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AGÊNCIA REGULADORA DE SERVIÇOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO DO ESTADO DE
MINAS GERAIS - ARSAE-MG
CONSULTA PÚBLICA 002/2010
METODOLOGIAS PARA A REALIZAÇÃO DE REVISÃO PERIÓDICA DAS TARIFAS E PARA A DEFINIÇÃO DE
REAJUSTES TARIFÁRIOS ANUAIS
Núcleo de Regulação Econômica ARSAE - MG Belo Horizonte Novembro de 2010
2
Índice
NOTA TÉCNICA nº 011/2010-ARSAE-MG de 16 de novembro de 2010. ........................................... 4
1 DO OBJETIVO.................................................................................................................................... 4
2 DOS FATOS ....................................................................................................................................... 6
3 DA ANÁLISE .................................................................................................................................... 10
4 DA CONCLUSÃO ............................................................................................................................. 28
ANEXO À NOTA TÉCNICA 009/2010 DE 16 DE NOVEMBRO DE 2010 .................................................... 32
Capítulo I. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 32
Capítulo II. A ESTRUTURA EFICIENTE DE CAPITAL ............................................................................ 44
1. Objetivo .......................................................................................................................................... 44
2. A importância da estrutura de capital ........................................................................................... 44
3. A regulação da estrutura de capital ............................................................................................... 49
Capítulo III. O CUSTO DE CAPITAL ..................................................................................................... 53
1. Objetivo .......................................................................................................................................... 53
2. Os recursos de capital e seus custos .............................................................................................. 53
3. A metodologia para o cálculo do custo de capital ......................................................................... 55
3.1. O custo do capital próprio ............................................................................................................. 56
3.1.1. A Taxa Rendimento de um Ativo Livre de Risco .................................................................... 62
3.1.2. O cálculo do Beta ................................................................................................................... 63
3.1.3. O prêmio de risco de mercado .............................................................................................. 72
3.1.4. O risco país e respectivo prêmio ........................................................................................... 72
3.1.5. O prêmio de risco cambial ..................................................................................................... 74
3.1.6. O risco regulatório e respectivo prêmio ................................................................................ 78
3.2. O custo total do capital próprio ..................................................................................................... 80
4. O custo de capital de terceiros ...................................................................................................... 82
5. O custo médio ponderado de capital ............................................................................................ 86
Capítulo IV. A VALORAÇÃO DOS ATIVOS DA EMPRESA DE REFERÊNCIA .......................................... 88
1. Objetivo .......................................................................................................................................... 88
2. Os ativos da empresa de referência .............................................................................................. 88
3. A determinação da base física ....................................................................................................... 90
4. A valoração da Base Ativos Regulatória ......................................................................................... 91
3
5. A incorporação do custo dos ativos na formação das tarifas ........................................................ 92
Capítulo V. OS CUSTOS OPERACIONAIS ........................................................................................... 94
1. Objetivo .......................................................................................................................................... 94
2. A definição dos custos operacionais eficientes ............................................................................. 94
3. O tratamento dos custos não administráveis ................................................................................ 96
Capítulo VI. AS RECEITAS IRRECUPERÁVEIS....................................................................................... 98
1. Objetivo .......................................................................................................................................... 98
2. Tratamento regulatório das receitas irrecuperáveis ..................................................................... 98
3. O custo regulatório das receitas irrecuperáveis .......................................................................... 101
4. O cálculo da curva de envelhecimento da fatura (aging) ............................................................ 103
Capítulo VII. O TRATAMENTO DAS OUTRAS RECEITAS..................................................................... 104
1. Objetivo ........................................................................................................................................ 104
2. As opções para o tratamento regulatório das outras receitas .................................................... 104
3. O tratamento regulatório sugerido ............................................................................................. 106
Capítulo VIII. O MERCADO ............................................................................................................. 109
1. Objetivo ........................................................................................................................................ 109
2. A importância do mercado para a regulação econômica ............................................................ 109
3. As projeções do mercado ............................................................................................................ 110
Capítulo IX. O PROCESSO DE REVISÃO TARIFÁRIA .......................................................................... 111
1. Objetivo ........................................................................................................................................ 111
2. A revisão tarifária ......................................................................................................................... 111
2.1. Detalhamento do cálculo da receita revisada ............................................................................. 112
3. O reposicionamento tarifário ...................................................................................................... 113
Capítulo X. OS REAJUSTES TARIFÁRIOS ANUAIS ............................................................................ 115
1. Objetivo ........................................................................................................................................ 115
2. A metodologia para o reajuste anual das tarifas ......................................................................... 115
2.1. O fator X e seu cálculo ................................................................................................................. 117
2.2. O tratamento regulatório dos Investimentos em expansão ....................................................... 123
2.3. O tratamento da antecipação das metas de expansão ............................................................... 129
3. O método de aplicação da fórmula regulatória ........................................................................... 131
4. A fórmula regulatória ................................................................................................................... 133
5. Considerações finais sobre a metodologia a ser adotada ........................................................... 135
4
NOTA TÉCNICA nº 011/2010-ARSAE-MG de 16 de novembro de 2010.
Consulta Pública sobre propostas de
metodologias que conformarão o
arcabouço de regulação econômica a
ser adotado pela ARSAE-MG para
promover revisões e reajustes
tarifários.
1 DO OBJETIVO
Dentre as atribuições de uma agência reguladora, o
estabelecimento de níveis tarifários e suas revisões periódicas,
bem como a promoção de reajustes nos intervalos entre os
reposicionamentos, é tarefa das mais relevantes. A estruturação
de uma regulação econômica, cuja face mais visível são as tarifas,
tem impacto significativo sobre i) os usuários e o poder público
concedente, na medida em que condiciona os níveis de utilização
e, logo, a amplitude da cobertura; ii) os investidores que detêm o
capital dos prestadores de serviços, já que delimita a rentabilidade
5
e iii) as políticas públicas destinadas à promoção do bem estar da
população, íntima e simultaneamente dependentes da ampliação
da oferta e da modicidade tarifária, esta última decisiva para que,
mais além da disponibilidade, se tenha efetividade no acesso aos
serviços.
No caso dos serviços públicos de abastecimento de água e de
esgotamento sanitário em Minas Gerais, tem-se claro que a
regulação econômica deverá ser específica para cada tipo de
prestador de serviços1. Assim sendo, a regulação econômica ora
proposta destina-se a ser aplicada a um dos prestadores regionais
de serviços atuantes no estado - o qual atende a cerca de 570 e
mais de 150 dos 853 municípios mineiros em abastecimento de
água e esgotamento sanitário, respectivamente2.
A colocação, em consulta pública, de uma proposta inicial para o
conteúdo da regulação econômica em perspectiva tem três
objetivos, todos de mesma importância. Primeiro, dar
transparência não só a suas propostas de regulação, como faz
através das audiências públicas, mas, também, de suas intenções
1 A situação reproduz a situação nacional, onde os serviços são provisionados por empresas, por
serviços autônomos e por departamentos municipais.
2 Está-se indicando, pois, que a empresa regional prestadora de serviços em pequenos municípios terá
tratamento específico em termos de regulação econômica.
6
do ponto de vista regulatório. Segundo, demarcar os contornos da
regulação econômica que pretende adotar. Em terceiro lugar,
permitir, ainda na fase de desenvolvimento da metodologia, a
participação dos interessados.
2 DOS FATOS
Em sua face destinada à administração das tarifas, a regulação
nada mais é que a conjunção e a justaposição de princípios da
teoria econômica aplicada, especialmente os oriundos da
microeconomia. A regulação econômica utiliza, portanto,
elementos básicos das teorias de organização industrial, de
mercados e de risco, as usando para o estabelecimento de normas
para a gestão tarifária das concessões de serviços públicos.
Em sua forma moderna, a regulação cumpre, ainda, o papel de
descontextualizar a regulamentação, ou seja, a legislação,
apondo-lhe flexibilidade, especialmente no sentido de permitir a
interpretação segundo a evolução do ambiente econômico que,
seguramente, não se manterá nas mesmas condições de quando
do surgimento da lei. Um bom ambiente regulatório não repousa,
pois, na instituição de normas definitivas, mas na evolução
constante da regulação, em consonância com o desenvolvimento
7
da atividade regulada e, principalmente, da forma como se dá a
sua inserção na economia.
No contexto, a administração da atividade concedida por uma
entidade reguladora independente confere fluidez ao processo e,
portanto, ao gerenciamento da concessão. O exercício de uma
regulação que se propõe adaptada ás necessidades e à realidade
do setor ou mercado que regula exige, pois, a prevalência de uma
independência da entidade reguladora, mas, também, de uma
flexibilidade para a introdução e modificação de normas.
Em resumo, o objetivo é estabelecer uma administração de uma
atividade explorada sob o regime de concessão que considera a
evolução do próprio setor regulado, do ambiente econômico em
que ele está inserido e das relações que se estabelecem entre os
prestadores e os usuários dos bens ou serviços.
Do ponto de vista do poder público concedente, a faculdade de
conceder e a detenção da capacidade de executar políticas
públicas não são suficientes para que administre a concessão dos
serviços de forma socialmente justa e economicamente adequada.
No mais das vezes, o que se observa é que as concessões, em
face de uma rigidez contida na legislação, são exploradas e se
8
desenvolvem tendo em vista normas que se tornam, com o tempo,
obsoletas e irrelevantes.
Mesmo assim, ainda no caso da adoção de uma regulação de tipo
convencional, possibilidade que remanesce em função de
legislação ou contratos de concessão arcaicos, na qual a ação
reguladora restringe-se à conservação das prevalecentes
condições iniciais, uma entidade reguladora independente
administra melhor a concessão que o poder concedente, em razão
da exigida isenção que deve prevalecer em suas ações.
A característica básica da regulação, logo, a distingue de outras
atividades públicas. As ações de uma entidade reguladora
inserem-se no processo de evolução da atividade regulada
segundo uma perspectiva em que a adoção de normas objetiva a
obtenção de um elevado padrão de eficiência no serviço regulado.
Caso contrário, a regulação pode até ser legalmente
independente, mas funcionalmente irrelevante do ponto de vista da
atividade econômica que, teoricamente, administra. Em
consequência, a atuação de uma entidade reguladora deve ser
fundada na independência quer em relação a autoridades
governamentais, quer do poder concedente. A atribuição da
regulação a uma terceira entidade – o órgão regulador – resulta na
9
transferência da gestão das relações pactuadas entre o poder
concedente e a concessionária, razão pela qual a independência
da entidade reguladora em relação a qualquer das partes
contratantes é necessária.
A regulação cumpre, pois, o papel de mediar relações entre o
poder público concedente, a concessionária e os consumidores ou
usuários de produtos e serviços que evoluem temporal e
seguidamente. Não se resume, portanto, a promover e fiscalizar o
cumprimento do contrato de concessão.
A existência de um contrato de concessão que formalize as
relações entre as partes envolvidas de maneira clara é condição
para o exercício e não um substituto da regulação, notadamente,
quando se almeja que, do ponto de vista da prestação dos
serviços, a atividade concedida apresente evolução.
No contexto, a regulação deve ter como base a técnica e os
objetivos finais a serem alcançados, sendo a independência
decisória crucial para consolidá-la, no âmbito do setor público,
como função de estado e não de governo.
Regulamentação e regulação são, na verdade, e traduzem-se, na
prática, em intervenções externas na atividade econômica exercida
10
pela concessionária sob o amparo de um contrato de concessão.
Se os contornos legais e regulatórios são bem fixados, a atuação
das empresas prestadoras de serviços se dá sob condições
definidas, independentemente do fato do capital ser de
propriedade de investidores privados ou do estado.
A regulamentação e a regulação de serviços públicos e seus
mecanismos são estabelecidos para controlar custos, preços e
para induzir decisões relativamente ao investimento em um
ambiente em que não há competição. Nesse sentido, atuam como
substitutas do processo concorrencial, quando ele não é capaz de
cumprir seus fins com eficiência. Se a regulamentação e a
regulação não cumprem tal papel, a decorrência natural é a
criação de imperfeições no mercado, tão danosas quanto os
comportamentos de tipo monopolístico executados pelas
empresas se não existisse uma ordenação do mercado.
3 DA ANÁLISE
A maior parte dos mercados de bens e serviços organiza-se de
forma mais ou menos, dependendo do número de produtores,
concorrencial: diversos ou alguns empreendimentos competindo
pela venda da produção aos consumidores. No processo
11
prevalece, do lado dos produtores, a busca pela conquista de
clientes, por via dos preços – que depende da administração dos
custos de produção -, e, de outro, a possibilidade de escolha,
dentre as opções disponíveis, pelos consumidores.
Entretanto, no suprimento de alguns bens e serviços, a presença
de uma única empresa na produção e na oferta é a melhor forma
de organização do mercado, o que implica, por outro lado, na
inexistência de opções para os consumidores ou usuários.
Denominada monopólio natural, esta forma de organização é, em
certos casos, recomendável, do ponto de vista econômico, porque
tem como característica possibilitar que a provisão de bens e
serviços seja realizada a um custo menor do que o que
prevaleceria se várias empresas atuassem no mercado.
A prestação de serviços públicos é um bom exemplo da
racionalidade do monopólio natural enquanto solução para a
provisão do mercado, a qual é especialmente mais relevante
quando há uma conexão direta, por meio de redes de distribuição,
entre os prestadores e os usuários. Os setores de energia elétrica,
telefonia fixa e água e esgoto são exemplos de serviços públicos
em que há a utilização de redes para torná-los disponíveis aos
usuários.
12
Contudo, em tais tipos de serviços, a combinação da
essencialidade com a conexão direta com os usuários faz emergir
um alto potencial de uso indevido da posição monopolista detida
pelas concessionárias. No contexto a regulação torna-se, logo,
necessária e imprescindível. Os prestadores de serviços públicos
passam a ser submetidos a limites em suas tarifas e a exigências
de qualidade e segurança no suprimento. Trata-se, também, de
uma prevenção destinada a impedir que riscos injustificadamente
assumidos pelos prestadores sejam transferidos aos usuários dos
serviços, e, logo, a evitar que os últimos paguem por decisões de
investimento incorretas, por previsões de comportamento do
consumo inconsistentes e pela adoção de tecnologias
inadequadas.
No contexto regulatório, o controle de custos, de investimento e
operacionais, é, portanto, crucial. Dentre as opções de modelos de
controle de custos, dois são mais utilizados. O primeiro deles, e o
mais conhecido, porque mais antigo, o de custo de serviço, é,
essencialmente, um modelo financeiro/contábil, que parte da
consideração dos investimentos realizados e das despesas de
operação, realizando certos ajustes, para calcular, com base em
uma situação anterior, as tarifas futuras.
13
O segundo considera o futuro, ou seja, sem ter como referência o
passado, e adota uma conformação teórica para um prestador
eficiente, fundada em uma configuração ótima para os custos
operacionais, para os equipamentos e para o padrão tecnológico,
tendo em vista as condições atuais, ou seja, o estado da arte
prevalecente.
No modelo do custo do serviço, a lógica que prepondera na
relação entre despesas operacionais e de investimento e os
volumes supridos é a preservação das características pretéritas e,
logo, a prevalência do legado administrativo. Em outros termos, ao
se adotar custos históricos, sejam os de investimento, sejam os
operacionais, há, também uma manutenção de certo padrão de
produtividade na provisão de bens ou serviços, o que é uma
perversidade do ponto de vista econômico.
O modelo baseado na conformação de um prestador eficiente, ao
contrário, captura a relação contemporânea entre custos e
volumes dos serviços prestados, evitando a consideração de
padrões vigentes e que a herança gerencial prevaleça. Quando
construído com adequado nível de desagregação e corretamente
especificado, o modelo de conformação de um prestador eficiente
provê uma acurada representação da forma como o volume dos
14
serviços prestados orienta a configuração dos custos ou como a
evolução da produtividade é delimitada e considerada na fixação
das tarifas.
Levar em conta a relação entre volumes e custos, cujo
dimensionamento apresenta razoável nível de complexidade,
remove, em termos econômicos, o risco da simplificação excessiva
que caracteriza o modelo do custo do serviço, mas cria uma
dificuldade, na medida em que o pressuposto do modelo de
conformação de um prestador eficiente é a evolução contínua e
não a repetição temporal das variáveis que conformam os
dispêndios.
Entretanto, o fato de, no modelo do custo de serviço, haver a
possibilidade de sua fácil integração com os sistemas contábeis, o
que facilita a aquisição repetida e sistemática de dados, não é
suficiente para torná-lo a melhor opção regulatória.
Em busca da eficiência econômica e da qualidade do ponto de
vista técnico-operacional, a regulação pode e deve utilizar variadas
ferramentas. Há a opção de ser utilizada, por exemplo, uma
regulação por meio da comparação (yardstick regulation), em que
são adotados parâmetros de desempenho de outro prestador de
serviços similares. No caso brasileiro, no princípio da regulação
15
por meio da comparação, no caso da produtividade, encontra-se
consagrado na legislação3.
Outro tipo de regulação econômica surgiu nas últimas décadas e
tem como característica principal o fato de ser indutora (incentive
regulation) do comportamento da concessionária. Incentivos ao
desempenho a conformam, e pode fazer uso, por exemplo, do
estabelecimento de recompensas por antecipação de metas de
expansão. A instituição de recompensas é, seguramente, uma
poderosa ferramenta de incentivo destinada a estimular o
prestador de serviços a apresentar um melhor desempenho, e, no
caso da prestação de serviços de abastecimento de água e de
esgotamento sanitário, está presente na legislação4.
A legislação nacional abriu, pois, a perspectiva de inserção
dinâmica da regulação na atividade concedida. Ao estabelecer que
as tarifas sejam passíveis de revisão e reajuste, a regulamentação
não apenas pôs fim a um processo tarifário fundado em custos
históricos, mas, também, abriu a possibilidade de que a própria
metodologia de levantamento e determinação de custos e receitas
3 O § 3º do art. 38 da Lei 11.445 diz: os fatores de produtividade poderão ser definidos com base em
indicadores de outras empresas do setor.
4 O § 2º do art. 38 da Lei 11.445 fixa que: poderão ser estabelecidos mecanismos tarifários de indução
à eficiência, inclusive fatores de produtividade, assim como de antecipação de metas de expansão e
qualidade dos serviços.
16
possa ser modificada quando se tornar recomendável que se
proceda à adoção de uma nova formulação5. Também, teve
término, com a diferenciação entre os processos de reajuste e de
revisão, o estabelecimento anual de novos níveis tarifários que, na
prática, prevalece quando se utiliza a metodologia do custo do
serviço.
Relevante do ponto de vista tarifário, e por isso deve ser
sublinhado, é o objetivo da regulação estabelecido no inciso IV do
art.22 da Lei 11.445: definir tarifas que assegurem tanto o
equilíbrio econômico e financeiro dos contratos como a modicidade
tarifária, mediante mecanismos que induzam a eficiência e eficácia
dos serviços e que permitam a apropriação social dos ganhos de
produtividade.
No mesmo sentido aponta o parágrafo 1º do art. 29, que diz que “a
instituição das tarifas, preços públicos e taxas para os serviços de
saneamento básico observará”, conforme o inciso V, a
5 Conforme o art. 38 da Lei 11.445: As revisões tarifárias compreenderão a reavaliação das condições
da prestação dos serviços e das tarifas praticadas e poderão ser:
I - periódicas, objetivando a distribuição dos ganhos de produtividade com os usuários e a reavaliação
das condições de mercado;
II - extraordinárias, quando se verificar a ocorrência de fatos não previstos no contrato, fora do
controle do prestador dos serviços, que alterem o seu equilíbrio econômico-financeiro.
§ 1º As revisões tarifárias terão suas pautas definidas pelas respectivas entidades reguladoras, ouvidos
os titulares, os usuários e os prestadores dos serviços.
17
“recuperação dos custos incorridos na prestação do serviço, em
regime de eficiência”, o “estímulo ao uso de tecnologias modernas
e eficientes, compatíveis com os níveis exigidos de qualidade,
continuidade e segurança na prestação dos serviços”, previsão
contida no inciso VII, e o “incentivo à eficiência dos prestadores
dos serviços”, delimitado no inciso VII.
Uma regulação do tipo indutora, que se sugere seja adotada,
busca o alcance da eficiência pelo prestador de serviços e, do
ponto de vista tarifário, consiste na fixação de uma tarifa de
partida, que vigora durante um determinado período e é reajustada
por uma fórmula regulatória durante os intervalos entre as
revisões.
Ao longo do período entre revisões, são aplicados reajustes anuais
a título de recomposição da inflação e um fator de redução –
denominado Fator X – cuja base é a produtividade e um fator de
desempenho, o fator Y, cujo objetivo é contemplar a antecipação
do cumprimento de metas de expansão e de qualidade. No cálculo
do fator X, é ainda considerado o impacto dos investimentos
destinados à expansão dos serviços.
Nos intervalos entre revisões, o prestador de serviços é estimulado
a reduzir custos, o que lhe possibilita a obtenção de maior
18
rentabilidade, mesmo em face do compartilhamento dos ganhos de
produtividade com os usuários, possibilitado pela aplicação do
fator X. Da mesma forma a recompensa por antecipação de metas
de expansão e pela melhoria da qualidade, viabilizada por meio do
fator Y, incentiva a ampliação mais rápida da prestação do serviço
e a melhoria da sua qualidade. No decorrer do tempo, as reduções
permanentes de custos – cuja fonte é a incorporação de novas
tecnologias6 – se traduzem em novos patamares para as tarifas de
partida.
Objetivamente, introduz-se uma regulação que delimita um teto
para as tarifas, cuja formação, por ocasião das revisões tarifárias,
obedece a uma metodologia que está baseada i) numa
remuneração para os capitais utilizados e ii) em custos de
investimento e operacionais de referência.
A construção de uma empresa fictícia, porém ótima do ponto de
vista da utilização dos recursos produtivos, resulta em que,
teoricamente, se crie, para um prestador de serviços que detém o
monopólio da concessão, um competidor, que recebe a
denominação de empresa de referência.
6 Tecnologia não se resume à incorporação de novos equipamentos, mas, também de processos
gerenciais inovadores.
19
Ou seja, a concessionária, para alcançar uma dada rentabilidade,
terá que apresentar um padrão de eficiência que é fixado pela
regulação e delimitado na empresa de referência. A tipologia da
administração adotada pela concessionária já não é mais, no caso,
independente, porque estará sendo comparada a outra – a
“empresa de referência” -, apta a prestar os mesmos serviços, cuja
conformação, em termos de investimentos e custos operacionais,
é base para a formação das tarifas.
O tipo de regulação a ser adotado introduz, no âmbito de um
monopólio natural, o espírito da concorrência, materializado na
figura de um competidor: a empresa de referência. Ao fazê-lo,
suplanta qualitativamente a opção por tarifas obtidas por meio da
imposição de uma taxa de rentabilidade, geralmente fixa, sobre o
imobilizado da concessão, e do reembolso das despesas
operacionais declaradas pelo prestador de serviços, conforme se
verifica na metodologia do custo do serviço.
A regulação por meio da imposição de um teto tarifário enfrenta de
maneira contundente dois comportamentos típicos das empresas
operando sob a égide do custo do serviço: i) um maior uso de
capital, como forma de maximizar o volume dos recursos
monetários advindos da aplicação da taxa de rentabilidade
20
regulatória, conforme apontam, na literatura econômica, Averch e
Johnsonn7, e ii) não existência de incentivos ao controle de
custos, já que a retribuição por despesas operacionais incorridas é
quase automática. Tendo tais características, a metodologia do
custo do serviço não induz o crescimento da relação
capital/despesas operacionais.
Averch e Johnson apontaram as implicações da adoção da
metodologia do custo do serviço sobre o comportamento da
empresa regulada, concluindo que ela induz um baixo
desempenho, o qual é “o natural resultado da regulação, na qual, à
empresa que está tentando maximizar lucros, são concedidos,
pelas próprias normas, incentivos para ser ineficiente”. Além disso,
os efeitos do monopólio natural, dentre eles os altos preços, “não
são necessariamente mitigados e podem ser até mesmo
reforçados pela regulação”.
A tendência ao não controle das despesas operacionais,
conjugada com um maior uso de capital, resulta em que a empresa
regulada operando sob a égide do custo do serviço utiliza uma
combinação inadequada de recursos. Entretanto, isto não quer
7 Averch, H., and L. Johnson, 1962, “Behavior of the Firm Under Regulatory Constraint,” American
Economic Review, Vol. 52, Nº 5, pag. 1053-1059.
21
dizer que a oferta de serviços se eleve. Mas implica em que a
intensidade no uso dos recursos disponíveis seja menor do que
poderia ser. Logo, a metodologia do custo do serviço não resulta
em incrementos da produtividade.
O quadro geral de evolução de uma prestação de serviços
desenvolvida sob a égide da metodologia do custo de serviço não
é, pois, apropriada do ponto de vista econômico. A metodologia
incentiva o prestador de serviços a utilizar mais recursos
operacionais e de capital, enquanto o objetivo da regulação não é
unicamente o crescimento do investimento e muito menos dos
dispêndios.
A regulação deve mirar, simultaneamente, o aumento da oferta, o
custo mínimo dos serviços prestados e a razoabilidade das tarifas.
Logo, uma forma opcional de regulação que incentive o alcance
dos objetivos múltiplos da ação regulatória deve ser buscada e
constitui instrumento básico para uma adequada administração
das concessões.
A metodologia do custo do serviço tem outra característica: as
tarifas são, no decorrer do tempo, decrescentes, o que confere um
benefício aos usuários que se conectam posteriormente aos anos
iniciais da provisão dos serviços. O fato se deve à indivisibilidade
22
do investimento que, no caso específico do abastecimento de água
e do esgotamento sanitário, se verifica nos processos de
acumulação, adução e distribuição, no primeiro caso, e na coleta e
disposição final, no segundo.
Como a construção dos equipamentos é realizada de forma a
atender a necessidades crescentes ao longo do tempo, os
primeiros consumidores pagam maiores tarifas e, logo, oferecem
maior retribuição ao prestador dos serviços que os últimos. O fato
leva a que as tarifas tendam, nos anos finais do período de
concessão, a valores irrisórios, embora, quase sempre, os
mesmos serviços estejam sendo prestados. Mas, não se deve à
duração ordinária ou à idade cronológica dos investimentos, mas a
um processo de formação da tarifa que penaliza alguns
consumidores e premia outros.
A metodologia baseada em um teto tarifário, ao contrário, e desde
que não haja ampliação dos sistemas, resulta em uma tarifa única,
vigente por todo período da concessão, onde também estão
incluídos os custos operacionais e uma taxa de rentabilidade do
capital, que contempla a recuperação do investimento aplicado. A
diferença entre as tarifas obtidas em cada metodologia deve-se à
aplicação de um método linear de depreciação, no caso do custo
23
do serviço, e não-linear, quando se aplica um preço constante.
Trata-se, logo, da geração de fluxos de receitas diferentes, porém,
equivalentes, em termos financeiros, pois apresentam a mesma
taxa de rentabilidade.
Há, no caso da administração tarifária por meio da metodologia do
custo do serviço, outra tendência: a regulação tende a se dar por
via de um microgerenciamento. Nesse particular, a contribuição do
prestador dos serviços é decisiva, pois o recurso a pleitos
específicos, com base, geralmente, em detalhes, torna-se forma
de alcance de um nível tarifário mais elevado. No contexto, a
minudência tende a tornar o serviço pelo custo, onde,
teoricamente, existe um controle do regulador sobre as despesas
operacionais – salários e número de empregados, planos de
aposentadoria e de saúde, contratação de serviços de terceiros,
compra de materiais, etc. –, ao contrário, em um serviço a
qualquer custo. Ademais, no processo regulatório que utiliza a
metodologia do custo do serviço, a assimetria informacional –
diferente nível de conhecimento da realidade operacional detido
pelo regulador e pela concessionária – tem papel decisivo.
A concessionária, no decorrer do tempo, amolda-se, a uma
regulação executada por meio da metodologia do custo do serviço,
24
pois ela permite o desenvolvimento de formas muito criativas de
relacionamento com o aparato regulatório. A conjugação da
condição de monopólio natural – em que não há outras empresas
que executam a mesma atividade para atender ao mesmo
universo de usuários - com a tipologia da administração tarifária
torna-se um meio para uma evolução empresarial confortável e,
portanto, tem, sempre, a predileção da concessionária, que, logo,
repudia qualquer outra opção.
A regulação, se não tem sólida sustentação conceitual, pode cair
nesta armadilha mesmo quando utiliza a fixação de um teto
tarifário. Pode ser perdido, no contexto do microgerenciamento, o
principal objetivo de tal tipo de regulação, que é a provisão de
incentivos à redução de custos, à inovação tecnológica e, portanto,
ao incremento da produtividade. Pode tornar-se irrelevante e
desprovida de sentido, também, a adoção do fator de
produtividade – o fator X -, cuja característica é, segundo
Sappington8, expressar: “i) a diferença entre o crescimento da
produtividade na indústria regulada e a produtividade geral da
economia e ii) a diferença entre a taxa de crescimento dos preços
8 SAPPINGTON, David E. M., 1998, Methods of incentive regulation: designing a price cap system.
Paper. International Training Program on Utility Regulation and Strategy. Gainesville, University of Florida.
25
dos insumos na economia como um todo e a taxa de crescimento
dos preços dos insumos utilizados na indústria regulada”.
A regulação indutora, para a fixação de tetos tarifários, se baseia
em i) custos de um investimento novo, ou seja, custos atuais de
construção e ii) uma planta ideal, contemplando, também e por
decorrência, níveis tecnológicos e de eficiência contemporâneos.
Entretanto, em sua versão pura, a regulação indutora pode não
remunerar adequadamente o ativo existente, porque oferece
pouca retribuição para suas partes que eram e continuam sendo
requisitadas para a operação, embora menos eficazes (sunk costs)
e não confere contrapartida para inversões que, em um dado
momento foram necessárias, mas não são mais utilizadas
(stranded costs).
Se o contexto da evolução tecnológica conduziu ao alcance de
custos mais reduzidos9, a adoção de preços baseados nos custos
atuais de expansão tem impacto assimétrico sobre as diferentes
partes dos sistemas, porque não provê adequada remuneração a
algumas delas. A aplicação de preço fixado tendo em vista os
custos médios anteriores e atuais – denominados, na literatura 9 No caso dos sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, viabilizados por
técnicas de construção mais eficientes ou por materiais mais baratos, como pode, por exemplo, ser o
caso da substituição do ferro fundido por polímeros de alta densidade nas tubulações.
26
preços de Ramsey – pode ser, logo, mais adequada. Ou seja, a
regulação, no que se refere aos ativos, pode ter que fundamentar-
se nos pressupostos da eficiência dinâmica, em que se adotam
preços de Ramsey ou outra variante de cálculo de preços médios.
Embora pareça, à primeira vista e numa avaliação incauta,
inconsistente, uma regulação baseada na eficiência dinâmica, em
termos de custos, é aderente ao processo de evolução
tecnológica. A evolução tecnológica não se faz imotivadamente,
mas porque reduz imediatamente os custos de produção, sendo a
repercussão nos preços observada, na maioria das vezes,
somente no médio ou no longo prazo. Ou seja, em geral, novas
tecnologias objetivam e viabilizam maior rentabilidade, cuja
permanência no tempo é tanto maior quanto mais duradouro for o
curto prazo naquele ramo industrial em particular e o número de
fornecedores opcionais existentes no mercado. Se assim não
fosse, seria atingido um estágio econômico caracteristicamente
estacionário, como é o mercado operando sob condições de
concorrência perfeita.
A aplicação de preços de Ramsey a redes tecnologicamente
mistas resulta em uma maior rentabilidade para os novos
segmentos, mas oferece cobertura total ou parcial de custos para
27
os obsoletos, porém, ainda funcionais ou até mesmo fora de
operação, se a regulação comporta remuneração para stranded
costs.
Para o alcance de uma regulação econômica mais adequada, não
se pode, nem se deve, portanto, abrir mão de uma reflexão sobre
a adoção de custos segundo critérios de eficiência dinâmica.
Ademais, é preciso ter em perspectiva que se a alocação de
recursos é eficiente no longo prazo, também o é no curto prazo.
Por outro lado, a referência teórica que suporta o conceito de
eficiência dinâmica é adequada porque é a mesma que conforma a
denominada competição dinâmica (ou schumpeteriana),
consonante com setores em que são investidos volumes
significativos de capital e que utilizam bens de produção que são
de longo prazo de maturação como é o caso da provisão de água
e de esgotamento sanitário.
Como as tarifas deverão ser estabelecidas considerando, mais
além das econômicas, variáveis sociais, terão ampla base de
princípios, entre os quais se destacam: i) a prioridade ao
atendimento às funções essenciais relacionadas à saúde pública;
ii) a ampliação do acesso de consumidores e localidades de baixa
renda e a adoção de subsídios ao consumo de usuários sem
28
capacidade de pagamento e localidades com demanda insuficiente
para cobrir o custo dos serviços prestados; iii) a remuneração
adequada aos prestadores de serviço; iv) a recuperação dos
custos incorridos; v) a manutenção da capacidade de geração de
recursos para a realização de novos investimentos; vi) o estímulo
ao uso de tecnologias modernas; vii) a inibição do consumo
supérfluo e do desperdício; viii) o compartilhamento de ganhos de
produtividade; ix) indução da eficiência; e x) retribuição por
antecipação de metas de expansão e aumento da qualidade dos
serviços.
4 DA CONCLUSÃO
Tendo em vista o objetivo de promover a discussão do arcabouço
de uma regulação com base em um teto tarifário, quando das
revisões periódicas, e de uma fórmula regulatória para os reajustes
anuais das tarifas, a conformação de seu conteúdo, bem como a
forma ou os critérios de cálculo são descritos no anexo a esta Nota
Técnica. Algumas das metodologias são expostas com maior
detalhamento que outras. No caso daquelas que são apenas
indicadas ou sucintamente delimitadas, a descrição pormenorizada
será feita quando da realização do processo de audiência pública
que precederá a aprovação das normas pela ARSAE-MG.
29
O anexo contempla capítulos com os seguintes objetivos:
a) capitulo 1, contendo uma introdução em que detalha o
espaço institucional ocupado pela regulação , as finalidades
e os meios que utiliza;
b) capitulo 2, que delimita a forma de estabelecimento da
estrutura eficiente de uso de capitais próprios e de
empréstimos e financiamentos;
c) capitulo 3, que indica a metodologia que será adotada para o
cálculo dos custos dos capitais próprios e de terceiros;
d) capitulo 4, que descreve o método para a construção da
empresa de referência em termos de imobilizado e para a
valoração dos ativos;
e) capitulo 5, que discrimina o método para a construção do
custo operacional (pessoal, material, serviços de terceiros,
etc.), ou seja, das despesas administráveis definidas na Lei
n° 18.309, para a empresa de referência;
f) capitulo 6, que trata da forma de consideração e
dimensionamento das receitas irrecuperáveis, ou seja, do
nível estrutural de inadimplência;
30
g) capitulo 7, que aponta como as outras receitas ou receitas
não operacionais serão consideradas para que contribuam
para a modicidade tarifária;
h) capitulo 8, que contempla procedimentos para a realização
das estimativas de evolução dos serviços de abastecimento
de água e de esgotamento sanitário;
i) capitulo 9, que especifica a forma como será calculada a
receita requerida para o ano base, cujo dimensionamento
contemplará recursos para fazer face à remuneração dos
capitais utilizados, às despesas administráveis, às despesas
não administráveis, às receitas irrecuperáveis e a
contribuição das outras receitas para a modicidade tarifária;
j) capitulo 10, com a especificação da fórmula regulatória a ser
utilizada para o reajuste anual das tarifas, bem como a forma
de incidência e cálculo do fator X – que incorpora os
investimentos destinados à reposição e ampliação dos ativos
já existentes –, dos investimentos para a expansão dos
serviços e do fator Y, que contempla um incentivo à
expansão mais acelerada dos serviços.
Gilberto Morais Pimenta Economista – Masp 1.181.295-5
31
AGÊNCIA REGULADORA DE SERVIÇOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO DO ESTADO DE
MINAS GERAIS - ARSAE-MG
CONSULTA PÚBLICA 002/2010
METODOLOGIAS PARA A REALIZAÇÃO DE REVISÃO PERIÓDICA DAS TARIFAS E DE
REAJUSTES TARIFÁRIOS ANUAIS
Anexo à Nota Técnica nº 011/2010 de 16 de novembro de 2010 Núcleo de Regulação Econômica ARSAE - MG Belo Horizonte Novembro de 2010 Equipe de desenvolvimento: Gilberto Morais Pimenta – Economista – Masp 1.181.295-5 Gustavo Henrique de Miranda – Economista - Masp 1.214.620-5 Juliane Aparecida Prado – Administradora Pública - Masp 752.248-5 Júlio César Lins Teixeira – Economista - Masp 1.251.972-4 Participação na revisão final: Jonathan de Souza Matias – Economista - Masp 1.172.889-6 Samuel Alves Barbi Costa – Economista - Masp 1.267.170-7
32
ANEXO À NOTA TÉCNICA 011/2010 DE 16 DE NOVEMBRO DE 2010
Capítulo I. INTRODUÇÃO
A elaboração de uma proposta inicial para o espectro de uma
regulação econômica a ser adotada pela Agência Reguladora de
Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário
do Estado de Minas Gerais – ARSAE-MG é tarefa relevante para a
evolução dos serviços oferecidos aos usuários, para os
prestadores e para os poderes concedentes.
Não se trata de algo pioneiro. Uma proposta com as
características da sugerida se baseia em uma série de
formulações desenvolvidas em inúmeras contribuições. Nos anos
60, H. Averch and L. Johnson (Behavior of the Firm Under
Regulatory Constraint,” American Economic Review, Vol. 52,1962)
foram os primeiros a analisar criticamente a sistemática de
formação de tarifas por meio do custo serviço, que havia surgido
juntamente com o nascimento da indústria de eletricidade nos
Estados Unidos da América.
Mais contemporâneas são as reformas da organização de serviços
públicos que tiveram início no Chile, mas cuja forma mais acabada
33
veio a se manifestar na década de 80 do século passado no Reino
Unido, especialmente na Inglaterra. Nascida sob a égide da
denominada reforma do Estado, a reestruturação dos serviços
públicos até hoje se confunde com os programas de privatização
empreendidos em seguida pelo governo inglês.
Há controvérsias. David Newberry (A template for power reform. In:
SMITH, Suzanne -Editor-. Public policy for private sector. World
Bank. 1996) sugere que a eficiência de uma indústria regulada
depende mais da forma da regulação do que da natureza pública
ou privada do capital. Afirma, ainda, que é mais relevante a criação
de uma regulação sólida e independente do que um processo de
privatização.
No Brasil, a reestruturação do mais tradicional dos setores que
adotava a metodologia do custo do serviço teve início em 1993,
com o advento da Lei 8.631. Posteriormente, nova legislação,
desvincula a prestação do serviço público de energia elétrica da
garantia de uma remuneração sobre os ativos, uma das
características da metodologia do custo do serviço.
A reforma do estado promovida nos anos 90 alcançou outros
setores, com a Lei Geral de Telecomunicações, de 1997, e, do
ponto de vista regulatório, com a criação da Agência Nacional de
34
Telecomunicações – ANATEL, da Agência Nacional do Petróleo –
ANP e da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, dentre
outras. Em seguida, a criação da carreira de regulador, como
função especial de estado no âmbito federal, prosseguiu na
direção da institucionalização da regulação no País.
Tardiamente, já que ocorre em 2007, o setor de saneamento
básico, onde se incluem os serviços de abastecimento de água e
de esgotamento sanitário, é objeto de ordenação. No bojo da
legislação, surge a regulação independente e autônoma, fato novo
para um setor que, tradicionalmente, regulava a si próprio. Novos
desafios se colocaram para a regulação no País.
A proposta de regulação econômica ora proposta repousa na
atuação pioneira e na experiência das agências reguladoras
federais. Seria quase impossível para a ARSAE-MG caminhar na
direção da elaboração de uma proposta de regulação econômica
para os serviços de abastecimento de água e de esgotamento
sanitário em Minas Gerais sem o arcabouço regulatório adotado
pela ANATEL, pela ANEEL e, mais recentemente, na área de
serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário,
pela Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico
do Distrito Federal. – ADASA.
35
O arcabouço regulatório nacional não foi implantado em um
cenário sem adversidades. A regulação, e o Direito Administrativo
Econômico que a suporta, sempre incomodou os seguidores da
clássica doutrina da tripartição de poderes, especialmente por
também inserir uma cunha que rompe a tradição do mesmo órgão
de governo que edita é o que aplica a norma. Mas, uma nova
divisão de funções, derivada da introdução da atividade de
regulação, atua, indubitavelmente, no sentido de uma maior
democratização, ao impedir a concentração de poder.
Entretanto, o espectro das competências das agências
reguladoras tem naturais limitações, tendo em vista que, pelo
nosso sistema de jurisdição, nenhuma lesão ou ameaça de lesão
pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário. Mas deve ser
notado que em matérias que comportam elevada
discricionariedade técnica, nas quais tenham sido adotadas
decisões razoáveis e tenha se cumprido o devido processo legal, a
incidência do controle jurisdicional acarretaria a negação da
atribuição conferida às agências pela legislação para decidirem
tecnicamente.
Notadamente, em face da especialização requerida para a
formulação das normas regulatórias, há um grande risco embutido
36
em decisões judiciais fundadas em pareceres de peritos, a serviço
do Ministério Público ou do judiciário, dado a especificidade
técnica envolvida.
É necessário, pois, entender que se vive uma nova situação
institucional. J.J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria
da Constituição, Almedina, Coimbra, 3ª edição) coloca que,
quando se considera a regulação , de alguma maneira, o direito
funciona muito mais em um esquema de rede, assumindo a
característica de uma teia normativa e que, tal como o Estado, não
é mais um fenômeno monobloco uníssono, mas multifacetário,
especializado para cada um dos ramos normativos específicos.
Em alguns casos, como é o entendimento de Diogo de Figueiredo
Moreira Neto (Agências Reguladoras - Descentralização e
Deslegalização -, em Mutações do Direito Administrativo, Ed.
Renovar, Rio de Janeiro, 2000), o poder conferido às entidades
reguladoras independentes não seria apenas amplo, mas teria,
também, até mesmo o condão de derrogar normas anteriores.
Assim, a lei que cria uma agência reguladora para tratar de
matéria técnica pode dar ao ente regulador a possibilidade de
revogar normas formais anteriores sobre a matéria.
37
Um bom exemplo, no caso brasileiro, é a Lei Geral de
Telecomunicações, que no inciso I do seu art. 214, dispôs que “os
regulamentos, normas e demais regras em vigor serão
gradativamente substituídos por regulamentação a ser editada
pela agência em cumprimento a esta lei”. Logo, a lei criadora da
Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL não revogou
toda a legislação anterior de uma vez, no intuito de evitar um
vácuo legislativo, mas adotou um sistema de substituição
gradativa.
No caso da regulação dos serviços de abastecimento de água e de
esgotamento sanitário, a Lei 11.445/2007 coloca em perspectiva,
em seu artigo 23, a atribuição da entidade reguladora para definir
normas que, hoje, são atribuições do poder legislativo e do poder
executivo, tais como, conforme inciso IX, as que tratam dos
subsídios tarifários e não tarifários. No mesmo sentido aponta o
parágrafo 2º do artigo 25, quando fixa que “compreendem-se nas
atividades de regulação dos serviços de saneamento básico a
interpretação e a fixação de critérios para a fiel execução dos
contratos, dos serviços e para a correta administração de
subsídios”.
38
É necessário ressaltar, entretanto, que o sentido das normas
reguladoras é interpretar as políticas públicas e corrigir falhas, por
meio de conceitos técnicos, com vistas à sua execução eficiente. A
lei fixa uma política setorial e seus objetivos e cria programas. A
regulação, em geral fundada em conceitos econômicos, não se
confunde, portanto, com a regulamentação, baseada em conceitos
jurídicos e políticos.
A regulação dos serviços públicos é uma intervenção na liberdade
econômica e técnica do ente regulado, com vistas a maximizar o
benefício para os usuários, e pondera, por exemplo, os custos
criados com as receitas auferidas, além de fixar as condições
técnicas da prestação dos serviços.
No Brasil, no aspecto econômico, os incisos I a VIII, do §1º do art.
29 da Lei nº 11.445/07 estabeleceram as diretrizes para a
composição da remuneração dos prestadores de serviços:
Art. 29. Os serviços públicos de saneamento básico terão
a sustentabilidade econômico-financeira assegurada,
sempre que possível, mediante remuneração pela
cobrança dos serviços:
39
§ 1º Observado o disposto nos incisos I a III do caput
deste artigo, a instituição das tarifas, preços públicos e
taxas para os serviços de saneamento básico observará
as seguintes diretrizes:
I - prioridade para atendimento das funções essenciais
relacionadas à saúde pública;
II - ampliação do acesso dos cidadãos e localidades de
baixa renda aos serviços;
III - geração dos recursos necessários para realização
dos investimentos, objetivando o cumprimento das metas
e objetivos do serviço;
IV - inibição do consumo supérfluo e do desperdício de
recursos;
V - recuperação dos custos incorridos na prestação do
serviço, em regime de eficiência;
VI - remuneração adequada do capital investido pelos
prestadores dos serviços;
VII - estímulo ao uso de tecnologias modernas e
eficientes, compatíveis com os níveis exigidos de
40
qualidade, continuidade e segurança na prestação dos
serviços;
VIII - incentivo à eficiência dos prestadores dos serviços.
No novo modelo do setor, no que tange às tarifas, a definição é
feita, necessariamente, pelo ente regulador (não mais pelo
prestador, nem pelo poder concedente), que passa a ter a
obrigação de analisar os custos, controlar a alocação dos recursos
auferidos, os investimentos realizados, a qualidade dos serviços, o
cumprimento das metas estabelecidas, dentre outras ações,
implantando mecanismos que garantam a adequada fiscalização e
conciliem o interesse econômico e o caráter social dos serviços.
O exercício do controle das tarifas pela entidade reguladora se dá
de duas formas: revisão periódica ou extraordinária e reajustes nos
intervalos entre as revisões. Ao tratar do tema, Celso Antônio
Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo. Malheiros
Editores, 21ª Ed., 2006, p. 704) diz: “o reajuste configura hipótese
em que a tarifa substancialmente não muda; altera-se apenas o
preço que a exprime. (...) já a revisão das tarifas é uma
reconsideração ou reavaliação do próprio valor original tomado em
conta como adequado para enfrentar equilibradamente os
encargos.” E acresce que “na revisão, ... a tarifa efetivamente
41
muda, não apenas em sua expressão numérica, mas também na
qualificação do próprio valor que lhe deve corresponder para que
seja mantido o equilíbrio inicial entre os encargos dantes previstos
e a correspondente retribuição”.
O papel do ente regulador, portanto, não está atrelado apenas à
definição da composição inicial das tarifas, mas também aos
processos de reajustes e de revisões, com a edição de normas e a
adoção de mecanismos eficazes para verificação dos custos, dos
índices de eficiência, do cumprimento de metas e dos demais
indicadores apresentados pelos prestadores dos serviços.
Depreende-se que a realização de uma revisão tarifária é ato
discricionário da entidade reguladora.
A regulação é, em resumo, uma forma enfática de intervenção
sobre a atividade exercida por um prestador de serviços públicos,
via utilização de instrumentos derivados da autoridade que
caracteriza a atuação da entidade reguladora. E que deve ser
exercida, mesmo em face de alguma perplexidade para parte da
doutrina que não aceita que um órgão reúna funções
administrativas com outras que seriam típicas dos outros poderes,
a saber:
42
a) a função “quase legislativa”, expressa no poder de
normatizar;
b) a função “quase jurisdicional”, manifesta na imposição
coercitiva de condutas.
Ou seja, a atuação de uma entidade reguladora sempre envolverá
uma margem de liberdade do regulador em sopesar os interesses
regulados e utilizar os instrumentos disponíveis de forma a intervir
na atividade regulada sem inviabilizar seus pressupostos.
Em tal sentido, o Supremo Tribunal Federal, em decisões já
prolatadas, embora ainda em caráter liminar, tem entendido que o
amplo poder de regular não impede a supremacia da lei, porque a
regulação se faz diante de padrões pré-fixados pela própria
legislação.
A atividade normativa de uma entidade reguladora complementa,
especifica, detalha e, especificamente no ângulo econômico,
amplifica a legislação existente. Logo, as normas não podem ser
introduzidas ou alteradas intempestivamente, sem que haja
fundamentação, divulgação e oportunidade para que prestadores e
usuários se manifestem.
43
A legitimidade democrática e a transparência da regulação devem
ser garantidas por instrumentos de democracia direta, tais como as
consultas e as audiências públicas e a obrigatoriedade do registro
das participações e contribuições. O processo assegura o enlace
entre a especialização técnica e a pluralidade dos interesses
envolvidos.
É em tal sentido que o Núcleo de Regulação Econômica da
ARSAE-MG realiza um processo de Consulta Pública
contemplando o arcabouço normativo que, em sua visão, a
Agência deve ter em perspectiva para futura adoção.
44
Capítulo II. A ESTRUTURA EFICIENTE DE CAPITAL
1. Objetivo
O objetivo deste capítulo é apresentar os critérios cuja adoção se
sugere para a fixação da estrutura de capital de uma empresa que
presta serviços de abastecimento de água e de esgotamento
sanitário pela Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento
de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais-
ARSAE- MG, nos processos de revisão tarifária.
2. A importância da estrutura de capital
As empresas, para financiar suas operações, utilizam capitais
próprios, provenientes de seus acionistas, e de terceiros, cuja
origem são os empréstimos e financiamentos concedidos por
instituições financeiras ou fornecedores. Como consequência,
cada empresa apresenta uma distribuição própria das fontes que
sustentam suas operações ao longo de sua existência. A estrutura
de capital reflete, pois, a forma como a empresa utiliza capitais
próprios e de terceiros.
A estrutura de capital espelha, pois, o percentual de participação
de cada uma das fontes no suporte da vida empresarial. A
definição de uma estrutura eficiente de capital, por seu turno, tem
45
como objetivo encontrar e fixar um parâmetro consistente com os
fins da regulação por incentivos, ou seja, estabelecer percentuais
de participação que sejam os mais adequados do ponto de vista
econômico. Não necessariamente, portanto, a estrutura eficiente
adotada na regulação é a real, ou seja, a que reflete o uso de
capitais prevalecente na empresa regulada.
O fato determinante, em relação à estrutura real de capital, para
acionistas e instituições financeiras e fornecedores em potencial, é
que ao se defrontarem com ela, a analisam, com a finalidade de
tomar suas decisões de investir ou emprestar. A estrutura de
capital prevalecente permite, portanto, a investidores e
financiadores, construir uma percepção sobre o risco envolvido no
ato de adquirir ações ou emprestar recursos. O que emerge da
análise é se aplicarão ou não recursos financeiros na empresa e,
em caso positivo, a que taxas de rentabilidade ou de juros.
Há, entretanto, no mundo real, limites à capitalização e ao uso de
recursos de terceiros. Acionistas, em princípio, preferem a
elevação dos recursos de terceiros, embora olhem com reserva
empresas com endividamento elevado. Financiadores, ao
contrário, requerem certo patamar de participação de capital
próprio para emprestarem e, também, tem restrições a empresas
46
com alto nível de endividamento. Existe, logo, um patamar, em
torno do qual a relação capital próprio/capital de terceiros deva se
situar10.
Como o custo do capital de terceiros é mais baixo – caso contrário,
os acionistas prefeririam investir a realizar empréstimos e
financiamentos –, a elevação da produção permitida pelo
endividamento amplia o lucro e, logo, a remuneração do capital
próprio, cuja magnitude foi mantida. O fenômeno gerado pelo uso
de capitais de terceiros é denominado alavancagem, na medida
em que amplifica a remuneração dos capitais próprios.
Portanto, os acionistas estão permanentemente tentando i)
aumentar a participação de empréstimos e financiamentos e ii)
reduzir o custo do capital de terceiros, para alcançar um maior
nível de alavancagem, embora imponham eles mesmos um limite
ao endividamento, em sintonia com o nível de risco que estão
dispostos a aceitar.
Em decorrência, a rentabilidade da empresa – ou do acionista -
varia quando a estrutura de capital se modifica. Primeiramente, o
10
Objetivamente, está-se adotando uma versão analítica contrária àquela que propugna que o valor
de uma empresa independe da composição dos capitais, mas sim dos seus ativos reais, o que
significaria que a estrutura de capital é irrelevante e que as decisões de investimento e financiamento
não são por ela afetadas e, logo, são completamente independentes.
47
custo médio ponderado de capital – calculado considerando a
participação dos capitais próprios e de terceiros no capital total e
os custos de cada um - diminui quando há mais utilização de
empréstimos e financiamentos. Em seguida, o crescimento do
endividamento leva o custo médio ponderado de capitais a atingir
um mínimo, o que indica que se atingiu um patamar ótimo para a
estrutura de capital.
Em segundo lugar, atingido o ponto ótimo, duas outras
condicionantes passam a delimitar a contratação de novas dívidas:
i) o retorno exigido para o capital próprio aumenta e ii) o custo do
capital de terceiros se eleva. Ou seja, quando se atinge um
determinado patamar de endividamento, há concomitantemente,
uma elevação da percepção de risco por acionistas e instituições
financeiras que poderiam financiar a empresa. Este risco é de
insolvência, ou seja, de que a empresa não consiga cumprir seus
compromissos com os financiadores – pagamento de
amortizações e juros – e com os acionistas, na forma de
distribuição de lucros.
Os financiadores e os acionistas até poderiam aplicar mais
recursos na empresa, mas o fariam sob a condição de obtenção
de um prêmio de risco, materializado em maiores i) taxas de juros
48
e ii) lucros por ação, viabilizado, às vezes, por uma queda no valor
dos títulos representativos do capital11. Logo, os retornos exigidos
para os capitais próprios e de terceiros e o custo médio ponderado
de capital aumentam quando o nível ótimo de endividamento12 é
ultrapassado, conforme ilustrado no Gráfico 1.
Gráfico 1
Estrutura Ótima de Capital, Evolução dos Retornos dos Capitais Próprios e de Terceiros e Repercussão no Custo Médio Ponderado de
Capitais
A estrutura de capital de uma empresa é calculada pela fórmula
11
Tal forma de compensação se transforma em um custo para os antigos acionistas
12 A visão que será adotada é, pois, que um maior endividamento se traduz em um custo médio
ponderado de capital mais elevado por efeito conjunto da elevação do custo de capital de terceiros e
do custo de capitais próprios , ao contrário de uma visão que argumenta que um custo mais elevado
para os primeiros seria compensado pela queda no custo dos segundos, de forma que o custo total se
manteria no mesmo nível.
49
Onde:
CP = Total do capital próprio
CT = Total de capital de terceiros
CP + CT = Capital total
3. A regulação da estrutura de capital
Uma estrutura eficiente de capital corresponde àquela que melhor
utiliza a combinação de capitais próprios e de terceiros, obtendo,
como consequência, o menor custo para os capitais utilizados. A
determinação de uma adequada estrutura de capital no contexto
de uma regulação por incentivos tem o intuito de também
estabelecer um padrão a ser alcançado pela empresa real e visa à
minimização dos custos da empresa e, portanto, das tarifas.
Existem diferentes opções metodologia para se determinar a
estrutura eficiente de capital para empresas dedicadas à provisão
de serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.
Em uma regulação por incentivos, a melhor opção é estabelecer
uma estrutura de capital média que reflita as mais eficientes dentre
50
as apresentadas por empresas do setor em países em que tal tipo
de regulação é adotado. Uma variante da regulação seria a
adoção de um intervalo de valores aceitáveis, ao invés de um valor
específico.
Outra variante do método seria levantar dados e agrupar as
empresas que atuam sob o mesmo tipo de regulação tendo em
vista o nível de desenvolvimento econômico dos países em que se
localizam. Em seguida, calcula-se a estrutura de capital de cada
país, através da relação média entre capitais próprios (ou de
terceiros) e o capital total.
Após o calculo da estrutura de capital de cada país, são
estabelecidas as faixas por grupo, baseadas nas medidas de
tendência central (a média) e de dispersão (o desvio dos valores
em relação à média ou desvio-padrão), assumindo, para utilização,
os valores que se situam em um intervalo delimitado pela média
adicionada e subtraída do desvio-padrão.
Realizado o cálculo das faixas para cada grupo, combinam-se as
dos países desenvolvidos e em desenvolvimento e promove-se a
comparação do resultado obtido com os valores obtidos para as
empresas brasileiras. Finalmente, calcula-se a faixa regulatória
51
eficiente, que é a interseção entre a faixa de valores referente aos
demais países e os obtidos para as empresas nacionais.
Se a estrutura de capital da empresa regulada se situar dentro da
faixa regulatória eficiente, ela é adotada pela regulação. Caso
contrário, o regulador adotará uma estrutura de capital que esteja
dentro da faixa regulatória, que, em consonância com os objetivos
de uma regulação por incentivos, passa a ser uma meta a ser
perseguida pela empresa regulada.
A forma de estabelecimento da estrutura de capital descrita nos
parágrafos imediatamente anteriores é bastante adequada do
ponto de vista de uma regulação por incentivos. Pode, por outro
lado, resultar em uma participação dos capitais próprios e de
terceiros congruente com a realidade de um setor - e com as
empresas que o compõem - que investe significativos montantes
de recursos em ativos que têm longo prazo de duração. Setores de
tal natureza, cujo campo de atuação tem relevante impacto social,
necessitam i) de participação mais expressiva de capitais de
terceiros e ii) empréstimos e financiamentos em que incidem taxas
de juros reduzidas quando comparadas com as aplicadas a outras
atividades econômicas.
52
No Brasil, os maiores financiadores do setor de abastecimento de
água e esgotamento sanitário são entidades financeiras públicas
dedicadas ao fomento econômico. Tais entidades têm exigido em
seus contratos de empréstimo e financiamento que a relação entre
capitais próprios e de terceiros se situe em determinado patamar
até a completa amortização dos compromissos.
A regulação não poderia adotar parâmetros diferentes, pois os
agentes financeiros têm, ou deveriam ter a melhor avaliação do
nível de risco, relativamente à estrutura de capital das empresas
dedicadas à provisão de serviços de abastecimento de água e de
esgotamento sanitário, que estão dispostos a assumir.
Assim sendo, propõe-se que o percentual mínimo para a
participação de capitais de terceiros no capital total seja o menor
dentre os fixados pelas entidades que financiam as empresas do
setor. Se a empresa não atingir aquele percentual, ela não estará
sendo eficiente na administração de seu endividamento, mas a
estrutura de capital a ser considerada será a derivada dos
condicionantes impostos pelos agentes financeiros e não a real.
53
Capítulo III. O CUSTO DE CAPITAL
1. Objetivo
O objetivo deste tópico é apresentar a metodologia sugerida para
realizar o cálculo do custo de capital no processo de revisão
tarifária a ser promovido pela Agência Reguladora de Serviços de
Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de
Minas Gerais- ARSAE- MG.
2. Os recursos de capital e seus custos
Os capitais utilizados por uma empresa são oriundos dos
acionistas e de terceiros (entidades financeiras e fornecedores) e
destinam-se, principalmente, à compra de máquinas,
equipamentos, imóveis utilizados na produção de bens e serviços.
O custo do capital próprio – ou seja, o capital proveniente dos
acionistas - reflete a remuneração exigida por um investidor para
aplicar seus recursos em uma empresa. No caso dos recursos de
terceiros, o custo de capital são os juros que incidem nas
operações de empréstimos e financiamentos.
O custo do capital próprio reflete, por outro lado, o custo de
oportunidade do capital, ou seja, a rentabilidade de outra opção de
investimento em que o investidor poderia aplicar seus recursos.
54
Logo, o retorno que uma empresa provê ao investidor está
umbilicalmente na dependência da rentabilidade que outro
investimento possibilitaria.
Mas, o custo do capital próprio depende de mais uma variável: o
grau de certeza de que o capital investido será recuperado,
acrescido da rentabilidade esperada. A rentabilidade que o
investidor exige está, pois, associada ao grau de incerteza na
recuperação do capital investido, ou, em outros termos, ao risco do
investimento.
Quando o grau de risco eleva-se, a remuneração exigida também
aumenta. O investidor exige um prêmio de risco para aplicar seus
recursos em uma atividade empresarial cujos retornos são
incertos. O prêmio de risco é afetado, também, pelo espectro das
variações que os retornos podem apresentar.
O risco condiciona, ademais, o custo dos empréstimos e
financiamentos. Ou seja, há também a possibilidade de que as
taxas de juros dos empréstimos e financiamentos contenham um
prêmio de risco, em função do grau de incerteza em relação ao
recebimento da amortização e dos encargos financeiros.
55
3. A metodologia para o cálculo do custo de capital
Tendo em vista o fato de que uma empresa utiliza capitais próprios
e de terceiros, o custo do capital total será calculado em função do
custo do capital próprio e do capital de terceiros. Como, para
calcular o custo do capital total, é necessário considerar a
participação dos capitais próprios e de terceiros, será utilizado o
método do Custo Médio Ponderado do Capital ou WACC (sigla
derivada da denominação em inglês do método que é Weighted
Average Cost of Capital).
No modelo, os diferentes tipos de capital são agrupados em uma
única conta para cada origem, e o WACC é calculado por13:
Onde:
Kp = Custo do capital próprio;
Kt = Custo do capital de terceiros antes dos impostos
CP = Total do capital próprio
CT = Total do capital de terceiros
13
Para fins de simplificação, não é indicado na fórmula a influência dos benefícios fiscais advindos da
utilização de empréstimos e financiamentos por uma empresa que, contudo, serão considerados no
cálculo do custo de capital de terceiros, conforme será explicitado no item específico..
56
3.1. O custo do capital próprio
O custo de capital próprio é a expectativa de retorno sobre a
inversão realizada pelo acionista. A sugestão é utilizar, para o
cálculo do custo do capital próprio, o Modelo de Precificação de
Ativos de Capital, conhecido como CAPM (do inglês Capital Asset
Pricing Model).
A essência do modelo CAPM é a consideração dos riscos
envolvidos na inversão de recursos em ações de uma determinada
empresa. Quando um investidor aplica recursos em ações de uma
empresa, ele assume, implicitamente, dois riscos. Um risco de
mercado, relacionado ao comportamento da economia como um
todo, sobre o qual ele tem pouco ou nenhum controle e do qual
não pode fugir por meio da aquisição de outra ação. Assim sendo,
este tipo de risco é não diversificável, ou seja, não pode ser
evitado por meio do investimento em outras ações, pois todas
apresentam mesma característica em termos de risco.
O outro risco é aquele que é característico de cada ação
individualmente, e que pode ser evitado por meio da aquisição de
outra ação que apresente menor risco, ou seja, há a possibilidade
de migrar para outra situação através da diversificação. Logo, o
risco é diversificável, especialmente quando, ao invés de uma, o
57
investidor caminha na direção de deter uma carteira de ações.
Numa carteira de ações, há ocasiões em que a queda no valor de
uma ou mais ações é compensada pelo aumento do valor de
outra(s).
O modelo CAPM é baseado, em resumo, nas seguintes hipóteses:
a) os investidores são racionais e avessos ao risco, e tentam
construir carteiras que conciliem o máximo de rendimento com o
mínimo de risco;
b) os investidores analisam os títulos da mesma maneira e
compartilham os mesmos pontos de vista econômicos, por
conseguinte, as expectativas sobre o retorno dos ativos são
homogêneas, ou seja, todos percebem de forma idêntica as
oportunidades na medida em que têm o mesmo acesso às
informações sem custo e simultaneamente;
c) o retorno dos ativos tem uma distribuição estatística normal, ou
seja, apresenta resultados que se concentram em torno de uma
média;
d) todos os ativos podem ser comprados e vendidos no mercado,
ou seja, há mercado para todos os ativos; e
58
e) os investidores escolhem seus investimentos baseados no
retorno esperado e nas variações que pode apresentar (ou seja,
no risco de se auferir ou não o rendimento esperado).
Em uma carteira bem diversificada, para se medir a contribuição
de cada ação para o risco deve-se avaliar o seu risco de mercado
e não seu risco individual. Em realidade o que importa é medir a
sensibilidade de uma ação às variações do mercado.
O comportamento de qualquer ação em termos de valor possui
uma relação com a evolução do mercado. A relação entre o
comportamento do preço de uma ação específica relativamente ao
mercado é única: existem aquelas que são bastante sensíveis ao
desempenho do mercado e outras não o são. Há ações que,
quando o mercado apresenta bom desempenho, tendem a
apresentar valorização superior e que, no entanto, quando se
verifica uma queda no mercado, desvalorizam-se mais
acentuadamente. Outras variam no mesmo diapasão do mercado
e existem empresas cujas ações são mais estáveis, o que deriva
de uma menor variação na colocação de seus produtos quando há
uma queda no nível da atividade econômica, pois este indicador
exerce influência sobre as aplicações na maioria dos títulos
representativos do capital das empresas.
59
A relação entre o rendimento do mercado e o de uma ação
específica é expressa por meio de um parâmetro denominado beta
(β). O beta, em uma definição simples, é o coeficiente que exprime
a relação entre o retorno de uma ação e o do mercado. Expressa,
pois, a sensibilidade individual de uma ação relativamente ao
movimento do mercado.
Ao se considerar que um detentor de uma ação específica pode
reduzir seu risco através da diversificação – ou seja, pode
caminhar na direção da construção de uma carteira de ações – o
que passa a ser determinante é a contribuição que ela dará para a
variação da carteira ou qual é a sua variação em relação aos
outros títulos do porta-fólio. Assim sendo, o beta mede a
contribuição específica de uma ação para o risco da carteira detida
por um investidor. Se a carteira é formada por inúmeras ações, a
contribuição de uma ação para seu risco é pequena ou, em termos
econômicos, marginal.
O modelo fornece informações sobre o comportamento do preço
de uma ação e sua injunção sobre o conjunto das ações detidas
para que os investidores possam avaliar um investimento
específico, relativamente ao retorno e ao risco geral de sua
carteira.
60
Para o cálculo do custo de capital próprio de uma empresa, a
metodologia do CAPM considera um rendimento base, o retorno
obtido com a ação no mercado e um prêmio de risco derivado da
opção pela realização do investimento.
Na fórmula utilizada para calcular o custo de capital próprio, o
retorno sobre os ativos da carteira de mercado menos a taxa de
retorno livre de risco corresponde ao prêmio de risco do mercado.
O beta, apesar de indicar a possibilidade de reduzir o risco por
meio da diversificação, através do investimento em uma carteira
de ações, contempla a parcela de risco não diversificável, ou seja,
o risco de mercado. Por conseguinte, o beta avalia o risco de
mercado para fins de indicar o retorno esperado de uma ação.
Tendo em vista o beta, um investidor não exigirá maior rendimento
de uma ação específica em função do seu risco particular, pois
este pode ser eliminado através da diversificação, mas exigirá
maiores prêmios por aqueles títulos com risco de mercado
elevado.
O risco de mercado é subdividido em risco do negócio e risco
financeiro. O risco do negócio é definido como o grau de incerteza
em relação à projeção do retorno sobre os ativos produtivos
61
inerentes ao negócio e que não pode ser eliminado por
diversificação. Do ponto de vista do financiamento do ativo, o risco
do negócio revela a característica da empresa como se ela
utilizasse apenas capital próprio14.
O risco financeiro decorre do endividamento da empresa, pois, à
medida que as dívidas se elevam, aumenta o risco de não honrar
os compromissos assumidos com os credores e de não remunerar
os acionistas.
Pelo modelo CAPM, o custo do capital próprio é calculado via
utilização da seguinte fórmula:
Onde:
Kj = Custo de capital próprio
RF = Taxa de rendimento de um ativo livre de risco
β = Beta da ação
Km= Retorno sobre a carteira de mercado
Rb = Prêmio de risco Brasil
Rc = Prêmio de risco cambial
14
O risco do negócio é que possibilita que, para a determinação do custo de capital próprio, se utilize
o beta de empresas similares e não o da empresa específica.
62
Cada uma das variáveis que definirão o custo do capital próprio é
detalhada a seguir.
3.1.1. A Taxa Rendimento de um Ativo Livre de Risco
Um ativo livre de risco é aquele cuja possibilidade de não
recebimento do capital aplicado acrescido dos juros é nula15. Na
prática, a tarefa de encontrar uma aplicação com tais
características resulta bastante difícil, pois seria necessário
idealizar uma carteira cujo retorno fosse totalmente independente
do retorno de mercado. Costumeiramente, usa-se como “ativo livre
de risco” o rendimento de títulos do governo16, considerando a
duration17 da empresa a ser regulada. Logo, no caso da aplicação
da metodologia pela ARSAE-MG, a “duration” sugerida é
compatível com a de um investimento realizado em ações da
empresa que se propõe regular.
A ARSAE pretende utilizar, como medida de rendimento para um
ativo livre de risco, títulos do governo americano. Os títulos
15
Ou seja, um ativo que não apresenta o denominado risco de default ou de ocorrência de um não
pagamento, pelo tomador dos recursos, do montante recebido e dos juros pactuados.
16 No caso brasileiro, como não existe um título público cujo risco de default seja zero, deve ser
encontrado, no mercado internacional, um com tal ou bastante próxima característica.
17 Levando em consideração os fluxos de caixa do título, sua taxa de juros, seu prazo e seu valor
presente, a duration expressa, simplificadamente, o prazo médio que o detentor de um título levará para receber o seu pagamento total, através da ponderação dos fluxos de caixa descontados.
63
sugeridos são os bônus do governo dos Estados Unidos da
América, com vencimento de 10 anos e com uma “duration” de
aproximadamente 8 anos. Para a determinação da taxa livre de
risco, será considerada a taxa de juros média anual do bônus, com
vencimento de 10 anos, apurada desde 1995.
O uso dos títulos americanos, por sua vez, justifica-se também
pelo fato de, no caso da empresa para a qual se quer determinar o
custo de capital, considerável parte dos recursos investidos em
ações da empresa ser oriunda dos Estados Unidos da América18.
3.1.2. O cálculo do Beta
Antes de iniciar a descrição do processo de cálculo do beta, três
variáveis necessitam ser definidas. São elas:
1. a variância, que é uma medida estatística utilizada para
calcular o grau de dispersão dos dados em torno de sua
média, que, em função do processo de cálculo, não está
expressa no padrão de medida original;
18
Foi analisada a hipótese de usar uma taxa ponderada do rendimento de títulos dos tesouros
americano e inglês. O uso de títulos ingleses justifica-se pelo fato do setor dedicado à provisão de
serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário adotar um modelo regulatório
bastante semelhante àquele que se sugere seja adotado pela Agência. Optou-se pelo uso da taxa dos
títulos do governo americano também pelo fato da maior atratividade que detém no mercado
mundial.
64
2. o desvio padrão, que é, também, uma medida de
dispersão dos dados em torno da média e é calculado por
meio da raiz quadrada da variância, o que torna seu uso
mais comum pois apresenta resultados na mesma unidade
de medida dos valores originais, bem como da média, o
que não acontece com a variância;
3. a covariância, que é uma medida de variabilidade conjunta
de duas variáveis aleatórias “x” e “y”, que serve para medir
como ambas se dispersam em torno de suas respectivas
médias conjuntamente, sendo portanto uma espécie de
cálculo de variância conjunta.
Já se viu que, para se calcular o beta, é necessário verificar a
variação conjunta do retorno de uma ação e do retorno do
mercado em relação às suas médias, à medida que essas
variáveis variam simultaneamente. Objetivamente, como as
variáveis apresentam uma determinada característica de
comportamento, os resultados observados para cada uma
apresentam uma dispersão própria. Para se calcular a variação
conjunta, a medida estatística adotada é a covariância.
A covariância entre as variações da ação (j) e do mercado (m) é
definida como:
65
Sendo:
Rj = o retorno da ação,
Km = o retorno de mercado,
μ = um indicativo do valor médio de uma variável
N = o número de observações
σjm = covariância entre o retorno da ação e o retorno do mercado
Por último, necessita-se calcular a variação do retorno do mercado
em relação à sua média, expresso por meio de sua variância, que
consiste no valor esperado do quadrado dos desvios relativamente
à rentabilidade esperada, como segue:
O desvio padrão, por sua vez, é:
66
Sendo assim, o beta da ação em relação ao mercado é definido
como a razão entre a covariância do seu retorno e do retorno do
mercado e a variância do retorno do mercado. Ou seja,
βj = Beta da ação em relação ao mercado
σjm = Covariância do retorno da ação e do retorno do mercado
σ2m = Variância do retorno do mercado
O beta, como já se frisou, é um indicador da sensibilidade do
retorno da ação em relação ao retorno do mercado. Logo, um beta
de valor 1 indica que o retorno da ação varia na mesma direção
que o retorno do mercado, ou seja, se o retorno do mercado
aumentar em 10%, o seu aumentará nesse mesmo valor. Um beta
de valor inferior a 1, além de indicar que a ação possui menor risco
que o mercado, aponta para uma menor sensibilidade em relação
ao retorno do mercado (ou seja, o retorno da ação varia
proporcionalmente menos que o do mercado). Uma ação com beta
67
superior a 1 possui grande sensibilidade às variações do retorno
do mercado19.
O gráfico abaixo ilustra o que acontece com a rentabilidade de
uma ação (ou ativo) para diferentes valores de Beta, com retorno
do mercado de 10%20:
A magnitude do beta é determinada, principalmente, por três
fatores:
a) sensibilidade relativamente aos movimentos cíclicos de
mercado, ou seja, empresas que são fortemente afetadas
19
À guisa de exemplo, se uma ação j possui beta de 2, se o retorno do mercado aumentar em 10%, o
retorno do ativo aumentará 20%.
20 No gráfico é assumido, por simplicidade, que quando o retorno do mercado for zero o retorno do
ativo também será zero, o que não é necessariamente uma hipótese verdadeira.
68
pelos retornos de mercado tendem a ter betas elevados, pois
sua rentabilidade está na dependência da conjuntura
econômica ser favorável ou não; já as empresas que são
pouco afetadas pelo momento econômico21 tendem a ser
mais estáveis e, portanto, possuem menor risco e betas
menores;
b) grau de alavancagem financeira22, que resulta que quanto
mais alavancada a empresa, mais terá que ampliar os lucros
antes de juros para cobrir os compromissos derivados de
empréstimos e financiamentos;
c) elevados custos fixos de produção, presente em empresas
com grande investimento em ativos de produção, sendo,
logo, consideradas mais arriscadas, pois precisam produzir
quantidades maiores para diluir os custos das máquinas e
equipamentos.
Além disso, o beta também serve para exprimir a relação entre o
desvio-padrão dos retornos de uma ação e o desvio-padrão dos
retornos do mercado. Logo, quando o beta de uma ação é igual a
21
Um bom exemplo é uma empresa supridora de água para residências, pois o uso é pouco sensível
aos ciclos econômicos.
22 A alavancagem financeira é derivada do uso de capitais de empréstimo ou de financiamentos.
69
1,5, o desvio-padrão de seus retornos é 1,5 vezes o desvio-padrão
dos retornos do mercado.
Assim sendo, a possibilidade de obtenção de maiores retornos
(expressa por um beta bastante sensível às variações nos retornos
de mercado) implica também em maiores riscos (revelados através
de maiores desvios-padrão e variância). Os investidores exigirão,
para ações com risco elevado, maiores rendimentos. Esta relação
é direta e expressa o conflito entre risco e retorno.
No caso da regulação econômica sugerida pela ARSAE-MG, o
beta será obtido da seguinte forma:
a) calcular os betas de empresas que atuam no mesmo
segmento de mercado, tomando como base uma amostra
representativa; diz-se dos betas obtidos que eles são
alavancados, por considerar a estrutura de capital das
empresas da amostra;
b) desalavancagem do beta obtido, considerando a estrutura de
capital das empresas da amostra e a tributação23 no
23
Como os juros pagos são dedutíveis do lucro sujeito a tributação, segundo as taxas vigentes em
cada País, há um benefício fiscal derivado da utilização de capital de terceiros que deve ser
considerado.
70
mercado onde atuam. A desalavancagem é feita pela
fórmula:
onde
βalavancado = Beta que considera a estrutura de capital das
empresas da amostra
Pj = Participação do capital próprio na estrutura de capital da
empresa
Dj = Participação do capital de terceiros na estrutura de
capital da empresa
T = Alíquota de impostos no mercado onde atuam;
c) Cálculo da média dos betas desalavancados, ponderado
pela participação dos ativos de cada empresa em relação ao
ativo total da amostra, cujo resultado expressará o beta
médio desalavancado do mercado onde atuam;
d) Realavancagem desses betas, agora considerando a
estrutura de capital regulatória e a tributação vigente no
Brasil, utilizando-se a seguinte fórmula
71
O beta realavancado, considerando a estrutura regulatória de
capital e a alíquota brasileira de impostos, constituirá a medida de
risco que se sugere seja adotada pela ARSAE-MG.
No caso do cálculo do custo do capital próprio, a ARSAE-MG não
utilizará o beta da ação da empresa a ser regulada, nem de
empresas similares brasileiras, o que se deve a dois motivos: i) o
tamanho da amostra, uma só empresa ou no máximo três, quando
se considera o número delas que, no Brasil, tem ações negociadas
em bolsa de valores e ii) a imaturidade do mercado acionário
brasileiro e, em decorrência, a incipiência da série histórica
disponível. Propõe-se a utilização de dois mercados de referência:
o inglês e o dos Estados Unidos da América. O primeiro por adotar
uma regulação econômica similar àquela que se está indicando
para utilização pela ARSAE-MG. O segundo por ser a origem de
boa parte dos investimentos realizados em ações de empresas
brasileiras dedicadas à provisão de serviços de abastecimento de
água e de esgotamento sanitário, geridos por fundos
especializados em investimentos em empresas norte-americanas
do mesmo setor.
72
3.1.3. O prêmio de risco de mercado
O prêmio de risco de mercado é calculado pela diferença entre o
retorno do mercado e o retorno do ativo livre de risco. Pelo fato de
o cálculo do retorno de mercado se constituir em tarefa bastante
complexa, se não impossível, utiliza-se, como proxy24, o retorno de
algum índice do mercado de capitais, pelo fato de neste estarem
contidas empresas dos mais variados setores da economia.
Devido à fragilidade institucional do mercado acionário brasileiro,
pretende-se utilizar um índice de rentabilidade com maior tradição,
no caso, em sintonia com a utilização de empresas de mesma
origem para o cálculo do beta, uma média ponderada do S&P500
dos Estados Unidos da América e o FTSE100 inglês.
Quanto ao retorno do ativo livre de risco, Rf, a sugestão da
rentabilidade a ser adotada corresponde à do título explicitado no
item 3.1.1.
3.1.4. O risco país e respectivo prêmio
O risco país é definido como aquele em que um projeto incorre ao
ser realizado em determinada nação. Em geral, países em
24
Variável proxy é um conceito econométrico que consiste em uma variável substituta aproximada de
outra variável, que não pode ser estimada com precisão.
73
desenvolvimento têm risco país mais elevado que os
desenvolvidos. O risco país relaciona-se a eventos como guerras,
desastres naturais e instabilidade política, mas também aos
econômicos como controle sobre os movimentos de entrada e
saída de divisas e sobre a taxa de câmbio e alterações nos
impostos incidentes sobre ganhos de capital auferidos por
estrangeiros.
Em geral, o risco país redunda no surgimento de um prêmio
suficientemente atrativo para levar um investidor a nele aportar
recursos. Assim, a regulação econômica necessita calculá-lo.
A fórmula que se vislumbra para o cálculo do prêmio de risco é
apurá-lo pela diferença entre o prêmio de risco soberano e o
prêmio de risco de crédito do Brasil.
O prêmio de risco soberano é definido como o spread25 que títulos
de renda fixa do governo brasileiro, quantificados em dólares, paga
sobre os títulos do tesouro do governo americano (considerado
livre de risco). Já o prêmio de risco de crédito, que representa o
risco de não pagamento da dívida (default) do país, é o spread que
títulos de empresas estadunidenses com mesma classificação de
25
Taxa adicional de risco cobrada no mercado financeiro.
74
risco do governo brasileiro pagam sobre os títulos do governo
americano. No caso, o prêmio de risco de crédito não será
considerado para o cálculo do prêmio de risco Brasil porque, para
o investidor, tem maior significância o risco de default da empresa
em que ele está investindo, e não o do país em que ela está
localizada. Assim, o prêmio de risco Brasil é calculado segundo a
seguinte fórmula:
Onde:
Rb = Prêmio de risco Brasil
Rs = Prêmio de risco soberano
Rc = Prêmio de risco de crédito
3.1.5. O prêmio de risco cambial
O prêmio de risco cambial destina-se a prevenir a incerteza na
evolução da taxa de câmbio no futuro oferecendo aos investidores
uma proteção contra as variações que porventura vierem a
ocorrer.
75
Em termos técnicos, o prêmio de risco cambial cobre,
preventivamente, as oscilações da taxa cambial. O prêmio tornou-
se necessário, especialmente depois que os movimentos de
capitais aceleram-se no plano mundial e transformou uma
evolução baseada na paridade do poder de compra das moedas
nacionais em circunstância quase inalcançável. Nos dias atuais, a
tendência é que as taxas cambiais tenham maior aderência à
paridade das taxas de juros e é expressa por, quando também se
considera o risco país:
Em que R é a taxa de juros doméstica, R´ é a taxa de juros
externa, F é o valor futuro do dólar, S é a taxa de câmbio do dólar
à vista e Rb, o prêmio de risco Brasil.
O termo (F-S), por sua vez, é denominado “forward premium”,
sendo a diferença entre o valor futuro do dólar (expresso em
termos do valor dos contratos de câmbio futuros) e o seu valor à
vista. Seu cálculo pode ser feito através da seguinte expressão:
E em que:
76
ST = Taxa de câmbio do dólar no mercado futuro
St = Taxa de câmbio do dólar no mercado de pronta entrega
Rc = Risco cambial
Remanejando a equação, tem-se:
Logo, o prêmio de risco cambial é entendido como o spread do
câmbio no mercado futuro (F-S) e a expectativa no mercado para a
desvalorização cambial (ST – St).
O cálculo do prêmio de risco cambial será feito através de
estimações econométricas. Para o Brasil, a estimação mais
adequada é o Filtro de Kalman, algoritmo recursivo que consiste
em um conjunto de equações matemáticas, expressas em um
modelo “espaço-estado”. Neste caso, há duas equações
matemáticas: uma denominada de “equação de observação (ou
medição)”, cujas variáveis são observáveis, e, a segunda,
denominada “equação de transição de estado”, cujas variáveis não
são observáveis. Dessa forma, podem ser estimados os estados
presentes, os estados passados e mesmo previstos os estados
futuros, pelo método da Máxima Verossimilhança.
77
No caso específico do risco cambial, considera-se a equação Rc =
(F – S) – E(ST – St) e, depois, considera-se o segundo termo como
um ruído branco26, o que resulta que Rc = (F(t) – S(t=1)) – e(t), onde o
problema é extrair Rc da presença do ruído branco.
Aplicando-se o Filtro de Kalman, o modelo é apresentado na forma
“espaço-estado”, como se segue:
a)
b)
A primeira equação é chamada de equação de observação e a
segunda de equação de transição de estado, H é uma matriz de
constantes conhecidas (assume-se que H=1), u(t) e e(t) são os
ruídos brancos e T é a matriz de transição de estado.
Dadas as observações ((f(t) – s(t+1))), busca-se calcular os
parâmetros T e as variâncias dos ruídos brancos, a fim de fazer
inferências sobre a variável estado (no caso, o risco cambial). O
procedimento permitirá estimar uma série da variável estado e,
26 Uma seqüência {εt} é dita ruído branco se cada valor da série tiver média zero, variância
constante, e não apresentar correlação serial.
78
através do cálculo de sua média, será obtido o prêmio de risco
cambial.
Além do Filtro de Kalman, Garcia e Olivares27 utilizaram um
modelo idealizado por Fama28, cuja estimação é feita por Mínimos
Quadrados Ordinários. No entanto, o modelo possui ajuste melhor
para países desenvolvidos, e não se adequou bem à realidade dos
países emergentes, como é o caso do Brasil.
Dentre as metodologias disponíveis, a ARSAE-MG utilizará aquela
que entender mais apropriada para o cálculo do prêmio de risco
cambial.
3.1.6. O risco regulatório e respectivo prêmio
O risco regulatório será avaliado de três óticas. A primeira
considera a natureza da regulação. A segunda o regime
regulatório. A terceira tendo em perspectiva a possibilidade de
ocorrência de falhas na regulação.
Uma entidade reguladora independente e autônoma não se
caracteriza como tal apenas por ser assim definida na legislação
que a criou. A independência e a autonomia dependem do grau
27
Garcia, M., Olivares, G. [2000], O Prêmio de Risco da Taxa de Câmbio no Brasil durante o Plano Real* 28
Fama, Eugene F. (1984). "Forward and Spot Exchange Rates". Journal of Monetary Economics, 14, 319-338.
79
em que são exercidas no dia-a-dia e do tipo de evolução que, em
decorrência, a regulação apresentará. Do ponto de vista
econômico, o certo é que a independência e a autonomia
condicionam o regime regulatório.
Um regime regulatório, por outro lado, pode ter as seguintes
características:
a) alto conteúdo de incentivo, como o que a ARSAE-MG
pretende implantar e que fomenta a eficiência da entidade
que é objeto da regulação, o que não necessariamente leva
a uma restrição do lucro, mas o coloca na dependência de
como a empresa regulada responde aos estímulos de uma
regulação que a conduz a trilhar um processo voltado para a
redução dos custos e para o aumento da produtividade;
b) médio conteúdo de incentivo, como o que estabelece
medidas parciais na direção da elevação da produtividade,
mas permite o repasse integral de alguns custos para os
usuários; e
c) baixo conteúdo de incentivo, como o baseado no modelo do
“custo de serviço”, em que os custos são repassados às
tarifas e os investimentos são remunerados por uma taxa de
retorno estabelecida.
80
Do ponto de vista da ótica da consideração da possibilidade de
sobrevirem erros de regulação, ela é derivada da falibilidade
envolvida no processo de construção e utilização do processo
regulatório. Algum grau de incorporação deste tipo de risco
aleatório à regulação deve ser buscado.
Reconhecendo-se, inicialmente que a legislação assegura
independência e autonomia à ARSAE-MG e o tipo de regulação
que a Agência pretende implantar, os dois primeiros riscos
regulatórios discriminados não se manifestariam, restando definir
como calcular o risco decorrente da possibilidade de sobrevirem
erros de regulação. A incorporação do prêmio de risco regulatório
se daria pelo acréscimo, ao beta realavancado, de um adicional.
O novo beta realavancado, construído segundo acima apontado,
consideraria a estrutura de capital das empresas brasileiras, e
levaria em consideração os riscos do negócio, financeiro e
regulatório do setor regulado.
3.2. O custo total do capital próprio
O custo total nominal do capital próprio é calculado pela fórmula:
81
Onde:
(Ri) = Custo do capital próprio nominal;
Rf = Retorno do ativo livre de risco;
β = Beta realavancado considerando a estrutura de capital das
empresas brasileiras, adicionado do prêmio de risco do regime
regulatório;
Rm = Retorno do mercado
Rp = Risco País
Rc = Risco Cambial
A partir do custo de capital próprio nominal obtido pode-se calcular
o custo de capital próprio real, que é obtido através de um
deflacionamento, através da seguinte fórmula:
Na qual:
Kp* = Custo do capital próprio real
(Ri) = Custo do capital próprio nominal
82
π = Inflação no mercado onde as empresas utilizadas no cálculo
do beta atuam.
4. O custo de capital de terceiros
O custo de capital de terceiros é, objetivamente, definido como a
taxa que uma empresa de serviços de abastecimento de água e de
esgotamento sanitário paga em suas operações de empréstimo e
financiamento com instituições financeiras e fornecedores.
O fato do uso de capital de terceiros potencializar a rentabilidade
do capital próprio – daí dizer-se que proporciona alavancagem
financeira – está associado, entretanto, ao benefício fiscal que o
pagamento de juros gera para o detentor de ações da empresa
que se endividou.
Uma empresa de serviços de abastecimento de água e de
esgotamento sanitário tem características singulares,
especialmente em países como o Brasil, em que a expansão é
uma necessidade social e preocupação constante do poder
concedente e das políticas públicas. Portanto, as empresas devem
contar com uma situação financeira – que é condicionada pela
participação do capital próprio – que lhes possibilite o acesso a
empréstimos e financiamentos. Neste sentido, a estrutura de
83
capital é mais relevante, do ponto de vista institucional, que um
grau de alavancagem financeira elevado.
Antes de remeter-se a regulação ao estabelecimento de uma
estrutura ótima de capital para uma empresa de serviços de
abastecimento de água e de esgotamento sanitário, entende-se
mais apropriado referenciá-la ao padrão exigido pelos agentes que
as financiam, conforme recomendado no Capitulo I.
Por outro lado, também em países que necessitam de uma
expansão dos serviços, os níveis das taxas de juros incidentes
sobre os empréstimos são definidos em função da necessidade de
se fomentar a abrangência da cobertura, subjugando-se aos
objetivos da política pública.
O quadro institucional que condiciona o custo do capital de
terceiros deve ser completado com a consideração do papel que
devem ter, na expansão dos serviços de abastecimento de água e
de esgotamento sanitário, a parcela de lucros retidos. A sua
utilização para a capitalização do prestador de serviços tem o
sentido de fortalecer a capacidade de o capital próprio estear a
ampliação da prestação dos serviços.
84
O cálculo do custo do capital de terceiros, no contexto de uma
regulação por incentivos, poderia alçar mão de um método
conhecido como CAPM da dívida. O modelo é bastante
semelhante àquele utilizado para o cálculo do custo de capitais
próprios: adiciona-se à taxa livre de risco uma série de prêmios
exigidos pelos agentes financeiros para realizar empréstimos à
empresa.
O modelo CAPM da dívida cria incentivos para que a empresa
diminua o custo da sua dívida. Sendo, por exemplo, o custo
apurado no modelo para a dívida de 8,0%, a empresa será levada
a buscar empréstimos a taxa igual ou inferior, uma vez que este
nível regulatório é que será considerado para a formação das
tarifas.
A metodologia para a fixação do custo do capital de terceiros
sugerida pela ARSAE-MG tem duas características que são o
reconhecimento i) do peso real que as carências estruturais de
serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário
exercem sobre as políticas públicas e ii) da influência que as
políticas públicas têm na determinação das taxas de juros que
incidem nos empréstimos às empresas para que expandam os
serviços.
85
Por outro lado, a metodologia de apuração do custo do capital de
terceiros, combinada com um grau de alavancagem financeira
determinado pela estrutura eficiente de capital, provê incentivos à
retenção, pela empresa, de lucros destinados à sua capitalização
e, posteriormente, ao investimento em expansão, o que é
desejável do ponto de vista social e, logo, compatível com os
objetivos das políticas públicas.
Entende-se que uma regulação com tal natureza remete o
acionista a ter uma visão de longo prazo, menos imediatista e
focada apenas no recebimento de dividendos no curto prazo, mas,
também, na perspectiva de realização de ganhos crescentes no
tempo29.
Os usuários sofrerão a repercussão nas tarifas de um custo de
capital mais elevado30, mas, em contrapartida, verão os serviços
sofrerem uma expansão mais acelerada. Logo, em certa medida, a
opção regulatória incentiva o processo de universalização dos
serviços.
29
A retenção de lucros resulta em bonificações em ações e em dividendos sobre um maior número de
títulos representativos do capital.
30 Tendo em vista que o custo de capital total é mais elevado relativamente a uma estrutura em que o
capital de terceiros tivesse maior participação.
86
O custo de capital de terceiros que a ARSAE-MG sugere adotar é
a maior taxa dentre as que as instituições de fomento, quer
nacionais, quer internacionais, adotam em seus empréstimos à
empresa regulada.
Vale lembrar que, para a obtenção do custo do capital de terceiros
nominal serão considerados os benefícios fiscais. Para o cálculo
do custo de capital de terceiros real, há que se considerar, ainda, a
inflação, o que será feito através da seguinte fórmula:
Em que:
Kt* = custo de capital de terceiros real
Kt = custo de capital de terceiros nominal
π= taxa de inflação.
5. O custo médio ponderado de capital
Obtidos o custo de capital próprio e o custo de capital de terceiros,
calcula-se o Custo Médio Ponderado de Capital, o WACC, através
da seguinte equação:
87
Onde:
KWACC = Custo médio ponderado de capital do setor regulado,
= Custo do capital próprio real
= Custo do capital de terceiros real
CP = Participação do capital próprio
CT = Participação do capital de terceiros
IR = Alíquota do Imposto de Renda
IC = Alíquota da Contribuição Social.
88
Capítulo IV. A VALORAÇÃO DOS ATIVOS DA EMPRESA DE
REFERÊNCIA
1. Objetivo
Delimitar a sugestão do método para a construção da empresa de
referência em termos de ativo operacional, incluindo sua
valoração, a ser utilizada no curso do processamento de uma
revisão tarifária pela Agência Reguladora dos Serviços de
Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário de Minas Gerais
(ARSAE-MG).
2. Os ativos da empresa de referência
A construção da empresa de referência coloca questões de ordem
teórica e prática de alto significado e repercussão. Primeiramente,
a empresa de referência tem sentido econômico específico: trata-
se de estabelecê-la em termos de preços de reposição e não
históricos ou registrados contabilmente.
Em segundo lugar, a empresa de referência guarda pouca relação
direta com a empresa prestadora de serviços: é preciso construí-la
tendo em vista padrões tecnológicos atuais e, logo, que redundam
89
em i) custos para partes do ativo31 que podem não ter
correspondência com os da empresa real e ii) um padrão de
produtividade dos ativos que é dificilmente alcançado na prática. A
regulação necessita absorver tais circunstâncias tendo em vista
que: algumas partes do ativo continuam em operação, embora
menos eficazes (gerando sunk costs) e certas inversões foram, em
um dado momento, necessárias, mas não são mais, utilizadas
(gerando stranded costs).
Em terceiro lugar, se o contexto da evolução tecnológica conduziu
ao alcance de custos mais reduzidos32, a adoção de preços
baseados nos custos atuais de reposição tem impacto assimétrico
sobre as diferentes partes dos sistemas, porque, quando aplicada
a taxa de retorno regulatória, não é alcançada uma adequada
remuneração para algumas delas. A aplicação de preço fixado
tendo em vista os custos médios anteriores e atuais –
denominados, na literatura preços de Ramsey – pode ser, então,
recomendável. Ou seja, a regulação, no que se refere à valoração
dos ativos, pode ter que fundamentar-se nos pressupostos da
31
Aquelas que foram objeto de incorporação de novas tecnologias de uma forma mais rápida e
intensa.
32 No caso dos sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, viabilizados por
técnicas de construção mais eficientes ou por materiais mais baratos.
90
eficiência dinâmica, em que se adotam preços de Ramsey ou outra
variante de cálculo de preços médios.
Em termos práticos, e em quarto lugar, a determinação física do
ativo envolve significativo volume de trabalho, exigindo um esforço
de levantamento apreciável e capacidade analítica para avaliar se
os investimentos foram realizados com prudência.
3. A determinação da base física
O estabelecimento da base física de ativos impõe a contratação de
consultoria especializada, com grande conhecimento de sistemas
de captação, adução e distribuição de água e coleta e disposição
final de esgoto. O trabalho pode ser desenvolvido com base em
consultorias acreditadas pela ARSAE-MG e contratadas pelo
prestador de serviços para desenvolvê-lo em conjunto com seus
técnicos.
Existem quatro possibilidades para a determinação da base física:
1) por contrato de concessão, o que torna o trabalho mais
custoso e demorado, além de induzir a minudência33;
33
A minudência tende a tornar a regulação similar àquela baseada no custo do serviço e a reforçar a
assimetria informacional, processo que favorece a posição do prestador de serviços e enfraquece a
regulação.
91
2) para todas as áreas de concessão, o que impõe dificuldades
derivadas de tratar univocamente áreas físicas e
ambientalmente diferenciadas;
3) agrupamento de municípios por número de usuários, o que
reduz o trabalho, mas não soluciona a questão dos
ambientes físicos e naturais; e
4) por bacias ou sub-bacias hidrográficas, o que reduz o
trabalho, torna mais homogênea as áreas do ponto de vista
físico e ambiental, embora contemple sistemas individuais de
variada dimensão.
4. A valoração da Base de Ativos Regulatórios
Para a valoração da base de ativos regulatórios, a ARSAE-MG
sugere que seja adotada a metodologia do Valor Novo de
Reposição – VNR, que considera o custo atual necessário para a
construção dos sistemas de abastecimento de água e de
esgotamento sanitário
A obtenção do VNR será realizada a partir de cotações obtidas no
mercado, considerando, ademais, as condições de fornecimento,
ou seja, os custos relacionados a fretes, montagem, impostos,
92
taxas, seguro e outras porventura associadas à construção dos
ativos.
No curso do processo de valoração será avaliada a possibilidade e
a viabilidade de adoção de preços de Ramsey ou similar para
adotar uma regulação dinâmica e não estática, conforme exposto
no item 2 acima.
5. A incorporação do custo dos ativos na formação das tarifas
Para a formação das tarifas, a ARSAE-MG sugere adotar o
método da anuidade constante, por meio da aplicação de um Fator
de Recuperação do Capital – FRC sobre a Base de Ativos
Regulatórios – BAR.
Assim procedendo, o perfil da tarifa ao longo do tempo é idêntico,
o que permite atender a uma diretriz econômica baseada no
princípio da equidade na distribuição dos custos entre gerações de
consumidores34.
O FRC será calculado de acordo com a seguinte equação:
34
Ao contrário do custo do serviço em que as tarifas são cadentes, o que leva os usuários pioneiros a
pagar níveis mais elevados e os que se conectam posteriormente a fazer face a um padrão tarifário
mais reduzido.
93
Sendo
n = vida útil econômica dos ativos fixada pela regulação; e
i = Custo de Capital regulatório.
94
Capítulo V. OS CUSTOS OPERACIONAIS
1. Objetivo
O objetivo deste tópico é apresentar os critérios sugeridos para a
conformação dos custos operacionais de uma empresa dedicada à
prestação de serviços de abastecimento de água e de
esgotamento sanitário pela Agência Reguladora de Serviços de
Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de
Minas Gerais- ARSAE- MG, nos processos de revisão tarifária.
2. A definição dos custos operacionais eficientes
Tendo em vista a regulação por incentivos, que norteia a
elaboração do conjunto dos custos de uma empresa regulada, e o
método de construção de uma empresa de referência,
especialmente aqueles que a Lei 18.309/2009 classifica como
administráveis35, os custos operacionais serão conformados, por
ocasião das revisões tarifárias, com base em padrões de
eficiência.
Ou seja, o método não se apóia em custos informados pela
empresa regulada nem em auditorias realizadas pela ARSAE-MG,
mas na definição de parâmetros de eficiência delimitados com a
finalidade última de conformar as tarifas dos serviços prestados.
35
Um custo administrável é aquele sujeito à influência de um gerente ou de um centro de
responsabilidade empresarial.
95
Simultaneamente, os custos operacionais eficientes constituem
uma referência para a gestão empresarial, sem que o órgão
regulador interfira diretamente no dia-a-dia da empresa regulada,
evitando que as ações regulatórias incorram no
microgerenciamento36. Evita-se, também, que a assimetria de
informação exerça influência sobre a qualidade da regulação37.
O processo de benchmarking embutido na regulação leva a que a
empresa regulada busque atingir e até mesmo superar os
parâmetros de referência, ou seja, ela é incentivada a manter seus
custos dentro dos valores conhecidos para lograr a rentabilidade
esperada ou até mesmo ultrapassá-la. Trata-se, por outro lado, de
inserir, no contexto do monopólio natural, um ambiente de tipo
concorrencial, em que a empresa regulada compete com outra,
ideal do ponto de vista de concepção, a qual opera segundo
critérios específicos de eficiência na prestação e de qualidade dos
serviços prestados38.
O método de construção assenta-se na determinação de custos
associados à execução dos processos e atividades de operação e
manutenção das instalações da empresa, de gestão comercial de
clientes e de direção e administração, em condições que
assegurem que a empresa poderá atingir os níveis exigidos de
qualidade dos serviços. Ou seja, o competidor virtual – a empresa
36 Ou seja, em essência, o que a regulação buscará é condicionar a tipologia do controle gerencial ou
o grau de influência que um determinado gerente possui sobre os custos tendo em vista que o
resultado alcançado está diretamente associado à capacidade de se gerir as variáveis que o delimitam.
37 O prestador de serviços dispõe de maiores e mais qualificadas informações sobre suas atividades
que o órgão regulador; a assimetria informacional permite que obtenha uma remuneração extra cuja
base de sustentação é o grau de conhecimento que tem sobre si mesmo.
38 A fronteira de eficiência produtiva é conhecida pelo prestador dos serviços, pois, ele não só conta
com a experiência técnica, mas, também, com tradição na aplicação prática de métodos e processos.
96
de referência - deverá, pois, estar desenhada de forma que possa
executar todas as atividades e processos necessários para prestar
os serviços, nas condições exigidas pelo mercado a ser atendido.
A regulação buscará, pois, o alcance de uma eficiência dinâmica, a
qual, do ponto de vista do gerenciamento empreendido pelo
prestador de serviços, está na dependência da relação método
adotado/capacidade inovadora, capaz de, com o tempo, reduzir
custos e tarifas, sem deteriorar a qualidade dos serviços.
Trata-se, logo, de um processo contínuo de seleção das melhores
práticas, em que a inovação possibilita o alcance de menores
custos. A eficiência dinâmica, por outro lado, delimita a evolução
intertemporal da relação custos/tarifas/margens de lucro,
condicionando, ao mesmo tempo, os níveis alcançados i) de
modicidade tarifária, para os usuários e ii) de remuneração, para
os prestadores dos serviços.
3. O tratamento dos custos não administráveis
Teoricamente, os custos não administráveis - definidos na lei
18.30939 - são aqueles cuja evolução não está sobre o controle ou,
em outros termos, não são objeto de gerenciamento pelo prestador
de serviços. Na verdade, o que o prestador de serviços não tem é
somente o controle sobre a evolução dos preços de determinados
insumos que utiliza.
Mas, pode e deve ter gerenciamento sobre o uso que faz de tais
insumos. É possível, portanto, que adote medidas gerenciais que
39 E que são: energia elétrica, combustíveis, material de tratamento, telefonia e taxas.
97
conduzam a uma melhor utilização – e a um maior grau de
eficiência – sobre seus processos que envolvam a utilização de
itens de custo não gerenciáveis40.
Assim sendo, os gastos com energia elétrica podem ser reduzidos
por via de um processo de elevação da eficiência energética. Os
custos com combustíveis podem ser alterados por processos mais
eficientes de gerenciamento da frota de veículos, enquanto que os
referentes a comunicação telefônica também podem ser
administrados41.
Reconhecendo tais possibilidades, a ARSAE-MG adotará
regulação específica, cujo escopo, como sempre, será submetido
no momento oportuno a processo de audiência pública com vistas
a induzir a eficiência no uso de insumos cujos preços não são
administráveis, mas cujos custos o são. O grau de eficiência e os
ganhos obtidos serão considerados para a redução dos custos e
das tarifas segundo metodologia a ser definida.
40 Ou seja, sob este aspecto, um custo não administrável, assim como um administrável, também,
está sujeito à influência de um gerente ou de um centro de responsabilidade empresarial.
41 Notadamente quando se verifica que, atualmente, há concorrência no setor de telefonia fixa e
móvel.
98
Capítulo VI. AS RECEITAS IRRECUPERÁVEIS
1. Objetivo
Descrever a sugestão de abordagem metodológica para o
tratamento regulatório a ser dado às receitas irrecuperáveis no
curso de uma revisão tarifária periódica dos serviços públicos de
abastecimento de água e esgotamento sanitário sob regulação da
Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento e Esgotamento
Sanitário de Minas Gerais – ARSAE-MG.
2. Tratamento regulatório das receitas irrecuperáveis
O tratamento regulatório ou não das receitas irrecuperáveis
encontra argumentos tanto favoráveis quanto desfavoráveis. Os
usuários vêem a consideração das receitas irrecuperáveis como
custo e, logo, apenas tendo em vista o seu impacto nas tarifas. Os
prestadores são em prol do reconhecimento de que apenas a
suspensão do fornecimento é incapaz de impedir que exista um
grau de inadimplência estrutural nos serviços.
A ARSAE-MG opta por sugerir que seja realizada uma abordagem
regulatória das receitas irrecuperáveis, o que significa que a
99
inadimplência estrutural será considerada como um custo a ser
reconhecido pela regulação.
Ao decidir por considerar a existência de certo nível de receitas
irrecuperáveis, a Agência o fará, entretanto, no bojo de uma
regulação por incentivos, o que implica que a regulação conterá,
implicitamente, mecanismos de indução permanente a um
gerenciamento eficiente e que contribua para a redução do nível
da inadimplência.
Considerar as receitas irrecuperáveis como custo deve-se ao
reconhecimento de dois fatores: i) a inadimplência decorre dos
quadros institucional, social e até mesmo cultural em que o
prestador de serviços se insere, os quais fogem do seu controle e
ii) há um custo econômico derivado de um esforço de cobrança de
pequenos valores dispersos que, na maioria das vezes, é superior
ao montante dos valores efetivamente recuperados.
Um exemplo de como os valores cobrados podem se tornar mais
expressivos que os montantes devidos foi apontado por Fattori e
Prigenzi42: o complexo e dispendioso procedimento administrativo
- extração de peças e inscrição do débito na dívida ativa e 42
FATTORI, Sara Corrêa; PRIGENZI, Cristina Duarte Leite, “O Custo da Cobrança Judicial da Dívida Ativa
de Pequeno Valor Frente às Imposições da Lei De Responsabilidade Fiscal” in: Revista do Direito
Brasileiro, Editora Lex, vol. 1, pág. 1-20, 2006.
100
posterior ajuizamento - e seus custos e os ônus de cobrança não
são compensados quando se destinam a recuperar pequenos
valores acrescidos de baixas multas.
Além disso, outro fator, de ordem institucional, contribui para o
nível da inadimplência, que é a proibição da inscrição do nome do
usuário inadimplente nos serviços de proteção ao crédito43.
É necessário, ademais, reconhecer o custo derivado da regulação,
na medida em que a Resolução 003/2010 da ARSAE-MG
estabelece que os usuários beneficiários da tarifa social não estão
sujeitos a corte, mas a limitação do uso44.
Por outro lado, como os usuários não residenciais são, em
empresas de prestação de serviços públicos de abastecimento de
água e de esgotamento sanitário, menos significativos em termos
numéricos, mas relevantes quando analisados do ponto de vista
do patamar de arrecadação por unidade usuária, é razoável se
supor que o esforço de cobrança da inadimplência de tais classes
43 O comando legal está disposto no parágrafo único do artigo 3º da Lei 18.309/2009, que estabelece
que “é vedada a inscrição do nome do usuário dos serviços de abastecimento de água e de
esgotamento sanitário em cadastro de proteção ao crédito, em razão de atraso no pagamento da
conta”.
44 Trata-se do artigo 97 da Resolução 003/2020 que prescreve: quando ocorrer inadimplência de
usuários residenciais de serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, beneficiários
da tarifa social, visando à manutenção de condições mínimas para a preservação da saúde das pessoas
atingidas, os serviços não serão interrompidos, mas poderão ser restringidos por meio da instalação
de controlador de uso cuja capacidade de vazão seja de 100 (cem) litros por dia.
101
tem respaldo em termos de custo. Sendo assim, não é razoável
que a regulação considere o volume de receitas irrecuperáveis
proveniente dos usuários não residenciais.
Logo, a consideração de um nível de receitas irrecuperáveis a ser
contemplado como custo terá como referência a classe de
usuários residenciais, na qual se inclui a social.
3. O custo regulatório das receitas irrecuperáveis
A metodologia a ser utilizada será a permanência das contas em
aberto, conhecida, também, como curva de envelhecimento
(aging), construída com base em dados fornecidos pelo prestador
de serviços. Mas, como já se frisou, a metodologia conterá um
incentivo à redução do nível das receitas irrecuperáveis. A
recomendação é que o custo seja calculado, portanto, em função
do “aging”, e siga trajetória decrescente até a próxima revisão
tarifária do prestador de serviços.
As receitas irrecuperáveis a serem consideradas estarão
referenciadas, pois, ao patamar de estabilidade da curva de
envelhecimento das contas a receber. Na fixação do nível
regulatório para o custo da inadimplência haverá um tratamento
diferenciado para a relativa à classe social, como forma de não
102
punir o prestador de serviços em função de norma45 que lhe foi
imposta pela regulação.
Haverá, complementarmente, uma divisão do ônus das receitas
irrecuperáveis entre os usuários e os prestadores dos serviços,
como medida de incentivo para que estes últimos desenvolvam
algum esforço de cobrança.
Entende-se que o prestador de serviços possui informações a
respeito dos usuários que, contumaz e costumeiramente, incorrem
em inadimplência, e que está ao seu alcance promover medidas
que levem à redução do montante das contas a receber. E que,
quanto mais eficientes forem tais mecanismos de cobrança, menor
será o valor das receitas irrecuperáveis e seu impacto nos custos.
Tendo em vista que a forma proposta tratará singularmente a
questão da eficiência empresarial no que tange às receitas
irrecuperáveis, o respectivo custo não estará submetido à
incidência do fator X e, logo, seu cômputo será realizado à parte
dos demais custos administráveis.
45
Artigo 97 da Resolução Normativa 003/2010.
103
4. O cálculo da curva de envelhecimento da fatura (aging)
O método baseia-se na observação mensal do percentual do
faturamento anteriormente apurado e não pago. É tomado como
referência um mês específico e observados os faturamentos
realizados nos meses anteriores, levando em consideração o fluxo
de pagamentos das contas faturadas a cada mês, o que possibilita
verificar o percentual de cada faturamento anterior que ainda não
foi pago.
Em geral, o percentual de faturamento não recebido tende a ser
menor quanto mais distante do mês de referência. Com o tempo
há uma tendência desse percentual se estabilizar, alcançando um
patamar equivalente e indicando o nível da inadimplência
estrutural.
A curva de envelhecimento da fatura é a representação gráfica do
comportamento do fluxo de pagamentos das contas faturadas.
Para a sua construção e determinação de seu ponto de
estabilização, faz-se necessária a definição do período a ser
considerado, ou seja, o total de meses da amostra. Os dados
necessários para construção da curva de envelhecimento da fatura
deverão ser coletados junto ao prestador de serviços.
104
Capítulo VII. O TRATAMENTO DAS OUTRAS RECEITAS
1. Objetivo
Apresentar a proposta de abordagem metodológica para o
tratamento regulatório relativo às outras receitas auferidas pelo
prestador de serviços a ser adotada nos processos periódicos de
revisão tarifária dos serviços públicos de abastecimento de água e
esgotamento sanitário sob regulação da Agência Reguladora de
Serviços de Abastecimento e Esgotamento Sanitário de Minas
Gerais – ARSAE-MG.
2. As opções para o tratamento regulatório das outras
receitas
As outras receitas são aquelas provenientes de atividades que não
se refiram diretamente à prestação direta dos serviços públicos
concedidos, Conceitualmente, entretanto, tais atividades guardam
algum tipo de correlação com os serviços objeto de concessão.
O tratamento regulatório das outras receitas é necessário porque,
embora não diretamente ligadas ao objeto da concessão, elas são
fruto da posição privilegiada que o prestador de serviços ocupa no
mercado específico em função da exploração dos serviços
concedidos. No quadro, alguns fatos são, logo, relevantes: i) há
105
uma vantagem competitiva em relação a outros agentes
econômicos, ii) a utilização da mesma infraestrutura destinada à
prestação dos serviços regulados; iii) a percepção dos usuários46 e
iv) os preços de tais serviços não são regulados.
Existem duas opções para o tratamento das outras receitas. A
primeira é não permitir ao prestador dos serviços o
desenvolvimento de tais atividades, dado o alto potencial de abuso
de poder dominante e prejuízo à concorrência e aos usuários, em
consonância com a legislação brasileira de defesa da ordem
econômica47.
A segunda opção é permitir ao prestador de serviços o exercício
das atividades que dão origem às outras receitas, mas, ao mesmo
tempo, conferir-lhes um tratamento regulatório. O objetivo e o
sentido da permissão é que as outras receitas contribuam para a
modicidade tarifária.
No enfoque permissivo, o desenvolvimento de atividades
complementares ou adicionais (ACA) pelo prestador de serviços
públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário
46
Como o prestador de serviços faz a vistoria das obras realizadas pelo solicitante, se ele as executa
estão garantidas a aprovação e a maior rapidez na conexão aos sistemas públicos de água e esgoto.
47 Lei 8.078/1990, que dispões sobre a proteção ao consumidor e Lei 8.884/1994, que trata da
prevenção e da repressão às infrações da ordem econômica.
106
envolve a reversão parcial das outras receitas para a redução da
receita requerida para a prestação dos serviços e, em decorrência,
das tarifas48.
3. O tratamento regulatório sugerido
Em primeiro lugar, é necessário identificar quais dentre as outras
receitas serão deduzidas do montante da receita requerida. Do
ponto de vista regulatório, a ênfase deve ser dada àquelas que
apresentam maior relação com os serviços objeto de concessão.
Assim sendo, as ACA é que serão o foco da regulação.
A tarefa inicial será, pois, definir o espectro das ACA, o que parece
simples, no atual momento, já que os prestadores concentram
suas atividades geradoras de outras receitas em serviços de clara
obviedade, mas a evolução da capacidade gerencial pode levar ao
surgimento de novas opções49.
Outra tarefa será definir a metodologia para calcular as outras
receitas líquidas dos custos dos serviços. Importante ressaltar que
48 O artigo 11 da Lei nº 8.897/95 dispõe: “no atendimento às peculiaridades de cada serviço público,
poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital da licitação, a possibilidade
de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos
associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observando o
disposto no art. 17 desta Lei.”
49 Um exemplo é como, do ponto de vista regulatório, incorporar os benefícios oriundos da geração de
energia elétrica através do aproveitamento de gases oriundos do tratamento de esgotos.
107
essa necessidade impõe uma dificuldade relacionada a como
separar custos que são, ao mesmo tempo, referentes a serviços
regulados e a serviços não regulados e que dão suporte à geração
das outras receitas.
A terceira tarefa destinar-se-á a definir um enfoque metodológico
simples, claro, transparente e não invasivo, que permita a
continuidade da execução das ACA, mas que permita que o
prestador de serviços planeje sua atuação.
Uma certeza, entretanto, existe, do ponto de vista regulatório: sob
nenhuma circunstância, a qualidade dos serviços regulados pode
ser afetada negativamente, como conseqüência de uma
preferência pela realização de uma ACA.
Ademais, o prestador de serviços deverá realizar de forma
separada a contabilização das ACA, de forma que a regulação
possa verificar os ganhos de cada atividade que desenvolva.
Finalmente, para coadunar-se com uma regulação por incentivos,
restaria definir a repartição dos ganhos: que parcela seria retida
pelo prestador de serviços e quais seriam destinados à modicidade
tarifária. A distribuição teria como objetivo incentivar o prestador a
buscar o desenvolvimento de tais atividades, pois caso os ganhos
108
fossem deduzidos integralmente da receita requerida, não haveria
incentivo para a concessionária desenvolver tais atividades e, por
conseqüência, não seriam gerados benefícios aos usuários50.
50
Tal entendimento é, também, defendido pelo Tribunal de Contas da União, conforme Acórdão nº
393/2002, que coloca que:“se a obtenção dessas acessórias não trouxer nenhum ganho para as
concessionárias e, portanto, não for buscada no mercado, conseqüentemente não haverá redução na
tarifa (...), isto é, estará sendo inibida uma fonte de recursos que tornaria possível a redução das
tarifas”.
109
Capítulo VIII. O MERCADO
1. Objetivo
Apresentar a sugestão de metodologia a ser adotada, nos
processos de revisão tarifária, para a projeção dos volumes de
água supridos e de esgoto coletados, a ser utilizada pela Agência
Reguladora dos Serviços de Abastecimento de Água e
Esgotamento Sanitário de Minas Gerais (ARSAE-MG).
2. A importância do mercado para a regulação econômica
O mercado é mais uma variável de grande importância nos
processos de revisão tarifária, pois influi decisivamente na
determinação da receita dos prestadores de serviços e esta é fruto
da multiplicação dos volumes de água e esgoto pela tarifa média.
O mercado é utilizado tanto no cálculo das tarifas do ano base,
através do reposicionamento tarifário, quanto para a definição das
receitas dos anos seguintes e será utilizado como variável-chave
para a determinação da produtividade absoluta, a qual terá
impacto nas tarifas.
110
3. As projeções do mercado
Para a realização das projeções, os prestadores de serviços
enviarão à ARSAE-MG informações históricas e suas expectativas
para o número de unidades usuárias, segregadas por tipo (água e
esgoto) e fundamentadas. A agência reguladora avaliará as
projeções enviadas pela concessionária, se estas são consistentes
com os dados históricos apresentados.
A agência reguladora, por sua vez, com base nos dados históricos,
também realizará projeções do mercado de água e esgoto, por
meio de modelos econométricos51 e as comparará com as
enviadas pelo prestador de serviços.
Finalmente, a entidade reguladora adotará as projeções de
mercado que entender mais adequadas e consistentes e poderá,
portanto, validar ou não as apresentadas pelo prestador de
serviços.
51
Os modelos a serem adotados serão submetidos a processo de audiência pública.
111
Capítulo IX. O PROCESSO DE REVISÃO TARIFÁRIA
1. Objetivo
O objetivo deste tópico é apresentar a proposta de metodologia a
ser utilizada nos processos de revisão tarifária dos prestadores de
serviços pela Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento
de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais-
ARSAE - MG.
2. A revisão tarifária
A ARSAE-MG promoverá, em anos determinados, uma revisão
tarifária, seguida de uma série de reajustes anuais até que seja
realizado um novo reposicionamento das tarifas. A revisão tem o
intuito de fixar uma receita para fazer face à totalidade dos custos
do prestador de serviços, tendo em vista critérios de eficiência e
produtividade e as características e o volume de uso dos serviços
de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.
Alguns conceitos são importantes para o entendimento da revisão
tarifária. Primeiramente, tem-se o conceito de ano base, que
compreende um período de 12 meses em que vigorarão as tarifas
que darão origem à receita oriunda do reposicionamento tarifário.
112
Serão construídas duas receitas para o ano base: a corrente e a
revisada. A receita corrente é aquela resultante da aplicação das
tarifas vigentes para o prestador de serviços. A receita revisada é
obtida pela soma dos custos operacionais e da remuneração do
investimento relativos ao ano base. Ambas as receitas se referem
ao volume de serviços a serem prestados no ano base.
A receita revisada corresponde, pois, à receita necessária para
acobertar os custos operacionais eficientes e a remuneração sobre
os ativos do prestador de serviços. Os custos e os ativos são os
definidos para a empresa de referência.
2.1. Detalhamento do cálculo da receita revisada
A receita revisada (RR) é obtida através da soma das despesas
administráveis e das despesas não administráveis52. As despesas
administráveis correspondem à soma dos custos operacionais
eficientes mais a remuneração adequada do capital53.
Dessa forma, tem-se que a receita revisada equivale a:
52 Utilizando para os custos a denominação adotada na Lei 18.309/2009.
53 As despesas não administráveis são aquelas que, em termos de preços, estão fora do controle do
prestador de serviços e, conforme a Lei 18.309/2009, são: energia elétrica, material de tratamento,
telecomunicação, combustíveis, lubrificantes, impostos e taxas.
113
Onde,
RR = receita revisada
DA = despesas administráveis
DN = despesas não administráveis
3. O reposicionamento tarifário
O reposicionamento tarifário é fruto dos custos operacionais, dos
ativos e da aplicação de uma taxa de remuneração - igual ao
WACC - definidos no curso do processo de revisão tarifária, e é
calculado pela divisão da receita revisada pela receita corrente.
Além disso, serão consideradas as outras receitas, já que uma
fração delas será utilizada para reduzir o montante da receita real
requerida, e as receitas irrecuperáveis54.
Para calcular o reposicionamento tarifário será utilizada, pois, a
seguinte equação:
sendo que: 54
Ambas foram objeto de tratamento específico em outra parte desta proposta.
114
RT = Reposicionamento tarifário
RR = Receita revisada
OR = Parcela das outras receitas utilizadas para a modicidade
tarifária
RC: Receita corrente
RI = Receitas irrecuperáveis.
115
Capítulo X. OS REAJUSTES TARIFÁRIOS ANUAIS
1. Objetivo
O objetivo deste capítulo é apresentar a fórmula regulatória que se
vislumbra para promover o reajuste anual das tarifas dos
prestadores de serviços regulados pela Agência Reguladora de
Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário
do Estado de Minas Gerais- ARSAE- MG.
2. A metodologia para o reajuste anual das tarifas
A regulação econômica que se pretende adotar tem como
característica incentivar a eficiência, a produtividade da empresa
prestadora dos serviços e a obtenção da modicidade tarifária para
os usuários. A regulação tarifária, fundada no estabelecimento de
um teto tarifário por ocasião das revisões periódicas, adota, no
período entre os reposicionamentos, uma metodologia para a
promoção dos reajustes anuais. Como se verá a seguir, a
metodologia considera a evolução dos custos operacionais, um
fator X - que contempla a produtividade e os investimentos
normais da concessão - e um fator Y, destinado a incentivar a
antecipação de metas de atendimento.
116
Em decorrência e inicialmente55, os reajustes tarifários anuais se
processam por meio da atualização, via aplicação da variação de
um índice de preços, das despesas administráveis, já que para as
despesas não administráveis há diretriz legal no sentido da
incorporação das variações individuais de custo de cada um.
Recorda-se que, no processo de construção dos tetos tarifários, é
obtida uma receita – denominada receita revisada -, que se iguala
às despesas operacionais adicionada da remuneração dos
investimentos. Posteriormente, a divisão da receita real pelo
volume dos serviços prestados indica a receita média, que é
idêntica à tarifa média. Para manter o nível tarifário no mesmo
patamar, em termos reais, é quem se corrige o seu valor
anualmente.
A expressão aritmética inicial do reajuste tarifário é:
Sendo que:
NT = Nova Tarifa
TA = Tarifa anterior
IVP = Índice de variação dos preços
55
O reajuste será modificado, posteriormente, em função da adoção de um fator de produtividade,
onde se incorporará o impacto dos investimentos em expansão, e dos investimentos derivados da
antecipação de metas de cobertura.
117
2.1. O fator X e seu cálculo
Uma característica marcante da regulação por incentivos é que ela
impõe uma separação entre as tarifas autorizadas e os custos
realizados pelo prestador de serviços. Desse divórcio provém um
estímulo56 para que o prestador de serviços regulado reduza seus
custos. Consequentemente, em uma regulação do tipo proposto, a
produtividade se eleva. Os lucros e os dividendos auferidos pelos
acionistas seguem a mesma trajetória da produtividade.
Logo, faz-se necessário que a regulação dote os usuários de um
dividendo derivado dos ganhos de produtividade. O dividendo do
usuário é auferido por via de uma redução das tarifas57. Em
princípio, a redução das tarifas deve refletir a estimativa do
crescimento induzido da produtividade do prestador de serviços
regulado em vista dos incentivos que a regulação introduziu.
O dividendo dos usuários em função dos ganhos provenientes da
melhoria na produtividade do prestador de serviços não deve ser
absoluto. Deve ser dimensionado tendo em vista a diferença entre
56
Em contraste, como já se frisou, a metodologia do custo do serviço, por reembolsar as despesas
realizadas pelo prestador de serviço, tem pouco efetividade no estímulo à redução de custos.
57 Nesse sentido, a regulação econômica reproduz as condições que vigoram em um mercado
competitivo, em que as empresas são compelidas a obter ganhos de produtividade e repassá-los aos
consumidores na forma de menores preços, situação em que devem ser descontados os incrementos
nos custos das matérias-primas que utiliza quando, para produzir mais, adquire maiores quantidades.
118
a produtividade alcançada na atividade regulada relativamente à
produtividade do conjunto da economia. Ou seja, ela é uma
produtividade relativa.
Quando adotada uma regulação baseada em tetos tarifários, as
tarifas, após reajustadas pela aplicação da variação de um índice
de preços são, em seguida, reduzidas por via da aplicação de um
redutor que reflete a produtividade relativa.
A expressão da fórmula regulatória passa a ser:
Sendo PR a produtividade relativa.
Os níveis tarifários são delimitados tendo em vista a variação dos
preços dos insumos (medida pela variação de um índice
específico) e a produtividade relativa.
Assim sendo, a produtividade relativa será unitária, quando a
empresa apresentar o mesmo nível de produtividade da economia,
maior que 1, se sua produtividade for maior que a da economia e
menor que 1, caso seja inferior, sempre que os incrementos de
preços do seus insumos for idêntico ao das outras empresas.
119
Em termos gerais, a produtividade relativa refletirá até onde: i) o
prestador de serviços regulado é capaz de aumentar sua
produtividade mais rapidamente que o padrão vigente na
economia, e; ii) os preços dos seus insumos crescem menos que
os daqueles utilizados por todas as empresas.
Duas questões se colocam no caso da aplicação da produtividade
relativa no contexto da regulação econômica de serviços de
abastecimento de água e de esgotamento sanitário. A primeira é
como avaliar o curso da produtividade do prestador de serviços
relativamente ao conjunto da economia. A segunda diz respeito à
evolução relativa dos custos dos seus insumos.
Ambas as questões são respondidas pela própria formulação e
pelo conteúdo da regulação econômica que se pretende adotar.
Quando se constrói a empresa de referência por ocasião das
revisões tarifárias, adotando as melhores práticas existentes no
mercado tanto para o dimensionamento do ativo quanto dos custos
operacionais, está-se adotando um padrão de desempenho ótimo
para o prestador dos serviços, ou seja, que reflete um patamar que
está na fronteira da tecnologia e da produtividade, a qual está
embutida, mas expressa na relação entre o volume dos serviços
prestados e os custos dimensionados. Em outros termos, a
120
produtividade relativa, tendo em vista o prestador de serviços
eficiente - expresso na empresa de referência - como padrão, é
igual a 158.
Do lado dos preços dos insumos, se a base de comparação é a
empresa de referência, as variações serão idênticas para a
empresa real. Ou seja, ela faz face aos mesmos preços que a
empresa de referência59.
A partir do ano base, qualquer aumento ou redução do volume dos
serviços prestados exprime um ganho ou uma perda relativamente
ao padrão de produtividade fixado no âmbito da empresa de
referência. Portanto, nos anos seguintes à revisão tarifária,
variações no volume dos serviços dão a exata dimensão de como
a produtividade absoluta60 está evoluindo, tendo em vista
despesas operacionais constantes, ou seja, a evolução relativa
dos custos dos insumos em face de uma planta produtiva que não
se modificou. Por seu turno, os incrementos no investimento
58
Ou seja, está-se tomando a empresa de referência como padrão de produtividade, em substituição
ao da economia como um todo.
59 Embora as quantidades dos insumos aumentem, o que exigirá que algumas das despesas
operacionais variem em linha com um determinado critério, o qual deverá, portanto, ser definido.
60 Preservando-se a possibilidade de a empresa auferir ganhos derivados de um desempenho superior,
em termos de produtividade relativamente à empresa de referência.
121
revelariam que, para atender a novos usuários, a planta necessitou
ser expandida.
Ambas as variáveis - volume dos serviços prestados e
investimento em novos ativos - são expressos monetariamente,
sendo, no caso do volume, via valor da receita adicional auferida.
Tais variáveis constituirão, então, o fator X61, cuja expressão
aritmética é:
No qual:
X = Fator X
RE = Receita adicional
INC = Investimento normal da concessão.
Para o dimensionamento do fator X, serão calculadas as receitas
esperadas para cada ano multiplicando-se a receita do ano
anterior pela expectativa das taxas de crescimento anuais para o
volume dos serviços prestados. As despesas não administráveis
serão mantidas fixas e somente serão consideradas as
61 Ao se adotar a sistemática, a forma da incidência do fator X deixa de ser pela via da divisão e torna-
se uma subtração de um valor à receita já corrigida por via da aplicação de um índice de preços sobre
a receita do ano anterior.
122
administráveis, à exceção do custo da inadimplência62. Contudo,
as receitas contemplam a parcela destinada a remunerar o
investimento.
O método consiste na construção de dois fluxos de caixa: um com
as receitas para cada ano, nas quais estará refletido o impacto do
crescimento do mercado, e outro com as despesas administráveis.
Ambos os fluxos serão descontados a uma taxa equivalente ao
WACC.
Em seguida, é possível encontrar o valor que iguala o valor
presente do fluxo de caixa das receitas com o das despesas. Mas,
veja-se: o método pressupõe que os ativos ao final do período
tarifário são iguais aos atuais, sendo necessário, portanto,
incorporar os investimentos.
Os investimentos normais da concessão serão considerados por
meio de um valor calculado pela aplicação de um fator de
recuperação de capital sobre os respectivos montantes. O fator de
recuperação de capital adotado terá como referência o WACC e o
número de anos em que se recuperará o capital investido.
62
Ou seja, a receita referente às despesas não administráveis e às receitas irrecuperáveis – conforme
razão explicitada no item específico- não sofrerão o impacto do fator X.
123
Os procedimentos anteriores permitem obter o fator X, isto é, a
soma da diferença que iguala o valor presente do fluxo de caixa
das receitas com o das despesas com o resultado da aplicação de
um fator de recuperação de capital sobre o montante dos
investimentos normais da concessão.
A fórmula regulatória para o reajuste tarifário, até o momento, tem
a seguinte configuração:
Sendo:
= Tarifa no período atual
= Tarifa do período anterior
IVP = Índice de variação de preços
X = Fator X dividido pelo mercado
2.2. O tratamento regulatório dos Investimentos em
expansão
Os investimentos constituem variável muito importante na
regulação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento
sanitário, pois eles garantem o aumento na eficiência da
124
prestação, a melhoria da qualidade, a expansão e, em última
instância, a melhoria das condições de vida da população das
áreas concedidas.
Em linha com a sua importância, os investimentos receberam
bastante atenção na Lei nº 11.445/2007, que estabelece diretrizes
nacionais para o saneamento básico. O parágrafo 2º do art.42
dispõe que “os investimentos realizados, os valores amortizados, a
depreciação e os respectivos saldos serão anualmente auditados e
certificados pela entidade reguladora”. Logo, o ente regulador
deverá escrutinar de maneira acurada os investimentos realizados
pelo prestador de serviços.
Além disso, os investimentos em expansão da prestação dos
serviços têm influência direta nas tarifas. Assim, o inciso III do
parágrafo 1º do artigo 29 da referida lei estabelece que “a
instituição de tarifas, preços públicos e taxas para os serviços de
saneamento básico observará as seguintes diretrizes, dentre
outras, a geração dos recursos necessários para realização dos
investimentos, objetivando o cumprimento das metas e objetivos
do serviço”.
Por outro lado, a realização de baixos níveis de investimento ou a
falta de recursos para investir compromete a qualidade do serviço,
125
torna obsoletos os ativos da concessão e inviabilizam o
atendimento a novas áreas e populações, dentre outros
inconvenientes. Torna-se, pois, necessário que a agência
reguladora realize uma avaliação dos investimentos futuros do
prestador de serviços, a fim de que os investimentos sejam
considerados no cálculo das tarifas63. Os investimentos, conforme
a sua natureza, serão incorporados às tarifas de diferentes formas.
Os investimentos da concessionária são de dois tipos: para a
renovação e para a construção de novos ativos, estes últimos
destinados à expansão do atendimento. O primeiro tipo visa à
substituição de ativos obsoletos ou desgastados. Este tipo está
incluído na taxa de remuneração, pois nela está incluída a
recuperação do investimento realizado, ou seja, no fator de
recuperação do capital estão incorporados o retorno do capital
investido (ou a depreciação dos ativos) e uma taxa de
rentabilidade.
Resta, portanto, dar tratamento regulatório ao segundo tipo de
investimentos. Estes podem ser divididos em “investimentos
63
Portanto, o regulador solicitará ao prestador de serviços um relatório dos investimentos anuais
previstos nos sistemas de água e esgotamento sanitário, contendo dados sobre a destinação (coleta de
esgoto, tratamento de esgoto, disposição final, tratamento de água etc.) localização, população
atendida, custos a serem incorridos, data de conclusão das obras e previsão de desembolsos anuais.
126
decorrentes da evolução normal da concessão” e “investimentos
para a expansão”.
Os investimentos decorrentes da evolução normal da concessão
decorrem de:
a) atendimento ao crescimento histórico do uso e do número de
usuários e que resultam numa maior densidade no uso das
redes de abastecimento de água e de esgotamento sanitário;
b) destinados a cumprir os níveis de qualidade estabelecidos
em regulação específica.
Os investimentos decorrentes da evolução normal da concessão
são destinados a atender o crescimento vegetativo da população e
o crescimento do número de usuários em áreas já atendidas. Os
investimentos decorrentes da evolução normal da concessão estão
incluídos no cálculo do fluxo de caixa que conforma o fator X.
Os investimentos em expansão, como o próprio nome diz, não
decorrem da evolução normal da concessão. Referem-se a
programas de atendimento a novos bairros ou cidades ainda não
atendidas ou de melhoria da qualidade dos serviços e
correspondem a investimentos expressivos. Este tipo de
investimento gera grande impacto nas tarifas e é fortemente
127
afetado por políticas públicas e por decisões do poder concedente.
Assim, não constituem uma decisão exclusiva e discricionária do
prestador de serviços.
Assim sendo, o regulador requererá do prestador de serviços a
elaboração e o envio de seus programas de expansão e de
melhoria da qualidade relativos a dez anos, por serviço (água e
esgoto) e por destinação (produção, distribuição, coleta e
disposição final), discriminando localização, população atendida,
custos e duração.
Em relação aos investimentos em expansão, a concessionária
avaliará a necessidade, ou seja, se ele está em conformidade com
as exigências do contrato de concessão e da regulação, e a
imprescindibilidade para a melhoria da qualidade e/ou atendimento
da prestação dos serviços.
Uma vez de posse das informações sobre os investimentos a
serem realizados, a entidade reguladora examinará a sua
necessidade e se ele está em conformidade com as exigências
constantes dos contratos de concessão. Atendidos tais critérios,
serão avaliados os quesitos técnicos e econômicos do
investimento. Se forem aprovados, os investimentos serão
incluídos como uma adição nos reajustes tarifários anuais.
128
Comprovada a necessidade, a agência reguladora procederá à
avaliação técnica e econômica dos investimentos. Depois, se os
investimentos forem considerados adequados do ponto de vista
técnico, seus impactos tarifários serão avaliados. Caso os
investimentos tenham impacto sobre as tarifas que comprometam
a modicidade tarifária, o prestador de serviços será avisado para
que possa conseguir recursos não onerosos que os viabilizem.
Vale notar que os investimentos serão considerados na tarifa à
medida que forem sendo postos em operação, de forma que os
usuários não arquem com empreendimentos que ainda não foram
concluídos. Para tanto, a agência reguladora fiscalizará a
execução física e financeira dos projetos de investimentos em
expansão, a fim de assegurar que estes estejam sendo
prudentemente realizados64.
Resta fixar como a recuperação dos investimentos em expansão
será tratada nos reajustes tarifários anuais. Para incorporar os
investimentos existem duas opções: i) a aplicação do fator de
recuperação de capital65 ou ii) a consideração do serviço da dívida
64
Em consonância com o previsto no artigo 42 da Lei 11.445.
65 O fator de recuperação de capital será calculado com base no WACC e o prazo de duração dos
ativos, estabelecido pelo regulador.
129
dos empréstimos ou financiamentos contratados para a realização
das inversões.
Em consonância com o Capítulo II, em que se teceram
considerações sobre a importância da participação do capital
próprio no setor, a opção é pela aplicação do fator de recuperação
do capital.
Logo, a fórmula regulatória terá a seguinte composição:
onde:
E = valor anual do investimento em expansão dividido pelo
mercado.
2.3. O tratamento da antecipação das metas de expansão
A regulação por incentivos tem o intuito de estimular a melhoria da
prestação dos serviços de abastecimento de água e de
esgotamento sanitário em termos de produtividade e da expansão
da sua provisão.
Para estimular os prestadores de serviços a promover uma
expansão mais rápida dos serviços, sugere-se a introdução de um
130
mecanismo que incentive a aceleração dos investimentos. Dá-se
ao mecanismo a denominação de fator Y.
A essência do fator Y é a concessão de um prêmio ao prestador
de serviços quando suplantar a metas de expansão, por via da
antecipação de investimentos. O fator Y está em consonância com
o artigo 38 da Lei 11.445, que trata das revisões tarifárias66.
O fator Y será calculado à semelhança dos investimentos em
expansão e resultará na adição à receita corrigida de um valor que
traduza anualmente a recuperação do respectivo desembolso
monetário efetuados. O fator de recuperação será estabelecido
dentre uma das seguintes formas: uma taxa de rentabilidade maior
que o WACC ou um prazo menor para o retorno do investimento.
A fórmula regulatória, após, a incorporação do fator Y será:
onde:
Y = valor anual do investimento antecipado dividido pelo mercado.
O fator Y constitui-se em um incentivo para o prestador antecipar
as metas de investimento e assim avançar no sentido da 66 O parágrafo 2º do artigo 38 fixa que “poderão ser estabelecidos mecanismos tarifários de indução à eficiência, inclusive fatores de produtividade, assim como de antecipação de metas de expansão e qualidade dos serviços.
131
universalização do acesso aos serviços de abastecimento de água
e esgotamento sanitário.
A antecipação da expansão beneficia a concessionária, mas,
também, os potenciais usuários e tem, logo, impacto social
relevante, pois resultará na aceleração da cobertura dos serviços.
3. O método de aplicação da fórmula regulatória
A receita média do ano base, que sofrerá a influência da
produtividade e dos investimentos em expansão dos serviços, é,
como se viu anteriormente, obtida pela divisão das despesas
administráveis pelo volume dos serviços prestados. A receita
média ou tarifa média referente às despesas administráveis, já que
ambas se igualam, tem o intuito de garantir o equilíbrio econômico-
financeiro da concessão e é, portanto, igual a:
Onde:
= Tarifa média referente às despesas administráveis para o ano
base
132
DA = Despesas administráveis definidas o para o primeiro ano do
período regulatório
M = Volume de serviços projetado para o primeiro ano do período
regulatório
Para cada ano posterior, a equação que iguala a tarifa média com
a despesa administrável média é:
Onde:
= Mercado projetado para o ano
= Tarifa média das despesas administráveis para o ano base
= Valor presente da receita advinda da produtividade dividido
pelo mercado
i = Ano do ciclo tarifário
Custos com capital para o ano i
= Custos com despesas operacionais para o ano i
g = Taxa de remuneração regulatória após os impostos
133
Em seguida, é necessário, para obter a tarifa média a vigorar no
ano seguinte, adicionar o valor da expansão e da antecipação de
metas, ou seja, o fator Y. Tem-se, então:
Onde
= Tarifa média do ano base
IVP = Índice de variação de preço
E = valor anual dos investimentos em expansão dividido pelo
mercado
Y = valor anual dos investimentos em antecipação de metas
expansão dividido pelo mercado
4. A fórmula regulatória
O índice de reajuste tarifário é obtido, então, da seguinte forma67:
onde:
67
RA0 – DN0 corresponde ao valor da remuneração do investimentos e das despesas administráveis.
134
IRT = Índice de reajuste tarifário
RA0 = Receita anual (calculada através das receitas provenientes
das tarifas aprovadas na data de referência anterior,
considerando o mercado projetado)
DN0 = Despesas não administráveis na data de referência anterior,
considerando o mercado projetado
ia = Índice de reajuste das despesas não administráveis
IVP = Índice de reajuste das despesas administráveis
X = Fator X dividido pelo mercado
E = Valor anual dos investimentos em expansão dividido pelo
mercado
Y = Valor anual dos investimentos em antecipação de metas
expansão dividido pelo mercado.
O reajuste das despesas não administráveis68 será processado
através do uso de indicações das variações anuais futuras dos
itens que a compõem. A fonte para tais variações serão as
estimativas do Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco
Central do Brasil.
68
Como a regulação fixa tarifas para um período futuro, há necessidade de se estimar a variação das
despesas não administráveis, embora a essência da legislação seja o repasse de níveis efetivamente
verificados,
135
O índice de preços que será utilizado para reajustar as despesas
administráveis será o Índice de Preços ao Consumidor Amplo,
calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).
5. Considerações finais sobre a metodologia a ser adotada
O fator X, em sua formulação baseada nos ganhos de receita
oriundos das variações do volume dos serviços prestados e na
incorporação dos investimentos realizados, é calculado em cada
revisão tarifária e promove uma modificação nas despesas
administráveis do prestador de serviços após a promoção de o
reajustamento pela variação do índice de preços.
Vale salientar que parcela do fator X que reflete um crescimento
do mercado pode ser negativa, situação decorrente de uma queda
na provisão dos serviços. Neste caso, haverá um aumento nas
despesas administráveis superior ao índice inflacionário.
A incorporação do fator Y só será efetivada quando ocorrer
antecipação das metas de expansão. Quando a antecipação não
se verificar ter-se-á nas tarifas apenas os impactos da inflação, do
fator X e dos investimentos em expansão.