se que, sem o programa de

transferência de renda, essa queda teria sido 20% menor. (REVISTA ÉPOCA, 2008, p. 74).

Segundo pesquisa coordenada pelo professor Marcelo Neri, da Fundação Getúlio

Vargas em setembro de 2009, o Bolsa Família foi responsável por 17% da queda da

desigualdade no período entre 2003 a 2008. Em apenas um ano, o número de brasileiros

pobres teve uma redução de 12,27%, com a saída de 3,8 milhões de pessoas da situação de

pobreza em 2008. De acordo com a mesma pesquisa, 16,02% dos brasileiros eram

considerados pobres em 2008. No ano anterior, esse índice estava em 18,26%. Desde 2003, a

FGV registra queda na taxa de pobreza. Naquele ano, o índice era de 28,12%. Em 2006 pela

primeira vez desde 1992, quando esse levantamento teve início - o Brasil passou a ter menos

de 20% da sua população em situação de pobreza. A taxa de pobreza caiu 43% desde 2003,

1 Mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita.

Page 19: Adriana Aparecida Felicetti

19

com 19,4 milhões de pessoas rompendo essa barreira. Em 2008, o Brasil tinha 29,9 milhões

de pessoas pobres. Se não fosse essa redução, segundo a FGV, o número de brasileiros em

situação de pobreza seria de 50 milhões.

De acordo com Neri (BRASIL, 2009):

No período de 2003 até 2008, notamos que duplicou a parcela da renda associada a programas sociais, tais como o Bolsa Família. Na classe E, que corresponde aos pobres pela linha média nacional da FGV, nota-se que após os reajustes anunciados recentemente e o novo critério de entrada no Bolsa Família, a parcela destes programas nas respectivas rendas aumentou de 4,9% para 16,3%. O documento informa ainda que a fonte de renda que mais cresceu foi a de programas sociais (20,99%) influenciado pela expansão do Bolsa Família. (Disponível em www.mds.org.br. Acesso em jul. 2010).

De acordo com os resultados das pesquisas realizadas recentemente, observa-se um

grande impacto na redução da pobreza e da desigualdade social no período de 2003 a 2008,

período em que os programas de distribuição de renda passaram a fazer parte das políticas

sociais brasileiras de forma mais intensa. Cabe destacar, também, que uma das principais

condicionalidades do PBF é a frequência e o rendimento escolar das crianças cujas famílias

recebem o benefício. Tais exigências atuam diretamente na inclusão educacional das crianças

e jovens de baixa renda. A obrigatoriedade da permanência na escola, além de promover o

aprendizado, desenvolve a consciência sobre o papel da educação enquanto fator de promoção

do desenvolvimento humano.

A presente investigação insere-se no esforço de compreender melhor como essa

importante política pública incide sobre o desempenho escolar dos estudantes beneficiados.

Pretende-se analisar o papel do PBF na vida das famílias beneficiadas na cidade de Videira-

SC. Visa investigar se e de que modo o acesso aos bens conferidos pelo Programa Bolsa

Família auxilia no desempenho escolar das crianças e jovens beneficiados. Enfim, interessa-

nos estudar os efeitos/impactos que esse programa de inclusão social tem na escola,

particularmente no desempenho escolar dos estudantes.

1.2 QUESTÕES DE PESQUISA

Page 20: Adriana Aparecida Felicetti

20

Tendo em vista a problemática descrita acima, a presente investigação procura

responder às seguintes questões de pesquisa:

a) Quem são (perfil) as famílias beneficiadas pelo PBF no município de Videira?

b) Que percepções os pais beneficiados têm do PBF e como avaliam a sua importância

no tocante ao desempenho escolar de seus filhos?

c) Que avaliação os professores/gestores educacionais pesquisados fazem do PBF

enquanto política pública de inclusão sócio-educacional?

d) De que modo o benefício conferido pelo PBF incide sobre o desempenho escolar

das crianças e jovens beneficiados?

1.3 OBJETIVOS

Em consonância com as questões de pesquisa, esse trabalho objetiva:

1.3.1 Objetivo Geral

Analisar a efetividade do PBF enquanto política pública de inclusão sócio-

educacional, particularmente a sua incidência no tocante ao desempenho escolar das crianças

e jovens de baixa renda beneficiados.

1.3.2 Objetivos Específicos

Compreender a pobreza no Brasil enquanto uma dimensão fática da desigualdade

sócio-econômica e cultural brasileira.

Situar histórica e politicamente a implantação dos programas de renda mínima e

combate à pobreza no Brasil.

Investigar as percepções que os pais beneficiados e os professores pesquisados têm do

PBF.

Page 21: Adriana Aparecida Felicetti

21

Analisar se, e de que modo, o PBF incide positivamente sobre o desempenho escolar

das crianças e dos jovens beneficiados.

A presente pesquisa estrutura-se em quatro capítulos. O primeiro capítulo, intitulado,

“Desigualdade Social e Pobreza no Brasil” apresenta o referencial teórico que fundamenta a

pesquisa. Por meio de uma revisão bibliográfica sobre o tema, tomando como referência

alguns dos principais autores que analisaram o tema no Brasil, pretende-se situar as raízes

históricas da pobreza e da desigualdade social desde a sua colonização.

O segundo capítulo, denominado, “Políticas Sociais e Programas de Renda Mínima no

Brasil”, apresenta uma breve revisão histórica da formação das políticas sociais, que têm

tomado como parâmetro institucional e histórico o Walfare State (Estado de Bem-Estar).

Importante destacar que, com a decadência desse modelo, surgem os Programas de Renda

Mínima, entre eles o Programa Bolsa Escola e o atual Programa Bolsa Família (PBF).

O terceiro capítulo, intitulado “Procedimentos Metodológicos” descreve a

metodologia utilizada na realização do presente estudo, método, delimitação da pesquisa,

amostra dos sujeitos e procedimentos, ou seja, ressaltam-se aqui as unidades de análise e a

caracterização do universo da pesquisa.

No quarto capítulo, denominado, “Programa Bolsa Família e Desempenho Escolar”,

encontram-se os resultados do estudo empírico, por meio da análise das categorias: a) Perfil

dos beneficiados pelo Programa Bolsa Família, b) Avaliação do Programa Bolsa Família, c)

Desempenho Escolar dos Beneficiados. Neste capítulo, pretende-se responder ao problema da

presente pesquisa, ou seja, analisar a efetividade do PBF enquanto política pública de inclusão

sócio-educacional, no tocante ao desempenho escolar das crianças e jovens de baixa renda.

Por fim apresentamos as considerações finais deste estudo.

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22

2 DESIGUALDADE SOCIAL E POBREZA NO BRASIL

O Brasil cresceu visualmente nos últimos 80 anos. Cresceu mal, porém cresceu como um boi mantido, desde bezerro, dentro de uma jaula de ferro. Nossas jaulas são as estruturas sociais medíocres, inscritas nas leis, para compor um país da pobreza na província mais bela da terra. Sendo assim, o Brasil do futuro, a maioria da gente nascerá e viverá nas ruas, em fome canina e ignorância figadal, enquanto a minoria rica, com medo dos pobres, se recolherá em confortáveis campos de concentração, cercados de arame farpado e eletrificado. Entretanto, é tão fácil nos livrarmos dessas teias, e tão necessário, que dói em nós [...] a nossa conivência culposa.

Darcy Ribeiro

O propósito deste capítulo é compreender a pobreza e a desigualdade social no Brasil a

partir de sua historicidade. Recorrer-se-á a vários autores, especialmente do campo da

história, sociologia e antropologia, a fim de situar os principias fatores políticos, econômicos,

sociais e culturais que estão na origem da formação desigual da sociedade brasileira. Esse

esforço é fundamental para o presente estudo, porque permite compreender a pobreza

enquanto parte e resultado de um processo contraditório; enquanto algo produzido social e

historicamente. A sociedade brasileira nasceu cingida por divisões. A escravidão, a título de

exemplo, separou brancos e negros, europeus e africanos por um período de aproximadamente

quatro séculos. A negação da cidadania deixou marcas profundas na formação do povo

brasileiro, algumas das quais ainda persistem no cotidiano de milhares de homens e mulheres

brasileiros. A desigualdade social é uma das características marcantes de nossa sociedade,

ante à qual o Brasil precisa mobilizar muito esforço a fim de vê-la resolvida.

2.1 RAÍZES HISTÓRICO-SOCIAIS DA POBREZA E DA DESIGUALDADE SOCIAL NO

BRASIL

Falar da desigualdade e da pobreza que afligem o nosso país é uma forma de

compreender, por meio de momentos históricos e sociais, a atual situação em que se

encontram parte significativa das famílias brasileiras. A evolução histórica e cultural que

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edificou nossa sociedade é resultado de um processo evolutivo, do qual fez parte, não apenas

a sociedade brasileira, mas inúmeras gerações de pessoas vindas de outros países, como

negros e descendentes de europeus. Por esse motivo, é importante destacar as raízes histórico-

sociais que compuseram a desigualdade social e a pobreza no território brasileiro e, assim, a

partir desse entendimento, compreender com mais clareza a pobreza e a desigualdade social

que acometem a grande maioria da população.

A importância em estudar as raízes histórico-sociais da pobreza e da desigualdade

social se deve ao simples fato de que tudo que somos hoje está vinculado a acontecimentos

passados, pois é notório que quase sempre a pobreza e a desigualdade social se encontram

atreladas a processos de mudanças que ocorrem em determinados momentos históricos. No

caso do Brasil, merece destaque a forma como o país foi descoberto/achado pelos portugueses

em 1500, que deu origem ao processo de formação da sociedade brasileira.

Para o desenvolvimento deste capítulo, recorre-se a autores como Darcy Ribeiro

(1995); José Murilo de Carvalho (2008); Marilena Chauí (2004); Florestan Fernandes e

Octávio Ianni (1986), Vera Telles (2001), Joaquim Nabuco (2000), Raymundo Faoro (1979),

Sergio Buarque de Holanda (1978) e outros. Estes cientistas sociais produziram importantes

trabalhos sobre a formação do Brasil, o que torna suas obras uma literatura imprescindível

para o trato dessas questões.

De acordo com Ribeiro (1995), o início de tudo se deu por volta de 1500, quando

surgem no litoral brasileiro as caravelas portuguesas. Para os nativos, era algo jamais visto

anteriormente, que encanta e ao mesmo tempo assusta, pois os índios achavam que viam

barcas de Deus, aqueles navios enormes com as velas enfurnadas chegando pelo mar. Mas

quando chegaram mais perto, horrorizaram-se, pois achavam que Deus mandou para cá seus

demônios. Uma gente feia, barbada, fétidos, pois passavam meses sem banho, mas que

traziam uma coisa encantadora: facões, machados, espelhos, miçangas, ferramentas.

Nesse contexto, inicia-se a civilização e a formação do povo brasileiro. Vale lembrar,

no entanto, que a nossa história foi contada a partir do ponto de vista do vencedor “invasor”,

até porque os relatos dependiam da escrita, dominada somente pelos representantes de

Portugal.

Nas palavras de Darcy Ribeiro (1995):

Esse foi o primeiro efeito do encontro fatal que aqui se dera. Ao longo das praias brasileiras de 1500, se defrontaram, pasmos de se verem uns aos outros tal qual eram, a selvageria e a civilização. Suas concepções, não só diferentes, mas opostas,

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do mundo, da vida, da morte, do amor, se chocaram cruamente. Os navegantes, barbudos, hirsutos, fedentos de meses de navegação oceânica, escalavrados de feridas do escorbuto, olhavam, em espanto, o que parecia ser a inocência e a beleza encarnadas. Os índios, vestidos da nudez emplumada, esplêndidos de vigor e de beleza, tapando as ventas contra a pestilência, viam, ainda mais pasmos, aqueles seres que saiam do mar. (RIBEIRO, 1995, p. 44).

O primeiro encontro entre os portugueses e os nativos da região, posteriormente

denominados de índios, foi o início de um processo civilizatório. De acordo com Ribeiro

(1991), esse processo ocorreu por duas vias: a primeira, denominada de aceleração evolutiva,

corresponde à progressão de um povo, com a preservação de sua autonomia étnica, cultural e

política. A segunda, denominada de atualização ou incorporação histórica, corresponde à

conscrição de povos estranhos por centros exógenos de dominação, que os convertem em seus

proletários externos, destinados a produzir excedente para a manutenção dos padrões de vida

no núcleo cêntrico, os quais participaram como carvão humano, com a perda de sua

autonomia e mediante sua conversão em proletariado externo de outros povos, ocasionando

uma drástica deculturação.

Assim, a chegada dos portugueses ao Brasil no ano de 1500 marca a gradativa perda

do estilo de vida, da cultura e da própria liberdade dos povos, que aqui viviam. Nesse sentido,

pode-se dizer que no Brasil o processo civilizatório se deu por meio da atualização ou

incorporação histórica, entre os povos ibéricos, indígenas e africanos, formando uma nova

etnia. Por meio do processo de deculturação surgem os chamados povos novos.

Como bem esclarece Darcy Ribeiro (1991, p. 70):

Os povos novos, dentre os quais se inclui o Brasil, originaram-se da conjunção de matrizes étnicas diferenciadas como o colonizador ibérico, indígena de nível tribal e escravos africanos, impostas por empreendimentos coloniais-escravistas, seguida da deculturação destas matrizes, do caldeamento racial de seus contingentes e de sua aculturação no corpo de novas etnias. Sua característica distintiva é a de species-novae no plano étnico, já não indígena, nem africana, nem europeia, mas inteiramente distinta de todas elas [...] são povos em disponibilidade, uma vez que tendo sido desatrelados de suas matrizes, estão abertos ao novo, como gente que só tem futuro com o futuro do homem.

Com relação à estratificação social do Brasil colônia, Darcy Ribeiro (1991), relata que

o povo brasileiro é basicamente escravista, com alicerces formados na propriedade fundiária e

regidos por um patronato senhorial. Com relação ao governo, cabia aos representantes

burocráticos do poder colonial, das classes dominantes, que se formaram no escravismo com

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25

uma postura socialmente irresponsável com relação às classes subalternas, a manutenção da

ordem a qualquer custo.

A partir da visão do autor, é importante destacar que, o Brasil é um país que possui,

em sua essência, um povo formado a partir de várias culturas (europeia, indígena e africana),

tendo sua preocupação maior no plano racial, ou seja, salientar sua branquidade e, no plano

cultural, sua europeidade, imitando os estrangeiros em tudo que for associado a fatores de

progresso. O pior de tudo isso foi a rejeição a tudo que era nacional e principalmente popular.

Isso nos leva a concluir que, ao longo de toda a sua história colonial não encontramos no

Brasil uma camada erudita que seja expressão da criatividade cultural de seu povo; o que se

encontra é uma elite transplantada, sendo que, somente nas últimas décadas, alcançou certa

magnitude como sociedade nacional e certo grau de autonomia cultural.

Nas palavras de Faoro (1979), a descoberta do Brasil se compõe com a expansão

marítima, com o objetivo de se buscar riquezas em terras distantes para o interesse explorador

do Estado português. Dessa forma, para se entender a formação da estrutura sociopolítica e

econômica do país, faz-se necessário compreender a história portuguesa, que tem como

característica uma estrutura centralizada e com interesses meramente utilitaristas perante a

nova terra encontrada. Para o autor, a indústria, a agricultura e a colonização eram controladas

pelo soberano em benefício da Coroa.

Como bem retrata Raymundo Faoro (1979, p. 148):

O município, como as capitanias e o governo geral, obedecia, no molde de outorga de poder público, ao quadro da monarquia centralizada do século XVI, gerida pelo estamento cada vez mais burocrático. A expansão das forças locais seria, muitas vezes, tolerada como transação, provisoriamente, com o retorno a ordem tradicional, como estrutura permanente do governo. A cadeia político-jurídico e administrativa criava, na verdade tensões com a corrente local, num conflito vivo durante quatro séculos.

Conforme comenta Sergio Buarque de Holanda (1978), ao se referir ao brasileiro

como originário de uma cultura enraizada na tradição ibérica, excessivamente personalista,

avessa a formação, à abstração e à equidade que, gerou uma sociedade hierarquizada,

consequência de sua colonização. Para o autor, no Brasil, toda a hierarquia se origina em

privilégios dos povos ibéricos que tinham aversão ao trabalho mecânico, uma vez que

contribuiu para a não formação do espírito de solidariedade. “A aversão ao trabalho e a

permeabilidade social geram a relação entre aquele que manda e aquele que obedece.”

(HOLANDA, 1978, p. 9).

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Para o autor, essa solidariedade só é possível com a vinculação de interesses entre os

indivíduos na sociedade, em que o esforço solidário de um é importante para o outro, e o

esforço é em prol da coletividade: “Onde prevaleça uma forma qualquer de moral do trabalho

dificilmente faltará à ordem e a tranquilidade entre cidadãos, porque são necessárias, uma e

outra, à harmonia dos interesses.” (HOLANDA, 1978, p. 9).

Importante destacar que essas características fazem perdurar a escravidão e o

latifúndio, mesmo após a Independência. O Estado português opera como uma espécie de

parasita ao reforçar a estrutura agrária e atuar como empresário e inibir a iniciativa privada,

incentivando o crescimento da burocracia, de forma que o Estado contribuiu de maneira

fundamental para a construção de uma sociedade desigual e, consequentemente, para a

expansão da pobreza no Brasil.

Como bem esclarece Ribeiro (1991), muitas foram as formas de se entender o Brasil

do passado e do presente. Nas palavras do autor, o Brasil não nasceu como etnia e se

estruturou como nação em consequência da soma dos desígnios de seus criadores. Surgiu, ao

contrário, como uma espécie de subproduto indesejado e surpreendente de um

empreendimento colonial, cujo propósito era produzir açúcar, ouro ou café e, sobretudo, gerar

lucros exportáveis.

Importante destacar que o Brasil passa a ser desigual a partir do momento em que o

país não nasce como uma etnia ou nação, mas por meio de um processo de exploração de seus

recursos naturais, cujo propósito era o empreendedorismo para países desenvolvidos, ou seja,

não tinha até o presente momento um pensamento voltado para o bem-estar das pessoas que

aqui viviam, ou melhor, um pensamento de amor para com esta terra. Assim, pode-se dizer

que a questão da pobreza e da desigualdade social pode ser entendida sob o aspecto do

modelo de colonização ao qual foi submetido.

Caio Prado Junior (1999) enfatiza que o modelo de colonização que, por tanto tempo

perdurou em nosso país, acarretou uma organização social voltada para atender ao mercado

europeu, voltado para fora, e que as resultantes secundárias desse processo se deram com o

quase esgotamento dos recursos naturais do país. Além disso, uma proporção considerável de

população que ficou às margens da atividade produtiva e a organização econômica se

restringiram aos senhores e escravos. Para o autor, o período colonial não legou base para

uma organização social menos desigual, sendo a independência brasileira fundada no império

do interesse português.

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Já, com relação à Primeira República, que irá perdurar por boa parte da história do

Brasil, cujas raízes se encontram na colônia e expandem no período imperial, destaca-se o

coronelismo que contribuiu para uma organização social injusta e desigual, em que

demandam vastas extensões de terra nas mãos de coronéis e aliados os quais detinham o poder

econômico e das letras, dando continuidade a uma situação de extrema exclusão dos menos

favorecidos.

Dessa maneira, pode-se dizer que o povo brasileiro é resultado de um processo

desigual e excludente. De acordo com Darcy Ribeiro (1995), o povo brasileiro traz consigo

até os dias de hoje a mais terrível de nossas heranças, a cicatriz de torturador impressa na

alma e pronta a explodir na brutalidade racista, classista, autoritária e desigual, composta por

uma constelação de áreas culturais com alto grau de homogeneidade. Porém sua maior virtude

decorre de ser um povo resultado de um mesmo processo civilizatório e ter se formado através

da multiplicação de uma mesma célula étnica que dá forças para criar aqui uma sociedade

solidária, que fala o mesmo idioma, com várias subculturas e que não possui definições

étnicas conflitivas, como é visto em outros países. Isso leva a crer que o Brasil é um país,

desde sua origem, com marcas da desigualdade, seja ela social ou econômica, devido a um

modelo de colonização escravista que por tanto tempo perdurou em nosso país.

Com relação ao processo civilizatório, Carvalho (2008) destaca que o Brasil herdou

uma tradição cívica pouco encorajadora, sendo que, em três séculos de colonização (1500-

1822), os portugueses tinham construído um enorme país dotado de unidade territorial,

linguística, cultural e religiosa, mas deixou uma população analfabeta, uma sociedade

escravocrata, uma economia monocultora e latifundiária, um Estado absolutista, destacando,

que, à época da independência, não havia cidadãos brasileiros, nem pátria brasileira.

Para o autor, o peso do passado se revela quando a história retrata que o fator mais

negativo para a cidadania foi, de fato, a escravidão, que aliada a grandes propriedades, não

constituiu ambiente favorável à formação de futuros cidadãos. Destaca-se também a questão

de os escravos não terem os direitos civis básicos, como o direito à integridade física, à

liberdade e a própria vida, já que a lei os considerava propriedade do senhor.

Nesse sentido, Carvalho (2008) retrata um Brasil que herdou, na área dos direitos

civis, a escravidão, a qual negava a condição humana do escravo; herdou a grande

propriedade rural, fechada à ação da lei, e herdou um Estado comprometido com o poder

privado. Essas três questões são grandes empecilhos ao exercício da cidadania civil, sendo a

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escravidão só abolida em 1888. A grande propriedade ainda exerce seu poder em algumas

áreas do país e a desprivatização do poder público é tema da agenda atual de reformas.

Ainda, com relação à escravidão, Carvalho (2008) destaca ter sido um obstáculo à

formação de uma verdadeira nação2, pois mantinha parcela da população subjugada à outra,

como inimigos entre si, e impedia a integração social e política do país, além de bloquear o

desenvolvimento das classes sociais e do mercado de trabalho, sendo aos libertos, após a

abolição, não dadas nem escolas, nem terras, nem empregos. Passada a euforia da libertação,

muitos ex-escravos regressaram a suas fazendas, ou a fazendas vizinhas, para retornar ao

trabalho por baixos salários, tendo, como consequência disso tudo, a desigualdade e o

preconceito para a população negra, que até os dias de hoje ocupa posições inferiores em

todos os indicadores de qualidade de vida.

Nessa perspectiva, vale destacar que o Brasil foi o último país de tradição cristã e

ocidental a libertar seus escravos e, quando o fez, o número de escravos era pouco

significativo. Isso pode ser visto como um obstáculo à formação de uma verdadeira nação,

pois a escravidão impedia a integração social e política do país, além de bloquear o

desenvolvimento das classes sociais e do mercado de trabalho, que não atingiu apenas os

negros, mas toda uma sociedade.

Desse modo, a economia brasileira se fundou em uma relação de conflito entre

culturas diversas e até mesmo opostas. Aqui viviam povos que tinham uma concepção de vida

e valores bem diferentes da visão branca cristã ocidental. Para os indígenas que aqui viviam a

igualdade e a cidadania era algo primordial em suas vidas. Porém, é importante registrar que

estas virtudes estavam presentes nas sociedades indígenas tradicionais, antes de participar

desta que resultou da vinda de outros povos para o Brasil, nos últimos cinco séculos.

Suplicy (2002 p. 96) expressa bem essa forma de viver dos povos indígenas:

A propriedade de terra na sociedade indígena é de todos, e entre eles não há patrões nem empregados. Para ter o direito de usufruir a terra, é preciso apenas haver laços étnicos e de parentesco. A produção não é coletiva, mas comunitária, caracterizada pela cooperação de grupos familiares em todas as tarefas. [...] Eles vivem numa sociedade sem mercado, sem dinheiro, com tecnologia relativamente simples, com pouca acumulação material, com um padrão de consumo que compreende um número limitado de bens. [...] Em compensação, a ligação com o sentido cósmico,

2 Nação é um grupo de indivíduos que se sentem unidos pela origem comum, pelos interesses comuns e principalmente, por ideais e aspirações comuns. [...] nação é muita coisa mais do que povo, é uma comunidade de consciências, unidas por um sentimento complexo, indefinível e poderosíssimo: o patriotismo. (AZAMBUJA, 2008, p. 36).

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com o lúdico, o artístico, o prazer, a alegria e o momento presente, bem como o sobrenatural, é muito intensa. [...] A chave da sociedade indígena é a reciprocidade, não o coletivo.

Interessa-nos, diante do exposto, destacar que um dos mais devastadores sistemas

implantados em nosso país foi o da economia escravocrata. Além dos aspectos desumanos da

escravidão, que institucionalizou a crueldade, a humilhação e a desonra, esse sistema

mercantil sustentou uma economia latifundiária que desprezava sua mão-de-obra, relegando-a

a um plano subalterno, criando assim uma multidão de abandonados e prisioneiros. Ainda

nesse escopo, apesar de tão oprimidos, foram capazes de defender e enraizar sua cultura, sua

arte, sua religião, seus traços, sua cor em nossa sociedade. Mais uma vez o Brasil ficou

estigmatizado na história por ter sido, em 1888, um dos últimos países do mundo a abolir a

escravidão.

Acerca da escravidão, Joaquim Nabuco (2000) assim assegura:

Durante séculos ela (a escravidão) não conseguiu mercado de trabalho, e não se serviu senão de escravos; o trabalhador livre não tinha lugar na sociedade, sendo um nômade, um mendigo, e pior que isso em parte nenhuma achava ocupação fixa; não tinha em torno de si o incentivo que desperta no homem pobre a vista do bem-estar adquirido por meio do trabalho por indivíduos da sua classe, saídos das mesmas camadas que ele. E como vivem como se nutrem, esses milhões de homens, porque são milhares que se acham nessa condição intermédia, que não é escravo, mas também não é o cidadão; cujo único contingente para o sustento da comunhão, que, aliás, nenhuma proteção lhes garante, foi sempre o do sangue, porque essa era a massa recrutável, os feudos agrícolas roubavam ao exército os senhores e suas famílias, os escravos, os agregados, os moradores e os brancos? (NABUCO, 2000, p. 115-116).

Noutra passagem, Joaquim Nabuco (2000) descreve as condições de vida dos escravos

libertos:

[...] população que se foi internada, vivendo como ciganos, aderindo às terras das fazendas ou dos engenhos onde achava agasalho, formando-se em pequenos núcleos nos interstícios das propriedades agrícolas, edificando as suas quatro paredes de barro onde se lhe dava permissão para fazê-lo, mediante condições de vassalagem que constituíam os moradores em servos da gleba. (NABUCO, 2000, p. 75).

Dessa forma, subentende-se que o grande empenho das classes dominantes em relação

aos pequenos agricultores da época era criar leis que possibilitassem transformá-los em semi-

escravos. Segundo Guimarães (1981), enquanto durou o regime escravista, as classes

dominantes nunca precisaram conhecer a fundo as razões de existência da parte “desprezível”,

que sequer acreditavam em poder integrar a sociedade civil. A ideia predominante era acionar

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30

leis que os condenasse ao trabalho forçado, mediante o pagamento de baixos salários a todos

aqueles que fossem apanhados na condição de vadios. Deste modo, enquanto na Inglaterra, ao

longo do século XIX, difundiam-se ideias de igualdade, na sociedade brasileira ainda

predominava o trabalho escravo e as populações livres eram marginalizadas, convivendo com

a desigualdade e a pobreza e um nível educacional baixo ou inexistente, ou seja, uma

sociedade formada pela pequena elite branca, os remanescentes de uma economia

escravocrata em decadência e uma multidão de escravos libertos, filhos bastardos,

descendentes de índios e brancos empobrecidos.

De acordo com Fernandes e Ianni (1986), no modelo escravista, a estrutura estamental

e de casta das relações sociais e a dominação patrimonialista, concorriam para preservar as

estruturas econômicas, sociais e políticas herdadas do período colonial. Face a isso, cabe

destacar que, desde a vinda da Família Real, em 1808, da abertura dos portos e da

Independência, à abolição da escravatura em 1888, a Proclamação da República e a

“revolução liberal”, em 1930, decorrem 122 anos. Os autores destacam ainda que toda essa

mudança social não se fazia para a sociedade brasileira, mas para o pequeno universo

estamental que continha os “homens válidos” da nação emergente.

Há mais de um século e meio depois da Independência e há mais de três quartos de século da universalização do trabalho livre e da Proclamação da República, a mudança social ainda não se dá para a sociedade brasileira como um todo, mas para uma minoria privilegiada, a qual pode ser estimada, para efeitos de classificação social efetiva “no sistema”, no máximo em 40%, mas que não passa, na realidade, de 10% em termos de concentração de renda ou de poder e de renda média compatível com o “padrão de vida decente” das elites. (FERNANDES e IANNI 1986, p. 158).

Para explicar tamanha desigualdade, Fernandes e Ianni (1986) destacam a evolução da

produção escravista e sua relação com o desenvolvimento do capitalismo e a formação do

Estado brasileiro, como pontos cruciais. De fato, o Brasil conheceu várias formas de

escravidão em sua história que simplesmente não desapareceu com a crise do regime

escravocrata e senhorial, mas merece destaque a sua participação para o desenvolvimento

capitalista interno, por meio da acumulação do capital mercantil.

Para Valla, Stotz e Algebaile (2005), a pobreza e a desigualdade no Brasil estão

associadas à fase industrial do capitalismo3 que, desde meados do século VXIII, tem o

3 Para Karl Marx, o capitalismo é um sistema econômico no qual a produção das mercadorias se baseia na relação de exploração exercida pelos capitalistas (donos do capital) sobre os trabalhadores. (Valla, Stotz e Algebaile, 2005, p. 58).

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pauperismo como tema de estudos e controvérsia. Como averiguar se o aumento da pobreza e,

mais ainda, sua forma extrema, o pauperismo, era herança da sociedade anterior ou uma

decorrência da nova sociedade que se organizava com base no capitalismo e qual a forma

adequada de enfrentar o problema, já eram motivos de preocupação.

Para Marx, no capitalismo a acumulação de riqueza é o fim em si mesmo4. Mas

enquanto a riqueza é acumulada num pólo, acrescenta ele, no outro aumenta a miséria social,

pois o sistema capitalista funciona acumulando trabalho excedente ou mais-valia, em que o

trabalhador produz cada vez mais em um tempo menor. A maior produtividade por

trabalhador leva à demissão de parte da força de trabalho empregada, pois o número menor

produz mais e, com isso, os capitalistas podem ao mesmo tempo obter mais valor adicional e

gastar menos com o pagamento de salários. A existência de uma parcela de trabalhadores

desempregados que concorram entre si gera a insegurança dos que já estão empregados.

Assim quanto maior o desemprego, tanto maior o pauperismo, a miséria social.

Conforme anteriormente colocado, o capitalismo é uma forma histórica da produção

econômica, mas no Brasil ocorreu por meio de uma precoce monopolização dos meios de

produção. Exemplo disso é a Lei da Terra de 1.850, que já havia transformado a terra em

mercadoria, de modo a impedir a posse pelos imigrantes que começaram a entrar no Brasil

para trabalhar nas plantações de café no interior de São Paulo. Destaca-se que o monopólio da

terra impediu a realização da reforma agrária em nosso país, além da industrialização que, em

1.940, caracteriza-se igualmente pela concentração de capitais, que trouxe consigo a

concentração de renda e, portanto, a pobreza absoluta.

Para Carvalho (2008), as grandes propriedades rurais, que em sua maioria, antes de

1888 eram também proprietários de escravos, podem ser vistas como um obstáculo à

expansão da cidadania, pois a grande propriedade ainda é realidade em várias regiões do

Brasil, em que o proprietário age como se estivesse acima da lei e mantém um controle rígido

sobre seus trabalhadores.

Outro fator histórico que contribuiu para o avanço das desigualdades sociais e a

manutenção da pobreza é o atraso com relação ao cuidado e zelo com a educação dos

4 O capital precisa ser acumulado para aumentar a propriedade dos capitalistas, sendo que uma parte deve ser consumida para ostentar a riqueza, parte do capitalismo à chamada “sociedade do consumo”. Estão fora dela aqueles que não alcançam este patamar: não tem água encanada, chuveiro elétrico, não podem sequer fazer um passeio no final de semana, ou seja, a felicidade de usufruir a “boa vida” do capitalismo é negada aos muito pobres, mas faz parte do sonho de todos. (Valla, Stotz e Algebaile, 2005, p. 70).

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brasileiros, principalmente daqueles historicamente marginalizados. Pensar em educação em

um país no qual em sua maioria, eram escravos e índios era algo inapropriado para a época.

Essas pessoas não eram consideradas cidadãos de direitos, mas apenas uma mercadoria que

deveria produzir. As consequências dessa formação social foram duradouras para a população

negra que, até nos dias de hoje, ocupa posições inferiores em todos os indicadores de

qualidade de vida, considerada menos educada, com os empregos menos qualificados e os

menores salários. O resultado desse fato histórico é o índice de analfabetismo crônico de

grande parte da população brasileira, desde os primórdios da história do país que, apesar da

significativa evolução no que se refere ao acesso à escola, a quantidade de brasileiros que

sabem apenas escrever e ler o nome ainda é insustentável. Então a desigualdade social

mantém uma relação estreita com a desigualdade educacional.

A economia escravocrata que tanto tempo perdurou em nosso país, de acordo com

Suplicy (2002), deixou marcas que perduram até os dias de hoje, quando tomamos como base

a pobreza e a desigualdade social. Em 1999, cerca de 34% viviam em famílias com renda

inferior à linha da pobreza e 14% em famílias com renda inferior à linha de indigência,

correspondendo a 54 milhões de pobres e 22 milhões de indigentes. Os negros, incluindo os

pretos e pardos, representavam 45% da população, mas correspondia a 64% da população

pobre e 69% da população indigente. Dos 54 milhões de brasileiros pobres, 19 milhões eram

brancos, 30,1 milhões pardos, 3,6 milhões pretos, 140 mil indígenas e 76 mil amarelos. Dessa

forma, a desigualdade racial no Brasil, nascer de cor parda ou de cor preta aumenta de forma

significativa a probabilidade de um brasileiro ser pobre. (SUPLICY, 2002, p. 107).

Falar em educação é relembrar um tempo remoto, em que a educação era prioridade para

os filhos homens, da elite brasileira. Nas palavras de Guimaraes-Losif (2009), no Brasil Colônia

(1549- 1759), o modelo de educação era exercido pelos Jesuítas, denominado Ratio Studiorium,

sendo sua missão catequizar os índios. Aos escravos negros nada restava, pois não eram

considerados seres humanos pela Igreja e nem cidadãos pelo Estado- ficavam à margem de

qualquer direito.

Também Carvalho (2008) ressalta que, o descaso com a educação brasileira por parte da

Coroa portuguesa, dificultou o desenvolvimento de uma consciência de direitos. Destaca-se o

descaso nos índices de que, em 1872, meio século após a independência, apenas 16% da

população era alfabetizada, pois não era do interesse da administração colonial, ou dos senhores

de escravos, difundir essa arma cívica.

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Exemplo de tamanho preconceito e discriminação entre pobres e ricos, brancos e

negros, letrados e analfabetos, marca um país, sob o comando da elite e uma sociedade

basicamente analfabeta. Um exemplo disso, segundo Guimaraes-Losif (2009, p. 46), é a

Inglaterra que, terminou o século XIX com apenas 10% da população analfabeta. Em 1867 o

Brasil contava com mais de 90% de sua população livre analfabeta, e pior, sem considerar o

grande número de escravos e de grande parte dos índios que não tinham acesso à educação.

Vieira e Freitas (2003 apud GUIMARAES-LOSIF, 2009, p. 47) destacam que, em

1890, o número de analfabetos era de 85%, dados que caem para 75% em 1900, inalterados

até 1920, o que expõe o fracasso republicano na área educacional. A questão social explode

no Brasil no início do século XX, marcado por muitas revoltas populares e reivindicações.

O conteúdo exposto nessa sessão possibilita perceber que a pobreza e a desigualdade

social e educacional fazem parte da grande maioria da população brasileira, resultado da

exclusão social, falta de direitos mínimos de sobrevivência e nenhum direito à educação. Esse

atraso perdurou por muitos e muitos anos, sob o elitismo de uma classe social dominante. A

exploração e escravidão de uma classe opressora, que mesmo com a Proclamação da

Independência em 1822

, não teve avanços na educação, destacando a primeira Constituição em 1824, que

determina a instrução primária gratuita para todos os cidadãos, porém desconsiderando os

pobres e os negros.

Outro fator importante que marca a o aumento da pobreza e a desigualdade social, de

acordo com Carvalho (2008, p. 54), é o fato de o Brasil, até 1930, ser um país

predominantemente agrícola. De acordo com o senso de 1920, apenas 16,6% da população

vivia em cidades e 70% se ocupavam de atividades agrícolas. Dos 30 milhões de habitantes,

apenas 24% sabiam ler e escrever. Os adultos alfabetizados, isto é, os que detinham direito de

voto não passariam de um milhão. Assim, esses dados remetem a um pensamento de que não

havia no país um povo politicamente organizado, opinião pública ativa, eleitorado amplo e

esclarecido, ou seja, o povo não tinha lugar no sistema político. Aos grandes acontecimentos

nacionais o povo assistia não como revoltoso ou indignado, mas como curioso, desconfiado,

temeroso.

Cabe salientar que até 1930 a economia brasileira se baseava em dois tipos de

atividades agrícolas, as plantações de café, para o mercado internacional e a agricultura e

pecuária de baixa produtividade para o mercado interno. Nos dois casos, a terra era de

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propriedade de uma pequena elite e a permanência da mão-de-obra escrava até o final do

século XIX é mantida.

Para Buarque (2003 apud GUIMARAES-LOSIF, 2009, p. 48), entre o período de 1889

e 1930, o Brasil ainda não pensava como uma nação, apesar da Independência, da República e

da Abolição da escravidão, mas apenas como um país onde os grandes latifundiários e

comerciantes davam continuidade ao sistema colonial de exportação e importação.

É importante destacar que, somente no início da década de 1930, o governo cria o

Ministério da Educação e da Saúde e mais tarde a Universidade de São Paulo (1934) e a

Universidade do Rio de Janeiro (1935), consideradas as primeiras universidades oficiais do

país.

O exposto permite compreender que a pobreza e a desigualdade social no Brasil estão

relacionadas à educação. Em decorrência disso, uma população pobre e desigual, era

comandada por uma pequena elite de letrados que detinham o poder de decisão da maioria da

população. Explicar hoje a pobreza e a desigualdade existentes não é difícil quando nos

deparamos com uma história cercada de abusos, opressão, exploração dos maiores para os

menores, resultado de um atraso político, social, econômico e educacional.

Na mesma perspectiva, Guimaraes-Losif (2009) ressalta que as estatísticas nacionais e

internacionais na área educacional mostram que a desigualdade social mantém relações

estreitas com a desigualdade educacional no Brasil, sendo o índice de repetência e evasão

escolar ainda mais dramático quando são jovens pobres, índios, negros ou afro-descendentes

das periferias de grandes centros urbanos.

Para finalizar, Telles (2001) destaca que a pobreza e a desigualdade social brasileira

do século XIX, de um modo geral, trouxeram certo descompasso entre uma sociedade que se

quer moderna e civilizada, mas que convive com a realidade violenta da iniquidade entre o

descompasso da sociabilidade e a brutalidade da escravidão.

Ainda, para o autor, o século XX merece destaque, pois encerra a década de 1980,

diante de uma sociedade que se industrializou e se urbanizou, mas que também gerou novas

classes e grupos sociais, deixa para trás o velho Brasil patriarcal e faz emergir novos

comportamentos e valores, mas também uma pobreza desmedida, nas imagens de um atraso

que ata o país às raízes de seu passado e resiste à potência civilizadora do progresso.

De acordo com Telles (2001 p. 16-17):

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Ao lado da persistência de uma pobreza de raízes seculares, a face da moderna da pobreza aparece registrada no empobrecimento dos trabalhadores urbanos integrados nos centros dinâmicos da economia do país, seja pela deterioração salarial que se aprofundou durante os últimos anos, seja pela degradação dos serviços públicos que afetam a qualidade de vida nas cidades, seja ainda pelo desemprego em larga escala que atinge o setor formal da economia.

No que se refere à pobreza e à desigualdade social, Telles (2001) destaca ser um

problema que inquieta e choca a sociedade, pois aparece sempre como sinal de atraso. Para

ela, é um pesado tributo que o passado legou ao presente, e que envergonha um país que se

acostumou a pensar ser o “país do futuro”. A pobreza incomoda ao encenar o avesso do

Brasil, que se quer moderno, mas que ainda é um país subdesenvolvido, fruto de uma matriz

cultural própria, de uma sociedade que não sofreu a revolução igualitária, em que as leis, ao

contrário dos modelos clássicos, não foram feitas para dissolver, mas para cimentar os

privilégios dos “donos do poder”, exemplos conhecidos a prepotência e o autoritarismo nas

relações de mando, que marca a pobreza como inferioridade e consequentemente

descredenciam indivíduos para o exercício de seus direitos.

Já, para Garcia (2003), a pobreza é decorrente de ações realizadas pelos próprios

homens, sendo resultado de ações cotidianas em situações concretas. O Brasil foi fundado

sobre o signo da desigualdade, da injustiça, da exclusão: capitanias hereditárias, sesmarias,

latifúndios, Lei de Terra de 1850 (que proibia o acesso à terra por aqueles que não detinham

grandes quantias de dinheiro), escravidão, genocídio de índios, importação subsidiada de

trabalhadores europeus miseráveis, autoritarismo e racismo das elites nacionais.

Nas palavras de Garcia (2003, p. 10):

[...] foram criadas riqueza e renda suficientes para produzir alterações significativas nas condições de vida da grande massa da população brasileira que é carente de tudo. No entanto, a riqueza existente, a produzida e a renda criada sempre foram apropriadas concentradamente por minorias que sofrem de um estado crônico de “ganância infecciosa”.

Na mesma perspectiva, no que se refere à pobreza e à desigualdade social, Marilena

Chauí (2004) destaca que a sociedade brasileira é marcada por uma estrutura hierárquica do

espaço social. Nela as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas entre um

superior que manda e um inferior que obedece. Essas diferenças de assimetrias são sempre

transformadas em desigualdades que reforçam a relação mando-obedeço, em que o outro

jamais é reconhecido como sujeito nem como sujeito de direitos.

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Conservando as marcas da sociedade colonial escravista, ou aquilo que alguns estudiosos designam como “cultura senhorial”, a sociedade brasileira é marcada pela estrutura hierárquica do espaço social que determina a forma de uma sociedade fortemente verticalizada em todos os seus aspectos: nela, as relações sociais e intersubjetivas sempre realizadas como relação entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece. As diferenças e assimetrias são sempre transformadas em desigualdades que reforçam a relação mando- obediência. O outro jamais é reconhecido como sujeito nem como sujeito de direitos [...] as relações entre os que se julgam iguais são de “parentesco”, isto é, de cumplicidade ou de compadrio; e entre os que são vistos como desiguais o relacionamento assume a forma de favor, da clientela, da tutela ou da cooptação. Enfim, quando a desigualdade é muito marcada, a relação social assume a forma nua da opressão física e/ ou psíquica. (CHAUÍ, 2004, p. 89).

Enfim, a autora destaca que, quando a desigualdade é muito marcada, a relação social

assume a forma nua da opressão física ou psíquica em uma sociedade autoritária, em que as

divisões sociais são tidas como inferioridade natural (no caso das mulheres, negros, índios,

imigrantes e idosos) e permite a naturalização de todas as formas visíveis e invisíveis de

violência, o que torna o Brasil não uma ausência de Estado, mas um excesso de Estado para

preencher o vazio deixado por uma classe dominante inepta e classes populares atrasadas ou

alienadas.

Nesse sentido, Chauí (2004) destaca que questões relacionadas aos direitos humanos

fundamentais são negligenciadas de forma natural e interpretadas de forma preconceituosa

pela sociedade, quando destaca que:

A existência dos sem-terra, dos sem-teto, dos milhões de desempregados é atribuída à ignorância, à preguiça e à incompetência dos miseráveis. A existência de crianças sem infância é vista como tendência natural dos pobres á vadiagem, à mendicância e à criminalidade. Os acidentes de trabalho são impugnados á incompetência e à ignorância dos trabalhadores [...] o autoritarismo social que enquanto “cultura senhorial” naturaliza as desigualdades e exclusões socioeconômicas. (CHAUÍ, 2004, p. 93).

Assim, a pobreza é um fenômeno que acompanha a humanidade há muito tempo, fruto

das desigualdades sociais e econômicas, que passou a desenvolver características distintas à

medida que o sistema capitalista de organização social passou a fazer parte de grande parte do

mundo. Em face disso, vale lembrar que vivemos em uma época que marca a modernidade,

adquirida nos anos oitenta, e um Brasil patriarcal constituído por meio da exploração, desde o

seu descobrimento e construído por meio de uma política marcada pela ditadura e a repressão,

no início da industrialização. Desse modo, a pobreza e a desigualdade social decorrem de um

atraso social e histórico de raízes seculares que, articulado às novas problemáticas

ocasionadas pela modernidade e à industrialização geram essa nova concepção de pobreza.

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Nas palavras de Guimaraes-Losif (2009, p. 65):

Nossa história de elitismo, de exclusão e de violação dos direitos da população pobre por centenas de anos é a história de um país onde cada salto ocorreu de modo incompleto [...]. Mesmo independentes, optamos por manter como imperador o filho do rei da metrópole que nos colonizava; os escravos foram abolidos, mas não receberam terras e nem educação; a República foi proclamada, mas o país não se tornou uma república uma vez que as elites se tornaram distantes das massas, agindo como aristocratas; o desenvolvimento industrial não foi acompanhado da reforma agrária que lhe fundamentasse; além disso, uma democracia incompleta, fruto de uma redemocratização corporativista. Todos esses fatores contribuíram para que a desigualdade social e a pobreza tomassem dimensões cada vez maiores na realidade brasileira.

Nesse contexto, podemos concluir que o Brasil iniciou seu processo econômico e

social por meio da retirada de seus recursos naturais e a exploração da mão-de-obra escrava.

O “invasor” tinha como prioridade a exploração de suas riquezas existentes, forma de suprir

os interesses do mercado externo, e não o desenvolvimento de uma nação. Assim, esse

processo exploratório é o reflexo de muitos problemas que hoje o Brasil enfrenta, sendo o

maior deles a desigualdade social existente em todo o seu território, como marca registrada de

um país que cresceu e se desenvolveu de forma precária e desigual, pois a desigualdade e a

pobreza sempre estiveram presentes em sua história, desde seu descobrimento até os dias

atuais. Diante do exposto, pode-se afirmar que a importância em estudar as raízes histórico-

sociais da pobreza e da desigualdade social se deve ao simples fato de que tudo que somos

hoje está vinculado a acontecimentos passados.

No caso do Brasil, merece destaque a forma como o país foi descoberto, a formação

do sistema econômico e a questão relacionada à educação, como principais vertentes que

deram origem à pobreza e à desigualdade social existentes no país. Merece destaque a questão

do descobrimento do Brasil pelo simples fato de se dar de forma exploratória, por meio de um

processo civilizatório de dominação, que converte os povos que aqui viviam em carvão

humano, submete-os a um processo de deculturação, ou seja, a perda de sua autonomia e a

formação de um povo basicamente escravista. Assim, o Brasil surge como uma espécie de

subproduto, o que significa dizer que a pobreza e a desigualdade social se destacam a partir do

momento em que o país não nasce como uma etnia ou nação, mas por meio de um processo

exploratório.

Com relação à questão econômica, o Brasil se fundou em uma relação de conflito

entre culturas, um modelo de produção escravista e uma estrutura estamental e de casta das

relações sociais, e sob a dominação patrimonialista do período colonial. No decorrer de sua

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historicidade adquire um modelo de economia capitalista, porém tardio com relação a outros

países. Outra questão que influencia a pobreza e a desigualdade social é o descaso com a

educação do povo que no decorrer de quase meio século de existência, ainda era considerado

um país de analfabetos. Em decorrência disso, formou uma população pobre e desigual,

comandada por uma pequena elite de letrados. Todos esses dados acima expostos serão mais

bem compreendidos a partir do segundo subtítulo, que terá uma abordagem voltada

exclusivamente para os conceitos e informação mais detalhadas da pobreza e desigualdade

que assolam nosso país.

2.2 RETRATOS DA DESIGUALDADE SOCIAL E DA POBREZA NO BRASIL

Na sessão anterior discute-se a historicidade da pobreza e da desigualdade social em

nosso país, desde sua origem até sua evolução, ou seja, suas raízes em solo brasileiro. No

decorrer do texto, foi possível visualizar com clareza a história do país e consequentemente os

motivos que o levaram a ter um dos maiores níveis de pobreza e desigualdade social do

mundo. O próximo desafio está em entender de forma mais clara e objetiva de que forma a

pobreza e a desigualdade social se dá em nosso país e quais as consequências para o seu povo.

Para que isso seja possível, serão utilizados vários autores que, no decorrer do texto, irão

definir o que é pobreza e desigualdade social, de que forma ela atua sobre a sociedade

brasileira, além de trazer dados quantitativos sobre o assunto.

Para um melhor entendimento sobre a pobreza no Brasil, é importante destacar a

definição dada ao tema, por autores como Valla, Stotz e Algrebaile (2005) Waiselfisz,

Abramovay e Andrade (1998), Pedro Demo (1996), Rocha (2006):

Para os autores, Valla, Stotz e Algrebaile (2005, p. 53) definem pobreza como:

Pobreza é uma palavra de significado aparentemente simples, porque, em oposição à riqueza, diz respeito a uma situação na qual uma pessoa (ou uma família) não tem condições de viver dentro dos padrões socialmente estabelecidos em um certo momento histórico. Em países como o Brasil, a falta dessas condições é imediatamente associada à insuficiência da renda sob a forma monetária.

Waiselfisz, Abramovay e Andrade (1998), por sua vez, referem-se à pobreza como a

insuficiência de recursos materiais para a sustentação da vida humana. Essa seria uma

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interpretação um tanto estreita, produto de uma visão economicista que pode ser traduzida

como “pobreza é quem não tem dinheiro”. Por isso, achamos mais indicada a conceituação

adotada pelo PNDU- Programa Nacional de Desenvolvimento Humano, que vê a pobreza

como uma negação das escolhas e oportunidades básicas para o desenvolvimento da vida

humana, refletida em vida curta, falta de educação, falta de meios materiais, exclusão, falta de

liberdade e dignidade. Assim, a pobreza humana é multidimensional, ao invés de

unidimensional, e centrada nas pessoas, privilegiando a qualidade da vida humana e não as

posses materiais.

Na concepção dos autores, esta multidimensionalidade permite falar em três eixos

constitutivos:

a) a pobreza material, como ausência de bens e serviços básicos;

b) a pobreza intelectual, que determina o desenvolvimento cultural, ideológico, científico

e político do ser humano;

c) a pobreza social, que nega a integração no coletivo com direitos plenos, participação

na sociedade e respeito dentro do coletivo.

Nessa perspectiva, a pobreza pode ser vista mais do que uma somatória de sujeitos. É

um contexto, um ambiente que impede ou limita o desenvolvimento humano de pessoas

concretas, ou seja, é uma barreira que dificulta e que indigna a vida humana.

Com relação aos critérios utilizados para medir a magnitude da pobreza, o autor

destaca dois: o critério de renda e das necessidades sociais.

a) Critério da renda: consideram-se pobres aqueles cuja renda é inferior a uma

determinada linha, definida pela quantidade de alimentação – indigência ou pobreza

extrema – ou incluindo também necessidades básicas como transporte, moradia, etc.

b) Critérios de necessidades sociais: é baseado na capacidade e/ou possibilidade dos

indivíduos de um grupo familiar de funcionar adequadamente na sociedade medido

por meio de: índices de desenvolvimento humano (nível de bem estar, independente

do nível de renda, resume-se à capacidade para ter uma vida longa e saudável, adquirir

conhecimentos e ter acesso aos recursos necessários a um padrão de vida adequado) e

índices de pobreza humana (mede as carências quanto ao desenvolvimento humano

básico nas mesmas condições que o Índice de Desenvolvimento Humano, sendo as

variáveis: percentual de pessoas com esperança de vida inferior a 40 anos, percentual

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de adultos analfabetos, e estabelecimento de condições econômicas essenciais para um

padrão de vida adequado).

Com base em Rocha (2006) define à pobreza como:

(...) um fenômeno complexo, podendo ser definido como a situação na qual as necessidades não são atendidas de forma adequada. Para operacionalizar essa noção ampla e vaga, é necessário especificar que tipo de necessidades é essas e qual nível de atendimento pode ser considerado adequado. A definição relevante depende basicamente do padrão de vida e da forma como as diferentes necessidades são atendidas em determinado contexto socioeconômico. (ROCHA, 2006, p. 9-10).

Além dos critérios acima expostos, outro critério que merece destaque é a pobreza

relativa e a pobreza absoluta. De acordo com Rocha (2006), a pobreza absoluta é aquela que

possui vínculos com as questões de sobrevivência física, ou seja, ao não atendimento das

necessidades vinculadas ao mínimo vital. Já a pobreza relativa refere-se às necessidades a

serem satisfeitas em função do modo de vida predominante na sociedade em questão, o que

significa incorporar a redução das desigualdades de meios entre indivíduos como objetivos

sociais.

Na análise de Rocha (2006), a pobreza deve ser tratada de acordo com a realidade de

cada país, levando em consideração suas particularidades. A autora faz uma diferenciação da

pobreza em três grupos: o primeiro grupo, formado pelos países onde os recursos não são

suficientes para garantir o suprimento das necessidades básicas; o segundo grupo, referente

aos países em que as necessidades básicas são atendidas por programas de transferência de

renda e acesso a serviços públicos; o terceiro grupo é o que se situa em uma situação

intermediária, visto que possui recursos suficientes para garantir o mínimo necessário a todos.

Porém não ocorre devido à desigualdade social existente e à má distribuição da renda. Nesse

caso pode citar o Brasil, que possui recursos naturais e econômicos para que todos possam

viver com dignidade. Mas a desigualdade social existente é extrema e divide de forma

desigual os recursos mínimos de subsistência.

Até o presente momento, as formas de mensuração dos níveis de pobreza originam-se

na economia, sendo destaque a pobreza como insuficiência de renda e o não atendimento às

necessidades básicas nas abordagens mais utilizadas por autores para caracterizar e conceituar

a pobreza. Mas a pobreza também pode ser vista por outro ângulo, não apenas no que se

refere a questões relacionadas à economia, mas pela ótica política.

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Já, na análise de Demo (1996), a pobreza tem uma dimensão política, ou seja, não ter e

não ser são duas formas de pobreza. Condicionam-se como regra geral, mas uma não

determina a outra necessariamente, pois há quem tenha muito, e não é nada, como há quem

seja muito sem nada ter. Uma é de ordem sócio-econômica, quantitativa, material; a outra é de

ordem política, qualitativa, imaterial. Dessa forma, a pobreza, em sua visão material, é a face

mais visível, é a que se encontra concretamente nas ruas, espanta em primeira mão, espanta

pela presença agressiva. Combater esta pobreza é o que nos promete à costumeira política

social, que tem na economia seu instrumento primordial. Por outro lado, dificilmente se

reconhece a pobreza política, porque não se vê com facilidade. A opressão qualitativa, que

origina desigualdades pungentes, também é pobreza, nos horizontes do ser. A infelicidade, a

insatisfação, o abandono batem à nossa porta de muitos modos, nem sempre são materiais.

Não costumam matar como a fome, mas também destroem.

Nesse sentido, o autor ressalta que a pobreza vai além da falta de recursos econômicos

ou alimentar, o que nos remete a uma reflexão mais geral a respeito do tema. Nessa

perspectiva, é politicamente pobre o povo que não conquistou ainda seu espaço de

autodeterminação, ou ainda, a sociedade debilmente organizada que não passa de manobra

nas mãos do Estado e, por esse motivo, não consegue construir representatividade legítima.

Além disso, é politicamente pobre o povo que aceita líderes carismáticos e serviços

públicos marcados pela burocratização, pelo privilégio e pela corrupção, ou seja, aceitar um

Estado avassalador e prepotente, com uma minoria privilegiada que cultiva o analfabetismo, a

desorganização da sociedade civil, o desmantelamento das identidades culturais.

Do mesmo modo, a pobreza política também pode ser entendida como não reivindicar

direitos e os esperar passivamente, como também entender o Estado como patrão ou tutela e

vê-lo o mesmo como caridade governamental. O cidadão que somente reclama, mas não se

organiza para reagir, não se associa para reivindicar, entres outras formas.

Como já foi retratado no item anterior, a pobreza e a desigualdade social podem ter

suas origens sob vários aspectos, entre eles, cultural, econômico ou social. Telles (2001)

entende à pobreza como resultado dos impactos do crescimento econômico dos países

considerados da periferia capitalista, e o caráter de uma tradição conservadora e autoritária,

como especificidade da persistência da pobreza na sociedade brasileira, ou seja, o problema

da pobreza está em uma elite considerada minoria e a exclusão uma maioria.

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Tema do debate público e alvo do discurso político [...] à pobreza acompanha a história brasileira, compondo o elenco dos problemas e dilemas e um país que fez e ainda faz do progresso um projeto nacional. É isso propriamente que especifica o enigma da pobreza brasileira. Pois espanta que essa pobreza persistente, conhecida, registrada e alvo do discurso público, não tenha sido suficiente para construir uma opinião pública crítica capaz de mobilizar vontades políticas na defesa de padrões mínimos de vida para que este país mereça ser chamado de civilizado. (TELLES, 2001, p. 18).

Com o propósito de elucidar as possíveis causas da pobreza Schwartzman (2004),

destaca que, à pobreza é consequência de combinações como heranças culturais, condição

econômica e questão política de um país. Diante disso, o autor destaca ser ingênuo dizer que

esse problema pode ser eliminado apenas com “vontade política”, ou pela redistribuição dos

recursos dos ricos para os pobres, pois analistas, do tema concordam que o maior correlato da

desigualdade de renda no país é a diferença em educação, pois sem ela é difícil conseguir

emprego e, na ausência de uma população educada, poucos empregos de qualidade são

criados.

Qualquer análise que se faça da sociedade brasileira atual mostra que, ao lado de uma economia moderna, existem milhões de pessoas excluídas de seus benefícios, assim como dos serviços proporcionados pelo governo a seus cidadãos. Isto pode ser uma consequência de processos de exclusão, pelos quais setores, antes incluídos, foram expulsos e marginalizados por processos de mudança social, econômica, política; ou de processos de inclusão limitada, pelos quais o acesso a emprego, renda e benefícios do desenvolvimento econômico fica restrito a determinados segmentos da sociedade. (SCHWARTZMAN, 2004, p. 31).

Para Schwartzman (2004), o problema está na dificuldade de enfrentar e solucionar a

pobreza, principalmente no que se refere à opinião pública. Para o autor, a acomodação frente

a tamanho desrespeito tem despertado o interesse de estudiosos e pesquisadores da área,

principalmente com relação ao motivo que leva uma população não reagir a tamanho

desrespeito para com a sua cidadania, porém muitas explicações podem ser encontradas na

história do povo brasileiro, muitas das indagações e questionamentos podem ser explicadas,

principalmente a aceitação de uma vida subumana.

É preciso destacar que, à pobreza é um fenômeno complexo, relacionado a diversas

formas de carência e, portanto mensurável por diversas metodologias, o que, dificulta uma

definição específica. A pobreza e a desigualdade social são alguns exemplos de formas de

desigualdade, as quais servem de ponto norteador na elaboração de programas sociais de

combate a fome e à desnutrição, como bem esclarece os autores Barros, Henriques e

Mendonça (2001):

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A desigualdade encontra-se na origem da pobreza e combatê-la torna-se um imperativo. Imperativo de um projeto de sociedade que deve enfrentar o desafio de combinar democracia com eficiência econômica e justiça social. Desafio clássico da era moderna, mas que toma contornos de urgência no Brasil contemporâneo (...). No entanto, para erradicar a pobreza no Brasil é necessário definir uma estratégia que confira prioridade na redução da desigualdade. (BARROS, HENRIQUES E MENDONÇA, 2001 p. 23-24).

Nas palavras de Sanson (2007), a desigualdade social é o resultado das formas de

organização dos homens em nossa sociedade, que exclui a população do acesso a bens e

serviços, das relações sociais e do direito à cidadania. Dessa forma, é possível afirmar que as

desigualdades sociais não são acidentais, e sim produzidas por um conjunto de relações que

abrangem as esferas da vida social.

Já, para Henriques (2001), a desigualdade resulta de um acordo social excludente, em

que a sociedade não reconhece a cidadania para todos. A cidadania dos incluídos é distinta da

dos excluídos e consequentemente também são distintos os direitos e as oportunidades. Na

economia existem relações que levam à exploração do trabalho e à concentração da riqueza

nas mãos de poucos. Na política, a população é excluída das decisões governamentais. O

modelo de desenvolvimento adotado em nosso país sempre privilegiou as elites econômicas.

Assim, pode-se dizer que a desigualdade social acontece quando a distribuição de renda é

feita de forma diferente, a maior parte fica nas mãos de poucos. No Brasil, a desigualdade

social é uma das maiores do mundo.

Isso se deve ao fato de que o Brasil traz consigo as marcas de uma forma de

desenvolvimento capitalista que, de acordo com Costa (2006), proporciona o enriquecimento

apenas dos que estão no poder.

Dentre os fatores estruturais que interferem nessa situação, podemos citar: a ausência de mecanismos de distribuição de renda através de uma estrutura tributária progressiva, falta de um amplo processo de reforma agrária, investimento em políticas sociais básicas e democratização do acesso ao poder político. (COSTA, 2006, p. 179 e 180).

De acordo com o autor Josué de Castro (2005), em seu livro A Geografia da Fome, o

Brasil é repleto de desigualdades, iniciadas desde a questão ambiental, social e econômica.

Destaque com muita ênfase a situação em que milhares de brasileiros vivem diariamente com

o dilema da fome. Neste livro o autor divide o país em cinco regiões: 1) Área da Amazônia; 2)

área da Mata do Nordeste; 3) Área do Sertão do Nordeste; 4) Área do Centro Oeste; 5) Área

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do Extremo Sul. E relata que felizmente nem todas são a rigor áreas de fome, mas destaca três

delas como sendo nitidamente áreas de fome: a Área Amazônica, a da mata e a do Sertão.

O autor faz menção a cada uma das regiões de acordo com sua cultura e condições

geográficas para descrever a fome no Brasil. Com relação à região Amazônica, destaca que a

fome se dá devido a problemas relacionados às condições geográficas, que dificultam a

produção de alimentos variáveis, o clima de tipo quente e superúmido e as dificuldades de

acesso da população ora engolidos pela floresta Amazônica sofrem com a falta de estrutura

física, social e econômica. Já com relação à área da mata Nordeste, destaque também para as

condições geográficas, e ao crescente cultivo da cana-de-açúcar. Isso fez com que os

colonizadores sacrificassem todas as outras possibilidades ao plantio exclusivo da cana,

associado às diversas culturas que por ali passaram e a diversos erros acumulados durante

anos é a grande responsável pela alimentação deficiente da população. E, para finalizar, a

região do Sertão se destaca pelo clima semi-árido, seco, com chuvas escassas e uma

temperatura média elevada. Dessa forma, a irregularidade das chuvas desde o

empobrecimento progressivo do solo pela erosão até as crises calamitosas de fome da região.

É possível perceber que no Brasil, as desigualdades de renda e à pobreza não estão

relacionadas à escassez de recursos. Mas, a má-distribuição, caracterizada por forte

concentração de renda encontrada no país. De forma geral, os estudos comprovam que o

Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, graças a sua alta concentração de riqueza

nas mãos da minoria, conforme esclarece Barros, Mendonça e Duarte (1997) apud Cruz

(2007), ao referir-se que, o grau de desigualdade no Brasil é indiscutivelmente superior ao

encontrado em qualquer um dos demais países latino-americanos, mas, também, quando o

comparamos com os demais países do mundo.

Segundo Henriques (2001), a intensidade de nossa desigualdade de renda coloca o

Brasil distante de qualquer padrão reconhecível, no cenário mundial. As origens históricas e

institucionais da desigualdade brasileira são múltiplas. Sua longa estabilidade fez com que o

convívio das pessoas nessa situação passasse a ser algo natural. No entanto, a desigualdade é

resultado de um acordo social excludente, que não reconhece a cidadania para todos, e a

cidadania dos incluídos é distinta da dos excluídos, como também são distintos os direitos,

oportunidades e horizontes.

Assim, na reflexão do autor, a naturalização da desigualdade, por sua vez, engendra

no seio da sociedade civil resistências teóricas, ideológicas e políticas para identificar o

combate à desigualdade como prioridade das políticas públicas, sendo a pobreza um dos mais

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agudos problemas econômicos do país, sendo ela a principal determinante da pobreza que, por

sua vez, é o maior problema estrutural do Brasil.

De acordo com Silva (2007), a desigualdade social a nível mundial não difere dos

milhões de brasileiros que, sem oportunidades de trabalhar dignamente, passam a viver da

pior maneira possível, excluídos da sociedade. Isso se deve ao fato de que a desigualdade

social pode estar relacionada com problemas de ordem das políticas públicas, no qual o

Estado não contempla as necessidades sociais da população e contribui para que ocorra ainda

mais exclusão social. Ainda, para o autor, é possível observar que as desigualdades sociais

estão interligadas com o sistema histórico-econômico em que o país está inserido, sendo, este

fator associado à trajetória histórica do Brasil, ou seja, à maneira como foi colonizado.

Até o presente momento, podemos ter uma noção das definições a respeito do tema

pobreza e desigualdade social, porém é de grande relevância cientifica demonstrar como a

pobreza a desigualdade social têm afetado o Brasil nos últimos anos. Para isso, serão

disponibilizados dados quantitativos, resultantes das últimas pesquisas realizadas a respeito

do tema.

No que se refere aos indicadores de pobreza no Brasil, merecem destaque autores

como Carlos Geraldo Langoni (2005), Sonia Rocha (2006), Guimaraes-Losif (2009), Arbache

(2003), IPEA- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, PNAD- Programa Nacional de

Desenvolvimento Humano.

Com relação à pobreza, Guimaraes-Losif (2009) relata que mais de 1,3 milhões de

pessoas no mundo vivem em extrema situação de pobreza e convivem diariamente com a

fome, doenças e com o analfabetismo. Enquanto alguns países ricos fortalecem cada vez mais

suas economias, os países pobres tornam-se cada vez mais pobres. A distância entre esses dois

mundos faz com que milhares de crianças, jovens, índios negros, mulheres e as minorias

sofram mais diretamente as consequências dessa dramática realidade. Apesar de ser

considerado país da economia de médio porte, com amplos sinais de crescimento nos últimos

anos, o Brasil não pode ser considerado um país desenvolvido, em virtude do percentual de

pessoas que ainda vivem abaixo da linha de pobreza e dos altos índices de desigualdade e

analfabetismo de sua população.

Para Singer (1986), é importante destacar dois momentos que refletem o aumento da

pobreza e da desigualdade no Brasil, que se dão entre 1960 e 1980. O primeiro diz respeito a

30 milhões de pessoas que saíram da área rural para a área urbana no intuito de conseguirem

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melhores condições de trabalho, ocasionando uma profunda mudança na estrutura social da

época e, a segunda, retrata a volta do corporativismo nos governos militares. Em 1960, a

propósito, 70,1% da população economicamente ativa ganhavam menos de um salário

mínimo.

A primeira análise sobre a pobreza e a desigualdade de renda no Brasil se dá com o

Censo Demográfico de 1960 e 1970, quando o pesquisador Carlos Geraldo Langoni (2005, p.

59), conclui que o Brasil teve um extraordinário aumento na concentração de renda, sendo

que o índice Gini5 subiu de 0,50 para 0,57, entre 1960 e 1970, um acréscimo de 14%,

destacando o país como uma das maiores desigualdades sociais do mundo, além de ser

também campeão no crescimento da desigualdade em uma década. Para o autor, o motivo

para tamanha desigualdade foi o acelerado crescimento econômico quantitativo e qualitativo,

marcado pela forte expansão dos setores mais modernos da economia e a presença massiva de

novas tecnologias, provocando um desequilíbrio no mercado, privilegiando os trabalhadores

mais qualificados.

O período de 1970 a 1976 corresponde à época do milagre econômico, que repartiu de

forma flagrantemente injusta, pois tornam as famílias ricas em riquíssimas, em contraste com

a pobreza de grande parte da população. De acordo com os dados do IBGE6 (1990), os 10%

mais ricos aumentaram sua participação entre 1970 e 1980 em 46,7% em 1970 e 51% em 198,

os 10% mais pobres mantiveram quase constante a sua participação em 1,2% em 1970 e 1,1%

em 1980.

Ainda para o autor, o período do chamado Milagre Econômico proporcionou o

aceleramento do desenvolvimento econômico, mas também o endividamento externo crescente,

sendo em 1980, com a crise do petróleo e a explosão inflacionária dominaram o panorama das

políticas públicas, sendo no período de 1981 e 1989 o Coeficiente Gini apresenta uma tendência

de alta. A distribuição de renda tornou-se mais desigual, o Coeficiente Gini no período de 1981 e

1989 teve um acréscimo de 8,9%. No período que vai de 1990 a 2001, percebe-se uma ligeira

queda de Gini, o que possivelmente indica um pequeno aumento do percentual de renda da

classe média, de aproximadamente 2,9%. De acordo com o Instituto de Estudos do Trabalho e

5 O índice Gini é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em um país, ou seja, mede a distribuição de renda entre as classes segundo a renda per capita. Seu valor varia de (zero), quando não há desigualdade (a renda de todos os indivíduos é igual) a (um), quando a desigualdade é máxima (quando um indivíduo detém toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula). 6 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA- IBGE. Estatísticas históricas do Brasil: séries econômicas, demográficas e sociais de 1550 a 1988. 2 ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1990.

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47

Sociedade (IETS)7, o índice Gini de 1992 era de 0,583, chegando em 1997 a 0,602, em 2002,

era de 0,59 e chegou a 2005 em 0,571.

Nas palavras de Arbache (2003, p. 11), em 1999, 53 milhões de brasileiros eram

pobres e 22,6 milhões eram indigente, ou seja, 34% da população total era pobre e 14,5% era

indigente. Desse total de indigentes, 45% eram menores de 15 anos de idade. Ainda, para o

autor, 58% das famílias eram chefiadas por trabalhadores autônomos, empregados informais

ou sem remuneração, além de que a pobreza estava mais concentrada em áreas rurais,

pequenas cidades e estados da região nordeste e norte do país, destacando que os índices de

desigualdade de renda e de salário no Brasil estavam entre os mais elevados do mundo e o

mais elevado da América Latina, o que se deve ao fato de que os 10% mais ricos detêm cerca

de 50% da renda nacional, enquanto que os 50% mais pobres detêm menos de 10% da renda.

Com relação à desigualdade de renda do povo brasileiro, Guimaraes-Losif (2009, p.

100) assim se refere:

O documento do Radar Social (2007), com base em dados de 2003, aponta a alta incidência de pobreza no Brasil, onde há 53,9 milhões de pobres vivendo em domicílios com renda per capita inferior a ½ salário mínimo, o que representa 31,7% da população. São 21,9 milhões de muito pobres ou indigentes que sobrevivem em domicílio com renda per capita inferior a ¼ salário mínimo, o que atinge 12,9% da população do país. Em relação à elevada desigualdade na distribuição de renda, o documento aponta que 1% dos brasileiros mais ricos apropriam-se de parcela de renda total semelhante àquela detida por 50%dos mais pobres.

Kuznets (1995) apud Cruz (2007) afirma que o crescimento econômico também tem

papel importante para a redução da pobreza no mundo, através do aumento e da melhor

distribuição de recursos. Acredita que existiriam duas formas de reverter à situação de

miserabilidade e carência de recursos no Brasil e gerar bem-estar e justiça social, por meio do

crescimento econômico e políticas redistributivas.

A estratégia de redução da pobreza solicita o crescimento da renda per capita ou a distribuição mais igualitária da renda. Uma combinação de políticas que estimulem o crescimento econômico e diminuam a desigualdade, em princípio, apresenta conceder maior eficácia e velocidade ao processo de combate à pobreza. (BARROS, HENRIQUES & MENDONÇA, 2001, p. 19).

De acordo com Guimaraes-Losif (2009, p. 104), estudos recentes apontam que o

Brasil conseguiu diminuir em 4,6% o Coeficiente Gini, entre os anos de 2001 e 2005,

7 Elaborado pelo Instituto de Estudos do trabalho e Sociedade (IETS) em www.iets.org.br, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

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passando de 0,594 em 2001, para 0,566 em 2005. Para o autor, apesar dos avanços

consideráveis, denota-se que o Brasil ainda é um dos mais desiguais do mundo e, para superar

o problema da desigualdade o país precisa ter o mesmo desempenho nos próximos 20 anos. A

queda da desigualdade, apesar de ser ainda insuficiente, sinaliza para efeitos positivos em

relação à redução da pobreza e da pobreza extrema no país. O autor salienta que, para essa

diminuição da pobreza, quatro são os fatores fundamentais: queda da desigualdade

educacional; redução nas diferenças entre áreas urbanas e rurais; forte aumento de recursos e

no grau de focalização nas políticas de transferência de renda implementadas pelo governo; e

crescimento no poder de compra do salário mínimo.

De acordo com Pochmann (2010, p. 2-3), em pesquisa realizada pelo IPEA, no período

de 1995 e 2008, ocorreu uma queda média anual na taxa nacional de pobreza absoluta. Nesse

período 12,8 milhões de pessoas saíram da condição de pobreza absoluta (rendimento médio

domiciliar per capita de até meio salário mínimo mensal), permitindo que a taxa nacional

dessa categoria de pobreza caísse 33,6% passando de 43,4% para 28,8%. No caso da taxa de

pobreza extrema (rendimento médio domiciliar per capita de até um quarto de salário mínimo

mensal), observa-se um contingente de 13,1milhões de brasileiros a superar essa condição, o

que possibilitou reduzir em 49,8% a taxa nacional dessa categoria de pobreza, de 20,9%, em

1995, para 10,5%, em 2008. No entanto, a diminuição generalizada nas taxas de pobreza

absoluta e extrema entre 1995 e 2008 não ocorreu de forma uniforme entre as grandes regiões

geográficas e estados do País. Ao se considerar as regiões foram obtidos os seguintes

resultados: Região Sul a taxa de pobreza absoluta caiu 47,1% e a taxa de pobreza extrema

caiu 59,6%; Região Sudeste a taxa de pobreza absoluta caiu 34,8%; Região Nordeste a taxa de

pobreza absoluta caiu 28,8% e a taxa de pobreza extrema caiu 40,4%; Região Centro-Oeste a

taxa de pobreza absoluta caiu 12,7% e a taxa de pobreza extrema caiu 33,7%; Região Norte a

Pobreza absoluta caiu 14,9% e a pobreza extrema caiu 22,8%.

O autor destaca que, se projetados os melhores desempenhos brasileiros alcançados

recentemente em termos de diminuição da pobreza e da desigualdade (período 2003-2008)

para o ano de 2016, o resultado seria um quadro social muito positivo, ou seja, o Brasil pode

praticamente superar o problema de pobreza extrema, assim como alcançar uma taxa nacional

de pobreza absoluta de apenas 4%, o que significa quase sua erradicação.

Segue abaixo a tabela que retrata a queda da miséria no Brasil no período de 1992 a

2009, de acordo com os dados obtidos no site do governo federal.

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Gráfico 1- Queda da miséria no Brasil de 1992 á 2009.

Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE *CPS/FGV a partir dos microdados da PME/IBGE.

Acesso em 04 de janeiro de 2010.

Com relação aos dados enfatizados na tabela acima, pode-se perceber que no ano de

1992 a miséria do povo brasileiro era de 35,16%. Nesse momento, os programas sociais,

como forma de diminuir a pobreza e a desigualdade, já se faziam presentes. Como se pode

ver, o declínio em relação à miséria é percebido ano após ano. Em 2009, chega com a marca

de 15,54%, o que demonstra uma longa caminhada de acertos e erros, mas no final das contas

tem proporcionado uma melhor qualidade de vida ao povo brasileiro.

De acordo com Neri (2009, p. 09-10), em pesquisa realizada pela Fundação Getúlio

Vargas, em parceria com a CPS e IBRE, tendo como título Atlas do Bolso dos Brasileiros,

ficou evidenciado que a proporção de pessoas abaixo da linha da miséria passa de 35,3% para

28,8% no período que vai de 1993 a 1995. Em 2003 continua com a marca de 28,8%. Em

2005 passa para 22,7%. De lá para cá, a miséria continua sua trajetória descendente. Entre

2003 e 2008 houve uma redução de 43,03% da pobreza, o que corresponde à saída de 19,3

milhões de pessoas da miséria com uma renda abaixo de 137 reais em termos domiciliares per

capita. Importante destacar que, em 2008, entre as 27 capitais federativas, as menores taxas

de pobreza se encontram nos municípios de Florianópolis com 2,36% da população e Curitiba

com 3,92% da população e os maiores níveis de pobreza se encontram nos municípios de

Maceió com 25,6% e Recife com 26,4%. Assim, no “ranking” das capitais, os estados do Sul

são os que expressam as menores taxas de miséria, sendo Santa Catarina o menor deles com

4.53% seguida pelo Paraná com 6,13%.

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Tais avanços, segundo Pochmann (2010), devem-se a melhoria alcançada pelo Brasil

no campo do enfrentamento da pobreza e desigualdade que, segundo eles, está direta e

indiretamente associada à estruturação do conjunto das políticas públicas motivadas pela

Constituição Federal de 1988. Ou seja, a consolidação de grandes e complexas estruturas

verticais de intervenção do Estado de Bem-estar Social (saúde, educação, assistência e

previdência, infra-estrutura social e trabalho, entre outros eixos) possibilitou obter resultados

positivos no Brasil mais rapidamente e na mesma direção dos anteriormente já alcançados

pelos países desenvolvidos.

Além disso, convém destacar ainda três fatores decisivos nas políticas públicas após a

Constituição Federal de 1988. O primeiro fator foi a elevação do gasto social; o segundo

resulta do movimento de descentralização da política social, em outras palavras, o

crescimento do papel do município na implementação das políticas sociais, sobretudo em

termos de educação, saúde e assistência social; e terceiro fator, a sucessiva regulação das

diversas políticas públicas ao longo da década de 1990 teve o importante papel de impedir o

maior agravamento do quadro social, para além do crescimento do desemprego e da

concentração da distribuição funcional da renda nacional motivados pelo baixo dinamismo

econômico do período.

Assim, como os constrangimentos impostos pela superinflação até 1994 e pela política

macroeconômica de estabilização monetária (elevados juros, valorização cambial, contenção

fiscal e ajustes no gasto social) inibiu-se a melhora dos resultados sociais no Brasil. Porém

retrata que, na década atual, a combinação entre a continuidade da estabilidade monetária, a

maior expansão econômica e o reforço das políticas públicas, além da ampliação do crédito

popular, a reformulação e o alargamento dos programas de transferências de renda para os

estratos de menor rendimento, entre outras ações, mostrou-se decisiva para a generalizada

melhoria do quadro social no Brasil.

Em síntese, a pobreza e a desigualdade social podem ser definidas por vários critérios,

dependendo da visão do autor, que pode retratar a pobreza como sendo uma situação na qual

uma pessoa ou família não possuem condições de viver dentro dos padrões socialmente

estabelecidos em certo momento histórico; ou de acordo com a visão economicista, a pobreza

também pode ser compreendida como a insuficiência de recursos materiais para a sustentação

da vida humana, ou seja, “pobreza é quem não tem dinheiro”, ou ainda como pobreza

material, pobreza intelectual, pobreza social e até mesmo como pobreza política.

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Dessa forma são vários os conceitos que definem a pobreza. Isso se deve pela

diversidade das necessidades socioeconômicas e culturais de um país. Com relação à

desigualdade social, pode ser definida como produto de um conjunto de relações que

abrangem as esferas da vida social, resultantes de um acordo social excludente, ou seja, ocorre

quando a distribuição de renda acontece de forma desordenada, em que a maior parte fica nas

mãos de poucos, não reconhecendo a cidadania para todos.

Com relação aos indicadores de pobreza e desigualdade social no Brasil, é perceptível

que o Brasil possui um grande número de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza.

Com relação à desigualdade social, os dados também são preocupantes, o que nos remete a

uma situação que requer muita atenção por parte dos governantes, pois retrata a realidade da

maior parte do povo brasileiro. Observa-se, no entanto, que a partir da Constituição de 1988

um grande número de políticas públicas foi consolidado, principalmente após 1990, com o

alargamento dos programas de transferência de renda, que tem como consequência a redução

da pobreza e da desigualdade social de forma lenda, mas constante. Isso pode ser visto como

uma das conquistas do século XXI, pois agem através da concessão de renda, objetivando a

redução da pobreza e da desigualdade social, e como forma de estimular o crescimento

econômico e promover a cidadania e a justiça social. Porém requer continuidade e

persistência, pois muito ainda se tem a fazer com relação às Políticas Públicas e aos

Programas de Renda Mínima no Brasil, conforme retrata o próximo capítulo.

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3 POLÍTICAS SOCIAIS E OS PROGRAMAS DE RENDA MÍNIMA NO BRASIL

As pessoas que, desgostosas e decepcionadas, não querem ouvir falar em política, recusam-se a participar de atividades sociais que possam ter finalidade ou cunho político, afastam-se de tudo quanto lembre atividades políticas, mesmo tais pessoas, com seu isolamento e sua recusa, estão fazendo política, pois estão deixando que as coisas fiquem como estão e, portanto, que a política existente continue tal qual é. A apatia social é, pois, uma forma passiva de fazer política.

Marilena Chauí

No capítulo anterior, abordou-se o tema da pobreza e da desigualdade social no Brasil

sob uma perspectiva histórica, procurando destacar os principais fatores que incidiram

diretamente em sua produção e reprodução ao longo dos séculos. Na parte final do capítulo,

apresentam-se alguns dados e análises com o propósito de evidenciar melhor como a

desigualdade ainda é uma das características fortes de nossa sociedade. No presente capítulo,

o intuito é tratar das políticas sociais que o Estado brasileiro implementou, sobretudo a partir

do século XX para enfrentar a pobreza e a desigualdade social. Tal abordagem permite

entender como o Estado e a sociedade brasileira lidaram com um dos seus principais

problemas ao longo do tempo. As políticas sociais refletem as concepções políticas que os

governos implementaram.

3.1 O ESTADO BRASILEIRO E AS POLÍTICAS SOCIAIS

O Estado no Brasil, foi implantado de fora para dentro, sem considerar a cultura que

havia antes da colonização. (COSTA, 2006). Cabe destacar que o início de tudo se deu com

uma estrutura administrativa do invasor, como forma de controlar a colônia, criada com o

objetivo de manter a expropriação das riquezas locais.

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Nas palavras de Costa (2006, p. 110):

Não havia preocupação em criar padrões societários mais desenvolvidos para a população local. Não havia na estrutura produtiva instalada, baseada no latifundiário exportador e mão-de-obra escrava, um sistema equitativo do uso dos recursos econômicos e de distribuição interna de renda. A economia brasileira nasceu a partir de um padrão de acumulação centrada nas grandes fazendas, com um nível de desigualdade social que condenou à pobreza a população trabalhadora.

Com relação à estrutura administrativa do governo da Colônia, Costa (2006) destaca

que foi criada com o objetivo de manter a expropriação das riquezas locais, não restando para

este a preocupação em criar padrões societários mais desenvolvidos para a população. Relata

ainda que a economia brasileira surge por meio do padrão de acumulação das grandes

fazendas, por meio da produção de açúcar, do algodão, sem esquecer a mineração. Toda a

questão administrativa do país estava centralizada em dois personagens fundamentais: de um

lado os grandes senhores rurais e de outro o poder direto de Portugal, que dificultam a

construção de um ideário nacional.

Na mesma perspectiva, Caio Prado Jr. (1971, p. 32) apud Mazzeo (1997, p. 91-92)

assim se refere:

[...] o Brasil, desde meados do século XVIII, passa a ser o elemento basilar da economia do Império português, enfraquecido pela crise do sistema colonial, arcaico e subordinado aos interesses britânicos. A descoberta do ouro provocará o desenvolvimento de cidades e o surgimento de uma camada média, de nítido caráter urbano, ainda que em número resumido. Mas é a tradicional burguesia agroexportadora, latifundiária e escravista, que se sedimenta como poder, em meio às contradições que começam a brotar no bojo da sociedade colonial brasileira, já na segunda metade do século XVI, quando o país havia atingido um desenvolvimento econômico bastante considerável.

Dessa forma, desde sua formação, o Estado nacional brasileiro traz em seu âmago dois

aspectos que compõem sua estrutura: de um lado, elementos ideológicos comuns a formações

sociais que vivenciaram situações tardias de desenvolvimento capitalista; de outro, aspectos

específicos inerentes à situação de particularidade escravista e latifundiária.

Para Mazzeo (1997), a sociedade brasileira está pautada em um conservadorismo

extremo, que se expressa nas ideias dos dominantes, como também em sua prática político-

econômica. Essa tendência conservadora liga-se de maneira intrínseca à forma de produção

rudimentar autocrática da época que, consequentemente, formou uma sociedade subsumida

aos desígnios do monopólio metropolitano.

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Nesse contexto, as relações de classe seguiram inalteradas por grande período, pois a

estrutura produtiva permanecia de caráter colonial. Isso se deve ao fato de o Brasil não ter

passado por uma grande revolução que rompesse de vez com a estrutura socioeconômica

colonial, o que possibilitou que a burguesia latifundiária assumisse o processo da

independência e, posteriormente, criasse um aparelho do Estado, dentro de suas diretrizes

ideológicas e sem transformações mais radicais, o que favoreceu a contemporização da

monarquia portuguesa. Além disso, o Estado brasileiro se formou a partir de uma

transferência pacífica do poder metropolitano para o brasileiro, executada pela classe

dominante e pela continuidade do governo monárquico.

De acordo com Costa (2006), a mudança na estrutura administrativa brasileira ocorreu

somente com a vinda da Família Real em 1808, sendo que, em 1815, o Brasil foi elevado a

Reino Unido de Portugal e a administração local foi organizada. Os gastos públicos com a

criação de infra-estrutura urbana, melhoria dos portos, estradas e sistemas de comunicação

levaram o Brasil ao endividamento externo, ou seja, os déficits orçamentários estão presentes

desde o início da administração pública brasileira.

Para o autor, a transformação da ordem mundial no século XIX, realizada em grande

parte pela luta da Inglaterra na colocação de seus produtos industriais, a busca da liberação do

comércio brasileiro, a criação de um mercado consumidor interno, todos esses fatores

redefiniram as relações sociais e a composição das forças políticas internas no Brasil. O ideal

liberal e a discussão sobre a modernidade já estavam presentes nos círculos políticos

intelectuais do Brasil.

Importante destacar que após a abolição da escravatura, o Estado não programou

nenhuma política para dar suporte e assistência social a essa camada de cidadãos e nem

promoveu alterações na estrutura fundiária, e os ex-escravos continuaram submetidos aos

seus antigos donos. O que houve foi o aumento do fluxo migratório, fomentado pelo Estado,

para trazer da Europa trabalhadores pobres para a lavoura do café, com promessas de futuro.

Já, com relação à República, foi proclamada como um movimento das classes dominantes,

num novo arranjo das forças internas, mas de certa forma abriu uma nova época para o

governo brasileiro, com a queda do governo aristocrata e absolutista e a ascensão de um

governo burguês e oligárquico.

A realidade é que neste período o Estado necessitava de mudanças administrativas,

principalmente no que se refere a políticas públicas na área social, especialmente na saúde e

educação, que passa a fazer parte do repertório das intenções de governo depois de 1920,

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55

principalmente no governo de Getúlio Vargas, o qual assume o país sob uma forte ação

reguladora na esfera social, criando direitos sociais e organizando um mercado de trabalho

essencialmente capitalista.

Com a revolução de 1930, surgem novas esperanças no que diz respeito às reformas

sociais. Em 1934, surge a nova Constituição Federal, que mostrava a preocupação pela

reforma do Estado, incluindo em seu texto um título sobre a ordem econômica a função social

da propriedade e a legislação trabalhista, denominado Estado Novo. Mas, com o golpe de

1937, o Estado passou a se auto identificar com a nação, primeiramente com a mudança no

sistema eleitoral para eleições indiretas, a pena de morte prevista na Constituição, o controle

sobre os sindicatos, que caracterizam a ditadura de Vargas. No plano administrativo, a criação

da DASP - Departamento Administrativo do Serviço Público em 1938, buscava modernizar a

administração pública do país. No plano econômico, as transformações de base produtiva,

com a busca de diversificar a pauta de exportação e de importação, foram combatidas pelos

setores mais conservadores e a CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas- foram alguns

exemplos da atuação do Estado na época.

O segundo governo Vargas teve um desempenho expressivo na área da saúde pública

e da educação, pois a tarefa de modernizar a sociedade exigia a ampliação da ação do Estado

e criava uma nova relação entre direitos sociais e deveres do Estado, pois não se constrói uma

economia urbano-industrial sem melhorar a infraestrutura social e o nível escolar e sanitário

da população.

Assim, as dificuldades para a formação e atuação do Estado brasileiro no atendimento

das demandas sociais é um fenômeno histórico que marca um longo período de estagnação. É

somente a partir da regulação do Estado Novo e no segundo mandato de Vargas que o Estado

passa a investir na área social. Dessa forma, é de grande importância a intervenção do Estado

no desenvolvimento econômico e social. Nos anos que se sucederam a década de 1950 a tese

central era ampliar a ação do estado no planejamento da economia.

Importante destacar que, no decorrer dos anos, o Brasil passou por várias mudanças

econômicas e políticas, com o crescimento das indústrias, a formação de centros urbanos e

consequentemente a permanência do sistema capitalista. Com relação à política o país passou

por um longo período de ditadura, ou seja, o Estado assume todas as funções de comando, a

partir do fortalecimento do Poder Executivo, em que o Estado se colocou como guardião da

nação, defensor da ordem por ele editada.

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56

A partir da Constituição de 1988, surge o período democrático, que se baseia na

igualdade dos cidadãos que constituem uma sociedade. Assim a mudança do regime militar

para o democrático deu espaço para a expressão dos anseios pela igualdade e exercício pleno

da cidadania.

As palavras de Costa (2006) referem-se que a influência dos argumentos de Rousseau

se fez presente na sociedade brasileira quando se discutiu a necessidade de igualdade social

como condicionamento para a democracia. Com a busca pela igualdade dos direitos civis,

políticos e sociais do tão esperado Estado democrático, entra em cena a terrível realidade que

acometia a sociedade da época, seus conflitos de interesses e suas relações historicamente

cristalizadas num patamar de desigualdades que fundam a ordem social do Brasil.

Assim, não era apenas o Estado que precisava mudar, pois a própria sociedade nunca

foi essencialmente democrática, pois conviveu durante séculos com uma ordem social na qual

a pobreza foi naturalizada, e o pobre reduzido a um ser sem voz e sem espaço social. A

pobreza no Brasil gera comoção, ela nunca provocou revolução e nem mesmo mudança ética

no padrão de relacionamento entre as elites e os segmentos populares.

3.2 O SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL

Com relação ao surgimento das primeiras iniciativas reconhecíveis de políticas sociais,

não se tem um período específico, mas as ações no campo social têm suas raízes no final da

Idade Média, quando certas formas de organização de vida e de trabalho começam a ter

características de um modelo de produção capitalista. Isso devido ao crescimento de cidades,

comércio, classes sociais e a intensificação da pobreza, que passa a ser visivelmente

encontrada e leva a sociedade às instâncias do poder público e à realização de ações de

caridade e justiça. Esse processo vem sendo gestado ao longo da história, por meio dos

princípios cristãos embasados em uma moral comunitária considerados o embrião de uma

política de mínimos nas civilizações ocidentais.

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57

Para se ter uma noção da historicidade das políticas sociais é importante destacar

algumas leis criadas na Inglaterra que, de acordo com Behring e Boschetti (2008),

antecederam a Revolução Industrial:

• O Estatuto dos Trabalhadores, de 1349.

• Estatuto dos Artesões, de 1563.

• Leis dos Pobres elisabetanas, de 1531 e 1601.

• Lei de Domicílio (Sttlement Act), de 1662.

• Lei Speenhamland Act, de 17958

• Lei Revisora da Lei dos Pobres, ou Nova Lei dos Pobres (Poor Law Amendment Act), de

1834.

Essas legislações estabeleciam um “código coercitivo do trabalho” e seu caráter era

punitivo e repressivo e não protetor. Tinham como fundamentos estabelecer o imperativo do

trabalho a todos que dependiam de sua força de trabalho para sobreviver, ou seja, obrigar o

pobre a aceitar qualquer trabalho que lhe fosse oferecido; regular a remuneração do trabalho,

de modo que o trabalhador pobre não poderia negociar formas de remuneração; proibir a

mendicância dos pobres validos, obrigando-os a se submeter aos trabalhos oferecidos.

Para Pereira (2002), antes da Lei de Speenhamland Law, os pobres eram forçados a

trabalhar em troca de qualquer salário e somente os incapacitados para o trabalho, crianças

carentes, inválidos e idosos tinham o direito à assistência social. As casas de trabalho,

denominadas de Workhouse, funcionavam como verdadeiras prisões, para onde eram

encaminhados os indigentes válidos para o trabalho, mais tarde incluindo crianças e inválidos,

que, longe de serem amparados socialmente, passaram a viver asilados e rigidamente

controlados.

Com a Lei Speenhamland Law, começa a se pensar em um abono salarial mínimo

como forma de assistência social incondicional, livre de contrapartidas, punições e

confinamento, como era o habitual, sendo proclamado o princípio de que nenhum homem

precisaria temer a fome porque a paróquia o sustentava. Isso fez com que essa Lei fosse

8 A Lei de Speenhamland, instituída em 1795, difere das anteriores, pois tinha um caráter menos repressor. Ela estabelecia o pagamento de um abono financeiro, em complementação aos salários, cujo valor se baseava no preço do pão e garantia assistência social a empregados ou desempregados que recebessem abaixo de determinado rendimento e exigia como contrapartida a fixação do trabalhador, pois proibia a mobilidade geográfica da mão-de-obra. (BEHERING E BOSCHETTI, 2008, p. 49).

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profundamente criticada a partir do final do século XVIII, por constituir um incomodo

obstáculo á formação de um proletariado industrial.

Sposati et al. (1997) ressalta que, no final do século XVIII, devido às grandes crises,

os juízes ingleses, diante da fome, arbitraram um mínimo, na cidade de Speenhamland, que

configurou o primeiro mínimo social, baseado no preço do pão (era distribuído aos pobres o

valor diário do preço do pão). Com o auge do liberalismo, em 1834, surge uma nova

legislação na Inglaterra estabelecendo o internamento dos pobres nas Work Houses. Lá se

recolhiam os incapazes de trabalhar, velhos, crianças e mulheres, obrigados a aprender um

ofício, ou seja, à ajuda intramuros, oposta a ajuda extramuros existente antes para os pobres, o

que demonstra a visão estigmatizadora do liberalismo, ou seja, assistência e repressão

caminhavam juntas.

Em 1834, por meio da Lei Revisora dos Pobres, o auxílio aos necessitados tornou-se

mais seletivo, sendo abolida a servidão paroquial e restabelecida a formação de um mercado

de trabalho e uma força de trabalho, ou seja, foi criada uma condição para a construção de

uma sociedade favorável ao desenvolvimento e consolidação de uma economia de mercado.

Neste período surge também Herbert Spencer, que encarava o processo como uma

constante luta entre os seres humanos, uma natural função seletora, baseada em fatores

biológicos e naturais. Para ele, o fraco, o doente, o malformado, o ocioso, o imprudente, que

não se adaptam às formas de vida civilizada deveriam ser impedidos de se reproduzir e

protegê-los socialmente era agir contra a lei da natureza e do progresso, ou seja, não teriam

motivo para que fossem criados sistemas de proteção social aos pobres. Spencer admitia

apenas um tipo de assistência, aquela que ajudasse o pobre a se auto-ajudar.

Com relação ao surgimento das primeiras políticas sociais, podem ser entendidas na

relação de continuidade entre o Estado liberal e Estado Social. Isso porque não houve uma

ruptura radical entre o Estado liberal predominantemente no século XIX e o Estado social

capitalista do século XX.

O surgimento das políticas sociais foi gradual e diferenciado entre os países, dependendo dos movimentos de organização e pressão da classe trabalhadora, do grau de desenvolvimento das forças produtivas e das correlações e composições de força no âmbito do Estado. [...] o final do século XIX como o período em que o Estado capitalista passa a assumir e a realizar ações sociais de forma mais ampla, planejada, sistematizada e com caráter de obrigatoriedade. (BEHRING E BOSCHETTI, 2008, p. 64).

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A partir da Revolução Industrial, com a organização e a mobilização dos

trabalhadores, o Estado Liberal já não suporta a pressão das reivindicações, pois protegia

apenas o direito à vida, à liberdade individual e os direitos de segurança e propriedade. No

fim do século XIX, o Estado capitalista passa a assumir e realizar ações sociais de forma mais

ampla e planejada com caráter de obrigatoriedade.

Além disso, os autores destacam que as primeiras iniciativas reconhecíveis de políticas

sociais se gestaram na confluência dos movimentos de ascensão do capitalismo com a

Revolução Industrial, das lutas de classe e do desenvolvimento da intervenção estatal:

Sua origem é comumente relacionada aos movimentos de massa social-democratas e ao estabelecimento dos Estados-nação na Europa ocidental do final do século XIX. [...] sua generalização situa-se na passagem do capitalismo concorrencial para o monopolista, em especial em sua fase tardia, após a Segunda Guerra Mundial (pós-1945). [...] as sociedades pré-capitalistas não privilegiavam as forças de mercado e assumiam algumas responsabilidades sociais, não com o fim de garantir o bem comum, mas com o intuito de manter a ordem social e punir a vagabundagem. (BEHERING E BOSCHETTI, 2008, p. 47).

Dando continuidade à história do Sistema de Proteção Social, Cruz (2007) relata que,

após a primeira Guerra Mundial, a preocupação com os efeitos devastadores da guerra, aliado

às preocupações com o futuro do capitalismo levou ao debate, a preocupação em como

impedir que as crises de outros países possam influenciar cada sociedade. A influência do

socialismo, cuja expansão se intensificou massivamente a partir de 1850, já havia trazido para

o campo da discussão política uma maior preocupação com os problemas sociais e as

desigualdades econômicas que acirravam os conflitos entre classes no interior das sociedades

capitalistas, o que permitiu progressivamente ideais associados a outras ideias de igualdade

social e política na geração da social-democracia.

O conceito de Welfare State ou Estado de Bem Estar Social nasce da concepção de

que existem direitos sociais indissociáveis à existência de qualquer cidadão, ou seja, todo

indivíduo tem o direito, desde seu nascimento, a um conjunto de bens e serviços que devem

ser fornecidos através do Estado. Esses direitos contemplam cobertura de saúde e educação

para todos os níveis, auxílio ao desempregado, garantia de uma renda mínima, etc.

Com relação às origens do Welfare State9, na concepção de Potyara A. P Pereira

(2002):

9 Embora o nome Welfare State só tenha sido adotado no século XX, após a Segunda Guerra Mundial, por indicações do arcebispo inglês William Temple, tornou-se usual entre os modernos estudiosos da política social

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O conceito de proteção social mínimo identifica-se, nas suas origens, com um mínimo de renda. Surge na Grã-Bretanha em 1795, sob a forma de abono salarial ou rendimento mínimo garantido, no bojo de uma sociedade ainda não completamente mercantil, respaldado pela Lei de Speenhamland Law, o que marca uma inflexão jamais vista na política de proteção social que vinha sendo desenvolvida na Inglaterra, desde 1536, sob a regência das velhas Leis dos Pobres (Poor Law). (PEREIRA, 2002, p. 103).

A autora ressalta ainda a concepção de Thomas Henry Marshall10, o moderno teórico

da cidadania, que considera o Welfare State como a culminância de um longo processo que se

iniciou no último quarto do século XIX e encarnou a excepcional experiência britânica de

Seguridade Social, em plena Segunda Guerra Mundial. Para o inglês, é um fenômeno

exclusivamente britânico, mas que a partir de 1970, por meio de estudos em diversos países,

chegaram à conclusão que o Welfare States é um fenômeno comum a todas as sociedades

capitalistas, devido a suas variações nacionais em termos de tamanho, cobertura, objetivos e

impactos sociais.

No que se refere à origem e o desenvolvimento do Welfare State, Pereira (2008)

destaca que, para Marshall, esse modelo não surge subitamente como “um coelho da cartola”,

mas se desenvolve como último estágio de um processo dinâmico, em que indivíduo e

sociedade foram estabelecendo relações mais civilizadas. Dessa forma, as velhas Leis dos

Pobres, criadas para regular com mãos de ferro os pobres, principalmente na Grã-Bretanha é o

prelúdio da política de Welfare State.

Com relação à formação desse novo Estado de Bem Estar Social, a partir do século

XIX, Pereira (2008) destaca a presença de três conjuntos inter-relacionados de intervenção

pública:

• a introdução do seguro social, que divulga a importante mudança de mentalidade que

certamente abalou os alicerces de teoria que culpavam o pobre pela sua condição de

privação;

• a extensão da cidadania, ou seja, o compromisso do Estado com a provisão do Bem-Estar

não mais era movida pela estreita preocupação de zelar pela ordem pública ou de punir a

remeter essa denominação ao final do século XIX, para nomear fatos que consideram estar na origem desse Estado. [...] existem outras adjetivações para qualificar Welfare States, além de Estado de Bem Estar , como Estado Providência, Estado Assistencial e Estado Social. (PEREIRA, 2008, p 23). 10 T.H Marshall foi chefe do Departamento de Ciência Social da LSE, após a Segunda Guerra Mundial. Em 1950 produziu seu famoso tratado sobre cidadania, no qual afirma que o desenvolvimento dos direitos civis e políticos na Inglaterra, nos séculos XVIII e XIX, respectivamente, foram completados, no século XX, com o surgimento dos direitos sociais, que a seu ver requerem intervenção política do Estado para satisfazer as necessidades sociais básicas e garantir, todos os direitos sociais fundamentais. (PEREIRA, 2008, p. 24).

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vagabundagem, outras motivações passaram a se impor, como a de prestar serviços e

benefícios a leque mais amplo de demandas e necessidades sociais;

• o crescimento do gasto social, ou seja, não era comum em sociedades regidas pela

ideologia liberal o Estado gastar parte da riqueza em benefício e serviços sociais. A

adoção desse procedimento revela uma mudança do Estado que, a partir de então,

incorporou o financiamento de políticas de promoção e qualificação dos trabalhadores.

Isso se deve ao fato que após a Segunda Guerra Mundial, grande parte da população

foi exposta a sofrimento extremo, ocasionando um impulso da luta pelos direitos sociais e

pela construção de relações mais humanizadas. Para Behering e Boschetti (2008), o chamado

consenso de pós-guerra, permitiu o esclarecimento de uma aliança entre as classes e

aprovação de diversas ligações sociais. Importante destacar que o Estado de bem Estar Social

originou-se após a Segunda Guerra Mundial, inspirado pelo Relatório de Lord Beveridge11,

pois fornece os elementos essenciais ao sistema inglês de seguridade social, além de

influenciar expressivamente reformas feitas em vários países.

Dessa forma, o Welfare States, ou Estado de Bem Estar é compreendido como o

conjunto de políticas sociais desenvolvidas com a finalidade de diminuir os problemas

sociais, que passam a ser responsabilidade do Estado no final do século XIX, em resposta a

conflitos adensados pelo avanço da industrialização em sociedades capitalistas e por uma

progressiva conquista popular de direitos Este conjunto de políticas sociais compõe um

sistema de proteção social estabelecido por regras e leis que definem direitos e deveres para a

sociedade. É necessário compreender que o surgimento do Welfare State, está relacionado

com a criação de uma nova forma de atuação do Estado no contexto capitalista, pois este

passa a ter um caráter intervencionista no combate a pobreza e a desigualdade social.

O modelo social do Welfare State com o que convivemos nesta segunda metade do

século XX é claro que com especificidades e intensidades diversas entre as nações,

universalizou o acesso a serviços sociais. No caso, trata-se da satisfação de uma necessidade

básica sem pagamento direto. Já a renda mínima, em contrapartida transfere moeda e não

serviço, também pelo fundo geral gerido pelo Estado.

11 O relatório foi criado em 1942 na Inglaterra e tem como proposta uma nova lógica para a organização das políticas sociais. Destaca primeiramente a responsabilidade do Estado em manter boas condições de vida dos cidadãos por meio da regulação da economia com o intuito de garantir o pleno emprego, prestação de serviços públicos e em conjunto de serviços sociais. Também destaca a importância da universalidade destes serviços e a implantação de uma rede de segurança. (BEHRING, BOSCHIETTI, 2008).

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De acordo com Sposati et al. (1997), essa nova modalidade de política socioeconômica

é apresentada como tese social-democrata, o que a torna no mínimo motivo de sérias

polêmicas, sendo fato que esses programas de renda mínima surgem num quadro recessivo de

emprego, de alta desigualdade social e extrema pobreza da população, como é o caso do

Brasil.

Na concepção de Claus Offe (1984), o Welfare State é essencialmente um fenômeno

das sociedades capitalistas, que criam problemas endêmicos para as necessidades não

atendidas, no entanto seria uma tentativa de compreender os novos problemas criados por

estas sociedades. Os problemas vão desde a necessidade de moradia, de qualificação, até

mesmo a desagregação familiar que se expressam sob a forma de problemas sociais. Ainda

para o autor podemos compreender o Welfare State como um aspecto funcional do

desenvolvimento do modo de produção capitalista, em que os programas sociais seriam

fundamentais como forma de corrigir e até mesmo compensar disfuncionalidades,

consequentes da operação do sistema capitalista.

Para Offe (1984), o Welfare State, faz parte de um amplo processo civilizatório e

modernizante, decorrente do desenvolvimento do sistema capitalista de tipo industrial e de

direitos. Por meio da ampliação dos direitos civis no século XVII; direitos políticos no século

XIX e direitos sociais no século XX promovem a ampliação da cidadania. O autor destaca

que, a junção da democracia com o Welfare State Keynesiano, a partir da Primeira Guerra

Mundial altera o capitalismo e sua relação com a sociedade e provoca a desintegração de seu

caráter regulador. Nesse sentido, o Welfare State, foi à expressão máxima de ampliação das

responsabilidades do Estado para com a sociedade. Admite ainda, ser este um dos mais bem-

sucedidos modelos, uma vez que, seu objetivo era promover serviços que suprissem as

necessidades básicas do ser humano.

Já, no que diz respeito à formação e ao desenvolvimento das políticas sociais em nível

de Brasil, pode-se proferir que elas se deram de forma diferenciada que em outros países

capitalistas, conforme destacam os autores Behring e Boschetti (2008), Potyara Pereira

(2002), José Murilo de Carvalho (2008), Eduardo Suplicy (2002), entre outros pesquisadores

sobre o tema.

Nas palavras de Behring e Boschetti (2008), isso se deve ao fato de o Brasil não ser o

berço da Revolução Industrial e de ser um país. Caio Prado Jr. (1991) apud Behring e

Boschetti (2008), serviu efetivamente como repasse de capital para os países centrais, além de

ter o peso do escravismo na formação da cultura, dos valores, das ideias e dos ritmos de

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mudança, principalmente com relação à condição de trabalho nas relações sociais e no

ambiente cultural brasileiro.

Na visão de Pereira (2002), as políticas sociais no Brasil tiveram a influência de

situações econômicas e políticas de outros países, mas que de certa forma influenciaram a

produção de uma experiência nacional, diferente das políticas sociais dos países capitalistas

avançados, que nasceram livres da dependência econômica e do domínio colonialista. O

Brasil, na visão da autora, não se apoiou firmemente nos pilares do pleno emprego, nos

serviços sociais universais, nem armou uma rede de proteção social que impede a reprodução

da pobreza extrema. E, dessa forma, não tem como ser comparado com os modelos de

Estados de Bem-Estar dos países desenvolvidos.

Isso devido ao fato de o Estado brasileiro, conforme relata Behring e Boschetti (2008),

até 1887, dois anos antes da Proclamação da República no Brasil (1889), ainda não existir

nenhuma legislação social. Somente em 1889, os funcionários da Imprensa Nacional e os

ferroviários conquistam o direito à pensão e a 15 dias de férias, o que irá se estender aos

funcionários do Ministério da Fazenda no ano seguinte. Em 1891, tem-se a primeira

legislação para a assistência à infância no Brasil, regulamentando o trabalho infantil, mas que

jamais foi cumprido, o que evidencia a distância entre a intenção e o gesto. A passagem para o

Século XX foi sacudida pela formação dos primeiros sindicalistas, na agricultura e nas

indústrias rurais a partir de 1903 e os demais em 1907, quando é reconhecido o direito de

organização sindical, que reduz a jornada de trabalho, em 1911, para 12 horas, também não

cumpridas.

Segundo Pereira (2008), as políticas sociais no Brasil, são construídas como resposta

aos conflitos sociais, consequência do avanço industrial e por uma progressiva conquista

popular de direitos. O século XIX testemunhou importantes mudanças na estrutura econômica

e no sistema político das sociedades capitalistas.

Com relação à periodização das políticas sociais em nível de Brasil, Potyara Pereira

(2002) destaca:

• anterior a 1930: política social do laissez-faire:

• de 1930 a 1964: política social predominantemente populista, com laivos

desenvolvimentistas:

• de 1964 a 1985: política social do regime tecnocrático-militar, incluindo a fase da

abertura política;

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• de 1985 a 1990: política social do período de transição para a democracia liberal;

• a partir dos anos 90: política social neoliberal;

Para Pereira (2002), o período anterior a 1930 é caracterizado pela ausência de

planejamento social, em que o Estado quase não exercia o papel de agente regulador da área

social e deixa este mister com a iniciativa privada.

No que se refere às políticas de proteção social no Brasil, Cruz (2007) destaca que se

desenvolveram verdadeiramente a partir de 1920 e se consolidando na era Vargas na década

de 1930 a partir de políticas de regulação e criação de leis trabalhistas e, através de políticas

sociais de amparo aos trabalhadores assalariados. Todavia, o caráter dessas políticas era

conservador e autoritário. Dessa forma, com os avanços no que se refere à conquista do

direito, entre eles dos trabalhadores, o reconhecimento legal dos sindicatos, a instituição de

seguros obrigatórios contra velhice e invalidez, a criação do Ministério do Trabalho em 1930

e do Ministério da Indústria e Comércio em 1931, além de terem sido criados, em 1940,

salários mínimos para diferentes regiões do país é que fez do século XIX um marco no que se

refere às mudanças no sistema social do Brasil.

Na análise de Medeiros (2001), as políticas sociais no período anterior a 1930 eram

fragmentadas e emergencialistas, apesar de haver indícios da disposição de uma atuação mais

global por parte do Estado, como a instituição por lei dos Departamentos Nacionais do

Trabalho e da Saúde e a Promulgação, em 1923, do Código Sanitário e da Lei Eloy Chaves,

essa última sobre assuntos previdenciários. A partir de 1930 se torna nítida a constituição de

um Sistema de Proteção Social, com políticas sociais de profundo caráter conservador e

autoritário, evidente na repressão aos movimentos de trabalhadores.

Na mesma concepção, Linhares (2005) destaca que o período anterior a 1930 é

caracterizado por uma pequena participação do Estado na área social, e a proteção aos mais

necessitados era exercida de forma descontínua por instituições não estatais, sendo notória a

repressão por parte do governo com relação a esses problemas. Ainda para o autor as políticas

sociais que passam a vigorar por quase todo o século XX, foram organizadas nas décadas de

30 e 40, à medida que era construído o Estado brasileiro, acompanhando o processo de

urbanização e industrialização da sociedade. A partir desse período a questão social não era

mais tratada como caso de polícia.

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Silva (2007) acrescenta que a partir de 1930 o sistema de proteção social brasileiro

passou a ter forte influência na população brasileira, quando o país deixa de ter característica

sócio-econômica e agro-exportadora e passa a seguir um modelo urbano-indústrial. É nesse

contexto que o Estado Nacional passa a assumir a regulamentação da educação, saúde

previdência, programas de alimentação e nutrição, habitação popular e saneamento.

Ainda, com relação à década de 30, Gomes (2006) apud Wlodarski (2007) destaca que

as políticas sociais, caracterizaram-se como desarticuladas e direcionadas à continuidade do

capitalismo. Os conflitos entre capital e trabalho eram tratados como caso de polícia, através

de ações autoritárias e repressivas. Assim, as primeiras ações resumiram-se à criação de um

sistema previdenciário voltado aos trabalhadores do sistema formal, sendo que aos pobres e

excluídos do setor formal restavam ações de assistência social, os quais apresentavam

características fragmentadas, com o objetivo de amenizar as questões sociais.

Importante destacar que, a partir da Constituição de 1934 o governo passa a

regulamentar as relações de trabalho, e conformou a jornada de oito horas e determinou a

criação de um salário mínimo capaz de atender ás necessidades da vida de um trabalhador

chefe de família, adotado em 1940, e a Constituição do Trabalho em 1941.

Para Carvalho (2008), durante esse período grandes avanços se deram a partir de 1933,

sendo criado o Instituto de Aposentadoria e Pensão (IAPS), dando início a um processo de

transformação e ampliação das Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs) da década de 20. A

partir de 1930, começou também a haver grandes mudanças demográficas no país, entre elas a

imigração estrangeira, que afetou a composição da classe operária, como forma de substituir

os escravos. No século XIX, até a primeira Guerra Mundial, o imigrante era bem vindo, após

a guerra passou a ser visto como agitador corrupto. Faleiros (2000) explica as características

da política previdenciária no Estado Novo:

A legislação social foi introduzida por categoria profissional, isto é, ela não atingiu a classe operária em seu conjunto e num único movimento [...]. O governo de Getulio Vargas implantou os seguros sociais nessa perspectiva gradualista; controladora e fragmentada da classe operária. (FALEIROS, 2000, p. 151).

Com relação ao período que vai de 1946 a 1964, Medeiros (2001) destaca que foi

possível presenciar a criação de instrumentos legais que tinham o objetivo de caracterizar o

governo como democrático, incentivando a mobilização dos trabalhadores. Este processo foi

analisado como uma estratégia dos governos populistas, oferecendo alguns benefícios a uma

parcela reduzida de trabalhadores do setor formal. A partir de 1964, as ações de bem estar

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social assumem um caráter compensatório minimizando os impactos da desigualdade social.

A estratégia foi criar alguns mecanismos para melhorar a infra-estrutura do país,

possibilitando acelerar o crescimento econômico.

Assim, de acordo com os autores acima citados, pode-se perceber que, durante os anos

de 1920 e 1960, as intervenções públicas foram decisivas para a formação desse novo Sistema

de Proteção Social, porém marcados por uma política repressiva, em que o principal objetivo

era o crescimento econômico a todo custo, movido por uma sociedade fragilizada. Assim, as

atuações de políticas sociais trouxeram melhorias na infra-estrutura, na educação e saúde, mas

tudo como um processo que faz parte de uma estratégia de desenvolvimento, que não pode ser

vista como ações que tinham o objetivo de construir um sistema de bem estar social, mas

totalmente voltadas para a questão do desenvolvimento econômico.

No que diz respeito ao período de 1964 a 1985, Pereira (2002) destaca ser um

momento tecnocrático-militar, ou seja, o Estado deixa de ser uma organização populista e

passa a ser tecnocrata e centralizada, dominado pela elite e militares, e sob os aplausos da

classe média assustada, menosprezo pelas massas e valorização do capital estrangeiro, mas

quase nada foi desenvolvido na área social. Destaque para criação do Banco Nacional de

Habitação e o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e o Fundo de Garantia pelo

Tempo de Serviço (FGTS).

Para Carvalho (2008), o rápido aumento da participação do povo na política levou em

1964 a uma reação defensiva e a imposição de mais um regime ditatorial em que os direitos

civis e políticos foram restringidos pela violência. O governo militar pode ser dividido em três

fases: a primeira vai de 1964 a 1968, correspondente ao governo geral do general Castelo

Branco e primeiro ano do general Costa e Silva, período caracterizado por intensa atividade

repressiva na economia, período de combate à inflação e forte queda do salário mínimo e

pequeno crescimento. A segunda fase vai de 1968 a 1974, que compreende os anos mais

sombrios da história do país no ponto de vista dos direitos civis e políticos, sendo o domínio

dos militares mais turbulentos reunidos em torno do general Garrastazu Medici culmina a

repressão política com índices de grande crescimento econômico. A terceira fase 1974 a 1985

que termina com a eleição de Tancredo Neves e caracteriza-se com a tentativa do general

Geisel de liberalizar o sistema, contra a forte oposição e as leis de repressão vão sendo aos

poucos revogada. Na economia a crise do petróleo em 1973 reduz os índices de crescimento.

No início dos anos 1980 chegam a ser negativos.

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Com relação às políticas sociais de redistribuição de renda, Suplicy (2002) destaca

que, coube a Antonio Maria da Silveira escrever, em 1975, a primeira proposta de garantia de

renda mínima para o Brasil, em “Redistribuição da renda”. Era sua proposição que a injeção

de nova moeda na economia pelo governo fosse feita por meio das mãos dos que menos têm.

Fez críticas à ineficácia dos métodos até então adotados para combater a pobreza e fez a

proposta que ela fosse atacada diretamente por meio do imposto de renda negativo.

Ainda, para o autor, em 1978, Edmar Lisboa e Roberto Mangabeira Unger

propuseram que a reforma agrária e uma renda mínima por meio de um imposto negativo

deveriam ser instituídos como instrumentos fundamentais de democratização da sociedade

brasileira, pois na visão deles, só poderia haver democratização política se houvesse um limite

aos extremos de desigualdade e a erradicação da miséria. No mesmo ano, Caio Prado Junior

convidou Suplicy e Lula para um diálogo com o povo em frente à Livraria e Editora

Brasiliense, no centro de São Paulo, a respeito do tema, sendo essa a primeira vez que o atual

presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva formulou publicamente a ideia de se formar

o Partido dos Trabalhadores (PT).

Em 1985, mesmo com a trágica morte do então Presidente Tancredo Neves, o Brasil

retoma a sua supremacia civil, a Constituição de 1988 redigiu e aprovou a constituição mais

liberal e democrática que o país já teve, merecendo o nome de Constituição Cidadã. Os

direitos políticos adquiriram amplitude, porém a democracia política não resolveu os

problemas econômicos mais sérios, como a desigualdade social e o desemprego. Continuam

os problemas de ordem social, sobretudo na educação, saúde e saneamento básico e houve

agravamento da situação dos direitos civis no que se refere à segurança individual. Os

cidadãos chegam ao final do milênio, 500 anos após a conquista dessas terras pelos

portugueses e 178 anos após a fundação do país, envolta num misto de esperanças e

incertezas.

Na análise de Pinto (2008) destaca que, desde meados da década de 1980, as relações

entre sociedade e estado vêm se modificando como forma de governo e, a partir desse

período, os programas de garantia de renda mínima começam a adquirir crescente importância

no debate político e torna-se alternativa de política. As correntes liberais de suas clássicas

posições enfatizam a necessidade de substituição do antigo Walfare State, por uma política

social nos moldes do imposto de renda negativo, pois no mundo constituído de uma

população formada, de um lado, pessoas bem empregadas, de outro, por uma maioria

desempregadas ou vivendo de trabalho informal, o Walfare State – sustentado pela

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contribuição dos empregadores e empregados e assistência social, que marca as sociedades

salariais dos países desenvolvidos, não mais conseguem atender às questões sociais frente a

um mundo globalizado, competitivo e marcado pela desigualdade e pobreza.

Linhares (2005) destaca que a década de 1980 inicia com o agravamento da crise fiscal

e elevação da dívida externa Porém o surgimento de novos movimentos sociais aumenta o

poder de pressão da sociedade civil por maior democratização e pela maior organização de

movimentos setoriais. Surge também a Constituição de 1988, que concebe a Seguridade

Social como um conjunto que integra a Saúde, a Assistência Social e a Previdência,

introduzindo a noção de direitos sociais universais como parte da condição de cidadania.

O debate sobre a noção de mínimos indispensáveis configura-se historicamente entre

uma primeira tradição religiosa e caritativa sobre a pobreza e uma segunda em que se colocou

especial ênfase na discussão igualitária dos bens e serviços. Já, com relação às políticas

sociais, em nível de Brasil têm tomado como parâmetro institucional e histórico o Walfare

State (Estado de Bem-Estar). Durante os anos de 1920 e 1960, as intervenções públicas foram

decisivas para a formação de um Sistema de Proteção Social, porém marcados por uma

política repressiva. Na década de 70, o cenário brasileiro passa por algumas mudanças,

principalmente a preocupação com a pobreza passa a ser observada e se torna alvo de

discursos políticos, porém com poucas mudanças visíveis. Mais adiante, em meados dos anos

80 várias inovações foram adotadas para ampliar a capacidade e a eficiência à ação

governamental na área social. Porém, efetivamente, é a partir de 1990 que o debate político

sobre a questão da renda mínima ganha força, pois até então as políticas sociais eram

limitadas e clientelistas, distantes da realidade da situação em que se encontrava o povo

brasileiro. Assim, os Programas de Renda Mínima (PGRM) passam a fazer parte dos

discursos políticos, como uma alternativa para diminuir a pobreza e a desigualdade social

existentes entre a população brasileira.

3.3 OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA MÍNIMA NO BRASIL

Os programas de Renda Mínima são políticas públicas, criadas como uma alternativa

para a redução da pobreza e da desigualdade social, em países que apresentam grandes índices

de pobreza e desigualdade social. Entre os países que apresentam problemas dessa amplitude,

encontra-se o Brasil, conforme relatos acima descritos, um país com muitos problemas no que

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diz respeito a questões sociais. As propostas para um programa de renda mínima no Brasil

têm uma longa trajetória. O primeiro momento do processo histórico foi a transferência de

renda. Sempre existem aqueles que se manifestam contrários, seja por pensarem que

vagabundagem e desemprego é a mesma coisa, ou porque são políticas de governo, o que faz

com que os que a oposição os critique.

Nesse sentido, Valla, Stotz e Algebaile (2005) ressaltam que os programas de “nova

geração”, de caráter assistencial, cobrem de forma residual, seletiva e focalizada algumas das

mais graves situações de marginalidade econômica e social, pela concessão de uma renda

mínima ou complementação de renda, que tiveram início em países capitalistas avançados

como forma de garantir condições mínimas de vida para aqueles que, apesar das

oportunidades econômicas e da cobertura do sistema de proteção social, mantinham-se em

uma faixa de renda críticas para o “equilíbrio” social e político nacional. Seu objetivo nesse

caso era cobrir as lacunas que começam a aparecer em decorrência da reestruturação

econômica em curso.

Assim, pode-se dizer que, quando se fala em renda mínima, pode-se dizer que não é

uma ideia nova, mas o fato de ser considerada é relativamente recente. No caso do Brasil, é a

partir de 1990 que se observa uma mudança no desenho das políticas que, até então, eram

basicamente políticas compensatórias, com destaque para doações e situações de emergência,

com cobertura limitada e acesso mediado por práticas clientelistas. Porém, a partir de então, o

Brasil passa a inovar e cria um selo próprio, no que se refere a Programas de Transferência de

Renda, objetivando a redução da pobreza e da desigualdade social, como também a instituição

de um novo marco no que se refere à Seguridade Social. Essas políticas de Transferência de

Renda têm em comum, indiferente de suas condicionalidades ou critérios de atuação,

assegurar uma transferência monetária a todas as pessoas ou famílias que tenham

insuficiência de renda, como forma de garantir condições básicas de sobrevivência.

Nas palavras de Sposati et al. (1997), o debate sobre a aplicação de programas de

garantia de renda mínima surgiu há cerca de dez anos, num momento em que o modelo

político de regulação social conhecido por Welfare State, ou Estado de Bem-Estar Social,

entrou em crise. Assim, o programa de renda mínima se apresenta como uma das alternativas

de desmanche da oferta de serviços sociais estatais próprias do modelo Keynesiano. Sob tal

perspectiva, apareceu como uma política favorecedora do mercado, na medida em que

propunha processar a transferência de numerário à população para consumir serviços sociais

privados, ou seja, configurou-se como uma forma de estímulo ao consumo do mercado e

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70

desestímulos à demanda por serviços estatais. No Brasil, os tipos de Renda Mínima podem

ser identificados desde 1940, quando fixou o salário mínimo, estabeleceu uma renda mínima

para o trabalhador, determinou o padrão básico de ganho mensal, o salário-desemprego,

auxílio-doença, o salário do portador de deficiência, o salário do idoso, que também não

deixam de ser uma renda mínima vinculada à Previdência social. No decorrer do tempo,

muitas outras formas de renda mínima foram criadas.

Para Boschetti et al. (2009), os programas de transferência de renda passaram a ser

implementados no final dos anos 80 e início da década de 90 do século XX, porém somente

depois da experiência mexicana, já em meados dessa ultima década, os países passaram a ser

estimulados a tomá-la como referência. A partir de então, ganham visibilidade em toda a

região, estimulados pelos objetivos estabelecidos, por ocasião da Conferência de Copenhagen

(1995) seguidos da Declaração dos objetivos do Milênio em 2000, que se refere ao

compromisso de 189 países com Metas de Desenvolvimento do Milênio a serem cumpridas

até 2015, como esforços para reduzir a pobreza, melhorar a saúde e promover a paz.

Assim, entre os primeiros programas nacionais de transferência de renda, destacam-se:

Em 1989, o Programa Beca Alimentaria na Venezuela; em 1990, o Programa de Auxílio à

Família, em Honduras; em 1997, o Programa de Educação, Saúde e Alimentação- Progresa,

no México; e consequentemente a repercussão de programas de renda mínima em todos os

países da América Latina. Ressalta-se no Brasil, a existência de experiências estaduais e

municipais, como é o caso do Distrito Federal e dos municípios de Campinas e Ribeirão Preto

em 1995, sendo e em 2001, entra o Bolsa Escola e 2003 Bolsa Família.

De acordo com Macedo e Brito (2004), é a partir de 1990, que no Brasil ocorre uma

mudança substantiva no desenho das políticas compensatórias. O debate político brasileiro

sobre a questão da renda mínima ganha destaque, tendo como seu grande impulsionador o

Projeto de Lei do Senador Eduardo Suplicy (PT), aprovado no Senado Federal em dezembro

de 1991, instituindo um programa de renda mínima (RM) de abrangência nacional, que

incluía 38 milhões de pessoas, com idade superior a 25 anos, cuja renda mensal era inferior ao

patamar de dois salários mínimos. A proposta era que os beneficiários receberiam 30% da

diferença entre a sua renda e aquele patamar. Mesmo com a aprovação do Senado e tendo

parecer favorável da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. Tal

projeto nunca foi colocado em votação no plenário da Câmara.

É oportuno relatar que, mesmo não tendo sido colocado em prática, esse projeto é o

marco inicial dos Programas de Renda Mínima (PGRM) no Brasil, sendo reconhecido o

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71

mérito do Senador Suplicy ao fomentar uma ampla discussão sobre a questão, que passa a

fazer parte da agenda política e que traz à tona dúvidas e controvérsia a respeito da

possibilidade e confiabilidade de tal programa na redução da pobreza e na desigualdade

social. É a partir da definição de um programa de complementação de renda condicionado à

educação, a exemplo do DF, que norteou a proposta nacional de RM no Brasil.

Assim, Silva, Yasbek e Giovanni (2004) apud Linhares (2005) contribuem para o

entendimento do assunto, quando enfatizam que somente com a aprovação do projeto do

Senador Suplicy é possível falar num processo de desenvolvimento histórico dos Programas

de Transferência de Renda no Brasil. Destacam que, mesmo com a conjuntura desfavorável,

do início da década de 90, para a implantação de qualquer política de enfrentamento à pobreza

e de redistribuição de renda, a partir de 1992, com a instituição do movimento Ética na

Política, que levou ao impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, a agenda pública

passa a dar maior ênfase à temática da fome e da pobreza, com o destaque da campanha

contra a fome e a miséria e pela vida, liderada pelo sociólogo Herbert de Souza.

Com a aprovação do projeto de Lei n° 80/1991, o debate sobre implantação de

Programas de Transferência de Renda começa a fazer parte da agenda pública no Brasil e a

mentalidade de uma sociedade capitalista passa a se preocupar com o quesito cidadania e

direitos sociais. Esse projeto pode ser visto como o primeiro momento de incorporação do

debate sobre o que se passou a denominar de Programa de Renda Mínima (PGRM).

Nesse debate, Suplicy (2002, p. 123) analisa que:

O Projeto de Lei do Senado n° 80, de 1991, instituía o Programa de Garantia de Renda Mínima- PGRM-, que beneficiaria, sob a forma de imposto de renda negativo, todas as pessoas residentes no país, maiores de 25 anos e que auferiam rendimentos brutos mensais inferiores a CR$ 45.000, que correspondiam a 2,5 vezes o salário mínimo efetivo da época. O imposto de renda negativo corresponderia a 50% da diferença entre aquele patamar e a renda da pessoa, no caso de a pessoa estar trabalhando, e 30% no caso de estar tendo rendimento nulo ou não estar exercendo atividade remunerada.

Com a aprovação do Projeto de Lei do Senado n° 80, de 1991, vêm o segundo passo, a

passagem do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos, quando foram efetuadas algumas

sugestões, entre elas, que a alíquota passasse a ser de 30%, podendo o executivo alterá-la para

até 50%de acordo com a disponibilidade de recursos ao longo de oito anos. Em 16 de

dezembro de 1991, após quatro horas e meia de debates, o Senado Federal aprovou o Projeto

de Lei, no qual toda pessoa de 25 anos ou mais, com renda inferior a aproximadamente R$

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72

400,00, em valores de 2001, passaria a ter o direito de receber um complemento na forma de

imposto negativo, equivalente a 30% da diferença. O projeto previa a introdução gradual do

PGRM ao longo de oito anos, dos mais velhos para os mais jovens.

No mesmo ano em uma reunião de aproximadamente 50 economistas do PT, realizada

em Belo Horizonte, José Marcio Camargo observou que seria interessante que o PGRM fosse

definido por famílias que tivessem crianças em idade escolar, uma vez que um dos maiores

problemas brasileiros era o grande número de crianças que, em virtude de seus pais não terem

uma renda suficiente, eram obrigados a trabalhar precocemente. Esse seria denominado como

o segundo momento, iniciado também em 1991, tido como o ponto principal dos Programas

de Transferência de Renda na atualidade, ou seja, a necessidade de articulação da garantia de

uma renda mínima familiar com a educação.

No período de 1993, fazia parte do poder o então Presidente Itamar Franco (1993-

1994), que criou o PCFM – Plano de Combate a Fome e a Miséria, que se constituiu na

incorporação de um movimento de mobilização nacional liderado por Herbert de Sousa, o

“Betinho”, cuja inovação foi propor a articulação e mobilização de recursos institucionais,

humanos e organizacionais. Orientado pelos princípios da parceria, descentralização e da

solidariedade, mobilizou a sociedade brasileira em torno do combate à fome e à pobreza.

Conforme relata Silva (2007), é importante destacar a historicidade política da época

para entender o que se passou em termos de políticas sociais. No Governo de FHC- Fernando

Henrique Cardoso (1994-2000) é preciso resgatar sua trajetória política. Tem suas raízes no

modelo neoliberal de Estado desencadeado no Brasil a partir da eleição de Fernando Collor de

Mello (1990-1992), seguido por seu sucessor Itamar Franco (1992-1993), seu vice, que

assume logo após a renúncia de Collor. Nesse cenário surge a figura de FHC que passa a

comandar a economia do Governo de Itamar Franco, lançando mão do Plano Real, e como

principal meta debelar a inflação e a paridade da nova moeda brasileira- o Real- ao Dólar.

Com o fortalecimento do então Ministro da fazenda Fernando Henrique Cardoso, ele torna-se o sucessor do presidente Itamar, elegendo-se Presidente da República em 1994, lançando no seu primeiro dia de governo. O Programa Comunidade Solidária através da Medida Provisória (MP 815/95) como estratégia de combate a pobreza, legado do Plano de Combate a Fome e a Miséria pela Vida (PCFMV) do governo anterior e que teve como principal mentor intelectual o sociólogo Herbert de Souza, o “Betinho”. (PEREIRA, 2002, p. 166-172 apud SILVA, 2007, p. 46)

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73

Ainda, para o autor, o debate mais consistente na área social de combate à exclusão e à

fome do Governo de FHC (1994-2000) foi marcado pelo Programa Comunidade Solidária,

coordenado pela primeira da Sra. Ruth Cardoso, juntamente com a pastoral da criança e

adolescente. A proposta pretendia erradicar a fome no país, principalmente entre crianças com

uma das mais conhecidas receitas de combate a desnutrição infantil: a multimistura.

Como se pode perceber, foi durante o período procedente aos anos 90, que o debate

sobre os programas de renda mínima no Brasil teve uma evolução interessante,

caracterizando-se um novo olhar sobre a questão da distribuição da renda e o combate à

pobreza. É visível a mudança substantiva que ocorre nas políticas compensatórias, até então

de cobertura limitada e com acesso através de práticas clientelistas, distantes da realidade do

povo brasileiro, os chamados programas assistencialistas que compuseram durante várias

décadas e destacam-se por sua ineficácia e ineficiência. Entre eles merece destaque o

programa Bolsa Escola como marco inicial dos PGRM no Brasil.

3.3.1 O Programa Bolsa-Escola

A base do Programa Bolsa-Escola surge no cenário brasileiro como proposta para

combater o trabalho infantil e assegurar a universalização da educação fundamental a todas as

crianças de baixa renda do Brasil e contribuir para a melhoria das condições de vida do país.

O benefício foi apresentado ao Brasil ao longo de um processo de amadurecimento ao qual

não deixaram de existir dúvidas, polêmicas, opositores, um desafio de propor medidas

transformadoras e ações que levasse ao país um futuro que possibilite incluir os excluídos. No

decorrer dessa sessão, será discutida a origem do Programa Bolsa Família, sua formação e

métodos de atuação em grande parte da sociedade brasileira.

Com relação às origens do Programa Bolsa Escola, de acordo com Waiselfisz,

Abramovay e Andrade (1998), merece destaque o período entre 1986 e 1989, momento em

que norteavam na sociedade brasileira indagações a respeito da situação relacionadas à

questão social, principalmente no que se refere ao futuro da sociedade e à inclusão social. Tais

indagações motivaram discussões no Núcleo de Estudos do Brasil Contemporâneo da

Universidade de Brasília (UnB) em que, pela primeira vez reitor, Cristovão Buarque, propôs a

ideia da Bolsa-Escola. Um dos maiores desafios era ultrapassar o plano das “intenções” e

propor medidas efetivas, em ações concretas que levassem a mudanças no Brasil. Investir na

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74

educação significava primeiramente alfabetizar, meta que só poderia ser alcançada ampliando

a escolarização das crianças.

A ideia começou a tomar corpo no início dos anos 90, durante o governo paralelo do

Partido dos Trabalhadores (PT), quando Cristovão Buarque assumiu a responsabilidade pela

área da educação. Nesta época, Buarque contava com a colaboração do economista José

Marcio Camargo, na elaboração de uma proposta de Renda Mínima aplicada à educação, até o

presente momento apenas uma proposta nada acabado. A Bolsa-Escola era uma ideia sem

contornos definidos, que acabou sendo refutada e não constando do Programa do Governo

Paralelo, porém o debate sobre a necessidade de se adotarem políticas públicas de combate à

pobreza continuava vivo no Congresso Nacional. Destaca-se o Programa de Garantia de

Renda Mínima do Senador Eduardo Suplicy, o qual Cristovão Buarque e José Marcio

Camargo sugeriam que, nessa conjuntura, deveria estar vinculada à educação.

Waiselfisz, Abramovay e Andrade (1998) destacam ainda que, em 1992, as

universidades, associações, igrejas, congressos foram os ambientes em que a ideia da Bolsa

Escola era debatida, sendo detalhada num grande folder como “a revolução nas prioridades”,

apresentada em uma reunião da Conferência Nacional dos Bispos (CNBB)12. Em 1994, a

campanha de Cristovão Buarque para governador do Distrito Federal colocou em destaque a

questão da Bolsa-Escola. Pesquisa eleitoral, em junho de 1994, demonstrou um alto índice de

pessoas a favor da proposta: 67%, contra 13% e o restante não tinham opinião.

No ano de 1995, o Programa Bolsa-Escola foi o primeiro programa instituído no

Governo do Distrito Federal, pelo Decreto n 16.270, de 11 de janeiro de 1995, que adotou

uma estratégia de implantação do programa em três fases: a) experiência piloto em área

carente, b) disseminação (o programa é aplicado em áreas carentes, c) Generalização (o

programa é aplicado em todo Distrito federal). Esse seria considerado o terceiro momento, ou

seja, o início da implantação das primeiras experiências de Programas de Renda Mínima/Bolsa

Escola, inicialmente em Campinas, Brasília e Ribeirão Preto, estendendo-se para várias outras cidades

e Estados brasileiros, de modo que, em 1996, foram iniciadas as primeiras experiências de iniciativa

do governo federal, com o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e o Benefício de

Prestação Continuada e, em 1999, foram iniciadas as experiências estaduais.

12 Esta primeira versão do Bolsa Escola “A revolução nas Prioridades”foi reproduzida com o apoio da Conferencia Nacional dos Bispos (CNBB), do Instituto de Estudos Sociais e Econômicos (INESC/BSB), do Instituto Nacional de Educação a Distância (INED) e do Núcleo de Estudos do Brasil Contemporâneo da Universidade de Brasília- UnB.

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75

Cristovão Buarque, que vinha pensando no mesmo sentido, desde 1896, em reunião realizada no Núcleo de Estudos do Brasil Contemporâneo, na Universidade de Brasília (UnB) , em 1994, colocou como proposta básica de sua campanha para governador a instituição de uma renda mínima para todas as famílias poderem ter as suas crianças freqüentando a escola. Na sua primeira semana de governo, em janeiro de 1995, na cidade satélite de Paranoá, anunciou o início do Programa Bolsa Escola, segundo o qual toda família que não ganhasse pelo menos meio salário mínimo mensalmente per capita, com criança de 7 a 14 anos, residindo no Distrito Federal há pelo menos cinco anos, teria o direito de receber um salário mínimo por mês, desde que suas crianças tivessem 90% de comparecimento às aulas. (SUPLICY, 2002, p. 125-126).

Na análise de Suplicy (2002), em novembro de 1994, por sua vez o Prefeito José

Roberto Magalhães Teixeira, o Gama (PSDB), apresentou a Câmara Municipal de Campinas

o Projeto de Lei que instituía o Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima- PDRFM,

também para todas às famílias com renda inferior a meio salário mínimo mensal e com

crianças de até 14 anos na escola. O Complemento de renda dado ás famílias era o suficiente

para completar meio salário mínimo per capita, portanto como se fosse um imposto de renda

negativo para a família e chegou a beneficiar 2.941 famílias.

Com relação à Bolsa Escola13, instituída no Distrito Federal, Waiselfisz, Abramovay e

Andrade (1998) relatam que o objetivo principal do programa era “promover a admissão e

permanência na escola pública de crianças de 7 a 14 anos completos, em condição de carência

material e precária situação social e familiar. Espera-se por meio do cumprimento desse

objetivo, alcançar outros, quais sejam: Romper com o ciclo de negligência em relação à

educação e lutar contra a exclusão social, combater a evasão escolar e incentivar a

escolarização, além de propiciar às crianças de famílias pobres uma escolaridade que lhes dê

condições para superar os traços da exclusão social, em especial a criminalidade juvenil,

prevenir o trabalho infantil e da opção da rua como meio de buscar a sobrevivência das

famílias pobres e recuperar a dignidade no segmento populacional dos excluídos, como

também possibilitar às famílias carentes uma renda mínima, superando a situação de miséria

em que vivem.

O programa consistia em outorgar, temporariamente, um salário mínimo mensal às

famílias em situação de carência material e precariedade social, sendo que deve cumprir com

os seguintes requisitos:

1) Ter todos os filhos entre 7 e 14 anos de idade matriculados em escolas públicas do Distrito

Federal.

13 Programa Bolsa Escola e poupança-escola: Governo do Distrito Federal. Secretaria de Educação. Programa Bolsa Familiar para a Educação. Brasília: 1997.

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2) Ter renda per capita igual ou menor a meio salário mínimo.

3) No caso de existir algum membro da família desempregado, ele deve comprovar que está

procurando emprego por meio de sua inscrição no Sistema Nacional de Emprego (SINE).

4) Comprovar residir no Distrito Federal há, no mínimo, 5 anos consecutivos.

5) Morar na região administrativa de inscrição.

É a partir dessas duas experiências, primeiramente no Distrito Federal e

posteriormente em Campinas, que surge o Programa Bolsa Escola. Partindo do diagnóstico

altamente favorável desses dois municípios, inúmeros outros municípios, grande parte deles

governados pelo (PT) Partido dos Trabalhadores14, bem como diversos estados, passaram a

instituir programas de renda mínima associados às oportunidades de educação, ou Bolsa

Escola, com ligeiras variações em seus desenhos. Em 1995 e 1999, novos projetos de Lei

foram apresentados na Câmara Federal e no Senado propondo que se instituíssem projetos de

renda mínima associados à educação. Sancionada em 10 de dezembro de 1997, a Lei 9.533,

autorizava o governo federal a conceder apoio financeiro de 50% dos gastos, aos municípios

que instituíssem programa de renda mínima associado a ações sócio-educativas.

Finalmente, em março de 2001, foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada

pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso uma nova lei, de número 10.219/2001, que

autoriza o governo federal a realizar convênios com os governos de todos os municípios

brasileiros para adotarem o programa de renda mínima associado à educação, ou Bolsa

Escola. Dá como responsabilidade dos municípios a administração do programa, enquanto

que o governo federal passará a transferir o pagamento para as famílias beneficiadas por meio

de um cartão magnético.

De acordo com Suplicy (2002, p. 134), terão direito ao benefício famílias com

crianças de 6 a 15 anos, desde que esteja frequentando a escola e tenham renda per capita até

meio salário mínimo, ou R$ 90,00 reais, em 2001. O benefício muito modesto varia de R$

15,0, R$ 30,00 ou R$ 45,00 por mês, variando se a família tiver uma, duas, três ou mais

crianças.

O que se percebe é que, no Programa Bolsa-Escola, o objetivo principal estava voltado

mais para o futuro da educação de crianças e jovens, principalmente à frequência escolar e à

14 PT realiza de 13 a 15 de junho de 1993, no Congresso nacional, em Brasília, eu havia acordado com Aloísio Mercadante uma redação de consenso para que o PGRM fosse incluído na Plataforma de Governo de Lula, então candidato à presidência da República nas eleições de 1994, com o objetivo de erradicar a pobreza e promover a presença de todas as crianças na escola. (SUPLICY, 2002, p. 127-128).

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77

permanência na escola. Isso se deve ao grande número de desistência e ao aumento do

trabalho infantil nas classes menos favorecidas que, devido à pobreza e à desigualdade social,

acometem um grande número de crianças e jovens brasileiros. Assim, o Bolsa-Escola se

intensifica e é destaque em várias regiões do Brasil e, posteriormente, assume um papel

importante na história dos Programas Sociais de Renda Mínima, inclusive na criação do atual

Bolsa Família.

Surge no cenário dos Programas de Transferência de Renda o quarto momento,

iniciado em 2001, penúltimo ano do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, já

no seu segundo mandato (1999-2002). Nessa fase, ampliaram- se os programas de iniciativa

do Governo federal, com a criação do Programa Bolsa Escola e posteriormente o Bolsa

Alimentação.

O ano de 2003 dá inicio ao Governo do Presidente Lula, que traz como destaque a

política de enfrentamento da fome e da pobreza representada pelo Programa Bolsa Família,

lançado no mesmo ano. Pode-se dizer que este seria o quinto momento dos Programas de

Transferência de Renda e o mais importante até então, pois, a partir do Programa Bolsa

Família presenciou-se um grande volume de recursos na história das políticas sociais no

Brasil, alcançando quase que a totalidade das famílias mais carentes, e marcada por grandes

inovações, como é ao caso da unificação dos Programas de Transferência de Renda.

3.3.2 O Programa Bolsa Família

O Programa Bolsa Família (PBF) é considerado pelo Banco Mundial como uma

política eficiente de combate à pobreza e à desigualdade social, além de ser um dos maiores

programas de transferência de renda do país. Presente em aproximadamente 12,4 milhões de

domicílios pobres de todos os municípios brasileiros, o PBF tem como foco principal a

transferência de renda direta, voltada ao enfrentamento da pobreza e da desigualdade social,

que se baseia na articulação de condicionalidades para o sucesso do programa.

De acordo com dados do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome:

O Bolsa Família é um programa de transferência de renda diretamente às famílias pobres e extremamente pobres, que vincula o recebimento do auxílio financeiro ao cumprimento de compromissos (condicionalidades) nas áreas de educação e Saúde. Tem por objetivo promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial de saúde e educação e assistência social; combater a fome e promover a segurança

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alimentar e nutricional; estimular o desenvolvimento das famílias beneficiárias; combater a pobreza; e promover a intersetorialidade, a complementaridade e a sinergia das ações sociais do poder público. (BRASIL, 2005, p 13).

Boschetti et al. (2009) destacam que o PBF, originalmente vinculado à Presidência da

República e hoje ao Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, foi criado pela

Medida Provisória n° 132, de 20 de outubro de 2003, sancionado pela Lei n° 10.836, de 09 de

janeiro de 2004 e regulamentado pelo Decreto n° 5.209, de 17 de setembro de 2004. Visa

unificar os procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda com

condicionalidades. Dentre os diversos programas de transferência de renda existentes, foram

incluídos na unificação os programas Nacionais de Renda Mínima vinculado à Educação-

“Bolsa Escola”; de Acesso à Alimentação – PNAA; de Renda Mínima vinculado à Saúde –

“Bolsa Alimentação”; de Auxílio Gás. O PBF integra a estratégia de combate à pobreza

denominada FOME ZERO e constitui um programa de transferência de renda direta com

condicionalidades, nas áreas de saúde e educação, dirigido às famílias em situação de

pobreza, registradas no Cadastro único para Programas Sociais.

O Decreto n° 5.209, de 17 de setembro de 2004, que regulamenta o Programa Bolsa

Família em seu art.4°, elenca os objetivos básicos como:

a) Promover o acesso a rede de serviços públicos, em especial, de saúde, educação e

assistência social;

b) Combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional;

c) Estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de pobreza

e extrema pobreza;

d) Combater a pobreza;

e) Promover a intersetorialidade, a complementaridade e a sinergia das ações sociais

do Poder Público.

Brasil (2008) destaca que o PBF é um programa de transferência de renda que

beneficia diretamente as famílias pobres de forma imediata, por meio de transferência de

renda, como forma de contribuir para a redução da pobreza entre as gerações, por meio de

acompanhamento das condicionalidades e apoio e desenvolvimento das famílias. É um

programa que integra o Fome Zero, tem uma maior abrangência e cujo objetivo é assegurar o

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direito humano à alimentação adequada, com prioridade para as pessoas com dificuldade de

acesso aos alimentos, como também integra e unifica os atos e procedimentos de gestão de

antigos programas de transferência de renda do GF - Governo Federal, chamados de

programas remanescentes.

Assim, conforme relato acima descrito, pode-se dizer que o PBF apresenta uma nova

temática de ação social, que tem como objetivo promover a redução da pobreza e da

desigualdade social, contornando os antigos programas que se diziam clientelistas que, por

falta de fiscalização e controle de informações, provocavam efeitos danosos, como o desvio

de verbas, a corrupção e o favorecimento de pessoas que não se encaixavam nos critérios

exigidos. Dessa forma, a mobilização com relação a esse quadro político e social deu origem à

unificação dos programas sociais, que ficou restrita a quatro programas federais: Bolsa

Escola, Bolsa Alimentação, Vale Gás e Cartão Alimentação, sendo indicada mais

recentemente, a incorporação do PETI e do Agente Jovem.

No que concerne ao objetivo do PBF, o autor Weissherimer (2006) destaca como

principal deles o fazer com que seus beneficiados deixem de sê-lo. Entretanto, o autor admite

que essa seja uma tarefa para muitos anos e não apenas para um programa isolado. Promover

o desenvolvimento socioeconômico de famílias em estado de insegurança alimentar, gerar

trabalho e renda, devolver ou mesmo criar uma dignidade capaz de levar a algo que passa a

ser chamado de cidadania é um desafio e o sonho de muitas pessoas e de muitos países,

inclusive o Brasil.

O Bolsa Família tem dois objetivos básicos: combater a miséria e a exclusão social e promover a emancipação das famílias mais pobres. Uma das novidades do programa em relação a iniciativas similares anteriores foi a unificação de todos os benefícios sociais do governo federal (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e Auxílio Gás) em um único programa. O objetivo da unificação foi garantir maior agilidade na liberação do dinheiro, reduzir a burocracia e melhorar o controle dos recursos. (WEISSHERIMER, 2006, p. 25).

Segundo Weissherimer (2006), quando o presidente Luiz Inácio Lula Da Silva tomou

posse, em janeiro de 2003, encontrou um sistema de programas sociais de transferência de

renda espalhado por vários ministérios, com diferentes listas de beneficiários e critérios para

recebimentos de benefícios. Esse sistema “espalhado” foi submetido a um processo de

unificação, decisão que exigiu, entre outras coisas, o recadastramento e a unificação dessas

listas e a redefinição de critérios. Nascia o Programa Bolsa Família, que se integra a um

guarda-chuva maior denominado Programa Fome Zero que visa erradicar a fome e a exclusão

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80

social e garantir o direito humano à alimentação em todo território nacional. Embora no início

o Fome Zero tenha tido maior repercussão na mídia e no próprio discurso governamental, foi

o Bolsa Família que se consolidou como o programa social por excelência do governo Lula.

Nessa perspectiva, O PBF é, hoje, a principal política pública de combate à pobreza e

inclusão sócio-educacional no Brasil. Seu objetivo é beneficiar famílias pobres e

extremamente pobres, como forma de combate à fome, aumento do bem estar individual e

familiar, promoção da saúde por meio do controle da vacinação, pré-natal, tratamento médico,

promover a educação, garantir a inclusão educacional de todos os indivíduos da família em

idade escolar, acompanhar a matrícula, a frequência e a progressão escolar. O PBF tem uma

visão social, ou seja, é um programa de transferência de renda que visa à inclusão, pois

vincula o pagamento do benefício ao cumprimento de condicionalidades nas áreas da saúde,

educação e assistência social. Dessa forma, essa política mostra-se inovadora no contexto

assistencial, com intenções inovadoras e voltadas para os direitos humanos e a cidadania do

povo brasileiro.

Para fazer parte do PBF, as famílias devem passar por alguns critérios de seleção.

Podem fazer parte as famílias com renda per capita mensal de até R$ 140 (cento e quarenta

reais) por pessoa. A inclusão das famílias no Programa é feita exclusivamente entre as

famílias cadastradas no Cadastro único – CadÚnico. As famílias cadastradas são selecionadas

de acordo com os critérios da renda per capita da família, da menor para a maior renda.

Importante destacar que o simples fato de estar cadastrada no CadÚnico, não significa que

terá o benefício de imediato, uma vez que fica atrelado às condições: a disponibilidade de

recursos do Governo Federal, do cronograma de expansão dos valores pagos pelo Programa

Bolsa Família, que variam de R$ 22,00 a R$ 200,00, de acordo com a renda mensal por

pessoa da família e o número de crianças e adolescentes de até 17 anos.

O programa apresenta três tipos de benefícios: o básico, com renda mensal de R$

68,00, pago as famílias consideradas extremamente pobres, com renda per capita de até

R$70,00 por pessoa mesmo que elas não tenham crianças ou adolescentes. O benefício

variável de R$ 22,00 para cada pessoa de até 15 anos e o variável vinculado ao adolescente

(BVJ) no valor de R$ 33,00 para cada adolescente entre 16 e 17 anos, conforme consta nas

tabelas abaixo:

Famílias extremamente pobres

N° de pessoas até N° pessoas de 16 Tipo do benefício Valor

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81

15 anos a 17 anos

0 0 Benefício Básico R$ 68,00

1 0 Básico +1 variável R$ 90,00

2 0 Básico +2 variáveis R$ 112,00

3 0 Básico+3 variáveis R$ 134,00

0 1 Básico+1BJV R$ 101,00

1 1 Básico+1 variável +1 BJV R$ 123,00

2 1 Básico+2 variáveis +1 BJV R$ 145,00

3 1 Básico+3 variáveis +1 BJV R$167,00

0 2 Básico+2 BJV R$ 134,00

1 2 Básico+ 1 variáveis +2 BJV R$ 156,00

2 2 Básico+ 2 variáveis +2 BJV R$ 178,00

3 3 Básico+ 3 variáveis +3 BJV R$ 200,00

Tabela 1: Benefício pago pelo PBF para as famílias extremamente pobres15

Fonte: MDS/ dezembro de 2009.

A partir da tabela acima descrita, fica evidenciado que o PBF efetua o pagamento do

benefício para as famílias extremamente pobres por meio de um benefício básico

independente do número de filhos de R$ 68,00, mais variáveis, que vai depender do número

de crianças/adolescentes. A próxima tabela refere-se ao pagamento do benefício às famílias

consideradas pobres, com renda mensal per capita entre, R$ 70,00 e R$ 140,00 por pessoa.

Nesse caso, as famílias não recebem o benefício básico, apenas o benefício variável, de

acordo com a tabela abaixo:

Famílias pobres

N° de pessoas até

15 anos

N° pessoas de 16

a 17 anos

Tipo do benefício Valor

0 0 Não recebe benefício básico _______

1 0 1 variável R$ 22,00

2 0 2 variáveis R$ 44,00

3 0 3 variáveis R$ 66,00

0 1 1BJV R$ 33,00

1 1 1 variável +1 BJV R$ 55,00

2 1 2 variáveis +1 BJV R$ 77,00

15 É considerada família extremamente pobre, quem recebe uma renda per capita de até R$ 70,00 por pessoa.

Page 82: Adriana Aparecida Felicetti

82

3 1 3 variáveis +1 BJV R$ 99,00

0 2 2 BJV R$ 66,00

1 2 1 variável +2 BJV R$ 88,00

2 2 2 variáveis +2 BJV R$ 110,00

3 3 3 variáveis +3 BJV R$ 132,00

Tabela 2: Benefício pago pelo PBF para as famílias pobres16

Fonte: MDS/ dezembro de 2009

Os valores pagos pelo PBF, segundo dados da página oficial do MDS (2009), teve

reajuste de 10% em setembro de 2009, ou seja, o valor mínimo ficou em R$ 22,00 e o

máximo de R$ 200,00. O Governo Federal decidiu reajustar o atual benefício como forma de

manter o poder de compra da população atendida e reforçar a distribuição de renda entre as

famílias brasileiras. Entre junho/2008 e junho/2009, mais 4% de ganho real destinados a

consolidar a estratégia de redução das desigualdades individuais e regionais. Segundo o Jornal

Diário Catarinense, de 01 de agosto de 2009, o reajuste de 9,6% nos valores do PBF

confirmado na publicação de decreto presidencial no Diário Oficial da União teve um impacto

financeiro de R$ 406 milhões no programa em 2009.

Para De Paula (2009, p. 3), em matéria divulgada no Jornal MDS de outubro de 2009,

o PBF, principal mecanismo de transferência de renda do Governo federal e que já repassa

recursos a 12,4 milhões de famílias em situação de pobreza, investiu aproximadamente R$

52,7 bilhões, desde sua criação em 2003. E, além de ter impacto sobre a redução das

desigualdades de renda no País, também tem forte implicação no cotidiano das famílias

beneficiadas. Mais do que comida na mesa, representa a aproximação da população mais

pobre de uma renda de políticas públicas, uma vez que dá visibilidade às situações de

vulnerabilidade, levando a proteção social a quem precisa.

Isso demonstra que o PBF, no decorrer de sua existência, tem evoluído a cada ano o

número de famílias assistidas. Como pode ser visto no gráfico abaixo, em 2003 iniciou

atendendo 3,6 milhões de famílias, em 2004 passou para 6,5 milhões, chegando à marca de

12,4 milhões no ano de 2009, ou seja, demonstra que o PBF possui uma abrangência que

chega a todos os Estados brasileiros e consequentemente a uma grande quantidade de famílias

atendidas.

16 É considerada família pobre, quem recebe uma renda per capita entre R$ 70,00 e R$ 140,00 por pessoa.

Page 83: Adriana Aparecida Felicetti

83

Gráfico 2: Famílias atendidas pelo PBF no Brasil de 2003 a 2009

Fonte: BRASIL, MDS, 2010

O CadÚnico é um instrumento de coleta de dados, que tem como objetivo identificar

todas as famílias em situação de pobreza existentes no país. Cada município tem uma

estimativa de famílias pobres, considerada como a meta de atendimento do Programa naquele

território. Essa estimativa é calculada com base numa metodologia desenvolvida com apoio

do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e tem como referência os dados do

Censo de 2000 e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2004, ambos

do IBGE, reiterando que o preenchimento do cadastramento não implica a entrada imediata

dessas famílias no Programa e o recebimento do benefício. Com base nas informações

inseridas no CadÚnico, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)

seleciona, de forma automatizada, as famílias que serão incluídas no Programa a cada mês. O

critério principal é a renda per capita da família e são incluídas em primeiro as famílias com a

menor renda.

Além disso, o Cadastro Único para programas sociais foi criado em 2001 como

instrumento de identificação de todas as famílias de baixa renda no Brasil. No início, sua base

de dados era composta pelos registros de três programas de transferência de renda: O Auxílio

Gás, do Ministério das Minas e Energia; o Bolsa Alimentação, do Ministério da Saúde; e o

Bolsa Escola, do ministério da Educação. Com o decorrer dos anos, o CadÚnico ganhou em

dimensão e qualidade, pois podem fazer parte do cadastro famílias com renda mensal de até

meio salário mínimo per capita e vinculadas a programas sociais que tenham como critério de

elegibilidade a inclusão nessa base de dados. Merece destacar ainda que, ao se cadastrar, cada

família recebe um Número de Identificação Social (NIS), sendo a Caixa Econômica Federal

Page 84: Adriana Aparecida Felicetti

84

agente operador do CadÚnico, utilizado pelos três entes federados (União, Estados e

municípios). Segue abaixo o gráfico que retrata o número de pessoas cadastradas nos últimos

quatro anos, no CadÚnico.

Gráfico 3: Famílias Inscritas no Cadastro Único no Brasil de 2006 a 2009

Fonte: BRASIL, MDS, 2010

Além disso, com relação à seleção das famílias, é importante destacar que, para a

permanência no programa, as famílias precisam obedecer a alguns critérios, denominados de

condicionalidades impostas pelo programa. As condicionalidades são compromissos nas áreas

da educação, da saúde e assistência social como forma de promover os direitos sociais básicos

e o exercício da cidadania. Essas condicionalidades podem ser descritas como:

a) Na área da Saúde: pré-natal e puerpério e acompanhamento das nutrizes na faixa de 14

a 44 anos, acompanhamento do calendário vacinal e do crescimento e

desenvolvimento infantil e vigilância alimentar e nutricional de crianças menores de 7

anos.

b) Na área de Educação: frequência mínima de 85% para crianças entre 6 e 15 anos e

mínima de 75% para adolescentes entre 16 e 17 anos.

c) Na área da Assistência social: frequência mínima de 85% da carga horária relativa aos

serviços socioeducativos para crianças e adolescentes de até 15 anos em risco ou

retirados do trabalho infantil.

O controle da frequência escolar é responsabilidade da Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) do MEC. De acordo com a portaria

Interministerial MDS/MEC n° 3.789, de 17 de novembro de 2004, as Secretarias municipais

Page 85: Adriana Aparecida Felicetti

85

de Educação devem informar a freqüência escolar a cada bimestre. O registro é via internet e

acessado por meio da Caixa, órgão responsável pelo desenvolvimento desse aplicativo. Já no

que se refere à área responsável pela saúde, é a Coordenação Geral de Política Nutrição e

Alimentação (CGPAN), do Departamento de Atenção Básica (DAB), da Secretaria de

Atenção à Saúde (SAS), uma vez que é acompanhado semestralmente por meio do Sistema de

Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), acessado pelas Secretarias Municipais e

Estaduais de saúde via internet.

De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o

objetivo das condicionalidades não é punir as famílias, mas responsabilizar de forma conjunta

os beneficiários e Poder Público, que deve identificar os motivos do não-cumprimento das

condicionalidades e implementar políticas de acompanhamento a essas famílias.

Importante destacar que, as famílias que não cumprem com as condicionalidades são

consideradas as que se encontram em situação de maior risco e vulnerabilidade social, por

esse motivo deve ser priorizado o acompanhamento no âmbito do Sistema Único de

Assistência Social (SUAS), sendo que nos municípios onde há os Centros de Referencia da

Assistência Social (CRAS), o acompanhamento familiar é feito pelo Programa de Atenção

Integral á Família (PAIF), com o objetivo de identificar os motivos que levam as famílias ao

descumprimento da condicionalidade e proporcionar os encaminhamentos necessários, em

parceria com outras políticas públicas.

Com relação à gestão de benefícios do programa Bolsa Família, regulamentada pelo

GM/MDS n° 555, de 11 de novembro de 2005, compreende as atividades de bloqueio,

desbloqueio, cancelamento, reversão de cancelamento, suspensão e reversão de suspensão de

benefícios em caso do descumprimento de alguma condicionalidade.

Os processos que compõem a Gestão de Benefícios do PBF são:

• Concessão de benefícios financeiros: Segue um plano de expansão do PBF, com base

na estimativa de famílias em cada município. A execução da concessão é feita de

modo automatizado, com preferência às famílias de menor renda per capita com

cadastro habilitado no CadÚnico.

• Gestão de benefício pelos municípios: Os gestores municipais podem descontinuar a

transferência de renda às famílias beneficiárias do PBF, temporariamente ou

permanentemente.

Page 86: Adriana Aparecida Felicetti

86

• Pagamento dos benefícios financeiros: A Caixa Econômica Federal realiza o

pagamento dos benefícios financeiros do PBF e dos Programas remanescentes em todo

o território nacional.

O controle social e a fiscalização devem ser feitos em parceria com a sociedade civil,

que além de fiscalizar, devem participar nos processos de planejamento, acompanhamento,

monitoramento e avaliação das ações da gestão pública e na execução das políticas e

programas públicos, devendo ser desenvolvido por uma ação conjunta entre o Estado e a

sociedade, como forma de aumentar o nível de eficácia e efetividade das políticas e programas

públicos. Dessa forma, o controle, a fiscalização devem ser realizados em âmbito local, com

caráter permanente, devendo essas instancias contar com a participação de representantes da

sociedade civil e governo, respeitando-se a paridade e a intersetorialidade. Entretanto os

estados e municípios devem criar por meio de decreto a sua instância de controle social, que

deve ser composta por agentes da saúde, educação, assistência social, segurança alimentar.

De acordo com o Decreto n° 5.209, de 17 de setembro de 2004, disposto em seu art.

31, destaca que cabe aos conselhos de controle social do Programa Bolsa Família:

I - Acompanhar, avaliar e subsidiar a fiscalização da execução do PBF, no âmbito

municipal ou jurisdicional.

I- Acompanhar e estimular a integração e a oferta de outras políticas públicas sociais

para as famílias beneficiadas do PBF.

II- Acompanhar a oferta por meio dos governos locais dos serviços necessários para a

realização das condicionalidades.

III- Estimular a participação comunitária no controle da execução do PB, no âmbito

municipal ou jurisdicional.

IV- Elaborar, aprovar e modificar seu regimento interno.

V- Exercer outras atribuições estabelecidas em normas complementares do

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome.

Além disso, o PBF conta com a rede pública de fiscalização, criada em janeiro de

2005, com o Ministério Público Federal e Estadual, Controladoria Geral da União (CGU) e o

Tribunal de Contas da União (TCU). Assim, no que diz respeito à fiscalização do PBF e do

CadÚnico, ela pode se feita de várias formas com ações in loco ou a distância por meio de

auditorias e análise das bases de dados e sistemas, que permitem identificar duplicidades,

Page 87: Adriana Aparecida Felicetti

87

divergências de informações de renda quando comparadas com outras bases de dados do

Governo Federal, dentre outras.

Também fazem parte do Programa Bolsa Família os programas complementares, que

têm como objetivo contribuir para a diminuição da situação de vulnerabilidade social em que

se encontram as famílias, ao mesmo tempo em que promove a inclusão social. Entre eles:

Programa Brasil Alfabetizado (PBA), criado pelo Ministério da Educação (MEC) e

coordenado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

(Secad/MEC), sendo seus recursos garantidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da

Educação (FNDE/MEC); Programa Pró Jovem, realizada em conjunto com a Secretaria Geral

da Presidência da República, Ministério da Educação, do Trabalho, Emprego e

Desenvolvimento Social e Combate à Fome, e tem como finalidade diminuir as altas taxas de

abandono escolar e desemprego juvenil para jovens oriundos de família pobre na faixa etária

entre 15 e 29 anos, destinando-lhes a oportunidade de qualificação profissional e reintegração

ao processo educacional; Projeto de Promoção do Desenvolvimento Local e Economia

Solidária (PPDLES), que tem como objetivo o desenvolvimento de ações para o

desenvolvimento local solidário, por meio de Agentes de Desenvolvimento Solidário (ADS),

pessoas selecionadas pela comunidade para atuarem na identificação e articulação das

demandas locais, principalmente as econômicas, por meio de associações, organizações,

cooperativismo, redes de produção e comercialização que, juntamente com os Centros de

Referencia da Assistência Social (CRAS), promovem trabalho social junto às famílias

beneficiadas; Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF), com o objetivo de

disponibilizar linhas de microcrédito de atividades agropecuárias e não agropecuárias no meio

rural, destinados a agricultores com renda familiar anual bruta de até R$ 4 mil reais, como

forma de combater a pobreza no meio rural, entre outros programas complementares.

Como foi possível perceber, o PBF possui uma abordagem mais prática de se tratar a

pobreza, ou seja, por meio da transferência de renda, procura proporcionar o alívio imediato

da pobreza como forma de proporcionar a essas pessoas uma rede mais ampla de proteção

social. Além disso, o programa conta com o apoio de várias entidades e programas com

objetivos em comum, ou seja, é uma teia articulada por meio de ações focalizadas em prol da

redução da pobreza e da desigualdade social, como também da promoção do desenvolvimento

sustentável das famílias beneficiadas. Importante destacar que o PBF está crescendo

anualmente. Desde o surgimento do PBF houve estímulos crescentes para se estar presente em

todos os municípios brasileiros, como demonstrado no gráfico abaixo.

Page 88: Adriana Aparecida Felicetti

88

Com relação ao Estado de Santa Catarina, atualmente são 147.011 famílias

beneficiárias do PBF e no município de Videira são 966 famílias que recebem o benefício,

conforme dados da tabela abaixo.

UNIDADE ADMINISTRATIVA

POPULAÇÃO/2008 BENEFICIADOS PBF/2010

Brasil

189.604.313 12.494.008

Santa Catarina 6.052.587 147.011

Videira 46.157 966

Tabela 3- População e Famílias Beneficiadas do PBF

Fonte: www.mds.gov.br, acesso em 12/05/2010

Em síntese, o PBF pode ser considerado, até o presente momento, a principal política

pública de combate à pobreza e inclusão sócio-educacional no Brasil, pois tem como objetivo

beneficiar famílias pobres e extremamente pobres, como forma de combate à fome, à pobreza

e à desigualdade social. Criticado por muitos por ser considerado apenas mais um programa

assistencialista, mas elogiado por outros, inclusive países de primeiro mundo e pessoas que

fazem uso dele, hoje, o PBF tem uma visão social inclusiva, pois vincula o pagamento do

benefício ao cumprimento de condicionalidades nas áreas da saúde, educação e assistência

social. Assim, pode-se dizer que é uma política inovadora no contexto assistencial, que tem

como meta atender ainda, para o ano de 2010, um total de 12,9 milhões de famílias e acima de

tudo, ser um programa social voltado para os direitos humanos e a cidadania do povo

brasileiro.

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Page 89: Adriana Aparecida Felicetti

89

As teorias científicas não estão aptas a fornecer uma

descrição completa e definitiva da realidade. Serão

sempre aproximações da verdadeira natureza das coisas.

Fritjof Capra

O método permite construir possibilidades de análise e condições de interpretação da

pesquisa. Segundo Michel (2005), o método é um procedimento, um dispositivo ordenado,

um procedimento sistemático, utilizado para se obter um resultado desejado, por exemplo,

uma observação, um dado, uma comparação, uma demonstração. O método tem por objetivo

proporcionar ao investigador os meios técnicos para garantir a objetividade e a precisão no

estudo dos fatos sociais.

O método é um instrumento do conhecimento que proporciona aos pesquisadores, em qualquer área de sua formação, orientação geral que facilita planejar uma pesquisa, formular hipóteses, coordenar investigações, realizar experiências e interpretar os resultados. Em sentido mais genérico, método, em pesquisas, seja qual for o tipo, é a escolha de procedimentos sistemáticos para descrição e explicação de um estudo. (FACHIN, 2006, p. 29).

4.1 TIPO DE PESQUISA

A presente investigação pode ser definida como uma pesquisa descritiva, de natureza

tanto quantitativa, quanto qualitativa. De acordo com Michel (2005), a pesquisa quantitativa

trata da atividade de pesquisa que usa a quantificação tanto nas modalidades de coleta de

informações, quanto no tratamento destas, através de técnicas estatísticas, desde as mais

simples, como percentual, média, desvio-padrão, às mais complexas, como coeficiente de

correlação, análise de regressão etc. São amplamente utilizados quando a intenção é garantir a

precisão dos resultados, evitando distorções de análise de interpretação e possibilitando, em

consequência, uma margem de segurança quanto às inferências.

Na mesma perspectiva, Gatti (2002) afirma que a pesquisa quantitativa constitui-se

em um trabalho que propicia que a informação não diretamente visualizada a partir de uma

Page 90: Adriana Aparecida Felicetti

90

massa de dados, poderá sê-lo se tais dados sofrerem algum tipo de transformação que permita

a observação de outro ponto de vista. Há diversas formas de se obter quantificações,

dependendo da natureza do objeto, dos objetivos do investigador e do instrumento de coleta e

podem ser categóricos, ordenados ou métricos.

Já, a pesquisa qualitativa, por sua vez, fundamenta-se na análise da ligação e correção

de dados interpessoais, na co-participação das situações dos informantes, analisados a partir

da significação que dão aos seus atos. Na pesquisa qualitativa, a verdade não se comprova

numericamente ou estatisticamente, mas convence na forma da experimentação empírica, a

partir de análise feita de forma detalhada, assim como na argumentação lógica das ideias, pois

os fatos em ciências sociais são significados sociais, e sua interpretação não pode ficar

reduzida a quantificações frias e descontextualizadas da realidade. Nesse sentido, o

pesquisador participa, compreende e interpreta (MICHEL, 2005). De acordo com Chizzotti

(2003), ela objetiva provocar o esclarecimento de uma situação para uma tomada de

consciência pelos próprios pesquisadores dos problemas e das condições que os geram a fim

de elaborarem meios e estratégias de resolvê-los.

Com o termo “pesquisa qualitativa” queremos dizer qualquer tipo de pesquisa que produza resultados não alcançados através de procedimentos estatísticos ou de outros meios de quantificação. Pode se referir à pesquisa sobre a vida das pessoas, experiências, comportamentos, emoções e sentimentos, e também à pesquisa sobre funcionamento organizacional, movimentos sociais, fenômenos culturais e interação entre nações. (STRAUSS, ANSELM, 2008, p. 23).

A entrevista é uma das técnicas mais utilizadas na coleta do material empírico e tem

como propósito identificar e analisar dados não-mensuráveis, como sentimentos,

pensamentos, sensações etc. Para Szymanski (2002), a entrevista tem sido considerada como

um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de

determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional. Segundo Minayo

(1999, p. 108), a entrevista é empregada para obter os dados de natureza “subjetiva”, como

atitudes, valores, opiniões, que “só podem ser obtidos com a contribuição dos atores sociais

envolvidos”.

Já a pesquisa documental, por sua vez, refere-se a toda informação coletada, seja de

forma oral ou visualizada. Ela consiste na coleta, classificação, seleção difusa e utilização de

toda espécie de informações, compreendendo também as técnicas e os métodos na sua busca e

Page 91: Adriana Aparecida Felicetti

91

identificação (FACHIN, 2006). Considera-se documento qualquer informação sob a forma de

textos, imagens, sons, sinais em papel, madeira, pedra, gravações, pinturas e outros. São

considerados ainda os documentos oficiais, como editoriais, leis, atas, relatórios, ofícios,

ordem régia, e os documentos jurídicos, oriundos de cartórios, registros gerais de falência,

inventários, testamentos, entre outros.

Segundo Michel (2005), a análise documental envolve consulta a documentos, aos

registros pertencentes ao objeto de pesquisa estudado, para fins de coletar informações úteis

para o entendimento e análise do problema.

4.2 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA

Tendo em vista as características e os propósitos de nossa dissertação, elegemos um

único município como unidade referencial para o levantamento dos dados. O município de

Videira (SC) foi escolhido tendo em vista sua localização, densidade demográfica e número

de famílias beneficiadas pelo PBF. De acordo com dados da Secretaria de Ação Social. o

município possui 858 famílias recebendo regularmente o benefício. Trata-se de uma cidade

localizada na região Meio-Oeste catarinense, a 450 km de Florianópolis, com uma extensão

territorial de 378,4 km².

Page 92: Adriana Aparecida Felicetti

92

Mapa 1: Localização geográfica do município de Videira

Fonte: Disponível em: www.cacador.net. Acesso em: 20 jul 2009.

Videira possui uma população de aproximadamente 45.685 mil habitantes (IBGE,

2009). A base de sua economia é a criação e o abate de bovinos, frangos e suínos, a

vitivinicultura, a fruticultura, as indústrias de reciclagem e o comércio. Videira é considerada

a 13ª economia do estado de Santa Catarina e ocupa a 8ª posição no Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH) catarinense. Além disso, seu IDHM (Índice de

Desenvolvimento Humano Municipal) referente à educação em 2000 era equivalente a 0, 945

(PNUD, 2008). Além disso, merece destaque a pesquisa do IDEB 2009 (Índice de

desenvolvimento da Educação Básica), que traz resultados positivos para o município,

divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e de Pesquisas Educacionais (Inep). Os

números demonstram que Videira está acima da média nacional, tanto na apuração dos anos

iniciais (1º ao 5º anos) quanto dos anos finais (6º ao 9º anos). De acordo com o IDEB 2009,

nos anos iniciais, a rede municipal de ensino teve média 5,0, e nos anos finais, teve média 4,6

e a rede estadual, nos anos iniciais médias 5,1 e nos anos finais 4,7. Em nível nacional, as

médias foram, respectivamente, 4,6 e 4,0.

Assim como os demais municípios que integram o Vale do Rio do Peixe, o surgimento

de Videira também está diretamente relacionado à construção da estrada de ferro ligando São

Paulo ao estado do Rio Grande do Sul, obra autorizada pelo imperador D. Pedro II em nove

de novembro de 1889, poucos dias, aliás, antes de sua deposição. De acordo com registros

Page 93: Adriana Aparecida Felicetti

93

esparsos, a região até então era ocupada por índios das tribos Guarani, Xockleng e Kaigang.

Os primeiros registros da presença de europeus (mistura de luso com indígena) são de 1881,

referentes à família de fazendeiros Pontes Sobrinho, na localidade de Rio das Pedras

(SCAPIN, 1993).

Mapa 2: Vista panorâmica da cidade de Videira

Fonte: Disponível em www.formatto.com.br. Acesso em 20 jul.2009

A construção da estrada de ferro trouxe operários e comerciantes, que foram

construindo estações ferroviárias, hospedagens e comércio nas mediações das obras. De

acordo com Scapin (1993), no ano de 1921, o vilarejo chamado Estação Rio das Pedras passa

a denominar-se Estação Perdizes. Em 1927, por meio da Lei Estadual n. 337, de 12 de abril, é

instituído o Distrito de Perdizes como parte integrante do município de Campos Novos. Na

margem direita do Rio do Peixe, a vila de Vitória, por sua vez, também é elevada à categoria

de Distrito no ano de 1936. Alguns anos depois, por meio da Lei Estadual n. 941, de 31 de

dezembro de 1943, os dois distritos são unificados, dando origem ao município de Videira em

1944.

A construção da estrada de ferro trouxe operários e comerciantes, que foram

construindo estações ferroviárias, hospedagens e comércio nas mediações das obras. De

acordo com Scapin (1993), no ano de 1921, o vilarejo chamado Estação Rio das Pedras passa

a denominar-se Estação Perdizes. Em 1927, por meio da Lei Estadual n. 337, de 12 de abril, é

instituído o Distrito de Perdizes como parte integrante do município de Campos Novos. Na

Page 94: Adriana Aparecida Felicetti

94

margem direita do Rio do Peixe, a vila de Vitória, por sua vez, também é elevada à categoria

de Distrito no ano de 1936. Alguns anos depois, por meio da Lei Estadual n. 941, de 31 de

dezembro de 1943, os dois distritos são unificados, dando origem ao município de Videira em

1944.

4.3 INSTRUMENTOS DE PESQUISA

Para o levantamento dos dados, optou-se por dois instrumentos de pesquisa: a

entrevista e a pesquisa documental.

Por meio da técnica de entrevista, procurou-se conhecer de que forma os pais,

professores e responsáveis do PBF do município de Videira avaliam o Programa Bolsa

Família, enquanto política pública no que se refere ao desempenho escolar de seus

beneficiados. As entrevistas foram realizadas em dois Bairros do Município e nas suas

respectivas escolas. As entrevistas forma realizadas por meio de questões abertas, agrupadas

de acordo com as categorias de análise da pesquisa.

O primeiro grupo de entrevistas foi desenvolvido com beneficiários do PBF. Foram

escolhidas aleatoriamente 10 famílias beneficiadas, 05 residentes no Bairro Amarante e 05, no

Bairro Villa Verde, que possuíam crianças em idade escolar. Essa primeira etapa foi elaborada

no mês de agosto de 2009 e as famílias foram entrevistadas em suas respectivas residências, o

que de certa forma levou um tempo maior em decorrência do deslocamento. A coleta dos

dados foi feita por meio de entrevista gravada e posteriormente transcrita, seguindo-se análise

de conteúdo. No transcorrer da primeira entrevista percebemos grande dificuldade de

expressão dos entrevistados e sua dificuldade em falar a respeito do tema pesquisado.

Também percebemos certo medo em responder a pesquisa e ser prejudicado no programa.

Dessa forma, sentimos a necessidade de uma intervenção mais descontraída, para evitar um

prejuízo maior neste processo de coleta de dados. Realizamos as entrevistas primeiramente

com uma conversa a respeito de assuntos do dia-a-dia para posteriormente entrar no tema.

Durante as entrevistas, explicamos com maiores detalhes a pergunta e reforçamos a questão

ética da presente pesquisa, porém mesmo assim algumas pessoas durante as entrevistas

demonstraram algumas dificuldades em responder.

Page 95: Adriana Aparecida Felicetti

95

O segundo grupo de entrevistas envolveu dez (10) professores que exercem atividades

nas escolas onde as crianças beneficiadas pelo PBF frequentam suas atividades escolares,

sendo cinco (05) professores que atuam na Escola Joaquim Amarante - Bairro Amarante e

cinco (05) na Escola Padre Bruno Pokolm - Bairro Villa Verde. As entrevistas foram

realizadas no mês de agosto de 2009, sendo os professores entrevistados individualmente na

sala dos professores de suas escolas em horários de intervalo. As entrevistas também foram

gravadas e transcritas.

Cabe destacar que todos os entrevistados (20 ao todo) assinaram o Termo de

Consentimento Livre Esclarecido do Comitê de Ética em Pesquisa. O levantamento dos dados

da pesquisa só foi iniciado após a tramitação e aprovação do projeto de pesquisa junto ao

Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Oeste de Santa Catarina. O parecer de

aprovação foi emitido em 05 de agosto de 2009.

Por meio da pesquisa documental, procurou-se conhecer primeiramente o perfil das

famílias beneficiadas em especial os responsáveis pelo benefício, por meio de um formulário

desenvolvido entre janeiro e fevereiro de 2009, totalizando 11 questões, sendo todas fechadas.

Para a sua elaboração tomou-se como referência o Cadastro das famílias beneficiadas, que se

encontram na Secretaria de Ação Social do Município, no Departamento do Programa Bolsa

Família. Concluída sua elaboração, foi submetida a um pré-teste com 10 (dez) cadastros, dos

quais foram retirados os dados necessários. No mês de abril e maio de 2009 foram analisados

(704) cadastros de um total de (858). Isso porque o restante dos cadastros não foi encontrado

no Departamento. Motivo, os responsáveis do programa alegaram desconhecer.

A segunda etapa da pesquisa documental teve a finalidade de demonstrar de forma

mais concreta a freqüência escolar das crianças e jovens beneficiados e seu desempenho

educacional por meio da média obtida por disciplinas. A pesquisa foi realizada no final de

dezembro de 2009 a partir do Histórico Escolar de dez (10) crianças beneficiadas pelo PBF,

que estudam nas escolas Joaquim Amarante e Padre Bruno Pokolm. A escolha dos alunos se

deu de forma aleatória. Os dados se encontram junto ao sistema curricular dos alunos das

respectivas escolas. O acesso às fontes de pesquisa se deu por meio de autorização da direção

das escolas.

4.4 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS

Page 96: Adriana Aparecida Felicetti

96

Para realizar a análise dos dados qualitativos aplicou-se o recurso de análise do

conteúdo buscando extrair das respostas coletadas com os familiares e professores os

elementos necessários para responder ao problema e as questões de pesquisa. Os depoimentos

dos entrevistados foram gravados e posteriormente transcritos, organizados e analisados de

acordo com as categorias: (ii) Importancia do Programa Bolsa Família; (iii) Avaliação do

Programa Bolsa família; (iv) Desempenho Escolar dos Beneficiários. As entrevistas foram

elaboradas no mês de agosto de 2009 e as famílias foram entrevistadas em suas respectivas

residências.

Para a análise dos dados quantitativos da pesquisa foi utilizado primeiramente um

formulário com questões fechadas, elaborado a partir do Cadastro Único do programa Bolsa

Família que se encontra junto à Secretária de Ação Social, como forma de responder a

categoria (i) perfil das famílias beneficiadas do PBF no município de Videira. Os dados foram

coletados no mês de abril e maio de 2009 e posteriormente analisados. Alguns recursos

computacionais, como os programas Excel e Word, foram utilizados para a organização dos

dados.

Page 97: Adriana Aparecida Felicetti

97

5 PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E DESEMPENHO ESCOLAR

Eu creio em um futuro grandioso para o Brasil. Por que

a nossa alegria é maior que a nossa dor. A nossa força é

maior que a nossa miséria. A nossa esperança é maior

que o nosso medo.

Luiz Inácio Lula da Silva

O propósito fundamental desse capítulo é apresentar e discutir os principais resultados

obtidos por meio da pesquisa de campo e pesquisa documental. A pesquisa documental foi

realizada a partir do levantamento dos dados cadastrais dos beneficiados pelo PBF, junto ao

Departamento de Ação Social e por meio do histórico escolar de alunos beneficiados, junto às

escolas pesquisadas. A pesquisa de campo foi realizada com as famílias beneficiadas pelo

PBF e com um grupo de professores que atuam nas escolas que recebem as crianças. Os

resultados da pesquisa serão apresentados e analisados no âmbito das quatro categorias

principais do presente estudo: (i) Perfil dos beneficiados pelo Programa Bolsa Família; (ii)

Importância do Programa Bolsa Família (iii); Avaliação do Programa Bolsa Família; (iv)

Desempenho Escolar dos Beneficiados.

5.1 PERFIL DOS BENEFICIÁRIOS

O primeiro conjunto de informações que procuramos levantar junto aos 704

prontuários do PBF do município investigado foi a questão de gênero. Para os propósitos de

nossa investigação, era importante saber quem são os responsáveis imediatos pelas famílias

que recebem o auxílio. Conforme demonstra o gráfico abaixo, 95% dos que se declaram

responsáveis nos prontuários são mulheres. Apenas 5% são homens.

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Gráfico 4: Sexo dos responsáveis pelas famílias beneficiadas

Fonte: FELICETTI, 2010.

Essa realidade faz questionar os motivos que levam as mulheres serem quase que a

totalidade das responsáveis pelo recebimento e credenciamento dos benefícios. Os dados nos

revelam um alto índice de mulheres, ou seja, de um total de 704 cadastros pesquisados, 95%

são do sexo feminino. Isso nos remete a concluir que as mulheres beneficiadas pelo programa

em sua maioria têm assumido as responsabilidades do lar, filhos e a parte financeira da

família. Isso retrata a realidade da grande maioria dos lares: a falta ou ausência da figura

paterna. Por outro lado, o fato da mulher ser preferencialmente a titular do cartão, é um fator

positivo, pois, ao serem detentoras do cartão, passaram a ter maior autonomia, maior poder de

decisão em relação ao dinheiro da família e sentem-se mais independente financeiramente,

além de aumentar a auto-estima. O fato de elas receberem o benefício é de fato um elemento

de segurança para que o dinheiro seja gasto em algo necessário para a família, pois em suma a

mulher é tida como mais responsável e zelosa que o homem, com relação às necessidades dos

filhos.

Na sequência de nosso levantamento de dados, procuramos obter informações

referentes ao estado civil das pessoas que se declaram responsáveis pelas famílias

beneficiadas pelo PBF. 42% delas declaram-se solteiras; 33% são casadas e 20%, divorciadas.

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Gráfico 5: Estado civil dos responsáveis pelas famílias beneficiadas

Fonte: FELICETTI, 2010.

Chama a atenção o percentual das pessoas responsáveis pelas famílias que se declaram

solteiras e divorciadas. A soma desses dois quesitos corresponde a 62%. Isso significa que

uma parte significativa das famílias beneficiadas convive com processos de desestruturação

familiar. As mães são as responsáveis diretas pela criação dos filhos. São elas, em última

instância, as provedoras imediatas. A exclusão social, nesse sentido, tem uma relação

imediata com a desintegração da unidade familiar clássica, de base nuclear (pai, mãe e filhos).

As crianças nascem e crescem em formatos familiares bastante diferenciados.

Isso se deve ao fato de que, nas últimas décadas, as famílias vêm sendo marcadas por

profundas transformações na sociedade, as quais refletem no cotidiano da vida do homem,

seja no mundo do trabalho, seja nas estratégias da organização da sociedade. Vemos que as

mudanças sociais e tecnológicas atingem várias instâncias, inclusive o núcleo familiar das

classes sociais menos favorecidas. No mundo contemporâneo, as mudanças ocorridas nas

famílias relacionam-se com a perda do sentido da tradição, as estruturas e organizações

familiares adquirem contornos próprios e diversificados, que trazem características cada vez

mais frágeis, ou seja, com o enfraquecimento do espaço familiar as famílias tornam-se mais

dependentes do Estado. Este, por sua vez, procura amenizar a situação das famílias por meio

de políticas sociais, que visam buscar o resgate da cidadania, da autoridade familiar e da auto-

estima, como é o caso do Programa Bolsa Família.

Procuramos, também, traçar um perfil das famílias beneficiadas a partir do quesito

cor/raça. Como podemos observar no gráfico abaixo, 64% dos responsáveis pelo benefício

declaram-se de cor/raça branca; 8%, de cor/raça negra e, 23%, de cor/raça parda.

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Gráfico 6: Cor/raça dos responsáveis pelas famílias beneficiadas

Fonte: FELICETTI, 2010.

O significativo percentual dos que se declaram brancos relaciona-se diretamente ao

fato de que o município de Videira foi colonizado, majoritariamente, por descendentes de

italianos e alemães. Desde os anos 30 do século passado, os negros e índios foram

progressivamente expulsos dos espaços de socialização e de integração sociocultural, tanto no

campo, quanto nas cidades da região. Ser negro implica carregar consigo a marca do

preconceito e da exclusão. Isso explica, em parte, o número de famílias que se declaram

brancas. O que, de fato, chama a atenção nesse gráfico é o fato das famílias beneficiadas

serem brancas e não negras como frequentemente se associam. Diferentemente do que o senso

comum apregoa, a exclusão social tem cara branca no município pesquisado.

Na sequência procuramos levantar os dados referentes à situação socioeconômica das

famílias beneficiadas, particularmente o vínculo das pessoas responsáveis com o mercado de

trabalho. Apenas 13% dizem ser assalariados com carteira assinada. E 53% declaram-se não

trabalhar.

Gráfico 7: Situação no mercado de trabalho dos responsáveis pelas famílias beneficiados

Fonte: FELICETTI, 2010.

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Os dados da pesquisa permitem afirmar que os responsáveis pelo recebimento do

benefício são mulheres, brancas, solteiras ou separadas, excluídas do mercado de trabalho.

Esses dados nos remetem a uma questão que pode estar associada à história de exclusão e

desigualdades de oportunidades que a mulher, principalmente das classes menos favorecidas,

enfrentou, no decorrer de um longo período, associados a outras questões, como baixa

escolaridade, falta de oportunidades, maternidade precoce etc. Porém, não há como afastar

hipóteses preocupantes como subdeclaração de trabalho e armadilha da precariedade por parte

do beneficiário (e do cadastrado em geral), por temor de não ser elegível ao programa.

Conclui-se, assim, que entre as mulheres é superior a proporção daquelas que não trabalham,

uma vez que são elas, em sua maioria, as responsáveis pelo gerenciamento do benefício.

Em seguida, procuramos levantar os dados referentes à questão educacional dos

responsáveis pelo recebimento do benefício, posição que representa um fator significativo

para a pesquisa. De acordo com os dados, vale destacar que a maioria, 26%, apresenta a

quarta-série. Apenas 10% efetuou o Ensino Fundamental.

Gráfico 8: Escolaridade dos responsáveis pelas famílias beneficiadas

Fonte: FELICETTI, 2010.

Nesse caso é importante analisar o que levou essas pessoas a chegarem até o quarto

ano e desistir, outras a ficarem no caminho e nem sequer completar o Ensino Fundamental. Se

olharmos para as séries superiores, também existe um declínio significativo com o decorrer

dos anos. Isso demonstra uma questão importante da geração dos anos 70, 80 e 90, ou seja, a

necessidade de formar pessoas preparadas para o mercado de trabalho de um lado, associado

às dificuldades de permanência dos alunos na escola, devido à necessidade de trabalhar, além

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da falta de incentivo dos pais, associada a falta de oportunidades, uma vez que, a educação

ainda era tida como previlégios da minoria. Trata-se de um processo que invade gerações, em

que estudar era para a elite; pobres, negros e índios eram discriminados. O pobre não

precisava de estudo, uma cultura arraigada por séculos de submissão, principalmente no sexo

feminino, em que seus deveres eram com a casa e os filhos.

Silva e Hasenbalg (2003) apud Barbosa (2009) destacam a importância da

escolaridade das mães como fator fundamental para a melhoria do sistema educacional

brasileiro. No Brasil e em outros países, como Inglaterra, por exemplo, estudos vem

demonstrando que mães mais educadas e com maior inserção no mercado de trabalho

melhoram as condições de educação e saúde de suas crianças. Além disso, a criação de

creches, a expansão da educação infantil e o fornecimento de merendas são políticas públicas

que tendem a favorecer as famílias situadas nos pontos mais vulneráveis da nossa sociedade.

Procuramos, também, traçar um perfil das características de domicílio. Como podemos

observar no gráfico abaixo, 96% dos responsáveis pelo benefício declaram residir em casa e

apenas um total de 4% residem em cômodos/ outros.

Gráfico 9: Características dos domicílios das famílias beneficiadas

Fonte: FELICETTI, 2010.

O elevado percentual dos que se declaram viver em casas se deve ao fato de que a

grande maioria das famílias beneficiadas residirem em bairros pobres da cidade e interior,

onde prevalecem construções pequenas e sem muita estrutura física. Também uma grande

quantidade de beneficiados residem no meio rural, muitos deles como agregados.

Com relação à situação de moradia, é importante destacar que 38% dos beneficiados

reside em casa própria, 33% residem em casa cedida e 25% em casa alugada.

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Gráfico 10: Situação de moradia das famílias beneficiados Fonte: FELICETTI, 2010.

A grande maioria reside em bairros pobres onde predominam casas populares e áreas

verdes ou financiadas. Outro determinante pode ser a questão do município possuir muitas

pessoas que residem em casas cedidas. Isso pode se dar pelo fato de muitas empresas

possuíram casas para os funcionários, como também um grande número de residências do

interior, onde as pessoas trabalham como “arrendatários”. Importante destacar que o fato da

maioria das famílias beneficiadas terem casa própria, mesmo que as casas não sejam

adequadas e possuam vários problemas, representa uma economia importante para a

qualidade de vida e para que o benefício do PBF possa ser aplicado em outros itens, que não

em moradia.

Outra questão pesquisada é com relação à situação do escoamento sanitário em que

vivem as famílias beneficiadas. De acordo com os dados, vale destacar que 43% das

residências possuem fossa rudimentar e 35% rede pública.

Gráfico 11: Escoamento sanitário das famílias beneficiados

Fonte: FELICETTI, 2010

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Os dados nos remetem a uma situação que se repete na grande maioria das cidades do

país, considerado um problema de ordem ambiental e principalmente de segurança pública.

De acordo com Rocha (2006), no caso de saneamento, o acesso à rede de captação de esgoto

sanitário em áreas urbanas densamente povoadas é essencial e se enquadra dentro das

necessidades básicas de sobrevivência. Dessa forma, é de grande importância para a qualidade

de vida das pessoas terem seus direitos fundamentais atendidos.

No que se refere à quantidade de pessoas que fazem parte das famílias beneficiadas

pelo programa no município, podemos observar que a maioria das famílias (29%) possui

quatro pessoas na família; 21% possuem cinco pessoas na família e, 20%, possuem três

pessoas na família.

Gráfico 12: Quantidade de pessoas nas famílias dos beneficiados

Fonte: FELICETTI, 2010.

Merece destaque a questão da quantidade de pessoas nas famílias beneficiadas pelo

programa. De acordo com os dados acima, a maioria das famílias é composta por três, quatro

e cinco integrantes, o que comprova que as famílias de hoje estão menos numerosas. Isso

pode estar associado às dificuldades encontradas em manter uma família numerosa, à melhora

na educação e aos meios de informação, como programas de assistência, entre eles os

programas de saúde da família que trabalham mais na prevenção e também a uma nova

perspectiva de vida das famílias, principalmente das mulheres, que buscam cada vez mais seu

espaço na sociedade.

Procuramos, também, traçar um perfil do número de cômodos das residências dos

beneficiados. Como podemos observar no gráfico abaixo, 30% dos responsáveis pelo

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benefício declaram residir em casa de quatro cômodos e 23% residem em casas com cinco

cômodos.

Gráfico 13: Número de cômodos nas casas dos beneficiados

Fonte: FELICETTI, 2010.

O fato das famílias possuírem em suas residências um maior número de cômodos é um

indicativo positivo, principalmente quando se refere a qualidade de vida de seus integrantes,

sejam eles adultos ou crianças. Importante destacar que o simples fato das crianças e jovens

terem um local adequado para dormir e realizarem suas tarefas reflete de forma direta em seu

rendimento escolar.

Em síntese, pode-se dizer que, com relação ao perfil das famílias do município de

Videira, não é diferente da maioria das famílias brasileiras, em sua maioria lideradas pelo

sexo feminino, que passam a tomar conta da casa e dos filhos e trazer o sustento do lar, que a

grande maioria dos responsáveis pelo recebimento do benefício são do sexo feminino, a

maioria solteiras, o que demonstra a falta de uma família “estruturada”. No que tange à

educação, os dados demonstram que a maioria estudou entre a terceira, quarta e quinta série.

Isso demonstra que a maioria dos pais e mães beneficiados foram crianças/adolescentes que,

em um dado momento de suas vidas, interromperam os estudos para trabalhar ou cuidar da

família. A situação no mercado de trabalho é um dos pontos mais importantes a serem

destacados e um grande desafio para a sociedade brasileira, pois a maioria dos responsáveis

pelo recebimento do benefício atualmente encontram-se fora do mercado de trabalho, ou seja,

desempregados. As que trabalham, em sua maioria, estão como autônomo e sem pagar a

previdência social o que demonstra a precária situação no que se refere à cidadania e aos

direitos humanos previstos em lei.

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Já com relação à situação de moradia, como se pode notar, a grande maioria dos

beneficiados reside em casa própria. Isso pode ser explicado devido à grande maioria residir

em bairros pobres em que predomina. Casas populares e áreas verdes, além de o município

possuírem muitas pessoas que residem em casas de empresas ou em residências do interior

como “arrendatário”. De acordo com a pesquisa, a grande maioria das famílias reside em

moradias entre três, quatro e cinco cômodos, o que está dentro da média esperada para uma

família com poucos recursos financeiros. Com relação ao escoamento sanitário das famílias

beneficiadas, a maioria das famílias possui fossa rudimentar, um número considerado que

evidencia a falta de estrutura na rede sanitária dos bairros da cidade e interior. Assim, o perfil

das famílias (responsáveis pelo benefício) apontou para um quadro constituído de pessoas do

sexo feminino, em sua maioria solteiras, com baixa escolaridade, a grande maioria

desempregados, porém, a maioria reside em casa própria, em bairros mais populares e

interiores.

5.2 IMPORTÂNCIA DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

A segunda categoria de análise do presente trabalho versa sobre as significações que

as famílias beneficiadas conferem ao PBF. Por meio da técnica de entrevista, propusemos

uma série de questões que visaram conhecer o grau de importância que conferem ao programa

enquanto política pública. A primeira questão proposta no roteiro de entrevistas foi: Como era

a situação da sua família antes de receber o benefício?17

Ah, antes era mais difícil. Por que daí as veis no causo que a gente precisava de comprar um caderno, um lápis, ou quando faltava alguma coisa para eles não tinha. Eu tenho sete filhos, dois casados, todos vão para aula eu tenho duas menina que vão para a APAE. (Informante 2 F.A)

Era mais diferente, das vez a gente queria comprá alguma coisa pra eles não dava, não tinha como. Agora com esse dinheirinho da bolsa, ajuda eles. A gente recebe um salário mínimo, mas agora com esse dinheirinho que a gente ganha ajuda pra compra

17 - Todos os trechos de entrevistas apresentadas ao longo do trabalho serão transcritos conforme foram pronunciados pelos entrevistados. Decidimos transcrever conforme foram pronunciadas. Isso explica por que os trechos aparecerão com incorreções gramaticais.

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as coisinha pra eles , material, coisarada que as vez tem que comprar, já ajuda (Informante 4- F.A).

Ah, eu acho que era mais complicado, depois que eu comecei receber daí melhorou bastante. Ah, que nem pra compra as coisa, por exemplo, agora a gente pode contar com uma quantia de dinheiro todo mês, as veis puma água puma luz, puma comida . Antes eu tinha bastante dificuldade, não era fácil (Informante 5- F.A).

Sobre a comida acho que era a mesma coisa, o que ajudou bastante foi eles na escola , que daí quando falta um lápis tem , falta uma coisa tem. Era mais difícil antes, pelo menos pra manter eles mais na escola porque a gente tem mais condição de dá as coisa né. É, condição tem que contá que a gente tem porque é obrigatório, os pais quando põe os filho na escola é obrigado a dá, só que já é uma coisa mais forçada eles tem que tá mais ali pra podê ganha o bolsa. Assim pelo menos da pra dá uma mochila melhor porque daí né o material compra com o bolsa. (Informante 9 – F.V).

Ah, não era bem fácil, não era fácil que era só ele que trabalhava o marido...eu não to trabalhando , eu de vez em quando vou na colônia trabalha, trabalha quebra milha, colhe uva, carpimo. Era mais difícil [...] mais difícil por que as veis faltava aquele dinheiro pra comprar o alimento ais veis tinha ais veis não tinha e agora chega aquele mês todo mês tem aquele pouquinho pra comprar . (Informante 10 F.V)

Os depoimentos acima expressam claramente as dificuldades que as famílias

entrevistas enfrentam cotidianamente. A exclusão social e a pobreza empurram as pessoas

para as bordas da sociedade, privando-as do acesso aos bens materiais e simbólicos mais

elementares. A pobreza é radical sob vários aspectos. Enquanto experiência, ela é sentida e

vivenciada de forma dramática e trágica. Ela expõe os indivíduos a uma condição de

fragilidade sem medida. É, na prática, a expressão máxima da negação dos direitos

fundamentais da pessoa humana.

Na sequência, perguntamos: Você acha que foi importante para o povo brasileiro a

criação do Programa Bolsa Família? Dirigimos essa pergunta, tanto às famílias beneficiadas,

quanto aos professores que trabalham nas escolas onde estudam as crianças que recebem o

benefício. A tabela abaixo apresenta alguns depoimentos dos dois grupos de entrevistados.

FAMÍLIAS BENEFICIADAS

PROFESSORES

É foi, por causa que, que nem as crianças tinham dificuldade, precisavam um calçado não podia dar, a gente teria aquele mês para poder dar, que nem material que eles pedem bastantes pros filhos e tem que dar também. (Informante 1-F. A).

Eu acho que tudo que envolve a melhora do social dessas camadas mais pobres [...] ele é um programa interessante, mas ele é interessante pelo objetivo de obrigar o aluno a escola, porque quando ele está na escola com a gente pelo menos trabalha com eles, não que garante o sucesso escolar deles, mas se eles estão na escola a gente tem mais possibilidades que isso aconteça. (Informante 1 – P.A)

Pra muitos foi. Ah, foi importante porque é um dinheiro que ajuda, tanto a criança como os pais. Isso que é importante. Porque ajuda assim, em material, numa comida diferente que eles querem

Ao mesmo tempo que foi importante também veio a deixar as famílias baseadas porque elas acham que é fácil, que o Bolsa Família a escola tem que dar material, fornecer por que eles não trazem [...] o

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comer, uma coisa ou outra. (Informante 6- F.V)

governo está dando o Bolsa Família [...] como é que eles cobram [...] sendo que o município tem de arcar com tudo [...] eu acredito assim que se ele veio pra ajudar com relação à alimentação pra ajudar..então como as crianças vêm se tomar o café? (Informante 4 – P.A)

Foi muito bão. Você não podia comprá material pras criança, agora você compra o material. Um dia você compra material, um mês se ta fartando uma comida você compra uma comida pras criança, uma bolacha, um pão, isso é o que ajuda. Ali eu pra mim ali foi bão, pra mim não tem queixa, tudo certo é aula é tudo, fica tudo em dia (Informante 8- F.V).

Olha, eu vejo que, de certo modo, ela é importante. A família de baixa renda tem uma maneira de sobrevivência. Em minha opinião acomoda bastante e a criança só vem pra escola pra não perder o bolsa família. Isso não melhora o desempenho dela e eles fazem a cobrança da frequência e nem sempre a frequência significa aproveitamento.(Informante 4 P.V)

Eu acho que foi, porque nem que seja poquinho ajuda. Foi importante porque antes a criança não recebia e muitos não ia na escola. Agora com o bolsa é obrigado a mandá. E eles melhoraram bastante né, em matéria de aprender. (Informante 9- F.V)

Eu acredito que para algumas famílias ele foi importante, mas é mal administrado, porque muitos não utilizam pra criança, onde os pais utilizam esse dinheiro não pros filhos, pras crianças. (Informante 1 P.V)

Ah foi, foi mesmo, isso foi um bastante, como diz já Eu acho que sim, está sendo importante por que Quadro 1: Importância do Programa Bolsa Família

Fonte: FELICETTI, 2010.

As famílias beneficiadas destacam a importância do programa em suas vidas,

principalmente pelo fato de serem famílias que apresentam muitas dificuldades em todos os

sentidos, desde econômica, social e estrutural. Em suas falas, foi possível observar a

satisfação em fazer parte do programa e o quanto ele ajuda no dia-a-dia das famílias. Os

principais depoimentos comprovaram que o benefício ajuda na compra de alimentos, roupas,

calçados, material escolar, remédios e possibilita a realização de prestações, ou seja, o fato de

ser um programa que transfere renda mensalmente auxilia as pessoas mais carentes a

realizarem compras a prazo, aumentando, o seu poder de compra, além de possibilitar

crianças e adolescentes a frequentar a escola.

Com relação à opinião dos professores entrevistados, a maioria deles destacam a

importância do programa, principalmente com relação à compra de material escolar, roupas,

calçados etc. Percebe-se, também, a resistência com que os professores se referem ao

programa. Muitos deles sabem da importância, mas temem que o repasse financeiro venha a

acomodar as famílias beneficiadas. Outro fator que chamou a atenção é com relação à

administração e fiscalização do programa, que, segundo alguns relatos, estão sendo mal

administrado e mal utilizado por algumas famílias. Fica expresso na fala dos professores que

o PBF retrata um benefício importante para as famílias, mas evidencia-se uma crítica ao

caráter meramente assistencialista do PBF.

De acordo com Weissherimer (2006), o PBF não é importante na vida das famílias

beneficiadas pelo volume de recursos, mas pelo impacto que produz na vida cotidiana de

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109

milhões de pessoas que vinham enfrentando enormes dificuldades para garantir o alimento

básico do dia-a-dia. Pessoas que estavam fora do alcance das políticas sociais, viviam em

situação de grande pobreza, passaram a ser beneficiadas por uma rede de proteção social

inédita no Brasil. O êxito do PBF, reconhecido hoje dentro e fora do Brasil, é um passo

importante na direção de transformar essa realidade.

Indagamos, em seguida, sobre os benefícios concretos que o PBF trouxe para as

famílias envolvidas. Dirigimos a seguinte pergunta: Você acha que o PBF trouxe algum

benefício/melhoria para as famílias que recebem o benefício? Em que melhorou?

FAMÍLIAS BENEFICIADAS

PROFESSORES

Sim, bastante! Assim, que nem eu te falei, sobre

assim alimentação, a gente consegue comprar,

por que é pouco, mais ajuda, da pra comprar o

básico. (Informante 2- F.A)

Eu não sei até que ponto pode ser considerado uma

melhora, no meu ponto de vista aquele dinheiro ajuda sim

aquela família só que claro não estou generalizando. Tem

famílias que vão atrás,tem família que esse dinheiro vem a

somar e contribuir agora ele trás o benefício, mas até que

ponto ele é um benefício não sei por hoje beleza com esse

dinheiro eu posso comprar o pão o café eu posso comprar

várias contas, mas hoje isso me resolve e amanhã será

suficiente? Será que eu vou ter que ter outro filho pra

aumentar um pouco mais a minha renda eles acabam se

contentando com isso e não vão atrás de outra renda e não

contribui em longo prazo. (Informante 2 – P.A)

Melhorou bastante, pois quando não recebia, não

era sempre que conseguia comprar roupa e

calçado pras crianças. Melhorou por que com

esse dinheiro dá pra pagar as prestações de roupa

e calçados. (Informante 3-A)

Eu acho que não porque é muito pouco [...] é muito pouco

por que as famílias geralmente que recebem o Bolsa

família são famílias grande e os pais não dão prioridade

pra comprar coisas pra escola digamos material, uniforme.

Eles designam isso como uma renda mais dentro da família

[...] é paliativo mas eu acho que não faz uma diferença

muito grande não pra que eles pudessem adquirir mais

cultura, em termos de educação eu acho que não [...] talvez

em termos de alimentação pra se conseguir ter o arroz o

feijão dentro de casa talvez ajude um pouco, mas eu acho

que é uma coisa que não resolve o problema. (Informante 3

– P.A)

Teve, bastante mióra. Por que aquele dinhero

você tinha de tirá pra compra um carçado, [...]

As famílias que eu conheço algumas vêm suprir a

necessidade básica, outras os pais ficam com esse dinheiro

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eles quando chega aquele dia deles recebe eles já

vão dizendo mãe quando a senhora recebe o

dinhero pra cada uma de nóis você da cinco? Daí

o resto eu pego e compro comida, um chinelo,

um sapato, pago uma né de prestação, daí vai são

coisinha delas né pra elas. Porque isso aí é delas,

nós não temo nada que pega porque é pra elas, é

elas que levantam cedo ir pra aula, vão no PETI.

Antes as crianças as criança deitavam ali na rede,

que eu tenho um monte de criança né, e as

crianças tinham fome, agora a gente pega elas e

leva pro PETI, voltam barriguinha cheia. Tem

comida que no PETI elas comem lá em casa

nunca comeram que não tinha. (Informante 8-

F.V).

e acabam deixando nos bares e levando pra casa um

salgadinho. (Informante 5 – P.A)

Acho que melhorou em, é que nem eu te disse

em matéria da escola, porque antes assim que

nem, já digo não tinha nem esse, porque eles não

recebem bolsa, não precisa levar na escola. A

mãe precisa se preocupa com os filhos, porque a

mãe que não são boas os filho também podem sê

igual. Eu penso assim. Nesse ponto assim que é

obrigatório os filhos estarem na escola.

(Informante 9- F.V)

De algumas teve, mas de várias não resolveu de nada. Tive

uma mãe que veio semana passada desesperada por que

tinham cortado o Bolsa Família. Disse que a freqüência era

a razão. Algumas não acompanham, eles só reconhecem a

importância quando são lesados financeiramente; acho que

se esse critério fosse mais rígido. (Informante 6- P.V)

Teve bastante, melhorou pra comprar o alimento,

às vezes um calçado um material agora que tive

de comprar o material eu desci lá em baixo e

comprei em prestação um pouco por mês com o

dinheirinho deles. (Informante 10- F.V)

Eu acho que em tudo sabendo aproveitar o dinheirinho

com as crianças é uma ajuda que contribui para comprar

que antes vinham na escola sem material, lápis de cor, que

agora utilizam como falei material, calçado, roupa, comida,

algumas famílias pra comprar que antes era só feijão arroz

agora uma carne, uma fruta, se alimentando melhor.

(Informante 10- P.V)

Quadro 2: Benefícios do Programa Bolsa Família

Fonte: FELICETTI, 2010.

Como podemos observar nas entrevistas realizadas com os familiares, a grande

maioria relatou ter percebido melhorias após o recebimento do beneficio, principalmente no

que se refere à alimentação, pois com o dinheiro do programa muitas famílias conseguem

comprar o básico para passar o mês, além disso, muitos responderam ter maior poder de

compra, ou seja, o fato de o benefício ser uma renda fixa mensal possibilita a realização de

crediários para compra de roupa, calçados, material escolar, outro fator que chama atenção é

Page 111: Adriana Aparecida Felicetti

111

que a maioria das famílias relataram uma melhoria na educação de seus filhos, uma vez que o

benefício possibilita a compra de material escolar e a permanência das crianças na escola.

Os professores destacam que de alguma forma a vida das famílias beneficiadas teve

melhora, mas de forma mais insegura em suas respostas, destacando ser um programa

paliativo que hoje ajuda, mas que não tem resultado efetivo no que se refere a mudanças na

cultura e na educação. Para os professores, o Programa Bolsa Família é um programa que

ajuda principalmente na compra de alimentos “o básico”, porém destacam que deveria ser

transitório para que os beneficiados não se acomodem e deixem de trabalhar para ganhar o

benefício, o chamado efeito preguiça. De acordo com uma pesquisa realizada pelo IPEA

(2009), publicada em forma de livro sob o título Brasil em Desenvolvimento: Estado,

Planejamento e Políticas Públicas revelam que uma das críticas mais ouvidas na mídia a

respeito do Programa Bolsa Família é relativa ao efeito preguiça.

Ao contrário do que pensa a grande maioria dos professores pesquisada, Suplicy

(2002) destaca que as críticas referenciadas ao medo de que as pessoas que recebem o

benefício se acomodem ou gastem em botequins da esquina, são um insulto à motivação e à

dignidade humana, pois, segundo o autor, um benefício básico de subsistência não é aquilo

que a grande maioria das pessoas desejaria obter. Acredita que essas pessoas continuarão

trabalhando, pois o trabalho é parte da existência humana e fornecer uma renda mínima como

um direito de cidadania fortalece o sentido de solidariedade social e deve ser visto como um

processo em longo prazo.

Foguel e Barros (2008) apud IPEA (2009)18 analisam o efeito dos PCTRs sobre a taxa

de participação de mulheres e homens adultos no mercado de trabalho brasileiro utilizando

painel de municípios cobertos pela PNAD entre 2001 e 2005. Os resultados indicam que os

programas de transferência condicionada de renda no Brasil não mudam o número médio de

horas trabalhadas pelos homens, mas aumentam sua taxa de participação e levam a queda nas

horas trabalhadas pelas mulheres, sem exercer influência sobre sua taxa de participação.

De acordo com Teixeira (2008) apud IPEA (2009), os resultados encontrados pela

autora afirma que não há nenhum efeito sobre as horas trabalhadas por homens no setor

formal. Há efeitos pequenos e não significativos para homens que são trabalhadores

autônomos, e efeitos maiores para mulheres tanto no mercado formal como trabalhadoras

autônomas. Em suma, todos os estudos encontram efeitos demasiadamente pequenos para

18 Instituto de Pesquisa Econômica- IPEA. Brasil em desenvolvimento: Estado, Planejamento e políticas públicas. Brasília, 2009. Disponível em: <www.ipea.gov.br>

Page 112: Adriana Aparecida Felicetti

112

serem relevantes. Há efeito pouco maior apenas para mães, que podem chegar a trabalhar

quase duas horas a menos em função de receber o PBF.

Em seguida, dirigimos a seguinte pergunta: Você entende que o Programa Bolsa

Família ajuda a diminuir a pobreza e a desigualdade social?

FAMÍLIAS BENEFICIADAS

PROFESSORES

Sim. Porque muitas pessoas não tem um trabalho

fixo, trabalham assim hoje, amanhã, não tem um

trabalho todo dia. (Informante1- F. A)

Eu acho que é paliativo, que pode estar ajudando

agora, mas não vai resolver o problema. Eu acho que

teria de investir em alguma coisa para que elas

conseguissem aumentar a renda delas. É o caso de

ensinar a pescar e não dá o peixe, porque a gente

trabalha pra sustentar nossa casa e eles também

deveria ser oferecido, claro que agora ele traz algum

benefício, mas teria de ser oferecido maiores

condições para que a família tivesse condições de

comprar o material, que deveria ser aplicado na

educação, mas de outra forma. (Informante 1 – P.A)

Pra pobreza foi muito bom. Por que tinha pobre ai

que não sobrava nem pro leitinho. Agora ainda que

as veis compramo o leite que ela usa, as veis quando

não tem no mercado lá que a gente compra no fim do

mês ai pega dinheiro em outro lugar, mas a maioria

é roupa e calçado. (Informante 3- F. A).

Não, muito pelo contrário. Eu acho que o programa

ajuda a discriminar mais, porque quem recebe o bolsa

família são as pessoas que tem uma renda per capita

até valor x...e essas pessoas são paupérrimas, por elas

não ter condição nenhuma e eu acho que são mais

discriminadas “o fulana ganha bolsa família”, além de

ser uma quantidade muito pequena pra reduzir a

desigualdade [...] tem caso de famílias pai mãe e mais

cinco filhos [...] seis filhos então uma renda dessas pra

alimentar e vestir tanta gente é complicado né, eu acho

que não diminui de forma alguma. (Informante 3 –

P.A)

Eu acho que ajuda, porque das vezes tem família que

não tem aquele emprego, não consegue aquele

emprego, tem motivo de doença e não consegue,

aquele serviço, alguma coisa e esse dinheiro ajuda,

pras criança, pra tudo. (Informante 4- F. A).

Penso que se o pai fizesse uso desse dinheiro,

comprando uma alimentação adequada. o básico ou

mudasse pra escola cobrasse que eles participassem de

programas ele taria investindo na educação do filho.É

a única maneira de ajudar. (Informante 6 – P.V)

Ajuda, pra mim ajuda. Porque você vê hoje em dia, é

assim se você não comprar um material, uma

mochila pras criança eles não querem ir na aula, tem

Acredito que não. Vários pais desempregados e

muitos vivem disso. Pra que vou me esforçar em

trabalhar se eu ganho. (Informante 7 – P.V)

Page 113: Adriana Aparecida Felicetti

113

Quadro 3: Relação Programa Bolsa Família, pobreza e desigualdade

Fonte: FELICETTI, 2010.

Os dados nos revelam que os principais argumentos que os beneficiados relatam nesta

questão são positivos, ou seja, que o benefício ajuda a diminuir a pobreza e a desigualdade

social. Isso se deve ao fato de o benefício ajudar na compra do básico, ou seja, roupa, comida,

calçados, material escolar, entre outras coisas.

Para De Paula (2009), a importância do Programa Bolsa Família vai muito além da

comida na mesa dos beneficiados, uma vez que tem forte implicação no cotidiano das famílias

mais pobres, representa a aproximação da população mais pobre a uma rede de políticas

públicas. Também destaca a importância do programa para o aquecimento da economia, pois

segundo o autor, ao mesmo tempo em que resgata milhões de pessoas da situação de extrema

pobreza, o PBF transforma essas pessoas em consumidores, ajudando a estimular as

economias locais e regionais. O autor destaca também que as políticas sociais do Governo

Federal foram reconhecidas pela ONG Action Aid, que apontou o Brasil em primeiro lugar no

“ ranking” do combate à fome entre os países em desenvolvimento.

Com relação aos professores, os principais argumentos foram negativos, ou seja, a

maioria dos professores entrevistados relatou que o PBF não ajuda a diminuir a pobreza e a

desigualdade social. Entendem ser um programa paliativo e que de certa forma discrimina

ainda mais as pessoas, uma vez que o valor é pouco para se ter uma mudança a nível nacional

e destacam que, para isso acontecer, é preciso investir mais na educação.

Dando continuidade à discussão acima, vale destacar as palavras do autor Guimaraes-

Losif (2009), que enfatiza a contribuição dos programas sociais para a redução da pobreza e

da desigualdade no Brasil, entretanto, reconhece que os programas sociais por si só não são o

suficiente, mas é uma iniciativa que evolui a passos lentos, mas que de certa forma atinge seu

objetivo. No entanto, o autor destaca a necessidade de o Estado rever, permanentemente os

critérios dessas políticas, sendo fundamental envolver educadores na discussão, reformulação

e avaliação das políticas sociais vinculadas à educação.

vergonha, e dizem ó eu vou lá e as pessoa vão dar

risada que eu não tenho uma mochila. (...) E assim

agora quando vai chegando o final do ano eles já vão

falando, eu quero uma mochila, eu quero um

caderno. (Informante 8- F. V).

Page 114: Adriana Aparecida Felicetti

114

Dados recentes demonstram que o programa de transferência de renda tem contribuído

para a diminuição da pobreza e da desigualdade social nos últimos anos. De acordo com

Satyro e Soares (2009) em uma pesquisa realizada através do IPEA – Instituto de Pesquisa

Econômica aplicada no Brasil chamam atenção para uma literatura focada na contribuição do

PBF no combate à desigualdade social.

Um exemplo da importância dos programas de renda mínima para a queda da pobreza

e da desigualdade pode ser observada na obra do autor Hoffmann (2006, p. 55), que destaca

uma pesquisa realizada entre 1997 e 2004. A presente pesquisa estima que os programas

contribuam com 28% da redução da desigualdade observada no país de 1998 a 2004, sendo

que essa porcentagem sobe para quase 66% quando se considera apenas a região Nordeste,

sendo maior no país no período de 2002 a 2004, 31% no Brasil e 87% no Nordeste.

Com o intuito de aprofundar a avaliação dos entrevistados em relação à

importância/significado do PBF, sugerimos uma pergunta mais direta: Você é a favor ou

contra a continuidade do PBF? Por quê?

FAMÍLIAS BENEFICIADAS

PROFESSORES

Mas eu sou a favor, porque se cortar esse fica

ruim pra gente né, porque não sei se eu posso

ainda trabalhar. Estou mal da coluna e das vistas,

tenho que fazer cirurgia das cataratas. Eu sô a

favor que continue. (Informante 3- F. A).

Eu acho que ela deveria ter uma data fim, que se

resolvesse esse problema social, mas ele é tão grave, e

que esse dinheiro fosse gasto com outra coisa.

(Informante 1 – P.A)

A favor. Porque é uma coisa que ajuda, pras

criança pra tudo né, e os estudo também.

(Informante 4- F. A).

Eu acho que teria que existir uma criação de empregos

melhores pra essas pessoas [...] investir isso mais na

educação das crianças e dos pais [...] eles tendo de

participar de uma coisa que desse a obrigatoriedade de

eles estarem fazendo além de mandar as crianças na

escola [...] um centro que eles tivessem como ter uma

instrução não só do português, mas de uma formação,

profissionalização pra que eles tivessem um emprego

melhor e pudessem se sustentar melhor, que eles tivessem

uma renda. [...] e as crianças ficassem o dia inteiro dentro

da escola pra que a gente conseguisse mudar o

pensamento dessas crianças [....] é um círculo vicioso que

a gente não vai conseguir quebrar tendo só com 4 horas

eles dentro da escola porque eles convivem lá em casa a

Page 115: Adriana Aparecida Felicetti

115

maior parte do tempo [...] educando esses pais também

pra uma profissionalização pra eles perceberem que muito

melhor ganhar o dinheiro trabalhando do que aquela

“esmolinha” que eles ganham do Bolsa Família pra

manter a casa deles. (Informante 3 – P.A)

Ah, eu sou a favor. Porque esse dinheiro já passou

a ser um dinheiro que a gente pode contar com ele

sempre, todo o mês, e se não tive já vai diminui a

renda em casa. (Informante 5- F. A).

Minhas respostas podem parecer negativas [...] não que eu

seja contra, mas de certo modo acomodam, é melhor

ensinar a pescar do que dar o peixe. Então deveria ser

revisto realmente a necessidade de cada família [...] falta

fiscalização, falta atualização no cadastro deles.

(Informante 5 – P.A)

Eu sou a favor pra ele continuar, eu sou contra pra

ele tirar. Eu sô a favor que continue porque

muitas mães vão precisar. Não é só eu que vô

precisar, muitas mãe vai precisar dessa ajuda que

ele dá. Daí se ele tirar vai ajudar as criança no

quê? Não tem como vorta de novo no zero, fome,

frio, pobreza de novo. (Informante 6- F. V).

Eu não sou contra, e nem a favor, se ele fosse bem

investido [...] mas eu não sei até que ponto ele é válido ou

não [...] teria que ter uma forma de cobrar da família.

(Informante 8 – P.V)

Eu sou a favor que continue [...] porque se essas

criança ficarem sem esse programa aí eles vão

começar a roubar, [...] esse programa até trais as

criança pros olhos da gente, se você não vai lá

pra escola, você não vai receber, porque vão te

tirar o bolsa, aí eles vão pra escola. (Informante

8- F. V).

Eu sou a favor, por que aqui a gente convive com essas

famílias, esse dinheiro que eles ganham é necessário e

muito importante geralmente eles dizem que podem

cobrar o material, água, luz, as crianças verbalizam isso.

(Informante 9 – P.V)

Ah eu sou a favor de que continue. A mãe que

dizer que não é a favor tá mentindo. É a favor

porque tem pais que já não levam o filho pra

escola, já mesmo tando com o bolsa quase não

mandam os fio pra escola, e assim é obrigado a

mandar. (Informante 9- F. V).

Eu sou a favor que continue. A gente vê no sorriso de

cada criança. Há esse chinelo a mãe comprou com o meu

dinheirinho. (Informante 10 – P.V)

Quadro 4: Continuidade do Programa Bolsa Família

Fonte: FELICETTI, 2010.

Os principais argumentos observados nos depoimentos acima descritos no que se

refere à continuidade ou não do benefício, ficou evidenciado que as famílias beneficiadas em

sua maioria são a favor da continuidade do benefício. A grande maioria é a favor da

continuidade do programa, por ser uma renda mensal, que mantém as crianças na escola e

ajuda nas necessidades básicas.

Page 116: Adriana Aparecida Felicetti

116

Com relação aos professores, os principais argumentos retratam que em sua maioria,

são a favor da continuidade do programa, porém com ressalvas. Entendem que o benefício

deveria ter uma data fim e destacam a necessidade de se investir mais na educação e

profissionalização das crianças e adolescentes beneficiados bem como de seus pais. Além

disso, destacam a necessidade de uma maior fiscalização do programa para que esse valor

realmente seja repassado para quem precisa e seja gasto com a família.

5.3 AVALIAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

A terceira categoria de análise mantém uma estreita relação de continuidade com as

anteriores. Nessa, procuramos conhecer a avaliação que as famílias beneficiadas e os docentes

entrevistados fazem do PBF. Por meio dessa categoria, pretendemos identificar qual a opinião

dos beneficiados e dos professores com relação o PBF, principalmente no que se refere ao

quesito avaliação do programa como um todo, em seguida do valor repassado e para finalizar

das condicionalidades impostas.

No intuito de submeter o PBF à avaliação das entrevistas, dirigimos a seguinte

pergunta: Como você avalia o Programa Bolsa família (ótimo, bom, regular ou ruim)? Por

quê?

FAMÍLIAS BENEFICIADAS

PROFESSORES

Mas olhe ele e bom porque eu tenho que dizer

que bom eu não posso me queixar que seja ruim.

(Informante 3- F. A).

Ele é bom no sentido dos alunos frequentarem a escola,

mas deixa de ser bom porque não é oferecido à família de

conseguir mais recursos, mas ainda por enquanto é algo

que ele é bom nesse sentido como não se tem outro jeito

de obrigar as família a se comprometerem com a escola

ele é bom. (Informante 1 – P.A)

Uma coisa abençoada por Deus, abençoado por

Deus que ajuda todas as famílias que precisam, as

crianças. Eu acho tipo ótimo, porque é uma coisa

que, benefício e ajuda a gente. (Informante 4- F.

A).

Eu acho que daria ruim porque, como eu falei antes, hoje

soluciona o problema e amanhã como que fica? Eu acho

muito assistencialismo dá pronto. A pessoa não vai de

atrás e fica assim mesmo.É só um dinheirinho a mais que

ela recebe. (Informante 2 – P.A

Page 117: Adriana Aparecida Felicetti

117

Ah, o programa é bom , eu acho que também é

bom por causo das criança que vão pra escola é

mais entusiasmo pras mãe manda pra que não

perca o bolsa, porque se começam a falta aula né

as criança perde. (Informante 5- F. A).

Olha! Eu não vejo muita vantagem. Eu acho que é ruim,

porque ele não resolve o problema da população. Ele faz

com que as pessoas se acomodem e vivam com aquele

dinheirinho do bolsa família e não procurem melhorá em

outro sentido, o que a gente tem preocupação é desse

paternalismo agora a gente até tenta tirar um pouco isso

das crianças. Há eu quero um caderno, eu quero um lápis,

isso, aquilo. O governo não teria a obrigação de dar isso.

Ele teria a obrigação de dar melhor condição de vida,

emprego, saúde. (Informante 3 – P.A)

Seria ótimo. Porque é ótimo pra todos. Não só pra

mim, mas pra várias pessoas. Mudô têm várias

família que eu conheço que não pudiam, tinha dia

que não tinha nem o que dá pros fío comê, e hoje

em dia esse dinhero ajuda a alimentá os fío.

(Informante 6 - F. V)

Regular porque pela mesma falta de uma fiscalização

maior quem, como e por que tem gente que não precisa e

recebe. (Informante 5 – P.A)

Eu acho que é ótimo. Porque é um dinhero que

vem ele chega na hora certa, ajuda um monte.

(Informante 9 - F. V).

Regular, pela administração e falta de atualização de

dados. Tenho uma criança que foi transferida desde o ano

passado até hoje está em minha lista de registro. Tem

uma falha de comunicação, outros que desistiram e

continuam na lista. (Informante 6 – P.V)

É bom . Por causa que vai mais pra frente, porque

se não ganha nada é pior ainda, porque é um

dinheiro que todo mês tai pra continuar com a

pesagem e com a escola das crianças. (Informante

10 - F. V

Regular porque não tem medidas de segurança que o

dinheiro seja utilizado realmente pra famílias que

realmente precisam maior fiscalização. (Informante 8 –

P.V)

Quadro 5: Avaliação do Programa Bolsa Família

Fonte: FELICETTI, 2010.

Com relação aos depoimentos acima descritos, percebe-se que o principal argumento

por parte das famílias beneficiadas é positiva, ou seja, a maioria avalia o PBF como ótimo e

bom. Quando questionados sobre o porquê, percebem o programa como ótimo ou bom. A

maioria destacou a importância do programa para a maioria das famílias, ou seja,

principalmente para a permanência das crianças na escola e a ajuda na compra das

necessidades básicas.

Para os professores entrevistados, o PBF é mais negativo que positivo, ou seja, a

grande maioria respondeu ser regular e ruim, sendo que os argumentos principais foram o

assistencialismo e a acomodação que o programa proporciona aos beneficiados, além da falta

Page 118: Adriana Aparecida Felicetti

118

de fiscalização e administração do programa. Mas, chama a atenção que alguns professores

avaliam o programa como bom devido à permanência das crianças na escola.

Em seguida, perguntamos: O que você acha do valor pago pelo Programa Bolsa Família

(ótimo, bom, regular ou ruim). Por quê?

FAMÍLIAS BENEFICIADAS

PROFESSORES

Acho que muitas pessoas recebem mais outras

não. Acho que o valor deveria ser igual para

todos, mas ta bom, de um tipo e de outro é bom,

por que o importante é ter. (Informante 1- F. A).

Pra gente ele não tem valor assim, mas eu acredito que

pra família suficiente, porque é um incentivo só né, não

passa de um incentivo, suficiente. (Informante 1 – P.A)

Eu acho que é bom, por que na verdade antes eu

recebia 15,00 reais e depois começou a aumentar

e daí veio para esse valor que eu falei 122,00, eu

acho que dá pra comprar bastante coisinhas.

(Informante 2- F. A).

Eu considero uma boa renda pra quem não faz nada e

contribui muito pra quem tem aquele salariozinho, mas

nem sempre quem recebe sabe gastar de uma melhor

forma ou administrar esse dinheiro. (Informante 2 –

P.A)

Pois eu posso dizer que ta bom, por que se fosse

que eu morasse lá no norte tava melhor ainda,

eles ganham mais , mas esse ta muito bom.

(Informante 3- F. A).

Ele é bom que no sentido se ele fosse mais as pessoas

se acomodariam mais ainda [...] mas ele é ruim no

sentido que ele não dá para fazer muita coisa [...] ele é

razoável é esse o valor que dever ser mesmo por que se

fossem mais as pessoas iriam ficar em casa “coçando” e

arrumando confusão. (Informante 3 – P.A)

Eu acho que é bom. Com o dinheirinho que a

gente ganha já ajuda. Que nem eu receberia cento

e vinte reais, daí depois eu não sei o que deu lá e

eles fecharam por sessenta e oito pila. (Informante

4- F. A).

Eu diria que está bom. Tudo depende da maneira que

esse dinheiro é usado. (Informante 5 – P.A)

Ah, eu acho que é bom. Porque na verdade eu no

início que eu comecei a recebe eu recebia quarenta

e cinco reais, mas foi aumentando e agora recebo

122,00. (Informante 5- F. A)

Eu acho que é um bom valor, porque dependendo da

quantidade filhos se souber dá pra utilizar bem esse

valor, mesmo por que é um valor mensal é um bom

valor. (Informante 7 – P.V)

Sei lá, sobre isso eu não posso te dizer nada,

porque é como eles querem, porque se ganha

mais, abaixa, daí quem não ganha nada de salário

daí ele paga mais, daí sobre isso eu já não sei te

responde. (Informante 6- F. V).

É um bom valor, dá pra manter as despesas básicas se

bem administrado. (Informante 8 – P.V)

Quadro 6: Avaliação do valor pago pelo benefício

Fonte: FELICETTI, 2010.

Page 119: Adriana Aparecida Felicetti

119

Por meio das respostas acima, foi possível identificar que a maioria dos responsáveis

pelo benefício avaliam o valor pago pelo PBF de forma positiva, ou seja, que o valor é bom.

No entanto não esconderam que poderia ser igual para todos, mas de qualquer forma ajuda.

Por meio desta questão, foi possível perceber a satisfação dos beneficiados com o valor,

mesmo sendo o mínimo que atualmente pode variar de R$ 22,00, ou o básico de R$ 68,00,

variáveis até o teto máximo que atualmente corresponde a R$ 200,00. O importante é fazer

parte das famílias beneficiadas.

Já, com relação aos professores, foi possível perceber que a maioria respondeu ser um

bom valor, pois não deixa de ser um incentivo à família e ajuda nas despesas básicas, porém

chamam a atenção algumas colocações, que destacam certa preocupação caso o benefício

fosse maior, principalmente com relação à possível acomodação das pessoas.

Outro ponto importante que merece destaque do PBF é o acompanhamento das

contrapartidas exigidas das famílias, ou seja, as condicionalidades impostas. As

Condicionalidades são os compromissos assumidos tanto pelas famílias beneficiárias quanto

pelo poder público para ampliar o acesso dessas famílias os seus direitos sociais básicos. Por

um lado, as famílias devem assumir e cumprir esses compromissos para continuar recebendo

o benefício. Por outro, as condicionalidades responsabilizam o poder público pela oferta dos

serviços públicos de saúde, educação e assistência social.

De acordo com a Lei no 10.836, para receber o benefício, as famílias devem enviar

seus filhos à escola e, com relação à saúde, fazer exames pré-natais, acompanhamento

nutricional e manter o acompanhamento de saúde e as vacinas em dia. Isso justifica a

importância que se deve ter com relação à fiscalização das condicionalidades, visto que essas

contrapartidas são tão ou mais importantes que o benefício em si, pois de certa forma

incentiva o capital humano das famílias mais pobres.

Por serem as condicionalidades o diferencial do atual programa, que a presente

questão se fez indispensável para a presente pesquisa. Perguntamos aos pais e professores: O

que você acha das condições impostas pelo programa como (frequência escolar, saúde, renda

mínima)?

Page 120: Adriana Aparecida Felicetti

120

FAMÍLIAS BENEFICIADAS

PROFESSORES

Ah eu acho bom né, porque na verdade as crianças

têm mesmo que estudar e quem tem criança

pequena precisa acompanhar né em posto né, pra

controlar que eles continuar estudando.

(Informante 2- F. A).

Eu acho ótimo que se exija isso, porque isso na

verdade ninguém teria de exigir. As famílias teriam de

fazer isso por conta própria, é o mínimo que eles

podem fazer, é exigir isso. (Informante 1 – P.A)

Pois é esse aí. Eu posso dizer que tá encaixando

bem, porque a menina é levada todos os meis pesa

no posto e na Pastoral da Saúde também,ate dia 10

tem que levar o cartão e então esse negócio de

cuidar, levar na creche, levar em escola, tudo é

uma coisa que a pessoa se obriga a levar. Tem a

obrigação de levar pra comprovar. Eu apoio que é

bom, porque se não levar lá perde então a pessoa

se obriga a levar e cuidar. É bom, mais pra eles

também do que pra mim é bom pros dois pra mim

e pras crianças. (Informante 3- F. A).

Eu acho que é o mínimo, que essas pessoas podem

fazer para receber, eu colocaria mais exigências que os

pais frequentassem certas palestras, que essas pessoas,

estando desempregadas prestassem benefício à

comunidade. Tipo fazer uma horta na escola, uma

coisa pra creche escola, Posto de Saúde pra que essas

pessoas não ganhassem isso de mão beijada [...]

quando é ganho de mão beijada não valorizam tanto.

Eu acho que é bom, mas ainda é pouco. (Informante

3– P.A)

Eu acho que são certa que ele fiz né pra pode paga

porque na escola as criança tem que freqüenta né

pra aprende e no posto é bom, você segue que

nem tem q leva todo mês as criança de menos de

sete ano né que leva pesa, é uma coisa boa né que

ele fez. E na escola é uma coisa que eles vão

aprendendo, um dia eles vão se alguma coisa na

vida, se eles não i na escola e não aprende eles

nunca vão se nada na vida. (Informante 4- F. A).

Olha, isso vem ajudar né. Tem a escola também a

responsabilidade de informar bom né, senão as pessoas

não seriam tão responsáveis né. Se ele ganha, tem de ir

na escola e as faltas estar em cima tem que cuidar das

faltas e vai pra Aula. (Informante 4 – P.A)

É boa. É boa, pelo menos eles se interessam mais

pra estudar e as mães que tem várias mãe que não

se preocupam com os filhos, assim elas vão ter

que seguir as norma né, que tem muitas mãe que

não seguem essas norma, que é uma mãe

desleixada, daí ela vai dá mais valor pro filho que

daí o filho as vez vai obriga ela a faze as norma.

(Informante 6- F.V).

Eu acho que são as ideais, o básico pra se avaliar.

Acredito que os pais deveriam sofrer uma certa

vigilância para estar recebendo este valor [...] cuidados

com os filhos. (Informante 8 – P.V)

Page 121: Adriana Aparecida Felicetti

121

Eu acho que é uma condição boa, porque se tem

pessoas que vai lá receber e não tem necessidade,

assim como, assim quando a pessoa tá trabalhando

eu acho que também se for uma pessoa honesta,

tão ganhando bem, não precisa ninguém chega lá

e denunciar eles. A pessoa mesmo pode chegar lá

e dizer. Não olha, eu comecei a trabalha

também,dá pra quem tiver precisando né, porque

tem muita gente precisando também né, que ta na

fila e tá esperando. Sobre a saúde é bom também,

e a questão da escola, aí, esse aí que é o ponto

mais melhor. Porque eu sô uma pessoa que eu não

tive, assim oportunidade de estudar, então quando

eu quis parar pronto, minha mãe aceitou, ficou

assim e pronto, não tive ninguém que me

incentivaram. (Informante 9- F.V)

Na minha opinião está certo[...] é uma maneira de

cuidar da saúde das crianças do estudo[...] da

frequência da nota...acho que está certo [...] eu acho

que teria de ter mais fiscalização. (Informante 10 –

P.V)

Quadro 7: Condicionalidades do Programa Bolsa Família

Fonte: FELICETTI, 2010.

No que se refere às condicionalidades, a maioria dos responsáveis pelo benefício

responderam de forma positiva, ou seja, entendem que as condicionalidades que o governo

colocou em contrapartida ao benefício são boas. Os principais argumentos foram que a

freqüência escolar exigida é uma forma das crianças continuarem estudando que, por meio

das condicionalidades, as crianças têm mais interesse em estudar, pois é um incentivo para as

crianças e para os pais.

Com relação aos professores as respostas foram semelhantes. Também entendem ser

muito importante a exigência de condicionalidades e argumentaram ser o mínimo que precisa

para receber o benefício, porém relatam ser algo que as famílias têm por obrigação a fazer,

mesmo sem receber o benefício. Além disso, colocariam exigências para os pais, como

frequentar palestras, prestação de serviços, profissionalização.

De acordo com Sátyro e Soares (2009) em uma pesquisa realizada pelo IPEA, relatam

que as contrapartidas mais cobradas dos beneficiários são aquelas que todos nós deveríamos

cumprir, e temos obrigação legal de fazê-lo. O capítulo três da Constituição Federal

estabelece que a educação é “dever do Estado e da família” e que o ensino fundamental é

obrigatório. As contrapartidas de saúde não são obrigações legais per se, mas constituem

ações fortemente recomendadas pela política de saúde a todo cidadão, qualquer que seja sua

renda ou classe social.

Page 122: Adriana Aparecida Felicetti

122

Guimaraes-Losif (2009) também destaca a importância da participação da família na

escola e destaca que uma das possibilidades para melhorar essa participação é vincular ao

programa maior comprometimento dos pais e responsáveis na vida escolar de seus filhos. Os

pais dos alunos beneficiados precisam se comprometer mais com o desempenho escolar de

seus filhos, a olhar periodicamente seus deveres, a comparecer nas reuniões e das atividades

promovidas pela escola.

5.4 DESEMPENHO ESCOLAR DOS BENEFICIADOS

A quarta categoria de análise procura dar prosseguimento às categorias anteriores,

porém o que chama a atenção nessa categoria é a relação com a problemática do presente

trabalho. Através dela é possível fazer uma análise da relação existente entre o programa

Bolsa Família e a educação, principalmente com relação ao desempenho escolar de seus

beneficiados. Nessa perspectiva perguntamos: Você entende que teve alguma alteração no

desempenho escolar após o recebimento do benefício?Quais?

FAMÍLIAS BENEFICIADAS

PROFESSORES

Há eu acho muito bom, porque hoje eles na verdade vão

pra aula, por que esses tempo atrás eles tavam meio

parado que nem, assim não tinha muita vontade de ir né.

Sempre né eles iam, mas ficavam um tempo sem ir né,

mas agora como a gente recebe isso aí eles explicam que

tem que estudar para não perder o benefício tudo. É

quando eles começaram a receber eles frequentaram

mais né, que daí na verdade eles as vez eles precisam das

coisas e gostaram mais de ir para a aula. Sim ajuda no

desempenho escolar, parece que eles têm mais vontade

de estudar né, que nem no caso quando chega o dia da

gente receber né, a gente tem aquele dinheiro e eles

também pode usar pra eles, comprar as coisas pra eles.

[...] as notas melhoraram. Ta bom. (Informante 2- F.A)

Com certeza, porque eles frequentam, quem

frequenta escola não tem como, a gente todo dia

aprende e eles que estão na escola por mais

dificuldade que eles tenham, eles vão, está

aprendendo sim, a gente não ensina quem não

está na sala, quem está na escola de alguma

forma, eles aprendem alguma coisa, ele auxilia

no desempenho escolar. (Informante 1 – P.A)

Page 123: Adriana Aparecida Felicetti

123

Pois olha as notas que ele levou esse mês ta boa, ta boa,

agora ta melhor, tudo ta melhorando um pouco. O

desempenho escolar dá pra dizer que um pouco ele

melhorou porque esses anos atrás ele não ia agora ta

melhor, parece que tá melhor, eu acho que o beneficio

ajudou no desempenho [...] Porque daí a gente, ele pede

alguma coisa e agente compra e senão tem ele fica, toda

pessoa fica renegada que não tem não tem daí descorçoa

né, e ele a gente nota daí compra um tênis que ele gosta

de tênis compra uma roupa pra melhorar daí. [...] Pois é,

porque eles já estão na espera que tal dia vai receber, vai

comprar pra nois, vai pagar a prestação. Então eles

também encaixando e vão achando que tá bom, [...] as

nota agora tão melhorando. (Informante 3- F.A)

Talvez ajude um pouco para as famílias que

compram alimento pra que essas crianças sejam

melhor alimentadas e isso vá fazer com que na

escola tenham um rendimento melhor, mas como

educação cultura não, de forma nenhuma é muito

pouco pra se ter uma criança adquirindo cultura,

adquirindo livro, tendo vontade de estudar nesse

sentido não por que as crianças que até vem pra

escola por causa do bolsa que os pais meio que

pressionam eles vêm pra escola, mas ele muito

dificilmente mudam a postura deles, como forma

de alimento sim mas como forma de estímulo

para o estudo pra crescer pra melhor. (Informante

3 – P.A)

Os meus eu faço todo dia ir na aula. Não deixo perde

aula, nada né, difícil quando tem falta, só no dia que

ficarem doente né. Até que eles tão melhor do que o ano

passado. Acho que tão bem né, graças a Deus. Eu acho

que sim, teve melhora no desempenho escolar né eles

tem mais vontade de ir na escola. Eles falam que não

vão perde nenhum dia de aula né, senão nós perdemo a

bolsa, daí eles vão todos dia.[...] eles têm mais vontade

de estudá mais das vez falta as coisa. Daí a gente tem

como comprá né daí eles ficam facero, daí a gente diz

assim: Oh, vamos na escola, porque esse dinheirinho

ajuda pra nós comprá [...] as nota até tão bem esse ano.

Tão mais melhor, eu acho que é por causa do Bolsa

família. Daí eles tem mais vontade né, se aplicam mais

né. (Informante 4- F.A)

Fica analisando se estiver com a alimentação

adequada; ele ajuda se a família for assim bem

responsável esse dinheiro tem esse fim [...]

melhoraria, de repente essa criança vem pra

escola e não produz onde está a falha, o que está

faltando pra ele que fosse cobrado mais das

famílias alimentação adequada fiscalização.

(Informante 4 – P.A)

Considero o desempenho escolar de meus filhos bom,

acho que despois do Bolsa família mudô, por causo que

elas se é para ir na escola tinham que ganhá uma

mochilinha, porque o pai delas só foi pai pra ponha no

mundo...o benefício ajuda. Ah, eu do carçado, ropa,

comida, um perfuminho pra ponha nelas pra né, ajuda

muito né, isso daí, uma mochila, um lápis, uma borracha,

incentiva elas a estudar mais, as minha pelo menos é

incentivada não precisa acordá elas. Elas têm o relógio,

levantam cedo. [...] as nota também mioraram, porque as

vez elas não tinham o material , ficavam com vergonha

Acredito que seja um estímulo, se a mãe utilizar

pra criança ela sabe se eu ganhar [...] a gente viu

esse ano muitos pais que ganham bolsa. O salário

de fevereiro é utilizado pra comprar o material

escolar. Então eles chegaram encantados com o

material escolar, que a gente não via isso em

nossa realidade escolar, estavam se sentindo o

máximo e isso incentiva a criança e muito.

(Informante 6 – P.V)

Page 124: Adriana Aparecida Felicetti

124

né, não que fartava né, agora se não tem aquela hora né

passe ali na mercearia e peguem ali pelo dia que a mãe

recebe o Bolsa família. (Informante 8- F.V)

Com relação ao desempenho às vezes a nota tá baixa.

As vezes a nota tá alta, mas é porque eles não prestam

atenção na aula [...] que nem agora eu explico pra elas,

não dá pra faltar por causa que daí eles cortam a bolsa e

daí nós não vamos poder dá tudo pra vocês [...] eles

ficam incentivados, quando você fala assim elas

entendem, e daí ajuda elas a ir pra escola, ajuda no

desempenho escolar . Ajuda em, eu acho em tudo, que

ta bom assim. Ajuda a manter eles na escola, é uma

renda que ajuda dentro de casa, nem que seja pouquinho.

As notas deles também melhoraram, mas tem época que,

bom, tem época que não, mas melhoro. (Informante 9-

F.V)

Acredito que ajuda se os pais estiverem usando

esse dinheiro em casa para comprar comida. A

criança vai bem nutrida pra escola, ela vai

aprender mais, ela não vai vir com falta de

material, não vai ter essa carência. Vai estar se

vestindo adequadamente, então ela vai estar mais

estimulada a aprender e melhorando na

aprendizagem com certeza. (Informante 8 – P.V)

[....] o desempenho escolar de meus filhos tá bom, tão

indo bem e acho que vão passar direto de ano. Tudo eles

tão indo bom, sempre foi assim, mas claro que melhorou

bastante a iniciativa do PBF. Eu digo pra eles se vocês

não forem pra escola vão perder o BF. Eles não faltam,

só quando não tem a escola aí eles não vão. O BF ajuda

bastante, porque incentiva daí eles vão com gosto,

porque eles sabem que tudo mês eles recebem um

troquinho pra comprar as coisinhas pra eles. Incentiva

bastante as crianças brasileiras. As notas melhoraram

bastante. Esse ano melhorou bastante as notas. Eu acho

que melhorou por causa desse BF porque eles não perde

dia de aula vão todos os dias. (Informante 10- F.V)

Ajuda. Porque assim eles já contam com o

dinheirinho. Eles já vêm mais motivados [...] tem

comida em casa. Relatam a professora: Vou

receber o meu dinheiro e vou comprar o meu

estojo, meu lápis [...]. (Informante 9 – P.V)

Quadro 8: Desempenho escolar dos beneficiados

Fonte: FELICETTI, 2010.

Com relação aos depoimentos dos beneficiados do PBF no que se refere a possíveis

alterações no desempenho escolar de seus filhos após receberem o benefício, foi possível

verificar que o benefício incide de forma positiva no desempenho escolar de seus filhos.

Chamam a atenção os principais argumentos: o medo de perder o benefício como um dos

fatores que auxiliam os alunos a permanecer na escola, maior motivação por parte dos alunos

em estudar (incentivo do PBF) e terem mais condições financeiras de comprar materiais

Page 125: Adriana Aparecida Felicetti

125

escolares, roupas e calçados. Vale ressaltar que, durante a entrevista, pode ser percebido que

os responsáveis pelo benefício demonstraram nesta questão maior expectativa com relação ao

futuro de seus filhos, ou seja, agora com o benefício conseguem dar melhores condições para

seus filhos poder estudar e ser alguém na vida.

Na opinião dos professores, a maioria destacou que o PBF incide de forma positiva no

desempenho escolar de seus beneficiados, pois o fato de receberem o benefício faz com que

as crianças venham mais para a escola, aumentando sua frequência escolar, pois temem perder

o benefício. Para os professores, o fato de as crianças estarem mais presentes nas aulas, já é

uma forma de melhorar a questão da aprendizagem, pois só não aprende quem não está em

sala de aula. Também o fato de que as famílias passaram a comprar mais alimentos, de certa

forma auxilia na aprendizagem, além do benefício ser um estímulo para a criança.

Assim, pode-se perceber que tantos os pais como professores evidenciaram que o PBF

auxilia no desempenho escolar de seus filhos, principalmente pelo fato de as crianças

frequentarem mais a escola e de terem maior poder de compra, principalmente com relação à

alimentação. Dessa forma professores entendem que a criança, estando bem nutrida, tende a

prestar mais atenção nas aulas e consequentemente ter um melhor desempenho.

De acordo com Alves (1985), o primeiro fator que afeta o desempenho escolar é a

fome. Trata-se da fome-pobreza, da fome-miséria, da impossibilidade de adquirir alimentos

necessários para que as crianças sobrevivam, cresçam e atinja a idade adulta com um

organismo sadio, de modo a poderem usufruir de uma das condições necessárias á vida

humana. As consequências da situação de fome parecem indicar que o estado de deficiência

nutricional das populações é talvez a causa mais importante da mortalidade excessiva e se

torna um círculo vicioso, em que as mães que sofreram deficiência nutricional desde cedo em

sua vida, associados a outros fatores ambientais desfavoráveis, tem filhos de baixo peso ao

nascer. As consequências deste círculo vicioso são muito mais graves quando se leva em

conta o efeito sobre a inteligência e a capacidade de adaptação da criança.

De Paula (2009) destaca que a ligação do PBF com a educação está no desenho do

programa por meio de suas condicionalidades. Os beneficiários precisam manter os filhos na

escola e cumprir a agenda de saúde, sendo o objetivo estimular o acesso da população pobre

aos serviços básicos de educação e saúde, para melhorar as condições de vida desse público.

Page 126: Adriana Aparecida Felicetti

126

A próxima questão tem o objetivo de saber se o fato da criança fazer parte do PBF

auxilia na frequência escolar dos beneficiados. A questão é a seguinte: Com relação à

frequência escolar, teve alguma alteração após o recebimento do benefício?

FAMÍLIAS BENEFICIADAS

PROFESSORES

Antes do benefício faltavam um pouco mais o Fl.,

mais agora está indo mais, faltam muito bem

menos.(Informante2-F.A)

Eles se cuidam bastante para vir na escola. A família

fica mais responsável por que tem o medo de perder né.

Eles procuram na secretaria pra ver a questão de bolsa

eles têm medo de perder. Eles são mais responsáveis e

mesmo vem questionar se perdeu o beneficio. Eles vem

atrás, os responsáveis. (Informante 1 – P.A)

Teve melhor, ele falta menos. Primeiro ele faltava

bastante. Dois anos atrás aí ele não tava muito de

acordo, depois foi preciso trocar de escola e tudo,

agora ele tá encaixando melhor. É como a gente

sempre diz, pra ele se começa faltar vem só pra

menina não vem pra você. Daí ele disse eu não

vou faltar. Se você faltar você vai fica descalço e

sem roupa porque só com o meu ordenado não dá.

Daí então ele incentiva mais né. (Informante 3-

F.A)

Acho que 95% dos alunos melhoraram a frequência

escolar, a grande maioria melhorou, trazem o atestado

médico, foi bem significativo. (Informante 6 – P.V)

Tá bem. Eles sempre foram bem na aula, sempre

nunca perderam aula assim né. Sempre foram e

depois de receber também sempre levamos, com o

Bolsa melhorou. Porque ajuda eles, compra

material, alguma coisa que eles não tinham né.

Eles podem compra né, alguma coisa que eles

querem, uma ropinha, um calçado né, tem como

compra pra eles. (Informante 4- F.A)

Eles não faltam, a frequência está muito boa. Eu

acredito que os pais com medo de perder o BF fazem

com que os filhos venham para a escola e essa

frequência auxilia o desempenho escolar [...] porque

eles continuam a atividade e dando processo de

aprendizagem quem vem um dia falta dois rompesse

processo de aprendizagem. (Informante 8 – P.V)

O Bolsa ajudou. Porque se não fosse o bolsa tinha

mãe que não mandava os fio pra escola. Eu era

uma. Assim, não digo de não mandar, mas tipo

assim quando ta chovendo, ah, hoje não vai, ta

chovendo né, você não tem calçado. Se preocupa

mais, agora. (Informante 9- F.V)

Sim, tipo assim pais estão levando mais a sério por

medo de perder o benefício, quando faltam justificam.

(Informante 9 – P.V)

Page 127: Adriana Aparecida Felicetti

127

Melhorou, porque se eles faltam muito as aulas,

eles perdem o benefício. Eles não podem perder e

por isso que eles continuam indo tudo os dias na

escola. Eles faltam menos, quando não tinha o

bolsa família eles faltavam bastante. (Informante

10- F.V)

Eu acho que sim eles vêm porque eles gostam de

receber o dinheirinho deles. (Informante 10 – P.V)

Quadro 9: Frequência escolar dos beneficiados

Fonte: FELICETTI, 2010.

De acordo com os beneficiados, os principais argumentos foram que os filhos faltam

menos após receberem o benefício do PBF. Isso se justifica pelo fato de que, se eles faltam

muito às aulas, podem perder o benefício. Importante chamar a atenção para essa questão uma

vez que a frequência escolar é uma das principais condicionalidades impostas pelo programa,

pois todas as crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos devem estar devidamente matriculados

e com frequência escolar mensal mínima de 85% da carga horária. Já os estudantes entre 16 e

17 anos devem ter frequência de, no mínimo, 75%.

Com relação aos professores entrevistados, a grande maioria também relatou que os

alunos que recebem o benefício tiveram uma melhora na frequência escolar. Entre os motivos,

os professores destacaram o medo em perder o benefício, como a principal justificativa da

melhoria. Além disso, destacam que os pais estão mais responsáveis no que se refere à

frequência escolar, quando faltam procuram justificar.

Como forma de dar continuidade à questão do impacto do PBF no que se refere ao

desempenho escolar de seus beneficiados, procuramos, por meio da pesquisa documental,

obter maiores informações sobre o tema. A pesquisa foi realizada em dezembro de 2009,

quando se buscou pesquisar a média geral e a frequência escolar dos alunos beneficiados pelo

PBF no município de Videira/SC, no período de 2007, 2008 e 2009.

Para a elaboração da tabela abaixo relacionada, foram pesquisados o Histórico Escolar

de 10 alunos, 05 da Escola Joaquim Amarante e 05 da Escola Padre Bruno Polkom (filhos dos

pais acima entrevistados). Para chegar à média geral de cada aluno, foi tomada a média de

cada disciplina e dividido pelo número de disciplinas. Com relação à frequência de cada aluno

pesquisado, também foi tomada a frequência escolar de cada disciplina e dividido pelo

número de disciplinas.

Os resultados demonstram que realmente, no quesito que se refere à frequência

escolar, realmente o resultado é positivo, ou seja, todos os alunos pesquisados ultrapassam os

85% de frequência exigida pelo PBF no período de 2007, 2008 e 2009, o que demonstra que

Page 128: Adriana Aparecida Felicetti

128

os alunos estão frequentando mais a escola e respeitando as condicionalidades. O presente

resultado confirma os depoimentos acima descritos pelos pais e professores, que também

retratam um grande aumento da frequência escolar dos alunos.

Alunos Média

geral

2007

Frequência

2007

Média

geral

2008

Frequência

2008

Média

geral

2009

Frequência

2009

1 5,69 88.0 4,22 96,5 5,41 93,0

2 7,80 96,0 7,70 96,5 7,83 96,5

3 6,70 99,0 7,37 96,5 6,62 91,5

4 5,68 99,5 5,96 95,0 6,50 95,5

5 7,32 97,0 7,42 99,0 7,0 97,0

6 5,96 93,2 6,34 90,1 6,31 90,3

7 6,53 97,0 5,31 83,5 7,0 89,0

8 6,71 99,0 7,23 97,0 7,18 98,4

9 5,62 98,5 5,75 99,5 4,91 95,8

10 7,55 96,5 7,20 98,8 7,56 91,0

Total 6,55 96,37 6,45 95,24 6,63 93,8

Tabela 4: Média geral por aluno e frequência escolar no período de 2007, 2008 e 2009.

Fonte: Histórico escolar.

Com relação à média geral dos beneficiados pelo PBF, podemos perceber que, ao

longo dos três anos, não se verifica uma oscilação positiva para cima. As notas indicam uma

estabilização. Se tomarmos as avaliações do desempenho escolar dos estudantes beneficiados,

não é possível afirmar que o PBF teve uma incidência positiva. Chama a atenção o fato de que

os dez alunos pesquisados possuem uma média geral semelhante, que não chega à nota sete

entre os anos de 2007, 2008 e 2009. O que podemos dizer é que as crianças certamente estão

frequentando mais a escola, o que de certa forma pode auxiliar no processo de aprendizagem,

pois estando na escola elas tendem a aprender mais e certamente, estão incluídas em processo

de cidadania

A próxima tabela retrata a média geral dos alunos beneficiados nas principais

disciplinas no período de 2007, 2008 e 2009. Para chegar ao resultado, foi preciso somar as

notas de cada disciplina dos últimos três anos e dividir por três, assim chegamos a uma média

geral por aluno das principais disciplinas abaixo. Posteriormente somamos a média de cada

aluno por disciplina e dividimos por dez para chegar à média geral dos alunos por disciplina.

Page 129: Adriana Aparecida Felicetti

129

Partindo dos resultados encontrados, pode-se chegar a uma média geral de todos os alunos por

disciplina

Tabela 5: Média escolar por disciplina dos estudantes beneficiados pelo PBF, no ano de 2007, 2008 e 2009

Fonte: Histórico Escolar.

Os resultados acima retratam de forma clara a realidade educacional dos alunos

beneficiados pelo PBF no município de Videira/SC. É possível afirmar que, no período de

2007, 2008, 2009, os alunos beneficiados atingiram uma média geral acima de seis nas

principais disciplinas. Porém merece destaque a questão que as maiores dificuldades

encontradas continuam sendo nas disciplinas de português e matemática.

Segundo Weissheimer (2010), pesquisa publicada em 14 de maio de 2010, que retrata

os impactos do PBF na educação, destaca que as exigências da frequência às aulas por meio

das condicionalidades do Programa Bolsa Família são positivas, uma vez que, no Ensino

Médio, a aprovação dos beneficiários do programa é maior do que a média nacional (81,1%

contra 72,6%). No Ensino Fundamental, os números são similares (80,5% de beneficiários

aprovados contra 82.3% da medida nacional). Os indicadores de abandono no Ensino

Fundamental também revelam um impacto positivo: 3,6% dos beneficiários deixam a escola,

contra 4,8% da média nacional. Já, no ensino médio, o índice de abandono é de 7,2% entre os

beneficiários, enquanto a média nacional é de 14,3%. Nessa pesquisa, o Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome e o Ministério da Educação divulgaram novos

dados revelando que o PBF tem um impacto positivo na trajetória educacional dos

beneficiários do programa. Ao observar os índices de aprovação e abandono escolar dos

estudantes da rede pública de ensino, o Ministério da Educação verificou que a exigência da

frequência às aulas por parte do Bolsa Família faz toda a diferença.

Disciplina A1

A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A10 Média

Geral/

Discipli

na

Português 4,75 7,83 6,0 5,2 7,0 5,76 5,4 6,73 4,6 7,36 6,06

Matemática 4,5 7,83 6,4 5,2 7,0 6,13 5,4 7,13 4,1 7,3 6,09

Geografia 5,55 7,83 6,4 5,65 7,2 5,6 6,0 6,53 4,76 7,2 6,27

Ciências 5,35 7,36 6,56 6,0 7,3 6,0 6,0 6,83 4,6 7,2 6,32

História 5,1 7,93 6,2 6,0 7,0 7,0 6,0 6,5 4,66 7,2 6,35

Page 130: Adriana Aparecida Felicetti

130

Ainda, para o autor, há outros levantamentos que apontam na mesma direção. Segundo

o relatório anual “Situação Mundial da Infância”, do Fundo das Nações Unidas para a

Infância (Unicef), o Brasil registrou importantes avanços no tema do acesso à escola. Em

2001, 920 mil crianças em idade escolar estavam fora das salas de aula. Em 2008, esse

número caiu para 570 mil. As condicionalidades do PBF referentes à frequência escolar e ao

acompanhamento nutricional das crianças são alguns dos fatores que contribuíram para a

melhoria desses indicadores. O percentual de alunos de 6 a 15 anos com acompanhamento de

frequência escolar alcançou uma média de 85,2% no primeiro semestre de 2009, chegando a

89,65% no final de 2009, representando um universo de aproximadamente 14 milhões de

alunos sob acompanhamento.

Page 131: Adriana Aparecida Felicetti

131

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo procurou responder às questões de pesquisa que nortearam o

presente trabalho. De modo mais específico, objetivou analisar os impactos que acontecem na

vida das famílias que participam do Programa Bolsa Família na cidade de Videira-SC, no que

diz respeito à educação de seus beneficiados em idade escolar. O trabalho de investigação

desenvolvido evidencia alguns aspectos e deixam evidentes algumas conclusões.

Através da pesquisa foi possível conhecer a melhor identidade de um país que no

decorrer de seus 500 anos de história, manteve-se desigual, com elevados índices de pobreza e

uma dívida social gigantesca. Um país de contrastes. O desenvolvimento econômico e

tecnológico convive com índices vergonhosos de desigualdades sociais. Ao se reconhecer a

fragilidade das políticas sociais implantadas ao longo da história e a divida social existentes

com a grande maioria da população brasileira é que foram adotados nos últimos anos medidas

para promover a inclusão social destes segmentos.

Frente à necessidade de fazer do Brasil um país com menos contrastes sociais e

melhores condições de vida, surgem os Programas de Renda Mínima, que passaram a fazer

parte dos discursos políticos nos últimos anos e têm despertado o interesse de muitos

pesquisadores da área social, uma vez que os índices a nível nacional indicam uma grande

redução da pobreza e da desigualdade social devido a essas novas iniciativas sociais. Estes

programas passaram a ganhar espaço mais especificamente no ano de 2001, no governo do

então presidente Fernando Henrique Cardoso com a implantação do Programa Bolsa Escola e

Bolsa Alimentação. Mas foi no Governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003,

que os programas de transferência de renda foram intensificados, objetivando a redução da

fome e da pobreza e a unificação dos programas de renda existentes por meio do atual

Programa Bolsa Família.

Nesse estudo, foi possível fazer um pequeno retrato das famílias que fazem parte do

PBF. Importante destacar que o contato direto com a realidade em que se encontram as

famílias beneficiadas foi uma extraordinária experiência pessoal e profissional, que contou

com o apoio das famílias beneficiadas, coordenadores e professores das instituições

pesquisadas que, em nenhum momento deixaram de medir esforços para a elaboração da

presente pesquisa. Esse contato com o campo de investigação que se deu de forma

quantitativa, por meio da análise documental do CadÚnico, e qualitativas através de

Page 132: Adriana Aparecida Felicetti

132

entrevistas com as famílias, contribuiu de forma significativa para a compreensão do tema em

destaque, uma vez que foi possível visualizar de forma mais clara as condições em que vivem

as famílias beneficiadas.

Conhecer o perfil das famílias beneficiadas no município de Videira/SC foi o primeiro

desafio da presente pesquisa. Primeiramente, foi possível detectar que a maioria dos

responsáveis pelo benefício é do sexo feminino, o que nos remete a concluir que as mulheres

beneficiadas pelo programa em sua maioria têm assumido as responsabilidades do lar, filhos e

a parte financeira da família. Por outro lado, o fato da mulher ser preferencialmente a titular

do cartão é também um elemento de segurança para que o valor seja gasto com a família,

inclusive na compra de alimentação, vestuário e material escolar o que de certa forma

beneficia as crianças e jovens em idade escolar

Outra informação importante foi com relação ao estado civil das responsáveis pelo

beneficio. O que chama a atenção é o grande número de pessoas que se declaram solteiras e

divorciadas. Isso significa que grande parte das famílias beneficiadas no município de

Videira/SC convive com processos de desestruturação familiar, ou seja, com a desintegração

da unidade familiar clássica, de base nuclear (pai, mãe e filhos), o que provoca o

enfraquecimento do espaço familiar e, consequentemente, a necessidade da intervenção do

Estado, por meio de políticas sociais. Além disso, a falta de uma estrutura familiar adequada

pode interferir de forma direta na educação das crianças e jovens. Dessa forma, chamo a

atenção para a importância dos programas sociais, entre eles o PBF em trabalhar mais

especificamente na estrutura familiar, como forma de orientação e prevenção, pois grande

parte dos problemas educacionais surge da deficiência encontrada na base familiar.

Com relação ao quesito cor/raça a grande maioria dos responsáveis pelo benefício

declara-se de cor/raça branca. Sendo assim, merece destacar que no município pesquisado,

diferentemente do que o senso comum apregoa, a exclusão social tem cara branca. Sendo

assim, a pobreza e a desigualdade social têm afetado não apenas os descentes de índios e

negros, mas está presente também nos descentes de europeus. Frente a essa situação é

importante destacar que o PBF atende a todas as pessoas, indiferente de sua cor/raça/etnia.

Outro dado importante é com relação ao vínculo com o mercado de trabalho. A

pesquisa demonstrou que a grande maioria dos responsáveis pelo benefício se diz

desempregado. Frente a essas informações merece destaque a historicidade da mulher no

mercado de trabalho, associada falta de oportunidades, submissão, maternidade precoce e até

Page 133: Adriana Aparecida Felicetti

133

mesmo a baixa escolaridade, o que a torna mais vulnerável, principalmente ao se tratar de

mulheres de classes menos favorecidas

No que se refere à educação vale destacar que a maioria estudou entre o terceiro,

quarto e quinto ano, ou seja, apenas 10% efetuaram o Ensino Fundamental. Este é um dado

preocupante, pois se estamos analisando os impactos do PBF na educação, devemos levar em

consideração a formação dos responsáveis pelo benefício como algo primordial para as

gerações futuras. Dessa forma, ressalto novamente a necessidade de uma maior intervenção

do PBF no que se refere à educação não apenas das crianças e jovens beneficiados, mas

também de seus responsáveis legais, uma vez que, a educação é a porta de entrada para o

mercado de trabalho e a principal arma contra a pobreza e a desigualdade social.

Com relação à situação das moradias é importante destacar o elevado percentual dos

que se declaram viver em casa própria no município de Videira/SC. Importante destacar que o

fato da maioria das famílias beneficiadas terem casa própria, entre três e cinco cômodos,

mesmo que, as casas não sejam adequadas e possuam vários problemas estruturais, entre eles

o predomínio de fossa rudimentar, ainda assim, representa uma conquista, que de certa forma

proporciona a essas família uma economia importante e uma melhor qualidade de vida. Além

disso, o fato das famílias em sua maioria não dependerem do aluguel possibilita que o valor

do benefício do PBF possa ser aplicado em outros itens, que não em moradia, entre eles na

educação das crianças e jovens beneficiados.

Além disso, ficou evidenciado na pesquisa que as famílias tinham maiores

dificuldades para comprar o básico como (alimento, roupa, calçados, água, luz, material

escolar) antes de receberem o benefício. Entretanto, destaca de forma unânime a importância

do PBF em suas vidas, pois o beneficio segundo eles teria possibilitado uma melhor qualidade

de vida e consequentemente permitido um maior poder de compra. Na perspectiva dos

professores entrevistados, foi possível perceber uma unanimidade relativa ao que se refere à

importância do PBF e às melhorias que ele proporciona para as famílias, ou seja, os

professores reconhecem a importância do benefício, entretanto, enfatiza algumas lacunas do

programa, como a falta de administração e fiscalização, possível acomodação as famílias

beneficiadas e sugere que o programa deva ser transitório e principalmente que dê prioridade

a formação profissional de seus beneficiários.

Quanto à questão do impacto do PBF sob a pobreza e a desigualdade social, foi

possível perceber que as famílias beneficiadas, em sua maioria, relataram que o benefício

ajuda a diminuir a pobreza e a desigualdade social, porque, com o benefício aumenta o poder

Page 134: Adriana Aparecida Felicetti

134

de compra das classes menos favorecidas e consequentemente melhora a qualidade de vida.

Com relação aos professores, os principais argumentos foram negativos, que o PBF não ajuda

a diminuir a pobreza e a desigualdade social. Isso porque, na opinião dos professores, o

programa é paliativo, ajuda as famílias momentaneamente, mas o valor é pouco para se uma

mudança significativa. Além disso, destacam a necessidade de se investir mais na educação.

Com relação à avaliação que fazem do PBF, é importante destacar que as famílias

beneficiadas avaliam de forma positiva, ou seja, a maioria avalia o PBF como ótimo e bom.

Os principais argumentos apresentados são a permanência das crianças na escola e a ajuda na

compra das necessidades básicas. Com relação aos professores entrevistados, avaliam o PBF

de forma mais negativa que positiva, ou seja, a grande maioria respondeu regular e ruim. Os

argumentos principais foram o assistencialismo e a acomodação que o programa proporciona,

além da falta de fiscalização/ administração. No que diz respeito ao valor pago pelo PBF, a

maioria dos familiares está satisfeita com o valor, enquadrando-o como bom. Os argumentos

principais foram com relação a ser uma ajuda mensal, que auxilia no orçamento da família. Os

professores também responderam que o valor é bom, além de ser um incentivo para as

famílias e ajuda nas despesas básicas. Nesse caso, ambas as partes responderam de forma

positiva, ou seja, o valor pago pelo PBF é bom.

Percebe-se que no tange as condicionalidades impostas pelo programa que estas

constituem um importante mecanismo para viabilizar a efetivação dos direitos sociais na área

social da saúde e educação. Foi possível constatar que a maioria dos responsáveis como

também os professores entrevistados são a favor do cumprimento de condicionalidades e

afirmam ser algo bom para as crianças/adolescentes a existência de cobranças em troca do

benefício. Além disso, os professores destacam a necessidade do programa avançar para além

das condicionalidades impostas, enfatizando a participação das famílias em ações e programas

que promovam a emancipação e contribuam para a formação dos sujeitos. Aqui cabe destacar

que o cumprimento de condicionalidades vai além dos dados acima relatados, pois possibilita

a inserção da população pobre nos serviços sociais básicos, além de favorecer a interrupção

do ciclo de reprodução da pobreza, o que faz das condicionalidades o principal diferencial do

PBF, quando comparado com outros programas sociais.

Os depoimentos dos familiares destacam que o PBF incide de forma positiva no

desempenho escolar de seus filhos. Os principais argumentos se referem à melhoria da

frequência escolar, pois temem perder o benefício. Além disso, demonstram mais disposição

em estudar (incentivo), além de a família possuir mais condições para compra de materiais

Page 135: Adriana Aparecida Felicetti

135

escolares, roupas e calçados. Vale ressaltar que, durante a entrevista, pode-se perceber que os

responsáveis pelo benefício demonstraram nesta questão maior expectativa com relação ao

futuro de seus filhos, ou seja, agora com o benefício conseguem dar melhores condições para

seus filhos poderem estudar. Com relação aos professores, os principais argumentos também

foram positivos, ou seja, evidenciou-se uma melhora, pois o fato de receberem o benefício faz

com que as crianças venham mais para a escola com medo de perdê-lo. Para os professores, o

fato de as crianças estarem mais presentes nas aulas já é uma forma de melhorar a questão da

aprendizagem, pois só não aprende quem não está em sala de aula. Também o fato de que as

famílias passaram a comprar mais alimentos o que de certa forma auxilia na aprendizagem,

além de ser um estímulo para a criança.

Pode-se perceber que tanto os pais como professores, evidenciaram que de certa

forma o PBF auxilia no desempenho escolar de seus filhos, principalmente pelo fato das

crianças frequentarem mais a escola e de terem maior poder de compra, principalmente com

relação à alimentação. Dessa forma, professores entendem que a criança estando bem nutrida

tende a prestar mais atenção nas aulas e consequentemente ter um melhor desempenho.

Também merece destaque a melhora na frequência escolar das crianças beneficiadas

pelo PBF. Importante destacar que os familiares entrevistados enfatizaram que os filhos

faltam menos à escola após receberem o benefício do PBF. Isso se justifica pelo fato de que se

eles faltam muito às aulas, podem perder o benefício, ou seja, é uma das condicionalidades

impostas pelo programa, alunos devem ter no mínimo 85% de freqüência. Com relação aos

professores entrevistados, a grande maioria também relatou que os alunos beneficiados

tiveram uma melhora na frequência escolar, pois temem perder o benefício.

Além disso, a pesquisa realizada por meio do histórico escolar de dez alunos

beneficiados pelo PBF demonstrou no quesito que se refere à freqüência escolar um resultado

positivo, ou seja, todos os alunos pesquisados ultrapassam os 85% de frequência exigida pelo

PBF, o que demonstra que os alunos estão frequentando mais a escola. Já, com relação à

média geral dos beneficiados pelo PBF, não indicam uma significativa melhora. Por outro

lado, elas não tiveram retrocessos, mantiveram a média em todas as disciplinas. Isso se deve

ao fato de o PBF assegurar a permanência da criança na escola, o que permite um melhor

acompanhamento por parte dos professores e consequentemente a melhoria da relação

família/escola.

O que parece evidente perante os dados apresentados é que o PBF tem promovido

certa revolução tanto no âmbito social como também no âmbito educacional. Uma caminhada

Page 136: Adriana Aparecida Felicetti

136

que tem demonstrado perante várias pesquisas, inclusive por meio desta, a importância dos

Programas de Renda Mínima para o desenvolvimento do país, principalmente no que se refere

à queda da pobreza e da desigualdade social. Outro fator que merece destaque é a forma com

que o PBF tem tratado da questão relacionada à educação e à saúde de seus beneficiários por

meio de suas condicionalidades, o que tem proporcionado uma vida mais digna e humanizada

para milhões de pessoas.

O presente estudo permite afirmar que o PBF atende as necessidades básicas das

famílias, alcança a escola em termos de frequência escolar e responsabiliza os pais a

participarem mais da vida educacional dos filhos. Os programas de renda mínima demonstram

cumprirem um papel fundamental no esforço de universalizar no Brasil os direitos

fundamentais do ser humano. Os direitos de cidadania permanecem como promessa para

milhares de brasileiros e brasileiras. A construção de uma nação repúblicana, democrática e

igualitária deve estar no centro das pautas governamentais e da sociedade civil. Esse estudo

contribuiu para conhecer melhor como uma política pública de combate à pobreza incide

positivamente sobre o cotidiano das famílias beneficiadas.

Page 137: Adriana Aparecida Felicetti

137

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Page 145: Adriana Aparecida Felicetti

145

APÊNDICE A - LEVANTAMENTO DO PERFIL DOS RESPONSÁVEI S PELO

BENEFÍCIO

1. Identificação do responsável pelo benefício do Programa Bolsa Família.

Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino

Idade: ________

Bairro:______________________________

Nome do município de nascimento:_______________

Estado civil:

( ) Solteiro(a) ( ) Casado(a) ( ) Divorciado(a) ( ) Separado(a) ( ) Viúvo(a)

1. Raça/cor:

( ) Branca ( ) Negra ( ) Parda ( ) Amarela ( ) Indígena

2. Características do domicílio:

2.1. Moradia:

( ) casa ( ) apartamento ( ) Cômodos ( ) Outros

2.2. Situação da Moradia:

( ) Próprio ( ) Alugado ( ) Arrendado ( ) Cedido ( ) Invasão

( ) Financiado ( ) Outra

2.3. Tipo de construção

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146

( ) Tijolo/Alvenaria ( ) Adobe ( ) Taipa revestida ( ) Taipa não revestida

( ) Madeira ( ) Material aproveitado ( ) Outro

2.4. Número de cômodos na Moradia: __________

2.5. Escoamento Sanitário

( ) Rede pública ( ) Fossa rudimentar ( ) Fossa séptica ( ) Vala

( ) Céu aberto ( ) Outro

2.6. Quantidade de pessoas na família: __________

3. Qualificação Escolar

3.1. Freqüenta escola:

( ) Pública municipal

( ) Pública estadual

( ) Particular

( ) Outra

( ) Não freqüenta

3.2. Série Escolar

( ) Maternal I ( ) Jardim III ( ) 5ª série do ensino

fundamental

( ) 2ª série do ensino médio

( ) Maternal II ( ) 1ª série do ensino

fundamental

( ) 6ª série do ensino

fundamental

( ) 3ª série do ensino médio

( ) Maternal

III

( ) 2ª série do ensino

fundamental

( ) 7ª série do ensino

fundamental

( ) Ensino Superior

( ) Jardim I ( ) 3ª série do ensino

fundamental

( ) 8ª série do ensino

fundamental

( ) Jardim II ( ) 4ª série do ensino

fundamental

( ) 1ª série do ensino médio

Page 147: Adriana Aparecida Felicetti

147

4. Qualificação profissional:

4.1. Situação no mercado de trabalho

( ) Empregador ( ) Aposentado/Pensionista

( ) Assalariado com carteira de trabalho ( ) Trabalhador rural

( ) Assalariado sem carteira de trabalho( ) Empregador rural

( ) Autônomo com previdência social ( ) Não trabalha

( ) Autônomo sem previdência social ( ) Outros

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148

APÊNDICE B – ENTREVISTA COM AS FAMÍLIAS BENEFICIÁDA S

Entrevista n° _________Data______/_______/2009

Dados de identificação:

1) Idade:_______

2) Sexo:________

3) Escolaridade:_______

4) Número de membros da família: _________

5) Bairro Amarante ( ) Bairro Vila Verde ( )

CATEGORIA IMPORTÂNCIA/PAPEL DO PROGRAMA BOLSA FAMÍL IA:

1) Desde quando você recebe o benefício do Programa Bolsa Família?

2) Você acha que foi importante para o povo brasileiro à criação do Programa Bolsa Família?

Por quê?

2) Como era a situação de sua família antes de receber o benefício?

3) Você acha que a vida de sua família teve alguma melhora após o recebimento desse

benefício? Em que melhorou?

4) Em que vc utiliza esse benefício?

5) Você entende que o Programa Bolsa Família ajuda a diminuir a pobreza e a desigualdade

social?

6) Você é a favor ou contra a continuidade desse programa? Por quê?

Page 149: Adriana Aparecida Felicetti

149

7) Caso o Governo Federal decida acabar com esse benefício, o que mudaria na vida de sua

família?

CATEGORIA AVALIAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA:

1) Como você avalia o programa Bolsa família (ótimo, bom, regular ou ruim)? Por quê?

2) O que você acha do valor pago pelo Programa Bolsa Família (ótimo, bom, regular ou

ruim). Por quê?

3) O que você acha das condições impostas pelo programa como (freqüência escolar, saúde,

renda mínima)?

CATEGORIA DESEMPENHO ESCOLAR DOS BENEFICIADOS

1) Como você considera o desempenho escolar (notas, participação) de seu(s) filho(s) (ótimo,

bom, regular, ruim)? Sempre foi assim?

2) Você entende que teve alguma alteração no desempenho escolar após o recebimento do

benefício?Quais

3) Você entende que o benefício do Programa Bolsa Família ajuda no desempenho escolar das

crianças/adolescentes beneficiados? De que forma?

4) E como estão as notas de seus filhos? (Melhoraram, continuam iguais, ou pioraram)

5) Como está a freqüência de seus filhos na escola? Teve alguma alteração após o

recebimento do benefício com relação à freqüência escolar de seu (s) Filho (s)? (Faltam

menos, faltam a mesma coisa ou faltam mais).

6) Com relação ao comportamento de seu (s) filho(s) na escola (relação professores, colegas),

teve alguma alteração após o recebimento do benefício?

CATEGORIA RELAÇÃO ESCOLA/FAMÍLIA

Page 150: Adriana Aparecida Felicetti

150

1) Com que freqüência você acompanham o desempenho escolar de seu (s) filho (s)? De que

forma?

2) Você tem acompanhado mais seu filho na escola após receber o benefício, ou continua da

mesma forma como antes?

3) Como é a sua relação com a escola (direção/professores), teve alguma alteração após o

recebimento do benefício?

Page 151: Adriana Aparecida Felicetti

151

APÊNDICE C – ENTREVISTA COM OS PROFESSORES DAS ESCOLAS

Entrevista n° _________Data______/_______/2009

Dados de identificação:

6) Idade:_______

7) Sexo:________

8) Escolaridade:_______

4) Função________________________

CATEGORIA IMPORTANCIA/PAPEL DO PROGRAMA BOLSA FAMÍL IA:

1) Você acha que foi importante para o povo brasileiro à criação do Programa Bolsa Família?

Por quê?

2) Você acha que a vida das famílias beneficiadas teve alguma melhora após o recebimento

desse benefício? Em que melhorou?

3) Você entende que as famílias utilizam bem o benefício recebido?Em que as famílias

geralmente utilizam o benefício?

9) Você entende que o Programa Bolsa Família ajuda a diminuir a pobreza e a desigualdade

social?Como?

10) Você é a favor ou contra a continuidade desse programa? Por quê?

11) Caso o Governo Federal decida acabar com esse benefício, o que mudaria na vida das

famílias beneficiadas?

CATEGORIA AVALIAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA:

Page 152: Adriana Aparecida Felicetti

152

1) Como você avalia o programa Bolsa família (ótimo, regular ou ruim)? Por que?

2) Com relação à população do município de Videira, você entende que o Programa Bolsa

família atende a demanda da população carente?

3) O que vc acha do valor pago pelo Programa Bolsa Família (ótimo, bom, regular ou ruim).

Por quê?

4) Qual a sua opinião com relação às condicionalidades (freqüência escolar, saúde, renda

mínima) para a permanência da família no programa?

5) Na sua opinião quais os pontos positivos e negativos do programa Bolsa Família?

CATEGORIA DESEMPENHO ESCOLAR DOS BENEFICIADOS

7) Você entende que o benefício do Programa Bolsa Família ajuda no desempenho escolar das

crianças/adolescentes beneficiados? De que forma?

2) Na sua opinião como está a freqüência escolar dos beneficiados pelo programa?Teve

alterações após receber o benefício?

3) Com relação ao comportamento (relação professores e colegas) das crianças/adolescentes

beneficiados, você acha que teve algum mudança após o recebimento do benefício?

4) De que forma a educação dos pais ou responsáveis pode interferir no desempenho escolar

de seus filhos?

CATEGORIA RELAÇÃO ESCOLA/FAMÍLIA

4) Você acha que os pais/responsáveis tem acompanhado mais seus filhos na escola após

receber o benefício, ou continua da mesma forma como antes?

5) Você acha que o benefício tem auxiliado na relação família com a escola? Por que?