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A presente edição segue a grafia do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. [email protected] www.marcador.pt © 2012, Direitos reservados para Marcador Editora uma empresa, Editorial Presença Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo 2730-132 Barcarena Título original: Défense d'aimer Autor: Florent Gonçalves Tradução: Manuel Braz Revisão: Silvina de Sousa Paginação: Maria João Gomes Capa: Bruno Rodrigues/Marcador Fotografia do autor: Gettyimages Impressão e acabamento: Multitipo – Artes Gráficas, Lda. ISBN: 978-989-8470-42-3 Depósito legal: 345548/12 1.ª edição: julho de 2012

Advertência - Presenca.pt · UM AMOR PROIBIDO 11 reencontrámo-nos sempre, porque o amor não se detém. Em todo o caso, não chegámos a concretizá-lo. Nada fizemos nesse sentido

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A presente edição segue a grafia do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

[email protected]

© 2012, Direitos reservados para Marcador Editorauma empresa,Editorial PresençaEstrada das Palmeiras, 59Queluz de Baixo2730-132 Barcarena

Título original: Défense d'aimerAutor: Florent GonçalvesTradução: Manuel BrazRevisão: Silvina de SousaPaginação: Maria João GomesCapa: Bruno Rodrigues/MarcadorFotografia do autor: GettyimagesImpressão e acabamento: Multitipo – Artes Gráficas, Lda.

ISBN: 978-989-8470-42-3Depósito legal: 345548/12

1.ª edição: julho de 2012

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Advertência

Com este livro pretendi dar testemunho da minha vivência pessoal, esforçando-me por proteger a identidade das pessoas que se encon-tram envolvidas nesta história. Para esse efeito, todos os nomes foram alterados.

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Na segunda-feira, 10 de janeiro de 2011, às nove horas da manhã, o diretor inter-regional dos serviços prisionais, de que dependia

o meu estabelecimento, a casa de detenção de Versailles, estava diante de mim, no meu gabinete, denotando pouco à-vontade. Não chegara a tocar no café que me tinha pedido, nem conseguia olhar-me direta-mente. Por fim, logrou articular:

– Como vão as coisas?…Eu estava perplexo: raramente se tinha visto um diretor inter-re-

gional dirigir-se ao gabinete de um diretor de estabelecimento prisio-nal apenas para se informar acerca de generalidades. Mas a surpresa durou apenas um momento. Alguns minutos depois, quatro pessoas irrompiam de chofre, três homens e uma mulher, agentes da polícia à paisana, que não sentiram necessidade de se apresentar. Reconhecem--se pela autoconfiança da sua legitimidade. O meu diretor retirou-se de imediato, sem nada dizer, nem um simples olhar, relegando-me de-finitivamente para a condição de fora da lei.

Eu tinha deixado de pertencer ao seu mundo, ao mundo deles. Bastou-me uma fração de segundo para o compreender. A fração de tempo mais importante da minha vida, aquela que marcou o meu fu-turo, em que perdi o emprego, a família, a minha casa, os amigos, pelo menos aqueles que considerava como tal. Os sarcasmos de alguns jor-nalistas completaram o cenário da minha desonra.

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A mulher-polícia, que comandava o grupo, colocou com autorida-de um papel sobre a minha secretária: “Notifico-o de que, a partir de agora, fica guardado à vista.”

Não li aquele papel, nem respondi. Estava frio, mas calmo. Ignora-va ainda que eles estavam ao corrente de tudo, mas observava a cena da minha vida a desmoronar-se, como se olhasse na televisão para uma sequência de imagens de que já não era o ator.

Fez-me as perguntas habituais: “Que pessoa deseja prevenir?”, “Necessita de um médico?”, “Deseja um advogado?” De seguida, tudo se passou com grande rapidez, uma busca-relâmpago ao meu gabi-nete, seguida de perguntas disparadas como rajadas de metralhadora: “Onde estão as contas?”, “E o que são estas cartas?”, “E esta fatura de te-lefone, é de quê”, “Este número é de quem?” Respondia maquinalmen-te, mas não sentia medo. Não estava em estado de pensar nos meus, em mim mesmo ou no que me ia acontecer.

Em apenas dez minutos, todo o recheio do meu gabinete estava empacotado, incluindo os documentos e os computadores. A coman-dante puxou das algemas, ouvi o clique, aquele ruído familiar que conhecia tão bem, e os meus punhos ficaram imobilizados. Ao sair daquele gabinete, onde não mais deveria voltar, que fazia parte das minhas funções e de tudo o que tinha sido a minha vida nos últimos vinte anos, ela atirou-me: “Você acha que não tenho mais que fazer, do que ocupar-me das suas paixonetas?”

Nesse momento, apercebi-me de que a situação era muito mais grave do que imaginava, embora ainda estivesse longe de saber que to-dos os meios especializados da luta contra o banditismo tinham sido mobilizados durante meses para se ocuparem meu “caso”, como se estivesse em causa um assassino ou um branqueador de capitais. To-davia, a razão deste assalto, semelhante a um filme de ação, era a mi-nha história de amor. Não uma “paixoneta”, mas uma grande história de amor, ainda que se tratasse de um amor culposo, ilícito, visto que me ligava, a mim, o diretor da prisão, a uma das minhas detidas, Léa, a qual, para além disso, tivera a agravante de se encontrar debaixo do fogo dos média, durante o famoso caso do “gang dos bárbaros.”

Poder-se-á dizer e pensar que não o deveríamos ter feito. Mas des-de quando é que o amor se controla a si próprio? Todos os bons mo-tivos que ambos tínhamos para pôr fim à nossa história, não foram suficientes para nos separar. Bem tentámos romper, deixar-nos, mas

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reencontrámo-nos sempre, porque o amor não se detém. Em todo o caso, não chegámos a concretizá-lo. Nada fizemos nesse sentido e, to-davia, esse amor custou-me tudo o que, até então, era a minha vida.

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Léa deu entrada na casa de reclusão de Versailles a 25 de Setembro de 2007, dia do qual não conservei qualquer recordação particular,

e decorreram vários meses antes que a distinguisse entre as outras de-tidas. Eu próprio era um recém-chegado, visto que só tinha assumido a direção daquele estabelecimento alguns meses antes, em Março. Ti-nha-me dedicado a uma reorganização completa dos serviços, nome-adamente os de natureza administrativa. Em vez de regressar a casa às dezoito horas, como um normal diretor de estabelecimento prisional sem quaisquer problemas, terminava muito frequentemente depois das vinte horas. Nem cheguei mesmo a gozar as minhas férias de ve-rão. De facto, deslocava-me com menos frequência do que desejava, à “detenção”, ou seja, à zona onde se situam as celas, ao contrário do que fazia em Aurillac, no Cantal, ou em Lure, na Haute-Saône, onde ha-via desempenhado funções idênticas. Tinha então o hábito de passar nessa zona, por sistema, alguns minutos às sextas-feiras, véspera do fim de semana, uma altura sempre delicada, a fim de dar uma vista de olhos a cada cela e de fazer uma ideia direta daquilo que me era relata-do pelos graduados que supervisionavam as equipas de vigilantes. Em Versailles, havia seis graduados para cerca de quarenta vigilantes, que se rendiam noite e dia, sendo a equipa da noite mais reduzida. Pedia--se-lhes que estivessem vigilantes, atentos às alterações de comporta-mento das detidas e que fizessem frequentes rondas noturnas. Durante os

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seis primeiros meses, os aspetos logísticos absorveram-me e a chegada de Léa passou-me desapercebida.

As principais funções de um diretor prisional não se relacionam com aspetos pessoais, pelo menos em relação aos detidos, mas sim administrativos, o que infelizmente dá origem a que alguns diretores esqueçam que têm seres humanos a seu cargo e pessoas a reinserir e a reabilitar a maior parte do tempo. Tudo o que diz respeito à saúde e à situação psicológica de um detido está a cargo da UCSA (Unidade de Consultas e de Cuidados Ambulatórios), uma extensão dos hospitais públicos. Esta Unidade fornece os médicos, os psicólogos, os psiquia-tras, os ginecologistas, os dentistas e outros especialistas.

Em contrapartida, tudo o mais incumbe ao diretor, a começar pela gestão dos recursos humanos: é necessário estabelecer planos de vigilância, compreender os desejos e aspirações de todos, dirimir suscetibilidades e igualmente fazer prevalecer a disciplina, porque não se pode ser responsável sem se ser eficaz. Este aspeto do trabalho assemelha-se um pouco ao de um reitor de liceu. Outros, fazem mais pensar em um diretor de empresa: em Versailles eu geria um orçamen-to anual de aproximadamente setecentos mil euros, o que implica op-ções e planificações relativamente à estrutura, aos andares, ao aqueci-mento, à alimentação, à segurança contra incêndios e, bem entendido, à própria segurança.

Diversos tipos de ameaças pairam sobre a cabeça de um diretor de estabelecimento: os incidentes graves (fogo, tomada de reféns, amoti-nações, agressões ao pessoal), os suicídios e as evasões. O amor não faz parte dos riscos da profissão: penso que a minha história é única nos anais da vida prisional, se não teria chegado ao meu conhecimen-to – e estou certo de que não teria acreditado. No meio prisional, a nossa cabeça está longe da esfera afetiva: deixamos os assuntos do-mésticos à entrada da prisão e os da prisão à entrada de casa. Durante vinte anos, vivi assim, como todos os outros.

Quando Léa chegou, a sua ficha foi parar ao meu gabinete, como é costume, acompanhada do respetivo processo, um espesso volume de várias centenas de páginas, o que nem sempre é vulgar. O processo foi, em seguida, cuidadosamente organizado, visto que acompanha a detida nas suas encarcerações sucessivas, mas não é destinado a uma leitura aprofundada. Lancei um olhar superficial, para não dizer

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descuidado, sobre a ficha, que contém a informação estritamente ne-cessária.

Em primeiro lugar, li a proveniência da recém-chegada: Fleury--Mérogis. Em Versailles, oito em cada dez mulheres vinham direta-mente da liberdade, visto tratar-se de uma casa de detenção, ou seja um local onde se “permanece” desde a prisão preventiva, até ao julgamen-to. O motivo da transferência nada tinha que atraísse a minha atenção: “maior proximidade familiar”. Com efeito, a mãe de Léa habitava em Seine-Saint-Denis, e os transportes públicos para Versailles eram mais práticos, embora a distância continuasse a ser considerável. Depois, soube que a mãe era a sua única ligação ao mundo, além de uma irmã deficiente. Nem pai, nem família em França, nem verdadeiros amigos, tendo em conta a sua juventude à data em que fora detida. A mãe vinha regularmente visitá-la três vezes por semana. Algumas linhas da ru-brica “personalidade” foram o único aspeto em que me detive. Como todo o diretor, estava atento aos detidos psicologicamente instáveis, com risco de suicídio, de conflituar com outros ou de criar confusão. A personalidade de Léa não apresentava qualquer indício de violência, mas estava registado: “Risco de suicídio. Duas tentativas, por ingestão de medicamentos.” Era uma informação que eu devia transmitir aos graduados. Todavia, esta informação não bastava para transformar Léa num caso à parte: um bom número de mulheres toma regular-mente medicamentos para pôr termo à vida ou, pelo menos, para irem parar dois dias à agitação do hospital, longe da monotonia quotidiana. A quase totalidade dos suicídios bem-sucedidos, na prisão, é por en-forcamento. Os medicamentos revelam o desejo de acabar com a vida sem, contudo, ter a coragem de ir até ao fim. São também o desejo, mais ou menos inconsciente, de exprimir publicamente o mal-estar. A detenção desta jovem nada tinha de especial, ainda que merecesse toda a minha atenção.

A chegada de Léa não perturbaria a vida do estabelecimento, como poderia ser o caso de uma detida que apresentasse risco de evasão. Não era uma DSP (Detida Particularmente Assinalada), ao contrário da “minha” militante basca, membro da ETA que, aos vinte seis anos, “teria” – ela ainda não foi julgada – abatido a sangue frio dois polícias à civil, de vinte cinco anos, quando saíam tranquilamente de um café de aldeia e cuja única culpa foi a de personificarem o “inimigo”. A estes detidos presta-se uma atenção muito especial. Entre eles, não se conta

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mais de uma dezena de mulheres, em França. Da parte delas pode-se esperar tudo: tomada de reféns, operações de comandos em helicóp-tero, violência em relação a outros detidos, ao pessoal ou sobre elas mesmas, greves de fome por qualquer reivindicação. Esta jovem era, por seu lado, uma especialista em explosivos. Trata-se de detidos que colocamos de preferência sozinhos nas celas: não por dever, mas por precaução elementar.

Eu tinha o hábito, como qualquer diretor que deseja fazer reinar a paz, de favorecer as aproximações, nas celas, de mulheres “compa-tíveis”. Na época em que trabalhei na Santé, as zonas prisionais eram oficialmente étnicas: havia a zona africana, a zona magrebina, etc. Em Versailles, agrupei de preferência, numa das seis celas de seis detidas, as mulheres de origem africana. Deste modo, antecipava-me às suas pretensões. Elas preferiam encontrar-se entre si e tinham exigências de intimidade diferentes das de outras detidas provenientes de outras tradições culturais, ainda que não se deva generalizar, porque existem sempre exceções. Na maior parte das vezes, as mulheres chegavam sozinhas, mas outras eram trazidas em “lotes”, como as romenas, pre-sas em simultâneo enquanto se dedicavam a latrocínios. Léa, sendo de origem iraniana, mas sem uma vincada dependência cultural ou religiosa, foi instalada numa das vinte celas de duas detidas de que eu dispunha, sem qualquer recomendação específica, a cargo do gradua-do responsável.

Uma única coisa, na ficha de Léa, atraiu por um instante a minha atenção “Mediática: caso Fofana”, dado que, na maior parte dos casos, as fichas não mencionam mais do que o tipo de acusação: delito, cri-me, etc. Mas os factos pelos quais Léa se encontrava presa nada tinham que ver com as tarefas inerentes ao exercício das minhas funções. É uma postura que depressa devemos assumir, em todas as circunstân-cias, sob pena de sermos incapazes de desempenhar o nosso trabalho. A menção “mediática” implicava o fornecimento de informações re-gulares à Direção inter-regional. Em Versailles havia quatro ou cinco detidas nesta situação.

Foi aos vinte e dois anos, quando eu era um simples vigilante, que me encontrei pela primeira vez perante um violador. Não cessava de olhar para este homem dizendo para mim mesmo: “Não posso estar ao serviço de um tipo que fez tal coisa! Como pode este homem, que tem um ar tão normal a avaliar pelos nossos contactos, praticar um

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ato tão ignóbil? E vou ter que estar ao seu serviço tanto tempo?” Com efeito, é esta a verdade que me fez merecer o olhar de soslaio do pessoal sindicalizado, quando me encontrei na pele de um diretor de prisão: quer queiramos quer não, o pessoal penitenciário está ao serviço dos detidos. É mesmo a sua missão quotidiana: alimentá-los, protegê-los, tratá-los o melhor possível e, até, dar-lhes energia e confiança em si próprios para que possam inserir-se após a libertação. Foi com esse violador que adotei, de uma vez por todas, a postura adequada, a única possível: ninguém nos pede que gostemos dos detidos, ainda menos que os julguemos, mas que os ajudemos a cumprir as suas penas. A partir dessa altura, nunca mais me importei com o motivo da deten-ção, que tinha que ver com o passado, porque a minha única preocu-pação deveria situar-se no presente, nas condições da detenção, pres-suposto de um regresso ao exterior, sem crime nem delito.

Como qualquer outra pessoa, tinha ouvido falar do caso Fofana, conhecido também por “gang dos bárbaros” ou “caso Ilan Halimi”, as-sim se chamava a vítima, mas não me interessara muito, porque não dedicava grande atenção aos acontecimentos do quotidiano. Quando regressava a casa preferia interessar-me pelo mundo da arte, sem dú-vida por necessidade de evasão. Sabia que se tratara de um crime hor-rível, mas Fofana não era meu detido e, no decurso da minha carreira, estive junto de violadores de crianças, de degoladores de mulheres e de autores de atos de barbárie de todos os géneros. Recordava-me de uma jovem que tinha servido de isco para o rapto de um jovem de dezanove anos, rapto que se transformara em calvário, e em que a vítima acaba-ra por ser morta, na sequência das torturas a que fora submetida.

Eis, então, quem era esta nova detida, cuja ficha se encontrava diante dos meus olhos, e, segundo o meu hábito, não foi no “seu caso” que pensei, mas no destino trágico que me passava pelas mãos: “Nas-cida em 1988”! Em 2007, 1988, era ontem… Dezanove anos de exis-tência, dos quais dezanove meses já atrás das grades e muitos mais se lhe seguiriam, sem qualquer dúvida… A data do seu primeiro julga-mento não estava ainda marcada, coisa habitual nos processos cuja instrução é demorada e em que os factos são suficientemente graves para justificar a prisão preventiva imediata. Embora correndo o risco de surpreender aqueles que não conhecem bem a população prisional, Léa não era “um caso”, e não tinha qualquer motivo para a contactar, ao contrário da detida basca, a que já me referi. Léa era uma das setenta a

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oitenta detidas, na casa de detenção de mulheres de Versailles, às quais se adicionava a centena de detidos homens em semiliberdade, que sa-íam para trabalhar durante o dia, mas que tinham o cuidado de re-gressar ao fim do dia, com medo de voltar à prisão efetiva. Arquivei a ficha e não pensei mais nela. As nossas vidas prosseguiram, paralelas e alheias uma à outra, até ao fim do ano de 2008, decorrendo ainda mais um ano, até que a nossa relação mudasse de natureza.

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Durante quase dois anos e meio, a vida prisional de Léa foi igual à de qualquer outra detida. O meu gabinete situava-se à entrada da

prisão, ao lado do pátio de entrada dos veículos celulares que trans-portavam os detidos e por isso estava a maior parte do tempo longe do piso das mulheres. Por detrás do pátio situava-se a ala dos homens em semiliberdade, a seguir o local das visitas, próximo do pequeno espa-ço desportivo, um pouco mais afastado, o setor das mulheres e, ainda mais além, o recinto de recreio. O conjunto era circundado por um tri-lho de ronda que os vigilantes percorriam a intervalos regulares, para verificarem se tudo estava normal e não se preparava qualquer evasão. A prisão de Versailles fica em pleno centro da cidade e a entrada situa--se do lado da avenida de Paris, uma das artérias principais. As celas do andar das mulheres dão para trás, com vista, quer para os edifí-cios administrativos, quer para um belo jardim privado, onde se ergue um grande cedro. A cela que Léa ocupou, ao tempo da nossa história, a cela número trinta, onde tantas vezes a imaginei em pensamento, dava para esse jardim.

Léa veio no âmbito de uma transferência, acompanhada de quatro ou cinco caixas que continham a totalidade dos seus bens: roupa, arti-gos de maquilhagem, alguns CD e DVD. Em geral, existe em cada cela uma detida que possui um leitor de CD ou de DVD, à exceção dos computadores (que são autorizados, mas não os Wi-Fi). Léa possuía

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também alguns livros e cadernos. Tinha sido presa quando frequenta-va o ensino secundário e, entretanto, procurava, sem grande convic-ção, obter um diploma que lhe permitiria prosseguir estudos sem fazer o bacharelato, o DEUA (diploma de acesso aos estudos universitários). Não tinha grande simpatia pelas tarefas escolares, mas tentava aplicar--se para agradar à mãe, em relação à qual se sentia altamente culpada. A sua esperança era ínfima. Léa era tímida, e não deixava transparecer os seus estados de alma, talvez, em parte, para não revelar o fundo de tristeza que nela habitava, soltando por vezes um “Oh, de qualquer modo…”, sem concluir a frase ou fazia gestos cansados para explicar que nunca poderia reparar os danos do passado, tanto em relação à sua própria mãe, com no tocante à família da vítima.

Ao descer do carro prisional, Léa seguiu o trajeto habitual dos de-tidos: retirada das algemas, revista, entrega dos objetos pessoais para verificação, escolha do que poderia levar para a cela, dado que os deti-dos não são autorizados a ter consigo a totalidade dos seus pertences, nomeadamente a roupa. As mulheres, em especial, acontece pedirem inutilmente, durante meses e estações do ano, que se lhes entregue um determinado vestuário em substituição de outro. Tudo isto tem como finalidade facilitar as inspeções e revistas, para evitar o disfarce de tele-móveis. De seguida, Léa recebeu o seu equipamento, constituído por um cobertor, lençóis, o material de toilette necessário incluindo pasta dentífrica, escovas de dentes, pensos, papel higiénico, toalha-esponja. Depois, deu entrada numa das celas de dois lugares, em companhia de uma jovem que não conhecia até então. Mas, já com dezanove meses de detenção em Fleury-Mérogis no seu currículo, tinha-se habituado à coabitação a dois num espaço de nove metros quadrados.

As celas de dois lugares eram dotadas de duas camas sobrepos-tas, um lavatório, retretes e um televisor colocado sobre uma prate-leira, num dos ângulos. Com o decurso do tempo, introduzi alguns melhoramentos que me pareceram dever facilitar o quotidiano, tanto das mulheres como do pessoal: uma chaleira, uma conexão com a te-levisão digital terrestre, um pequeno frigorífico, um forno de micro--ondas e um chuveiro para evitar as deslocações, que podem dar ori-gem a problemas e mobilizam vários vigilantes. Os acontecimentos não permitiram que tivesse tempo para concluir a remodelação das celas, com a pintura das paredes a branco e a colocação de um reves-timento em parquet, cujo efeito é mais acolhedor que o das clássicas

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paredes e placa de betão. A “minha” prisão era de algum modo um estabelecimento modelo, ao ponto de ter merecido receber, em junho de 2010, sete meses antes da minha expulsão como um pária, a visi-ta da Guarda dos Selos, Michèle Alliot-Marie. Mesmo para quem não corre atrás de honrarias, tal facto faz parte de momentos significativos e é um motivo de orgulho, sobretudo quando uma pessoa se encontra pouco depois no fundo do buraco e se questiona sobre se isso está a acontecer no decurso da mesma vida…

Como já disse, as celas dispunham de um frigorífico com um pe-queno congelador, a fim de melhorar a vida das mulheres, que podiam comer naquele local. Léa trabalhava bastante depressa e ganhava cerca de trezentos euros por mês. Em Fleury, recebera formação em pintu-ra, que lhe tinha permitido obter um diploma e frequentaria outras formações em Versailles, uma das quais lhe conferiria um diploma em costura. Mas, tal como as outras detidas, ela preferia trabalhar, mes-mo com a baixa retribuição em vigor, de cerca de três euros por hora. Havia ali oficinas de confeção, de acondicionamento e de embalagem. Léa esforçava-se por ser o menos pesada possível no orçamento da mãe, que era auxiliar de saúde e tinha já a cargo a sua irmã Lucie, de-ficiente, de vinte e quatro anos de idade, e que não podia contar com qualquer outra pessoa. Léa fazia o possível por lhe enviar setenta ou oitenta euros todos os meses.

O despertar tinha lugar às sete horas da manhã: os vigilantes co-meçavam por entrar nas celas, a fim de verificar se a noite tinha sido bem passada. As bandejas com os pequenos-almoços eram em segui-da distribuídas, com as saquetas de café liofilizado, de chocolate ou de chá e pão com manteiga, mas fruta fresca ou sumo de fruta eram por conta das detidas. O pequeno pecado de Léa, a sua “grande” despesa, eram os chocolates e os doces, mas tentava controlar-se para manter a linha. Todas as refeições eram servidas nas celas. À refeição havia mui-to frequentemente queijo de barrar e bifes fritos, por evidentes razões orçamentais, o que não correspondia às diretivas oficiais em matéria dietética, mas permitia evitar motins… Era difícil manter mulheres aprisionadas, com prazeres tão limitados, e alimentá-las a saladas verdes!

As refeições eram transportadas sobre carrinhos, em grandes pra-tos de alumínio. A vigilante abria a porta de cada uma das celas e as detidas, incumbidas da distribuição, serviam cada prato. Quando me

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deslocava à cozinha, levantava sempre as coberturas para ver o que sobrava. Não havia restaurante de luxo, mas eu fazia o possível para que fosse satisfatório, multiplicando os dias de fritos por exemplo, que eram sempre muito apreciados. As mulheres aumentavam frequente-mente de peso durante a detenção, em consequência da compensação através da alimentação e da falta de exercício.

Os horários de livre circulação eram normalmente das oito às onze horas e das treze às dezassete e trinta, para uma detida que se organizasse de modo a aproveitar todas as oportunidades: biblioteca um dia em cada dois, passeio, curso, desporto, trabalho em oficina, limpezas, trabalho na cozinha (as refeições eram ali elaboradas na to-talidade), sala de visitas, atividades socioculturais. Léa não gostava de ficar fechada, ao contrário da minha detida basca, por exemplo, uma superdiplomada que ocupava todo o seu tempo a ler calhamaços, a escrever no seu computador ou a tomar notas. Não abusava dema-siado do desporto – de que não gostava muito – nem gostava muito das oficinas criativas, onde se aprendia a fazer sacos ou bijutarias. Era uma jovem como tantas outras da sua geração, mais interessada pelos DVD do que pela olaria. Gostava de se movimentar, servir as refeições, trabalhar na cozinha ou mesmo fazer limpezas; tudo servia desde que lhe proporcionasse atividade.

A sua única visita, durante quarenta e cinco minutos, três vezes por semana, era a mãe, que por vezes vinha acompanhada da outra filha mais velha. Lucie era um verdadeiro apoio para Léa. Embora fos-se diminuída, era afetuosa e tinha sempre palavras gentis para a irmã mais nova. Para Léa, como para todas as detidas, as visitas eram o momento mais importante. Cada detida pode ter várias dezenas de visitantes munidos de autorização, alguns dos quais só vêm uma vez por ano ou menos. Todavia, o número de visitas é limitado a três por semana. Em contrapartida, outros, abandonados pela família e pelos amigos, nunca recebem visitas. Léa teve a sorte de a mãe nunca fa-lhar e, não obstante, esta gastava uma hora e meia para se deslocar de Aulnay-sous-Bois, onde vivia, até Versailles, o que constituía um ver-dadeiro sacrifício. Conheci-a, a partir da altura em que ficou ao cor-rente da nossa história. Era dotada de uma grande gentileza… talvez excessiva e com tendência depressiva, o que se compreende ao pensar-mos no que ela sofria, mas nunca teve a autoridade e a força que teria sido necessária. Tinha uma confiança absoluta nos que a rodeavam,

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incluindo a filha adolescente, e esse facto provavelmente impediu-a de se aperceber de importantes sinais alarmantes em relação a Léa. En-golira muitas amarguras e muitas mentiras. Imagino que se culpabili-zava, como todas as mães, pensando no que deveria ter feito ou dito. Logo que a nossa história de amor se tornou pública e assumiu um contorno judiciário, a mãe de Léa não se deu conta das consequências dramáticas que poderiam resultar de algumas das suas declarações. Queria acertar… mas nem sempre foi o caso.

Os principais entretenimentos e alegrias de Léa eram os próprios da sua idade: muita televisão, com predileção pelos programas sobre a vida real. Como acontece com todos os apaixonados, passei a ver os mesmos programas para me sentir próximo dela e, em seguida, trocá-vamos as nossas opiniões, com algum constrangimento meu e muito entusiasmo da parte dela. O seu lado juvenil enternecia-me. Devorava filmes sentimentais, com universos e um romantismo que a condu-ziam muito longe daquilo que tinha vivido. Neste ponto estávamos de acordo. Fui sempre um sentimental, dependente dos símbolos, das promessas, incapaz aos quinze anos de deitar fora um copo de refri-gerante oferecido pela minha namorada, e recordando fielmente pa-lavras pronunciadas há meses ou anos. Ainda hoje, a recordação de frases de Léa permanece viva e faz-me por vezes sorrir durante o dia. Ela seguia, sem nada perder, o folhetim A vida é mais bela, gostava dos filmes iranianos que lhe recordavam a infância, muito antes do infer-no em que agora vivia e, de um modo geral, sonhava com tudo o que existia antes do seu drama. Para o futuro, sonhava com o Canadá ou a Austrália, os grandes espaços, longe desta França que a tinha visto cair em desgraça. Quando nos aproximámos, estava a dois anos de distância da liberdade condicional, tendo em conta a longa duração da sua prisão preventiva. Recusava concentrar-se no presente ou cho-rar sobre o passado e projetava-se para além das paredes da prisão, como o fazem todos aqueles que desejam acima de tudo sobreviver.

A paixão de Léa, que contribuiu para a teia que a envolveu, era a moda. As detidas, sobretudo as mais novas, cuidam a sério da sua aparência, porque isso é essencial para a respetiva autoestima, para não desanimarem, e ainda mais porque isso ajuda a passar o tempo.As jovens depilavam as sobrancelhas, dispensavam cuidados de beleza umas às outras, desfrisavam os cabelos, o que era grande moda em Ver-sailles onde eram permitidos pequenos aparelhos electrodomésticos.

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As revistas femininas, que a biblioteca assinava, tinham mais sucesso do que os livros. Léa tinha um verdadeiro problema com a sedução. Sem que tivesse disso plena consciência, sem dúvida porque a mãe nunca tinha sido suficientemente firme com ela sobre este assunto e por falta de supervisão paterna, usava roupas que destacavam a sua feminilidade, sem imaginar o impacto que provocavam e, sobretudo, sem ter em conta o contexto. Mesmo envergando uma simples t-shirt, as suas formas generosas atraíam as atenções. Pode pensar-se que se armava em ingénua, que se tratava de manipulações estudadas de uma sedutora hábil, mas não creio que fosse o caso. A prová-lo, baseio--me no seu comportamento quando a polícia a foi buscar a casa, na madrugada de 28 de Fevereiro de 2006, após o drama que originou a sua detenção. Quando os polícias lhe ordenaram que se vestisse e os acompanhasse, ela não encontrou nada mais apropriado do que vestir as calças mais coleantes que é possível imaginar e umas botas altas brancas. Achava, sem dúvida, que era “bonito” ou que se sentia bem “dentro”. De igual modo, no julgamento, trajava um vestido de cores garridas e o seu advogado comentou-lhe, sem meias-medidas: “Tu não podes estar dessa maneira, vestida como uma puta!” (Foi a própria mãe que me contou este episódio, mais tarde). Léa deve ter achado que era uma boa ideia estar a seu gosto, sem lhe ocorrer que uma pessoa não se veste para um julgamento como para ir a uma boîte! Gostava de coisas brilhantes, de calças com a cintura descaída, de vestidinhos de verão e nunca usava a mesma roupa e o mesmo penteado dois dias se-guidos. Léa ficou profundamente ofendida com o comentário do seu advogado, vexada por ter feito esforços inúteis e, sobretudo, por ter sido insultada, quando só desejava redimir-se. Por várias vezes, tentei ter uma conversa a este respeito com ela, e acabávamos sempre por discutir, porque só conseguia ver ciúmes da minha parte, quando lhe dizia isto para seu bem, ou seja para lhe dar a educação que lhe tinha faltado. A mãe deve ter-lhe feito algumas observações, mas tão suaves que não chegaram a produzir efeito. Quando aprendi a conhecê-la e abordámos este assunto, a mãe afirmou, com um ar impotente: “Sabe, Léa, não se apercebe…”

Léa nunca foi uma detida problemática, como aquelas que provo-cam incidentes. Tinha o seu temperamento, sem dúvida, e acessos de cólera, compreensíveis da parte de quem é forçado a suportar a promis-cuidade da vida numa cela, onde todas as emoções são multiplicadas

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por dez. Um chocolate roubado desencadeia a guerra. Mais tarde, che-gou a dizer-me, a propósito de outra detida: “Vou cortar-lhe o pesco-ço!” ou algo semelhante. Contudo, era uma pessoa sociável, que tinha a capacidade de se fazer estimar, quer pelas outras detidas quer pelo pessoal, porque era sorridente e generosa. Quando ainda em liberda-de, até aos dezassete anos, tinha sido sempre calma, sem ser doidiva-nas com os rapazes e até muito crítica, em relação às raparigas que se mostravam fáceis. Isso provinha, em parte, das suas convicções reli-giosas, mas não só. Léa era muçulmana e tinha fé, mas uma fé infantil, sem qualquer perspetiva radical. Acredito que a sua ambição era ser “uma menina de bem”, sonho que ela própria tinha destruído. Nunca tinha sido de farras, nem se tinha drogado, nem consumido bebidas alcoólicas, saindo menos do que a maioria das raparigas da sua idade. Na cela, tagarelava com a sua companheira, fumava de longe em longe um cigarro e comia lentamente enquanto via televisão, permanente-mente ligada. A maneira como empregava o tempo era semelhante à da maior parte das minhas “pensionistas”. O verdadeiro problema de Léa era de natureza interior, escondido, o seu imenso desejo de ser amada. E foi esta fraqueza comovente, tão distinta da sua aparência, que me impressionou e seduziu.

Durante este tempo, a minha vida decorria no outro extremo da prisão, onde chegava todas as manhãs cerca das nove horas. O Cen-tro de Detenção de Versailles situava-se a dez minutos de minha casa utilizando uma motorizada. Habitava com a minha companheira e mãe da minha filha e, durante os primeiros meses, chegava tarde a casa, um belo apartamento atribuído pelo Estado, de cem metros quadrados, com revestimento de madeira, caixilharia e soalho tipo Versailles. Tinha-me proposto mudar um certo número de coisas na prisão e havia ali que fazer. Versailles constitui conjuntamente com Rennes, Fleury-Mérogis e Fresnes, uma das raras prisões de mulhe-res em França. O trabalho nunca ocupou a totalidade do meu tempo, mas quando levo uma tarefa a peito, no caso concreto um posto que muitos teriam invejado, alcançado com a idade de trinta e sete anos, sou capaz de despender uma energia enorme durante doze horas por dia. O meu gabinete, de uma vintena de metros quadrados, sem beleza, tinha paredes amarelas e chão de azulejos brancos. As jane-las davam para os plátanos da avenida de Paris. Apenas continha o

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mobiliário administrativo essencial e prateleiras, sobre as quais ti-nha colocado algumas estatuetas, sem perder tempo a decorá-lo.

Dispunha de uma secretária eficaz, que trabalhava no gabinete ao lado, e que representava um verdadeiro apoio. Comecei a respirar fundo, em finais de 2008, quando nomeei para essa função uma vigi-lante, Sandra, responsável pelas detidas, transformando-a na minha principal colaboradora. Censuraram-me por a ter escolhido, dado que não era efetiva e não tinha as qualificações oficialmente exigidas, mas era legal, e sobretudo legítimo, porque possuía um verdadeiro talento de organizadora. O seu trabalho e a sua colaboração foram decisivos em todas as transformações que levei a cabo no interior do estabele-cimento.

Esforçava-me por regressar a casa, o mais frequentemente possí-vel ao meio-dia, para arejar um pouco. Por vezes, almoçava num café vizinho, em companhia de um colega, graduado ou não, o que era bas-tante raro, salvo com Sandra, com a qual criei, pouco a pouco, laços de amizade. Levava a vida tranquila de um funcionário sem história. Se ocorria os diretores de prisão receberem ministros, não passava o tempo a jantar com eles em restaurantes de luxo; pelo contrário, a prática corrente consiste de preferência em solucionar os problemas que se suscitam, entre as paredes do estabelecimento que nos está confiado.

Para além do funcionamento quotidiano da prisão, os aspetos ad-ministrativos eram bastante pesados, ainda que eu tivesse a noção das prioridades, ou seja do tratamento circunstanciado das diretivas que recebia. Quando, por exemplo, chegava uma ordem vinda “de cima” – quer dizer, da Direção inter-regional dos serviços prisionais ou seja, do ministério – que eu considerava um tanto estúpida, em lugar de agir imediatamente, aguardava pela contraordem, que sempre acaba-va por se lhe seguir, logo que uma autoridade experiente topasse com um mail ou uma circular, congeminados por um funcionário no isola-mento do seu gabinete. Eu também era funcionário, mas pragmático e realista.

No decurso da minha carreira vi de tudo, no domínio do absur-do. Por exemplo, na sequência de uma evasão em helicóptero, todos os diretores receberam ordem para colocar um toldo no telhado da sua prisão a fim de assinalar que era interdito sobrevoar aquela zona. Que melhor indicação haveria para os bandidos, de que estavam no

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lugar certo, caso tivessem alguma dúvida? Creio que a medida chegou a ser executada em alguns estabelecimentos, antes de ser abandonada. Uma outra vez, anunciaram-nos que todos os veículos prisionais de-veriam exibir de lado a insígnia da administração penitenciária – uma balança e uma estrela. Nada melhor para ser apedrejado nas cidades! Isto chegou a ser feito em boa parte do parque automóvel, mas o bom senso acabou por prevalecer e a outra parte continuou inidentifica-da. Depois de uma evasão, num dia de nevoeiro, recebemos um painel para ser instalado no pátio de recreio, uma espécie de “barómetro de nevoeiro”, que devia permitir-nos interditar o recreio, caso não conse-guíssemos distinguir aquele acessório. O problema é que em Versailles o pátio de recreio media quinze metros por dez… Do mesmo modo tínhamos ordem de proibir o vestuário com capuchos, que torna di-fícil a identificação dos detidos em caso de desordem. Mas em Ver-sailles, só havia mulheres, uma vintena por cada saída, todas facilmen-te identificáveis, o que quer que acontecesse. Nada que se comparasse com os cem ou duzentos malfeitores que se acotovelam em cada um dos imensos pátios de Fleury.

Em vinte anos de carreira recebi um certo número de instruções deste tipo, de acordo com o princípio: “A cada incidente deve seguir-se uma medida”. Foi assim que, após a vaga de calor de 2003, deparámos todos os anos com um plano anticanícula que era necessário aplicar, mesmo nos verões frescos, com distribuição de vaporizadores, venti-ladores e garrafas de água. O princípio da precaução justifica-se, mas esta atitude conduz por vezes ao desperdício de tempo e de dinheiro. Regra geral, as diretivas são destinadas aos grandes estabelecimentos. A maior parte dos autores destas instruções nunca trabalhou numa pequena estrutura. É provável que alguns deles ignorem a existência destas últimas. Isso explica em parte, sem dúvida, a falta de senso de certas medidas.

A aplicação da nova lei penitenciária, entrada em vigor em 2009 exigiu também bastante trabalho. Fui mesmo convocado oficialmente ao Palais-Bourbon, para ali ser ouvido sobre as melhorias necessárias na situação das detidas, tais como a necessidade de uma maior con-vivência entre elas e com o pessoal. Durante todo o período de ela-boração da lei, pelos deputados ávidos de informações, os diretores foram inundados de pedidos de relatórios de atividade, tanto acerca de questões essenciais como o número de detidos por cela, como sobre

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estatísticas de interesse variável, como por exemplo uma análise do absentismo dos vigilantes de acordo com a estação do ano e a idade dos interessados, ou, ainda mais patusco, um estudo comparativo da preferência dos detidos pela chicória cultivada no estabelecimento em relação à chicória Leroux!

Ao chegar, pela manhã, tinha já tomado conhecimento da centena de mails que chegavam diariamente, nem todos importantes, mas que era necessário ler e aos quais frequentemente devia dar resposta. Ti-nha um telefone portátil de serviço ligado vinte e quatro horas por dia e recebia em casa o correio eletrónico, dava-lhe uma olhadela sobretu-do para tranquilidade de consciência, mas só respondia de minha casa quando era absolutamente necessário. Os problemas complexos eram resolvidos no gabinete, onde passava a maior parte do tempo. Havia que despachar o correio, como é evidente, e os visitantes semanais, ge-ralmente em número de três ou quatro. A sobrepopulação não cons-tituía verdadeiramente uma preocupação em Versailles, porque exis-tiam suficientes vagas em Fresnes para acolher o excesso de detidas. De manhã, também fazia o ponto de situação com os graduados, que me informavam acerca dos acontecimentos da noite, caso tivessem ocorrido, e se algumas detidas inspiravam preocupação. Contactava também, com regularidade, cada um dos setenta membros do pessoal, quase exclusivamente feminino, como é a regra nas prisões de mulhe-res, onde só os graduados são homens. Por vezes, recebia a visita de profissionais, no ativo ou em formação, formandos de magistratura, advogados ou funcionários do ministério da Justiça ou da penitenciá-ria. Não recebia no meu gabinete as detidas ou os respetivos familia-res, à exceção destes últimos em caso de problema particular, porque entendia que não era psicólogo nem assistente social a tempo inteiro.

Com o decurso do tempo, empreendi importantes trabalhos de reorganização, suprimindo nomeadamente as celas de seis para as transformar em celas de quatro. As solicitações de propostas, de orça-mentos, de projetos de reestruturação, tudo fazia parte do meu traba-lho, e era o que mais me agradava, porque os resultados eram concre-tos, visíveis, e os benefícios para todos tornavam-se evidentes. Preferia mil vezes isto, à papelada.

Também negociei um acordo com o grupo Auchan, para que o conjunto do seu catálogo fosse posto à disposição das detidas, o que nos libertava do incómodo de gerir as existências de produtos revendidos

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em seguida às detidas. Graças a este acordo, elas podiam escolher o que desejavam para os seus consumos quotidianos, e extras como o famoso ferro para o cabelo, fator de paz e de fraternidade entre as mu-lheres e ainda outros pequenos aparelhos eletrodomésticos. Como é evidente, elas não tinham direito a tudo, nomeadamente aos objetos que podiam apresentar risco mesmo indireto para a segurança, como os aerossóis de laca para o cabelo, porque continham propano e po-diam transformar-se em lança-chamas mediante um simples isqueiro, do mesmo modo que o álcool, como é evidente. Na maior parte das vezes, as detidas adquiriam produtos de beleza e guloseimas, gelados ou pequenas pizas congeladas, que conservavam no congelador. A Auchan reservava-nos também produtos cujo prazo de validade esta-va próximo de expirar, o que por vezes dava lugar a festins improvisa-dos, como foi o caso do dia em que cada uma das detidas teve direito a várias fatias de salmão fumado, de um lote que era necessário consu-mir dentro de pouco tempo.

A minha preocupação era manter boas relações com toda a gente. A maior parte do pessoal habituou-se depressa à minha franqueza. Sempre tive dificuldade em mentir, em dissimular os meus sentimen-tos ou em esconder o que penso. O meu comportamento, em relação à hierarquia, não era diferente e não hesitava em defender os meus pontos de vista com firmeza. Este facto não me foi muito favorável quando fui preso e na fase seguinte, mas não podia deixar de ser assim, tanto por razões de moral pessoal, como por não gostar de rodeios inúteis ou de escamotear as coisas. Entendia-me bem com os sindica-tos, nomeadamente com o respetivo representante, o vigilante M., que desempenhou mais tarde um papel essencial na minha história com Léa. Só menti ao pessoal sobre um único assunto, Léa, mas muito mais tarde, e sobretudo a Sandra, a minha colaboradora que tanto estimava, no dia em que me disse, um tanto enleada: “Sabes, contam-se coisas, a teu respeito e de Léa…” Como a conhecia bem, brinquei. Lembro-me de lhe ter respondido: “Não podemos impedir que as pessoas digam o que lhes apetecer…” A mentira era contrária à minha natureza, mas se lhe tivesse dito a verdade tê-la-ia colocado numa situação insusten-tável.

Em vez de me ensimesmar no meu trabalho, com a cabeça mer-gulhada nos processos, dirigia-me o mais frequentemente possível à zona de detenção, nomeadamente à biblioteca, porque sempre quis

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ser um diretor acessível e não alguém que se isola numa torre de marfim. Muitas detidas estavam ali há bastante tempo, pelo que tive oportunidade de as conhecer e de voltar a vê-las e trocávamos sempre algumas palavras, nos corredores ou na cozinha. As suas numerosas críticas eram feitas de preferência às vigilantes, que elas viam diaria-mente, mas eu era aquele a quem se podia dizer: “Está frio, senhor di-retor, estamos no Outubro, aqui…” Não fazia verdadeiramente frio, mas a temperatura era um assunto corrente. Um outro tema habitu-al era a alimentação. “Não estava bom”; ou se estava bom: “Nunca é suficiente”. Havia ainda as visitas recusadas, os objetos interditos. Em geral, evitava revogar as decisões tomadas pelos vigilantes ou pelos graduados, em parte porque não queria abrir uma porta à insubordi-nação, mas sobretudo porque tinha uma boa equipa, cujas decisões eram geralmente justificadas.

As cozinhas eram um bom posto de observação. Falava com as detidas, vigiava a higiene dando uma olhadela aos frigoríficos, prova-va a comida e fingia que não via quando fumavam às janelas. Logo que chegava, havia ainda volutas de fumo no ar e persistiam alguns sinais do medo gerado pelo ruído dos meus passos de aproximação no corredor. Então, dizia com ar severo: “Sabem que é proibido fumar nas cozinhas, não é verdade?” As mulheres respondiam-me aflitas: “É verdaaade!” e o assunto era ultrapassado. Eu personificava a autori-dade, mas não era nem imbecil nem um bruto concentrado sobre os castigos, desde que se manifestasse uma vontade de proceder correta-mente. A margem de manobra das detidas fora das celas era mínima e não ia pô-las no segredo por terem aproveitado um momento de descontração para fumar um cigarro às escondidas.

Com as detidas, as relações podiam ser cordiais ao fim de meses ou, ainda mais, de anos, mas nunca amigáveis. Quando muito, tinha opor-tunidade de lhes fazer observações positivas, tais como: “Esse pentea-do fica-lhe bem!” – e as mais atrevidas respondiam-me: “Essa gravata é muito bonita!” Sem dúvida que me cruzei muitas vezes com Léa, antes de me ter chamado a atenção. Talvez me tenha até dirigido a palavra. Não senti qualquer emoção ou revelação quando os nossos olhares se cruzaram, porque me tinha habituado a conviver com todo o tipo de mulheres, novas ou velhas, bonitas ou feias, sem ver nelas mais do que simples detidas. Da mesma forma que nunca tinha visto amigos entre os detidos homens, que anteriormente tivera à minha guarda.

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Toda a minha filosofia de trabalho foi ser sempre humano, mas nunca deixei de manter as distâncias. Não estava programado para que me acontecesse esta história incrível; em contrapartida, tinha che-gado a um momento da minha vida em que, sem dúvida, embora não tivesse consciência disso, tinha necessidade de que acontecesse qual-quer coisa, tanto no plano profissional como pessoal. Embora tudo corresse bem e não tivesse tendências autodestrutivas, nunca pude suportar a rotina.

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Eu não tinha o perfil típico de um diretor de estabelecimento pe-nitenciário, longe disso, e creio que se tivessem dito a alguns dos

meus professores que o jovem irreverente que atirava balões de água tinha seguido esta carreira, eles ficariam atónitos. É certo que não era o primeiro a contribuir para o bom ambiente das aulas ou a perturbar o decurso de uma experiência de química importante, pelo menos du-rante o ensino secundário. Não estava revoltado contra o mundo intei-ro, mas somente contra a dependência em relação aos meus pais, que não partilhavam dos meus centros de interesse e que, intimamente, não compreendiam bem o que eu pretendia ser. O meu pai, pedreiro de origem portuguesa, estava impregnado dos valores católicos, ainda que isso não se manifestasse necessariamente no plano religioso. Eu frequentava a escola privada católica, mas unicamente porque o seu nível de ensino era considerado de melhor qualidade. Os meus pais preocupavam-se com o facto de eu poder vir a ter um ofício melhor do que os deles, ainda que esse trampolim fosse dispendioso. Todavia, o meu pai tinha uma noção de ordem e de rigor que comprometia todo o diálogo, em particular acerca das coisas que mais me interessavam, as antiguidades ou a música clássica. A minha mãe, secretária, apaga-va-se à sombra dele e, como não tinha irmãos nem irmãs, levava uma existência solitária no meu quarto, entre o interesse pela arte, a pintu-ra e escultura, Gustav Mahler e a informática. Passava uma boa parte

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