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2 Vitória (ES), quarta-feira, 26 de março de 2003 Página: 2 CYAN MAGENTA YELLOW BLACK A GAZETA POLÍTICA O corpo do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, morto a tiros na manhã de segunda-feira, foi sepultado ontem à tarde no Rio de Janeiro. Antes do translado do corpo em avião da FAB, o ma- gistrado morto recebeu inúmeras homenagens. O governador Paulo Hartung foi ao enterro no Rio. ANDRÉIA LOPES PRAÇA OITO Fax para a coluna: 3321-8633 - e-mail: [email protected] Ameaça a distância Se o coronel Walter Gomes Ferreira, suspeito de ser o mandante do as- sassinato do juiz Alexan- dre Martins de Castro Fi- lho, está trancado em um presídio de segurança máxima do Acre, isso faz supor que o local teria normas de conduta mais rígidas que as das demais penitenciárias. Mas se ainda assim Ferreira estiver mesmo conseguindo fazer com que lá funcione o escritó- rio do braço armado do crime organizado, esse será mais um grave sinal de que o sistema prisio- nal brasileiro não está preparado para combater o banditismo. Não é muito difícil constatar que é possível manter contato com Ferreira por telefone sem maiores problemas. Há dez dias, a re- portagem de A GAZETA en- trevistava fa- miliares do co- ronel e conse- guiu falar com ele. A reporta- gem apurou ainda que Fer- reira liga a co- brar todos os dias, de um orelhão que fi- ca no pátio do presídio, para a sua casa, em Vila Velha. O pior: não há no presídio controle dessas ligações. Para acusar Ferreira formalmente de ser o mandante do crime, o se- cretário de Segurança, Rodney Rocha Miranda, depende de confirmações que virão do Ministério Público Federal do Acre. Há informações de que vá- rias denúncias contra o coronel já foram apresen- tadas e que a Secretaria de Segurança estaria fazen- do, agora, o cruzamento dos extratos telefônicos para identificar para quem Ferreira ligou nos dias que antecederam o assassinato do juiz. Mas se Ferreira real- mente for o mentor inte- lectual desse crime, a se- gurança pública brasilei- ra estará definitivamente em xeque. Significará que os presídios se trans- formaram em quartéis- generais do crime orga- nizado e que as institui- ções não estão conse- guindo manter controle sobre a situação. Foi de dentro de um presídio que o traficante Fernandinho Beira-Mar conseguiu comandar as- sassinatos e fechar portas do comércio do Rio de Ja- neiro. E se as declarações de Rodney forem confir- madas, Ferreira conse- guiu exterminar um juiz, mesmo estando a cente- nas de quilômetros de dis- tância. E isso pode ter lhe custado apenas um ou mais telefonemas. Os assassinos confes- sos, por sua vez, tentaram argumentar que estariam praticando um assalto, hipóte- se que já foi descartada pe- lo secretário Rodney. Como disse o presi- dente do Tri- bunal de Justi- ça, Alemer Moulin, parece piada dizer que um juiz que desde 2001 está ameaçado de morte tenha si- do assassinado num assalto sem que os bandidos levassem qual- quer de seus pertences. A desculpa não convenceu. O fato é que o assassi- nato de juízes, a ousadia dos criminosos e o pro- testo da sociedade são si- nais evidentes de que ações mais efetivas preci- sam ser feitas pela segu- rança pública do país e do Estado. A adoção de medidas paliativas, como o refor- ço de agentes ou a pre- sença do Exército nas ruas, resolve o problema durante algum tempo. Quando esse reforço da missão acabar, e se a lim- peza não for completa, o câncer do crime organi- zado corre o risco de vol- tar a espalhar o mesmo medo de antes. Vê-se co- mo exemplo o caso do juiz Alexandre. O crime organizado esperou e, quando encontrou uma brecha, calou a sua voz. Fotos de Gildo Loyola Dor e revolta Alunos, colegas e amigos se uniram para reverenciar o juiz morto Emoção marca despedida do juiz executado Antes do corpo ser transladado para o Rio, homenagens emocionadas oucos minutos antes do caixão com o corpo do juiz Alexandre Martins de Castro Filho – assassinado a tiros na manhã de segunda- feira – ser carregado pelos ca- detes da PM até o carro do Corpo de Bombeiros que o le- vou ao aeroporto, familiares e amigos se reuniram em volta do caixão e o desembargador Jorge Góes fez um discurso ressaltando o trabalho de Ale- xandre Martins. Ele afirmou que nada vai amedrontar ou aterrorizar a Justiça. O pai do juiz perma- neceu o tempo todo ao lado do corpo do filho e pediu que o desembargador lesse uma carta em que agradeceu a ma- nifestação de apoio prestada pelos amigos do filho e res- salta seu profundo carinho demonstrado por pessoas simples do povo que o abra- çaram e disseram para que ti- vesse orgulho do filho. Nos jardins em frente do Tribunal de Justiça a marca da dor pela perda do juiz fi- cou registrada com as diver- sas coroas de flores espalha- das pelo gramados. Ao meio-dia uma passeata com cerca de dois mil estu- dantes de Direito chegou ao local, ocupou a escadaria do tribunal e os estudantes se misturaram às coroas de flo- res. Cartazes revelaram a re- volta dos estudantes. Cerca de dois mil estu- dantes de diversas faculda- des do Estado fizeram uma passeata pelas ruas de Vitó- ria em protesto contra a morte do juiz Alexandre Martins de Castro Filho. A manifestação terminou na frente do Tribunal de Justi- ça (TJ), na Enseada do Sua, onde eles cantaram o hino nacional e gritaram pedin- do Justiça. O ato começou às 9 horas na Faculdade de Direito de Vitória, no Barro Vermelho, onde o juiz era professor, com um ato ecumênico e a participação de um padre e um pastor presbiteriano, Os estudantes, a maioria vestida de preto e soprando um apito, saíram em passeata às 10 horas pela Reta da Pe- nha e se dirigiram até o TJ. No caminho fizeram uma parada na frente a Assem- bléia Legislativa onde algu- mas pessoas discursaram. Ao meio-dia os estudantes ocuparam a escadaria de acesso ao tribunal, cantaram o hino e gritaram várias pala- vras de ordem. P Tristeza dos alunos

AGazeta 26/03/03 1a. Quarta C1 02Politica 2gazetaonline.globo.com/_midias/pdf/250323-4ba96766d964e.pdf · P O L Í T I CA A GAZETA ... presídio que o traficante Fernandinho Beira-Mar

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2 Vitória (ES),q u a r t a - fe i r a ,26 de março de 2003

Página: 2 CYAN MAGENTA YELLOW B L AC K

A GAZETAP O L Í T I CAO corpo do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, morto a tiros na manhã de segunda-feira, foisepultado ontem à tarde no Rio de Janeiro. Antes do translado do corpo em avião da FAB, o ma-gistrado morto recebeu inúmeras homenagens. O governador Paulo Hartung foi ao enterro no Rio.

ANDRÉIA LOPES

PRAÇA OITO

� Fax para a coluna: 3321-8633 - e-mail: [email protected]

Ameaça a distânciaSe o coronel Walter

Gomes Ferreira, suspeitode ser o mandante do as-sassinato do juiz Alexan-dre Martins de Castro Fi-lho, está trancado em umpresídio de segurançamáxima do Acre, isso fazsupor que o local terianormas de conduta maisrígidas que as das demaisp e n i te n c i á r i a s .

Mas se a inda ass imFerreira estiver mesmoconseguindo fazer comque lá funcione o escritó-rio do braço armado docrime organizado, esseserá mais um grave sinalde que o sistema prisio-nal brasileiro não estápreparado para combatero banditismo.

Não é mui to d i f í c i lconstatar que é possívelmanter contatocom Ferre i rap o r t e l e f o n es e m m a i o r e sproblemas. Hádez dias, a re-portagem de AG A Z E TA e n-trevistava fa-miliares do co-ronel e conse-guiu falar comele. A reporta-g e m a p u r o uainda que Fer-reira liga a co-brar todos osd i a s , d e u morelhão que fi-ca no pátio do presídio,para a sua casa, em VilaVelha. O pior: não há nopresídio controle dessasl i ga ç õ e s .

Para acusar Ferreiraformalmente de ser omandante do crime, o se-cretário de Segurança,Rodney Rocha Miranda,depende de confirmaçõesque virão do MinistérioPúblico Federal do Acre.Há informações de que vá-rias denúncias contra ocoronel já foram apresen-tadas e que a Secretaria deSegurança estaria fazen-do, agora, o cruzamentodos extratos telefônicospara identificar para quemFerreira ligou nos dias queantecederam o assassinatodo juiz.

Mas se Ferreira real-mente for o mentor inte-lectual desse crime, a se-gurança pública brasilei-ra estará definitivamenteem xeque . Signi f icará

que os presídios se trans-formaram em quartéis-generais do crime orga-nizado e que as institui-ções não estão conse-guindo manter controlesobre a situação.

Foi de dentro de umpresídio que o traficanteFernandinho Beira-Marconseguiu comandar as-sassinatos e fechar portasdo comércio do Rio de Ja-neiro. E se as declaraçõesde Rodney forem confir-madas, Ferreira conse-guiu exterminar um juiz,mesmo estando a cente-nas de quilômetros de dis-tância. E isso pode ter lhecustado apenas um oumais telefonemas.

Os assassinos confes-sos, por sua vez, tentaramargumentar que estariam

praticando umassalto, hipóte-s e q u e j á f o idescartada pe-lo secre tár ioRodney. Comodisse o presi-dente do Tri-bunal de Justi-ç a , A l e m e rMoulin, parecepiada dizer queu m j u i z q u edesde 2001 estáa m e a ç a d o d emorte tenha si-do assassinadon u m a s s a l t os e m q u e o s

bandidos levassem qual-quer de seus pertences. Adesculpa não convenceu.

O fato é que o assassi-nato de juízes, a ousadiados criminosos e o pro-testo da sociedade são si-nais evidentes de queações mais efetivas preci-sam ser feitas pela segu-rança pública do país e doE s tad o.

A adoção de medidaspaliativas, como o refor-ço de agentes ou a pre-sença do Exército nasruas, resolve o problemadurante a lgum tempo.Quando esse reforço damissão acabar, e se a lim-peza não for completa, ocâncer do crime organi-zado corre o risco de vol-tar a espalhar o mesmomedo de antes. Vê-se co-mo exemplo o caso dojuiz Alexandre. O crimeorganizado esperou e,quando encontrou umabrecha, calou a sua voz.

Fotos de Gildo Loyola

Dor e revolta Alunos, colegas e amigos se unirampara reverenciar o juiz morto

Emoção marcadespedida dojuiz executado

Antes docorpo sert ra n s l ad ad opara o Rio,h o m e n a ge n se m o c i o n ad a s

oucos minutos antes docaixão com o corpo dojuiz Alexandre Martins

de Castro Filho – assassinado atiros na manhã de segunda-feira – ser carregado pelos ca-detes da PM até o carro doCorpo de Bombeiros que o le-vou ao aeroporto, familiares eamigos se reuniram em voltado caixão e o desembargadorJorge Góes fez um discursoressaltando o trabalho de Ale-xandre Martins.

Ele afirmou que nada vaiamedrontar ou aterrorizar a

Justiça. O pai do juiz perma-neceu o tempo todo ao ladodo corpo do filho e pediu queo desembargador lesse umacarta em que agradeceu a ma-nifestação de apoio prestadapelos amigos do filho e res-salta seu profundo carinhodemonstrado por pessoassimples do povo que o abra-çaram e disseram para que ti-vesse orgulho do filho.

Nos jardins em frente doTribunal de Justiça a marcada dor pela perda do juiz fi-cou registrada com as diver-sas coroas de flores espalha-das pelo gramados.

Ao meio-dia uma passeatacom cerca de dois mil estu-dantes de Direito chegou aolocal, ocupou a escadaria dotribunal e os estudantes semisturaram às coroas de flo-res. Cartazes revelaram a re-volta dos estudantes.

Cerca de dois mil estu-dantes de diversas faculda-des do Estado fizeram umapasseata pelas ruas de Vitó-ria em protesto contra amorte do juiz AlexandreMartins de Castro Filho. Amanifestação terminou nafrente do Tribunal de Justi-ça (TJ), na Enseada do Sua,onde eles cantaram o hinonacional e gritaram pedin-do Justiça.

O ato começou às 9 horasna Faculdade de Direito deVitória, no Barro Vermelho,onde o juiz era professor,

com um ato ecumênico e aparticipação de um padre eum pastor presbiteriano,

Os estudantes, a maioriavestida de preto e soprandoum apito, saíram em passeataàs 10 horas pela Reta da Pe-nha e se dirigiram até o TJ.

No caminho fizeram umaparada na frente a Assem-bléia Legislativa onde algu-mas pessoas discursaram.

Ao meio-dia os estudantesocuparam a escadaria deacesso ao tribunal, cantaramo hino e gritaram várias pala-vras de ordem.

P

Tristeza dos alunos