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AÇÃO AMBIENTAL - Novembro/Dezembro 2008 1

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AÇÃO AMBIENTAL - Novembro/Dezembro 2008 1

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AÇÃO AMBIENTAL - Novembro/Dezembro 20082

Visite o nosso sitewww.editoraufv.com.br

Conservação de Solo e Água -Práticas mecânicas para o contro-

le da erosão hídrica.Cód. 10004 - 240p. 2008. R$35,00

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origem animal - Vol. 1Cód. 10032 - 308p. 2003. R$40,00

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Apresentação

AÇÃO AMBIENTAL - Novembro/Dezembro 2008 3

Existem cerca de 7 mil espécies de peixes de águadoce identificadas no planeta, das quais cerca de 20%estão extintas ou correm o risco de extinção. Grandeparte das ameaças a essas espécies decorre de modi-ficações ambientais causadas pela intervenção do ho-mem, como a mudança do fluxo de rios; a construçãode barramentos; o lançamento de resíduos industriaisurbanos e agropecuários sem tratamento diretamentenas águas; o desmatamento ciliar e o aumento das ta-xas de erosão.

Os peixes são altamente dependentes das caracte-rísticas do ecossistema aquático que mantêm todas assuas funções biológicas. Essa dependência é ainda maismarcante para espécies migradoras, que necessitam deambientes diferentes para as principais fases do seu ci-clo de vida - reprodução, produção de juvenis, crescimen-to e maturação sexual. Não por acaso, essas espéciessão as mais susceptíveis à extinção, em conseqüênciade ações antrópicas.

Minas Gerais é um dos estados brasileiros com maiordisponibilidade hídrica. Esta riqueza que, por um lado,permite o desenvolvimento econômico do estado (insta-lação de diversos aproveitamentos hidrelétricos, agricul-tura irrigada e disponibilidade hídrica para o consumourbano e industrial), por outro, traz consigo a responsabi-lidade pelo correto manejo dos recursos naturais associ-ados aos corpos d’água explorados. Criar estratégiaseficientes para a conservação dos recursos pesqueirosem consonância com as demandas crescentes de águapela população do estado é um desafio considerável econjunto para a comunidade científica, organizações dasociedade civil, empresas e governos.

Esta edição da Ação Ambiental aborda os desafiospara a conservação das espécies nativas de peixes emMinas Gerais. A revista traz uma série de artigos escritospor alguns dos maiores especialistas em conservaçãoda ictiofauna do estado e do Brasil, além de profissio-nais que atuam diretamente na área. Estes artigos bus-cam responder à seguinte pergunta: “O que deve ser fei-to para garantir que as espécies de peixes nativas so-fram o menor impacto possível em vir tude das açõesantrópicas?”.

Não há uma resposta única a esta questão, que ébastante complexa e deve ser tratada de forma interdis-ciplinar. Acreditamos, no entanto, que as informações aquiapresentadas, apesar de não esgotarem o tema, serãode grande utilidade na formulação de estratégias maiseficientes para a conservação de uma das faunas maisdiversas e belas do planeta.

Boa leitura!

There are almost 7000 identified species of freshwaterfishes in the planet, about 20% of which are extinct or inrisk of extinction. We can assert that a large amount ofthe threats to these species originate from environmentalchanges caused by human intervention such as changeof river flow, building of dams, launching of untreated in-dustrial, urban, cattle and agricultural waste directly in thewaters, deforestation, and the increase of erosion taxes,and others. Clearly there exists a necessity for thesustainable use of fish biodiversity.

Fish population are highly dependent on the aquaticecosystem characteristics that maintain all of theirbiological functions. The dependence is most markedon the migrator y species that depend on dif ferentenvironments for the main stages of their life cyclethat are reproduction, juvenile production, growth andsexual maturity. No coincidence, these species aremore susceptible to having their stock reduced as aconsequence of anthropic actions.

Minas Gerais is one of the Brazilian States with thegreatest water availability. This richness that on one handbrings with it the State´s economical development throughthe installation of various hydroelectric uses, irrigatedagriculture and hydric availability for urban and industrialconsumption, on the other hand, brings with it theresponsibility of the appropriate use of natural resourcesassociated with the exploited water beds. Create efficientstrategies for the conservation of fishing resources inconsonance with the growing demand on water by theState´s population is a considerable challenge for thescientific community, civil society organizations, public andprivate sectors.

The present edition of the “Revista Ação Ambiental”(Environmental Action Magazin) addresses the challengesof native fish species conservation in Minas Gerais.This edition brings a series of articles written by some ofthe State´s and Brazil´s greatest specialists on fishconservation, also several professionals that work directlyin the field. These articles search to answer the followingquestion: “What must be done in order to guarantee thatthe native fish species suffer the least impact possible inconsequence of anthropic actions”.

There is no unique answer to this question that is,without a doubt, very complex and must be dealt with inmultidisciplinary ways. We believe, however, that theinformation here presented, although does not exhaustthe subject, will be of great usefulness on the formulationof more efficient strategies for the conservation of one ofthe planet´s most diverse and beautiful fauna.

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SUMÁRIO

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Apresentação

Entrevista: Newton José Schmidt Prado

1o Simpósio de Passagens de América doSul: avaliação e propostas

A gestão de recursos pesqueiros emreservatórios no Brasil

Passagens de peixes como ferramenta paraa conservação de recursos pesqueiros

Breve história da ictiologia em Minas Gerais

Estudos hidráulicos e de bioengenharia noCentro de Transposição de Peixes

Opinião Debate 1 - Peixamento comomedida ambiental mitigadora do impacto naictiofauna

Opinião Debate 2 - Peixamento: benefícios econtrovérsias de uma técnica de manejo

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Pró-Reitor de Extensão e CulturaGeraldo Antônio de Andrade Araújo

Divisão de ExtensãoJoão Marcos Araújo

EditoresAltair Dias de MouraAnn Honor Mounteer

Antônio Teixeira de MatosClaudio Lisias Mafra de Siqueira

James Jackson GriffithJorge Abdala Dergam dos Santos

José Paulo MartinsLourdes Helena da Silva

Raphael Bragança Alves Fernandes

Editor-chefe e Jornalista ResponsávelJoão Batista Mota (Reg. Prof. 2.540 – MTb-MG)

Coordenação Técnica dessa ediçãoJoão de Magalhaes Lopes

Projeto Gráfico / DiagramaçãoMauro Jacob

RevisãoEliane Ventura

GerênciaVera Daian

EstagiáriaMiriam da Silva Batista

FotolitoDelta Fotolitos

ImpressãoDivisão Gráfica Universitária / UFV

Tiragem2.000 exemplares

Expediente

Redação / Distribuição

Revista Ação AmbientalRevista Ação AmbientalRevista Ação AmbientalRevista Ação AmbientalRevista Ação AmbientalDivisão de Extensão - Pró-ReitoriaDivisão de Extensão - Pró-ReitoriaDivisão de Extensão - Pró-ReitoriaDivisão de Extensão - Pró-ReitoriaDivisão de Extensão - Pró-Reitoria

de Extensão e Culturade Extensão e Culturade Extensão e Culturade Extensão e Culturade Extensão e CulturaUniversidade Federal de ViçosaUniversidade Federal de ViçosaUniversidade Federal de ViçosaUniversidade Federal de ViçosaUniversidade Federal de Viçosa

36570-000 Viçosa - MG36570-000 Viçosa - MG36570-000 Viçosa - MG36570-000 Viçosa - MG36570-000 Viçosa - MGTelefax: (31)3899-2752Telefax: (31)3899-2752Telefax: (31)3899-2752Telefax: (31)3899-2752Telefax: (31)3899-2752

www.acaoambiental.ufv.brwww.acaoambiental.ufv.brwww.acaoambiental.ufv.brwww.acaoambiental.ufv.brwww.acaoambiental.ufv.brE-mai l : acaoambE-mail : acaoambE-mail : acaoambE-mail : acaoambE-mail : [email protected]@[email protected]@[email protected]

Reitor da UFVCarlos Sigueyuki Sediyama

ISSN 1519-0552

Representante em Belo HorizonteRepresentante em Belo HorizonteRepresentante em Belo HorizonteRepresentante em Belo HorizonteRepresentante em Belo HorizonteAffonso Paulo Ferreira da Silva

Telefone: (31)3227-5233

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Os conceitos, afirmações e opiniões nos artigos publicados são de inteiraresponsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, a opinião da

Revista ou de seu Conselho Editorial.

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Foto capa: João Marcos Rosa

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Entrevista

AÇÃO AMBIENTAL - Novembro/Dezembro 2008 5

Quando foi lançado o ProgramaPeixe Vivo?

A Cemig lançou, em junho de2007, o Programa Peixe Vivo, queprevê a criação e a expansão deações voltadas para a preservaçãoda fauna aquática nas baciashidrográficas onde existem empre-endimentos da empresa. O progra-ma procura ampliar as atividadesde peixamentos, pesquisas e al-ternativas preventivas para asações de geração de energia como menor impacto possível sobre aictiofauna, contando sempre como envolvimento da comunidade.

Quais os principais objetivos doprograma?

Criar mecanismos (equipamen-tos e procedimentos operacionais)para evitar e prevenir a possibili-dade de morte de peixes associa-

dos à operação e manutenção dasusinas hidrelétrica, além de asse-gurar uma resposta rápida e efici-ente em situações de emergência.Isso tudo com o envolvimento dacomunidade científica, dos órgãosambientais, das comunidades lo-cais e da sociedade nas soluçõesa serem elaboradas.

Como foi formada a equipe doPeixe Vivo?

Esse tipo de trabalho com umaequipe interdisciplinar, compostade profissionais da área biológi-ca, engenharia e comunicação so-cial, é uma iniciativa inédita. A jun-ção dessas áreas nos permite de-senvolver medidas mais eficientespara a prevenção e mitigação deimpactos causados ao meio ambi-ente por construções e operaçãode usinas hidrelétricas.

Quais os primeiros passos doprograma para desenvolver políti-cas de preservação da ictiofauna?

Com o objetivo de obter maiorparticipação da sociedade nas deci-sões e ações a serem implemen-tadas pelo programa, foram realiza-das oito oficinas integradas compesquisadores da Universidade Fe-

Na edição que tem como tema a conservaçãode peixes nativos em Minas Gerais, não poderiahaver entrevistado mais apropriado à AçãoAmbiental do que Newton José Schmidt Prado,coordenador do programa Peixe Vivo, da Cemig.Isso porque o principal objetivo do programa éexatamente a criação e a expansão de ações vol-tadas para a preservação da fauna aquática nasbacias hidrográficas, onde existem empreendimen-tos da empresa.

Newton Prado é engenheiro agrônomo por for-mação e, desde 1979, atua na Cemig, aonde vemexercendo cargos diversos, da área de eletrifica-ção à de programas ambientais. Atualmente, éanalista de meio ambiente da empresa.

Esse trabalho,com uma equipe

de profissionais daárea biológica,

engenhariae comunicação social,é uma iniciativa inédita

Programa Peixe Vivo da Cemig:menor impacto sobre a ictiofauna

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AÇÃO AMBIENTAL - Novembro/Dezembro 20086

Entrevista

AÇÃO AMBIENTAL - Novembro/Dezembro 20086

deral de Minas Gerais ( UFMG); doNúcleo de Pesquisas em Limnologia,Ictiologia e Aqüicultura (Nupelia) daUniversidade Estadual de Maringá;Fundação Biodiversitas; AssociaçãoMineira de Defesa do Meio Ambien-te (AMDA); Segmento PesqueiroArtesanal de Três Marias; Segmen-to da Sociedade de Três Marias; Pro-jeto Manuelzão; Companhia de De-senvolvimento dos Vales do SãoFrancisco e do Parnaíba (Codevasf);Instituto Brasileiro do Meio Ambien-te e dos Recursos Naturais Renová-veis (IBAMA), e consultores autôno-mos, biólogos e engenheiros.

Durante os encontros, era apre-sentada a “Percepção da Cemig comrelação à Ictiofauna”. Era explicadaaos participantes a criação do Pro-grama Peixe Vivo e seus objetivos:a experiência da empresa na repro-dução artificial de espécies nativasem estações de piscicultura própri-as e conveniadas, a parceria comprodutores rurais nesse processo,peixamentos, trabalhos de pesqui-sa e desenvolvimento, explicação demanobras que geram impactos so-bre os peixes (parada/partida de má-quinas e drenagem da sucção), eos procedimentos operativos que jásão adotados para minimizar ou evi-tar esses impactos.

Posteriormente à apresentação,a dinâmica da oficina possibilita-va aos participantes expressaremsua opinião sobre a apresentaçãoe fazer sugestões para melhorar eproteger a ictiofauna de MinasGerais e evitar e/ou prevenir amorte de peixes em usinas hidre-létricas da Cemig.

Vocês procuraram conhecer asmelhores práticas desenvolvidaspor outras empresas, inclusive in-ternacionais?

Foi realizada uma consulta peloPrograma Peixe Vivo, que contoucom a participação de especialis-tas nacionais e internacionais em

sultados; avaliar a pertinência deimplantação e de funcionamentode sistemas de transposição paraa conser vação e melhoria daictiofauna; ampliar a divulgaçãoe a discussão sobre a ictiofauna(inclusive a sua interação com asusinas) para a sociedade.

Propostas para mitigação deeventos que levem à morte de pei-xes: assegurar a existência e forta-lecer o Programa Peixe Vivo, comproposição de procedimentos e al-ternativas para a redução do riscode morte de peixes, avaliação deinformações de monitoramento,maior detalhamento dos eventos demortalidade, capacitação contínuados empregados da empresa pelaEscola de Formação Profissional emSete Lagoas; avaliar e propor medi-das de proteção de peixes em usi-nas para a redução dos riscos demortandade.

Quais as ações implantadas ouem implantação pelo programapara evitar morte de peixes de-correntes da operação de usinashidrelétricas?

Foi elaborada e revista uma sé-rie de procedimentos nas usinashidrelétricas da Cemig para preve-nir e reduzir os impactos ambien-tais sobre a ictiofauna, nas mano-bras de operação e manutenção emusinas.

Outra ação foi a implantação debarreira física no tubo de sucçãoque impede a entrada de peixes,quando há parada de máquinas pro-gramadas na Usina de Três Marias.Encontra-se em fase de projeto aautomação dos sistemas de gradee a sua utilização em conjunto coma comporta de jusante. Isto impe-de que peixes fiquem aprisionadosdurante operações de paradas demáquina e diminui sensivelmenteo risco de acidentes ambientaisdurante estas operações.

Foi elaborada umasérie de procedimentosnas usinas da Cemig

para prevenir e reduziros impactos

sobre a ictiofauna,nas manobras de

operação e manutençãoem usinas

ecologia de peixes, transposição,engenharia hidráulica, representan-tes da UFMG, Nautilus EngenhariaLtda., Hidricon, Hydro Québec (Ca-nadá), Silvio O Conte AnadromousFish Research Center e US Bureauof Reclamation (Estados Unidos).

Esses especialistas visitaram aUsina Hidrelétrica de Três Mariase assistiram à apresentação da“Percepção da Cemig com relaçãoa Ictiofauna”. Durante os quatrodias do encontro, eles fizeram apre-sentações e sugestões para miti-gar ou evitar morte de peixes nasusinas e melhorar os programasde conservação da ictiofauna daempresa.

Quais foram os principais resul-tados obtidos nas consultas rea-lizadas nas oficinas integradas?

Entre as propostas para amelhoria e proteção da ictiofauna:desenvolver estudos e ações demitigação relacionadas à conser-vação e restauração de habitat eproteção de espécies de interes-se para a melhoria da ictiofauna;assegurar a variabilidade genéti-ca de populações naturais de pei-xes e avaliar os repovoamentos(utilizando também outras técni-cas), para mitigar e monitorar osimpactos genéticos e os seus re-

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A fauna de peixes de água doceda América do Sul é a mais diversado planeta, com pelo menos 4.500espécies válidas. Embora apenas umapequena fração delas apresente com-portamento migrador, devido à suaabundância e grande porte, elas sãoas mais importantes para a pesca.

A redução nos estoques pesquei-ros, detectada em muitos rios da

América do Sul, é atribuída, entreoutros fatores, a falhas no recruta-mento devido à interrupção da migra-ção dos peixes. Entre as estratégiasutilizadas para diminuir os efeitos dobloqueio causado por barragens namigração, está a construção de me-canismos de transposição ou passa-gens para peixes. Eles são, essenci-almente, condutos de água que, atra-vés ou à volta de um obstáculo, dis-sipam a energia hidráulica para per-mitir que o peixe possa subi-lo semestresse. Exemplos de mecanismosde transposição de peixes (MTP) sãoas escadas, eclusas e elevadores.

Os registros mais antigos das es-truturas para a transposição de pei-xes datam do século XVIII, na Euro-pa, quando já possibilitavam às es-pécies migradoras, principalmente ossalmões, atingir os locais de repro-

dução e desova à montante de bar-ragens, quedas d‘água e corrente-zas. No Brasil, a primeira escada deque se tem relato foi construída em1906, no rio Atibaia, na barragem deSalto Grande, em Campinas (SP), eera do tipo com degraus.

Na América do Sul, já existem maisde 50 escadas em operação, distri-buídas pelas diversas bacias hidrográ-ficas. Elevadores e eclusas, porém,são menos comuns; alguns exemplossão os elevadores de Yacyretá, Funile Por to Primavera na bacia doParaná; a eclusa de Salto Grande, norio Uruguai, e o elevador com cami-nhão-tanque da Usina de Santa Cla-ra, no rio Mucuri. Depois de quase100 anos da construção da primeiraescada no Brasil, apenas recente-mente, com o aumento de usinas hi-drelétricas em implantação e a cria-

1o Simpósio de Passagens de América do Sul:avaliação e propostas

Paulo dos Santos PompeuDepartamento de BiologiaUniversidade Federal de [email protected]

Hersília de Andrade e SantosCentro Federal de Educação Tecnológica de MinasGerais – Cefet-MG

Carlos Bernardo Mascarenhas AlvesCentro de Transposição de PeixesUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Exemplo de elevador de peixes, construído na Usina Hidrelétrica de Santa Clara

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ção de legislações estaduais espe-cíficas, é que este assunto tem rece-bido maior atenção.

Reflexo disso foi o Simpósio Inter-nacional sobre “Passagens para Pei-xes na América do Sul”, realizado naUniversidade Federal de Lavras(UFLA-MG), entre 30 de julho e 3 deagosto de 2007, que contou com umpúblico de profissionais e estudan-tes que atuam no monitoramento ena pesquisa sobre migração e pas-sagens para peixes. Participaram dostrabalhos mais de 160 representan-tes de 10 estados brasileiros (MinasGerais, São Paulo, Rio de Janeiro,Paraná, Santa Catarina, Rio Grandedo Sul, Goiás, Tocantins, Espírito San-to, Distrito Federal), e de 7 países (Ar-gentina, Chile, França, Itália, Alema-nha, Canadá e Estados Unidos). Den-tre os brasileiros, cabe ressaltar a pre-sença de pesquisadores ligados a 15universidades e representantes denove empresas do setor elétrico, dezempresas de consultoria, além do Ins-tituto Estadual de Florestas (IEF) deMinas Gerais e do Instituto Brasileirodo Meio Ambiente e dos RecursosNaturais Renováveis (Ibama).

O evento surgiu da necessidadede se tratar interdisciplinarmente oestudo do impacto de usinas hidre-létricas sobre os peixes e suas impli-cações ecológicas. O programa reu-

niu sessões plenárias, apresentaçãode trabalhos técnicos na forma tradi-cional e contou também com as pa-lestras dos especialistas convidados:Christos Katopodis (Department ofFisheries and Oceans, Canadá) - Me-canismos de transposição para mon-tante - e Glenn Cada (Oak RidgeNational Laboratory, Estados Unidos)- Transposição para jusante e turbi-nas amigáveis. Foram apresentadosainda 30 trabalhos, posteriormentepublicados em volume especial da re-vista Neotropical Ichthyology e nosanais do evento.

Apesar do grande número de tra-balhos, ficou evidente a concentra-ção de estudos de poucos estados.Minas Gerais, por reunir o maior nú-mero de empreendimentos hidrelétri-cos e por ter sediado o evento, foi oque expôs o maior número de MTPestudados. Em relação ao número demecanismos, também se destacaramParaná, São Paulo, Tocantins e MatoGrosso do Sul. Outros estados, po-rém, cuja geração é bastante impor-tante na matriz hidroenergética bra-sileira (Rio Grande do Sul, SantaCatarina, Goiás e Rio de Janeiro) nãoapresentaram estudos ligados àtransposição em seus empreendi-mentos. Este panorama também re-flete diretamente a distribuição dosgrupos de pesquisas que vêm traba-

lhando com transposição de peixesno Brasil, com concentração em al-guns poucos estados.

A maior parte dos trabalhos con-centrou-se na avaliação de aspectosbiológicos e hidráulicos dos MTPs, in-dicando nosso conhecimento incipi-ente sobre o seu funcionamento eeficiência. Em alguns casos, a pró-pria conveniência da operação domecanismo foi questionada. Issoporque os MTPs para montante -quando não têm condições adequa-das para a descida de adultos, ovose larvas - podem atuar como armadi-lhas ecológicas (ecological traps),direcionando boa parte da popula-ção para áreas menos apropriadaspara completarem seu ciclo de vida,ou deplecionando os estoques dejusante.

Também foram apresentados es-tudos sobre a biologia de espéciesmigradoras, incluindo genética depopulações, padrões migratórios ecapacidade natatória, aspectos bá-sicos para o projeto e a operaçãode passagens para peixes. Dentreeles, foi proposta uma nova confi-guração de escada, além da discus-são sobre a aplicabilidade de no-vas ferramentas utilizadas para aavaliação de passagens para pei-xes da América do Nor te em riosbrasileiros.

Distribuição do número de hidrelétricas e MTPs com trabalhosapresentados por estado

Número de universidades com representantes em trabalhosapresentados por estado

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Referências bibliográficas

Clay, C. H. Design of Fishways and Other Fish Facilities. Second Edition,CRC Press, Boca Raton, Florida. 248p, 1995.

Godoy, M. P. Aquicultura – Atividade Multidisciplinar, Escadas e OutrasFacilidades para Passagens de Peixes, Estações de Piscicultura,Eletrosul – Centrais Elétricas do Sul do Brasil S.A., Florianópolis, 1985.

• Urgente necessidade de estudos prévios à construçãode barragens, ainda na fase de inventário de partição dequedas de rios brasileiros, para melhor subsidiar as to-madas de decisão;

• Necessidade de estudos, incluindo os de impactoambiental, que considerem toda a bacia de drenagem (ca-lha, afluentes e várzeas), e não apenas as regiões direta-mente afetadas pelos empreendimentos;

• Definição clara do real propósito para a construção de MTP;

• Mapeamento de cada habitat crítico para o ciclo de vidade espécies migradoras;

• Avaliar os efeitos da fragmentação de habitat sobre todaa comunidade, incluindo espécies migradoras e nãomigradoras;

• Exigência de estudos de monitoramento de longo prazo,em especial dos efeitos da ausência ou presença de umMTP para as comunidades de montante e jusante dobarramento;

• Implementação de novas técnicas para estudos de mo-vimentos de peixes, considerando todas as fases dociclo de vida;

• Manejo adequado dos MTPs existentes com base nosresultados de pesquisa e monitoramento;

• Incentivo ao estudo de capacidade natatória de espé-cies nativas sul-americanas;

• Disseminação de informações para órgãos delicenciamento e fiscalização;

• Desenvolvimento de tecnologias para a passagem depeixes de fundo e grandes bagres;

• Avaliar a necessidade de passagem de peixes nãomigradores de pequeno porte e exóticos pelo MTP;

• Urgente necessidade de desenvolvimento e aplicaçãode passagens para jusante: ovos/larvas, jovens e adul-tos;

• Incentivos e estudos de MTP que permitam o manejo(manipulação) e a seleção da quantidade de peixes trans-postos;

• Caracterização dos aspectos genéticos das populaçõesde peixes nos rios;

• Avaliação das taxas de mortalidade de ovos, larvas, jo-vens e adultos durante a sua passagem pelas estrutu-ras da barragem;

• Considerar a viabilidade de transposição de macroinver-tebrados bentônicos, quando aplicável;

• Observar, no momento da tomada de decisão sobre aimplantação ou não de um mecanismo de transposição,a existência de populações auto-sustentáveis à montan-te e à jusante da barragem. Em alguns casos, a trans-posição pode não ser recomendada, e em outros só deveser feita com monitoramento contínuo.

Neotropical Ichthyology, v.5 n.2 – Porto Alegre, Sociedade Brasileira deIctiologia. 2007. 150p. (www.eventos.ufla.br/fishpassages/trabalhos/resumos.zip)

Pompeu, P. S; Santos, H. A & Alves, C. B. M. (Orgs). Proceedings of theInternational Symposium on Fish Passages in South America. Lavras:Universidade Federal de Lavras, 2007. 100p. (www.ufrgs.br/ni/contents5-2.htm)

Ao final do encontro, foi elaborado um conjunto de recomendações sobre a manutenção da ictiofaunamigradora e a construção e estudo de MTPs para peixes na América do Sul. Entre elas:

No Simpósio, pesquisadores que atuam no monitoramento sobre migração e passagens para peixes

Recomendações

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AÇÃO AMBIENTAL - Novembro/Dezembro 200810

Os grandes reservatórios são umadas principais fontes de impacto so-bre os recursos pesqueiros e, prova-velmente, a principal ameaça à con-servação de peixes migradores deágua doce. Mais de 600 represa-mentos (40 mil quilômetros quadra-dos de área total alagada) estão dis-tribuídos por todas as grandes baci-as brasileiras, com maior concentra-ção mais a leste da América do Sul.O impacto mais evidente das barra-gens está na fragmentação dohabitat, com bloqueio do acesso en-tre os locais de desova e de desen-volvimento inicial, com conseqüênci-as sobre o recrutamento das espéci-es migradoras.

Além disso, são igualmente dano-sos os efeitos sobre os ecossistemasde jusante, por meio do controle dascheias, retenção de nutrientes, incre-mento das taxas de erosão e redu-ção do habitat crítico ao desenvolvi-mento das espécies. Em função dis-so, nas últimas décadas, populaçõesde peixe migradores vêm se reduzin-do nas regiões influenciadas por bar-ragens.

A busca por medidas que reduzamesses impactos está na pauta dasempresas concessionárias e dos ór-gãos ambientais, mas não é uma ta-refa fácil. Dentre as dificuldades, des-

tacam-se a falta de informações pro-fundas e apropriadas para subsidiaras medidas, a alta variabilidade na-tural das populações e comunida-des, as interações entre os proces-sos que se seguem ao represamentoe que elevam o grau de complexida-de do sistema, além da histórica pre-cariedade dos monitoramentos. Nafalta de informações básicas, as de-cisões de manejo são tomadas combase no “senso comum”, procedi-mento de maior apelo midiático epolítico, mas que falha, na maioriados casos.

Histórico e legislação

O manejo dos recursos pesquei-ros no Brasil, historicamente, foicentrado em algumas ações isola-das, sem o amparo de informaçõestécnicas e de monitoramento queavaliasse a efetividade e forneces-se informações para o seu aper fei-çoamento. Raramente, essas açõesfizeram parte de um planejamentofundamentado na demanda e comabrangências temporal e espacialapropriadas. Na maioria das vezes,foram executadas sob constrangi-mento legal.

A primeira legislação relacionadaao manejo da pesca em reservató-rio foi a de nº. 2.250, de 28 de de-zembro de 1927, do estado de SãoPaulo. Em seu artigo 16, ela tornavaobrigatória a instalação de escadapara a transposição de peixes emtodas as barragens - o que foi ampli-ado para todo o país por meio deLei Federal, em 1934. Em 1938,quando a efetividade das escadaspara a conservação dos recursosictiofaunísticos já era objeto de con-trovérsias, uma nova lei propunha aconstrução de estações produtorasde alevinos para o repovoamento.Nos anos seguintes, diversas esta-ções foram construídas no país.

Em 1967, o Decreto Lei nº. 221(28/02/67) delegou à Superintendên-cia para o Desenvolvimento da Pes-ca (Sudepe) a tarefa de determinar omelhor mecanismo para a proteçãoda fauna aquática. Essa agência, quetinha como finalidade o desenvolvi-mento da piscicultura e da pesca,tornou obrigatória (Resolução 46, de27/01/71) a construção da estaçãode piscicultura em cada uma das sub-bacias que tivessem represamentos.

O Estudo Prévio de Impacto Ambi-ental e respectivo Relatório de Impac-to Ambiental (EIA-RIMA), um instru-mento da Política Nacional de MeioAmbiente, foi instituído pela Resolu-ção Conama 001/86, de 23/01/1986, e é um procedimento obrigató-rio para a obtenção de licença aempreendimentos com relevante po-tencial de degradação do meio am-biente. Além da descrição do empre-endimento, esse relatório inclui o di-agnóstico ambiental da área, alterna-tivas para a obra e a identificação,análise e predição dos impactos dasações propostas, bem como a defi-nição das medidas mitigadoras e umprograma de monitoramento. A ela-boração desses relatórios represen-ta impor tante evolução na gestãodos recursos, visto que implica natomada de decisões a partir de estu-dos e avaliações.

Por outro lado, tendências recen-tes, inferidas a partir da obrigatorie-dade estabelecida da construção deescada em legislações estaduais(exceto se comprovada sua inadequa-ção), indicam um retorno ao manejoda primeira metade do século passa-do. As razões desse retorno, entretan-to, não são baseadas em dados con-cretos de falhas nas ações de mane-jo vigentes, nem no sucesso dastransposições como medida apropri-ada à conservação dos recursos.

Angelo Antonio AgostinhoUniversidade Estadual de Maringá, DBI-Nupelia -Paraná[email protected]

Fernando Mayer PelicicePós Graduação em Ecologia de Ecótonos,Universidade Federal do [email protected]

Luiz Carlos GomesUniversidade Estadual de Maringá, DBI-Nupelia -Paraná[email protected]

A gestão de recursos pesqueiros emreservatórios no Brasil

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AÇÃO AMBIENTAL - Novembro/Dezembro 2008 11

Ainda com relação à legislação,existe uma série de regulamentaçõesque limitam o exercício da pesca, proi-bindo-a durante a estação de deso-va e restringindo o uso de equipa-mentos, locais e esforço.

Estocagem

A estocagem de peixes, tambémconhecida como peixamento ourepovoamento, é uma das ações demanejo mais utilizadas em todo o mun-do, principalmente no Brasil. A práticase constitui na soltura deliberada depeixes em determinado corpo d’água,utilizando espécies provenientes deestações de piscicultura ou capturadosem outros sistemas naturais.

A progressiva degradação dosecossistemas aquáticos faz daestocagem um importante instrumen-to para a solução de problemassocioambientais, uma vez que podemprovocar alterações demográficasnas populações residentes, modifi-cando seu contingente ou sua taxade crescimento. Apesar da perspec-tiva otimista, sua efetividade tem sidoquestionada, com falhas e insuces-sos relatados em diferentes partesdo mundo. No Brasil, ao lado de rela-tos isolados de sucesso, existem

dos estoques selvagens, como mos-tram os dados históricos da Cesp eAES-Tietê. Não há qualquer relaçãopositiva entre o esforço de esto-cagem dessas espécies e suaabundância nos desembarques dapesca profissional.

Dentre as razões do insucesso,destacam-se a falta de clareza deobjetivos e metas e o desconheci-mento da demanda pela estocagem,ambos relacionados à escassez deinformações sobre o status dos es-toques. Pouco se soube sobre os mo-tivos pelos quais as espécies-alvo ti-veram suas populações depleciona-das (Habitat crítico? Capacidade desuporte do ambiente?), além da au-sência de um protocolo de estoca-gem adequado para cada espécie.E o pior: na maioria dos casos, ne-nhum monitoramento foi realizado,embora o programa tenha sido con-duzido durante décadas.

Por muito tempo, a falta de avalia-ção ou a inobservância das evidên-cias fornecidas pelo monitoramento(inclusive do desembarque pesquei-ro) possibilitou ações equivocadas,com desperdício de esforços, recur-

comprovações de grandes fracassos,resultantes de protocolos inadequa-dos.

Os programas de estocagem co-meçaram nos açudes nordestinos,ainda na primeira metade do séculopassado, quando foram bem sucedi-dos com o uso de espécies não nati-vas - tilápias, tucunarés e corvinas.Posteriormente, os programas passa-ram a ser aplicados em bacias do Sule Sudeste, onde espécies não nati-vas foram massivamente empregadasaté o início da década de 1990. Aatual proliferação de tucunarés ecorvinas, por exemplo, se deve a es-capes ou estocagens clandestinas,já que essas espécies não compu-nham as listagens oficiais.

Massivamente utilizada nos pro-gramas de peixamento, a tilápia es-tabeleceu-se apenas em pequenasrepresas. Curiosamente, sua pescaem grandes reservatórios da baciado Tietê ganhou relevância uma dé-cada após sua estocagem ter sidosuspensa, fato atribuído aos esca-pes freqüentes de inúmeros pes-que-e-pagues que se instalaram naregião. Os programas também utili-zaram espécies nativas, mas quepouco contribuíram no incremento

Requisitos para uma estocagembem-sucedida

Impactos potenciais dasatividades de estocagem

Avaliação técnica danecessidade da estocagem

Objetivos e metas claras equantificáveis

Avaliação do status do(s)estoque(s)

Conhecimento da capacidade desuporte do sistema (limitações)

Amplo conhecimento da biologiada espécie-alvo

Clareza metodológica (espécie,tamanho, onde e quando liberar)

Monitoramento

Fatores densidade dependentes

Uso de peixes de populaçõesdistintas

Seleção com intensidade edireção distinta

Introdução da faunaacompanhante

Introdução de parasitas epatógenos

Degradação genética do estoquenativo

Fatores do processo decisório sobre estocagem de peixes em reservatórios

Fonte: Agostinho et al., 2007

Repovoamento (estocagem) em cincoreservatórios da bacia do rio Paraná ecaptura por unidade de esforço na pescaprofissional

Dados (não publicados) baseados em 10 anos deestocagem e monitoramento de desembarque da pescarealizada pela AES

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sos e oportunidades. Embora os pro-tocolos atuais tenham sido melhora-dos, muito esforço ainda é aplicadona estocagem com objetivos vagos -melhorar a pesca ou recuperar oambiente -, sem que as ações sejamcorretamente avaliadas.

Entretanto, o amplo emprego e aaceitação da prática por par te deespecialistas, técnicos, mídia, auto-ridades e público em geral se devemao seu histórico no país. No final dadécada de 1960, constrangimentoslegais fizeram com que muitas esta-ções de piscicultura para estocagemfossem construídas junto às usinashidrelétricas. Obras suntuosas foramerguidas e, depois de algum tempo,passaram a atuar também no fomen-to, pois não podiam ficar ociosas.

Além do desperdício de esforços -públicos, inclusive -, o uso inapro-priado da estocagem tem a capaci-dade de provocar impactos adicio-nais sobre o ecossistema. Na verda-de, os programas de estocagem fo-ram responsáveis pela introdução dequase uma dezena de espécies emdiversas bacias do país. A baixa qua-lidade genética do plantel de reprodu-tores de parte das concessionárias

Participação relativa das principaisespécies no repovoamento (espéciesestocadas) e nas capturas da pescaexperimental em cinco reservatórios dorio Tietê, considerando o período de 2000a 2006.

Principais espécies registradas em escadas e elevadores para peixes e percentual em relação ao número total de indivíduos

Santa Clara(elevador)

Rhaphiodon vulpinus-cachorraPsectrogaster amazonica-branquinha

Oxydoras niger-cuiu-cuiu

Prochilodus lineatus-curimbaPimelodus maculatus-mandiLeporinus obtusidens-piapara

Rhinelepis aspera-cascudo-pretoAstyanax altiparanae-lambari

Serrasalmus marginatus-piranha

Pimelodus maculatus-mandiOxydoras kneri-cuiu-cuiu

Rhinodoras d’orbignyi-armado

Astyanax intermedius-lambariProchilodus vimboides-curimba

Leporinus conirostris

RESERVATÓRIO(Tipo de STP*)

Espécies Fonte%

Lajeado(escada)

Itaipu(escada)

Porto Primavera(escada)

Yacyretá(elevador)

Agostinho et al. (2007)

Fernandez et al. (2004)

Makrakis et al. (2007

Oldani et al. (2007)

Pompeu & Martinez (2006)

67%

65%

98%

85%

79%

deve ter contribuído para a acelera-ção da degeneração genética dos es-toques naturais. Atualmente, a bus-ca por alevinos na piscicultura con-vencional se constitui numa preocu-pação adicional, visto que é desejá-vel a simplificação genética dos or-ganismos para o cultivo (melhoramen-to dos atributos zootécnicos), en-quanto que há exigência de manu-tenção de sua variabilidade para aestocagem (resistência a mudanças

ambientais). Além desses problemas,a banalização da estocagem pode tercontribuído para a disseminação deparasitas e patógenos em águas pú-blicas.

Nos últimos anos, vem se verifican-do uma crescente preocupação coma qualidade genética do plantel e al-gumas estações têm substituído anu-almente as matrizes por indivíduosselvagens. Os cuidados em relaçãoà sanidade, aos locais de soltura eao tamanho liberado vêm sendoimplementados em várias concessi-onárias no manejo de seus reserva-tórios. Há, entretanto, um longo ca-minho até a perfeição, destacando-se a racionalização da tomada de de-cisão sobre a espécie-alvo, quanto,quando e onde realizar a estocagem,e qual o tamanho adequado dospeixes. Isso pressupõe amplo conhe-cimento do status populacional, donível de exploração, da capacidadede suporte do ambiente e/ou fato-res que restringem o crescimento dapopulação silvestre. A avaliação dosresultados realizada com bases téc-nica e científica adequadas e o esta-belecimento de critérios rigorosos naprodução de alevinos para estoca-

Dados não publicados fornecidos pela AES

* STP = Sistema de Transposição de Peixes

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AÇÃO AMBIENTAL - Novembro/Dezembro 2008 13

gem ainda são apenas avanços de-sejados.

Mecanismos de transposição

Os mecanismos de transposição,também conhecidos como passa-gens de peixes, são estruturas de en-genharia construídas com o objetivode religar trechos de rio fragmenta-dos por obstáculos, geralmente bar-ragens. Na Europa e América do Nor-te, berço da técnica, a construção depassagens foi motivada pela interfe-rência dos barramentos na migraçãode salmonídeos – espécies que de-sempenham longas migrações domar para a cabeceira dos rios (locaisde desova), com o posterior retornodos juvenis para o oceano. Atualmen-te, existem centenas dessas estru-turas pelo mundo, incluindo elevado-res, caminhões com caçamba espe-cial, canais seminaturais de migra-

ção, eclusas e, principalmente, esca-das de peixes.

Apesar de originalmente projeta-das para a transposição de salmoní-deos, as escadas foram implantadasem muitos ambientes para permitir odeslocamento de peixes migradorescom ciclo de vida diferenciado, cujamovimentação ocorre exclusivamen-te dentro do ambiente de água doce.Essas espécies requerem diferentestipos de habitat para desova (geral-mente a montante), desenvolvimen-to de juvenis (áreas alagadas) e ali-mentação (rios e ambientes margi-nais). Na presença de barramentos,o trânsito entre essas áreas pode serbloqueado. Esse fato motivou a cons-trução de escadas no Brasil. Desdea primeira (Itaipava, em 1911), ape-sar de não existir censo oficial, acre-dita-se que existam mais de 50 me-canismos de transposição no país.

A eficiência das escadas sob aperspectiva da conser vação daictiofauna é motivo de controvérsias.Contribuíram para isso o fato de te-rem sido concebidas e implantadassem o necessário conhecimento bá-sico da biologia e ecologia das po-pulações, nem indicações precisasda localização e distribuição espaci-al de cada habitat crítico - desova,desenvolvimento inicial e alimenta-ção/crescimento. Prejudicadas pelocaráter difuso de seus objetivos emetas, as avaliações das escadasnão ocorreram ou foram limitadas. Naverdade, não se sabe se a sua con-cepção visa à ampla permeabilidadena passagem, à transposição ape-nas das espécies migradoras ou dealguma espécie em particular. Estu-dos que extrapolam o âmbito do pró-prio mecanismo de transposição tive-ram início apenas na última década

Densidade de ovos e larvas de peixes ao longo do rioTocantins, antes (A) e após (B) a formação do reservatóriode Lajeado e as condições de transparência da água após orepresamento (C)

A

B

C

(Modificado de Agostinho et al., 2007)

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(para detalhes ver artigos no periódi-co Neotropical Ichthyology, v. 5, n. 2 -http://www.ufrgs.br/ni/).

Em geral, as passagens falharamdevido à ocorrência de duas limita-ções básicas: elevada seletividade edeficiências na migração descenden-te dos peixes adultos e sua prole atra-vés do reservatório. Característicasbioecológicas das espécies formama base dessas limitações. No primei-ro caso, as espécies neotropicaisapresentam mor fologia, comporta-

mento e hidrodinâmica muito hetero-gênea, o que torna difícil ajustar pro-priedades da escada, como a declivi-dade, turbulência e atração, a fim demaximizar a passagem. Emboramelhorias no desenho e localizaçãopossam minimizar o problema, aotimização da transposição para cer-tas espécies automaticamente desfa-vorece outras, o que torna o proble-ma insolúvel, pelo menos com o ní-vel de conhecimento atual. É comum,por exemplo, que duas ou três espé-

cies - incluindo algumas que pelaabundância e distribuição na bacia,não seriam prioritárias na transposi-ção - componham entre 80% e 95%das amostras obtidas nos mecanis-mos de transposição.

A ausência de migração descen-dente de ovos, larvas e adultos im-põe restrições ainda mais sérias aosucesso das passagens. Até hoje,inexistem evidências que atestem oretorno dos peixes transpostos ou deseus produtos de reprodução para

Condições em que um mecanismo de transposição pode atuar como armadilha ecológica

(Modificado de Pelecice & Agostinho, 2008)

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AÇÃO AMBIENTAL - Novembro/Dezembro 2008 15

ambientes de jusante. No caso damigração descendente de ovos e lar-vas, a situação também é muito com-plicada. Diferentemente da descidados salmonídeos em direção ao mar,feita por jovens de tamanho conside-rável, as espécies neotropicais des-cem os rios ainda em estágios inici-ais e vulneráveis (ovos e larvas),carreados passivamente pela turbu-lência da água - é comum desapare-cerem nos primeiros quilômetros doreservatório. A migração descenden-te também é um problema para pei-xes adultos de espécies migradoras.Em geral, eles têm comportamentoreofílico e evitam ingressar nos pon-

tos mais internos de grandes reser-vatórios. Por esse comportamento, ospeixes transpostos rio acima nãoretornam à região da barragem, ondepoderia ocorrer a transposição emsentido descendente.

As limitações à migração des-cendente podem ter conseqüênci-as nefastas à conservação das po-pulações de jusante, promovendoimbalanços populacionais ou de-plecionando os estoques abaixoda barragem. Um quadro ainda piore que poderia ser caracterizadocomo crime ambiental ocorre quan-do há um hábitat crítico à jusante,mas inexiste outro acima da barra-

gem (situação possível em baciascom cascatas de reser vatórios), emesmo assim um mecanismo éconstruído.

Algumas iniciativas vêm tentandomudar esse quadro (consultar ediçãoespecial da Neotropical Ichthyology,v. 5 nº. 2). Monitoramentos e estudosconduzidos na região de influênciada escada da barragem de Lajeado,no rio Tocantins, é um bom exemplo.Por meio da parceria entre a conces-sionária responsável pela hidrelétri-ca (Investico S.A.) e a UniversidadeFederal do Tocantins, o papel dessaobra na conservação dos peixes temsido objeto de avaliação sistemática.

Alternativas de controle da pesca em uso no Brasil e aplicabilidade

Controle do esforçode pesca

Restrições ao númerode pescadores e/ouaparelhos de pesca.

Depleção dapesca.

• Prática que deve ser implementadaquando o monitoramento da atividadepesqueira e do estoque recomendar ecom clareza acerca do recurso que sequer proteger.

• Conhecimento acerca do cicloreprodutivo das espécies (época dedesova) é imprescindível.

ConsideraçõesSituaçõesapropriadasCaracterísticaTipo

Depleção dosestoquesrelacionados aorecrutamento oucrescimento.

Proibição da atividadedurante períodoscríticos (época dedesova, sobrepesca,migração, outros).

Interdição temporal

A jusante debarragens,obstáculosnaturais, canais demigração, emcriadouros naturaisou áreas de desovacoletiva.

Depleção dosestoques pelapesca.

Prevenir depleçãode pesca esobrepesca.

Proibição da pesca emlocais onde osestoques sãovulneráveis àsobrepesca.

Proibição do uso deaparelhos ou métodosde pesca nãoseletivos.

Controle do tamanhodo pescadodesembarcado.

• Requer o monitoramento da pesca edo estoque, bem como conhecimentosda seletividade dos aparelhos.

• Requer conhecimento preciso dadistribuição e ciclo de vida dosestoques a proteger.

Interdição espacial

Interdição deaparelhos de pesca

• Requer o monitoramento dosestoques e da atividade pesqueira.

• Requer informações do ciclo de vidadas espécies, principalmente da fasejovem à maturidade.

• Eficiente para os estoques em que apesca é intensa e o recrutamento ébaixo.

Controle dotamanho dopescado

(Agostinho et al., 2007)

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AÇÃO AMBIENTAL - Novembro/Dezembro 200816

Outras comprovações da preocupa-ção são os estudos de marcação/recaptura, radiotelemetria e avaliaçãodo potencial de recrutamento, con-duzidos em parceria com a Cemig emseus reservatórios.

Aqüicultura

A aqüicultura é uma atividade pro-dutiva que não se enquadra comomodalidade de manejo de recursospesqueiros. Historicamente, entretan-to, as estações produtoras de alevi-nos implantadas em cumprimento àlegislação estiveram mais envolvidascom o fomento dessa atividade doque com os programas de estoca-gem. Além disso, as atuais políticaspreconizam o cultivo de peixes emáguas públicas, como forma de redu-zir as pressões de pesca sobre osestoques naturais, tanto pelo envolvi-mento de pescadores com a produ-ção, quanto pelo afrouxamento dapressão de exploração.

Embora considerada uma ativida-de econômica importante e eficientede produzir alimento, a aqüicultura -como a maioria das formas de pro-dução - afeta o ambiente com umaintensidade que varia de acordo coma modalidade utilizada (extensiva,semi-intensiva e intensiva) e da es-pécie cultivada. Isso é particularmen-te claro quando o cultivo é desenvol-vido diretamente nos mananciais,como tanques-redes, prática que re-cebeu muito incentivo dos órgãospúblicos nos últimos anos.

É consenso que a pisciculturaem águas públicas pode ser umaestratégia para aproveitamento dosrecursos hídricos locais, contribuin-do para a geração de renda e tra-balho para as comunidades. Entre-tanto, seus gestores devem se pre-caver dos riscos de transformar aatividade em ferramenta de acumu-lação de riquezas e, em conseqü-ência, vetor de miséria e degrada-ção ambiental. Diferentemente dosrecursos pesqueiros naturais, a pro-dução da aqüicultura em águas pú-blicas não se constitui em bem co-letivo.

Embora o sistema de cultivo emtanques-redes não esteja ainda com-pletamente entendido, estudos pre-liminares já evidenciam algumasdistorções de objetivos, conflitos deuso e fontes de degradação ambien-tal que devem ser considerados pelogestor:

1. Seleção do local de cultivo:boa qualidade de água, proteção deventos e correntes/profundidadesmoderadas são critérios desejáveisna escolha das áreas para implanta-ção de tanques redes. A seleção delocais apropriados geralmente recaisobre braços protegidos e áreas lito-râneas dos reservatórios, importan-tes para a desova, desenvolvimentoinicial e alimentação da maioria daspopulações nativas. Isso pode acar-retar problemas com circulação daágua, sedimentação excessiva eeutrofização, além de conflitos de usodo espaço - áreas de pesca, desem-barque pesqueiro, deplecionamentodo reservatório. A limitação do culti-vo em parques aqüícolas, que temcomo critério a capacidade do ambi-ente em receber cargas orgânicas,não tem sido obedecida. Roubo evandalismo não são raros nesse sis-tema de cultivo.

2. Deterioração na qualidade daágua: sistemas de cultivo artificiaissão alimentados por insumos exter-nos ao sistema, como rações. Car-gas elevadas de nutrientes, associa-das aos excrementos e eventuais re-síduos de biocidas ou biostáticos,têm reflexos na eutrofização e/ou pro-liferação de algas cianofíceas, mui-tas vezes tóxicas.

3. Disseminação de doenças: oingresso de alevinos ou jovens origi-nários de estações de piscicultura,nem sempre com controle eficientede doenças, pode contribuir para adisseminação de parasitas, bactéri-as, fungos e/ou vírus. A elevada den-sidade de peixes em cultivo e nasimediações dos tanques e o estresseambiental decorrente do confina-mento contribuem para a propagaçãode parasitas e patógenos.

4. Atração de predadores: a atra-ção de peixes da fauna nativa pelasperdas de alimento pode provocargrandes concentrações que, por suavez, atraem outros ver tebradospiscívoros facultativos ou obrigatóri-os - répteis, aves e mamíferos. Essesanimais elevam a predação e podempromover avarias nas estruturas dostanques-redes, promovendo esca-pes. Além disso, a concentração depeixes nas imediações do cultivo atraipescadores e se constitui em fonteplausível de conflitos.

5. Introdução de espécies ou hí-bridos: para os casos em que a es-pécie cultivada não seja nativa, essetalvez seja o principal dano ambiental,uma vez que a ocorrência de esca-pes é um fenômeno universal e ine-vitável. Isso pode acontecer duranteo manejo do cultivo ou na despesca,bem como por avarias promovidasnas estruturas dos tanques.

Em relação ao cumprimento dasfinalidades na geração de renda eemprego, bem como na redução dapressão sobre os estoques selva-gens, a prática vem revelando quenem sempre é eficaz. O uso da estra-tégia para incrementar a renda depescadores não se revela promissor,pelo menos com o emprego de es-pécies nativas, fato atribuído aoscustos de produção, dificuldades nacomercialização e pela escala redu-zida de cultivo inerente à capacida-de de investimento dos pescadores.Agravantes em relação à sua susten-tabilidade ambiental são comprova-dos pelo uso ilegal de madeira daárea de preservação permanente nopreparo do alimento dos peixes, oumesmo no uso de recipientes depesticidas como bóias.

Sua finalidade como estratégiapara segurança alimentar do pesca-dor é também controversa, visto queas espécies rejeitadas na comerciali-zação, antes utilizadas como fonte deproteína nas refeições das famílias,agora são destinadas ao preparo daração dos peixes. Além disso, juve-nis de espécies de maior porte - ge-ralmente recusados na venda e, em

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AÇÃO AMBIENTAL - Novembro/Dezembro 2008 17

Fatos já registrados em programas de fomento de cultivo de peixes em tanquesredes em reservatórios, destinados a pequenos produtores e a pescadores, semadoção de um manejo técnico adequado

parte, devolvidos aos corpos de água- passaram também a ser retidos eempregados no preparo da ração.

Apesar dos muitos pontos negati-vos, a aqüicultura em águas públicaspode ser ambientalmente sustentávele promover o desenvolvimento soci-al, gerando renda e emprego. Paraisso, não deveria ser pautada apenaspelo lucro, comumente inviável naprodução em pequena escala, ou in-centivada por interesses político-eleitoreiros. Deveria ser um programacom ampla articulação com as demaisações ligadas à gestão dos recursospesqueiros e concebido dentro deum amplo planejamento, amparadopor estudos técnicos de produção,impacto e mercado.

Controle da pesca

A intensificação na exploração dosrecursos naturais de água doce podelevar à diminuição nos estoques, com-prometendo a sua sustentabilidade.Regulamentações e formas de con-trole da pesca mostram-se necessá-rias para impor regras que minimizemos potenciais problemas e garantir amanutenção, em longo prazo, do re-curso explorado, promovendo tam-bém melhor distribuição entre os usu-ários.

No Brasil, o controle da pesca temsido considerado uma opção baratade manejo amplamente utilizada. Po-rém, existem várias dificuldades rela-cionadas com esta ação. Em primei-ro lugar, é entendida apenas comoregulamentação que, por si só, iráresolver o problema da susten-tabilidade dos recursos. Isso realmen-te não ocorre, pois as ações de ma-nejo devem atuar de forma comple-mentar. Além disso, para conduzir umcontrole adequado da pesca, é ne-cessário um grande investimento fi-nanceiro no planejamento e execu-ção do ordenamento, regulamenta-ção e fiscalização, etapas que devemser amparadas com informações fide-dignas obtidas sobre o sistema.

A interdição temporal é uma dasformas de controle da pesca utiliza-das no Brasil. Ela consiste na proibi-

ção da atividade pesqueira na épo-ca da piracema, quando ocorre a de-sova, visando assegurar a reprodu-ção para garantir a perpetuação dosestoques. Porém, os peixes apresen-tam certa flexibilidade no período dedesova, com atrasos ou antecipa-ções, dependendo de fatores ambi-entais. Apesar de anualmente empre-gada, não há informações disponí-veis sobre sua a efetividade e pare-ce ter maior impacto na redução doesforço de pesca.

A interdição espacial, por sua vez,é a proibição da pesca em locaisonde os estoques são mais vulnerá-veis à sobrepesca (próximo a obstá-

culos naturais e barragens), há ele-vada captura de jovens (lagoas, pla-nícies de inundação) ou em regiõesde reprodução coletiva (áreas de de-sova). A interdição espacial tambémtem impacto positivo sobre o uso com-partilhado dos estoques.

Já a interdição de aparelhos é aproibição de petrechos ou métodosde pesca que resultem em capturasmassivas ou não-seletivas de jovensde espécies raras ou ameaçadas.Entretanto, a proibição completa decertos aparelhos pode criar dificulda-des ou comprometer o exercício dapesca profissional em alguns ambi-entes, como acontece em reservató-

(Agostinho et al., 2007)

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rios de alguns estados brasileiros,que proíbem o uso de redes de es-pera. A ausência de informações emonitoramento impede que as inter-dições sejam avaliadas e revistas,com prejuízo para os pescadores. Ouso de iscas, por outro lado, deve serobjeto de maior controle, uma vez quepode levar à introdução de espéci-es. Na Instrução Normativa nº. 43 doIbama (de 23/07/2004), estãolistados os aparelhos de pesca proi-bidos no Brasil.

O controle do tamanho do pesca-do durante os desembarques ou emdiferentes etapas da comercializaçãovisa assegurar que jovens das diver-sas espécies alcancem a maturida-de e se reproduzam. Essa alternati-va é recomendada quando a pescaé intensa e o recrutamento baixo.Mas o tamanho mínimo de capturadeve ser determinado a partir de in-formações do crescimento, reprodu-ção e seletividade dos aparelhos depesca que capturam a espécie. Apósdeterminado o tamanho, portarias doIbama são expedidas para as diver-sas regiões do país. Tal opção pas-sou a ser questionada recentemen-te, pois a remoção histórica de indiví-duos de grande porte pode provocarconseqüências inesperadas ao esto-que. Peixes maiores são diferentesgeneticamente e produzem descen-dentes com maior probabilidade desobrevivência; sua remoção dos es-toques altera a dinâmica de susten-tabilidade da população.

Finalmente, o controle do esforçotem como objetivo diminuir a quanti-dade de aparelhos utilizados na pes-ca. A emissão de licenças para pes-ca é exigida pelo Decreto-Lei nº. 221/67, obrigatória ao pescador profissi-onal, e não necessária à conduçãoda pesca de subsistência. Lacrestambém podem ser emitidos pelos ór-gãos para controlar os equipamentosde pesca, que servem para identifi-car e controlar a quantidade de apa-relhos, bem como facilitar a fiscaliza-ção. Também são necessárias licen-ças para as embarcações, que de-vem estar inscritas no Cadastro Naci-

onal de Embarcações da SecretariaEspecial de Aqüicultura e Pesca. Comexceção da pesca amadora desen-volvida no Pantanal do Mato Grossodo Sul, a determinação de quotasnão é muito utilizada no Brasil, espe-cialmente na pesca profissional.

Perspectivas

Embora protocolos equivocadosde manejo ainda estejam em vigor,houve avanços na gestão dos recur-sos pesqueiros na última década,com melhorias nos procedimentos ena busca de informações antes datomada de decisões. Nesse sentido,contribuíram a intensificação de es-tudos científicos, os novos instrumen-tos legais e a ampla discussão reali-zada no âmbito dos Seminários so-bre a Fauna Aquática e o Setor Elétri-co Brasileiro.

É evidente que o manejo racionaldos recursos pesqueiros requer umamplo conhecimento de todos oscomponentes do sistema, compreen-dendo os peixes, outros organismos,o ambiente, as pessoas envolvidascom a pesca e aquelas cujas ativida-des afetem esses recursos; um pla-nejamento com metas e objetivos cla-ros e articulados entre si, contem-plando diferentes escalas temporaise com flexibilidade suficiente para in-corporar novos conhecimentos, e omonitoramento contínuo das comu-nidades, como estratégia de aferiçãodas ações de manejo pretéritas, edas mudanças a longo prazo que pos-sam ocorrer na biota.

A avaliação dos resultados é umaetapa indissociável da ação de ma-nejo, e sua falta aumenta a chancede insucessos, perda de recursos eesforços, ou pior: pode permitir gra-ves impactos ambientais sobre osrecursos. No caso de ambientes al-terados, é necessário entender quequalquer decisão de manejo, mesmoa sua ausência, tem conseqüênciassobre a biota. A decisão por qualquermedida mitigadora ou de recupera-ção, consequentemente, deve serum ato de extrema consciência e res-ponsabilidade.

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Muitos dos mais importantes pei-xes do Brasil realizam migrações -complexas e ainda pouco conheci-das - ao longo dos rios, em diferen-tes fases da vida. Essa migraçãopode ser descrita resumidamente daseguinte forma: os adultos vão dossítios de alimentação para os sítiosde desova.

Os ovos produzidos nos sítios dedesova são carreados rio abaixo,pela correnteza, por dezenas e, àsvezes, milhares de quilômetros atéalcançarem os seus berçários. Pos-teriormente, os jovens peixes mi-

gram de volta aos sítios ocupadospelos adultos, num movimento co-nhecido na bacia do rio São Fran-cisco como “arribação”. Algumasespécies impor tantes, como orobalo, porém, migram do mar paraos rios e vice-versa.

Passagens de peixes

Passagens de peixes, como tam-bém são conhecidos os mecanismosde transposição, possibilitam que asespécies ultrapassem obstáculos - bar-ragens, por exemplo - construídos emsuas rotas migratórias. Elas podem serpara montante - escadas e elevado-res - ou para jusante, estruturas hidráu-licas especialmente projetadas parafazer com que os peixes desçam abarragem em segurança.

Passagens para montante têmsido usadas na conser vação depeixes desde o século XVII. So-mente no Japão, há cerca de 1.400delas; no Brasil, existem poucasdezenas, muitas construídas emmeados do século passado, e to-das de pequeno por te. Mais recen-temente, grandes passagens paramontante foram instaladas em MatoGrosso, Paraná, Tocantins, MinasGerais e São Paulo – esse dois úl-timos têm legislações específicasque exigem a sua construção emdeterminadas usinas. Por essa ra-zão, somente em Minas Gerais fo-ram construídas passagens paramontante nas barragens de Aimo-rés, Candonga, Igarapava, Funil eSanta Clara.

Passagens de peixes como ferramenta para aconservação de recursos pesqueiros

Alexandre Lima GodinhoCentro de Transposição de PeixesUniversidade Federal de Minas [email protected]

Datada da década de 90, a escada de peixes da Usina Hidrelétrica de Igarapava, no rio Grande (MG/SP) é uma das maismodernas da América do Sul. A seta à direita mostra a entrada da escada, e a seta à esquerda, a saída, já no reservatório dausina

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As novas passagens para montan-te brasileiras são bem modernas, es-pecialmente as mineiras. O monitora-mento do trânsito de peixes por elastem mostrado que são usadas porgrande variedade de espécies, quesobem as passagens em grandesquantidades - já foi documentada asubida de milhões de peixes em ape-nas uma única estação chuvosa. Maspara determinadas espécies, particu-larmente os grandes peixes de cou-ro, como surubim (Pseudoplatystoma)e jaú (Zungaro), as passagens paramontante ainda não são adequadas.São necessários estudos, testes emelhorias nas passagens para solu-cionar alguns problemas.

Passagens para montante sãotão impor tantes na conservação depeixes quanto as para jusante. A mi-gração entre os sítios de alimenta-ção e de reprodução realizada pe-los adultos é normalmente um fe-nômeno de ida e volta: quando umpeixe sobe uma escada para o sí-t io de desova, freqüentementeretorna, voltando para o sítio de ali-mentação.

A escada, porém, não é o cami-nho que a maioria dos peixes utili-za para descer a barragem; os maisusados são os ver tedouros e as tur-binas - nessas últimas, a mortalida-de pode ser muito elevada. Porisso, oferecer uma via segura para

as espécies descerem é tão impor-tante quanto a alternativa para su-bir. No Brasil, a prioridade absolutatem sido dada às passagens paramontante e, por tanto, nenhumapara jusante ainda foi instalada nopaís. Isso porque são estruturasbem mais complexas e difíceis deprojetar, o que exige ainda maisestudos a respeito.

Alguns exemplos

Conhecer as migrações é funda-mental para planejar e operar pas-sagens de peixes. As barragens aserem construídas no rio Madeira,por exemplo, irão impedir que jo-vens de dourada (Brachyplatystoma

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Elevador de peixes da Usina de Funil, rio Grande (MG). Os peixes acessam o elevador pela entrada localizada no canto inferiorà direita na foto. São içados por uma caçamba e liberados na calha aérea (na figura, no alto à esquerda) para terem acessoao reservatório.

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rousseauxii) cheguem aos sítios ocu-pados pelos adultos. A dourada atin-ge quase 2 m e é o peixe de couromais importante da pesca na baciaAmazônica. Se não forem fornecidaspassagens adequadas para essaespécie nas futuras barragens, épossível que seja extinta no alto rioMadeira, inclusive em território bolivi-ano.

Exemplo disso ocorreu com orobalo (Centropomus spp.) - peixe degrande por te e impor tante para apesca e culinária - no rio Doce. A pe-quena barragem de Mascarenhas,construída entre 1968 e 1973, temimpedido que os peixes migrem dossítios de desova para os de alimen-tação localizados à montante.

Uma passagem para os jovenspeixes da arribação também é ne-cessária na bar ragem de TrêsMarias. Anualmente, jovens de al-gumas das mais impor tantes espé-

cies do rio São Francisco, comozulega (Prochilodus argenteus) edourado (Salminus franciscanus),migram rio acima em quantidadesque estão aparentemente associa-das às cheias. Esses peixes atin-gem a barragem de Três Marias e,pela falta de uma passagem paramontante, acabam aglomerando-seno canal de fuga por semanas e atémeses. Após cer to tempo ali, desis-tem da busca por uma passagem,movendo-se para jusante.

A ausência de uma passagempara montante na barragem de TrêsMarias parece ser uma das princi-pais causas para a pesca far ta naregião. Nas primeiras dezenas dequilômetros à jusante da barragem,a pesca é a mais produtiva do rioSão Francisco, sustentada em par-te pelos peixes da arribação aprisi-onados à jusante. Outra par te im-por tante é fornecida pelos grandes

predadores, dourado e surubim(Pseudoplatystoma corruscans),que migram de jusante para se ali-mentar dos peixes da arribação.

Devido à maior produtividade depeixes, os pescadores da região dabarragem de Três Marias têm rendaanual superior à de outras localida-des do rio São Francisco. Por tanto,a construção de uma passagem depeixes no local irá contribuir para ofim da concentração de renda paraesses pescadores, mas criará ou-tro problema: a redução drástica naquantidade de peixes afetará o ren-dimento da pesca, desestruturandouma cadeia produtiva que está ins-talada ali há décadas. Embora ain-da existam perguntas sob o pontode vista biológico sobre a eventualpassagem de peixes na represa deTrês Marias, cer tamente a maiorquestão é sobre o aspecto socialda medida.

Com a implementação de passa-gens, tem-se obtido sucesso naconservação de recursos pesquei-ros, mesmo quando não há o co-nhecimento sobre as migrações dospeixes. Normalmente, essas infor-mações não estão disponíveis nomomento da construção de passa-gens no Brasil. Este foi o caso darepresa de Igarapava, no rio Gran-de, cuja escada evitou a reduçãoou, até mesmo, a extinção local domandi (Pimelodus maculatus) - oprincipal peixe da pesca comercial- , do piau-f lamengo (Leporinusoctofasciatus ) e do cur imbatá(Prochilodus lineatus).

As passagens têm grande poten-cial como ferramenta para a conser-vação de peixes, mas o seu uso nãoé recomendável em qualquer situa-ção. Por isso, deve-se ter conheci-mento básico sobre os peixes parabalizar a tomada de decisão quantoà sua necessidade ou não. O moni-toramento do trânsito das espéciese suas conseqüências para a faunalocal são fundamentais para a avali-ação dos eventuais benefícios emalefícios causados pela passagemde peixes.

Vista para jusante da escada de peixes da Usina Hidrelétrica de Igarapava, rioGrande (MG/SP). O peixe sobe a escada passando de um tanque para outro pelaranhura vertical que ocupa toda a altura da parede transversal do tanque.

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A história de Minas Gerais estáintimamente associada aos seus rios.A ocupação da terra mineira e a ex-ploração de seus recursos naturaistiveram neles a base de seu desen-volvimento. Rios de 17 diferentesbacias hidrográficas correm em par-te ou na totalidade do estado. Cercade 10 delas, em razão do porte signi-ficativo, têm presença marcante nageografia mineira: juntas, cobremmais de 90% da sua área. As demaissão bacias de pequeno porte quecontribuem modestamente para amalha fluvial.

A grande diversidade de baciashidrográficas de Minas Gerais propor-ciona habitat a mais de 400 espéci-es conhecidas de peixes, númeroinferior apenas ao da região Amazô-nica. Desde o final do século XVIII,essa valiosa riqueza natural tem des-pertado o interesse científico interna-cional, graças às famosas expedi-ções que coletaram nossos peixes eos enviaram para museus estrangei-ros. Foi apenas a partir da metadedo século XX que trabalhos de pes-quisa locais passaram a ser desen-volvidos.

Alguns momentos do século pas-sado foram marcantes no desenvol-vimento da ictiologia mineira. O Códi-go de Pesca, de 1967, disciplinou ouso legal dos recursos pesqueiros

brasileiros, incluindo-se a regulamen-tação da pesca científica. Já a ne-cessidade de reparos compensatóri-os decorrentes da construção debarramentos hidrelétricos em rios foiresponsável pela instalação das trêsprimeiras estações de hidrobiologiae piscicultura institucionais de MinasGerais, na década de 1970. Em de-corrência de suas atividades, essasunidades – as da Cemig e Furnas,ambas localizadas em diferentes tre-chos do rio Grande, e a da Codevasf,no Alto São Francisco - constituíram-se ao longo dos anos em importan-tes bases de pesquisas.

O ambiente propício ao desenvol-vimento científico da ictiologia emMinas Gerais foi estimulado por ou-tro acontecimento importante: a re-

Breve história da ictiologiaem Minas Gerais

Hugo P. GodinhoProfessor o Programa de Pós-graduação emZoologia de Vertebrados - PUC MinasTelefone: (31) 9976-4204

Vista aérea da estação de piscicultura de Volta Grande, inaugurada em 1976

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alização, em Belo Horizonte (MG), doI Encontro Nacional sobre Limnologia,Piscicultura e Pesca Continental, em1975, patrocinado pela FundaçãoJoão Pinheiro. Esse evento reuniu pes-quisadores brasileiros que, com suasapresentações, discussões e reco-mendações, despertaram na comuni-dade científica mineira a necessida-de de se estabelecer programas depesquisa para a exploração racionalda aqüicultura e da pesca do estado.

Nessa época, a Epamig implemen-tou um arrojado projeto de incentivoà piscicultura no estado, no qual seincluiu o interesse pela pesquisa, es-timulando cientistas a desenvolveremprojetos em parceria com a empre-sa. Os programas de pesquisa eramdiscutidos em reuniões anuais deavaliação e programação, das quaisparticipavam instituições convidadas.Já no 3º Encontro, realizado em 1981,

o número de participantes havia cres-cido e, em função do interesse, o gru-po presente decidiu fundar a Associ-ação Mineira de Aqüicultura - AMA.Durante os 15 anos seguintes, a en-tidade tornou-se o principal fórum dedebates e de apresentações de tra-balhos científicos em ictiologia e pis-cicultura do estado.

Deve-se ressaltar o papel que asuniversidades, especialmente as fede-rais de Lavras (UFLA), de Viçosa (UFV)e de Minas Gerais (UFMG), represen-taram no desenvolvimento da ictiologiamineira com seus programas de pós-graduação em áreas afins. Novas ins-tituições participam desse esforço,especialmente a PUC Minas, que jun-tamente com UFV, UFLA e UFMG cons-tituem o principal produtor de conhe-cimento científico relativo a peixes noestado. Ressalte-se ainda a valiosacontribuição ao desenvolvimento cien-

tífico da ictiologia estadual por insti-tuições e pesquisadores de fora, prin-cipalmente os cientistas de São Pau-lo, Rio de Janeiro e Paraná.

Conhecimento científico

O conhecimento científico acercade nossos peixes tem aumentadosignificativamente nas últimas quatrodécadas. Todavia, ainda não está ge-neralizado no que se refere aos pei-xes e suas respectivas bacias hidro-gráficas. Entre os fatores responsá-veis, está o fato de que os peixes dasbacias de grande porte situadas emregiões mais ricas do estado, natu-ralmente, são mais conhecidos doque daquelas situadas em áreasmenos privilegiadas - as bacias do rioGrande e do Alto São Francisco, porexemplo, fazem parte do primeiro gru-po e as do Jequitinhonha e Mucuricompõem o segundo.

Estação de piscicultura de Furnas (MG)

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O trabalho das primeiras estaçõesde pisciculturas mineiras se voltoupara a produção de alevinos pararepovoamento, com o conseqüenteesforço nas áreas de reproduçãoinduzida e de larvicultura. O interes-se maior da Epamig, porém, concen-trou-se no desenvolvimento detecnologias de produção comercial deespécies tradicionais, como tilápiase carpas, e na pesquisa de espéci-es nativas potencialmente aptas aocultivo comercial.

O futuro

Há questões bioecológicas impor-tantes a serem abordadas nos dife-rentes rios mineiros. O desenvolvimen-to econômico estadual continua aprovocar impactos negativos naictiofauna nativa. Por exemplo,barramentos transformaram importan-tes rios do estado numa sucessãode grandes lagos artificiais, alteran-do a fisionomia fluvial original. A drás-

tica mudança ambiental - caracteriza-da pela perda de habitat, interrupçãoe transformações no fluxo natural daságuas dos rios - alterou a abundân-cia e a composição das populaçõesde peixes.

As espécies de piracema (que semovimentam de um ambiente paraoutro para a reprodução) foram asmais afetadas pelos barramentos.Sob essas condições, elas não têm

como cumprir a necessidade inata dese deslocar para cada habitat espe-cífico de reprodução. Por tanto, háenorme tarefa a ser desenvolvidaquanto à manutenção de populaçõesde peixes de piracema em riosbarrados.

Outros impactos negativos ao am-biente (poluição, desmatamento, ex-pansão das cidades e das fronteirasagrícolas e industriais) têm efeitos de-letérios na ictiofauna do estado. Alémdisso, a fauna de pequenos rios decabeceiras não tem sido devidamen-te estudada, dado também preo-cupante face ao interesse crescentena exploração do potencial energé-tico desses nichos.

Portanto, a palavra-chave agora éconservação das populações afeta-das. Como aplicar de modo eficaz osaber acumulado em benefício daconser vação de nossos recursosnaturais, porém, é um dos grandesdesafios dos próximos anos.

Estação de piscultura de Três Marias (MG)

Publicações do “I Encontro Nacionalsobre Limnologia, Piscicultura e PescaContinental”, realizado em 1975.

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A crescente demanda por recur-sos hídricos tem exigido interferênci-as humanas sobre os meios físico ebiótico, que afetam diretamente ospeixes, com a redução na quantida-de e qualidade do seu habitat e, con-seqüentemente, na sua abundância.Além disso, essas interferências têm

induzido a sociedade a refletir sobrediversas questões relativas ao meioambiente. Em função disso, atitudesvêm sendo tomadas para a conser-vação e a restauração dos recursosnaturais.

Atenta a essas mudanças e emresposta às exigências da socieda-de, o Funbio e a Companhia Energéti-ca de Minas Gerais (Cemig) financia-ram a implantação do Centro deTransposição de Peixes (CTPeixes),na Universidade Federal de Minas Ge-rais (UFMG), em 2000. Situado noCampus Pampulha, ele conta com

laboratórios nos institutos de Ciênci-as Biológicas (ICB) e Exatas (ICEX) eainda na Escola de Engenharia(EEUFMG).

O CTPeixes tem como missão odesenvolvimento de pesquisas, a for-mação de pessoal qualificado e aprestação de serviços para a solu-ção dos principais problemas datransposição de peixes. Também for-nece ambiente para a interação e atroca de conhecimento entre biólo-gos e engenheiros na busca de umalinguagem comum entre esses pro-fissionais.

Estudos hidráulicos e de bioengenhariano Centro de Transposição de Peixes

Carlos Barreira Martinez & AlexandreLima GodinhoCentro de Transposição de PeixesUniversidade Federal de Minas GeraisE-mail: [email protected]

Vista geral do Laboratório de Hidráulica do CTPeixes

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Linhas de Pesquisa

O CTPeixes desenvolve pesquisassobre diferentes aspectos da trans-posição de peixes. Os trabalhos sãodirecionadas à obtenção de respos-tas para perguntas fundamentais,como: Quais barragens necessitamtranspor peixes? Quais espécies ne-cessitam ser transpostas? Quando epara que os peixes precisam sertranspostos? Quais são os critériosde engenharia mais indicados paracada mecanismo? Quais são os be-nefícios ecológicos, sociais e econô-micos advindos da transposição depeixes e o seu respectivo custo?

As pesquisas desenvolvidas peloCTPeixes para responder a essasquestões estão agrupadas nas áre-as de biologia, hidráulica, bioen-

genharia, computação visual e socio-economia. Em hidráulica e bioen-genharia, por exemplo, incluem estu-dos em modelo reduzido, dissipa-dores de energia compactos, critéri-os para projetos de mecanismos detransposição de peixes (MTP), com-portamento das espécies no canalde fuga das barragens e em dissipa-dores de energia, transposição parajusante e por turbinas.

Estudos realizados

Aqui, são apresentados algunstrabalhos do CTPeixes realizados noCentro de Pesquisas Hidráulicas ede Recursos Hídricos (CPH) daEEUFMG, relacionados às linhas dehidráulica e bioengenharia. O primei-ro estudo é a determinação da ca-

pacidade natatória do mandi-amare-lo (Pimelodus maculatus), peixe mui-to comum em nossas águas, na qualfoi utilizado um aparato experimen-tal baseado no respirômetro deBrett. Concluiu-se que a capacidadenatatória do mandi-amarelo é superi-or à do salmão (Oncorhynchusnerka), provavelmente devido às tem-peraturas maiores em que vive o nos-so peixe. Os dados obtidos represen-tam uma impor tante contribuiçãopara a conservação dessa espécie,oferecendo critérios de projeto paraserem aplicados na construção deMTPs e sistemas de proteção e ori-entação.

O segundo trabalho é o estabele-cimento da regra operativa de umMTP do tipo elevador, com caminhão-

Aparato para estudos de capacidade natatória de peixes.

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tanque, para maximizar o número deexemplares transpostos e minimizaro consumo de água. Para isso,monitorou-se a operação do mecanis-mo da barragem de Santa Clara, norio Mucuri, de novembro de 2003 amarço de 2004. Concluiu-se que aoperação do MTP deve ser prioritaria-mente feita durante o dia – à noite,somente em períodos chuvosos - ouaumentá-la em dias de maior vazão.A regra proposta, que não prevê a in-tensificação da operação em perío-dos de maior vazão, poderá represen-tar o acréscimo de até 35% no núme-ro de peixes transpostos das espéci-es migradoras. Além disso, promove-rá a economia de até R$ 547.000,00,considerando-se taxas de juros anu-ais de 8% e vida útil do empreendi-mento de 30 anos.

Ainda com relação ao MTP da bar-ragem de Santa Clara, estudou-se apossibilidade de gerar energia elétri-ca a partir da água na atração de pei-xes. A inserção de uma turbina depequeno porte no MTP apresenta umasérie de vantagens, principalmente por

possibilitar a geração de energia emsituação de baixa vazão em um pon-to de rendimento elevado. Essa estra-tégia tem como benefícios a melhoriada atratividade do MTP, além do au-mento do rendimento global dos gru-pos geradores e da energia total ge-rada pelo empreendimento.

Trabalho bastante interessantefoi o estudo de metodologia para adeterminação do efeito da intensida-de de turbulência sobre os peixes.Primeiramente, foi necessário o de-senvolvimento de aparato experi-mental que permitisse gerar em la-boratório a turbulência com intensi-dade e escala conhecidas. Assim, épossível testar as respostas biológi-cas dos peixes em vários estágiosda vida a diferentes níveis de turbu-lência. As respostas biológicas sãomedidas em termos de mortalidadedireta, de curto e longo prazos, graue freqüência de injúrias, desorienta-ção ou redução da capacidadenatatória - aspectos que podem con-duzir ao aumento da predação emcondições naturais.

Para a conservação da fauna dosrios brasileiros, estudou-se o uso debarreiras elétricas no tubo de suc-ção de usinas hidrelétricas para im-pedir a entrada de peixes nas turbi-nas. Os experimentos foram realiza-dos em um aparato que permite ob-servar a influência do campo elétri-co sobre o comportamento dos pei-xes, composto da seguinte estrutu-ra: um canal de vidro, em formatolongo e estreito, de 150 cm de com-primento por 40 cm de altura e 15cm de largura, similar ao tubo desucção de uma pequena usina hi-drelétrica. O que se alterou da for-ma original foram os contornos arre-dondados além da altura médiaestabelecida para a simplificação domodelo. Devido à simplicidade dageometria do aparato, a introduçãodos mecanismos responsáveis pelaprodução dos campos elétricos foifacilitada, reduzindo os esforçospara estudar o comportamento dospeixes.

A espécie testada no aparato foia Piaractus mesopotamicus, popular-mente conhecida como pacu-ca-ranha, devido à facilidade de manu-tenção e resistência ao manejo. An-tes dos experimentos, eles forammantidos em tanque de 500 l e ali-mentados à base de ração flocada,gema de ovo e larvas de insetos. Nosexperimentos, os peixes - de peque-no porte (média de 8 cm) - foram tes-tados em lotes de três, cinco ou seteindivíduos, sempre de tamanhos pró-ximos. Cada lote foi utilizado em cin-co testes consecutivos e cada testeteve a duração de 1 a 2 minutos, comintervalo entre eles de 10 a 12 minu-tos. Finalizada a série de cinco tes-tes, o lote era transferido para umtanque de recuperação. Os resulta-dos preliminares são promissores nabusca de soluções para prevenir amortandade de peixes nos tubos desucção de usinas hidrelétricas, blo-queando sua entrada com barreiraelétrica. Além disso, eles também in-dicam a possibilidade da evacuaçãodos peixes, em caso de parada dogrupo gerador para a manutenção.

Aparato para estudo de barreira elétrica.

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Opinião debate

A energia gerada no início do sé-culo XXI atingiu 15 mil TWh por ano,dos quais 20% vêm de usinas hidre-létricas. O volume de geração dasfontes hidrelétricas excede as de-

Peixamento como medida ambientalmitigadora do impacto na ictiofauna

Alessandra Gomes BedoreProfessora de Morfologia-Universidade deUberaba; Mestre em Morfologia pela UniversidadeFederal de Minas [email protected]

João de Magalhães LopesBiólogo da CEMIG Geração e Transmissão,Coordenador Técnico da Estação de Piscicultura deVolta [email protected]

à migração de espécies aquáticas,aprisionamento de nutrientes e dimi-nuição da fertilidade de planícies.

Inicialmente, os represamentosbrasileiros tinham objetivos restritos:na maioria eram destinados ao abas-tecimento de água e irrigação, espe-cialmente no Nordeste. Posteriormen-te, com a construção de grandes bar-ragens, o uso das águas represadasse diversificou, incluindo, além deabastecimento e irrigação, o contro-le da vazão, a estocagem de peixes,a aqüicultura, a recreação, o turismo,

Captura de matrizes nos tanques de alevinagem de Volta Grande

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mais energias renováveis, como aaeólica, a geotérmica ou a fotovoltai-ca. Apesar de poder gerar gases parao efeito estufa pela decomposição dematerial orgânico, os reservatóriosainda são muito menos poluentes doque as usinas térmicas ou nucleares– essas últimas de grande risco. Masos impactos locais da instalação dehidrelétricas são altos: cerca de 60%das bacias hidrográficas mundiaissão afetadas por essa construção.Os principais efeitos são modifica-ções no regime hidrológico, barreiras

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Opinião debate

o uso industrial, a navegação e a pro-dução de energia elétrica em largaescala. Mesmo não implicando emconsumo efetivo, o uso da água paraa geração de energia elétrica interfe-re no volume que pode ser destina-do a outros fins. Isso porque requera manutenção de uma vazão médiaestável que permita a continuidadedo fornecimento de determinadaquantidade de eletricidade ao siste-ma distribuidor, o que implica na cons-trução de barramentos.

A construção de seqüências debarramentos transformou a maioriados grandes rios brasileiros em umasucessão de reservatórios, mudan-do a categoria dos ambientes aquá-ticos de lóticos (de água corrente)para lênticos (de água parada) e pro-

movendo a interrupção da rota mi-gratória de várias espécies de pei-xes. Esse acontecimento aliado a ou-tras atividades humanas que modi-f icam a qualidade de qualquerhabitat, como a poluição e o desma-tamento, promoveram uma reduçãogradativa dos estoques pesqueiros,incluindo a redução drástica ou de-saparecimento local de peixesmigradores e a profusão de espéci-es oportunistas.

Fatores ambientais (temperaturada água, taxa de par tículas em sus-pensão, oxigênio dissolvido, corren-teza, etc.) são determinantes no su-cesso da propagação dos peixes,principalmente para as espécies depiracema. O advento da estaçãoapropriada desencadeia o desen-volvimento da gônada, o que final-mente resulta em desova. Os pei-xes tropicais e subtropicais desovamdurante a estação chuvosa, quan-do a prole tem melhores chancesde sobrevivência nas águas turvasde fluxo rápido. A instalação debarragens de usinas hidrelétricasimpede a subida de algumas espé-cies durante o período de reprodu-ção (piracema), o que impossibilitaa quebra de dormência gonadal eresulta na não-desova. Em geral, éesperado que a riqueza regionaldesses peixes diminua e a dominân-cia de poucas espécies opor tunis-tas se acentuem.

Um pouco de legislação

No Brasil, a busca por formas demitigação dos impactos de represa-mentos hidrelétricos sobre a ictiofau-na e de conservação dos recursospesqueiros teve seu início com osprimeiros reservatórios, no começodo século passado. Tal fato ocorreuem 1911, com a conclusão da cons-trução da escada de peixes no re-servatório de Itaipava, no rio Pardo,bacia do rio Paraná. A partir dos anos1950, o foco passou a ser o estímu-lo à criação de estações de hidrobio-logia ou piscicultura, vinculados àsconcessionárias de energia. O primei-ro Código de Pesca do Brasil (Decre-

to-Lei nº. 794, de 19/10/1938) já pre-via que “as represas dos rios, ribei-rões e córregos devem ter, como com-plemento obrigatório, obras que per-mitam a conservação da fauna fluvi-al, seja facilitando a passagem depeixes, seja instalando estações depiscicultura”. A finalidade dessasestações era a produção de alevinospara repovoamento.

As ações de estocagem de peixesganharam impulso após a promulga-ção do Decreto-Lei nº. 221 (28/02/1967) e a publicação da Portaria nº.46/Sudepe (27/01/1971). Esses ins-trumentos delegaram à Superinten-dência do Desenvolvimento da Pes-ca (Sudepe) a função de determinaro melhor mecanismo de proteção àfauna a ser utilizado por proprietárioou concessionário de represa emcursos de água, além de outras re-soluções legais. O resultado foi a cri-ação de estações de estocagem deespécies nativas e não-nativas desti-nadas ao repovoamento.

As resoluções do Conselho Naci-onal do Meio Ambiente (Conama)001/86 e 237/97 previam a realiza-ção de estudos e relatórios dimensio-nando os impactos causados pelainstalação de reser vatórios, bemcomo a proposição de projetos demanejo e de monitoramento de suasalterações. O correto monitoramentode um reservatório pode demonstrarqual a melhor medida de manejo aser adotada (transposição, peixa-mentos, etc) e identificar os proble-mas do uso múltiplo dos recursos dabacia. O artigo 20 da Lei 12265, de24/07/1996, por sua vez, estabele-ce o condicionante legal para a ob-tenção de licenciamento ambientalna construção de barragens hidrelé-tricas: a instalação de sistemas detransposição e de estações dehidrobiologia que visem à produçãode alevinos destinados ao repovoa-mento do trecho afetado.

A Lei estadual nº. 14578, de 16/01/2003, reforça a intenção do poderpúblico em estimular a preservação daictiofauna em bacias hidrográficas es-taduais e a implantação de estações

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Opinião debate

de piscicultura para pesquisas de re-composição das espécies afetadas:

“Art 3º - Compete ao Poder Exe-cutivo, na implementação e naexecução do Programa Estadual deIncentivo à Piscicultura:

V – incentivar o desenvolvimentode pesquisas para aperfeiçoamentocientífico da reprodução e da criaçãoem cativeiro de espécies da ictio-fauna mineira;”

O Decreto de Minas Gerais nº.43713, de 14/01/2004, consideraainda, no artigo 22, a execução depeixamentos como medida compen-satória para os autores de danos emodificações ao meio ambiente demaneira mais ampla, e não apenasno caso da construção de barragensde usinas hidrelétricas.

Estratégias para o uso detécnicas de repovoamento

A história dos programas derepovoamento de peixes em baci-as hidrográficas brasileiras não estálivre de erros metodológicos. Inici-almente, esses programas imple-mentaram a soltura de espéciesnão-nativas (exóticas). Incluem-seaqui também aqueles peixes prove-nientes de outras bacias brasileirase não existentes na bacia da soltu-ra. O objetivo era o de manter a pes-ca nos trechos de rio afetados porbarramentos. Mas sabe-se hoje queessas medidas tendem a produzir

um alto impacto ambiental, pois asespécies exóticas introduzidas po-dem competir e/ou predar as nati-vas, aumentando ainda mais aspressões negativas sobre essespeixes. Exemplo disso foi a introdu-ção da cor vina, do tambaqui, doapaiari e da ti lápia em baciashidrográficas do Sudeste.

A partir da década de oitenta, ospropósitos dos programas de repo-voamento das concessionárias hidre-létricas se alterou. O objetivo princi-pal passou a ser a soltura de espéci-es nativas para a sua manutençãoem ambientes aquáticos impacta-dos. Esta nova visão permitiu o de-senvolvimento de técnicas de repro-dução artificial e cultivo de diversasespécies nativas, notadamente as depiracema. O impacto da mudança foinotável no aumento de conhecimen-to sobre fisiologia, anatomia e ecolo-gia das espécies nativas.

Hoje, os desafios para a realiza-ção de um programa de repovoa-mento eficiente e sério são outros. Ageração de conhecimento traz consi-go mais responsabilidade para ostécnicos e gestores da área. Para queum programa de repovoamento ofe-reça ganhos ambientais à baciahidrográfica, algumas premissas de-vem ser observadas:

1 - O primeiro ponto é a determi-nação clara dos objetivos do progra-ma. A princípio, os peixamentos fei-tos em trechos de rios barrados de-

veriam servir para recompor estoquesde peixes de interesse ecológico (es-pécies nativas ameaçadas de extin-ção pelo empreendimento, por exem-plo), de forma a suplementar as po-pulações já existentes naquela região.De acordo com os propósitos do pro-grama, são escolhidas as espécies eos pontos de soltura dos alevinos. Éimportante salientar que os objetivosdevem ser traçados com base em in-formações científicas de qualidade.Assim, pode-se chegar à conclusão,por exemplo, que o programa derepovoamento não deverá ser feito,pois as populações naturais de espé-cies de piracema conseguem se man-ter com reprodução natural. Nessecaso, os recursos devem ser investi-dos em outras estratégias de conser-vação, como a manutenção de todosos tipos de habitat críticos para a re-produção destas espécies.

2 - Ao se escolher a técnica derepovoamento para mitigação dosimpactos sobre a ictiofauna nativa, éimportante avaliar a sua eficiência,por meio de trabalhos voltados parao acompanhamento dos alevinossoltos no reservatório. È necessárioresponder a perguntas como: Qual acontribuição do repovoamento paraa abundância de determinada espé-cie? Os peixes soltos por meio dospeixamentos estão alcançando amaturidade sexual e se reproduzin-do? Neste caso, fica evidente que aeficiência de um programa de repo-

Procedimentos nas incubadoras para produção de alevinos

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Técnicos e biólogos fazem o manejo para reprodução de peixes

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A piscicultura brasileira teve umaprimeira fase áurea no Nordeste bra-sileiro, quando Rodolfo von Iheringdesenvolveu a técnica de “hipofisa-ção”: uso de extrato dos hormôniosda hipófise para a indução damaturação final de peixes de pirace-ma. Até então, essas espécies, mes-mo que desenvolvessem suas gôna-das (ovários e testículos) em cativei-ro, não chegavam a desovar. Naque-la época, com o objetivo de suprir asnecessidades de proteína animal dapopulação da região, o Departamen-to Nacional de Obras Contra a Seca(Dnocs) incentivou o grande avançono conhecimento sobre a biologia e

Peixamento: benefícios e controvérsiasde uma técnica de manejo

Carlos Bernardo Mascarenhas AlvesBiólogo, Mestre em Ecologia, Conservação eManejo de Vida Silvestre,Consultor na área de ictiofauna; Coordenador doSubprojeto S.O.S. Rio das Velhas (ProjetoManuelzão - UFMG), Biólogo do Nuvelhas (NúcleoTransdisciplinar e Transinstitucional deRevitalização da Bacia do Rio das Velhas)[email protected]

voamento está diretamente ligadaaos objetivos iniciais traçados.

3 - Outro aspecto a ser avaliadosão os impactos decorrentes do pró-prio programa. É importante avaliar sea soltura de alevinos em determina-do corpo d´água não irá agravar im-pactos ecológicos ligados à dinâmi-ca da comunidade ictiofaunísticadaquele ecossistema. Um dos impac-tos mais comuns é a depleção gené-tica de determinada população depeixes devido ao cruzamento comalevinos de menor variabilidade ge-nética provenientes de estações depiscicultura. Devem ser realizadasavaliações da diversidade genéticados peixes nativos no ambiente derealização do repovoamento e a de-terminação do programa de manejogenético específico para cada espé-cie e bacia hidrográfica em que sãorealizadas as solturas.

Referências bibliográficas

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CONSTANTINO, C. E. Delitos ecológicos:A Lei ambiental comentada artigo por arti-go.: aspectos penais e processuais penais.São Paulo: Lemos e Cruz, 311 p., 2005.

4 – Por fim, é importante se ter emmente que apenas um programa derepovoamento não é suficiente paraa conservação da ictiofauna. A con-servação e restauração de qualquerhabitat crítico, o plantio e a conser-vação de mata ciliares ao longo derios e reservatórios, a construção desistemas de transposição de peixesonde forem necessários, o controledo lançamento de poluentes e maté-ria orgânica na bacia hidrográfica e arealização de programas de educa-ção ambiental e gerenciamento dapesca na região são fundamentaispara o sucesso do programa.

Neste contexto, percebemos queo foco de gerenciamento pesqueirodeve ser na pesquisa, com geraçãoe aplicação de conhecimentos emprogramas cada vez mais eficientes.Somente com esforços conjuntos deempresas, universidades, órgãos

fiscalizadores e da sociedade pode-remos garantir programas de repovoa-mento e conservação ictiofaunísticaseficientes e geradores de ganhosambientais reais.

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Vista geral de uma estação de piscicultura

a reprodução em cativeiro de váriasespécies de peixes.

Novo impulso a essa atividade foidado em 1967, com a promulgação doDecreto-Lei 221/67, regulamentado

pela Portaria 0046/71 da extinta Supe-rintendência de Desenvolvimento daPesca (Sudepe), posteriormente revoga-da e atualizada pela Portaria 001/77.Por meio dela, ficava facultada a insta-

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lação de estações de piscicultura juntoa usinas hidrelétricas como compensa-ção aos impactos causados pelo blo-queio de rotas migratórias de espéciesde piracema. Furnas, Cemig e Codevasfconstruíram estações nas usinas deFurnas, Volta Grande e Três Marias, res-pectivamente. Nesta fase, foi desenvol-vida grande parte das tecnologias paraa propagação de espécies migradorasna região Sudeste do Brasil, em espe-cial dos gêneros Salminus (dourados),Pseudoplatystoma (surubim, pintado ecachara), Prochilodus (curimatás),Leporinus (piaus), Brycon (matrinchã,piracanjuba, pirapitinga) e Piaractus(pacu-caranha).

Atualmente, em uma terceirafase, a atividade de piscicultura ex-perimenta novo estímulo, em funçãoda crescente demanda por proteínaanimal com baixos teores de gordu-ra, do fornecimento para pesque-e-pague e da necessidade de produ-

ção em escala para abastecimentodos mercados interno e externo.Mas alguns equívocos continuamacontecendo.

Iniciativas recentes têm consoli-dado a piscicultura em Minas Gerais.Uma delas é o Programa Estadual deIncentivo à Piscicultura, de 2004,que promove a proteção, a pesqui-sa e o desenvolvimento da ictio-fauna das bacias hidrográficas, emespecial do surubim, visando aorepovoamento do rio São Francisco.Outra ação é o Programa de Ges-tão Tecnológica de Recursos Hí-dricos, para a implantação de par-ques aqüícolas nos lagos das usi-nas hidrelétricas de Furnas e TrêsMarias, e que está sendo executa-do pela Secretaria de Estado de Ci-ência e Tecnologia e Ensino Superi-or (Sectes) de Minas Gerais e pelaSecretaria Especial de Aqüicultura ePesca da Presidência da República.

Nas duas primeiras fases, porém,alguns erros foram cometidos, comoa introdução de espécies em baciashidrográficas das quais não eram ori-ginárias - as chamadas “espéciesexóticas”. Os impactos já são bemconhecidos e incluem a extinção lo-cal de peixes nativos.

Atualmente, apesar do maior co-nhecimento sobre os danos causadossobre a fauna nativa, do rigor da le-gislação e dos aparatos de fiscaliza-ção, as espécies exóticas continuamsendo propagadas em corpos d’águanaturais (rios e lagos) ou artificiais (re-servatórios e açudes). Grande partedesses peixes consegue se estabe-lecer, ou seja, manter populações vi-áveis nos novos ambientes, o queimplica em uso dos recursos antesutilizados somente pelas espéciesnativas. Entende-se por “recurso” nãosó o alimento, mas também os sítiosde desova, reprodução e crescimen-

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Tanques de piscicultura com tambaquis, instalado na Bacia do Rio Paraíba do Sul, favorecendo escapes

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to, locais de refúgio contra predação,áreas utilizadas como berçários, etc.

Outros fatores de impacto sobre asespécies nativas são o aumento dacompetição por recurso alimentar co-mum e a própria predação, quando aintroduzida é piscívora - alimenta-se deoutros peixes. Como os recursos sãolimitados (finitos) nos ambientes, sem-pre haverá uma estabilização das po-pulações em níveis diferentes anteri-ormente, com grande chance de pre-juízo para as espécies nativas.

Erros e conseqüênciasEm Minas Gerais, existem registros

de 63 espécies introduzidas, a maio-ria estabelecida. Esse número colo-ca o estado entre as regiões do mun-do mais infestadas por espécies exó-ticas, sejam elas de outros países oucontinentes, ou mesmo das demaisbacias brasileiras. O agravante é queo assunto não tem recebido a devidaatenção, já que se consegue compraralevinos de peixes de produtores es-palhados pelo Brasil e entregá-los emqualquer lugar, sem que haja fiscali-zação. A disseminação recente de umhíbrido de pintado e cachara é o me-lhor exemplo desta situação: alevinoscomprados no Centro-oeste do Brasiljá foram detectados nas bacias dosrios Paraíba do Sul, Doce, Jequi-tinhonha e São Francisco.

Escapes acidentais de criatóriosparticulares, de açudes e lagos defazendas também são comuns. Nofinal de 1996 e início de 1997, umagrande cheia no Sudeste fez comque os rios ficassem excessivamen-te acima de seus níveis naturais. Orio Paraopeba, por exemplo, na pon-te que liga a BR-040 à cidade dePompéu, estava 14 metros acima donível. Em trabalhos de campo poste-riores, foi verificado o primeiro regis-tro oficial do bagre-africano Clariasgariepinus em três das maiores baci-as hidrográficas do estado: São Fran-cisco, Doce e Paraíba do Sul.

Outro exemplo que merece desta-que é a maciça invasão de espéciesde peixes ornamentais na região deMuriaé (MG). Banhada por rios per-

tencentes à bacia do Paraíba doSul, a área é importante pólo de pro-dução para aquariofilia. Mas a totalfalta de cuidado com a segurançados criatórios permite registrar es-pécies de vários continentes e ba-cias brasileiras nos cursos d’águanaturais. Por exemplo, até 2005, naregião do rio Glória, afluente do rioMuriaé, foram identificadas 42 es-pécies exóticas contra 39 nativas.

Além desses impactos, há tam-bém a questão da sanidade dos pei-xes trazidos de outros lugares ou deestações de piscicultura. As possibi-lidades de introdução de novos pa-rasitas e disseminação de doençastambém são reais: junto com a car-pa, por exemplo, veio o parasitaLernaea cyprinacea, que já infestouespécies nativas. Recentemente, narevista Nature, um artigo alertou so-bre a introdução de parasitas - pro-venientes de estações de piscicultu-ra - que estão colocando em risco deextinção espécies de salmões selva-gens na natureza.

Sobre as espécies nativas produ-zidas em cativeiro, a preocupação ése os indivíduos utilizados em peixa-mentos - nos rios onde populaçõesselvagens ainda existem - estão co-laborando ou não para a manuten-ção da variabilidade e qualidade ge-nética. Isso porque, na natureza, osmais aptos são selecionados, mas notanque de piscicultura, em que a se-leção é menos rigorosa, exemplaresque eventualmente não vingariamnos rios podem sobreviver. Assim, a

Opinião debatesoltura de milhares de alevinos pro-duzidos em cativeiro pode afetar aintegridade genética das populaçõessilvestres.

Reflexões sobre o futuroTodas essas dúvidas e ressalvas já

poderiam ter sido solucionadas se hou-vesse o monitoramento da eficiênciados peixamentos realizados. Porém, aregra é produzir alevinos e liberar noambiente. Os aspectos genéticos sãosistematicamente negligenciados eevitam-se apenas os endocruza-mentos. A própria formação de plantéisde reprodutores não é rigorosa e écomum a busca de matrizes em áreasdistantes dos futuros locais de soltu-ra. Não há respostas para perguntassimples como: os alevinos atingiram afase adulta? Se tiverem alcançado amaturidade sexual, chegaram a se re-produzir? O peixamento foi positivo nodesembarque pesqueiro? Houve refle-xos sociais na qualidade de vida dapopulação local?

Diante das incertezas, será que autilização dos peixamentos como ins-trumento de educação ambiental éuma atividade adequada? Digo istoporque vemos com freqüência a libe-ração de alevinos por alunos de es-colas próximas às áreas de soltura.Estamos ensinando a essas crian-ças, portanto, que a solução para afalta de peixe nos rios é a soltura dealevinos. Quando crescerem, essescidadãos poderão manter a práticaachando que estão fazendo o bempara os rios, mas, na verdade, esta-rão trazendo novas espécies exóti-cas, parasitas, doenças ou alevinosde má qualidade genética. Ao invésde ajudar, portanto, estarão prejudi-cando ainda mais as populações sil-vestres remanescentes.

Um ponto de reflexão é: se a quan-tidade de peixes nos nossos rios vemdiminuindo ao longo do tempo, a solu-ção é soltar mais peixes ou minimizaros fatores que causaram esse declí-nio? Rios ricos em peixes no passadohoje recebem esgotos industriais edomésticos não tratados; agrotóxicose fertilizantes da agricultura; têm suas

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Alevinos compradosno Centro-Oeste do

Brasil já foramdetectados nas baciasdos rios Paraíba do

Sul, Doce,Jequitinhonha e São

Francisco

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AÇÃO AMBIENTAL - Novembro/Dezembro 200834 AÇÃO AMBIENTAL - Novembro/Dezembro 200834

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Minas Gerais, 2004. Decreto 43854:Altera o decreto Nº 43.713, de 14 deJaneiro de 2004 que regulamenta a leinº 14.181, de 17 de Janeiro de 2002,que dispõe sobre a política de proteçãoà fauna e à flora aquática e de desen-volvimento da pesca da aqüicultura noestado e dá outras providências.

Rosenberg, A.A. 2008. The price of lice.Nature, 451:23-24.

Vieira, F. & Pompeu, P.S. 2001.Peixamentos: uma ferramenta para con-servação da ictiofauna nativa? CiênciaHoje, 30(175):28-33.

matas ciliares eliminadas ou reduzidasa pequenas faixas de árvores; sãobloqueados por barragens; recebemrejeitos de minerações; são infesta-dos por espécies exóticas, etc. Nes-sas condições, obviamente, é impos-sível que os rios tenham a produtivi-dade e diversidade registradas nopassado.

Em algumas situações, a recupe-ração pode se dar naturalmente, sema intervenção humana, como no riodas Velhas. A possibilidade de recu-peração natural (sem a necessidadede peixamentos) é plausível porqueo rio ainda tem conectividade entreáreas vitais para as populações, queainda não perderam espécies. É oque se espera no rio das Velhas que,apesar de for temente poluído, nãoconta com barragens no seu leitoprincipal. Neste caso, ele está natu-ralmente ligado ao rio São Franciscoe aos seus afluentes, que se encon-tram em melhores condições ambien-tais, nos quais a maioria das espéci-es está preservada. Nos afluentes,foram registrados 75% de todas asespécies localizadas para esta sub-bacia do São Francisco.

Por tudo isso, considero a propa-gação artificial de espécies de pei-xes, principalmente as migradoras (asmais afetadas pelas barragens e im-portantes na pesca), mais uma téc-nica de manejo e não uma soluçãoem si, podendo funcionar como umaferramenta complementar aos esfor-ços de conservação da ictiofauna. Asua utilização deve vir acompanha-da de outras ações que propiciem,em conjunto, uma maior capacidade-

suporte do ambiente, sempre consi-derando que a condição não é maisnatural. Se bem utilizada, a técnicapode ajudar a manutenção de popu-lações prejudicadas pelas atividadesantrópicas. Tudo isso deve serinexoravelmente monitorado paramedir se houve o efeito desejado.

A simples soltura de peixes nosrios e reservatórios não implica emrecuperar populações em declínio. Odomínio das técnicas de propagaçãode várias espécies pode ser fatorpositivo na manutenção da diversida-de. Há locais onde espécies utiliza-das em peixamentos ocorrem embaixas densidades ou mesmo nãosão registradas - é o caso da ma-trinchã no rio Paraopeba. A espéciejá foi utilizada em programas depeixamentos, mas a péssima condi-ção da água a impede de se resta-belecer. Enfim, o simples uso depeixamentos não garante que as es-pécies se mantenham ao longo dotempo nos nossos rios.

Por outro lado, em ambientes ondehouve a extinção local de peixes,caso outras intervenções não tornempossível a manutenção da populaçãoregistrada no passado, a propagaçãoem cativeiro e a reintrodução podemser usadas. Temos ainda as espéci-es ameaçadas de extinção que po-dem ser produzidas para manutençãodo estoque genético para futurasações conservacionistas. Em conjun-to com outras ações e com o devidocuidado, o peixamento pode ser umaferramenta a mais para evitar odeclínio da pesca e a extinção deespécies.

Tucunaré (Cichla sp.)Corvina (Plagioscion squamosissim)

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