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Agravo de Instrumento n. 2011.024143-5 e Apelação Cível n. 2011.027498-4, da comarca da Capital Relator: Des. Luiz Fernando Boller APELAÇÃO CÍVEL COM PEDIDO DE ANÁLISE PRELIMINAR DE AGRAVO RETIDO E AGRAVO DE INSTRUMENTO, AMBOS EM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C. ANULAÇÃO/RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL E ALIMENTOS. (1) - DO AGRAVO RETIDO - INTENÇÃO DO REQUERIDO EM VER DECLARADA A IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE INVESTIGAÇÃO FORMULADO PELA PARTE AUTORA, JUSTIFICANDO A EXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO ANOTADA NO REGISTRO CIVIL - DIREITO PERSONALÍSSIMO, INDISPONÍVEL E IMPRESCRITÍVEL À OBTENÇÃO DA VERDADE QUANTO À ORIGEM GENÉTICA, O QUAL ENCONTRA AMPARO, IGUALMENTE, NO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO EVIDENCIADOS - INSURGÊNCIA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (2) - DA APELAÇÃO - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL DOS PEDIDOS, QUE DECLAROU O ESTADO DE FILIAÇÃO, DETERMINANDO A RETIFICAÇÃO DO REGISTRO DE NASCIMENTO, CONDENANDO O RÉU AO PAGAMENTO DE ALIMENTOS ATÉ A CONCLUSÃO DO CURSO SUPERIOR PELA REQUERENTE - RECURSO QUE APONTA A INSUFICIÊNCIA DE ELEMENTOS SEGUROS, COM FORÇA PARA DEMONSTRAR O VÍNCULO SANGÜÍNEO - FATO SUFICIENTEMENTE COMPROVADO ATRAVÉS DA REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL (EXAME DE DNA), QUE FOI, INCLUSIVE, REPETIDA, PARA MELHOR APURAÇÃO DA VERDADE REAL, ALÉM DOS

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Agravo de Instrumento n. 2011.024143-5 e Apelação Cível n. 2011.027498-4, da comarca da Capital Relator: Des. Luiz Fernando Boller

APELAÇÃO CÍVEL COM PEDIDO DE ANÁLISE PRELIMINAR DE AGRAVO RETIDO E AGRAVO DE INSTRUMENTO, AMBOS EM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C. ANULAÇÃO/RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL E ALIMENTOS.

(1) - DO AGRAVO RETIDO - INTENÇÃO DO REQUERIDO EM VER DECLARADA A IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE INVESTIGAÇÃO FORMULADO PELA PARTE AUTORA, JUSTIFICANDO A EXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO ANOTADA NO REGISTRO CIVIL - DIREITO PERSONALÍSSIMO, INDISPONÍVEL E IMPRESCRITÍVEL À OBTENÇÃO DA VERDADE QUANTO À ORIGEM GENÉTICA, O QUAL ENCONTRA AMPARO, IGUALMENTE, NO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO EVIDENCIADOS - INSURGÊNCIA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

(2) - DA APELAÇÃO - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL DOS PEDIDOS, QUE DECLAROU O ESTADO DE FILIAÇÃO, DETERMINANDO A RETIFICAÇÃO DO REGISTRO DE NASCIMENTO, CONDENANDO O RÉU AO PAGAMENTO DE ALIMENTOS ATÉ A CONCLUSÃO DO CURSO SUPERIOR PELA REQUERENTE - RECURSO QUE APONTA A INSUFICIÊNCIA DE ELEMENTOS SEGUROS, COM FORÇA PARA DEMONSTRAR O VÍNCULO SANGÜÍNEO - FATO SUFICIENTEMENTE COMPROVADO ATRAVÉS DA REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL (EXAME DE DNA), QUE FOI, INCLUSIVE, REPETIDA, PARA MELHOR APURAÇÃO DA VERDADE REAL, ALÉM DOS DEPOIMENTOS COLHIDOS EM AUDIÊNCIA E OUTROS DOCUMENTOS, TUDO REVELANDO QUE O DEMANDADO É, DE FATO, PAI BIOLÓGICO DA POSTULANTE - FORTE VÍNCULO DE AFETIVIDADE ENTRE ESTA E O PAI REGISTRAL, CONTUDO, A CARACTERIZAR SITUAÇÃO DE PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA, HAVENDO, ATÉ MESMO, MANIFESTAÇÃO EXPRESSA POR PARTE

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DESSES DOIS INDIVÍDUOS, NO SENTIDO DE QUE CONTINUARÃO A SE RECONHECER COMO PAI E FILHA INDEPENDENTEMENTE DO RESULTADO DO PROCESSO JUDICIAL - ESTADO DE FILIAÇÃO PREEXISTENTE QUE IMPEDE O RECONHECIMENTO DAQUELE RECLAMADO EM RELAÇÃO AO REQUERIDO/APELANTE - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO, NESTE PONTO, QUE ORIENTA PARA A MESMA SOLUÇÃO QUANTO À ALTERAÇÃO DO REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO E CONDENAÇÃO DO RECORRENTE AO PAGAMENTO DE ALIMENTOS EM FAVOR DA AUTORA - PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO, COM A MANUTENÇÃO DA SENTENÇA APENAS NO QUE TANGE À DECLARAÇÃO DA ORIGEM BIOLÓGICA DA POSTULANTE.

Se os elementos de convicção constantes dos autos não evidenciam o suposto vício de consentimento por erro quanto ao reconhecimento da paternidade, estando demonstrado, ademais, que tal ato se fez seguir e acompanhar de afetividade verdadeira, mantida a posse do estado de filho desde o nascimento da registrada, e que, passadas quase 3 (três) décadas, todos os indicativos existentes apontam para a irreversibilidade dessa situação, deve prevalecer a paternidade sócio-afetiva, baseada na convivência duradoura, no cultivo do afeto e na plena assistência, elementos que melhor identificam uma relação parental entre pais e filhos do que o mero vínculo genético.

O estado de filiação, em hipóteses tais, já se estabeleceu previamente em relação ao pai afetivo e, portanto, não deverá ser reconhecido em sede de ação investigatória proposta pelo filho contra o suposto pai biológico.

Na espécie, ainda, a flagrante rejeição e desinteresse do requerido em se relacionar com a autora mostra que o atendimento da pretensão por ela deduzida, neste particular, apenas poderia lhe conferir benefícios de ordem material, visto que, a prestação de amor, carinho e afeto, esta não se pode impor àquele que, pela vontade própria, a recusa.

(3) - DO AGRAVO DE INSTRUMENTO - DECISÃO QUE RECEBEU A APELAÇÃO APENAS NO EFEITO DEVOLUTIVO - INSURGÊNCIA INTERPOSTA A DESTEMPO - RECLAMO PREJUDICADO, ADEMAIS, PELO JULGAMENTO SIMULTÂNEO DO APELO, CUJOS EFEITOS DO RECEBIMENTO O AGRAVANTE/APELANTE VISAVA DISCUTIR - AUSÊNCIA SUPERVENIENTE DE

Gabinete Des. Luiz Fernando Boller

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INTERESSE PROCESSUAL - EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO RECURSAL QUE SE IMPÕE POR FORÇA DO ART. 557, CAPUT, DO CPC.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2011.024143-5, da comarca da Capital (2ª Vara da Família), em que é agravante _______, e agravada _______ e de Apelação Cível n. 2011.027498-4, da comarca da Capital (2ª Vara da Família), em que é apelante _______, e apelada _______

A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, nãoconhecer do agravo de instrumento n. 2011.024143-5; no tocante à apelaçãocível 2011.027498-4, por votação unânime, conhecer dos recursos e negarprovimento ao agravo retido; por fim, por maioria de votos, dar parcial provimentoao apelo, vencido o Exmo. Des. Eládio Rocha que negava-lhe provimento.Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Eládio Torret Rocha, com voto vencido, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Substituto Ronaldo Moritz Martins da Silva. Funcionou como Representante do Ministério Público, o Excelentíssimo Senhor Doutor Mário Gemin.

Florianópolis, 22 de setembro de 2011.

Luiz Fernando BollerRELATOR

Gabinete Des. Luiz Fernando Boller

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RELATÓRIO

Da Apelação:

Cuida-se de apelação cível interposta por _______, contra sentença

prolatada pelo juízo da 2ª Vara da Família da comarca da Capital, que nos autos

da ação de Investigação/negatória de Paternidade/maternidade c/c.

Anulação/Retificação de Registro Civil e Alimentos nº 023.03.060121-8, ajuizada

por _______ contra o ora recorrente, tendo como litisconsorte passivo necessário

_______, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na exordial,

declarando a paternidade do requerido em relação à autora, determinando a

retificação de seu registro civil de nascimento, com a inclusão dos dados de

_______ como genitor e dos pais deste como avós paternos, condenando o

demandado a lhe prestar alimentos no quantum mensal correspondente a 4

(quatro) salários mínimos, desde a citação até que _______ conclua o curso

universitário iniciado, salvo interrupção voluntária, deixando de acolher, apenas,

requerimento para condenação do réu ao pagamento de despesas originadas

antes da deflagração do processo, que a postulante disse relacionarem-se a

compromissos por ele assumidos para auxiliar em sua educação e demais

necessidades, mas que, depois, não teriam sido cumpridos (fls. 639/647).

Malcontente, o apelante postula, preliminarmente, o conhecimento e

provimento do agravo retido de fls. 163/170, para que seja reconhecida e

declarada a carência de ação por impossibilidade jurídica do pedido quanto ao

propósito de investigação da paternidade e seus consectários legais, referentes

ao estado de filiação e direito a alimentos, justificando que a autora teve sua

filiação reconhecida no registro civil pelo marido de sua genitora à época do

nascimento, situação que, ademais, teria se consolidado com a formação de

vínculos afetivos entre eles, devendo assim prevalecer sobre eventual

paternidade biológica, pelo que entende e reclama pela extinção do processo

sem resolução do mérito.

Gabinete Des. Luiz Fernando Boller

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Quanto ao apelo em si, sustenta o equívoco da decisão combatida,

reeditando a argumentação desenvolvida no agravo retido, destacando, inclusive,

a presunção legal que da convivência entre os cônjuges resulta quanto à

paternidade.

Nesse pensar, defende que, com fundamento no que estabelece a

respeito o art. 1.604 do Código Civil, não seria viável pleitear estado diverso

daquele que decorre do registro civil, sem provar que o documento respectivo

estaria eivado de erro ou falsidade.

Asseverou, de outro vértice, que as provas produzidas não são

capazes de levar à certeza quando a paternidade reclamada, aduzindo a

contradição entre os resultados dos exames de DNA realizados e a falta de

outros elementos a confirmar as alegações da postulante.

No mais, novamente chamou a atenção para a existência da

paternidade sócio-afetiva, a qual ressaltou ter ficado bem evidenciada nos autos

pelas próprias manifestações das partes em juízo, sendo que, além de _______ ter

sido tratada por anos como filha por _______ - tendo nele a figura de pai -,

estariam mantidos tais laços de afetividade, alegando que o interesse da autora

em obter o acolhimento da pretensão deduzida é de caráter eminentemente

patrimonial, tendo em vista a privilegiada condição econômico-financeira do

recorrente, de maneira que, na hipótese de procedência, esta deve ser parcial,

apenas para declarar a origem genética, sem quaisquer outras conseqüências,

seja o reconhecimento do estado de filiação ou a condenação ao pagamento de

alimentos.

Por fim, impugna a extensão da obrigação alimentícia até que a

demandante conclua curso de ensino superior, seja porque ela já é maior de 24

(vinte e quatro) anos, há anos convivendo em união estável, e também pelo fato

de não haver prova de que esteve estudando durante todo o período pretendido

para pagamento.

Com base em tais argumentos, bradou pela reforma do decisum

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combatido, para ver julgados totalmente improcedentes os pedidos formulados na

exordial do processo originário, ou, de forma alternativa e secundária, que seja

acolhida a pretensão apenas para o efeito de declarar a origem genética da

autora, sem quaisquer efeitos registrais e patrimoniais.

Caso assim também não seja entendido, conclama se limitem os

alimentos até a data em que _______ completou 24 (vinte e quatro) anos de idade,

ou, então, àquela a partir da qual estabeleceu regime de união estável com o

namorado, objetivando, como última hipótese, que o auxílio material seja devido

somente em relação aos períodos incontroversos, nos quais ela efetivamente

cursou a faculdade (fls. 657/682).

Recebido o recurso em seu efeito devolutivo (fls. 687/688), intimada,

a parte contrária apresentou contrarrazões (fls. 689/698), clamando pela

manutenção integral da sentença combatida.

Sobrevieram embargos de declaração contra a decisão que recebeu

o apelo apenas no efeito devolutivo, esta que foi então mantida pelo juízo a quo

(fl. 703).

Ascendendo a esta Corte, os autos foram encaminhados à

Procuradoria-Geral de Justiça que, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Mário

Gemin, opinou pelo parcial provimento do apelo, no sentido de declarar extinta a

obrigação alimentar a partir de quando _______ constituiu união estável.

Formalizou-se, então, juntada de petição - com cópia das

respectivas razões -, informando a interposição de agravo de instrumento contra

o decisum que recebeu a apelação apenas no efeito devolutivo (fls. 720/739),

cujo julgamento se dará agora, conjuntamente a esse último recurso.

Em seguida, os autos vieram-me às mãos, em razão de assento

nesta Quarta Câmara de Direito Civil.

Do Agravo de Instrumento:

Cuida-se de agravo de instrumento interposto por _______, contra

decisão prolatada pelo juízo da 2ª Vara da Família da comarca da Capital, que

Gabinete Des. Luiz Fernando Boller

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nos autos da ação de Investigação/negatória de Paternidade/maternidade c/c.

Anulação/Retificação de Registro Civil e Alimentos nº 023.03.060121-8 ajuizada

por _______ contra o ora recorrente, tendo como litisconsorte passivo necessário

_______, recebeu o recurso de apelação apresentado pelo agravante apenas no

efeito devolutivo, no respeitante aos alimentos (fl. 747).

Malcontente, sustenta, em síntese, que deve ser atribuído efeito

suspensivo ao apelo, também no que se refere à dita condenação, justificando

que a regra do art. 520, inc. II, do Código de Processo Civil, precisa ser

relativizada diante do que preconiza o art. 558 do aludido codex, destacando que,

no caso em tela, a alimentanda contava 19 (dezenove) anos de idade ao propor a

ação judicial, e já 27 (vinte e sete) na data da sentença, sendo que, além disso,

teria revelado em juízo que vive em união estável, o que igualmente afastaria a

obrigação do demandado de prestar-lhe auxílio material.

Com base em tais argumentos - e alegando risco de lesão diante da

irrepetibilidade da verba alimentar -, pugnou pela antecipação dos efeitos da

tutela recursal, a fim de ver concedida, de imediato, a medida denegada pelo

juízo a quo, requerendo, ainda, que ao final seja dado provimento ao recurso,

com a reforma da decisão combatida, em definitivo (fls. 02/20).

Às fls. 771/773 restou deferido o pedido de liminar no agravo, cujo

decisório foi mantido após a interposição de embargos declaratórios (fls.

786/787).

Intimada, a agravada apresentou contrarrazões (fls. 791/802),

defendendo o acerto do decisum recorrido.

Interposto agravo regimental por _______ (fls. 817/825), foi-lhe

negado seguimento (fls. 827/829).

Em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Mário Gemin, a Procuradoria-

Geral de Justiça opinou pelo não-conhecimento do recurso (fls. 835/836).

Ato contínuo, os autos vieram-me às mãos em razão de assento

Gabinete Des. Luiz Fernando Boller

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nesta Quarta Câmara de Direito Civil.

Este é o relatório.

VOTO

Considerando estarem reunidos os pressupostos de

admissibilidade, os recursos de agravo retido e apelação merecem ser

conhecidos, destacando-se que, no atinente ao agravo retido (fls. 163/170), foi

postulada a sua apreciação nas razões do apelo de acordo com a exigência

contida no art. 523 do Código de Processo Civil.

Quanto ao agravo de instrumento, por sua vez, a detida leitura dos

autos respectivos revela que não se deve admití-lo, solução que será melhor

explicitada ao final deste voto.

Impõe-se - por medida de organização e método -, a análise

individual das insurgências interpostas.

Do Agravo retido:

No que se refere a essa discussão preliminar, tenho para mim que

razão não assiste ao apelante em pretender a extinção da ação de

Investigação/negatória de Paternidade/maternidade c/c. Anulação/Retificação de

Registro Civil e Alimentos nº 023.03.060121-8, sem resolução do mérito, por

impossibilidade jurídica do pedido, visto que, independentemente de haver, ou

não, paternidade registral consolidada, é dado ao indivíduo conhecer a sua

origem genética, garantia que decorre da própria aplicação do princípio

constitucional fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da

Constituição Federal/88), constituindo direito personalíssimo, indisponível e

imprescritível, cuja utilidade, dentre outros desdobramentos, tem destaque no

que pertine à adoção de medidas de controle e prevenção da própria saúde do

postulante e de seus descendentes.

Gabinete Des. Luiz Fernando Boller

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As questões relativas ao estado de filiação e aos direitos que dele

decorrem - reclamados pela autora como efeitos da paternidade biológica que

pretende ver declarada -, serão tratadas quando do exame do recurso de

apelação, porquanto integram o próprio meritum causae, bastando que seja dito,

naquilo que possa interessar à admissibilidade da ação judicial em si, que

também o estado de filiação, em princípio, pode ser a qualquer tempo discutido.

Nesse particular, inclusive, pertinente a transcrição do texto do art.

27 do ECA-Estatuto da Criança e do Adolescente, de acordo com o qual, 'o

reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e

imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem

qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.'

O que ocorre é que, por vezes, o estado de filiação reclamado não

poderá ser reconhecido em favor do postulante, mesmo com a demonstração da

origem genética, isso em virtude da existência de um outro estado dessa mesma

natureza, cuja consolidação e demais características que o identificam, orientem

para a sua prevalência, com a manutenção da situação até ali vivenciada, e de

seus reflexos na órbita jurídica (paternidade civil originária da adoção regular ou,

então, do ato de registrar filho de outrem como próprio, desde que associado à

afetividade).

De outro vértice, pertinente salientar que, mesmo em se

considerando que há paternidade registral - como ocorre na espécie -, a sua

impugnação pelo filho deve respeitar o prazo de 4 (quatro) anos a partir da

maioridade (art. 1.614 do Código Civil de 2002).

Sob esta ótica, constato ter a ação sido deflagrada em 30/06/2003

(fl. 02 vº), quando _______ contava 19 (dezenove) anos de idade - nos termos da

Certidão de Nascimento de fl. 14 -, aproveitando-se da modificação trazida pela

nova lei civil, vigente a partir do mês de janeiro daquele ano, que reduziu a

maioridade, de 21 (vinte e um), para 18 (dezoito) anos.

Por tais razões, concluo deva ser o agravo retido desprovido,

Gabinete Des. Luiz Fernando Boller

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estando preenchidos os requisitos de admissibilidade da ação investigatória

como um todo.

Da Apelação:

No que diz respeito às provas produzidas, em seu conjunto, entendo

bastante evidenciado o vínculo sangüíneo existente entre os litigantes.

Com efeito, consta dos autos a realização do exame de DNA que,

inclusive, foi por duas vezes repetido, para melhor apuração da verdade real.

É certo que a primeira perícia resultou negativa (Laudo de fls.

239/242).

Contudo, o próprio laboratório - por sua responsável técnica -,

reconheceu ter havido erro na condução do respectivo procedimento, consoante

infere-se do teor dos documentos de fls. 346/347 e 461/462.

Cabe lembrar, igualmente, que o mesmo estabelecimento de

análises clínicas foi, depois, responsável pela realização do segundo exame de

DNA, que, como se deu quanto ao terceiro - sob a responsabilidade de

laboratório diverso -, confirmou a paternidade biológica com percentual de acerto

superior a 99,99% (noventa e nove vírgula noventa e nove por cento - fls.

358/361 e 450/451, respectivamente).

A força probante do exame de DNA vem, há muito, sendo declarada

pelos julgados da JC-Jurisprudência Catarinense, destacando-se, neste sentido,

os seguintes paradigmas:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA PARA REALIZAÇÃO DO EXAME DE DNA. LAUDO PERICIAL POSITIVO. PROVA INCONTESTÁVEL DA PATERNIDADE. DECLARAÇÃO JUDICIAL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CONFIGURADA. INSURGÊNCIA CONTRA O VALOR DA CAUSA. PRECLUSÃO. EXEGESE DO ART. 216, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO. CRITÉRIOS PARA O ARBITRAMENTO OBSERVADOS (CPC, ART. 20, § 4º). MANUTENÇÃO INTEGRAL DA SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO.

A conclusão positiva da prova pericial, representada por exame de DNA, autoriza o reconhecimento da paternidade investigada, quando o percentual de probabilidade do laço parental atinja marca igual ou superior a 99% e esteja ladeado por outros elementos de prova [...] (Apelação Cível nº 2006.017939-6,

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Page 11: Agravo de Instrumento n. 2011.024143-5 e Apelação Cível n

de Chapecó, rel.: Des. Luiz Carlos Freyesleben, j. 27/07/2009).Também:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM PEDIDO DE HERANÇA - REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA - CONCLUSÃO PERICIAL DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE DE 99% - PROVA HÁBIL A COMPROVAR A PATERNIDADE ENFOCADA - RECURSO DESPROVIDO.

"Em sede de investigação de paternidade, produzido laudo técnico para análise do DNA, em diligência, havendo conclusão pericial de probabilidade positivada de paternidade superior a 99,999%, não há dúvida da procedência do pedido, estribada em prova cientificamente hígida e irrefutável" (Apelação Cível n. 45.422, de Biguaçu, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, Quarta Câmara Civil, j. 14.3.96).

O exame do DNA constitui-se, atualmente, segundo a melhor doutrina e entendimento jurisprudencial dominante, na prova mais segura nas ações de investigação de paternidade, cujo resultado forma elemento de convicção definitivo para atribuição de paternidade (Apelação Cível nº 2001.002481-6, de Chapecó, rel.: Des. Mazoni Ferreira, j. 12/06/2003).

Tem-se, além disso, a prova produzida na audiência de instrução e

julgamento, realçando os depoimentos prestados pela autora/apelada, _______,

e por seu pai registral, _______, cujas declarações vão no mesmo sentido da

prova pericial.

Aliás, por _______ foi dito que

[...] na oportunidade da gravidez, havia efetivamente comentários de que a mãe da requerente mantinha alguma relação extra-conjugal. Que o depoente viaja muito a trabalho, mas como acreditava na sua ex-mulher, sempre deixou de lado os boatos. Que mesmo com a gravidez, nunca desconfiou de não ser o pai da criança. Que a requerente nasceu em São Paulo porque o depoente foi transferido, mas sua mulher continuou vindo com frequência à Florianópolis. Que não sabe dizer se depois do nascimento da requerente, sua ex-mulher e _______ continuaram a manter contato. Que o depoente somente tomou conhecimento do fato de não ser o pai biológico da requerente quando foi chamado por ela e por sua ex-mulher para uma conversa particular, isso há aproximadamente 3/4 anos (fl. 589, grifei).

Já do termo de depoimento de _______, extrai-se que

[...] há aproximadamente com 16 anos soube pela sua mãe, que na realidade, o requerido _______ era seu pai biológico. Que não conhecia até então o requerido _______. Que pouco tempo depois da notícia, a mãe da requerente intermediou um contato entre as partes. Que desde o início, o requerido _______ recebeu bem a requerente e jamais negou a paternidade imputada, tanto que sempre se mostrou aberto para os encontros e contatos por telefone mantidos pela requerente, ressaltando que a única restrição feita pelo mesmo seria de que o fato não fosse levado ao conhecimento da sua família.

Gabinete Des. Luiz Fernando Boller

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Que a requerente então fazia os contatos por meio da empresa do requerido e do celular pessoal do mesmo. Que os encontros anuais até a propositura da ação giravam em torno de 04. Que a requerente, na verdade, nasceu de uma relação extra-conjugal da sua mãe com o requerido _______ [...] Que chegou a ver as cartas que a mãe da requerente e _______ se correspondiam, isso antes do nascimento da requerente e durante a relação extra-conjugal que mantinham. Que a requerente possui essas cartas e segundo a sua mãe o próprio _______, o mesmo sabia da existência e da paternidade da requerente desde o seu nascimento. Que _______ falou para a requerente que antes mesmo do nascimento, a mãe da requerente decidiu se mudar para São Paulo com _______, daí acabaram perdendo contato, mas confirmando que já nessa época sabia da gravidez e de ser o pai biológico da requerente (fls. 590/591).

Se só isso não bastasse, existem no caderno processual outros

documentos e registros que consubstanciam indício da paternidade de _______

em relação à autora/apelada, dos quais destaca-se, o cartão-postal de fl. 13, e o

registro feito pelo Promotor de Justiça que atuou no processo em 1º Grau, no

sentido de que o resultado da primeira perícia causou surpresa mesmo nele que,

acompanhando o caso, pôde perceber que "a aparência e os traços físicos são

muito semelhantes entre a requerente e o reú _______" (fl. 631), o que, de fato,

parece fazer sentido ao se visualizar as fotografias nas cópias dos documentos

de identidade de _______ e _______ (fls. 454/455).

Gize-se que o próprio requerido acabou por admitir, em suas

manifestações, ter se relacionado com a genitora da demandante, justificando,

porém, o ocorrido, como um "rompante juvenil", embora já fosse casado à época,

contando mais de 30 (trinta) anos de idade ! (Certidão de fl. 111).

Logo - ao contrário do que tenta convencer o apelante -, encontra-

se suficientemente provada a origem genética, nos termos das alegações

desenvolvidas pela autora/apelada ao pleitear a respectiva investigação, cuja

declaração, desse modo, se deu com todo o acerto pelo juízo a quo.

Passando ao estado de filiação, necessárias breves considerações

sobre o histórico do caso, aliadas ao exame dos elementos de convicção

constantes do processo, a fim que, em seguida, seja registrada a solução neste

tópico.

De acordo com o que revela o caderno processual, a demandante,

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ao nascer, foi registrada como filha de _______ (fl. 14) que, à época, era marido

de sua genitora, _______ (Certidão de Casamento de fl. 227).

Embora dos depoimentos já referidos - e parcialmente suso

transcritos -, conste que _______ só ficou sabendo da verdade acerca da

paternidade de _______ depois de tal fato ter sido revelado a ele pela própria

genitora, não se deve perder de vista que ele reconheceu, expressamente, que

quando da gravidez eram feitos comentários no sentido de que ______________

mantinha relação extra-conjugal, tendo argumentado que viajava muito a

trabalho, mas que sempre acreditou na fidelidade da mulher, não desconfiando

que não seria o pai da criança.

Disto evidencia-se que haviam, sim, motivos para que _______

duvidasse da paternidade de _______, tendo optado, apesar disso, por não dar

crédito à fala de terceiros.

Ademais, outra circunstância chama a atenção: na exordial, ao

relatar os fatos, a autora asseverou que, por ocasião de seu nascimento, sua

genitora era casada com _______, que, "num gesto nobre registrou a filha da

companheira como sua filha" (fl. 03).

Como é possível perceber, não há evidências seguras de que o

reconhecimento tenha se dado com vício de consentimento, eivado de erro

quanto à verdade dos fatos, o que, supostamente, seria capaz de legitimar o

desfazimento do vínculo parental.

Importante destacar, de outra banda, que a paternidade registral se

fez seguir e acompanhar de afetividade verdadeira, tendo ficado caracterizada a

posse do estado de filho durante muitos anos, nos quais, ambos, _______ e

_______, sempre se trataram e agiram como pai e filha.

Esta situação, aliás, parece não ter sido alterada com a separação

do casal _______ e _______, e nem mesmo com a propositura da ação da qual

deriva o presente apelo.

Prova disso é que, após a cessação da convivência entre a genitora

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e seu pai registral, _______ continuou a se relacionar com _______, franqueada

a convivência através do regime de visitação, dele recebendo assistência

emocional e material.

E mais: mesmo após a revelação por parte de _______ sobre a

origem biológica da filha, resistiram os laços de afetividade entre _______ e

_______, os quais claramente seguem reconhecendo-se como pai e filha, o que

declararam, sem titubear, ao serem questionados acerca dos fatos na audiência

de instrução e julgamento, assim como disseram, inclusive, que esse sentimento

mútuo não mudará mesmo na hipótese de vir a ser acolhida a pretensão

deduzida em juízo.

Nesse sentido, por sua pertinência, se faz indispensável a

transcrição das declarações prestadas neste particular.

Colhe-se do depoimento de _______:

Que se separou da mãe da requerente quando a mesma possuía 5 anos de idade, mas mesmo assim sempre mantiveram contato e o depoente sempre a tratou como filha, repassando-lhe todos os cuidados e carinhos inerentes à paternidade. Que realmente foi surpreendido pela notícia e mesmo assim continuou considerando a requerente como se fosse sua filha biológica. Que a requerente mantém bom relacionamento com o outro filho do depoente, sendo que se tratam como irmãos. Que não chegou a conversar com a requerente e a mãe dela sobre a propositura dessa ação. Que ainda que a ação, caso julgada procedente não venha a alterar o significado que a requerente possui na vida do depoente, o mesmo concorda e considera como justa a reivindicação da requerente em querer saber efetivamente quem é o seu pai biológico e passar a ter o nome do mesmo. Que o amor e carinho que o depoente tem para com a requerente continuará. Que sempre procurou dar tudo do bom e do melhor para a requerente. Que depois da separação do depoente e da mãe da requerente, ele e _______ passaram a ter um contato ainda maior. Que a requerente trata o depoente muito bem e com carinho. Que continuam mantendo contatos telefônicos. Que o filho referido pelo depoente é fruto do seu segundo relacionamento (fl. 589, grifei).

Por sua vez, ao ser questionada, _______, avultou

Que _______ sempre criou a requerente como filha, pois também só tomou conhecimento de que na verdade não era seu pai biológico pouco tempo depois da requerente, cerca de 06 meses antes da propositura da ação. Que na realidade procurou inicialmente _______ para confirmar os fatos e tinha curiosidade de conhecê-lo melhor, conhecer as suas origens, que depois que _______ passou a recusar os contatos mantidos pela requerente é que a

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mesma, já com um pouco mais de idade, resolveu propor a ação, não para cortar os vínculos com _______, mas por entender que como filha biológica possui os mesmos direitos dos outros filhos registrados por _______. Que não conhece seus irmãos biológicos por parte de _______. Que tinha aproximadamente 03 anos de idade quando sua mãe se separou de _______ e no início a visitação se dava aproximadamente de 15 em 15 dias ou pelo menos uma vez por mês, mas na adolescência a visitação se tornou mais esporádica, mais em datas festivas, sendo então bastante diminuído o contato entre a requerente e o pai registral, principalmente depois que a requerente tomou conhecimento acerca da verdadeira paternidade [...] que considera e vai sempre considerar _______ efetivamente como seu pai, que o chama dessa forma. Que na espera da audiência, quando se encontraram, se abraçaram e se beijaram (fls. 590/591, grifo meu).

Estabelece o Código Civil de 2002, em seu art. 1.603, que 'a filiação

prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil.'

Ao tratar sobre a filiação, Luiz Edson Fachin registra que, "a prova

da filiação mencionada no art. 1.603 pode também sustentar a posse do estado

de filho, fundada em elementos que espelham o nomem, a tractatio, e a fama

(reputação). Por conseguinte, o termo de nascimento pode espelhar uma filiação

socioafetiva". (in Comentários ao novo Código Civil. Coord. TEIXEIRA, Sálvio de

Figueiredo. vol. XVIII. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 89).

Portanto, o estado de filiação poderá, ou não, ter origem biológica,

até porque, consoante leciona Paulo Luiz Netto Lôbo,

A Constituição não elegeu a origem biológica como fundadora da família. Ao contrário, dispensou-a, para fixar-se na relação construída no afeto e na convivência familiar, tendo ou não consangüinidade. (...) O reconhecimento do genitor biológico não pode prevalecer sobre a paternidade construída na convivência familiar, que freqüentemente ocorre entre a mãe que registrou o filho e outro homem, com quem casou ou estabeleceu união estável, e que assumiu os encargos da paternidade (in Código Civil comentado. Coord. AZEVEDO, Álvaro Villaça. São Paulo: Atlas, 2003, p. 130).

A Carta Magna estabelece, in verbis, que

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. [...]

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§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

E o prefalado Luiz Edson Fachin, ao discorrer acerca da posse do

estado de filho - com destaque para a paternidade sócio-afetiva -, afirma que

[...] o chamamento de filho, os cuidados na alimentação e na instrução, o carinho no tratamento (quer em público, quer na intimidade do lar) revelam no comportamento a base da parentalidade. A verdade sociológica da filiação se constrói. Essa dimensão da relação paterno-filial não se explica apenas na descendência genética que deveria pressupor aquela e serem coincidentes. Apresenta-se então a paternidade como aquela que, fruto do nascimento mais emocional e menos fisiológico, 'reside antes no serviço e amor que na procriação". (in A tríplice paternidade dos filhos imaginários. Repertório de Jurisprudência e Doutrina sobre Direito de Família. Aspectos Constitucionais, Civis e Processuais. Teresa Arruda Alvin (coord.). Ed. RT, v. 2, 1995, p. 178/179).

Doutrinando sobre a matéria, Rolf Madaleno - de quem fui colega na

Faculdade de Direito da UFRGS - assim preleciona:

Sábia percepção doutrinária e jurisprudencial passou a discorrer acerca da posse de estado, cuja instituição tem dado subsídios para o acolhimento da filiação sustentada exclusivamente na relação de existência de vida em comum, valorizando as relações de afeto e não mais o mecânico elo biológico, como no passado sempre prestigiou a lei brasileira ao reconhecer como pai o procriador, ao invés daquele que criou, educou e amou um filho de outrem como se realmente fosse seu.

O real valor jurídico está na verdade afetiva e jamais sustentada na ascendência genética, porque esta, quando desligada do afeto e da convivência, nada mais representa do que um efeito da natureza, quase sempre fruto de um indesejado acaso, obra do descuido e da pronta rejeição. Não podem ser considerados genitores pessoas que nunca quiseram exercer as funções de pai ou de mãe, e sob todos os modos e ações se desvincularam dos efeitos sociais, pessoais e materiais da relação natural de filiação.

A filiação consanguínea só coexiste com o vínculo afetivo, com o qual se completa a relação parental. Não há como aceitar uma relação de filiação apenas biológica sem ser afetiva, esta externada quando o filho é acolhido pelos pais, que assumem plenamente suas funções do poder familiar, previstas pelos arts. 1.634 e 1.690 do Código Civil. (in Filiação sucessória. Revista brasileira de direito das famílias e sucessões. dez/jan 2008. Editora Magister. p. 26-27).

Logo, em sede de relações familiares, nem sempre a situação de

paternidade biológica terá coincidência com o liame afetivo, que poderá ter se

formado independentemente da origem genética. E diante desse aparente

conflito, será necessário estar atento para as particularidades do caso concreto,

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de modo que se torne possível definir qual dos vínculos deverá preponderar para

efeito de reconhecimento do estado de filiação.

Ao decidir sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça, assim

deixou assentado:

Onde há dissociação entre as verdades biológica e sócio-afetiva, o direito haverá de optar por uma ou outra. Como visto, o STJ vem dando prioridade ao critério biológico naquelas circunstâncias em que a paternidade sócio-afetiva desapareceu ou nunca existiu. Não se pode impor os deveres de cuidado, de carinho e sustento a alguém que, não sendo o pai biológico, também, não deseja ser pai sócio-afetivo. A contrario sensu, se o afeto persiste de forma que pais e filhos constróem uma relação de mútuo auxílio, respeito e amparo, é acertado desconsiderar o vínculo meramente sangüíneo, para reconhecer a existência de filiação jurídica (Recurso Especial nº 878.941/DF. Relª. Minª. Nancy Andrighi).

Considerando a doutrina retro transcrita, as reflexões que dela

decorrem, e diante do cenário que se vislumbra no caso sub judice, a meu sentir

está configurada, de forma incontestável, a paternidade sócio-afetiva, como

resultado da convivência duradoura, do cultivo do afeto, da plena assistência, e

de tudo aquilo que, numa visão atual - seja por parte da doutrina ou da

jurisprudência de nossos Tribunais -, realmente se tem entendido constituir

elemento a bem identificar uma relação parental entre pais e filhos.

Por isso, em que pese ter o vínculo de afetividade origem em

registro cuja informação não corresponde à verdade biológica, ante a

consolidação dos laços sentimentais/afetivos entre _______ e _______, o estado

de filiação que esta última agora vindica em relação ao réu/apelante, não poderá

ser reconhecido, simplesmente porque outro já se estabeleceu antes, com o pai

registral, o qual não deverá ser desfeito.

Importante mencionar, ainda, que conquanto a autora/apelada tenha

sustentado que obteve êxito, inicialmente, ao tentar se aproximar do pai

biológico, apontando que ele até mesmo teria se comprometido a lhe assistir

materialmente para que pudesse concluir seus estudos, dentre outras promessas

de natureza patrimonial, inclusive a de presenteá-la com um automóvel, nada

disso encontra comprovação nos autos.

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Page 18: Agravo de Instrumento n. 2011.024143-5 e Apelação Cível n

E mesmo que se pudesse tomar como verdadeiras tais alegações,

há indicativos de que as supostas intenções de assistência material teriam sido

expressadas por _______ sob a condição de que _______ silenciasse no

atinente ao vínculo genético existente entre eles, o que, por certo, não se

coaduna com as condições imprescindíveis à posse do estado de filha.

Ao contrário, o que em verdade se vê, nesse aspecto, há uma forte

relutância por parte do requerido em aceitar o resultado da perícia que confirmou

ser ele o pai biológico de _______, negando credibilidade a todo o conjunto

probatório, não deixando dúvida de que não tem qualquer intenção/interesse de

que seja reconhecido o estado de filiação reclamado pela apelada, e passar -

ainda que a partir de agora - a com ela se relacionar.

Assim sendo, considerando que a demandante foi apresentada a

essa manifestação de rejeição e indiferença antes mesmo do início da disputa

judicial, e considerando, igualmente, que declarou não ser seu objetivo ver

desfeito o vínculo estabelecido com o pai registral ao deflagrar o processo, mas,

sim, poder ser contemplada com os mesmos direitos dos outros filhos de seu

genitor, denota-se que a ação possui intento eminentemente patrimonial.

Até porque, diante do quadro que se apresenta, somente benefícios

de tal ordem poderiam resultar para a autora caso atendidos os pedidos por ela

formulados quanto ao reconhecimento do estado de filiação, visto que a

prestação de amor, carinho e afeto, não se pode impor àquele que, pela vontade

própria, a recusa.

Sobre a impropriedade de se reconhecer o vínculo parental quando

dele apenas possam decorrer vantagens patrimoniais - ainda mais se

caracterizada a paternidade por afeição -, mesmo enfatizando mais

especificamente a questão dos efeitos sucessórios em hipóteses de investigação

de paternidade post mortem, Rolf Madaleno complementa em excerto que

Não pode ser perdido de vista que, se a lei considera imoral o reconhecimento de filho falecido que não deixou descendentes porque esta ação só teria propósitos sucessórios, por analogia do art. 4º da LICC, também

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deve ser considerando imoral que um filho que estreitou laços socioafetivos possa pretender investigar uma ascendência biológica para postular, depois da morte do ascendente genético, os efeitos materiais da sua condição de filho natural do sucedido.

A capacidade sucessória é verificada ao tempo da abertura da sucessão (art. 1.798, CC) e o óbito do genitor biológico ocorreu quando os vínculos entre o falecido e o investigante sequer existiam, estavam e sempre continuarão atrelados a outro genitor. O filho socioafetivo de outrem, quando promove investigação de ascendência post mortem, não busca vínculos sociais e afetivos com o genitor falecido, porque esta aproximação deveria ter sido realizada em vida, muito embora possa ter interesse em conhecer sua história familiar pessoal, para saber quem eram seus pais; saber se tem e quem são seus irmãos; conhecer a nacionalidade e a história de seus pais naturais, para compreender sua infância, sua formação e a razão do seu abandono, ou apenas para proteger sua saúde.

Esta pesquisa do parentesco sucessório que só tem o constrangedor propósito econômico se ressente de qualquer vínculo mínimo de afeição, que nunca existiu entre corpos e mentes longamente distanciados. Sua movimentação processual cinge-se a pedir um quinhão hereditário por corolário da sua matriz biológica e, portanto, se apresenta moralmente inadmissível considerar a eventual procedência desta estranha e tardia reivindicação parental, que ousa sepultar só no processo, nunca na sua versão axiológica, uma preexistente paternidade ou maternidade de efetiva relação de filiação, fruto do amor sincero e incondicional, obra da interação de pais e filhos aproximados pelo afeto e não pela identificação genética.

Segue o doutrinador apontando - com sensatez, prudência, tino e

sabedoria -, que

Uma demanda ajuizada para desconstituir a relação afetiva e dar lugar ao frio vínculo puramente biológico, intentada depois da morte do genitor consangüíneo, não deve encontrar respaldo na jurisprudência nacional, quando o investigante sempre teve pais socioafetivos e registrais, e não desconhecia a desconexão biológica dos seus pais do coração.

A eventual procedência desta classe de ação não gerará qualquer efeito prático e nem irá abalar o sólido relacionamento já enraizado entre o filho e seus genitores socioafetivos. A união e o relacionamento afetivo construídos no ambiente familiar estão sacramentados e se tornam vínculos perenes, que não podem ser apagados por uma sentença judicial de desconstituição do liame parental. A sentença não cria uma parentalidade póstuma, pois não há mais espaço para estreitar laços com quem já faleceu. Quem investiga os vínculos cromossômicos de um pai morto, realmente não procura um genitor, pois não mais poderá encontrar um pai que nunca quis procurar em vida. Seu foco é o direito hereditário da vinculação genética, com a precedente desvinculação afetiva judicial, como se a herança material fosse a desumana premiação de uma relação consanguínea, e como se o indefectível teste científico de DNA bastasse para apagar a história da filiação surgida de um longo e despojado relacionamento de amor.

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Todos os personagens deste cenário processual bem sabem que o registro parental e a verdade biológica nada significam quando pais e filhos sempre estiveram unidos pelos sinceros laços de espontânea afeição.

Foi o ascendente socioafetivo quem desempenhou a função parental e atuou como educador ao irradiar afeto, amizade e compreensão. Foi ele quem, sem vacilar, emprestou seu nome para completar a personalidade civil daquele que acolheu por amor, não sendo aceitável que um decreto judicial atue como prenúncio de morte da afeição, entre personagens ausentes, em que um jamais quis participar da vida do outro.

Impossível desconsiderar como cerne da relação familiar a coexistência dos laços de interação parental, vivendo e convivendo os componentes de uma família em recíproco afeto e de solidariedade familiar. A herança existe para a sobrevivência, para manter íntegros os laços do conjunto familiar, e não para atiçar a cobiça de estranhos apenas ligados pelos vínculos consanguíneos, mas que representam figuras carentes de relacionamento fático e afetivo.

A paternidade ou maternidade mais importante nasce dos vínculos do tempo e do amor incondicional, e não de uma sentença que declare ser genitor uma pessoa já falecida (in Filiação sucessória. Revista brasileira de direito das famílias e sucessões. dez/jan 2008. Editora Magister. p. 29-30 - grifei).

Mais adiante, sintetizando o que, a meu sentir, constitui a essência

da situação sub judice, o sobredito doutrinador refere que "a parentalidade

científica só pode ter sentido, como relação de filiação, quando coincidir com a

vinculação afetiva, jamais invertendo estes valores, muito menos se a intenção se

traduz em gerar dinheiro no lugar do amor" (op. cit. p. 31).

Após todas as considerações até aqui formalizadas no que diz

respeito ao estado de filiação, constatada a vigorosa relação de afetividade

mantida entre a autora e seu pai registral já passados 28 (vinte e oito) anos do

nascimento daquela, havendo, como visto, até mesmo confirmação por parte de

ambos no sentido de que esse vínculo não irá se romper, independentemente do

resultado da ação judicial proposta, conclui-se - em atenção aos elementos de

convicção contidos nos autos -, tratar-se de situação fática irreversível.

Deve, então, prevalecer a paternidade sócio-afetiva, visto que, além

de integrante do processo de formação da personalidade de _______, propulsora

de sua interação como ser social, apresenta-se, ainda hoje, como aquela capaz

de contribuir para o seu desenvolvimento como pessoa humana, de forma mais

positiva, porquanto no que toca à paternidade fundada puramente no vínculo

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biológico, consoante se fez anotar a pouco, esta apenas lhe resultaria em

proveitos de ordem material.

Aliás, em recente decisão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de

Justiça lançou luz definitiva sobre a matéria, externando entendimento que foi

bastante debatido pela comunidade jurídica, e, em razão de sua condição de

paradigma, há que ser referida:

Após sete anos de disputa judicial entre pai biológico e pai de criação, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o registro civil de uma menina deverá permanecer com o nome do pai afetivo. Os ministros entenderam que, no caso, a filiação socioafetiva predomina sobre o vínculo biológico, pois atende o melhor interesse do menor.

A criança nasceu da relação extraconjugal entre a mãe e o homem que, mais tarde, entraria com ação judicial pedindo anulação de registro civil e declaração de paternidade. A menina foi registrada pelo marido da genitora, que acreditava ser o pai biológico. Mesmo após o resultado do exame de DNA, ele quis manter a relação de pai com a filha.

Em primeira instância, o processo foi extinto sem julgamento de mérito por ilegitimidade do pai biológico para propor a ação. Mas o juiz deu a ele o direito de visita quinzenal monitorada. No julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou a alteração do registro civil da menor, para inclusão do nome do pai biológico, e excluiu a possibilidade de visitas porque isso não foi pedido pelas partes.

Seguindo o voto da ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso do pai afetivo, os ministros reconheceram a ilegitimidade do pai biológico para propor a ação. O Código Civil de 2002 atribui ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher e dá ao filho a legitimidade para ajuizar ação de prova de filiação.

A relatora destacou que o próprio código abre a possibilidade de outras pessoas com interesse jurídico na questão discutirem autenticidade de registro de nascimento. Segundo ela, o pai biológico pode contestar a veracidade de registro quando fica sabendo da existência de filho registrado em nome de outro. “Contudo, a ampliação do leque de legitimidade para pleitear a alteração no registro civil deve ser avaliada à luz da conjunção de circunstâncias”, afirmou a ministra.

Analisando as peculiaridades do caso, a relatora constatou que o pai afetivo sempre manteve comportamento de pai na vida social e familiar, desde a gestação até os dias atuais; agiu como pai atencioso, cuidadoso e com profundo vínculo afetivo com a menor, que hoje já é adolescente. Ele ainda manteve o desejo de garantir o vínculo paterno-filial, mesmo após saber que não era pai biológico, sem ter havido enfraquecimento na relação com a menina.

Por outro lado, a relatora observou que o pai biológico, ao saber da paternidade, deixou passar mais de três anos sem manifestar interesse afetivo pela filha, mesmo sabendo que era criada por outra pessoa. A ministra

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considerou esse tempo mais do que suficiente para consolidar a paternidade socioafetiva com a criança. “Esse período de inércia afetiva demonstra evidente menoscabo do genitor em relação à paternidade”, concluiu Nancy Andrighi.

Em decisão unânime, a Terceira Turma deu provimento ao recurso para restabelecer a sentença na parte que reconheceu a ilegitimidade do pai biológico para ajuizar ação de alteração do registro de nascimento. No futuro, ao atingir a maioridade civil, a menina poderá pedir a retificação de seu registro, se quiser (disponível em <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp? tmp.area=398&tmp.texto=103144> acesso em 22/09/2011).

Desse modo, estando a matéria consolidada no âmbito do Superior

Tribunal de Justiça, é de ser dado parcial provimento ao recurso, mantendo-se o

pronunciamento da togada de 1º Grau apenas no que se refere à declaração da

origem biológica da autora/apelada, sem que isso implique reconhecimento do

estado de filiação em relação ao apelante _______.

Via de conseqüência, não deverão ser conferidos quaisquer direitos

de natureza patrimonial - como é o caso dos alimentos -, cuja obrigação também

foi ordenada no decisum vergastado.

Considerando que a sucumbência se inverteu quase que totalmente

em desfavor da demandante, é de ser condenada ao pagamento das custas e

demais despesas processuais, fixados os honorários advocatícios em R$

3.000,00 (três mil reais), a teor do que preceituam os arts. 20, §§ 3º e 4º, e 21, §

único, ambos do Código de Processo Civil, suspensa a exigibilidade, contudo,

com arrimo no art. 12 da Lei nº 1.060/50, por ser _______ beneficiária da justiça

gratuita (fl. 68).

Do Agravo de instrumento:

O recurso não merece prosperar, uma vez que, compulsando

detidamente os respectivos autos, constata-se ser o mesmo intempestivo.

Com efeito, na espécie, o decisum agravado foi prolatado em

09/12/2010 (fl. 747), sendo que, como bem observou em seu Parecer o

magnânimo Procurador de Justiça, doutor Mário Gemin, da cópia do processo na

origem, infere-se que o recorrente apresentou pedido de reconsideração, ainda

que travestido sob a forma de embargos declaratórios, isso em 19/01/2011 (fls.

758/760).

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Logo, resta clara a ciência inequívoca desde 19/01/2011.

Considerado tal fato e, tendo em vista, igualmente, que a

apresentação de pedido de reconsideração não suspende e nem interrompe o

prazo para interposição do agravo de instrumento, a conclusão não pode ser

outra, senão, a de que se implementou a preclusão temporal, visto que a

insurgência recursal somente foi interposta em 25/04/2011 (fl. 02), merecendo

destaque a constatação de que o despacho que resolveu o pedido de

reconsideração em nada inovou, apenas reiterando o comando anterior (fl. 762).

Sobre o tema, dos julgados da JC-Jurisprudência Catarinense

colhe-se

AGRAVO SEQÜENCIAL - ARTIGO 557, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGA SEGUIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECLAMO INTERPOSTO CONTRA DESPACHO QUE INDEFERIU PLEITOS DE RECONSIDERAÇÃO - INÍCIO DA FLUÊNCIA DO PRAZO A CONTAR DO PRIMEIRO DECISUM - PRECLUSÃO TEMPORAL CARACTERIZADA - RECURSO DESPROVIDO.

Não é vedado à parte formular pedidos de reconsideração ou de esclarecimento de decisões interlocutórias, mas esse procedimento não suspende, nem interrompe o prazo de interposição de outros reclamos (Agravo em Agravo de Instrumento nº 2007.029521-5/0001.00, da Comarca de Tangará, rel. Des. Substituto Jaime Luiz Vicari, j. 03/12/2007).

No mesmo rumo

AGRAVO SEQUENCIAL NO AGRAVO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E PENHORA DE BENS DE SÓCIOS. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. FLUÊNCIA DO PRAZO. INTEMPESTIVIDADE. O pedido de reconsideração não interrompe nem suspende o prazo recursal, e à data de seu protocolo se caracteriza a ciência inequívoca do teor da decisão (Agravo em Agravo de Instrumento nº 2008.054195-7/0001.00, de Balneário Camboriú, rel. Des. Domingos Paludo, j. 13/11/2008).

Por derradeiro:

AGRAVO (ART. 557, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL) EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO, LIMINARMENTE, AO RECURSO - PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DE DECISÃO ANTERIOR - RECURSO INTERPOSTO CONTRA A SEGUNDA DECISÃO QUE LIMITOU-SE A MANTER A PRIMEIRA, CUJA DATA DA INTIMAÇÃO NÃO RESTOU DEMONSTRADA POR CERTIDÃO - PRESUNÇÃO DE CIÊNCIA INEQUÍVOCA - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.

O pedido de reconsideração, não é sucedâneo de recurso, não tendo por

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isso mesmo, efeito suspensivo.Se a agravante, ao invés de recorrer da primeira decisão, preferiu formular

pedido de reconsideração, para após, quando decorrido certo tempo, interpor agravo de instrumento, desta feita do segundo decisório, que limitou-se a ratificar a decisão anterior, não se conhece do reclamo, por extemporâneo, porquanto já operada a preclusão consumativa, em face do princípio da ciência inequívoca (Agravo em Agravo de Instrumento nº 2008.018693-3/0001.00, de Concórdia, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, j. 30/01/2009).

Ademais, resta igualmente prejudicado o exame deste reclamo, em

decorrência do julgamento conjunto ao recurso de apelação, cujos efeitos do

recebimento constituem ponto de discussão no agravo de instrumento, mormente

ao considerar que, naquilo que interessava ao seu objeto, o agravante restou

vencedor, alcançando a reforma da sentença prolatada, sendo desnecessária

maior digressão, restando flagrante a perda superveniente do interesse

processual neste particular.

Ante todo o exposto, voto, (1) pelo não-conhecimento do agravo de

instrumento; (2) pelo conhecimento e desprovimento do agravo retido, e, (3) pelo

conhecimento e parcial provimento do apelo, julgando-se improcedente o pedido

deduzido por _______ na ação de Investigação/negatória de

Paternidade/maternidade c/c. Anulação/Retificação de Registro Civil e Alimentos

nº 023.03.060121-8 ajuizada contra _______ , especificamente no tocante ao

reconhecimento do estado de filiação, à anulação/retificação do registro civil de

nascimento, e à condenação do requerido/apelante ao pagamento de alimentos,

mantendo a sentença, apenas, no respeitante à declaração da origem biológica

da autora/apelada.

Ainda, considerando que a sucumbência se inverteu quase que

totalmente em desfavor da demandante, vai esta condenada ao pagamento das

custas e demais despesas processuais, fixados os honorários advocatícios em

R$ 3.000,00 (três mil reais), a teor do que preceituam os arts. 20, §§ 3º e 4º, e 21,

§ único, ambos do Código de Processo Civil, suspensa a exigibilidade, contudo,

com fulcro no art. 12 da Lei nº 1.060/50, por ser _______ beneficiária da justiça

gratuita (fl. 68).

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Page 25: Agravo de Instrumento n. 2011.024143-5 e Apelação Cível n

Este é o voto.

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