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115 AGROALIMENTARIA Vol. 18, Nº 35; julio-diciembre 2012 Lucchese-Cheung, Thelma 1 Batalha, Mário Otávio 2 Lambert, Jean Louis 3 AGROALIMENTARIA. Vol. 18, Nº 35; julio-diciembre 2012 (115-129) COMPORTAMENTOS DO CONSUMIDOR DE ALIMENTOS: TIPOLOGIA E REPRESENTAÇÃO DA COMIDA Recibido: 04-10-2011 Revisado: 02-12-2011 Aceptado: 16-01-2012 1 Graduação em Administração de Empresas (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil); Mestrado em Engenharia da Produção (Universidade Federal de São Carlos, Brasil); Doutorado em Engenharia da Produção (Universidade Federal de São Carlos, Brasil); Doutorado em Gestão (Universidade de Nantes, França). Professora Adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Endereço: Rua Assis Chateaubriand 719, AP. 302. Planalto. CEP 79009-800. Campo Grande – MS. Telefone: +55-067-81525801; e-mail: [email protected] 2 Graduação em Engenharia Química (Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil); Mestrado em Engenharia de Produção (Universidade Federal de Santa Catarina), Brasil); Doutorado em Engenharia de Sistemas Industriais (Institut National Polytechnique de Lorraine, França). Professor Adjunto da Universidade Federal de São Carlos. Endereço: Rua Ray Wesley Herrick, 1501, Casa 129 – Cond. Village Damha I CEP 13565-090 - São Carlos - São Paulo - Brasil. Telefone: +55-16-33519529; e-mail: [email protected] 3 Graduação em Economia e em Sociologia (Universidade de Nantes, França), Doutorado em Economia (Universidade de Nantes, França). Professor Aposentado (ENITIAA, Nantes França). Endereço: Le pré du barillet, 44190. Gétigné, France. Telefone: +33-608954727; e-mail: [email protected], http://www.jeanlouislambert.com RESUMEN RESUMO Ressaltando-se a importância da realização de análises mais explicativas e menos descritivas em trabalhos de Marketing sobre os comportamentos alimentares, experiências de consumo dos indivíduos foram investigadas. As maneiras de perceber os alimentos e os comportamentos de consumo declarados puderam ser compreendidas a partir de contribuições de algumas teorias da sociologia e da antropologia da alimentação. Neste artigo, apresentou-se informações reveladas por 1.600 consumidores brasileiros, igualmente distribuídos entre as cidades de Porto Alegre, São Paulo, Goiânia e Recife. Para o tratamento dos dados, análises estatísticas multivariadas e análise lexical foram empregadas. Os resultados mostraram que os alimentos, impregnados de significados simbólicos, são difusores de identidades sociais e, também, contribuem no processo de construção dessas identidades. As escolhas alimentares dos indivíduos não são realizadas, somente, em função dos aspectos organolépticos dos produtos, dos seus preços, das suas composições nutricionais ou, ainda, da sua acessibilidade no mercado mas, sobretudo, em função da representação dos alimentos para os mesmos. Palavras-chave: marketing, comportamentos do consumidor de alimentos, representação da comida, estatística multivariada, análise lexical, Brasil. En este trabajo se investigaron experiencias de consumo de los individuos, subrayando la importancia de realizar análisis más explicativos y menos descriptivos en los trabajos de marketing vinculados con las conductas alimentarias. Las formas de percibir los alimentos y los comportamientos de consumo declarado podrían entenderse a partir de los aportes de algunas teorías de la sociología y de la antropología de la alimentación. El artículo incluye información correspondiente a 1.600 consumidores brasileños, distribuidos entre las ciudades de Porto Alegre, Sao Paulo, Goiânia y Recife. Para el tratamiento de los datos se utilizó el análisis estadístico multivariante, así como el análisis léxico. Los principales resultados dan cuenta que los alimentos, impregnados de significados simbólicos, son difusores de las identidades sociales y contribuyen también con la construcción de estas identidades. La elección de alimentos por parte de los consumidores no se realiza sólo en función de los aspectos sensoriales (organolépticos) de los productos, sus precios, su composición nutricional o incluso de su accesibilidad en el mercado, sino sobre todo en función de la representación que tienen para ellos los alimentos. Palabras clave: marketing agroalimentario, comportamiento del consumidor, comida, alimentos, análisis multivariante, análisis léxico, Brasil.

AGROALIMENTARIA. COMPORTAMENTOS DO CONSUMIDOR DE …€¦ · os comportamentos alimentares, experiências de consumo dos indivíduos foram investigadas. As maneiras de perceber os

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115AGROALIMENTARIAVol. 18, Nº 35; julio-diciembre 2012

Lucchese-Cheung, Thelma1

Batalha, Mário Otávio2

Lambert, Jean Louis3

AGROALIMENTARIA. Vol. 18, Nº 35; julio-diciembre 2012 (115-129)

COMPORTAMENTOS DO CONSUMIDOR DEALIMENTOS: TIPOLOGIA E

REPRESENTAÇÃO DA COMIDA

Recibido: 04-10-2011 Revisado: 02-12-2011 Aceptado: 16-01-2012

1 Graduação em Administração de Empresas (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil); Mestrado em Engenharia da Produção(Universidade Federal de São Carlos, Brasil); Doutorado em Engenharia da Produção (Universidade Federal de São Carlos, Brasil); Doutoradoem Gestão (Universidade de Nantes, França). Professora Adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Endereço: Rua AssisChateaubriand 719, AP. 302. Planalto. CEP 79009-800. Campo Grande – MS. Telefone: +55-067-81525801; e-mail: [email protected] Graduação em Engenharia Química (Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil); Mestrado em Engenharia de Produção (UniversidadeFederal de Santa Catarina), Brasil); Doutorado em Engenharia de Sistemas Industriais (Institut National Polytechnique de Lorraine, França).Professor Adjunto da Universidade Federal de São Carlos. Endereço: Rua Ray Wesley Herrick, 1501, Casa 129 – Cond. Village Damha I CEP13565-090 - São Carlos - São Paulo - Brasil. Telefone: +55-16-33519529; e-mail: [email protected] Graduação em Economia e em Sociologia (Universidade de Nantes, França), Doutorado em Economia (Universidade de Nantes, França).Professor Aposentado (ENITIAA, Nantes França). Endereço: Le pré du barillet, 44190. Gétigné, France. Telefone: +33-608954727;e-mail: [email protected], http://www.jeanlouislambert.com

RESUMEN

RESUMORessaltando-se a importância da realização de análises mais explicativas e menos descritivas em trabalhos de Marketing sobreos comportamentos alimentares, experiências de consumo dos indivíduos foram investigadas. As maneiras de perceber osalimentos e os comportamentos de consumo declarados puderam ser compreendidas a partir de contribuições de algumasteorias da sociologia e da antropologia da alimentação. Neste artigo, apresentou-se informações reveladas por 1.600consumidores brasileiros, igualmente distribuídos entre as cidades de Porto Alegre, São Paulo, Goiânia e Recife. Para otratamento dos dados, análises estatísticas multivariadas e análise lexical foram empregadas. Os resultados mostraram que osalimentos, impregnados de significados simbólicos, são difusores de identidades sociais e, também, contribuem no processode construção dessas identidades. As escolhas alimentares dos indivíduos não são realizadas, somente, em função dos aspectosorganolépticos dos produtos, dos seus preços, das suas composições nutricionais ou, ainda, da sua acessibilidade no mercadomas, sobretudo, em função da representação dos alimentos para os mesmos.Palavras-chave: marketing, comportamentos do consumidor de alimentos, representação da comida, estatística multivariada,análise lexical, Brasil.

En este trabajo se investigaron experiencias de consumo de los individuos, subrayando la importancia de realizar análisis másexplicativos y menos descriptivos en los trabajos de marketing vinculados con las conductas alimentarias. Las formas depercibir los alimentos y los comportamientos de consumo declarado podrían entenderse a partir de los aportes de algunasteorías de la sociología y de la antropología de la alimentación. El artículo incluye información correspondiente a 1.600consumidores brasileños, distribuidos entre las ciudades de Porto Alegre, Sao Paulo, Goiânia y Recife. Para el tratamiento delos datos se utilizó el análisis estadístico multivariante, así como el análisis léxico. Los principales resultados dan cuenta que losalimentos, impregnados de significados simbólicos, son difusores de las identidades sociales y contribuyen también con laconstrucción de estas identidades. La elección de alimentos por parte de los consumidores no se realiza sólo en función de losaspectos sensoriales (organolépticos) de los productos, sus precios, su composición nutricional o incluso de su accesibilidaden el mercado, sino sobre todo en función de la representación que tienen para ellos los alimentos.Palabras clave: marketing agroalimentario, comportamiento del consumidor, comida, alimentos, análisis multivariante,análisis léxico, Brasil.

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Lucchese-Cheung, Thelma; Batalha, Mário Otávio e Lambert, Jean LouisComportamentos do consumidor de alimentos: tipologia e representação da comida (115-129)116

RÉSUMÉ

ABSTRACT

1. INTRODUÇÃOPretendendo-se apresentar um quadro mais detalhadoacerca das práticas alimentares dos indivíduos,realizando análises menos descritivas e mais explicati-vas dos comportamentos de consumo, faz-se necessárioinvestigar o que o consumidor faz com aquilo quecompra, bem como as suas experiências de consumo(Aurier e Sirieix, 2004). Experiências de consumo, con-forme afirma Etilé (2007), revelam informaçõesinteressantes, por exemplo, sobre as normas sociais dosgrupos quanto ao seu posicionamento quanto à imagemdo corpo ideal ou idealizada, às proibições alimentarese aos alimentos que devem ser consumidos e evitados.

Para o caso de produtos alimentares, Lambert et al.(2005) afirmam que o consumo alimentar deve serinterpretado como um fenômeno que ultrapassa atosde compra e, por isso, o conteúdo de um carrinho desupermercado pode não representar o que éencontrado no prato do consumidor. Deve-seinvestigar as especificidades do consumo, levar emconta as incertezas dos consumidores quanto àincorporação de certos alimentos, compreender asmaneiras como os indivíduos percebem os alimentos e,assim, definem suas preferências alimentares (Casotti,2002; Chen, 2008).

Para a realização de uma análise sobre oscomportamentos alimentares de brasileiros urbanos,considerou-se que sobre as práticas alimentares dosmesmos agem além dos fatores econômicos outrosfatores socioculturais. Assim, optou-se pela adoção deum referencial teórico e metodológico que possibilitasseque um quadro mais detalhado acerca dessescomportamentos fosse obtido. Contribuições de algumasteorias da sociologia e da antropologia da alimentaçãoforam utilizadas de modo a auxiliar a interpretação dosdados coletados em campo.

2. ASPECTOS TEÓRICOS RELEVANTES2.1. AS ESPECIFICIDADES DAS ESCOLHAS DOSCOMENSAIS E OS DETERMINANTES DO CONSUMOO caráter quotidiano e repetitivo do ato alimentar nãopode resumi-lo a um ato banal. Para serem consumi-dos, os produtos alimentares devem, necessariamente,ser ingeridos. Tal condição confere aos alimentos umacaracterística particular quando comparados aos demaisprodutos consumidos diariamente pelos indivíduos.Nesse sentido, a alimentação humana pode ser inter-pretada como uma ferramenta a serviço, entre outrosexemplos, da saúde, do prazer e da aparência física(Fischler, 2001; Poulain, 2002).

This article discusses, from the point of view of marketing, consumer experiences derived from the eating behavior ofconsumers. The perception and food consumption behaviors were studied by using the theories of anthropology andsociology of food. Thus, a survey to 1,600 consumers in the Brazilian cities of Sao Paulo, Recife, Porto Alegre and Goianiawas conducted. Lexical and multivariate analysis were used for the analysis of survey data. Main results show that consumerfood choices are made not only based on sensorial aspects, prices, nutritional composition and access to products; actually,symbolic aspects of food and its social representations are equally important to the consumer.Key words: marketing, food consumer behavior, food representation, multivariate analysis, lexical analysis, Brazil.

Dans cette étude s’est examiné les expériences des consommateurs des individus, en soulignant l’importance des emplois demarketing plus explicatives et moins descriptif liés comportements alimentaires. Les moyens de perception et les comportementsde consommation des aliments déclarés pourraient être comprise à partir des contributions de certaines théories de la sociologieet de l’anthropologie de la nourriture. L’article contient des informations pour 1.600 consommateurs brésiliens, répartis entreles villes de Porto Alegre, São Paulo, Goiânia et Recife. Pour le traitement des données a été utilisé l’analyse statistiquemultivariée et analyse lexicale. Les principaux résultats montrent que la nourriture, imprégnée de significations symboliques,sont les diffuseurs des identités sociaux et contribuent également à la construction de ces identités. Le choix des aliments parles consommateurs ne se fait pas seulement en ce qui concerne les aspects sensoriels des produits, leurs prix, leur compositionnutritionnelle ou même leur accessibilité sur le marché, mais surtout en termes de représentation avoir de la nourriture poureux.Mots-clé: marketing agro-alimentaire, comportement du consommateur, la nourriture, l’analyse multivariée, l’analyse lexicale,Brésil.

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Poulain (2004) afirma que, devido os alimentosserem incorporados (transpassam a barreira do corpo),as práticas alimentares podem representar maneiras deexpressão dos indivíduos, contribuir na afirmação dassuas identidades sociais e no processo de construçãodessas identidades. Assim, para os estudos quereconhecem que práticas alimentares não são determi-nadas, apenas, por fatores econômicos ou utilitários,mas também sofrem influência de aspectos simbólicosligados à alimentação, faz-se necessário considerar asdimensões cognitivas e imaginárias do ato alimentar(Etilé, 2007).

Em relação à construção das identidades sociais pelaalimentação, Fischler (2001) explica que a incorporaçãoda comida é uma ação que contribui à manutenção etransformação do corpo físico, bem como uma ação queestá ligada, em um plano simbólico, à construção daidentidade dos sujeitos (corpo como identidade social),pois segundo o Princípio da Incorporação «os indivíduossão aquilo que consomem».

A antropologia, a psicologia e a ciência cognitivaafirmam que – de modo geral – os indivíduos, quandopensam sobre sua alimentação, utilizam um modo defuncionamento intelectual denominado pensamentomágico. Essas teorias sugerem que o pensamento má-gico constitui uma tentativa de racionalizar aquilo quenão é conhecido através de relações de causalidade entreeventos independentes. Assim, as pessoas acabam acre-ditando que aquilo que é incorporado pode modificar oestado de um organismo, sua natureza e,conseqüentemente, sua identidade (Fischler, 2001;Poulain, 2004). Com isso, Fischler (2001) define o serhumano como uma criatura onívora que se alimenta decarnes, de vegetais e do imaginário.

Também, para auxiliar na reflexão sobre asintervenções dos determinantes socioculturais noscomportamentos alimentares dos grupos de indivíduosde uma sociedade, sobretudo no que diz respeito àpercepção em relação à comida e suas preferências, asanálises dos discursos dos indivíduos foram realizadasà luz da Teoria das Representações Sociais. Cabe des-tacar que, embora a teoria das Representações Sociaisseja pouco utilizada em Marketing, nos trabalhos deSolomon (2002) e Blackwell et al. (2005) os autoresapenas mencionam que as representações humanaspodem ser interpretadas como fatos da memória queinfluenciam a escolha dos consumidores.

Dentre outros autores, Lahlou (1998), Poulain(2002), Gallen (2005) e Bartels e Reinders (2010)afirmam que as preferências e atitudes dos seres huma-nos em relação aos alimentos que consomem têm fortesvínculos com os seus sistemas de representação social.

Moscovici (2003) explica que essas representaçõesdevem ser entendidas como uma maneira específica decompreender e comunicar algo. O autor reforça que oobjetivo das mesmas é dar sentido aos estímulos e ob-jetos, ordenando e influenciando as percepções dosindivíduos. Dessa forma, uma representação social podeser definida como um sistema de valor, o qual estabeleceuma ordem que possibilita que as pessoas de uma dadasociedade se orientem e se comuniquem. Cabeacrescentar que esse sistema de valor (conjunto de nor-mas, valores, crenças e tabus) é transmitido aos sujeitospelo sistema social e ideológico no qual estão inseridos.Assim, quando se pretende compreender as açõescomportamentais, considerando as interações dossujeitos nos ambientes que participam e as ações denormas culturais sobre tais comportamentos, Costalat-Founeau et al. (2002), Huotilainen e Tuorila (2005),Cooks (2009), Bartels e Reinders (2010) destacam acontribuição da teoria das representações sociaisnaqueles estudos.

As análises sobre as representações possibilitam oentendimento de como os objetos são interpretadospelos indivíduos e a posição que os mesmos ocupamnos campos social e cultural na sociedade (Moscovici,2003). Representações individuais, pontos de vista par-ticulares de um indivíduo, estão ligadas a uma dadarealidade comum; ou seja, podem ser consideradas comoum subconjunto das representações sociais.

Para Rozin et al. (2004) os atos alimentares podemprovocar tanto integração quanto diferenciação socialna medida em que reforçam as ligações sociais entre osindivíduos. Assim, a cozinha é apontada como deter-minante das representações dos indivíduos porque, se-gundo Fischler (2001), é capaz de tornar públicas asnormas culturais de um povo. Ingredientes de base,temperos utilizados, a ordem dos pratos (salgados edoces, por exemplo), as maneiras de cozimento dos ali-mentos e as ocasiões de consumo são exemplos dasnormas mencionadas.

Para a captura de informações acerca dasrepresentações sociais, Jodelet (2001) afirma que ainvestigação dos discursos dos indivíduos, quandodirecionados a opiniões sobre sua alimentação, revela– entre outras informações – os critérios de escolha, asmaneiras de categorizar e separar os alimentos emclasses, as ações de valores e normas sociais sobre essesatos, por exemplo, em relação ao que se deve comerpara manter uma boa saúde e ao que se deve evitarpara não comprometer a boa saúde. Nesse sentidoPoulain (2002), Cooks (2009) e Bartels e Reinders(2010) afirmam que os discursos são reveladores dasdiferentes relações que esses estabelecem entre alimentoe a forma física, alimento e saúde e alimento e prazer.

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Em seus estudos sobre as representações sociais dacomida no meio urbano brasileiro, Garcia (2004) lembraque os alimentos são percebidos pelos indivíduos a partirde uma lente impregnada de valores e conceitos, quefaz com que esses sejam triados e integrados em velhasou novas representações. A autora reforça que apercepção da realidade é possível graças àsrepresentações, forma de conhecimento do sensocomum. Porém, no caso do estudo de práticasalimentares de indivíduos urbanos, a autora afirma que– além das informações científicas incorporadas àspráticas alimentares pela transformação do sensocomum –, agem sobre as representações sociais daalimentação a publicidade dos produtos alimentícios,as condições de disponibilidade, o tempo e o espaço,os costumes alimentares, a origem cultural e asexperiências orgânicas.

Ressalta-se, então, que as práticas alimentares dosindivíduos podem ser determinadas por restriçõesmateriais, mas também estão inscritas em um sistemacomplexo de funções sociais e simbólicas. Sabendo-seque os padrões e a estrutura das refeições sãoculturalmente específicos para cada sociedade e seusarranjos refletem as diferentes identidades sociais, osgostos ligados ao cotidiano, ao festivo, ao luxo ou ànecessidade, apresenta-se a seguir a tipologia de con-sumidores brasileiros e a análise das relações dos gru-pos encontrados com os alimentos.

2. METODOLOGIAOs resultados apresentados neste trabalho estãoinseridos em uma ampla pesquisa que procurou inves-tigar a ação de diferentes determinantes(sóciodemográficos, socioeconômicos e socioculturais)sobre as práticas alimentares de brasileiros urbanos. Talpesquisa foi financiada pela Financiadora de Estudos eProjetos (FINEP) ligada ao Ministério de Ciência e deTecnologia, possibilitando a realização de entrevistaspessoais junto a 1.600 consumidores brasileiros, igual-mente distribuídos entre as cidades de Porto Alegre,São Paulo, Goiânia e Recife.

Para a coleta de dados, equipes especializadas foramcontratadas para a escolha da composição da amostra eaplicação do questionário (os indivíduos foram entre-vistados na rua e em diferentes bairros de cada cidade).Com base nos dados divulgados pelo Instituto Brasileirode Geografia e Estatística (IBGE), o qual disponibilizainformações sobre as características de toda a populaçãodas capitais entrevistadas, cotas foram estipuladasquanto aos perfis de consumidores que deveriam serentrevistados. Pretendeu-se entrevistar grupos deindivíduos que representassem perfis sociodemográficos

que se aproximassem aos da população. Vale acrescentarque a composição da amostra não pretendeu serrepresentativa da população de referência.Considerou-se que o tamanho da amostra (1.600indivíduos) e sua característica heterogênea poderiamtornar possível a um estudo que visou analisar oscomportamentos de consumo, escolher critérios decomparação (por exemplo, consumidores assíduos eesporádicos de um produto alimentar), verificar dife-rentes comportamentos de consumo (segundo suasidades, rendas, gêneros, profissões, etc.) e identificarconsumidores marginais e potenciais de determinadosalimentos. Para facilitar a interpretação dos resultados,uma estratificação quanto ao gênero (homens emulheres), a idade (indivíduos com idade maior do que20 anos) e à renda dos consumidores (menor do que 2salários mínimos, 2 a 5 salários mínimos, 5 a 10 saláriosmínimos, 10 a 20 salários mínimos, 20 a 30 saláriosmínimos e mais do que 30 salários mínimos) foi reali-zada.

Para tratar os dados coletados em campo e realizaragrupamentos das respostas, optou-se por efetuar umaanálise de correspondência múltipla seguida por umaclassificação ascendente hierárquica, análise de cluster,com auxílio do software francês SPAD. A diferença dessasanálises multivariadas das análises clássicas é que aanálise de correspondência múltipla permite avaliar arelação entre um conjunto muito grande de variáveis ea de classificação ascendente hierárquica permite en-contrar a tipologia de consumidores de alimentos.

Sobre as variáveis ativas (chamadas de determinan-tes dos comportamentos de consumo) cálculos dedistância dos indivíduos são efetuados. Com isso, arepartição dos indivíduos e as modalidades de variáveis(por exemplo, a variável gênero conta com duas moda-lidades, homem e mulher) mais próximas podem ser re-presentadas em um espaço multidimensional. Os fatoresrepresentados sobre eixos fatoriais correspondem aoscálculos de distância por ordem decrescente. Escofiere Pages (1998) e Lebart et al., (1995) reforçam que amétrica do Qui-quadrado ( 2) permite a comparação delinhas (indivíduos) e colunas (modalidades). Dessa for-ma, a semelhança entre dois indivíduos foi definida pelocálculo da distância do Qui-quadrado ( 2) , ou seja,distância entre os seus perfis (modalidades escolhidas)a qual desempenha um papel semelhante ao cálculo dodesvio padrão utilizado no estudo de variáveis numéri-cas ou contínuas.

Os planos fatoriais representados nas figuras devemser interpretados como mapas, onde a posição que osindivíduos ocupam está muito relacionada à semelhançadas suas respostas sobre as variáveis ativas. A distância

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de um grupo do centro do plano fatorial reflete suadiferença em relação aos indivíduos situados no pontocentral (sem muita representatividade estatística). Umaproximidade maior ou menor dos grupos no mesmo pla-no fatorial implica em uma maior ou menor correlaçãoentre as modalidades de variáveis que caracterizam taisgrupos, principalmente quando estão afastadas do pontocentral. Quanto mais afastados estão os grupos do pontocentral, maior o coeficiente de correlação entre asvariáveis do cluster e o eixo fatorial.

As variáveis ativas utilizadas neste estudo para aanálise de correspondência múltipla foram as questõesreferentes à:. A organização no tempo das refeições (duração,freqüência de consumo, regularidade e valor atribuídoàs refeições – refeições festivas e ordinárias);. A organização no espaço (no domicílio ou fora dodomicílio);. O grau de comensalidade (refeição convivial ousolitária); e. O conteúdo das refeições (alimentos sólidos e lí-quidos, tipos de pratos e de culinárias).

Para testar o que determinou os diferentescomportamentos declarados, variáveis explicativas doscomportamentos, chamadas de ilustrativas foramintroduzidas no software. Como exemplo dessas variáveistem-se: características demográficas e socioeconômicasdos indivíduos (gênero, idade, número de pessoas nafamília, escolaridade, profissão, renda e tamanho dacidade onde mora).

A análise de correspondência permitiu recuperar osprincipais tipos de comportamentos e seus determinan-tes. A análise de dados e dos planos fatoriais foram uti-lizadas para realizar os agrupamentos dos indivíduosem uma tipologia de síntese. Para minimizar o caráterempírico deste método, uma classificação ascendentehierárquica foi – então – efetuada. Assim, os indivíduosforam classificados a partir das distâncias calculadasna análise de correspondência. O número de grupos deindivíduos foi escolhido em função do grau de síntesedesejado e da capacidade de explicar o fenômenoestudado.

As informações sobre as práticas alimentares dosconsumidores entrevistados foram recuperadas a partirdados de práticas declaradas pelos consumidores (a téc-nica de coleta adotada foi a survey). Em cada grupo ouclasse de indivíduos, a porcentagem apresentada ao ladode cada modalidade de variável correspondeu a suaposição significativa no eixo. Maiores detalhes sobre astécnicas empregadas podem ser encontrados emEscofier e Pages (1998) e Lebart et al. (1995).

3. DISCUSSÃO DOS RESULTADOSSabendo-se que as representações orientam

comportamentos, buscou-se melhor compreender o queos indivíduos pensam sobre a alimentação e como talmodo de ver os alimentos influencia os seuscomportamentos. As respostas obtidas a partir dequestionamentos sobre o que os consumidores pensamquando vão se alimentar, sobre as razões do consumoou rejeição de certos produtos alimentares, bem comosobre a opção desses em relação a certos perfis decomportamentos alimentares são interpretadas por estetrabalho como julgamentos que possibilitam que nor-mas sociais e valores, fortes determinantes doscomportamentos, sejam conhecidos. Pretendeu-se, comisso, conhecer algumas das representações alimentaresdos indivíduos entrevistados, ou seja, verificar comoos mesmos concebem ligações entre alimentação esaúde, alimentação e estética, alimentação e prazer ealimentação e sobrevivência.

Quando questionados sobre o que pensam quandose alimentam, durante a semana e no domingo (dia fes-tivo), as possibilidades de respostas foram: durante asemana (ou no domingo) quando me alimento pensona saúde; no prazer; na forma física; na minha tradiçãoou não penso nem no alimento e nem nas suasconseqüências para o corpo.

Alguns perfis de consumo foram apresentados aosconsumidores e estes foram levados a escolher aqueleque mais se aproximava ao perfil alimentar declaradopelos mesmos. Assim, no quadrante constam:. Perfil A (segue conselho de médicos e nutricionistase, com isso, pode evitar ou retardar certas doenças,ficando em forma até idade mais avançada);. Perfil B (almoça com amigos e janta com família.Detesta ficar sem uma refeição ou ser obrigado a co-mer muito rápido);. Perfil C (preocupa-se em controlar o apetite e opeso. Gostaria de mudar alguns hábitos alimentares efazer mais esporte, mas não consegue);. Perfil D (considera que comer é um dos grandesprazeres do ser humano. Gosta de falar de comida epreocupa-se com a qualidade daquilo que consome); e. Perfil F (normalmente encontra dificuldades emobter os alimentos que gostaria de comer. Assim, quandotem oportunidade come em grande quantidade).

Além disso, cabe acrescentar que os questionamentosrealizados sobre as razões de consumo ou rejeição deprodutos light e/ou diet foram utilizados comoindicadores de representação social. Após a realizaçãode comentários sobre os grupos formados sãoapresentados os vocabulários que mais se repetiram emelhor representaram a opinião dos grupos sobre o sig-

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nificado de comer bem (questão aberta proposta paraenriquecer o nível de informação acerca darepresentação social da comida).

Para uma melhor interpretação dos resultados econtextualização dos grupos, julgou-se convenienteidentificar, inicialmente, os principais grupos sociais quemelhor caracterizaram a amostra entrevistada e, a par-tir deste resultado, analisar as relações entre tais gru-pos e certas práticas de consumo alimentar declaradas.Assim, os grupos sociais que melhor caracterizaram apopulação estudada foram:

a) Pobres urbanos com baixo nível de instrução(16% de toda a amostra, melhor representados pelosindivíduos que declararam renda inferior a dois saláriosmínimos, indivíduos da cidade de Recife, indivíduosque têm primeiro grau incompleto, aqueles que não têmfreezer, forno de microondas, não contam comempregada doméstica no domicílio, indivíduos quedeclararam vendedores do comércio e dona de casa comoprofissão, domicílios em que a mulher não trabalha eque conta com mais de cinco pessoas);

b) Classe popular com nível de instruçãodeficitário (23% de toda a amostra, grupo melhor re-presentado por indivíduos que declararam renda de 2 a5 salários mínimos, indivíduos habitantes de Goiânia,indivíduos analfabetos, aqueles que não têm freezer,forno de microondas e não contam com empregadadoméstica no domicílio, indivíduos que declararamtrabalhador da produção e dona de casa como profissão,domicílios em que a mulher não trabalha, mulheres emrelação aos homens responderam a uma maior númerode questões de modo semelhante, tornando-as mais re-presentativas deste grupo);

c) Aposentados (7% de toda a amostra, grupomelhor representado por indivíduos aposentados, commais de 60 anos, aqueles que declararam renda de 5 a10 salários mínimos, domicílios que contam com 2 ou1 pessoa, aqueles que têm freezer, possuem primeirograu completo, domicílios em que a mulher nãotrabalha);

d) Classe média com nível intermediário deinstrução (30% de toda a amostra, grupo melhor re-presentado por indivíduos que declararam renda de 5 a10 salários mínimos, indivíduos habitantes de São Pauloe Porto Alegre, indivíduos com segundo grau comple-to, aqueles que têm freezer, domicílios em que a mulhertrabalha fora, indivíduos que declararam servidor ad-ministrativo, vendedor do comércio e técnico com nívelmédio como profissões que melhor representaram asescolhas de tal grupo, domicílios que contam com 5pessoas);

e) Jovens acadêmicos (9% de toda a amostra, gru-po melhor representado por indivíduos com nível su-perior incompleto, profissão estudante, com idade de20 a 30 anos, residentes de Porto Alegre melhorrepresentaram o grupo, domicílios que contam comforno de microondas, domicílios com renda de 5 a 10 e10 a 20 salários mínimos); e, o grupo

f) Abastados com nível superior de instrução(15% de toda a amostra, grupo melhor representadopor indivíduos que declararam profissionais de Ciênciasou Artes e Membro Superior como profissão, contamcom empregada, com forno de microondas e freezer,foram melhor representados pelas maiores rendas, sendo20 a 30 salários mínimos e mais do que 30 salários mí-nimos, domicílios em que a mulher trabalha fora, resi-dentes de Porto Alegre melhor representaram o grupo,grupo melhor representado pela faixa etária 41 a 50anos).

A seguir os resultados do trabalho são apresentadose comentados.

A análise das modalidades que melhor contribuírampara a formação dos eixos fatoriais permitiu queoposições marcantes quanto às maneiras que os gruposdeclararam pensar sua alimentação fossem verificadas.Constatou-se que os mais preocupados com a saúdeopõem-se aos que dão prioridade ao hedonismo alimen-tar e aos que dão valor às tradições alimentares, oumelhor, com os grupos que pensam, sobretudo, noprazer que a alimentação lhes proporciona, bem comoem seu caráter cotidiano ou rotineiro. Por outro lado,constatou-se, também, uma oposição entre o grupomelhor caracterizado pela declaração de que não pensamna alimentação nem sua conseqüência para o corpo e ogrupo melhor representado por uma relação com aalimentação mais ligada à estética.

Com base nas declarações reveladas pelo grupo 5/5(alimento-saúde), as modalidades das variáveis quemelhor caracterizaram tal grupo revelaram um modoparticular de pensar sobre sua alimentação, sobretudoquanto às representações construídas pela preocupaçãocom a saúde. Contudo, cabe destacar que tal classe fazparte do grupo que não mencionou a ingestão de ver-duras ou legumes, preferem consumir carnes com maisgordura e alimentos que lhes garantam maioressensações e saciedade. Sendo melhor representados porindivíduos que declararam os mais baixos níveis deescolaridade e profissões que exigem mais esforço físi-co do que intelectual, poder-se-ia dizer que a maneiracomo realizam ligações da alimentação com a saúdeestá mais relacionada a preocupação em ter saúde parase manter vivo e ter força para trabalhar (no caso dosaposentados, a preocupação em alimentar-se para

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121AGROALIMENTARIAVol. 18, Nº 35; julio-diciembre 2012

manter-se vivo estaria mais próxima a representaçãodessa classe em relação aos alimentos).

Em relação à declaração do consumo de produtoslight e/ou diet, a investigação quanto ao consumo se-manal desses produtos levou a constatação de que afreqüência do consumo que melhor caracterizou asdeclarações do grupo foi duas vezes na semana e quatrovezes na semana. Ao contrário das preocupações esté-ticas e dietéticas que poderiam caracterizar um modelode corpo magro e a adoção de alimentos menos calóri-cos (light) ou que apresentam substituição total dealguma substância presente na composição dos mesmos(no caso de produtos diet), os indivíduos desse grupo,além de declararem consumi-los por ordem médica,interpretam a ingestão desses produtos como umbenefício à boa saúde. Tal informação é interessante,

Figura 1Tipologia de consumidores: os alimentos e as representações a ele agregadas

Fonte: Elaborado pelos autores.

pois para o grupo que associa a saúde à noção deausência de doenças e que privilegia a ingestão de ali-mentos que garantam maior condição de saciedade (car-ne gorda, por exemplo), a declaração do consumo deprodutos chamados light e/ou diet como mantenedoresda boa saúde demonstra que, para certos grupos deindivíduos brasileiros, as informações quanto ao signi-ficado da característica light e/ou diet de um produtoalimentar e suas ações no organismo ainda sãodeficitárias. Para obter informações que contribuam parauma análise ainda mais rica quanto às representaçõesdos alimentos declaradas pelo grupo, o vocabulário quemelhor caracterizou o que o grupo pensa sobre o signi-ficado de comer bem é apresentado e comentado a se-guir (Figura Nº 2).

Fator 2 – relação com o corpo tipo instrumental

Fator 2 – relação com o corpo mais ref lexiva

ou hedônica

Fator 1 –preocupação com

prazer e sobrevivência

Fator 1 –preocupação com saúde

Grupo 1/5 – Relação com o alimento tipo sobrevivência (9%)

- Na semana ou nos domingos não se importa com o que vai comer;- Escolheram o perf il F;- Classe social Pobres Urbanos;- Nunca consomem produtos light e diet.

Grupo 4/5 – Relação hedônica com alimentação (26%)

-Na semana e no domingo pensa no prazer para se alimentar;-Escolhe o perf il D;-Melhor representado pelo gênero masculino;- Classe social Média-Prova com receio comidas diferentes; -Não consome produtos light e diet porque é caro ou não gosta

Grupo 3/5 – Busca pela tradição no ato alimentar

(15%) - Na semana ou nos domingos busca pela tradição alimentar;- Classe social Média;- Melhor representado pelo gênero masculino;-Escolheram o perf il B- Praticam esporte coletivo;- Não têm hábito ou duvidam da ef icácia de produtos light e diet

Grupo 2/5 – Alimentação e suas conseqüências sobre a forma física

(11%)-Na semana e no domingo pensa na forma f ísica;- Consome produtos light e diet porque não engorda;-Esporte em academias;-Escolhe o perf il C;-Melhor representado pelo gênero feminino;- Classe social - Abastado-Jovens acadêmicos;

Grupo 5/5 – (40%) – Alimentação e a busca pela boa saúde

-Na semana e no domingo pensa na saúde;-Escolhe o perf il A;- Classe social – Popular;- Classe social – pobres Urbanos;-Consome produtos light e diet porque faz bem para saúde e por prescrição médica;-Esporte ao ar livre;-Aposentados

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Lucchese-Cheung, Thelma; Batalha, Mário Otávio e Lambert, Jean LouisComportamentos do consumidor de alimentos: tipologia e representação da comida (115-129)122

Figura 2Vocabulário do grupo que associa alimento a saúde quanto ao significado de comer bem

O que significa “comer bem” para o grupo 5/5 (alimentação e a busca pela saúde)

Comer comida balanceada com bastante verdura, arroz, carne e feijão;Comer alimentos como carne, arroz e feijão;

Comer arroz, feijão, verduras e carne;Comer comida com boa aparência e qualidade, além das frutas e verduras;

Comer comida caseira arroz, feijão, carne e verdura;Equilibrar com verduras, legumes, carne, arroz e feijão,

Ter arroz e carne,Ter vontade e saúde

Fonte: Figura elaborada pelos autores.

A análise do conteúdo das declarações dosindivíduos desse grupo comprova que a ligação entrealimentação e saúde é interpretada pelos mesmos comouma forma de conservar a boa saúde. As expressõesbalanceada, qualidade e equilíbrio associadas aos ali-mentos que foram mencionados pelos indivíduos nãocorrespondem a definição de tais termos, bem comoaos exemplos de alimentos que deveriam ser ingeridospara uma alimentação balanceada ou equilibrada de-fendida pelos profissionais da saúde. Assim, embora asverduras e frutas apareçam no discurso do grupo 5/5(alimento – saúde) como alimentos que devem ser in-geridos porque são bons para a saúde (percepções posi-tivas desses alimentos) a hierarquização dos alimentosque devem ser consumidos para garantir a boa saúde(realizada com base nas representações positivas dosalimentos e seus supostos efeitos no organismo) foi –principalmente – caracterizada pelos produtos arroz, ofeijão e carne. Cabe acrescentar que, como se trata daanálise do que foi declarado pelos indivíduos, deve-se le-var em conta que a citação de certos produtos alimentarespode estar mais ligada a certas normas sociais alimentaresdo que ao consumo verdadeiramente efetuado.

Considerando-se que as classes pobres urbanos eaposentados constam no grupo 5/5 (alimento – saúde),as expressões «ter arroz e carne» e «ter vontade e saúde»,correspondendo ao significado de comer bem, poderiamser – especialmente – representações do alimento liga-das a esses grupos. Contudo, realizando-se uma análisegeral do grupo e suas características mais marcantes,poder-se-ia concluir que um modelo mais energéticocaracteriza o comportamento alimentar do grupo 5/5(alimento – saúde), mobilizando como representaçõessimbólicas a força proporcionada pela incorporação trioarroz, feijão e carne. Nesse sentido, ressalta-se, maisuma vez, que dentre as diferentes maneiras que osindivíduos poderiam conceber ligações entrealimentação e saúde, no caso deste trabalho, constatou-se que os indivíduos declararam pensar em suaalimentação como um meio de suprimento e garantiado melhor estado de sua disposição física no presente.

Interessando-se quanto à representação da comi-da para o grupo 4/5 (alimento – prazer), verificou-se que a relação alimento e prazer descreve melhor amaneira como o mesmo pensa sua alimentação (Fi-gura Nº 3).

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O que significa “comer bem” para o grupo 4/5 (re lação hedônica com alimentação)

Comer o que gosta e alimenta;Ter tudo o que gosta;

Satisfação;Variedade;

A limentação variada;Ter uma d ieta balanceada com alimentos que gosta.

Figura 3 Vocabulário do grupo que associa alimento a prazer quanto ao significado de comer bem

Fonte: Elaborada pelos autores.

Além do fato de declarar que pensa mais no prazerquando se alimenta, esse grupo também optou – demodo significativamente importante – pelo perfil D (co-mer é um dos grandes prazeres, gosta de falar de comi-da e preocupa-se com a qualidade dos produtos consu-midos) como aquele de sua identificação; bem comofoi melhor representado pelos indivíduos que declararamnão consumir produtos light e/ou diet, porque custamcaro ou porque não gostam, pelo gênero masculino epor aqueles que provariam com receio uma comida di-ferente. Cabe acrescentar que a essas característicasligam-se, de modo mais importante que o conjunto dasoutras, as modalidades gênero masculino e a classemédia com nível intermediário de instrução.

Verificando-se o que foi declarado pelo grupo 4/5(alimento – prazer) pôde ser percebido que, mais umavez, a palavra balanceada foi empregada em um senti-do que não condiz com a definição sugerida pelosprofissionais da saúde, mas com a representação dacomida do grupo analisado. As expressões «dieta ba-lanceada com alimentos que goste», ou «comer tudo oque gosta» como definições do significado de comerbem poderiam representar as melhores definições da

maneira como o grupo pensa sua alimentação, privile-giando seu caráter hedônico. Ainda sobre a maneiracomo tal grupo pensa sobre sua alimentação, conside-rando que o gênero masculino e a preferência pela car-ne gorda (ligada ao comportamento de consumo daclasse média) são modalidades de variáveis mais rela-cionadas ao grupo 4/5 (alimento – prazer), cabeacrescentar o que foi mencionado por Cazes-Vallete(2004) acerca da ingestão da carne e seus aspectos sim-bólicos. A autora lembra sobre uma classificaçãocomumente efetuada por diferentes culturas no que dizrespeito a alimentos que são mais ou menos propíciospara determinado gênero. Em relação à carne, alimen-to rico em significações simbólicas, uma análise histó-rica da alimentação humana permite a constatação deuma ligação existente entre carne vermelha e o gêneromasculino e carne branca e o gênero feminino. Chamadopor Cazes-Vallete (2004) de interpretação tradicional,o gosto pela carne – sobretudo a vermelha – pode serinterpretada como um desejo pela dominação dohomem sobre o animal e sobre a natureza (lógicazoofágica alimentar – quando os indivíduos não seincomodam em reconhecer o animal no alimento con-

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sumido), bem como uma dominação masculina sobre ogênero feminino. Contudo, ressalta-se que – conformeafirma a autora – embora a carne ainda seja considera-da como um marcador dos papéis sociais dos gêneros,deve-se levar em conta a evolução desses papéis aolongo do tempo. Com isso, poderão surgir novasinterpretações no que diz respeito à ligação simbólicahistórica entre carne vermelha e o gênero masculino ecarne branca e o gênero feminino.

Em relação ao outro grupo localizado no mesmoquadrante fatorial que o anteriormente comentado, cabedestacar algumas características particulares ao mesmoque auxiliaram a melhor compreender a forma comopensam a alimentação (Figura Nº 4).

O grupo 3/5 (alimento – tradição) diferencia-se dogrupo 4/5 (alimento – prazer) por revelar uma formade ligação com a alimentação mais voltada às tradições,por terem optado pelo perfil B (faz uma refeição comamigos e outra com a família, é contrário ao hábito denão realizar alguma das refeições do dia e ao hábito derealizá-las rapidamente) e pela realização de um esportecoletivo. Por outro lado, assim como foi constatado nogrupo 4/5 (alimento – prazer), os indivíduos do grupo3/5 (alimento – tradição) também declararam não con-

O q u e s ig n i fic a “ c o m e r b e m ” p a ra o g ru p o 3 /5 (b u s c a p e la t ra d iç ã o n o a to a l im e n ta r)

C o m e r v a r ie d a d e , b o a q u a n tid a d e e u m a c o m id a s a u d á v e l;C o m e r tu d o ;

F ic a r s a t is fe i to ;C o m id a s a b o ro s a ;

T e r u m a a lim e n ta ç ã o b o a e c a s e ira ;S a t is fa z e r -s e ;

A l im e n ta ç ã o s a u d á v e l ;F a z e r a s trê s re fe iç õ e s ;

S e n ti r - s e s a t is fe i to ;C o m e r c o is a s s a u d á v e is .

Figura 4 Vocabulário do grupo que associa alimento a tradição quanto ao significado de comer bem

Fonte: Elaborada pelos autores.

sumir produtos do tipo light e diet. Contudo razões dife-rentes àquelas declaradas pelo outro grupo foram cita-das pelos indivíduos que pensam mais na tradiçãoquando vão se alimentar, sendo elas: o fato de não teremhábito e por duvidarem da eficácia do produto. Alémdisso, deve-se destacar que o gênero masculino e a classemédia representam, de modo semelhante ao grupo 4/5(alimento – prazer), modalidades das variáveisilustrativas mais relacionadas as principais característi-cas que descrevem o grupo 3/5 (alimento – tradição).

Ainda em relação às principais características daclasse social que melhor representa o grupo 3/5 (ali-mento – tradição), sobretudo no que diz respeito aonível intermediário de estudo e as atividadesprofissionais ligadas a tal grupo social, a escolha peloesporte coletivo (destaque ao futebol e, segundo umaanálise ainda mais detalhada, descobriu-se que a práticade tal esporte é realizada uma vez na semana) revelariauma relação com o corpo menos reflexiva ou estética,onde a prática do esporte citado estaria mais associadaa um momento de prazer ou descontração.

Quanto ao vocabulário utilizado pelo mesmo grupopara explicar o significado de comer bem, uma análisemais específica quanto ao discurso do grupo 3/5 (ali-

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125AGROALIMENTARIAVol. 18, Nº 35; julio-diciembre 2012

mento – tradição) permite afirmar que a representaçãoda alimentação vinculada a tradição é mais relacionadaa ingestão do que é apreciado, próximo, «bem feito»; ouseja, o que preserva simbolicamente o familiar e o queé feito na casa. A expressão «fazer as três refeições»como manifestação do que seria comer bem, corres-ponde ao perfil de identificação do grupo (B) e estámais ligado ao seguimento da norma do modelo ali-mentar tradicional, onde a família populosa (cincopessoas) partilha as refeições, interpretadas comoocasiões sociais da vida diária, marcada pelasociabilidade.

Contudo, deve ser ressaltado que ambos os grupos(4/5 e 3/5) reforçam a condição de saciedade propor-cionada pela ingestão alimentar como um significadode comer bem, podendo indicar a preferência por ummodo de consumo alimentar mais energético. Contudo,devido ao fato de terem sido melhor caracterizados porindivíduos que declararam rendas familiares que podealcançar até 20 salários mínimos, faixa de renda melhorrelacionada àqueles que afirmaram completar, no máxi-mo, o segundo grau, poder-se-ia afirmar que o consu-mo desses grupos representa uma maneira de reforçarsua maior facilidade de acesso aos alimentos que lhesproporciona prazer. Tal facilidade é interpretada comosímbolo de sucesso distinção social, sobretudo, emrelação ao grupo 5/5 (alimento – saúde), alimentaçãovista como meio de garantir a saúde e a força para otrabalho. Dessa forma, reforça-se que a partir da análiseda representação da comida, pode-se compreendermelhor o valor do modelo alimentar apropriado paracada grupo, o qual influencia as opções por certos ali-mentos, levando em conta os efeitos supostos propor-cionados pelos mesmos no ato de sua incorporação.

Por fim, a última oposição encontrada no planofatorial que mostra o posicionamento dos grupos for-mados a partir de suas representações aponta de umlado (quadrante inferior esquerdo) o grupo 2/5 (alimen-to – forma física) e, de outro (quadrante superiordireito), o grupo 1/5 (alimentação – sobrevivência).

Quanto ao grupo 2/5 (alimento – forma física), umaparticularidade do mesmo o diferencia de todos osoutros. A especificidade que se refere diz respeito arelação com o corpo do tipo estética verificada nestegrupo. Isso se justifica pela forma como pensa suaalimentação (declaram pensar, sobretudo, na forma fí-sica quando se alimentam); pela declaração do consu-mo de produtos do tipo light e ou diet porque nãoengordam (uma verificação mais aprofundada revelouque o grupo declarou consumir produtos desse tipo to-dos os dias da semana); pela sua identificação ao perfilC (preocupa-se em controlar o apetite e o peso) e pela

prática de esportes em academias (maneira de desen-volver e embelezar o corpo segundo uma preocupaçãoestética). Em relação a questão da neofobia alimentar,o grupo declarou que, face a uma comida diferente, elesesperariam outras pessoas provarem para – então –experimentá-la. Tal posicionamento poderia represen-tar uma característica de curiosidade em relação ao ali-mento novo (experimentar para formar uma opinião).Além, disso cabe destacar que o grupo 2/5 (alimento –forma física) foi – igualmente – representado pelogênero feminino, pelos grupos sociais abastados ejovens acadêmicos. No caso deste trabalho, o perfildaqueles que declararam uma forma de pensar sobre aalimentação que privilegia a forma física e a preferênciapelo modelo estético corresponde ao que foi mencio-nado anteriormente. Indivíduos mais abastados, aquelesque declararam os maiores níveis de formação,profissões que exigem maior esforço intelectual do quefísico e faixas etárias de 20 a 30 anos e de 41 a 50 anosdeclararam uma maior preocupação no que concerne aalimentação e seus efeitos para a gestão do corpo(preocupações estéticas – efeitos da incorporação decertos alimentos no corpo).

Além disso, poder-se-ia justificar o fato do gênerofeminino aparecer no grupo 2/5 (alimento – forma físi-ca) pelas considerações realizadas por Lambert et al.(2005) no que diz respeito às preocupações estéticasmanifestadas pelos indivíduos. Os autores mencionamque preocupações estéticas e dietéticas caracterizam omodelo do corpo magro, particularmente mais seguidopor mulheres de países latinos (destaque ao modismodo consumo de produtos light e diet, bem como aosinúmeros regimes de emagrecimento que circulam nosdiferentes meios de comunicação).

Em relação ao que vem sendo comentado, Hubert(2004) explica que, de modo geral, quando comparadoao corpo masculino, o corpo feminino é submetido demodo mais evidente às restrições impostas por normassocioculturais.

A observação do vocabulário empregado pelo gru-po quanto ao significado de comer bem revela um dis-curso que manifesta, de modo evidente, suaspreocupações dietéticas e estéticas. No caso do grupoanalisado, as definições das expressões comida equili-brada e alimentação saudável se aproximam daquelasutilizadas pelos profissionais da saúde e encontradasem guias alimentares. Em relação à utilização de umdiscurso nutricional para descrever os alimentos, ou seja,quando os indivíduos descrevem o que consomem ci-tando suas categorias dietéticas (produtos mais ou me-nos ricos em lipídios, proteínas, vitaminas, sais minerais,etc.), corresponde ao que foi encontrado no vocabulário

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Figura 5 Vocabulário do grupo que associa alimento a forma física quanto ao significado de comer bem

O q u e s ig n i fic a “c o m e r b e m ” p a ra o g ru p o 3 /5 (b u s ca p e la t ra d içã o n o a to a l im e n ta r)

C o m e r v a rie d a d e , b o a q u a n tid a d e e u m a c o m id a s a u d á v e l;C o m e r tu d o ;

F ic a r s a t is fe i to ;C o m id a s a b o ro s a ;

T e r u m a a lim e n ta ç ã o b o a e c a s e ira ;S a tis fa z e r -s e ;

A l im e n ta ç ã o s a u d á v e l;F a z e r a s trê s re fe iç õ e s ;

S e n tir -s e s a tis fe i to ;C o m e r c o isa s s a u d á ve is .

do grupo 2/5 (alimento – forma física) quando declaramque comer bem é: «alimentar-se direito em todas asrefeições, fazer todas as refeições e nas horas certas, ouainda, comer de forma equilibrada para depois não ficarcom sentimento de culpa».

Levando em conta o que foi declarado pelo grupo2/5 (alimento – forma física) quanto às preferênciaspor produtos de origem vegetal, pelos produtos lácteose pelo consumo de carnes brancas em detrimento dasvermelhas, destaca-se que tais declarações reforçam aforma como os indivíduos do grupo analisado pensamsobre sua alimentação e mostram uma relação mais re-flexiva do mesmo quanto ao corpo (corpo não é maisinterpretado como um instrumento para o trabalho).Com isso, as preferências pelos alimentos menciona-dos evidenciam uma hierarquia dos alimentos, a qualtem relação com as representações desse grupo e quese organiza em torno de um simbolismo do equilíbrioalimentar.

Levando em conta as análises que ajudaram a melhorcompreender a representação da comida declarada pelogrupo 2/5 (alimento – forma física), julga-se importan-te reforçar que embora – neste trabalho – os indivíduos

que melhor representaram tal grupo tenham declaradouma maior preocupação em controlar o apetite e o peso(escolha do perfil C), pensando sobre sua alimentaçãode modo a regulá-la com foco na perda de peso (pensamsempre em sua forma física) – modo de seguir de umanorma estética atual do modelo do corpo magro – essedesejo de «construir» um corpo que seja socialmenteaceitável e desejável para certos grupos sociais não podeser considerado como uma obsessão exclusiva daquelesque declaram pensar sobre o alimento privilegiando aforma física. Isso se justifica porque análises detalhadasacerca das representações dos alimentos mostraramatitudes mais reflexivas dos indivíduos em relação a seuscorpos, as quais puderam ser percebidas pelas ligaçõesque os indivíduos fazem entre alimentação e forma fí-sica; buscando, entre outros exemplos, melhorarcondicionamento físico, adequar suas práticasalimentares do cotidiano, conseguir maior controlemaior sobre si mesmo (experiência de responsabilização)e ter menos problemas com a saúde na velhice.

Por fim, segundo apresentado na Figura Nº 6, demodo oposto ao grupo anteriormente comentadoencontra-se o grupo 1/5 (alimentação – sobrevivência)

Fonte: Elaborada pelos autores.

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127AGROALIMENTARIAVol. 18, Nº 35; julio-diciembre 2012

o qual apresenta uma forma específica de pensar sobresua alimentação no que concerne sua percepção da co-mida, ou melhor, quanto ao seu modo de fazer ligaçõesentre a alimentação e a sobrevivência.

Verificando-se a formação do grupo, as modalida-des que melhor representaram o mesmo revelam a poucaimportância atribuída pelos indivíduos componentesdesse grupo quanto a comida e suas conseqüências parao corpo, bem como sua identificação com o perfil F(normalmente encontram dificuldade em encontrar to-dos os alimentos que gostariam de comer e, dessa for-ma, quando têm oportunidade comem em grandequantidade). Além disso, também, foram melhor repre-sentados pela rejeição ao consumo de produtos light eou diet. No que diz respeito à variável suplementar, aclasse social pobres urbanos se apresentou de formamais relacionada a tal modo de pensar sobre aalimentação que o conjunto das outras classes. Cabelembrar que os indivíduos de Recife, aqueles quedeclararam renda familiar menor que dois salários mí-nimos, aqueles com baixo grau de escolaridade (primeirograu incompleto), domicílios marcados pelo modelocultural da dona de casa, domicílios mais populosos eos indivíduos que trabalham como vendedores do

O q ue s ign ifica “co m e r b e m ” p a ra o g rup o 1 /5 (re la ção co m o a lim e n to tipo so b re vivên c ia )

T e r u m a a lim e n ta çã o sad ia ;C o m e r p a ra m a n te r a sa úd e e so b re v ive r;

C o m e r o qu e go s ta se m re s tr içã o;C o m e r o qu e go s ta na ho ra qu e qu ise r;

C o m e r o qu e tive r von tad e;R e a liza r, n o m ín im o , a s trê s re fe içõ e s no s ho rá rio s ce rto s e co m m u ita qu a lida de ;

C o m e r a qu ilo qu e vo cê go s ta , se nd o sim p le s e co m q u alida de ;C o m e r p rod uto s q ue te nh a m h ig ie ne e qu e faça m b e m pa ra a saú de ;

C o m e r tu do o qu e qu ise r;C o m er a qu ilo que a te nd a a s n e ce ssida de s do m o m e n to ;C o m e r vá ria s ve ze s ao d ia e m q u an tida de s sufic ien te s;

P o d e r co m e r o qu e go s ta ;F a ze r a s trê s re fe içõe s d iá ria s e n ão co m e r sa lad a s e fru ta s .

Figura 6 Vocabulário do grupo que associa alimento a sobrevivência quanto ao significado de comer bem

Fonte: Elaborada pelos autores.

comércio ou aqueles que estão desempregadosrepresentam melhor a classe dos pobres urbanos.

Para compreender melhor o valor da comida e suainfluência no modo de pensar sobre o ato alimentar daforma como foi declarada pelo grupo (come-se paraviver, come-se para manter o corpo funcionando), umaanálise mais detalhada do vocabulário empregado pelomesmo para explicar o significado de comer é realizadaa seguir.

Observando-se as expressões mais utilizadas pelosindivíduos do grupo 1/5 (alimentação – sobrevivência),constata-se que comer bem representa, de formasignificativamente importante para os indivíduos quecompõem o mesmo, satisfazer uma necessidade vital;ou seja, estar saciado e não sentir fome. Com isso,embora declarem não pensar sobre o alimento e seusefeitos sobre o corpo, a análise dos discursos permitecompreender que – para esse grupo – os efeitos dosalimentos sobre o corpo são interpretados quanto aoseu poder em garantir a sensação de saciedade.

No que concerne às definições do grupo quanto àqualidade do que é consumido, à prática de umaalimentação simples e sadia e à preocupação com a hi-giene dos alimentos, constatou-se, mais uma vez que

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Lucchese-Cheung, Thelma; Batalha, Mário Otávio e Lambert, Jean LouisComportamentos do consumidor de alimentos: tipologia e representação da comida (115-129)128

essas características correspondem à representação dacomida. Dessa forma, levando em conta os valores eos símbolos dos alimentos para o grupo comentado,poder-se-ia dizer que as preocupações com a qualidadee higiene dos alimentos estão ligadas às preocupaçõesquanto a falta de saúde que podem levar a umaindisposição ao trabalho; e, com isso, a uma maiorprivação alimentar. Com base no que foi comentado,torna-se interessante citar o que foi proposto porCanesqui e Garcia (2005) acerca das representações dacomida para grupos de indivíduos urbanos brasileirosde baixa renda. Visando melhor conhecer as maneirasque indivíduos dessa classe pensam sobre a comida, asautoras constatou que o significado de comer bemtambém foi relacionado às preocupações quanto àsegurança dos alimentos. Comer bem, segundo lembraas autoras, seria “comer menos mal possível”. Assim,para os indivíduos, o que seria consumido deveria pro-porcionar sensações de saciedade e não mal estar oudoenças (o corpo alimentado significa disponibilidadepara o trabalho e remuneração).

Cabe destacar que, enquanto para os indivíduos dogrupo comentado anteriormente (2/5 alimento – for-ma física) o fato de fazer três refeições diárias e comerna hora certa corresponde a uma forma de não sentirfome; as manifestações do grupo 1/5 (alimentação –sobrevivência) quanto a «fazer três refeições diárias»estão mais ligadas ao desejo em poder, realmente, realizá-las. Por fim, em relação à declaração de que comer bemseria «fazer três refeições diárias e não comer saladas efrutas», a condição desnecessária atribuída ao consu-mo dos produtos de origem vegetal pode ser explicada– entre outras razões – por que esses não garantemfortes sensações de saciedade. O estudo dasrepresentações da comida do grupo 1/5 (alimentação– sobrevivência) mostra que os alimentos, impregna-dos de valores simbólicos, refletem identidades sociais.Dessa forma, os alimentos categorizados como aquelesque não fazem parte do campo do «possível alimentar»de um grupo podem desencadear atitudes negativas dosindivíduos em relação aos mesmos. Com isso, as for-mas como pensam sobre sua alimentação e ahierarquização dos alimentos que resulta dessasrepresentações levam a comportamentos alimentaresque marcam identidades e barreiras de um grupo emrelação a outros.

4. CONCLUSÕESNeste trabalho pretendeu-se ressaltar a importância darealização de análises mais explicativas e menosdescritivas das práticas alimentares dos consumidores.Para tanto, investigações foram realizadas sobre as

experiências de consumo dos comensais. Buscou-seestudar tais comportamentos a partir de informaçõesreveladas pelos próprios entrevistados sobre os produtosalimentares consumidos ou rejeitados, as suas formasde pensar sua alimentação, bem como sobre as suasprincipais restrições ao consumo. Com isso, foi possívelrealizar um estudo que considerasse além da ação dosdeterminantes socioeconômicos das práticas alimentaresdos indivíduos, a importante influência dos aspectossocioculturais sobre a maneira como os mesmospercebem os alimentos e adotam comportamentos deconsumo.

A consideração da alimentação como um fenômenosociocultural permitiu entender que os alimentos (im-pregnados de significados simbólicos) são difusores deidentidades sociais; e, também, contribuem no processode construção dessas identidades (crença naincorporação dos componentes nutricionais e simbóli-cos dos alimentos – «os indivíduos são aquilo queconsomem»). Além disso, cabe acrescentar que osindivíduos são seres sociais e, segundo influências devalores, normas, tabus e crenças, suas práticasalimentares representam meios de lhes aproximar dosseus grupos de pertença ou referência; ou, ainda, delhes distanciar socialmente.

Os dados deste trabalho podem ser úteis tanto paraos agentes dos poderes público quanto do privado. Paraos agentes do poder público, o conhecimento das dife-rentes representações sociais dos alimentos poderiacontribuir para uma melhor orientação das políticas desaúde pública que pretendem melhorá-la através daalimentação. Conforme já comentado, os indivíduos têmconcepções diferentes dos alimentos, bem comopercebem seus corpos de maneiras distintas. Julga-se,então, conveniente àqueles que pretendem – entre outrasações – realizar campanhas de reeducação alimentar, abusca por informações sobre as maneiras como osindivíduos percebem os alimentos, sobre as suasnecessidades quotidianas, bem como sobre os seus sis-temas de valor que também guiam suas escolhasalimentares; e, assim, representam importantes deter-minantes dos comportamentos dos comensais. Já emrelação às ações dos agentes dos poderes privados, oconhecimento das representações sociais da comidapoderia, entre outros exemplos, auxiliá-los na definiçãode suas estratégias de segmentação de mercado, naelaboração de novos produtos, na promoção dosmesmos e na escolha dos melhores canais de distribuiçãopara a comercialização dos produtos alimentares.

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