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A revista da Força Aérea Brasileira Distribuição gratuita nº 230 - Abril/Maio/Junho 2011 Edição Histórica 80 Anos Correio Aéreo Nacional www.fab.mil.br

Aerovisão - A Revista oficial da Força Aérea Brasileira (Ed. 230)

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80 Anos - Correio Aéreo Nacional

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A revista da Força Aérea Brasileira

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nº 230 - Abril/Maio/Junho 2011

Edição Histórica

80 AnosCorreio Aéreo Nacional

www.fab.mil.br

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Rota do Tocantins 7

Aviões Históricos 10

Entrevista - Ensaio fotográfico 12

Segunda Guerra 18

Bandeirantes do Ar 22

Obras na Amazônia 38

Expedição por terra antecedeu a criação de uma das

mais importantes rotas do Correio Aéreo

Conheça melhor alguns dos aviões da Força Aérea que

fizeram a história do CAN

O fotógrafo que percorreu a histórica rota do Tocantins,

aberta em 1935 para reduzir distâncias

A experiência no Correio Aéreo foi decisiva para o su-

cesso dos pilotos brasileiros na Itália

A saga dos militares que abriram caminho para a in-

tegração nacional

Os investimentos que foram fundamentais para a

criação das rotas da região Norte

Campo dos Afonsos, Rio de Janeiro, 12 de junho de 1931

Os Tenentes Casimiro Montenegro e Nelson Freire Lavenère-Wanderley preparam-se para decolar. Saiba como começou o Correio Aéreo Nacional 4

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Carta aos leitores

O Tempo do CAN

Brig Ar Marcelo Kanitz DamascenoChefe do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica

Revista oficial da Força Aérea Brasileira, produzida pelo Centro de Comunicação Social da Aeronáutica (CECOMSAER). Circulação dirigida (no país e no exterior). Veja edição eletrônica: www.fab.mil.br

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA.

Redação, diagramação e administração:Divisão de Produção e Divulgação

Tiragem: 20.000 exemplares

Conselho Editorial: Brigadeiro do Ar Marcelo Kanitz Damasceno; Coronel João Tadeu Fiorentini, Coronel Sun Rei Von, Coronel Marcos da Costa Trindade, Coronel Henry Munhoz Wender, Tenente-Coronel José Aguinaldo de Moura, Tenente-Coronel Antonio Pereira da Silva Filho, Tenente-Coronel Alexandre Emílio Spengler, Tenente-Coronel Vandeilson de Oliveira e Major Alexandre Daniel Pinheiro da Silva

Chefe do CECOMSAER: Brigadeiro do Ar Marcelo Kanitz Damasceno

Chefe da Divisão de Produção e Divulgação: Tenente-Coronel Alexandre Emílio Spengler

Chefe da Agência Força Aérea: Major Alexandre Daniel Pinheiro da Silva

Editores: Tenente Luiz Claudio Ferreira e Tenente Alessandro Silva

Repórteres: Tenente Luiz Claudio Ferreira, Tenente Karina Ogo, Tenente Alessandro Silva, Tenente Flávio Hisakasu Nishimori e Tenente Carla Dieppe

Jornalista Responsável: Tenente Luiz Claudio Ferreira.Registro Profissional: MTB - 2758 - PE

Diagramação e arte gráfica: Tenente Alessandro Silva, Sargento Rafael da Costa Lopes, Cabo Lucas Maurício Alves Zigunow

Revisão: Suboficial Cláudio Bonfim Ramos

Os textos e fotograf ias são de exclus iva responsabilidade de seus autores. Estão autorizadas transcrições integrais ou parciais das matérias publicadas, desde que mencionada a fonte.

Comentários e sugestões de pauta sobre aviação militar devem ser enviados para:

Esplanada dos Ministérios - Bloco “M” - 7º andarCEP - 70045-900 - Brasília - DF

E-mail: [email protected]

Impressão: Gráfica, Editora e Papelaria Impressus Ltda ME - Formosa - GO

Prezados Leitores,

A imagem da capa, de autoria do fotógrafo Lalo de Almeida, mostra um Stearman sobrevoando o Rio de Janeiro, no livro “Nas Asas do Correio Aéreo Nacional”, feita em 2002. Saiba mais sobre a foto na página 12.

A celebração da história com o verbo no presente. Pode-se falar de 80 anos de uma trajetória, mas sem entender como “pôr-do-sol”. O Correio Aéreo Nacional encontra-se na alvorada. É o pleno amanhecer. Até porque nada fi ca para trás. Está tudo aqui, ao lado, a chamar, ao porvir, a nova decolagem, o novo atendimento, a história do que não passa. Permanece presente por entre fotos, fi lmes e memórias.

A missão aqui, nessas páginas, é de resgate. Busca e salvamento de informações que contam um pouquinho de Brasil. Ou muito de um país que se redescobre por entre distâncias continentais.

Quando elaboramos esta revista, lembramos de crianças que nasce-ram, do adulto que não tinha como atravessar com um barco ou andar por entre horas e árvores. Lembra-mos das dores que também fi cam. Porque é disto também que se faz nossa missão, do imponderável, da angústia e da vitória. Permanece, em cada missão, o espírito idealista de homens como Eduardo Gomes, Le-mos Cunha, Casimiro Montenegro, Nelson Lavenère-Wanderley, Lysias Rodrigues, entre outros, precursores do CAN, e que inspiraram as gera-ções seguintes a manter a rota.

Ao entrevistarmos quem escre-veu essa história, estamos refazendo o percurso. Como daquela carta que foi do Rio de Janeiro a São Paulo, em 1931. Como das inúmeras missões a comunidades isoladas à espera de socorro e cidadania. As aeronaves já encontram outros recursos, outro país, outros cenários. O Brasil é maior. Não na sua geografi a, mas na sua gente. As comunidades também cresceram e entenderam que a pista

dos aviões é como um rio, uma es-trada. A pista...o CAN a transformou em paisagem.

O tempo do CAN é presente, mas também de chuvas. Nuvens por entre morros. Tempestades de sentimentos. As tripulações fi cam no aguardo da próxima missão. Os profi ssionais de saúde também. Suas experiências são lições não apenas para seus colegas de Força Aérea. São aulas de brasilidade vestidas de farda. Em tempos de paz, militar luta sim pela defesa, integração e desenvolvimento de sua gente.

Nossos repórteres reencontraram os cenários e as lembranças do CAN de profi ssionais que viveram os pri-mórdios dessa jornada.

Nossa equipe também utiliza nas próximas páginas imagens guarda-das em nossos arquivos que redes-cobrimos. Fotos em preto e branco que nos fazem quase sentir o cheiro ou ouvir o som desses cenários.Aero-visão foi atrás dos personagens. São todos protagonistas. Neles, residem lembranças que ecoam até hoje. É exatamente assim. Tudo está diante de nós. Ainda bem que, a tempo, re-vivemos. É sempre tempo de reviver.

Boa leitura!

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Quem já passou pelo dilema de escolher a profi ssão sabe bem o quanto é difícil decidir. As dúvidas para o futuro profi ssional são tantas quanto as oportunidades oferecidas. Na hora da escolha, o segredo pode estar nas in-formações obtidas sobre as profi ssões de interesse. Pensando nisso, a Força Aérea realizou um trabalho inédito: a produção de um Guia de Profi ssões e de vídeos que ajudam a conhecer um pouco de todas as carreiras oferecidas pela instituição. O material está disponível no portal da FAB na internet (www.fab.mil.br) e no portal da FAB no YouTube (www.youtube.com/user/portalfab).

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A saga dos bandeirantes do Correio Aéreo Nacional

Rio de Janeiro, 12 de junho de 1931. Os Tenentes Casimiro

Montenegro Filho e Nelson Freire Lavenère-Wanderley, da Aviação Militar, decolam do Campo dos Afonsos para uma viagem histó-rica. A bordo de um avião Curtiss “Fledgling”, matrícula K-263, levam a primeira mala postal do Correio

Aéreo Militar (CAM) – duas cartas precisam chegar a São Paulo. Era a concretização do sonho de um gru-po de pilotos, liderados pelo então Major Eduardo Gomes.

Para entender o que isso signi-ficou à época, é necessário voltar no tempo para saber o que era voar nesse período. Os pilotos não tinham

os modernos equipamentos de navegação de hoje, voavam com as referências do solo e enfrentavam as variações meteorológicas, a falta de comunicação e as limitações de auto-nomia de combustível, entre outros problemas. Também viajavam bem perto dos obstáculos naturais contra os quais poderiam colidir.

O vento forte atrasou a primeira viagem em quase duas horas; pilotos tiveram de improvisar o pouso em São Paulo e entregar as cartas com o apoio de um táxi

Por Tenentes-Jornalistas Karina Ogo, Alessandro Silva e Carla Dieppe

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O que era para durar pouco mais de três horas, na verdade, terminou com mais de cinco horas de voo. Quando chegaram a São Paulo, já com as luzes da cidade acesas, os pilotos da primeira missão do Cor-reio Aéreo não conseguiram locali-zar o Campo de Marte. A saída foi improvisar o pouso no Jockey Club

Rio-Minas Gerais. No ano seguinte, mesmo com a Revolução Consti-tucionalista, as linhas chegaram ao Mato Grosso e Paraná. Dois anos mais tarde, o Nordeste, com voos para Fortaleza, percorrendo e apoiando a população ribeirinha do São Francisco. Aviões Waco deram novo impulso ao CAM.

A malha de rotas chegou ao Sul do país em 1934, colocando Porto Alegre e Santa Maria, no Rio Grande do Sul, na lista de cidades atendidas pelo Correio Aéreo. No Mato Gros-so, uma linha especial interligou as guarnições do Exército. Ainda no mesmo ano, a Marinha criou o Correio Aéreo Naval, atendendo o litoral sul do Brasil, no trecho entre Rio de Janeiro e Rio Grande.

Para concluir o projeto de inte-gração nacional, em 1935, o Correio Aéreo Militar chegou, fi nalmente, à Amazônia. No ano seguinte, os pilotos começaram a voar o primeiro roteiro internacional, para Assunção, no Paraguai.

Em 1932, as linhas tinham 3.630 quilômetros de extensão. Os pilotos voaram nesse ano 127.100 quilôme-tros, transportaram 17 passageiros e 130 quilos de correspondências. Sete anos depois, em 1939, o Correio Aéreo percorreu 1,8 milhão de quilô-metros, transportou 542 passageiros e 65 mil quilos de carga nas rotas criadas pelo país.

do bairro da Mooca. Pularam os muros, tomaram um táxi até o centro da cidade e entregaram o malote na estação central dos Correios.

A partir daí, o país nunca mais foi o mesmo. As linhas para outras regiões do Brasil abriram o interior para a aviação civil e militar – até então, as aeronaves voavam pelo litoral, aumentando as distâncias para escapar dos perigos que habi-tavam o sertão, o cerrado e a fl oresta amazônica brasileira.

As atividades do Correio Aéreo Francês e de aviadores das Linhas Aéreas Latécoère, depois Aéroposta-le, foram a inspiração para o Correio Aéreo Militar brasileiro. Aviadores como Jean Mermoz, Henri Guillau-met e Antoine de Saint-Exupéry provaram que atravessar o Mediter-râneo e o Atlântico em um serviço postal não era impossível.

A ideia era criar diversas rotas com destino a lugares isolados do Brasil. Os militares estavam conven-cidos de que o avião de correspon-dência que chegava à determinada cidade obrigava a respectiva prefei-tura a fazer um campo de aviação. Logo, outras localidades procura-riam, por certo, fazer a mesma coisa a fi m de receber as mesmas vantagens. Assim, as cidades também se moder-nizariam com a chegada do CAM.

Expansão - Em novembro de 1931, o Correio Aéreo iniciou a rota

Carta de navegação utilizada no início das linhas do Correio Aéreo

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Para saber mais:

- A Epopéia do Correio Aéreo – José Garcia de Souza- A saga do Correio Aéreo Nacio-nal – folheto- Roteiro do Tocantins – Lysias A. Rodrigues

União – Com a criação do Mi-nistério da Aeronáutica, em 20 de janeiro de 1941, os serviços de correio aéreo foram reunidos em um só, resultando no Correio Aéreo Nacional (CAN). Ao final desse ano, com apenas uma década de existência, o CAN operava 14 linhas e transportava mais de 70 toneladas de correspondência para diversos pontos do país.

Graças à visão de futuro do Di-retor de Rotas Aéreas da época, Bri-gadeiro Eduardo Gomes, o Correio Aéreo adquiriu dinamismo necessá-rio para superar as difi culdades ge-ográfi cas, econômicas e estruturais. Em 1943, a linha do Tocantins, uma das mais importantes da primeira década do CAN, foi ampliada até a Guiana Francesa. Depois, surgiu a rota Rio-Bolívia.

Em 1944, com a aquisição de 82 aviões C-47 Douglas, a Força Aérea Brasileira expandiu ainda mais as linhas do CAN, chegando ao então território do Acre, Peru, Uruguai, Equador, Estados Unidos e Chile. Por muitos anos, esta aeronave foi o principal instrumento de trabalho do Correio Aéreo.

Nos Anos 50, o CAN recebeu o importante reforço dos aviões-anfíbios Catalina para as linhas da Amazônia. Os aviões receberam a designação de CA-10.

Em 1971, o Ministério da Aero-náutica criou o Centro do Correio Aéreo Nacional (CECAN), para coordenar as atividades.

Mapa do Brasil com as rotas do CAM (acima) e a aeronave Waco CPF-5 (abaixo)

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Nos anos 30, o sonho dos pilo-tos do Correio Aéreo Militar

era chegar a Belém. Este objetivo foi alcançado entre temporais que aca-bavam com a visibilidade, pousos em fazendas e campos precários. O próprio piloto da missão, Lysias Augusto Rodrigues, conta o que os companheiros pensaram sobre a ida dele à época: “Pobre Lysias, tão moço e não vai voltar!”

A rota era tão importante para o CAM, e para o país, que ela foi percorrida por terra, antes do voo inaugural. Dois funcionários da companhia Pan American Airways, Feliz Blotner e Arnold Lorenz, participaram da expedição com o objetivo de procurar uma rota aérea que encurtasse a distância, à época, para voar de Miami (EUA) até Buenos Aires (Argentina), pas-sando pelo interior do Brasil, em vez de contornar o litoral brasileiro.

No dia 19 de agosto de 1931, começou a expedição que daria origem à maior rota do malote aéreo. Os 51 dias de missão foram registrados em um diário de via-gem que se transformou no livro “Roteiro do Tocantins”.

A equipe liderada pelo então Major Lysias Rodrigues delimitou áreas de pouso em 13 municípios da nova rota. “Muitos deles, como Pedro Afonso (TO), Palmas (TO) e Carolina (MA)”, afi rmou o Major Brigadeiro da reserva Silas Rodri-gues, sobrinho de Lysias.

Inauguração – Quatro anos depois da expedição, o Major Ly-sias Rodrigues, acompanhado do Sargento Soriano Bastos, inaugurou a rota do Tocantins a bordo de um

avião Waco CSO, atravessando o in-terior do Brasil. “Estava desbravada mais uma rota aérea para o Brasil, sem dúvida alguma a de maior fu-turo”, escreveu em seu diário.

Pelo caminho, não faltaram sus-tos e emoções. O pedal do comando de direção da aeronave fi cou duro em determinado ponto da viagem. O mecânico Soriano não pensou

Expedição por terra antecedeu uma das mais importantes rotas

O Major Brigadeiro Lysias Augusto Rodrigues foi o pioneiro da rota do Tocantins; Acima, aeronave Waco CSO empregada na primeira missão de 1935

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Improviso e aventuras marcaram início das operações

“Os aviadores tinham de levantar de madrugada,

sempre, para ir ao Campo dos Afonsos, de onde decolavam para seguir, muitas vezes, rumo a luga-res onde os campos recém-constru-ídos nem biruta tinham! Era uma vara, tendo ao alto um pedaço de pano pendurado”, lembra o pio-neiro do Correio Aéreo José Garcia de Souza sobre as difi culdades dos primeiros voos no “Curtiss”, o pri-meiro avião utilizado.

A aterrissagem nos povoados era precedida de muita tensão. Os aviões não tinham instrumentos adequados para as viagens. Não havia cartas de navegação precisas e a bússola não funcionava em situ-ações satisfatórias. Os pilotos não sabiam as condições meteorológi-cas que encontrariam mais à frente e, por passarem por regiões nunca antes mapeadas – a carta de nave-gação era normalmente defi ciente. Eram guiados pelo compasso, o que, na maioria das vezes, levava a

desvios no caminho original. Os campos de pouso eram

clareiras um pouco maiores que campos de futebol e só eram classi-fi cados como pistas pela navegação visual. A técnica mais utilizada era o “olhômetro”. O interessante é que as novas rotas e a marcação dos acidentes geográfi cos melhoravam a navegação visual dos pilotos.

“O piloto ficava entregue a si próprio, sem dispor de meios de co-municação com o solo, daquela época de voo visual, sempre por debaixo das nuvens, com capacete e óculos de voo e os mapas colados em pranchetas de madeira, para não voarem da ‘nacele’ naquela varrida pelo vento”, contou o Tenente Brigadeiro Nelson Freire Lavènere-Wanderley.

Aeronave do Correio Aéreo em pouso na cidade Formosa, Goiás

Lysias Rodrigues, à esquerda, e Soriano, ao centro, na primeira viagem do Tocantins

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duas vezes: saiu do avião, em voo, e sentou na asa, empurrando com o pé a roda que parecia presa. Vol-tou ao seu lugar e passou orienta-ções ao piloto. Logo depois, uma tempestade fez com que os dois pousassem em uma pastagem im-provisada como campo de pouso.

Depois do trecho de Uberaba, Formosa e Carolina, já começaram a avistar a Amazônia, em Tocan-tinópolis. O horizonte chuvoso anunciava Marabá, Imperatriz, Con-ceição do Araguaia, Pedro Afonso e, fi nalmente, Belém do Pará, depois de 17 horas de viagem.

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Rota GoiásNo dia 25 de outubro de 1931, foi

inaugurada a segunda linha Correio Aéreo, em direção a Goiás. Nem a ausência de cartas geográfi cas im-pediu que o “Curtiss” pilotado pelo Tenente Casimiro Montenegro deco-lasse do Campo dos Afonsos, no dia 12 de novembro, a fi m de verifi car a possibilidade da criação da rota. As condições climáticas desfavoráveis fi zeram com que a aeronave fi zesse um pouso de emergência no Rio de Janeiro. Uma nova tentativa aconte-ceu no dia 19, quando os Tenentes Joelmir Campos de Araripe Macedo e Nelson Freire Lavanère-Wanderley seguiram viagem e cumpriram a rota que passava pelo Rio de Janeiro, São Paulo, Ribeirão Preto, Uberaba, Uberlândia, Araguari e Leopoldo Bulhões. Para que os pilotos não sa-íssem da rota, os telhados das casas mais altas foram pintados com as iniciais da localidade em que deve-riam sobrevoar ou aterrar.Rota do São Francisco

A rota Rio de Janeiro-Fortaleza foi inaugurada em 15 de fevereiro de 1935, já com o Waco CSO, tendo como comandante José Sampaio de Macedo e Nelson Freire Lavanère-Wanderley. A rota era feita no litoral, passando por Acaru, Camocim, Peri-Peri e Campo Maior, até Parnaíba.

1931: No ano de sua criação, o Correio Aéreo recebe inúmeras linhas.

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Linhas importantes do Correio Aéreo

Já em 1935, o CAM utilizava os oito primeiros aviões Wright Whirlwind de 240HP. A linha foi prolongada até Teresina e chegou a Belém.Rota do Oiapoque

Os pioneiros na Rota do Oiapo-que foram o Capitão Aviador Rui Presser Bello e o Tenente Aviador Joléo da Veiga Cabral. Havia grande difi culdade para aterragem na Ilha de Marajó. A linha ligava Belém a Roraima. O avião Waco CSO (C-31) foi o primeiro a inaugurar o trajeto Belém-Amapá, em 1937, e a chegar ao Oiapoque, em 4 de agosto. Outras rotas:

Em 1932, foi inaugurada a linha São Paulo, Bauru, Penápolis, Três Lagoas e Campo Grande. Coube ao Tenente Aviador Antonio Lemos Cunha levar as correspondências a São Paulo, Sorocaba, Itapetininga, Faxina, Ponta Grossa e Curitiba.

Os Tenentes Aviadores Rosemiro Leal Menezes e Levi Castro de Abreu aterraram em Santa Maria, Alegre-te, Uruguaiana, Cachoeira e Porto Alegre. Em 1935, a rota foi ampliada para Santiago do Boqueirão, Ale-grete, Uruguaiana, São Luiz, Santo Ângelo, Cruz Alta e Passo Fundo.

Em 1934 foi inaugurada a linha que partia de Campo Grande e seguia por Bela Vista, Ponta Porã, Maracajú e Entre-Rios.

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Alguns aviões que fizeram a história do Correio Aéreo

A aeronave é vista, normalmente, em fotos e pinturas descarregando carga em meio a índios e popula-ções isoladas atendidas pelo CAN.

É lembrado até hoje pelo impor-tante apoio ao Correio Aéreo Na-cional, depois do final da Segunda Guerra, em apoio à população da Região Amazônica

Avião de treinamento, projetado no final de 1927, utilizado pelos Tenentes Casimiro Montenegro Filho e Nelson Freire Lavenère-Wanderley no voo que inaugurou o Correio Aéreo Militar, em 12 de junho de 1931

Curtiss J-2 Fledgling

C-47 - Douglas

CA-10-Catalina

C-47 - Douglas

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C-105 - Amazonas

C-95 - Bandeirante

C-115 - Búfalo

C-98 - Caravan

É um avião militar de transporte tático, bimotor turboélice, capaz de realizar missões de transporte tático e logístico, lançamento de paraquedistas, cargas. Substituiu os C-115 Búfalos na região Ama-zôniza e no Centro-Oeste do país

Aeronave de transporte utilizada no Brasil desde 1987 em tarefas de apoio, utilitárias e evacuação aeromédica. Entrou em operação, inicialmente, na Região Ama-zônica

O projeto dessa aeronave de transporte levou à criação da EMBRAER. A Força Aérea adquiriu 140 exemplares, além dos P-95 “Bandeirulha” (versão de Patru-lha), dentre outras versões.

C-115 - BúfaloAvião de transporte com capa-cidade de decolagem e pouso em pistas curtas. Voou no Brasil de 1968 a 2007

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O fotógrafo que percorreu a história do Correio Aéreo Militar

“No começo, mais que aven-tureiros, eram heróicos pio-

neiros: pilotavam pequenos e frágeis aviões, muitas vezes sem freios, e só voavam de dia, acompanhando o cur-so dos rios, adivinhando as cidades lá do alto, tendo a linha do litoral como guia, as montanhas como marcos sinalizadores. E assim começaram a

unir o Brasil: pelos ares.” A frase do livro “Nas Asas do

Correio Aéreo Nacional”, lançado em 2002, ilustra bem a saga dos pi-lotos que redescobriram o interior do país ao longo de 80 anos de história. A publicação singular reúne em mais de 200 páginas, com textos e fotos coloridas, um dos mais ricos resgates

já feitos da história do Correio Aéreo.O fotógrafo Lalo de Almeida, a

jornalista Tânia Carvalho e o piloto Isio Bacaleinick percorreram a maior, e uma das mais importantes linhas do período inicial do Correio Aéreo: o trecho Rio de Janeiro-Belém, pas-sando pelo Planalto Central. Para entender o que isso representou em

ENTREVISTA

Por Tenente-Jornalista Alessandro Silva

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1935, basta imaginar que, até então, todos os voos contornavam o país pelo litoral e não se aventuravam na imensidão do interior.

Em entrevista à Aerovisão, Lalo de Almeida traduziu um pouco do que deve ter sido voar nesse período, mas pelo olhar humano de quem aprendeu a congelar o tempo para capturar a informação fotográfi ca. Muitas das fotos destacam o peque-no avião na imensidão da paisagem. Em alguns trechos, o cenário ainda parece intocável. O livro de fato,

mistura história, depoimentos e impressões – como ver de cima, em ângulo único e quase indescritível, o que só os pilotos do Correio Aéreo viram na década de 30.

O avião da aventura não é um Waco, o original do primeiro voo da rota do Tocantins, mas um Stearman (foto ao lado), aeronave fabricada nos anos 40 e que também voou no país para a formação de pilotos mi-litares. As fotos foram feitas a partir de outro avião, um Maule. No total, o projeto consumiu 300 horas de voo (tempo equivalente a 100 idas/voltas de Brasília a São Paulo em jato comercial), além da produção de 18 mil fotos. Foram percorridos 51 mil quilômetros – mais do que uma volta ao mundo. Leia a seguir a entrevista:

Aerovisão – Como o livro [Nas Asas do Correio Aéreo Nacional] foi feito?

Lalo de Almeida – Começamos a trabalhar em 2001. O livro todo foi feito em três grandes etapas. Na primeira etapa, a Tânia [jornalista] voou com o Tadeu [piloto] em um avião moderno, um Maule, para colher dados e subsídios para nos-sa viagem. Ela tinha o roteiro do livro do Lysias Rodrigues [Major-Brigadeiro-do-Ar Lysias Augusto Rodrigues], o pioneiro dessa rota do

... em algumas cidades encontramos uma coisa muito parecida com o

que o Lysias encontrou em 1935. Algumas

cidades do Tocantins continuavam

completamente isoladas.

Correio Aéreo, e foi colhendo infor-mações, identifi cando personagens, tudo que remetesse ao CAN. Na segunda etapa, voei com o Tadeu, no avião Maule, fotografando o ponto de vista dos pilotos. Fize-mos o mesmo roteiro que a Tânia havia pesquisado. Fotografamos os personagens, os lugares, o que eles viam do alto, as referências e as pistas, porque os pilotos [da época] voavam visual e isso era uma coisa importante. Na última, refi zemos o voo com o Stearman, acompanhado de outro avião [Maule]. O Maule foi preparado, de forma que eu voava com os pés para fora e amarrado com equipamento de alpinismo, mais uma adaptação para diminuir a resistência do vento. Foi a mais longa e interessante do ponto de vista fotográfico, mas também a mais difícil.

Aerovisão – E o que mais cha-mou a atenção durante o percurso?

Lalo de Almeida - O que me impressionou, na verdade, é que em algumas cidades encontramos uma coisa muito parecida com o que o Lysias encontrou em 1935. Algumas cidades do Tocantins continuavam completamente isoladas, como: Peixe, Paraná e Pedro Afonso. Con-tinuavam usando o rio como meio de transporte e continuam isoladas. Isso me surpreendeu um pouco, porque imaginei que iria encontrar algo mais interligado com o resto do país.

Aerovisão - Foi possível imagi-nar como era voar em 1935?

Lalo de Almeida - Exatamente. Naquela época eles abriram as pistas no facão. Isso não tivemos que fazer, mas as pistas de terra, as cidades, tudo, em alguns lugares, impressionam se comparadas com a descrição do Lysias.

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Aerovisão – Quais foram os sus-tos na viagem?

Lalo de Almeida - O que mais as-sustava não era voar em determina-das paisagens, mas os pousos, mais do que as decolagens, nessas pistas de terra no centrão do Brasil [ver foto abaixo]. Na região, as pistas eram precárias. Ver de cima era uma coisa impressionante: a quantidade poeira que levantava era inacreditável. O problema é que algumas pistas eram desniveladas e ainda tinha o vento desfavorável. Você tinha todas as condições para ter um pouso ruim. Foi em uma dessas pistas [Jalapão] que o Stearman pegou um vento de cauda, saiu da pista e quebrou a bequilha. A pista fi cava no meio do nada. Por sorte tinha uma pousada, que era a única da região. O garçom tinha um aparelho de solda e ferros de construção. Ele conseguiu soldar a bequilha e decolamos para Impe-ratriz, onde havia mais condições para reparo.

Aerovisão – Ao ver as fotos, a impressão de solidão dos pilotos é clara [foto ao lado}...

Lalo de Almeida - A ideia era passar exatamente isso. Aquela imensidão, aquele aviãozinho, aque-la sensação de pequenino voando na-quele mundão todo e sem recursos. Pensa como era na época: voando no aviãozinho, indo pousar em uma pista que nem sabia direito como es-tava [conservada], sem contato com o resto do planeta e sem opção para pousar em outro lugar caso tivesse um problema. Tínhamos uma logís-tica, foi tudo muito bem pensado. Você tenta minimizar ao máximo os riscos, mas as coisas acabam acon-tecendo. A pane elétrica, a bequilha que quebra...

Aerovisão - Como foram recebi-dos pela população?

Lalo de Almeida - Era uma comédia. Aí sim eu me sentia um piloto do CAN chegando. Porque a cidade inteira vinha para a beira da pista. Nesses lugares que te falei, no meião do Tocantins, Peixe, Pedro Afonso e Tocantinópolis, acho que quase nunca pousa avião ali. Quan-do o Stearman pousava, um biplano vermelho, vinha a cidade inteira ver o que estava acontecendo. É um pouco do que o Lysias conta em seu

O que mais assustava não era voar em determinadas

paisagens, mas os pousos. Mais do que a decolagem, nessas pistas de terra no centrão do Brasil.

O fotógrafo Lalo de Almeida produziu um dos maiores ensaios sobre o CAN

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livro. Naquela época vinha o prefei-to, a banda da cidade. Para a gente não veio isso, mas a população nos cercou. As crianças queriam tocar o avião, como se o avião fosse algo de outro planeta, uma nave espacial. Era muito divertido.

Aerovisão – Quais foram as difi -culdades encontradas?

Lalo de Almeida - A grande difi culdade, vamos dizer não só do voo, mas para fazer o livro, era a coordenação das aeronaves. Quem vê a Esquadrilha da Fumaça voan-do, os aviões juntos, acha incrível, mas não sabe a difi culdade que é. Para fotografar a gente tinha um pouco disso, porque tínhamos de voar com os dois aviões e coordená-los. Tínhamos de acertar o avião que ele tinha de passar, a altitude, a velocidade em relação ao outro

avião. Essa foi a grande difi culdade da viagem: coordenar os aviões. Algumas passagens eram repetidas dez vezes para conseguir a foto. E existiram os problemas de logística. O Stearman é um avião de 1941, que tem um motor radial que consome muita gasolina, muito óleo, com uma autonomia muito restrita. Tivemos que fazer um plano de logística mui-to bom. Escolhemos lugares-chave para levar combustível. Algumas localidades não tinham aeroporto, então era preciso encontrar alguém na comunidade e pagar para que to-masse conta do combustível. A gente tinha de estar o tempo todo pensan-do: a gente consegue chegar, não chega, até onde podermos chegar? Depois de Tucuruí, tivemos de levar combustível no segundo avião, o Maule, para abastecer o Stearman no caminho e seguir viagem. Tem esses problemas de logística porque não

há muitas opções de abastecimento.

Aerovisão - Foi possível imagi-nar como era voar na época, quando o piloto viajava só com o mecânico?

Lalo de Almeida - Totalmente. Era um pouco isso que a gente fazia. Nesse aspecto, apesar de termos um avião moderno com a gente, viajamos de forma parecida e, ao mesmo tempo, menos pre-parados do que eles porque não tínhamos um mecânico. O piloto do Maule, Tadeu, voou muito na Ama-zônia, pousava em qualquer lugar, conhecia a mecânica do avião, mas não era mecânico. Em Alto Paraíso, tivemos um problema elétrico, queimaram os instrumentos do avião, perdemos o contato pelo rádio e o Isio [piloto do Stearman] voou só no visual, como voavam os pilotos naquela época.

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Aerovisão - Essa parte do livro é interessante, porque deixa claro o desconforto de voar sem equipamen-tos de apoio...

Lalo de Almeida - É porque nin-guém está mais acostumado a voar assim. Na hora do vamos ver, pega a bússola, vai no visual. O Stearman tem uma autonomia reduzida. Ele passou um certo apuro e já estava

procurando um lugar para pousar, uma estrada, quando conseguiu achar o ponto e chegar.

Aerovisão – Vocês também re-petiram o voo inaugural do Correio Aéreo, entre Rio e São Paulo. Como é voar sobre a Serra do Mar, nas con-dições em que os pilotos do Correio Aéreo voavam?

Lalo de Almeida - Fizemos essa “perna” separado do resto da via-gem. Uma semana antes de fazer o trecho São Paulo-Belém. A paisagem é maravilhosa. Quando você está vo-ando na costa, é tranquilo, você tem a praia como referência. Mas como a gente ia um pouco para dentro, às vezes, é um tanto assustador. Voáva-mos a 200 metros de altura. Você não tem aquela visão aérea de um jato, que está mais alto. É um ponto de vista diferente, você consegue iden-tifi car as coisas. Nós [passageiros

Quando você está voando na costa, é

tranquilo, você tem a praia como referência. Mas como a gente ia

um pouco para dentro, às vezes, é um tanto

assustador.

de jatos] não estamos acostumados. Voávamos a 200 metros na Serra do Mar, no meio daquelas gargantas, com nuvens. É um pouco afl itivo fi car cercado por aqueles paredões de fl orestas. É maravilho, mas dá um frio na barriga. É bem diferente voar no cerrado.

Aerovisão – Ao fi nal, o que mais o impressionou?

Lalo de Almeida - A sensação. Sei que essa viagem, nessas con-dições, foi uma experiência única. Provavelmente nunca mais irei fazer um negócio desse. Essa visão da terra, do Brasil, foi muito diferente do que estava acostumado a ver, ali a duzentos metros de altura. Eu vi um outro Brasil. É um ponto de vista completamente diferente. Até um lugar que debaixo não parece muito interessante, de cima ganha uma outra ótica.

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AERONAVE HISTÓRICA

O WACO CSO de 1929 era um biplano de três lugares com

alcance de 870km que podia ser montado sobre rodas ou fl utuado-res. Vinte e nove exemplares foram produzidos, além de trinta da ver-são armada CSO-A para a aviação militar. No Brasil, foram utilizados

primordialmente no Correio Aéreo Militar (41) e no Correio Aéreo Na-val (8) entre 1932 e 1941. Durante a Revolução de 1932, alguns CSO foram empregados como aviões de ataque, quando se tornaram co-nhecidos como os “Vermelhinhos”. Após a criação da FAB, em 1941, os

remanescentes permaneceram em uso até 1948, mas um exemplar so-litário sobreviveu como rebocador de planadores no CTA até 1962. O exemplar do museu representa o CSO pilotado pelo tenente Muricy durante o movimento de 1932.

(Fonte: Museu Aeroespacial)

Ficha Técnica

Construtor WACO Aircraft Co. (EUA)

Descrição Transporte leve

Uso militar no Brasil 49 aeronaves (de 1932 a 1948)

Envergadura 9,32 m

Comprimento 6,85 m

Altura 3,14 m

Motor J-6 Whirlwind radial de 7 cilindros, 185 hp

Velocidade 210 km/h

O modelo WACO CSO foi usado em 1931 na primeira viagem do Correio Aéreo Militar na rota do Tocantins

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Voar pelo interior do Brasil, com poucos recursos e muito improviso, ajudou os pilotos brasileiros a superar as marcas de alvos destruídos na campanha da Itália

Por Tenente-Jornalista Alessandro Silva

“O piloto brasileiro tinha a experiência de voo no

Correio Aéreo Nacional. Ele voava sem mapa, sem rádio, no “cisca”, de qualquer jeito. Ele aprendeu

a olhar, ver e observar. Ao passo que os pilotos americanos eram muito novatos, eles olhavam e não viam [os alvos lá embaixo]”, re-corda o Major John Buyers, ofi cial

de ligação do Exército Americano que serviu no Primeiro Grupo de Aviação de Caça (1º GAVCA) na campanha aliada na Itália, durante a Segunda Guerra.

Experiência do Correio Aéreofoi decisiva na Segunda Guerra

Aerovisão Histórica

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A frase, dita no documentário “Senta a Pua!”, do diretor Erik de Castro, explica os números alcan-çados logo no início das operações. “Começamos a voar e a dizer: acer-tamos esse alvo; destruímos isso; bombardeamos aquilo. E o america-no começou a perguntar: ‛Essa turma que chegou agora está fazendo isso tudo e a nossa aviação não está fa-zendo nem a metade. Como pode?”, lembra o ofi cial americano.

Na Itália, no final de 1944, o Grupo de Caça era um dos quatro esquadrões do 350th Fighter Group americano. Era a única unidade de Força Aérea da América Latina em combate na Europa e passava por um dos momentos mais difíceis da campanha: a adaptação à guerra. Apenas em novembro desse ano, a unidade brasileira perdeu três de seus pilotos. Havia uma grande in-terrogação quanto ao desempenho

deles no confl ito.Quando entraram em ação, a

guerra aérea já estava em um segun-do estágio: havia pouca ou quase nenhuma resistência aérea, com o emprego dos aviões para o ataque contra alvos terrestres. Nessa situ-ação, os pilotos se lançavam com suas aeronaves sobre os pontos de lançamento de bombas, em uma linha reta, e tinham de aguardar por segundos até a altitude certa para o disparo - tempo sufi ciente para serem alvos do fogo antiaéreo inimigo. Depois, buscavam alvos de oportunidade sobre o terreno.

“O Correio Aéreo nos deu ex-periência maior do que aquele voo de rotina da instrução”, avalia o Brigadeiro do Ar Joel Miranda, ve-terano do 1º GAVCA, em entrevista ao documentário “Senta a Pua!”. No Correio Aéreo, os pilotos brasileiros tinham de voar a partir de referên-

cias no solo, pois não existiam os modernos sistemas de navegação de hoje. Olhavam para o chão e encontravam o caminho. Na Itália, observavam o solo e descobriam o inimigo a ser atacado.

Desempenho - Pelo valor em combate, depois da guerra, o Gru-po de Caça tornou-se uma das três únicas unidades estrangeiras a receber a Presidential Unit Citation, criada pelo governo americano em reconhecimento ao heroísmo em combate. Além da unidade da FAB, duas outras australianas ostentam a mesma homenagem.

Militares do Primeiro Grupo de Aviação de Caça que lutaram na Itália, de 1944 a 1945

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“Durante o período de 6 a 29 de abril de 1945, o Primeiro Grupo de Aviação de Caça voou 5% das surti-das [...] e, no entanto, dos resultados obtidos por este Comando [350th Figther Group] foram ofi cialmente atribuídas aos brasileiros, 15% dos veículos destruídos, 28% das pontes destruídas, 36% dos depósitos de combustíveis e 85% dos depósitos de munição danifi cados”, escreveu o então Coronel Ariel Nielsen, na recomendação para que a unidade da FAB recebesse a comenda presi-dencial. “Como o número de pilotos cada vez diminuía mais, cada um deles teve de voar mais de uma mis-são diária, expondo-se com maior frequência. Em muitas ocasiões, como comandante do 350th Fighter Group, eu fui obrigado a mantê-los no chão quando insistiam em conti-nuar voando, porque eu acreditava que eles já haviam ultrapassado os limites da resistência física.”

Reconhecimento – O Major Brigadeiro do Ar José Rabelo Meira de Vasconcelos, veterano do Grupo de Caça, participou de 93 missões na Itália. “O americano reconheceu que tínhamos uma capacidade muito maior de localizar objetivos peque-nos”, afi rma. Assim como faziam no

Correio Aéreo, os pilotos tinham de voar olhando, quase todo o tempo, para baixo. Sabiam de cabeça quase todos os detalhes do terreno, os pontos de referência e as localidades mais perigosas.

Depois da guerra, o Brigadeiro Meira voou em quase todas as linhas do Correio Aéreo Nacional, e até nas

rotas internacionais, pilotando aerona-ves C-47, C-54 e C-82, principalmente. “O CAN foi uma grande obra para o país”, afi rma. Médicos dessas missões atendiam nas paradas das aeronaves e distribuíam remédios à população. Os aviões da Força Aérea Brasileira prestavam apoio para o transporte de carga e passageiros.

O Major Brigadeiro José Rabelo Meira, ve-terano com 93 missões de guerra, voou no Correio Aéreo depois do retorno ao Brasil

O Major John Buyers destaca a importân-cia da experiência do Correio Aéreo para os pilotos brasileiros que lutaram na Itália

Aeronave de transporte C-82 da Força Aérea Brasileira, um dos modelos voados pelo Major Brigadeiro Meira no Correio Aéreo

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O Fledgling J-2 era uma versão civil do N2C-2 projetado no

final de 1927 em uma competição para um treinador da Marinha dos Estados Unidos. Depois da crise eco-nômica de 1929, o J-2 não encontrou compradores comerciais, e as únicas vendas foram para as forças armadas

da Colômbia e do Brasil. A Aviação Militar brasileira recebeu 14 aerona-ves em 1931.

O avião em exposição no Museu Aeroespacial (MUSAL), no Rio de Janeiro, foi adquirido de um aero-clube norte-americano em 1966, onde voava com a matrícula civil N263H.

No Brasil, a aeronave recebeu as cores originais e o prefi xo do lendário K263 utilizado pelos Tenentes Casimiro Montenegro Filho e Nelson Freire Lavenère-Wanderley no voo de inau-guração do Correio Aéreo Militar, em 12 de junho de 1931.

(Fonte: Museu Aeroespacial)

Ficha Técnica

Construtor Curtiss-Wright Corporation (EUA)

Descrição Treinador de dois lugares

Uso militar no Brasil 14 aeronaves (de 1931 a 1941)

Envergadura 11,93 m

Comprimento 8,33 m

Altura 3,14 m

Motor Curtiss Challenger C-600 radial de 6 cilindros em 2 estrelas, 185 hp

Velocidade 167 hp

A aeronave Curtiss Fledgling inaugurou o Correio Aéreo Militar no dia 12 de junho de 1931, na linha entre Rio e São Paulo

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CURTISS J-2 FAERONAVE HISTÓRICA

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Cidadania à beira do avião

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Avião Catalina, que pousava também na água, é um dos símbolos da história do Correio Aéreo Nacional

Cidadania à beira do aviãoDa época dos Catalinas e dos Douglas pousando em espaços inimagináveis, Aerovisão reencontra militares que participaram da incrível trajetória do Correio Aéreo Nacional (CAN), como integrador-motor-social do país que se redescobria a cada voo.

Por Tenentes-Jornalistas Flávio Nishimori e Luiz Cláudio Ferreira

Nem adianta procurar. Não existem assentos vagos.

Para fazer essa viagem, tem que ser em pé. Recostado a alguma peça, mantimento, gente enferma...Para fazer essa viagem, tem que saber que o avião não fará longas paradas técnicas e que voará o dia inteiro. Nessa trajetó-ria que se confunde com a saga da integração do país, poderá ouvir deles que é preciso decolar. Há sempre mais gente para atender. “Se parássemos, sabíamos que ia ter gente a morrer de fome”, disse à Aerovisão um militar.

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Por isso, eles não paravam. Logo depois da Segunda Guerra Mundial, a FAB utilizou aeronaves de patrulha e de transporte para uma das maio-res epopeias em tempos de paz que podem ser recontadas por militares. E assim ouvir deles, de macacão de voo suado, olhos arregalados, com a geografi a na cabeça, que era preciso seguir. Uma única missão fazia com que eles passassem muitos dias longe de casa, conhecendo brasileiros, e mil histórias. Nas próximas páginas, é possível reencontrar esses homens que atuaram por décadas, a partir da segunda metade do século pas-sado. Nos tempos que, por falta de pista, era preciso pousar na água, em gramados, no meio da terra, em qualquer espaço que cabia um avião.

Agora, fora do avião, mas com a alma lá dentro,ao rever esses pro-fi ssionais, encontra-se também, nas palavras deles, as pessoas assistidas

“Participei de várias missões

de resgate”

O Major Rivaldo Gusmão de Oliveira Lima, hoje com 84

anos de idade, perdeu as contas do número de missões que participou no Correio Aéreo Nacional. “Atuei nas linhas do CAN entre 1953 e 1965. Voava praticamente todos os dias.” Ao conhecer o Brasil de ponta a ponta, descobriu a melhor fase de sua carreira. “Participei de inúme-ras missões de resgate em minha carreira.” Ele atuou, por exemplo, no terremoto em Arequipa, no Peru, levando equipe médica.

Também participou de trans-porte de pessoal de apoio no transbordamento da represa de Orós, no Ceará. Uma outra missão foi a realizada também no Peru, como comandante do grupo de 4 aeronaves C-82 para lançamento de paraquedistas. “Participar do CAN representou sucesso e aprendizado na minha carreira.”

Uma única missão fazia com que eles passassem muitos

dias longe de casa, conhecendo brasileiros, e mil

histórias.

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CAN

ou salvas. Certa vez, um dos pionei-ros do CAN, Nelson Lavenère-Wan-derley, vaticinou o que signifi cava a missão. “Felizes são os homens que puderam ter as suas vidas vinculadas à história do desenvolvimento da Pátria: os homens das tripulações do Correio Aéreo Nacional estão entre eles.” À memória pródiga, quando se pergunta “o que foi o CAN para você?”, a resposta começa com “ahhh...”.

Ahhh... das palavras repetidas, nesta história, são as interjeições que surgem nos intervalos dos silêncios, no limiar das vozes.

Ahhh... do homem que voa ou do que é sobrevoado.

Ahhh... do alívio, pronunciado pelo grupo ou pela multidão. Dessas lembranças, do Correio Aéreo Nacio-nal, não tem coração que esqueça. Não esquece do som dos céus, como interlúdio. E aí começam as histórias.

Do barco para o avião, a FAB transportava ribeirinhos residentes em locais onde não havia pistas de pouso. A viagem, que era contada em dias, passou a demorar poucas horas

A matéria principal conti-nua na pág 26; siga o avião

Aerovisão Histórica

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Os voos eram baseados no “olhômetro”e na navegação estimada

O Coronel Antenor Gustavo Coe-lho de Souza, de 87 anos, lembra

que voos eram baseados em navega-ção totalmente visual. Naquela época, os voos ocorriam no “olhômetro” e na navegação estimada. Existiam poucas localidades com rádio-farol.

O Coronel serviu no Primeiro Esquadrão do Segundo Grupo de Aviação (1º/2º GAV), na Diretoria de Rotas Aéreas, no 2º Grupo de Transporte, no Campo dos Afonsos (RJ), e no Estado-Maior da Aero-náutica. Atuou nas linhas do CAN na década de 50. Antes disso, em 1948, voou o “Correio Aéreo do To-cantins”, levando correspondências e pequenas encomendas a bordo do BEECHCRAFT (foto).

“Uma vez, entre Belém e Mara-bá, enfrentamos um mal tempo em função de uma frente intertropical. Chovia muito e fi camos praticamen-te sem visibilidade. Ainda por cima, o motor começou a falhar. Fomos acompanhando a margem do rio e conseguimos enxergar a pista e pousamos em Marabá.”

A rota do Tocantins, segundo qualifica, era muito contrastante.

“Ao mesmo tempo em que tínhamos localidades desenvolvidas, também observávamos regiões onde não existia nada.” Lembra que em certa missão, na cidade de Imperatriz, ha-via uma improvisada pista de pouso, a prefeitura, a cadeia da cidade, o cemitério, a igreja e algumas casas de taipa. “Nada mais. Em nossos pernoites, cheguei a dormir em rede e em algumas regiões éramos aco-lhidos em igrejas. Em Conceição do Araguaia, dormíamos em um colé-gio de padres e fazíamos as refeições no colégio de freiras.”

Para ter uma ideia da importância do CAN, havia localidades nas quais

as pessoas nunca haviam visto um carro, de acordo com o Coronel, mas já tinham visto uma aeronave da FAB. “A chegada do avião nessas regiões distantes era envolta em um clima festivo. Um exemplar de jornal que levássemos para essa população já era de muita valia, pois representávamos, para as comunidades isoladas, um dos únicos meios de comunicação.”

Apesar das difi culdades, ele se sentia muito realizado. “Olhando para trás, dá muita saudade daquele tempo. Era muito gratifi cante e mo-tivo de orgulho saber que estávamos sendo úteis para as pessoas em uma fase em que faltava tudo para todos.”

Aeronave Catalina na Amazônia

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Nem do som do rio, genitor do burburinho. Das pessoas que se mexem. Tem novidade na “pista”. A novidade é a interjeição, libertadora, com duas turbinas. Por entre árvores, capim e agonias, areia molhada, lama funda, as mãos abanam os mosquitos, acenam a esperança, a chegada. Mãos que se apóiam para trazer ribeirinhos para avião adentro. Um escorregão podia fazer a pressa fi car molhada. Mas não.

O apoio à beira do rio para subir em uma aeronave CA-10 Catalina não era de molhar os pés. No máximo, os olhos, carregados de distâncias. Sur-gem as interjeições... ahhh do alívio...

Não estão nas palavras a atenção primeira. Nem amor, nem saudade, nem de outro qualquer intervalo do sentir é o que sai da boca. Mas Joões, Marias, de todos os cantos explicam melhor. “Ahhh... tô necessitado de saúde.” “Ahhh... minha fi lha vai ter fi lho e aqui não tem doutor.” “Ahhh ... que bom que o mantimento chegou.” “Ainda bem que eles chegaram.” Eles chegaram. Ahhh... como é bom salvar. Chegar ao avião passou a ter o signifi cado de rapidez e alívio em meio a difi culdades;

acima (à direita), ribeirinhos chegam de barco até o avião Catalina

FAB, missionário, índio. O tripé do Correio Aéreo Nacional ele

praticou. Aos 74 anos de vida, o Capitão Especialista em Aeronaves Raymundo Sérgio Chamma Pinto lembra com emoção dos tempos do Catalina. “A nossa missão era patrulhar as fronteiras do Brasil. Essas regiões eram despovoadas e muito pobres. Levávamos de tudo a essas comunidades, desde man-timentos até remédios.”

Para Chamma, todas as missões eram importantes, mas as que mais o marcaram foram as realizadas

“O CAN faz olhar o mundo com outros olhos”Ele F

ez o CAN

nas fronteiras do Brasil “A cada dois meses ia a bordo uma equipe médica.” Como recorda, foram inúmeros os casos de salvamento proporcionados nessa linha.

“Uma vez, transportamos um rapaz que havia sido mordido por uma cobra. Ele foi socorrido e salvo graças a aeronave da FAB.” Tudo que era feito ganhou o codinome de satisfação. “Fazíamos tudo com muito prazer. Enfrentávamos muitas difi culdades, os voos eram visuais, ou como se dizia na época, no olho.”

A região Amazônica , na época do inverno, tem uma espécie de ne-blina que os amazônidas chamam de “aru”, bem densa, que cobre tudo. “Uma vez pegamos esse aru e precisamos pousar em um rio que nem conhecíamos.”

Foi um susto grande, mas as missões eram satisfatórias. “Quan-do terminávamos o dia, tínhamos a certeza de que a missão estava cumprida. Participar do CAN propiciou-me olhar o mundo com outros olhos. Foi uma epopeia que me tornou mais brasileiro.”

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Apoio médico integrado à linha do CAN fez a diferença entre a vida e a morte

“Por mais de uma vez embrenhei-mena mata para resgatar”Ele F

ez o CAN

O Tenente-Coronel Médico José Luiz Amorim de Carvalho, 64

anos, passou quase duas décadas como tripulante do Correio Aéreo Nacional. “Minha carreira no CAN foi marcada por missões de assistên-cia às aldeias indígenas em Tiriós, Cururu, e tantas outras, mas as via-gens que mais me marcaram foram as das rotas do Madeira, Juruá e Rio Negro, nas asas dos CA-10 Catali-na, onde atuei até sua desativação quando a última aeronave foi levada para o Museu Aeroespacial.”

“Voei como tripulante orgânico em missões CAN de 1974 a 1991.” Lembranças bastante vivas na me-mória do ofi cial em épocas de muita atuação para resgates.

Os anos setenta foram marcados pelo grande aumento dos garim-pos no Pará. Em Itaituba, que logo tornou-se um centro de logística para os garimpeiros, com voos ir-regulares e até mesmo ilegais, com o transporte de combustível dentro de monomotores que iam para o Mosquito, Serra Pelada e tantos outros lugares, o aeroporto fi cou sendo o maior do país em pousos e decolagens, criando grandes difi cul-

dades para a FAB, particularmente o Salvaero e o DAC.

“Por mais de uma vez embre-nhei-me nas matas para resgatar tripulantes a bordo dos H-1H, apoiados pelos C-47 do 1O ETA para trazer os feridos a Belém, onde tínhamos apoio médico de porte. Os antimaláricos andavam sempre no bolso do macacão. Um fato curioso foi a indescritível face do comandante em Cururu, quando viu que durante a noite os ratos haviam destruído partes de

condutos hidráulicos de comando do trem de pouso, impossibilitando a continuação da viagem.”

Servir à Força Aérea Brasileira, para o ofi cial, principalmente em missões CAN, foi uma experiência única. “Sei que foi uma oportunida-de que poucos tiveram e por tanto tempo.” Para ele, ajudar as popula-ções ribeirinhas e indígenas criou, entre aqueles que fi zeram o CAN, amizades que perduram apesar do tempo. Uma experiência que fi cou muito viva para o coronel.

“Como é bom salvar” está na memória afetiva de homens que iniciaram, na prática, esse ligação humanitária e estratégica do CAN com pessoas socorridas, com o país socorrido. Formava, assim, o tripé: FAB-missionário-índio. Mas os pés eram bem maiores e iam além, como pode ser lido, visto, ouvido pelo que falam guerreiros do CAN das décadas de 40 até hoje. Para buscar, Aerovisão ouviu diversos desses homens, todos já de cabelos brancos e lembranças muito vivas.

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Eles repetem, dentro de diver-sas especialidades, seja qual for a aeronave, que o que foi vivido no CAN faz parte, aliás, é a própria razão de vida deles. Como seria impossível ouvir todos os guerrei-ros, a revista traz palavras que são verdadeiras ilustrações de épocas de ouro dessa atividade. O CAN sofreu uma interrupção, voltou em 2004, e desde lá, com inspirações de sobra de partilha de ideais e valores. Há gente que voou mais de 15 mil horas ao longo da carreira. É

difícil até imaginar o que signifi ca isso. Mas suas palavras dão uma ideia dos caminhos de quem sacri-fi cou a vida e muitas horas de sono, pelo sentimento profi ssional, pelo dever presente. Gente que acha que o normal mesmo é estar voando.

Fala-se direto de uma época em que a navegação aérea funda-mentava-se basicamente no olho, na percepção, na organização e no conhecimento. Sabia-se que plane-jamento era primordial para toda a navegação.

“Ela está curadagraças a vocês”

Uma índia em risco de morte e uma reviravolta. Eis uma

missão que não sai da cabeça do Subofi cial Raimundo Emanoel do Nascimento Gama, de 70 anos. “Numa missão, chamava atenção uma paciente índia acomodada em uma maca, totalmente coberta por um lençol bastante manchado de sangue e outras manchas que deve-riam ser de ferimentos que ela tinha por todo o corpo”

Sabia-se que tinha uma pessoa viva ali pelo tênue movimento pro-vocado pela respiração ao encontro do lençol. “Embarcamos a paciente e retornamos para Uaupes (hoje, São Gabriel da Cachoeira), onde no hospital da Missão Salesiana poderia receber os primeiros socorros.” Já em Uaupes, na própria estação, as irmãs providenciaram aplicação de soro e curativos. “Na chegada em Manaus, a ambulância já aguardava.”

Para surpresa do militar, em outra viagem, como tripulante de um C-47, a religiosa o procurou e perguntou:

-‘Se lembra da índia, muito do-ente, que veio no Catalina há uns 40 dias atrás com vocês.”

- “Claro que me lembro Irmã.”- “Ela está voltando com vocês,

já curada, vai para Uaupes e segue para Içana onde mora, graças a vocês da FAB.”

“Confesso que na ocasião não dei muita importância para aquela afi rmação. Eram tantas as missões, que parecia tudo muito normal. Participar das linhas do CAN foi um motivo de orgulho. Faria tudo de novo.”

Ele Fez o

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Passageiros dividiam espaço dentro da aeronave com máquinas pesadas e até animais. Cidades foram fundadas a partir da chegada dos aviões e esforço das tripulações

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Na foto, indígenas diante de C-47, avião que se tornou ícone do CAN. Comunidades passaram a idolatrar o “pássaro de aço”

Navegação baseada no ser e no sentir, por cima do mar verde, onde ainda hoje é difícil perceber diferenças geográficas. Imagine, pois, há algumas décadas.

O fato é que comunidades, populações inteiras tornaram-se viáveis, tornaram-se fi xas no local, porque o avião chegou lá um dia. E não parou mais de chegar. Fato é que o país seria outro sem que um dia o homem resolvesse pousar no rio. Consertar equipamentos praticamente submersos e mesmo

Oitenta e sete anos de vida e lem-branças dos tempos do C-47. O

Tenente Ayrton Outeiro Gonzaga era mecânico de voo na Quinta Esqua-drilha do Segundo Esquadrão, no Campo dos Afonsos (RJ).

“Trabalhei com a aeronave Dou-glas. Gostei muito de ter participado

“Navegação baseada no ser e no sentir, por cima

do mar verde”

das linhas do Correio Aéreo. Fiz a primeira rota noturna entre as cida-des de Belém e Rio de Janeiro.”

“Uma vez, pousamos em Barrei-ras, na Bahia, e precisamos fazer o reabastecimento da aeronave manu-almente.” Foram 400 galões e todos ajudavam, inclusive os pilotos.

Ele se lembra de uma história ocorrida em Manaus. Ele conta que um pequeno índio foi apanhar coco, caiu da árvore e teve a barriga perfu-rada. “Ele foi levado para o hospital e salvou-se, retornando mais tarde para a tribo. As missões do CAN salvavam muita gente.”

praticamente submersos e mesmo

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“As missões do CANsalvaram muita gente”Ele F

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Dramaamazônico

Uma verdadeira aula de geografia

Ele Fez o

CAN

Em uma região onde o transporte com barcos leva dias, a rapidez da aeronave faz a diferença para os ribeirinhos

O Subofi cial Laércio Gonçalves Anchieta, de 60 anos de idade

e 25 de CAN, foi marcado por uma missão dramática no interior da Amazônia.

“Foi em um voo na aeronave Catalina no ano de 1974. Decolamos de Japurá, no Amazonas, rumo a Tabatinga. A bordo levávamos uma índia em trabalho de parto. A pobre já estava há uns 3 dias com a criança morta, mas ninguém sabia.”

A situação era difícil. Não havia médicos na região. “A etapa de voo era de apenas 45 minutos. A índia foi alojada em uma maca, por cima dos demais passageiros. Com 20 minutos de voo, ela faleceu. Desembarcamos o corpo da índia em Tabatinga.”

Segundo conta, militares pro-videnciaram o enterro. “Não havia sequer um parente para acompanhar o sepultamento. “Voltamos para Belém no dia seguinte, refletindo sobre a dura realidade de milhões de brasileiros nessa imensidão. Graças à Força Aérea Brasileira, dos tempos áureos do CAN, muitos tiveram um alento, uma oportunidade de viver com mais dignidade.”

assim, pronto para a próxima deco-lagem. “É hora do voo.” Não por-que se faz preciso deixar para trás. Mas porque é preciso seguir para o amanhã. E aquele lugar chamado de ontem se encontra no presente. Essas interjeições que ecoaram no

O Tenente Aviador R-2 Diler-mando Guedes Cabral, 86

anos, aprendeu a verdadeira geo-grafi a nas asas do Correio Aéreo Na-cional. “Ao participar das missões do CAN tomamos contacto com a realidade de um Brasil diferente daquele que nos fora apresentado nos atlas geográfi cos e nos livros escolares”, diz. Argumenta que

conheceu o Brasil de Norte a Sul e de Leste a Oeste e o contato direto e pessoal com a diversidade e a singu-laridade brasileira. “A experiência reforçou a admiração e amor pelo Brasil e a convicção de que o CAN foi um elemento essencial para a sua integração.”

Participei no então chamado “Correio Aéreo do Tocantins”, o

tempo e se tornam o hoje. O rio como pista e alvo dos olhares além-cabeceira, além-afl uentes e corre-deiras. Agachadinhos no solado da máquina, veem as asas. Quem embarca passa a ter asas para sair do isolamento.

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Quem fi ca passa a ter asas. Como aqueles que saem das asas e ganham braços e abraços. A paisagem, que de tão verde-molhada, experimenta a mudança, a alteração nítida dos sentidos. Nem é o sentido do chão ou do céu, ou da plataforma do avião.

“O Correio Aéreo, verdadei-ramente, proporcionou a

integração do país.” A frase vem com a certeza de alguém que dedicou uma vida inteira ao ofício de voar e con-corria, com muita satisfação, à escala de todas as linhas do Correio Aéreo Nacional. O Major José Ananias Fer-nandes, hoje com 78 anos, serviu em diversas organizações.

“Atendíamos locais onde o padre da comunidade dava graças a Deus

“Graças a Deus”, diziam ao virem o avião

Uma verdadeira aula de geografia

Ele Fez o

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quando chegávamos”, disse. Segundo ele, eram regiões isoladas onde não havia qualquer pista. “Pousávamos nos rios com o Catalina. Além de ali-mentos, roupas e outros suprimentos, levávamos àquelas populações um pouco de novidades.”

O major disse que era feito todo o tipo de transporte. “Para as crian-ças, por exemplo, dávamos bolas e bonecas. Víamos a alegria deles.” Era novidade na vida das crianças.

Mas o da vida com perspectiva, resvalado no socorro inaudito. No sorriso sonoro, conhecedor, pronto de transformação.

Transformação primeira. Do som que vem do céu. Como se o céu fosse perto, marcado por entre nuvens.

Daqui a pouco, em terra, sabem, conversam, avisam-se, avizinham-se. O movimento de um tempo em que não havia pistas de pouso pela região Amazônica e ensaiava-se chamar de país também o que ia além do litoral para dentro.

correio de mais longo percurso e duração da história da FAB, com o maior número de pousos e decola-gens e que envolvia a participação de duas tripulações a bordo do avião BeechBi: uma de Belém e outra do Rio de Janeiro.

Na ida o comando cabia aos tripulantes de Belém e na volta, aos do Rio de Janeiro .

O CAN era reconhecido pelo tripé FAB - missionário - índio. O apoio fundamental para atendimento das necessidades

Aeronave C-115 Búfalo da Força Aérea

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O interior brasileiro surgiu pelos ares. As fronteiras foram abertas por entre nuvens. Do coração para dentro, ainda mais desafi ador. Era comum a cena, lembrada pelo ve-terano catalineiro Suboficial João Alfredo: “Avião direcionado no rio; motores acelerados até a potência máxima durante aproximadamente

uns dois minutos, os pilotos agarran-do o manche com as duas mãos, com enorme esforço.” Tudo para mantê-lo puxado, em voo pleno e o nariz para o alto. Lá ia o Catalina, onde estivessem brasileiros a beira do rio.

Os Catalinas, esses aviões-an-fíbios da Força Aérea, adquiridos como aeronaves de patrulha, foram

utilizados na Segunda Guerra. Nos tempos de paz, transformou-se no veloz integrador a serviço do Correio Aéreo. Herói que chegava aonde não era possível. Por terra ou por rio. Em horas. O que fazia a diferença. Diga-se de passagem, nesses lugares ama-zônicos, as distâncias de transporte são medidas, por barco, em dias.

“Avião direcionado no rio; motores acelerados até a potência máxima durante aproximadamente uns dois minutos, os pilotos agarrando o manche com as duas

mãos, com enorme esforço.”

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“Sabíamos que se o avião não chegasse, o ribeirinho morreria de fome”

“Não é fácil saírem aspalavras que expressem tudo”

Foram 14.746 horas de voo, con-tadas uma a uma, minuto a

minuto. No currículo do Subofi cial Almir Prata Machado, de 71 anos, mecânico, diz perder as contas apenas sobre o número de pessoas que ajudou. “Passávamos dias a fi o

levando comida e outros tipos de mantimentos para populações na Amazônia.”

No final, chegar em casa (em Belém), tinha a face de pousar na Bacia do Guajará. “Sem dúvida, é uma missão muito bonita. Voávamos

a noite inteira por aquele escuro da Amazônia. Nós sabíamos que se o avião não chegasse, o ribeirinho morreria de fome. Por isso, não nos deixávamos cansar. Tenho uma verdadeira adoração pelo que eu fi z, por essa missão”, recorda o militar.

O Subofi cial Francisco de Assis Ferreira, hoje com 70 anos,

viu de frente a realidade de pontos extremos do território nacional. Tra-balhou como encarregado do Cor-reio Aéreo. Segundo ele, Moura era praticamente uma cidade fantasma e sofria frequentes ataques de indíge-nas. Já Tabatinga, na época, era toda de lama, a única instalação asfaltada era a pista de pouso.“Sempre atuei como encarregado, tanto nestes anos como destacado, como várias vezes somente a serviço em mais lugares da Amazônia. O CAN representou muito em minha vida. O fato de poder ajudar tanta gente que necessi-tava de tratamento de saúde, buscar nova vida em locais mais adiantados, rever familiares, enfi m, foram tantos momentos que não é fácil saírem as palavras que expressem tudo.”

Quando o avião do CAN chegava a essas localidades pequenas, era um

O Subofi cial Mair Resnick, espe-cialista de aeronaves, hoje aos

82 anos, faz seus olhos brilharem quando fala de uma criança.

“Uma história que me marcou foi o parto que realizamos a bordo da aeronave. Uma mulher ia de Be-lém para o Rio de Janeiro, quando começou a sentir dores e ter contra-ções. Ela deu a luz e seguramos a criança. Era um garoto. Pousamos em Salvador e a encaminhamos para o hospital. Foi muito emocionante.”

“Em todos as localidades éramos recebidos como heróis, sempre com um grande sentimento de agrade-cimento. O grande presente que o CAN proporcionou a ele foi o conhe-cimento da amplitude e grandeza do país. “Quem me deu experiência de vida, quem me deu condições de dialogar com pessoas diferentes, de lugares diferentes, foi o CAN”, afi rma o militar.

dia de festa. “As meninas do colé-gio, os moradores, todo mundo, se vestiam bem e iam para o aeroporto receber a aeronave da FAB, que tinha a bordo médicos e enfermeiros.”

Várias missões marcaram a pas-sagem de Francisco pelo CAN. “Uma delas aconteceu quando trabalhava em Cruzeiro do Sul (AC). Estava no voo que ia para Rio Branco e quando chegamos a Feijó solicitaram-nos ajuda. Um senhor bem debilitado precisava de ajuda. A pele dele pare-cia que estava descamando e passava muito mal. Colocamos esse paciente na aeronave e, via rádio, acionamos uma ambulância.” O paciente foi encaminhado para o hospital de Rio Branco. “Depois fi camos sabendo que o diagnóstico era hanseníase. “Cheguei a visitá-lo, mas ele veio a falecer, pois o estágio da doença estava muito avançado. Foi muito triste e me marcou bastante.”

“Nas localidades, éramos recebidos

como heróis”

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Eles se vestiam como se estivessem a caminho da festaEle F

ez o CAN

João Rodrigues Filho, especialista em mecânica, hoje com 87 anos,

entrou para a FAB em 1942, apenas um ano após a criação do Ministério da Aeronáutica. Ele é testemunha de como as pessoas atendidas pelo CAN reconheciam o valor da chegada do avião em comunidades distantes.

“As pessoas vestiam suas melho-res roupas. Éramos recebidos com

muita festa. Além de levar pessoal de saúde, transportávamos doentes para outras localidades, mas tam-bém fazíamos até mudanças inteiras, incluindo cachorros e outros animais de estimação.” Rodrigues encerrou a carreira como major. Ele decreta o sentimento de participar desse trabalho. “Voei em várias linhas do CAN, entre elas a do Acre, Belém,

Dias, noites, madrugadas, so-mente com as cartas aeronáuticas. Naquele tempo, a navegação era sem GPS. Mas os guerreiros do Correio Aéreo Nacional, incluindo diversos catalineiros ouvidos por Aerovisão, confi rmam que tinham a geografi a da Amazônia na palma da mão. Isso graças à experiência de um número incontável de horas de voo.

“Existiam poucas localidades que possuíam radio-farol para nos auxiliar”, disse o Coronel Aviador da Reserva Antenor Gustavo Coelho de Souza, de 87 anos, que entrou para a FAB no ano de 1943.

Manaus. Também estive em missões internacionais do Correio Aéreo, no Paraguai, Bolívia e Peru. Participar do CAN proporcionou-me vivência e conhecimento. A missão do CAN era a coisa mais linda do mundo, pois atendia aos mais necessitados.” Na lembrança, fi cou o carinho de quem era atendido. Recebiam frutas, sorrisos, abraços...

À beira da “pista”, índios observam e acenam após a decolagem do Bandeirante

A missão do CAN era a coisa mais linda do mundo, pois atendia aos

mais necessitados

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A Amazônia é um outro mundo e uma lição de vida

Alcebíades Calhao, de 85 anos, tem tanta história do CAN

que não sabe como começar. Aliás, soube bem, rendeu-lhe um livro, Momentos de Decidir: A Fase C-47 do CAN. Na aeronave, que transportava 27 pessoas e quatro toneladas de carga, ele diz ter passado grandes momentos de sua vida. Mas foi em um C-54 (foto), de quatro motores, num voo para Recife, que teve um dos momentos mais emocionantes. Foi quando uma criança nasceu em pleno voo. Era dia de céu azul. “Levei ao comandante da aeronave a situação. A bordo, havia um médico. O comandante da aeronave baixou a altitude do voo. O médico separou colchonetes para repousar mãe e

Estranho eram asbicicletas, não os aviõesEle F

ez o CAN

criança, além de gilete e barbante para cortar o cordão umbilical.“ To-dos a bordo, depois, fi zeram questão de fazer foto com o rebento, um fi lho do Correio Aéreo. O menino ganhou o nome de Antonio Carlos. Outras

andanças ou voos fi zeram com que Calhao testemunhasse um fenômeno do que ocorria em vários lugares. “As pessoas olhavam para a bicicleta como se fosse um objeto estranho. No entanto, o avião já era normal.”

Filas para atendimento antes mesmo da equipe de saúde chegar. O Coronel-Médico Esmeraldino Aragão dos Santos, 68 anos, é forma-do na Rússia, onde se especializou em cirurgia. Mas teve uma grande aula, como ele mesmo diz, em Porto Nacional (PA), quando conseguiu estancar o sangue de um homem fe-rido por uma facada. Materiais? Um improviso com bambu e látex. “A Amazônia é um outro mundo e uma grande lição de vida”, considera.

As missões de salvamento me-xiam bastante com o experiente profissional que fazia questão de colocar-se de plantão para todas as viagens. “Foi uma grande alegria participar do CAN.”

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Época de consolidação de um pensamento. Por baixo de árvores, acima de árvores. Existe sim, pelos depoimentos, uma linha imaginária que divide a agonia da esperança. A espera da chegada. A realidade do sonho real. No Brasil, as frontei-ras iluminaram-se para o oeste. O que era preto e branco, ganhou cor.

De todas as missões, ao longo de 15 anos, a única que teve

uma decolagem abortada com um Catalina, é a mais marcante na vida do Subofi cial João Alfredo de Oliveira, antigo radiotelegrafi sta, hoje com 60 anos de idade. Essa história de decolagem cancelada, ocorrida no Rio Tapauá (afl uente do Purus), no Acre, em 1973, mos-tra o espírito de ajuda dos homens do CAN. “Os amazônidas depen-diam exclusivamente do CAN. Nós levávamos para muitos lugares: esperança, amizade, suprimentos gerais e transportávamos dezenas de passageiros de um lugar para outro. Não parávamos.”

“Os dois motores acelerados até a potência máxima, mas o avião estava muito pesado.” Isso porque havia 65 pessoas a bordo e assento com cinto de segurança para 20. “Fazíamos questão de levar o maior número de passageiros dentro dos limites de segurança. Na segunda tentativa, decolamos.”

A tripulação comemorou o salto que deu o Catalina largando da água. Finalmente estava voando. Rapidamente chamando o Centro de Controle Manaus, o radiotele-grafi sta Alfredo confi rmou a decola-gem cujo plano de voo já havia sido enviado, enquanto a aeronave fazia o táxi dentro d’água procurando a melhor direção para a decolagem.

“Era muito comum o transporte de famílias inteiras nos aviões que faziam o caminho do Rio Purus. Viajavam em busca de melhores condições de vida, para tratar da saúde em cidades como Manaus e Rio Branco.” O deslocamento nos barcos pequenos, nas embarcações a motor demorava dias, semanas. Nem mesmo em Lábrea, conside-rada como cidade de melhores re-cursos no vale do Purus e onde era feito o pouso para reabastecimento de aeronaves, existia médico para os ribeirinhos. Era mais fácil pegar o avião da FAB e tentar a sorte em Manaus ou Rio Branco.

“Nós levávamospara muitos lugares: esperança, amizade

e suprimentos”

Ganhou socorro, som, cidadania. O Correio Aéreo dos guerreiros com-pleta 80 anos de uma incrível histó-ria que não cabem nessas páginas. Quem viveu esse sonho continua sonhando acordado. Para quem foi ajudado, sobraram histórias para contar sobre o CAN.

Segundo aqueles que ouviram os

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relatos, os aviões da FAB, a serviço do CAN, tornam a espera bem menor, a vida maior. Com o Correio Aéreo Nacional, a Força Aérea pôde ser vista mais de perto. Esses homens e mulheres vivem onde não tem holo-fotes. Mas tem o avião e mais de mil histórias prontas para serem contadas e sentidas para sempre.

M a s t e m o avião e mais de m i l h i s t ó r i a s prontas para serem contadas e sentidas para sempre.

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Malária, morte e vida

Lembranças rasantes

O Subofi cial Enfermeiro Evandro Rocha, de 73 anos, serviu por

três décadas na Região Norte e viu de perto o drama da malária, principal-mente em comunidades indígenas.

“Certa vez, fui acionado para acompanhar o transporte, em um C-47, de um índio em Tiriós (PA).

Ele estava muito mal”, lembra-se. “Durante o voo ministramos medi-camentos. Pousamos em Santarém e o índio foi encaminhado para o hospital e se salvou. Toda a tribo se emocionou muito. Eles até chama-vam o Brigadeiro João Camarão Tel-les Ribeiro (Comandante da Primeira

Zona Aérea, em Belém) de pai.” O veterano ainda lembra de

outro problema grave naquele pe-ríodo, a tuberculose. “Recordo que, certa vez, fi quei dois dias tratando de índios que estavam muito mal. Nós salvávamos muitas vidas”, emociona-se ao lembrar.

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CAN

O Major Carlos Kizan Dias, de 73 anos, sabe dar detalhes de

cada uma das aeronaves CA-10 e C-47 que voou, mas não se esquece mesmo das missões. “Numa etapa entre Tabatinga e Tefé, voávamos com 27 passageiros sentados e duas

senhoras com hemorragia pós-parto, deitadas em macas com as pernas elevadas. Tivemos que voar baixo.” As condições meteorológicas piora-vam muito. “Tivemos que amerrissar no braço do rio. O tempo melhorou e decolamos após 30 minutos, passan-

do pelas copas das árvores, o que era quase uma rotina.” Mesmo tendo vo-ado mais de 4500 horas, era comum chegar a lugares que nunca havia estado. “A população curiosa se aproximava. Tocavam com as mãos na fuselagem do avião. Eu sorria.”

Aos 97 anos de vida, a memória de Jucundino Carvalho não fa-

lha. Passou pelo CAN por duas déca-das, em voos como radiotelegrafi sta em C-54, C-47 e CA-10. Participou de diversos resgates no meio da Amazônia. “Você não vai conseguir imaginar o que era a Amazônia na-quela época. Era um lugar difícil de trabalhar, mas gratifi cante”, explica.

“Era noite e dia. Dentro do nos-sos aviões, iam tratores, bois, vacas. Tenho muita saudade”, afirma o veterano que também trabalhou na construção de Brasília. “Na nossa vida, era comum estar voando. Fo-ram quase 15 mil horas de voo na minha carreira.” Jucundino ainda guarda, pelo menos, quatro cader-netas de voo como verdadeiras relí-quias daqueles anos. “Na verdade, isso foi a minha vida.”

“O Correio Aéreo foiminha vida”

C o m u n i d a d e s indígneas apro-ximavam-se da ae ronave com curiosidade e ad-miração. O avião era a boa-nova.

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Aventura emconstruçãoComo as obras da Comissão de Aeroportos da Região Amazônica foram fundamentais para que o Correio Aéreo tivesse infraestrutura para chegar ainda mais longe

Por Luiz Claudio Ferreira (Tenente-Jornalista) e Fernanda Sobreira

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O método e a prática do Cor-reio Aéreo Nacional, apesar

da capacidade dos aviões-anfíbios de pouso na água, tinham como fator limitador a falta de pistas em muitas dos locais. Havia comunida-des e necessidades, mas não como chegar até lá. Verdadeiras fl orestas fechadas com poucas clareiras, sem acessos. Foi preciso criar alternativas para tirar as populações inteiras do isolamento. A capacidade de am-pliação estratégica e de integração ganhou força com a implantação da Comissão de Aeroportos da Região Amazônica (COMARA). A primeira pista concluída pela FAB foi em Iaco-atiara (AM), em 12 de dezembro de 1956. A obra de construção da pista de 1.520m de comprimento por 45m de largura, em solo estabilizado, foi concluída em 29 de agosto de 1958, após quase dois anos. Desde então, já foram mais de duzentas obras em locais de difícil acesso, mudando as características do CAN no Brasil.

No início da década de 50, exis-tiam na Amazônia apenas 17 aeró-dromos. Somente Manaus (AM) e Belém (PA) eram asfaltados. Para se chegar à criação da COMARA, em 1953, foi implantada a Superin-tendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), que se transformou depois na Supe-rintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Entre as atribuições estava a implantação da malha aeroviária da região. O Ministério da Aeronáutica, por meio do então Comando da 1ª Zona Aérea, sediado em Belém, criou a Comissão Mista FAB/SPVEA, que após um ano e sete meses foi transformada em Comissão de Aeroportos da Região Amazônica (COMARA).

A obra em São Felix do Xingu é outro exemplo do que significa construir um aeroporto em plena selva. “Não havia nada lá. Foi uma das obras mais complicadas que já participei. É uma grande alegria vol-

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“Foi uma difi culdade muito grande.

Víamos as máquinas chegando por

helicópteros em diversas viagens. Não

parava.”

As obras da Comissão de Aeroportos da Região Amazônica (COMARA) ajudaram a levar o CAN a lugares isolados

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Uma das principais preocupações da COMARA é captar recursos hídricos e minerais

No esforço de início de obra, militares e civis foram desbravadores do desenvolvimento

tar lá e saber que a cidade cresceu ao redor do aeródromo”, explica o servidor civil José da Costa Lima, mecânico de 63 anos que ainda trabalha na COMARA. Ele lembra que, após as obras como essa, foi possível verificar o impulso que deu ao CAN. “Era uma felicidade. Passou a chegar de tudo onde não tinha quase nada. Eu acompanhei algumas missões.” Lima comple-tou nada menos do que 40 anos de trabalho na organização.

A obra que o funcionário civil participou, por exemplo, ilustra a superação de defi ciências, e ocorreu no fi m de 1975. A pista chegou em boa hora. Isso porque o Rio Xingu, que atravessa São Félix, é inapro-priado para navegação de embarca-ções e balsas com capacidade para mais de 20 toneladas de carga útil. Na prática, isso quer dizer que não chegavam ao local máquinas pesa-das no canteiro de obras. Tratores, motoniveladoras, caçambas, rolos compressores, todo o material pesa-do foi transportado até São Felix por helicóptero. “Foi uma difi culdade muito grande. Víamos as máqui-nas chegando por helicópteros em diversas viagens. Não parava”, recorda o servidor civil.

As quantidades gigantescas de material de construção, grande parte colocada em São Felix por via aérea, dão idéia do esforço de homens empenhados na tarefa: 800 toneladas de asfalto, 500 de cal, 4.000 sacos de cimento, 600.000 litros de óleo diesel, 3.200m3 de areia, 5.000m3 de seixo e 450.000m3 de terra movimentada. A mistura desses ingredientes, aos quais fo-ram adicionados o esforço, suor e energia de civis e militares da CO-MARA, deu como resultado uma pista de 1.600m x 33m, um pátio de estacionamento de 120m x 80m, um terminal de passageiros com 400m2 de área útil e mais uma comunidade

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“Era uma felicidade. Passou a chegar de tudo onde não tinha

quase nada. Eu acompanhei algumas

missões.”

Na Amazônia, as avenidas são os rios. Material chega aos canteiros por meio de balsas

trazida para o convívio mais íntimo da nação.

Nessa aventura de construir em áreas sem recursos, como numa grande cidade, é preciso chegar equipamentos como “moto-scra-per”, “patrols“, balsas, dragas, pás mecânicas, britadeiras, caçambas basculantes de todo o tipo e tamanho e uma infi nidade de equipamentos menores.

Tanto esforço, tanto suor, para que o avião chegue aos locais mais isolados. Depois de uma obra feita, já é possível chegar com assistência humanitária. A pista se transforma, então, em polo irradiador para as populações da localidade. Antes da cidade se ampliar, porém, problemas como difi culdades no transporte de máquinas pesadas e de material de construção, carência de pedra na área, escassez de mão-de-obra qua-lifi cada e prejuízos causados pelas chuvas nos trabalhos de terraplena-gem e pavimentação são comuns.

Outras obras seguiram o trâmite do que ocorreu na primeira em São Félix do Xingu. De cidades maiores como Macapá (AP) e Santarém (PA) a outras com bem menos recursos e que passaram a serem assistidas em função da construção da pista, como Moura, Barcelos, Yauaretê, Tunuí, Cachoeira, Maués, Estirão do Equador e Tiriós. Esta última, a duas

horas de Belém, é uma localidade formada por indígenas e atendida pelo CAN desde que o Primeiro Co-mando Aéreo Regional era chamado de Primeira Zona Aérea. As comuni-dades costumam guardar fotos dos brigadeiros que foram comandantes como verdadeiros ídolos.

Com uma simples troca de no-mes e ligeiras mudanças nos núme-ros apresentados, o exemplo de São Felix pode ser várias vezes multipli-cado pelas 203 obras realizadas pela maior empreiteira de aeródromos da Região Norte. Foram os aviões da Força Aérea que abriram os ca-minhos da Amazônia para o Correio Aéreo Nacional e depois seguidos pela aviação comercial. Também foram os homens e mulheres, civis e militares, da COMARA os criado-res dos embriões dos aeroportos na Amazônia que efetivaram, defi niti-vamente, a política aeroportuária para a região Norte e a integraram

ao resto do país. Recursos Humanos - O ideal

de servir à Pátria foi, desde o início, a tônica predominante e comum a todos os participantes civis e militares que se ampliava com entusiasmo pela Aeronáutica com o desejo de se estender por toda a área amazônica, levando o progresso, segurança, vigilância, integração, cidadania, educação e saúde, enfi m, a presença dos brasi-leiros onde eles eram inteiramente desconhecidos.

Todo este trabalho é desenvolvi-do por profi ssionais multisetoriais que desenvolveram, ao longo dos anos, experiência em construir no meio da selva. Aprenderam a respeitar o tempo da natureza e as regras de sustentabilidade para levar o desenvolvimento, sem o comprometimento das gerações futuras. Foi assim que o CAN se tornou viável.

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Os “anjos da guarda” que continuam a salvar vidas na Amazônia

Pode-se chamar de novidade que há mais pistas, estrutura,

equipamentos e instrumentos de na-vegação. Também é nova a inclusão de outras cidades para os atendi-mentos. Populações recebem vacinas e medicamentos nem sonhadas por outras gerações. O interessante é que os sentimentos de quem participa do Correio Aéreo Nacional (CAN)

Desde 2004, as missões do Correio Aéreo já superaram a marca de 78 mil atendimentos de saúde na região Norte do país; dedicação e profi ssionalismo é legado histórico

permanecem os mesmos, 80 anos depois. Nada mudou nessa história de amor e profi ssionalismo. Os mi-litares da Força Aérea Brasileira con-tinuam a vibrar cada vez que uma pessoa é salva e a se desmanchar em dor quando não foi possível. A ver-se no meio de casebres, malocas, terra batida, por entre árvores, e lá-grimas de criança, entendem o valor

da missão, de acordar mais cedo ou não dormir. A não dormir por dias já longe dos cenários. A correr para não deixar correr o relógio. A molhar-se na beira do rio. A deitar-se e não esperar a hora de começar tudo de novo.

Aviões e helicópteros quando pousam hoje nas mais afastadas loca-lidades do país, para atender neces-

Por Tenente-Jornalista Luiz Claudio FerreiraD

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sidades de brasileiros, trazem, como vento de cauda, um exemplo. Na chegada do século XXI, o Correio Aé-reo foi reativado (2004) e segue com a fi losofi a de unir o país-continente. Desde então, o CAN já superou a marca de 78 mil atendimentos de saúde. Aliás, essa tem sido a tônica das missões: pilotos, mecânicos e militares da área de saúde. O grupo passa pelo menos uma semana em diferentes percursos para chegar onde ainda hoje as distâncias são medidas em dias. Equipes do CAN fi cam diante de problemas comuns em comunidades ilhadas pela dis-tância e pela difi culdade de acesso. “A pé, levei quinze dias” é uma frase comum entre ribeirinhos. Em barcos, às vezes, uma semana. Quem está no conforto de uma cidade grande, ou

mesmo nunca esteve na Amazônia, fi ca difícil até imaginar.

Na época da retomada no CAN, em uma das cidades do Acre, o então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva avaliou a importância da missão: “Quem vê avião a toda hora não tem a menor noção do que signifi ca um avião da Força Aérea Brasileira passar, uma vez por mês, aqui, nesta cidade, e deixar médico, dentista, quem sabe, deixar outro tipo de atendimento que vocês tanto precisam”. Era o recomeço de uma história que havia deixado grande legado anterior. “Eu confesso que fi quei emocionado na hora em que esse avião pousou aqui”, completou.

Ficar emocionado faz parte tam-bém da rotina dos militares de hoje em dia. “Chegamos a lugares

muito distantes e somos recebidos com muito carinho”, testemunha a Tenente-Coronel Enfermeira Dalzira Pimentel. O Tenente Médico Waldyr Oliveira Júnior, há seis anos na FAB, garante que é normal se amocionar a cada missão. “É uma outra rea-lidade de vida”. Em uma missão que Aerovisão acompanhou, em Santa Rosa do Purus, a freira Maria Brandão destacou a importância desse trabalho: “As comunidades têm a consciência de que o CAN faz toda a diferença. Não imaginamos o que seria sem que houvesse a che-gada dos aviões”. O agricultor João Santana, de 68 anos, estava perto da conversa e balançava a cabeça. “Faz uns anos que o pessoal do CAN me salvou o pé [que estava com início de uma gangrena]. Da última vez, fi z até

Profi ssionais de saúde da Força Aérea auxiliam no atendimento das populações atendidas pelas linhas do Correio Aéreo

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Comunidade indígena Xitei recebe mastro e Bandeira Nacional na região Amazônica; apoio é fundamental para os povos isolados

Dou

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exame de vista. Era preciso usar um colírio. Eles me deram.”

O CAN tem atuado, principal-mente com a aeronave C-98 Caravan. As linhas de hoje atendem os estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Ro-raima. Muitas delas, em meio a comu-nidades indígenas, recebem, além do atendimento de saúde, outros direitos de cidadania, instruções sobre vários assuntos e até mastro e Bandeira Na-cional. Fato normal é quando os mo-radores destes rincões referem-se aos militares como “Anjos da Amazônia”. São, inclusive, comuns as histórias de “Fabianos” e “Fabianas” que nascem em meio a missões e ganham o nome em homenagem os profi ssionais que atenderam as gestantes e até fi zeram os partos.

Esses anjos chegam de farda camufl ada ou de macacão de voo. Ao desembarcarem do avião, são recebidos pelos olhares curiosos que se organizam em fi las. Sabem bem

que todos serão atendidos. “Nós esperamos o momento que eles chamam. Todos aqui agradecem essa visita”, disse o cacique dos Tiriós, na comunidade de mesmo nome a duas horas de voo de Belém.

A “visita” é tida como um mo-mento principal, tal como a chuva ou a colheita. Os profi ssionais chegam, separam os equipamentos, instalam-se e atendem durante o dia inteiro. En-tre angústias e alívios. Entre partos e sobrevivências, os militares adaptam-se às diferentes realidades de cada comunidade. Os médicos explicam, por exemplo, que a noção de tempo é diferenciada. Por isso, é preciso ser di-dático ao explicar qual o período para se tomar um medicamento. Lidam ain-da com realidades amazônicas com-plexas. “Meu pai morreu, minha mãe morreu, meu irmão morreu”, contou à Aerovisão Crasione Yanomami, da comunidade Xitei em Roraima. Hoje, tanto o garimpo quanto a malária

estão sob controle na região. Outro fator diferenciado de voar

na Amazônia são as adversidades climáticas. “A gente achava que, por causa da neblina [aru], não daria para pousar aqui hoje”, disse o laborato-rista Marcelo Alvarenga, que vive entre os ianomâmis há seis anos. Em menos de uma hora, mais de cem índios lotavam as redondezas do ambulatório. “Eles ouviram o barulho do avião”. Os moradores surgem após receberem uma mensagem via rádio ou megafones do pessoal de saúde. “O pessoal da Aeronáutica chegou.” Eis a frase que faz juntar em curto prazo centenas de pessoas ao redor dos locais de atendimentos. Médicos, dentistas, enfermeiros, auxiliares e as tripulações entendem rápido o dialeto do pedido de ajuda. Os socorridos passam a ser fl uentes em solidarie-dade e cidadania. Não é a primeira vez que acontece. Mas sempre será novidade para quem recebe o apoio.

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Alguns dos personagens desta grande história

Marechal do Ar Eduardo Gomes Marechal do Ar Casimiro Montenegro

Tenente Brigadeiro CamarãoTenente Brigadeiro Protásio

Major Brigadeiro Lavenère-Wanderley Major Brigadeiro Lysias

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