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00 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA JUNHO 2010

AFRO AND URBAN BRAZILIAN CULTURE

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AFRO AND URBAN BRAZILIAN CULTURE MAGAZINE

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EDITORIAL

Nabor Jr.Editor

Boa leitura!

A resistência continua!

No início do século XX, ainda sob a sombra das senzalas e os ecos das chibatas e dos gritos dos senhores de engenho, a população negra do Brasil, diante da tenta-tiva de negação da sua humanidade e da moldagem da sua subjetividade, passou a

desenvolver estratégias variadas de luta com o objetivo de resgatar sua condição de sujeito.

Uma dessas estratégias desencadeou a criação de um movimento de identidade étnica que buscava transpor as barreiras de uma imprensa impermeável aos anseios e reivindicações da comunidade negra.

Assim, em 1915, começou a circular na cidade de São Paulo uma das mais importantes ma-nifestações da trajetória do negro brasileiro na luta pela cidadania, a chamada imprensa negra paulista, cujos registros históricos apontam o jornal O Menelick, fundado pelo poeta negro Deocleciano Nascimento, como pioneiro.

O nome homenageia Menelick 1º (filho da Rainha de Sabá e do Rei Salomão), que viveu no século 11 a.C e que teria sido Rei da Etiópia, o primeiro país independente da África.

Entre os principais objetivos da publicação estavam a valorização da raça e a divulgação o patrimônio cultural dos negros, além da possibilidade de externar reivindicações, protestos e discussões sobre a inserção do negro na sociedade.

Quase um século depois, sentindo a mesma necessidade que fomentou o surgimento de O Menelick, desfrutando, inclusive, da mesma independência editorial, ética e comercial, um grupo de jornalistas, artistas e ativistas culturais fundam O Menelick 2º Ato, que pretende dar continuidade a essa luta, porém, concentrando sua produção no campo das artes (incluindo aí, manifestações ditas marginais urbanas), com o propósito de difundir, contextualizar e apresentar a história, os protagonistas e os movimentos artísticos de origem afro-brasileira.

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E AGORA JOSÉ ?! Saiba porque José Gomes Filho é o nosso Rei do Ritmo.

A CHICA É DO CARELLI! A dama de ferro por de trás das coxias do Bando de Teatro Olodum

MARTINHO DA VILA , O ESCRITORCom 10 livros publicados sambista flerta com Academia Brasileira de Letras

MULHER, NEGRA E ARTISTA A estética crítica de Rosana Paulino

JEFERSON DE A salvação do cinema negro nacional ?

PIXAÇÃO SP Quando as luzes apagam os ratos fazem a festa

PODE PÁ! Victhé fala sobre sua produção e inspirações

MITOS E VERDADES, A DISCÓRDIA DAS CORES Camila Rocha esclare antiga polêmica do universo da tatuagem

QUILOMBO

ColaboradoresJanaína Gomes, Nayara de Deus,

Alexandre Bispo, Thays Quadros, Ana Paula Santiago, Maria Cecilia Braga

O Menelick 2º Ato é uma iniciativa da MANDELACREW Comunicação

e Fotografia.

Rua Roma, 80 – Sala 144São Caetano do Sul/ SP

CEP: 09571-220 Tel: (11) 9651 - 8199

Nabor Jr (MTB 41678) Editor e Jornalista Responsável

Agradecimentos a todos que direta ou indiretamente contribuíram para que a revista O Menelick 2º Ato se tornasse

realidade.

Todos os artigos assinados e fotografias são de responsabilidade única de seus

autores e não refletem necessariamente a opinião da revista.

Para anunciar ou enviar [email protected]

Tiragem: 2 mil exemplares Periodicidade: Mensal

Distribuição Gratuita: em lojas, galerias de arte, shows,

centros culturais, eventos, casas noturnas e zonas de conflito

Revista impressa na Gráfica e Editora Mil Folhas Ltda.

Capa Victoronev-um.comDiagramação Victor Hugovictorcomunicacao.com.br

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“Contra fel, moléstia e

crime, use Dori-val Caymmi, vá de Jackson do

Pandeiro”.Verso de Chico

Buarque na música XXXXXXXXX

Em um país que tem como sua principal festa popular o percussivo Carnaval, onde uma caixinha de fósforo é sinônimo de samba e um prato de cozinha instrumento de batuque, ser considerado o Rei do Ritmo, convenhamos, não é pra qualquer um.

Mas um franzino paraibano, de nome José Gomes Filho, natural de Lagoa Grande, pobre, negro e analfabeto até os 35 anos de idade, contrariando o futuro que lhe estendia as mãos, transformou as batuca-das do seu destino. Tomou de assalto a cena musical brasileira e , deixando para trás o swing de nomes como Wilson Simonal, Luiz Gonzaga, Bezerra da Silva, Jorge Ben e tantos outros mestres do balanço, recebeu, com méritos, a concorrida alcunha de Rei do Ritmo.

Jackson do Pandeiro, como mais tarde ficaria conhecido José Gomes Filho, alcançou tal prestígio não apenas por dominar como poucos o instrumento que lhe empresta o sobrenome artístico, mas, também, e principalmente, por sua singularidade ao interpretar canções que viriam a definir a essência rítmica do cancioneiro nordestino.

“Esse artista tinha uma característica de divisão métrica dentro da musica que é inato. Nem ele conseguia explicar. Pegava uma frase melódica, com tempo e marcação definidos e saia quebrando isso o tempo todo. Ás vezes adiantando, às vezes atrasando, mas sempre ao final coincidindo com os acordes da música. Essa brincadeira que o Jackson fazia com a voz e com as músicas é algo realmente impression-ante. O grau de sofisticação, a técnica que ele usava e ao mesmo tempo a intuição, que é aquela coisa natural que vinha espontaneamente e nunca se repetiu e provavelmente nunca se repetirá porque dificilmente surgirá outro como ele”. A afirmação é do jornalista Fernando Moura, que ao lado do também jornalista Antônio Vicente, lançou em 2001, pela Editora 34, a biografia do músico, intitulada “Jackson do Pandeiro, o Rei do Ritmo”, que apresenta a vida e a obra do músico desde o seu nascimento em 1919, até a sua morte, quase no ostracismo, em julho de 1982.

Jackson do Pandeiro

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saiba porque ele é o nosso Rei do Ritmo

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Em um país cuja principal festa popular é o percussivo Carnaval, onde uma caixinha de fósforo é sinônimo de samba e um prato de cozinha instrumento de batuque, ser considerado o Rei do Ritmo, convenha-

mos, não é pra qualquer um.

Mas um franzino paraibano, de nome José Gomes Filho, natural de Lagoa Grande, pobre, negro e analfabeto até os 35 anos de idade, contrariando o futuro que lhe estendia as mãos, transformou as batucadas do seu destino. Tomou de assalto a cena musical brasileira e, deixando para trás o swing de nomes como Wilson Simonal, Toni Tornado, Bezerra da Silva, Jorge Ben e tantos outros mestres do balanço, recebeu, com méritos, a concorrida alcunha de Rei do Ritmo.

Jackson do Pandeiro, como mais tarde ficaria conhecido José Gomes Filho, alcançou tal prestígio não apenas por dominar como poucos o instrumento que lhe empresta o sobrenome artístico, mas, também, e principalmente, por sua singularidade ao interpretar canções que viriam a definir a essência rítmica do cancioneiro nordestino.

“Esse artista tinha uma característica de divisão métrica dentro da música que é inato. Nem ele conseguia explicar. Pegava uma frase melódica, com tempo e marcação definidos e saia quebrando isso o tempo todo. Ás vezes adiantan-do, às vezes atrasando, mas sempre ao final coincidindo com os acordes da música. Essa brincadeira que o Jackson fazia com a voz e com as músicas é algo realmente impressionante. O grau de sofisticação, a técnica que ele usava e ao mesmo tempo a intuição, que é aquela coisa natural que vinha espontaneamente e nunca se repetiu e provavelmente nunca se repetirá por-que dificilmente surgirá outro como ele”. A afirmação é do jornalista Fernando Moura, que ao lado do também jornalista Antônio Vicente, lançou em 2001, pela Editora 34, a biografia do músico, intitulada “Jackson do Pandeiro, o Rei do Ritmo”, que apresenta a vida e a obra do músico desde o seu nascimento em 1919, até a sua morte, quase no ostracismo, em julho de 1982.

“Contra fel, moléstia e

crime, use Dorival Caymmi, vá de

Jackson do Pandeiro”.

Chico Buarque na música Paratodos

MÚSICAMoura, que demorou oito anos até concluir o livro, realmente tem razão, Jackson transitava do forró ao samba, passando por todos os seus subgêneros, como o baião, xote, xaxado, coco, arrasta-pé, frevo, em fim, tudo que tivesse batuque, com extrema autenticidade, imprimindo um nova cadência aos ritmos que, já no início do século XX, se apresentavam como a base sonora por qual seguiria a música popular brasileira nos anos seguintes.

Filho da cantadora de coco Flora Maria da Conceição, Jackson cresceu ouvindo e tocando coco, fazendo “forró quentinho”, como dizem na Paraíba. No início da vida adulta, já na cidade de Cam-pina Grande, freqüentou o famoso Cassino Eldorado, onde tomou contato com ritmos como o blues, jazz, chorinho, maxixe, rumba, tango e o samba. Também freqüentou, durante determinado pe-ríodo da carreira, terreiros de candomblé, não em razão da sua crença, mas para ouvir e ver de perto as batucadas que de lá ecoavam. Além do talento nato de Jackson, essas experiências foram sem dúvidas fundamentais para transformar o que era para ser apenas mais um “Zé da Paraíba” em um dos maiores expoen-tes da influência rítmica negra na música nordestina.

“Ele foi campeão de samba em diversos carnavais no Rio de Janeiro. E olha que ser campeão de festivais de carnaval no Rio, no meio de tantos bambas, não é fácil não”, recorda-se Fernando Moura.

Pouquíssimas pessoas sabem, mas, o primeiro disco de Bezerra da Silva, “O Rei do Coco”, lançado em 1976, tem a direção ar-tística de Jackson do Pandeiro, que ainda participou de todas as músicas do álbum como instrumentista.

“Jackson do Pandeiro foi um dos maiores expoentes da influência rítmica negra na música nordestina”,

Fernando Moura, biógrafo do músico

Leia: “Jackson do Pandeiro: O Rei do Ritmo”Autor: Fernando MouraEditora 34Ano: 2001

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Para o pernambucano Carlos Fernando, produtor musical e um dos mais importantes compositores de Frevo ainda em atividade no país, o ritmo, tal qual conhecemos hoje é uma legítima criação de Jackson. “Foi ele quem acelerou a música. O frevo era um pouco mais lento, depois que ele gravou o álbum Micróbio do Frevo, o ritmo tomou um novo caminho”.

Seriam necessárias páginas e mais páginas para situar a importância de Jackson na música popular brasileira e a sua determinante influência na música pós-tropicalista de Gilberto Gil, assim como na obra de Alceu Valença, Lenine, só para ficar em alguns exemplos. Por isso, para os que desejam compreender a sua obra, a recomendação é seguir as palavras de Fernando Moura, “mais do que ler Jakson é necessário escutá-lo”. C

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OuçaEm 1966, Jackson lançou o álbum “O Cabra da Peste”. No disco, o Rei do Ritmo nos brinda com uma saco-lejante seleção de músicas que mis-turam forró, baião e samba – com Jackson inspiradíssimo em sua ma-neira pra frente de executar as can-ções e divisão vocal incomparável. Destaques para “Capoeira Mata Um”; “A Ordem é Samba”, e “Bodocongó”.

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TEATRO

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por Nayara de Deus / fotos MANDELACREWO Bando é da Carelli!

Chica Carelli é hoje a dama de ferro por de trás das coxias do Teatro Negro Brasileiro. O rótulo, apesar de confrontar a doce figura da atriz e diretora teatral, sintetiza bem a importância da mulher que

- desde o surgimento do Teatro Experimental do Negro (TEN), em 1944, e do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal - ousou oferecer ao país uma dramaturgia voltada ao diálogo para as minorias e a valorização de grupos étnicos notadamente marginalizados pela sociedade, neste caso, os negros.

Fundadora do Bando de Teatro Olodum (grupo de teatro baiano formado es-sencialmente por atores negros) ao lado de Márcio Meirelles, Chica costuma dizer que o Bando é uma companhia necessária porque seu discurso “que incomoda” precisa ser ouvido.

Há 20 anos em cena, o Bando (responsável pela formação de artistas como o baiano Lázaro Ramos) já promoveu cerca de 20 espetáculos teatrais, com destaque para “Cabaré da RRRRRaça” (1997), mais encenada montagem do grupo, “Sonho de Uma Noite de Verão” (2006), vencedor do prêmio Braskem; e “Ó Paí, Ó”, que ganhou expressão nacional ao se tornar longa-metragem, em 2007.

Com cores vibrantes, dança e questionamentos sobre o papel do negro na sociedade contemporânea, o grupo já encantou platéias da Alemanha, Por-tugal, Angola e Inglaterra, e prepara para o segundo semestre deste ano a estréia do espetáculo “A coisa tá Preta”.

Em abril, o Menelick acompanhou de perto a temporada de apresentações do Bando por Sampa, e entre um espetáculo e outro, conseguimos um de-dinho de prosa com Chica Carelli. Confira!

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O Menelick 2ª Ato - Chica! Você com essa pigmentação que, não é a da maioria baiana, (rs), porque resolveu se juntar a um propósito que viesse de encontro aos anseios da população negra?

Chica Carelli - (rs)...Olha...foi uma coisa que foi acontecendo. Nasci na França, fui criada em São Paulo e aos 16 anos voltei pra Fran-ça. Porém, decidi que era aqui que eu queria ficar. Mas, também não queria mais São Paulo. Então fui pra Bahia, porque na época o tipo de teatro que eu queria só tinha na faculdade fede-ral da Bahia. Eu fiquei porque estava buscando uma cultura diferente e consegui encontrar lá; na Bahia. Fui fazer dança afro, capoeira...can-tei numa banda de percussão..., simplesmente, porque eu gostava!

OM2ªATO - Como nasceu o Bando?

CC - Surgiu da vontade de criar um teatro mais brasileiro, mais baiano. Começamos (ela e o di-retor Márcio Meirelles) com um espetáculo so-bre Gregório de Matos, primeira encenação que tinha essa coisa da cultura negra. Essa experi-ência chamou a atenção do pessoal do Olodum, e eles chamaram a gente pra criar essa Compa-nhia de teatro, dentro do Olodum.

No começo éramos 30 atores e sete meninos da banda mirim do Olodum. Começou de uma audição que abrimos, alguns foram atraídos pelo nome do Olodum, outros, pelo nome do Márcio. O pré-requisito para estar no Bando era: se jo-gar! Nunca foi pré-requisito do bando ser negro. Muitos brancos passaram pelo Bando mas, eles sempre saíram...nunca permaneceram (rs).

No início trabalhamos calcados na commedia dell’arte, na criação de personagens que im-provisavam e criavam situações... “Ó Paí ,Ó” foi criado assim, e acho que por isso fomos criando uma dramaturgia própria porque, na época, não existia um texto que pudesse atender a um dis-curso contemporâneo sobre a situação do negro na sociedade brasileira.

OM2ªATO - O que naquela época precisa-va ser dito?

CC - Olha... primeiro: a valorização da cultura negra. Nós tínhamos pouquíssimos atores ne-gros, isso na Bahia, com uma população 80% negra e, 1% de público negro no teatro. Imagina aqui em São Paulo: piorou! E isso porque o ne-gro não se via representado naquele teatro feito na Bahia, e você tem que se ver! Por isso, não comparecia. Hoje, nosso público é muito mais negro que o público habitual do teatro.

OM2ªATO – O que é ser artista pra você? CC - Ser artista é acima de tudo estar a serviço de algo que tem que ser dito, não é só um exer-cício narcisista, né...de estar em cena.

OM2ªATO - Falar sobre a realidade do ne-gro muitas vezes agride o branco. Você mesma hoje, já se referiu ao Bando como “xiitas”, rs. O Bando agride?

CC – Olha, já teve quem disse ter se senti-do agredido ao ver, por exemplo, “Cabaré da RRRRRRaça”. Mas, assim: eu entendo que agrida, mas, a pessoa tem que entender que se aquilo é dito é porque é necessário. Os pontos de vista tem que ser ouvidos por todos. Nossa Companhia tem essa função, de colocar os cére-bros pra refletir...indagar, questionar, denunciar. Quando nós chegamos a Angola e falamos pra eles que 80% da população da Bahia era negra, eles não acreditaram. Por quê? Porque as pro-duções da Globo que passaram, e que passam lá, mostram um Brasil branco. Então, quer dizer, a televisão brasileira ainda não é um reflexo da nossa população, é só um reflexo da população dominante.

OM2ªATO- Qual o papel do ator negro na sociedade?

CC - Eu penso que vão te oferecer um papel, uma coisa que seja degradante...você vai ter que dizer: Não! Não tô a fim porque essa imagem já está muito reforçada. O artista tem que ter consciência do seu discurso. A gente não é uma massa de modelar, temos que ter uma posição. Seu personagem pode ser até equivocado, mas o seu discurso geral não pode. Essa será sua luta cotidiana.

OM2ªATO - O Bando faz um trabalho vol-tado à sociedade carente. Conta pra gente isso.

CC - Nós abrimos espaço para a inclusão e muito debate. Promovemos fóruns de discus-são, muitos seminários, trazemos gente pra falar com o pessoal da comunidade, além das oficinas... Então, quando você sai do Bando, sai com outra posição...você sai e já é dono do seu discurso. E é muito importante ser dono do seu discurso porque senão, você é destruído..., e a vida te destrói se você não sabe exatamen-te porque você veio. Então, o importante é ver que nossos artistas, quando se desvinculam do Bando, saem sabendo pra que vieram e o que querem pra sua trajetória.

“Quando chegamos a Angola e falamos pra eles que 80% da população da Bahia era negra, eles não acreditaram. Por quê? Porque as produções da Globo que passaram e que passam lá, mostram um Brasil branco”.

“Quando chegamos a Angola e falamos pra eles que 80% da população da Bahia era negra, eles não acreditaram. Por quê? Porque as produções da Globo que passaram e que passam lá, mostram um Brasil branco”.

CLICKteatrovilavelha.com.br

LEIALivro: Abdias Nascimento

Autora: Sandra AlmadaEditora: Selo Negro Edições

2009

Livro:Dramas para Negros e prólogos para brancos

Autor: Abdias NascimentoEdição do Teatro Experimental do Negro

Rio de Janeiro, 1961

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Martinho da vila, o escritorPor Janaína Gomes

Filho da mais charmosa vila do carnaval cario-ca, a alviceleste Vila

Isabel, Martinho José Ferreira, ou simplesmente Martinho da Vila, apesar da fala mansa e do andar cadenciado, pertence àquele grupo de artistas que não se contentam em ser pri-sioneiros de uma única plata-forma de produção. Como, por exemplo, o cantor, compositor e pintor Heitor dos Prazeres (1898-1966), ou mesmo o poeta, folclorista, ator e tam-bém pintor Solano Trindade (1908-1974), que tinham no fazer artístico um caldeirão de possibilidades para expansão de suas inquietudes.

Figura de raro talento e inven-tividade, dada a robustez de sua obra, basta um olhar mais atento a produção artística de Martinho para descobrir que ele simplesmente rompe, mes-mo que involuntariamente, com todos os rótulos e estereótipos que lhe possam ser atribuídos.

LITERATURA

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FotosDivulgação

e MANDELACREW

Suas contribuições para o res-gate e valorização de uma iden-tidade cultural genuinamente afro-brasileira são intermináveis. Nas décadas de 80 e 90, por exemplo, promoveu os Encon-tros Internacionais de Arte Negra (batizados de Kizomba), que trouxeram ao Brasil artistas de países como Angola, Moçam-bique, Nigéria, Congo, Guiana Francesa, Estados Unidos e África do Sul. Em 2000, reali-zou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em parceria com o maestro Leonardo Bruno, o pro-jeto Concerto Negro, um espe-táculo sobre a participação da cultura negra na música erudita.

Contudo, mais relevante do que os cerca de 50 discos lançados, as centenas de composições e os títulos com sambas-enredos, é a qualidade da vasta obra deste carioca de 72 anos, na-tural de Duas Barras. Seja como sambista, cantor, compositor, puxador de samba, pesquisador e intelectual, está sendo assim como escritor. Isso mesmo, es-

critor! Se musicalmente falan-do Martinho da Vila dispen-sa apresentações (já foi, por exemplo, um dos maiores ven-dedores de disco no Brasil e segundo sambista a ultrapas-sar a marca de um milhão de cópias vendidas com o CD Tá Delícia, Tá Gostoso, lançado em 1995), sua carreira como escritor, oficialmente inaugura-da em 1986, com o livro infan-to-juvenil “Vamos Brincar de política?”, parece estar preste a se tornar popular, bem como suas canções.

Autor de 10 livros, entre infan-to-juvenis, romances e relatos biográficos, Martinho, por for-ça da sua obra literária, teve o nome indicado para ocupar a cadeira 29 da Academia Bra-sileira de Letras, que pertencia ao bibliófilo José Mindlin, fale-cido em fevereiro deste ano. Porém, conforme resultado di-vulgado no último dia 2 de ju-nho, os imortais escolheram o pernambucano Geraldo Holan-da Cavalcanti, poeta, tradutor, ensaísta e memorialista para

ocupar o posto.Além de Cavalcanti e Martinho, que há algum tempo começou a frequen-tar os chás que acontecem todas as quintas-feiras na sede da ABL, no Rio de Janeiro, levando o batuque aos acadêmicos, alguns deles seus amigos, que o incentivaram a se candidatar, também concorreram o ministro do Supremo Tribunal Fe-deral, Eros Grau, e o presidente da Biblioteca Nacional, Muniz Sodré.

A fato é que, com os méritos de quem busca preservar as influências africanas na formação da identida-de cultural do povo brasileiro, os holofotes da carreira do sambista finalmente se voltaram a sua faceta literária. Abrindo caminho para que o público possa, em fim, conhecê-la. Se fosse aceito na ABL, como ele próprio afirmou meses antes da escolha, “músicos, sambistas, gente da favela, entre outros, se sentiriam representados”.

E ele tem razão, fundada em 20 de julho de 1897 por nomes como Ma-chado de Assis (mulato), José do Patrocínio (negro) e Silvio Romero (abolicionista), a ABL, mesmo sen-do para muitos cada vez mais uma

casa de notáveis do que de grandes escritores e desfru-tando de um prestígio duvidoso (principalmente após incluir em seu quadro nomes contestados tanto por escritores como pelo público em geral, como o do ex-presidente José Sarney, do cirurgião plástico Ivo Pitanguy e do escritor Paulo Coelho), a instituição segue como a prin-cipal morada do cultivo da lín-gua e da literatura nacional.

Ter novamente o colorido e o balanço de um negro no seu atual quadro de imortais seria um estímulo para os escritores negros e uma honra para ABL que, se não elegeu Martinho, ao menos apontou o dedo para sua literatura negra.

Page 11: AFRO AND URBAN BRAZILIAN CULTURE

Mulher, negra e artista

Além dos seus textos e mon-tagens cênicas, o poeta e dramaturgo alemão Bertold

Brecht (1898 – 1956), cujos trabalhos artísticos e teóricos influenciaram pro-fundamente o teatro contemporâneo, também ficou conhecido por seus po-emas marxistas. Em um deles, conhe-cido como o Analfabeto Político, Brecht condena as pessoas que se orgulham de odiarem e desconhecerem Política. Já que para ele, somos todos políticos, mesmo quando achamos que não. Em parte, a afirmação faz sentido. Afi-nal, se por um lado ignorar a política pode ser uma forma de criticá-la, ao mesmo tempo é quase impossível per-manecermos indiferentes a ela.

No Brasil, situação semelhante ocorre com as discussões envolvendo gênero, raça e etnia. Apesar de onipresentes

Por Alexandre Araújo Bispo

no cotidiano de uma sociedade miscigenada como a nossa esses temas seguem como coadjuvantes nas reivindicações de uma população que, em sua maio-ria, é carente de uma formação intelectual e crítica mais aguda.

Assim, unindo o discurso á plástica e utilizando pla-taformas ditas “mais digestíveis” para a compreen-são popular, muitos brasileiros (na música temos, por exemplo, o Rap dos Racionais MC´s; na literatura, as obras de Nei Lopes e no teatro “Os crespos” ) procuram, senão abrir os olhos da população, ao me-nos fazer com que temas políticos e raciais venham à tona e sejam introduzidos na pauta de discussões da sociedade.

Fotografia da série BastidoresImagem transferida sobre tecido,

bastidor de madeira e linha de costura. 30 cm diametro.

1997

ARTES PLÁSTICAS

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A estética crítica de Rosana Paulino

Conheça a lista com os 10 livros já publicados pelo escritor:

Vamos Brincar de política?Editora Global, 1986Infanto-juvenil

Kizombas, andanças e festançasEditora Record, 1998Auto Biográfico

Joana e Joanes, um romance fluminenseZFM Editora, 1999Romance

Ópera NegraEditora Global, 2001Ficção

Memórias póstumas de Teresa de JesusEditora Ciência Moderna, 2002Romance

Os LusófonosEditora Ciência Moderna, 2006Romance

Vermelho 17ZFM Editora, 2007Romance

A Rosa Vermelha e o Cravo BrancoLazuli Editora, 2008Infantil

A serra do rola-moçaZFM Editora, 2009Romance

A rainha da bateriaLazuli Editora, 2009Infantil

CLICK: martinhodavila.com.br

Ilustração 8 ou 80

Page 12: AFRO AND URBAN BRAZILIAN CULTURE

quando diante tal questionamento. Nessa operação ela constrói uma produção que revela os sofrimentos decorrentes da frustração da menina negra em não conseguir se adequar ao modelo de beleza oficial. Em Amas-de-Leite (2008), momento em que repensa o papel estruturante dessas mulheres no processo civilizador brasileiro, temos a denúncia da ausência de interesse de grande maioria dos artistas contemporâneos brasileiros em fazer um trabalho que reveja temas históricos ou que se inspirem ao universo da cultura popular.

Neste sentido destaca-se o traba-lho desenvolvido pela artista plástica paulistana Rosana Paulino, graduada em Artes Plásticas pela ECA/ USP, especialista em gravura pelo London PrintStudio e que em entrevista ao OM2ªATO, afirmou detestar ser defi-nida como uma artista engajada. “No meu caso é uma coisa que nasce de fora para dentro, questiono constan-temente meu lugar – e o lugar dos meus – no mundo. Não nasce de algo que vem de fora, é a minha própria essência”, diz.

Solidária à dimensão social e política da história do Brasil, Paulino, que já realizou diversas exposições tanto no Brasil como no exterior, atualmente é doutoranda em Poéticas Visuais pela ECA, não submete em sua obra à plástica ao discurso crítico, pelo con-trário, explora a história do país e a atualidade de algumas práticas cons-truindo imagens fortes que criticam a manutenção do sistema de desigual-dades mantidos em muitos gestos, as vezes silenciosos e muitas vezes indis-cretos nas propagandas, no consumo de-senfreado, na ansiedade de não correspon-der às expectativas entre o ser e o parecer.

Desde o início de sua carreira, Rosana, nas-cida na cidade de São Paulo, onde atual-

mente vive e trabalha, vem se destacando por sua produção ligada a questões sociais, étnicas e de gênero, tendo como foco principal a posição histórica da mulher negra na sociedade brasileira. “Minha infância está presente em meus trabalhos. Fatos como se perceber negra e não ter nenhuma boneca com a qual pudesse me identificar olhar as heroínas e princesas e ver que entre elas não havia nenhu-ma negra, as famílias nos comerciais e livros escolares, tudo isto foi chamando minha atenção e me levando a discutir o motivo desta invisibilidade negra”, diz. No livro Manobras Radicais (2006), os autores Paulo Herkenhoff e Heloisa Buarque de Holanda, afirmam que: “Certa parte da obra de Rosana Paulino trabalha o sistema de arte como uma espécie de gargalheira que constrange os movimentos de expressão da mulher negra”. A constatação pode ser verificada em trabalhos como a série Basti-dores (1996/1997) onde, para refletir sobre a violência doméstica contra mulheres, a artista reúne a fotografia sobre tecido a uma tarefa bastante feminina: o bordado, que é utilizado para denunciar o “nó na garganta” a impossibilidade de falar, de ver ou, no limite, apontar a privação dos sentidos causada pela violência.

Aliás, a utilização de materiais e imagens tradicional-mente ligados ao universo feminino, tais como linhas, tecidos, cabelos artificiais, silhuetas recortadas de mu-lheres que lembram antigos trabalhos manuais, são uma constante nos trabalhos em que a artista investiga a si-tuação social da mulher negra no Brasil.

Em O Baile (2004), por exemplo, Paulino desmonta o mito da festa de debutantes, situação que exaltaria a brancura, os cabelos lisos e nos apresenta uma situa-ção constrangedora por qual passam as meninas negras

Amas-de-Leitefoto: Celso Ricardo

“Como me olhar no espelho e não questionar os estereótipos a que somos submetidos?”Rosana Paulino

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Das muitas artistas mulheres na his-toria das artes visuais, poucas ou, até bem pouco tempo nenhuma delas, eram negras. Nesse contexto, a produção de Paulino não só vai dar um salto na medida que, como negra ela se diz a si própria, isto é, não é objeto de inspira-ção (uma boa comparação é o quadro A Negra, de Tarsila do Amaral), mas vai reinterpretar a história dos lugares sociais da mulher negra no Brasil.

A mulher negra é verdade, foi, nas pri-meiras décadas do século XX, objeto de representação para artistas como Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, entre muitos outros, mas não foi ela própria que se auto representou. Temos em Ro-sana essa voz plasticamente forte que não só se diz, mas revê os estereótipos históricos a partir de um apuro técnico e cuidado plástico que não limitam seu trabalho a um engajamento que ilustra-ria uma posição política. Ela, ao contrá-rio, vai muito mais longe ao se mostrar solidária às constantes investidas que pretendem desprestigiar a mulher negra e sua imensa participação no processo civilizador brasileiro. Ao revelar esses lugares de subalternidade ela põe sua produção no circuito das artes reforçan-do sua consciência política sem abrir da delicadeza que envolve ser uma mulher, negra e artista.

CLICKrosanapaulino.blogspot.commuseuafrobrasil.com.br

LEIALivro: Manobras RadicaisAutores: Paulo Herkenhoff e Heloisa Buarque de HolandaEditora: CCBB/ SPSão Paulo, 2006

Livro: YedamariaAutor: Editora Imesp Editora:Imprensa Oficial São Paulo, 2006

Livro: Novíssima arte brasileira - um guia de tendênciasAutor: Kátia CantonEditora: Editora Iluminuras/FAPESPSão Paulo, 2000

Livro: Heitor dos Prazeres – sua arte e seu tempoAutora: Alba Lírio e Heitor dos Prazeres FilhoEditora: ND ComunicaçãoRio de Janeiro, 2004

SOLDADOS (detalhe de peça)Terracota, tecido e materiais diversos.Terracota: 36,0 x 15,0 x 9,5cm 2006

Enfim um Spike Lee tupiniquim?CINEMA

Por Nabor Jr. / Fotos MANDELACREW

CLICKblaxploitation.com

jefersonde.blogspot.com

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Em uma de suas observações no livro “O Negro Brasileiro e o Cinema”, lançado em 2001, pela editora Pallas, o respeitado jornalista, crítico de cinema e pesqui-sador João Carlos Rodrigues, aponta a escassez, para não dizer a quase nula

presença de negros atrás das câmeras como uma das principais razões para uma repre-sentação ainda carregada de estereótipos do negro brasileiro na cinematografia nacional.

Porém, assim como os Estados Unidos demorou décadas para produzir um diretor da categoria de Spike Lee, Rodrigues acredita que o diretor afro-brasileiro “ideal”, com res-peito aos excelentes Zózimo Bubul, Ari Cândido e Joel Zito Araújo, surgirá quando menos se esperar. “Arrisco a dizer que esse nosso primeiro grande cineasta negro brasileiro só chegará no seu tempo certo de gestação histórica. Não podemos pular etapas e fabricá-lo numa proveta”.Hoje, 10 anos depois, se a profecia ainda não foi concretizada, ao menos parece estar sendo sondada de perto. E o cineasta paulista Jéferson De é, no momento, quem parece mais próximo de unir as competências técnica e artística e a conscientização política para ocupar o posto de grande cineasta negro brasileiro da contemporaneidade.

De proveta, ao menos, ele não surgiu. Pelo contrário, sua gestação está sendo longa e o pré-natal, digamos, muito bem feito. Já que apesar da pouca idade, 32 anos, soma uma década de serviços prestados a cinematografia nacional, entre bem avaliados curtas-metragens, como os filmes Distraída para a Morte, Carolina (com o qual foi agraciado com o prêmio “Kikito de Ouro”, no Festival de Gramado de 2003) e Narciso Rap, além de projetos independentes variados. “Tive o privilégio de trabalhar com a Regina Cazé, no Central da Periferia, pesquisando e dirigindo algumas coisas, na MTV fiz o seriado Vinte e poucos anos, como editor. Também passei pelo SBT e tal”.

Também contam pontos para o cineasta de origem humilde que durante toda a juventude estudou em escola pública e que formou-se em Cinema pela USP, a criação do manifesto Dogma da Feijoada (inspirado no grupo dinamarquês Dogma, que preconiza um cinema sem artificialismo), cujo objetivo é mudar culturalmente a maneira do cinema brasileiro retratar o negro (vejo na tabela os 7 mandamentos do movimento).

Ainda visto como uma promissora revelação do cinema nacional, Jéferson De pode ter o nome consolidado de vez como um grande cineasta brasileiro já no segundo semestre deste ano, quando estréia o seu primeiro lon-ga-metragem: Bróder, produzido pela Glaz Cinema, Barraco Forte, Columbia Pictures e Globo Filmes.

“Bróder foi meu primeiro roteiro de longa na minha vida. Nunca havia escrito um roteiro de longa. Tudo pra mim ta novo. Ir para o Festival inter-nacional, como por exemplo foi em Berlim. Estou aprendendo a lhe dar com a ansiedade”, diz.

Paralelamente as finalizações de Bróder, Jéferson está escrevendo um episódio da minissérie As Cariocas, que vai ao ar no segundo semestre pela Globo. “Fui con-vidado pelo Daniel Filho. Estou me de-dicando a isso e a finalização do Broder e acabando de escrever meu próximo longa. Onde eu serei produtor, coisa que nunca fui também”.

A expectativa da crítica brasileira com Bróder é grande desde quando começou a ser produzido, em meados de 2007. Jéferson tem nas mãos uma excelen-te oportunidade cravar seu nome como o principal cineasta negro brasileiro da atualidade. Tudo depende do público, da imprensa e dele próprio, mas, indepen-dente do sucesso do filme, ele está no caminho certo.

Os 7 mandamentos do manifesto Dogma da Feijoada

I-O filme tem que ser dirigido por um realizador negroII-O protagonista deve ser negroIII-A temática do filme tem que estar relacionada com a cultura negra brasileiraIV-O filme tem que ter um cronograma exeqüível. Filmes-urgentesV-Personagens estereotipados negros (ou não) estão proibidosVI-O roteiro deverá privilegiar o negro comum brasileiroVII- super-heróis ou bandidos deverão ser evitados

LEIALivro: O

Negro Brasileiro

e o Cinem

aAutor: João C

arlos Rodrigues

Editora Pallas3ª ed. – R

io de Janeiro, 2001

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Pixacao SP“São Paulo não dorme, mas basta cochilar para que um jovem

suor negro escorra por suas veias de concreto e redesenhe uma nova metrópole”

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S

S

A fotografia é na sua mais pura es-sência um fazer documental. Uma interpretação subjetiva do mundo

em que se vive. Talvez seja por isso que dois séculos após o registro da primeira fo-tografia de que se tem notícia – realizada em 1826, pelo francês Joseph Nicéphore - e dezenas de ramificações surgidas a par-tir da sua criação (jornalística, publicitária, social), nenhuma delas tenha alcançado o verdadeiro sentido pelo qual o produto final de um registro feito através de uma câmera escura realmente emergiu, o documental. Munidos de um tema, uma câmera, dis-posição e uma sensibilidade apurada, no-mes como Sebastião Salgado, Lewis Hine, Alec Soth, Benedito Junqueira Duarte, Paul Strand, Alfred Stieglitz, Dorothea Lan-ge, Walker Evans, Arthur Rothstein, Ben Shahn, Russel Lee, Marion Wollcott, Gor-don Parks, só para destacar alguns, en-cantaram o mundo com uma percepção estética voltada para a força da imagem e evidente preocupação em apresentar ques-

tões sociais na esperança de verem seus tra-balhos na pauta das discussões da sociedade. Com uma provocativa atitude diante dos fatos, esses fotógrafos fizeram da documentação um gênero nobre dentro da fotografia. Conhecedo-res dos meandros da caixa preta (nome que o filósofo tcheco Vilém Flusser, autor do clássico estudo: “Filosofia da Caixa Preta – elementos para uma futura filosofia da fotografia”, utilizou para definir a máquina que produz a imagem técnica), subverteram o “simples” fazer foto-gráfico oferecendo à imagem final um caráter perturbador.

Choque Photos, pseudônimo de um jovem e audacioso fotógrafo paulistano que desenvolve trabalhos sem revelar a verdadeira identidade, realizou entre os anos de 2007 e 2008 um interessante ensaio documental sobre a pixação na cidade de São Paulo.

por Nabor Jr / fotos MANDELACREWENSAIO

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No trabalho, intitulado Pixação – SP, discurso e imagem andam juntos, dialogando em torno de um tema áspero e polêmico. Na esteira dos bons fotógrafos, que literal-mente entregam-se ao projeto a ser desenvolvido, Choque (que em 2009 faturou um dos troféus de fotógrafo revelação oferecido pela revista Clix, dentro do prêmio “Melhores da Fotografia”) transveste-se de pixador, passando de coadjuvante a uma constante testemunha dos fatos. Ao doar-se por completo, o fotógrafo é absorvido pelos meandros do movimento e, assim, como um dos pixadores, realiza um ensaio livre, autoral e de tirar o fôlego.

Com a pele de pixador confortável em seu corpo, Choque brinca com a máquina fotográfica fazendo-a agir conforme a sua intenção e, como poucos até hoje fizeram, mostra como à margem da lei, um dos mais atuantes e marginalizados movimentos da cidade de São Paulo se materializa pelos muros e avenidas da capital.

Choque utiliza a fotografia como pretexto para colocar em pauta uma questão que assola dez em cada dez grandes metrópoles mundiais, hoje tomadas por rabiscos e inscrições aparentemente desconexas. Mais do que isso, mostra o quanto o mo-vimento é forte, complexo e atraente. Para isso usa a cidade de São Paulo, como pano de fundo, e os pixadores paulistanos como protagonistas de um vandalismo (aparentemente) sem causa.

Em Pixação – SP, Choque Photos nos brinda com sua técnica apurada e espírito aventureiro aguçado. A cidade que não pára, quando capturada pela sua lente, seja de ponta cabeça da sacada de um apartamento, ou no beiral de uma marquise, se silencia. Só se vêem vultos. A rua agora é sua, ou melhor, deles. O desafiador pro-jeto, ainda em curso, revela com beleza e cores o poder e a força contraventora dos tipografistas urbanos do século XXI. Jogado o balde de tinta no rosto da sociedade, agora resta saber quem vai correr, quem vai pintar ou quem vai simplesmente ignorar, como há anos vem sendo feito.

Não deixe de ver o ensaio completo de “Pixação SP” www.flickr.com/photos/choquephotos

ps. Choque Photos não autorizou a reprodução das suas imagens na revista.

CLICKlost.art.brflickr.com/photos/mr_fran

LEIA“Filosofia da Caixa Preta – Ensaios para uma futura filosofia da fotografia” Autor: Vilém Flusser Editora: Relume-DumaráRio de Janeiro, 2002.

Livro: Subway ArtAutores: Martha Cooper e Henry ChalfantEditora: Henry HoltNew York, 1984

ASSISTADVD 100Comédia Autores: Djan (Cripta), João Wainer e Roberto Oliveira + INFO: [email protected]

CONHEÇABarry McGee

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Fragmentos da plástica e da magia do circo transportados para um universo sombrio e lúdico, onde o vermelho, o preto, o branco e o prata dialogam para transmitir sentimentos como ódio, amor, paz e escuridão.

Essa é apenas uma das facetas da peculiar obra do grafiteiro, ilustrador, escultor e pintor de diversos suportes, Victhé. Paulista-no do bairro do Cambuci, contemporâneo dos Gêmeos, o artista, que começou seu trabalho nos anos 80, hoje, já da veia, é um dos principais precursores do graffiti no país. Com trabalhos expostos no Brasil, Estados Unidos, Améri-ca Latina e Europa, em locais como a conceituada Fundação Cartier, em Paris, Victhé começou sua carreira rabiscando de giz o asfalto das ruas do Cambuci. Pra tudo tem um começo! Nome?Vicente Rodriguez Mora. Sou filho de imigrantes espanhóis.

Porque Vitché?Desde muito cedo já brinco na rua e, aproximadamente, com cinco pra seis anos me deram este apelido que veio naturalmente pelo meu verdadeiro nome .

Idade?Nasci em julho de 69. É muito legal completar 40 anos justo com Woodstock e a ida do homem a lua .

Onde nasceu e cresceu?Em um bairro mágico chamado Cambuci, no Centro de São Paulo

Lembra-se como foi fazer, quando e onde fez seu primeiro gra-ffiti?Na verdade foi muito natural. Foi meio que brincando, tinha 10 anos e pintei minha primeira parede com o resto de tinta que usávamos para fazer o campinho de futebol na rua onde moro até hoje .

Como está sua relação com as ruas hoje. Continua pintando por aí pra se divertir?Sim eu gosto de pintar e a rua sempre te ensina alguma coisa diferente. Mas, hoje, sei que posso me divertir de várias maneiras, como fazendo uma escultura, conhecendo novos materiais ou técnicas, mas a rua tem algo realmente especial . Reparamos no seu trabalho um gosto pelo lúdico (sonho), pelo uso freqüente de cores quentes, como o vermelho, por exem-plo e, por vezes, traços que remetem ao universo circense. Ex-plique um pouco do seu trabalho, inspirações e referências.Na verdade procuro ter um equilíbrio no meu trabalho. Algo entre o sonho e a realidade. Hoje também tenho muitas inspirações nos antepassados e nos povos que já passaram pelo planeta . Gosto também do lúdico como uma forma de sonhar, para mim o sonho e a realidade caminham lado a lado. O divertido é não se deixar cair da corda bamba .

Porque os olhos são tão expressivos na sua obra? O que eles querem dizer?Os olhos são como um estado de sensibilidade e consciência, principal-mente pelo que vem acontecendo com o planeta, como os desmatamen-tos, as queimadas, a extinção de espécies e a falta de visão da grande maioria dos homens. Para que direção esta o verdadeiro progresso já que não conseguimos muitas vezes respeitar o planeta aonde moramos?

Vim, vi e venci . Vitché!Grafiteiro, ilustrador, escultor e pintor, Victhé fala sobre sua produção e inspirações

CLICKvitché.com.br fondation.cartier.comPor Janaína Gomes

Fotos Arquivo Pessoal32

GRAFFITI

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Como foi a transição das ruas e telas para as esculturas e ilustrações. Foi uma evolução natural do seu trabalho? Em que plataforma se sente melhor?Me sinto bem em todas as formas de expressão. Vejo tudo isso como maneiras de se comunicar e eu realmente me preocupo mais no que vou dizer. É como falar inglês, alemão ou francês, são como técnicas , a transição e a evolução foi natural mais acho que a essência sempre foi a mesma .

Você já expôs na Fundação Cartier, em Paris, além de museus na República Tcheca e na Alemanha, por exemplo. Porque os gringos gostam tanto dos artistas de rua do Brasil?No mundo existem muitos artistas bons, mas o melhor de tudo isso e que hoje o Brasil esta no mapa e também pode mostrar seu estilo. O que é muito bom .

Você trabalha muito com madeira, tem um discurso de resgate do verde nas grandes cida-des e tal. Como é o seu trabalho neste sentido?Na verdade me preocupo muito com o planeta. Vivo no centro de uma grande cidade mal planejada e com pouco verde. Considero a natureza muito importante para nossa vida . Uso madeiras que encontro na rua para fazer as esculturas porque sei que elas um dia foram uma árvore e tento resgatar um pouco da energia que sei que esses pequenos pedaços de madeira ainda tem, mas na verdade tudo é como um grito para que essa falta de consciência pare e que possamos abrir os olhos antes que eles não possam mais serem abertos .

TATTOO

a discórdia das coresMitos e Verdades

Em entrevista concedida dire-tamente de Los Angeles, nos Estados Unidos, a tatuado-

ra mineira Camila Rocha, que desde 2009 trabalha com a famosa e também tatuadora Kan Von D no estúdio High Voltage Tattoo, que exibe o seriado L.A Ink (reality show exibido no Brasil pelo canal People and Arts), fala sobre tatua-gem, pele negra e coloca um ponto final nos boatos sobre o assunto.

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O Menelick 2º Ato - Tinta branca na pele negra. Mito ou verdade? É possível se ter uma boa tattoo com esse contraste?

Camila Rocha – Mito. Não existe tinta de tatuagem que seja 100% opaca, mesmo o branco é um pouco transparente. Quando uma nova pele nasce sobre a tinta, ela se confunde com a cor da pele.

OM2ºATO - Existem cores recomendadas ou que devem ser evitadas por pessoas de pele mais escura?

CR - Isso depende, o maior inimigo da tattoo é o sol. Não importa se a pessoa tem pele clara ou escura, quando exposta ao sol, a tinta sofre uma certa descoloração. Como o Brasil é um país tropi-cal, evitamos ao máximo utilizar cores claras em pele escura. Em países onde não há muita exposição ao sol, é possível sim utilizar cores claras em peles escuras.

OM2ºATO - Quanto mais escura a pele mais difícil o des-taque da cor. Existe uma saída pra isso?

CR – Geralmente buscamos estudar o assunto da seguinte manei-ra: para quanto mais escura for a pele mais nos limitamos à paleta de cores. Na tatuagem procuramos obter o maior tipo de contraste possível, desta forma, em peles mais escuras acabamos fazendo tattoos que sejam mais simples, por exemplo: quando somente utilizamos o preto em um desenho tribal dando um efeito como o de negativo nos espaços mais abertos (entre as linhas) para a pele respirar.

OM2ºATO - Desenhos chapados e com poucos detalhes (como por exemplo: símbolos orientais, tribais e palavras) podem ser uma resposta da pergunta anterior? Se sim, por-que?

CR - Sim, para obter o maior contraste possível. Com o tempo a tattoo tende a ficar confortável na pele e mesmo em peles mais claras temos que pensar no futuro da tattoo. Ao passar dos anos as linhas se espalham para os lados e se você fizer uma linha muito próxima uma da outra, pode virar um borrão.

OM2ºATO – E pra finalizarmos...CR - Tattoo funciona sim para pele negra e na tatuagem tudo é em função do estilo. Tentamos repre-sentar na tattoo o estilo do indivíduo, ou seja, a tattoo é mais um trabalho de identificar e transcrever o estilo da pessoa do que se preocupar com os tons e cores nos desenhos. Temos que combinar a tattoo, com a pessoa, seu ambiente, estilo e atitude. Muito obrigada pela oportunidade em discutir o assunto.+ INFO

camilarocha.com

16.06.1982 – Nasce Camila Rocha, na cidade de Contagem, em Minas Gerais

1998 – Inicia trabalho como desenhista para uma editora de livros didáticos

2000 – Começa a estudar desenhos para tatuagem e aprende a tatuar

2001 – Se torna tatuadora profissional.

2002 – Abre o próprio estúdio de tatuagem, o Sacred Hands Tattoo, em Belo Horizonte.

2003 – É convidada para trabalhar no estúdio Tattoo You, em São Paulo

2004 – Inicia trabalho no estúdio Divina Arte Tattoo, em SP. No mesmo ano embarca para Londres

2005 – Na Inglaterra trabalha nos estúdios Evil From The Needle e New Wave Tattoo

2006 – Retorna ao Brasil e ao estúdio Tattoo You

2008 – Deixa o Estúdio Tattoo You e inicia carreira solo

2009 – É convidada por Kan Von D para trabalhar no estúdio High Voltage Tattoo, em Los Anegles

Quem é Camila RochaCLICK:lifeunderzen.comhighvoltagetattoo.com

“Salvo alguns casos, na maioria das vezes a exposição ao sol é mais relevante do que o tom de pele da pessoa. O sol em excesso é muito prejudicial, capaz de mudar o tom, a textura e a macieis da pele, além de influenciar na absorção da tinta”, CR.

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