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21 Agrotóxicos, Saúde e Ambiente 1 AGROTÓXICOS, SAÚDE E AMBIENTE: uma introdução ao tema Frederico Peres Josino Costa Moreira Gaetan Serge Dubois INTRODUÇÃO Agrotóxicos, defensivos agrícolas, pesticidas, praguicidas, remédios de planta, veneno. Essas são algumas das inúmeras denominações relaciona- das a um grupo de substâncias químicas utilizadas no controle de pragas (animais e vegetais) e doenças de plantas (Fundacentro, 1998). São utiliza- dos nas florestas nativas e plantadas, nos ambientes hídricos, urbanos e industriais e, em larga escala, na agricultura e nas pastagens para a pecuária, sendo também empregados nas campanhas sanitárias para o combate a ve- tores de doenças. Tão extensa quanto a lista de efeitos nocivos dos agrotóxicos à saúde humana é a discussão sobre a nomenclatura correta dessa gama de produtos, a qual, de acordo com os interesses de grupo (ou grupos) envolvido(s), pode dar-lhes conotações muitas vezes opostas ao sentido real. A legislação brasileira, até a Constituição de 1988 (publicada em 1989), tratava esse grupo de produtos químicos por defensivos agrícolas, denomi- nação que, pelo seu próprio significado, excluía todos os agentes utilizados nas campanhas sanitárias urbanas. Fazia parte da Portaria 3.214 de 8 de junho de 1978, que aprova as Normas Regulamentadoras (NRs) relativas à Segurança e Medicina do Trabalho, especificamente da Norma Regula- mentadora Rural n o 5 (NRR 5), que trata da utilização de produtos quími- cos no trabalho rural. A mesma Norma, alterada durante o processo Cons-

AGROTÓXICOS, SAÚDE E AMBIENTE: uma introdução ao tema

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Agrotóxicos , Saúde e Ambiente

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AGROTÓXICOS, SAÚDE E AMBIENTE:uma introdução ao tema

Frederico PeresJosino Costa MoreiraGaetan Serge Dubois

INTROD UÇÃO

Agrotóxicos, defensivos agrícolas, pesticidas, praguicidas, remédios deplanta, veneno. Essas são algumas das inúmeras denominações relaciona-das a um grupo de substâncias químicas utilizadas no controle de pragas(animais e vegetais) e doenças de plantas (Fundacentro, 1998). São utiliza-dos nas florestas nativas e plantadas, nos ambientes hídricos, urbanos eindustriais e, em larga escala, na agricultura e nas pastagens para a pecuária,sendo também empregados nas campanhas sanitárias para o combate a ve-tores de doenças.

Tão extensa quanto a lista de efeitos nocivos dos agrotóxicos à saúdehumana é a discussão sobre a nomenclatura correta dessa gama de produtos,a qual, de acordo com os interesses de grupo (ou grupos) envolvido(s), podedar-lhes conotações muitas vezes opostas ao sentido real.

A legislação brasileira, até a Constituição de 1988 (publicada em 1989),tratava esse grupo de produtos químicos por defensivos agrícolas, denomi-nação que, pelo seu próprio significado, excluía todos os agentes utilizadosnas campanhas sanitárias urbanas. Fazia parte da Portaria 3.214 de 8 dejunho de 1978, que aprova as Normas Regulamentadoras (NRs) relativas àSegurança e Medicina do Trabalho, especificamente da Norma Regula-mentadora Rural no 5 (NRR 5), que trata da utilização de produtos quími-cos no trabalho rural. A mesma Norma, alterada durante o processo Cons-

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tituinte, passa a tratar, a partir da data de sua promulgação, esse grupode produtos químicos por agrotóxicos. (Lei Federal no 7.802, de 11 de julho de1989, atualmente regulamentada pelo Decreto 4.074, de 4 de janeirode 2002. O Decreto 4.074/02 revogou o Decreto 98.816, de 11 de janeiro de1990, que regulamentou primeiramente a Lei de Agrotóxicos.)

Assim, a NRR 5 acompanha a mencionada Lei Federal e passa à regu-lamentação dos agrotóxicos, ali definidos da seguinte maneira:

Entende-se por agrotóxicos as substâncias, ou mistura de substâncias,de natureza química quando destinadas a prevenir, destruir ou repelir,direta ou indiretamente, qualquer forma de agente patogênico ou devida animal ou vegetal, que seja nociva às plantas e animais úteis, seusprodutos e subprodutos e ao homem.

Tal definição já evidencia a capacidade desses agentes de destruir vidaanimal ou vegetal, característica que fica completamente mascarada em umadenominação de caráter positivo como a de “defensivos agrícolas”. Segundoo grupo de pós-graduação em Agroecologia da Universidade Federal Ruraldo Rio de Janeiro, em reportagem publicada no jornal informativo do Conse-lho Regional de Química, da Terceira Região:

O termo defensivo agrícola carrega uma conotação errônea de que asplantas são completamente vulneráveis a pragas e doenças, e escondeos efeitos negativos à saúde humana e ao meio ambiente. O termoagrotóxico é mais ético, honesto e esclarecedor, tanto para osagricultores como para os consumidores. (Informativo CRQ III, 1997)

Ainda de acordo com a reportagem, esse tipo de denominação favoreceos interesses do capital estrangeiro, expandindo seus domínios e criandomecanismos (meios/estudos/pesquisas) que corroborem a necessidade dautilização de tais produtos:

O capital estrangeiro se beneficia do uso de insumos vendidos,principalmente, para países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento,como é o caso do Brasil, que tem um governo atrelado a esse capital,tornando nossa agricultura altamente dominada. Esse domínio érefletido nas pesquisas agrícolas, que priorizam estudos voltados paraviabilizar a adoção desses insumos. (Informativo CRQ III, 1997)

Como seria de se esperar, a mudança do termo “defensivos agrícolas”para “agrotóxicos” foi conseguida após muita negociação política, em quese destacou o papel da sociedade civil organizada em sindicatos rurais, coo-

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perativas de produtores rurais e de outros grupos que representaram o inte-resse do usuário/consumidor contra esse lobby. Essa terminologia teve umaaceitação muito grande por parte dos comerciantes e fabricantes de taisinsumos, principalmente pela conotação positiva que conferia aos agrotóxi-cos (um agente que vai ‘defender’ a sua lavoura ‘indefesa’ das pragas quepoderiam acometê-la).

Na literatura internacional em língua inglesa, o grupo de substâncias/produtos químicos aqui definido como agrotóxico recebe a denominaçãode pesticida (pesticide). O termo “agroquímico” – o mais próximo de agrotó-xico encontrado em literatura de língua inglesa (agrochemicals) e, em menorescala, também na língua portuguesa – engloba um número maior de pro-dutos, como os fertilizantes e adubos inorgânicos. Portanto, não representao real sentido do termo agrotóxico, que indica não apenas a sua finalidadede uso, mas também o caráter prejudicial destas substâncias, visualizado noradical “tóxico”.

A denominação pesticidas, mantida pelo forte lobby da indústria quími-ca internacional, também reforça o caráter positivo do termo (pesticida, pro-duto que mata – somente – as pestes) e cai como uma luva ao ratificar seusinteresses através da consolidação de tais produtos como insumos indis-pensáveis (segundo profissionais ligados a esses setores produtivos) ao pro-cesso de produção rural. Na literatura de língua espanhola, tais produtossão tratados por “praguicidas” (plaguicidas), com clara associação à denomi-nação de pesticidas.

No campo, esses insumos são amplamente conhecidos por “veneno”ou “remédio”, questão presente no título desta publicação, e que está rela-cionada não somente à forma pela qual os agrotóxicos são denominadospelos trabalhadores rurais (que os chamam ora de veneno, ora de remédio),mas também a uma desconfiança histórica, evidenciada no campo e extra-polada para a sociedade em geral, sobre o papel de tais produtos na vida eno trabalho rural, na mesa dos consumidores e na saúde ambiental e quali-dade de vida destas e das gerações futuras.

O termo “remédio” tem origem no discurso de vendedores e técnicosligados à indústria, que tratavam os agrotóxicos por “remédio de plantas”,quando da implantação deles no mercado brasileiro, por volta da década de60. Já o termo “veneno” deriva da experiência concreta do trabalhador rural(e, em nossa opinião, constitui a mais digna e acurada denominação para tais

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produtos), que, desde o início da utilização dos agrotóxicos no meio rural,vem observando, além de seus efeitos previstos – matar pragas –, tambémseus efeitos nocivos à saúde humana e animal (por exemplo, morte de pei-xes, roedores, animais domésticos etc.).

Nesta publicação, optou-se por utilizar a denominação constante dalegislação brasileira – agrotóxicos – por considerarmos que esse termo en-globa o maior número de características necessárias à descrição das substânciasque formam tal universo, além de ser mais transparente e dotado de conotaçãoética para o leitor, o usuário e o consumidor dos produtos “tratados”.

Segundo a Food and Agriculture Organization (FAO), Programa daOrganização das Nações Unidas (ONU) responsável pelas áreas de agricul-tura e alimentação, os agrotóxicos são definidos como:

qualquer substância, ou mistura de substâncias, usadas para prevenir,destruir ou controlar qualquer praga – incluindo vetores de doençashumanas e animais, espécies indesejadas de plantas ou animais,causadoras de danos durante (ou interferindo na) a produção,processamento, estocagem, transporte ou distribuição de alimentos,produtos agrícolas, madeira e derivados, ou que – ou que deva seradministrada para o controle de insetos, aracnídeos e outras pestesque acometem os corpos de animais de criação. (FAO, 2003)

De acordo com a Lei Federal no 7.802, em seu Artigo 2, Inciso I, quetrata sobre esse grupo de substâncias/agentes no país:

Agrotóxicos e afins são os produtos e os componentes de processosfísicos, químicos ou biológicos destinados ao uso no setor de produção,armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens,na proteção de florestas nativas ou implantadas e de outros ecossistemase também em ambientes urbano, hídricos e industriais, cuja finalidadeseja alterar a composição da flora e da fauna, a fim de preservá-la daação danosa de seres vivos considerados nocivos, bem como substânciase produtos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladorese inibidores do crescimento.

Os agrotóxicos englobam uma vasta gama de substâncias químicas –além de algumas de origem biológica – que podem ser classificadas de acordocom o tipo de praga que controlam, com a estrutura química das substânci-as ativas e com os efeitos à saúde humana e ao meio ambiente (Agrofit,1998). Os agrotóxicos e os produtos veterinários, utilizados para combater

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pragas ou doenças de plantas e de animais, respectivamente, são regula-mentados e tratados separadamente na legislação brasileira, apesar de utili-zarem muitas vezes, em suas formulações, o mesmo ingrediente ativo.

O Quadro 1 apresenta um sumário dos principais agrotóxicos emprega-dos mundialmente, de acordo com o tipo de praga que controla e com ogrupo químico a que pertencem.

Quadro 1 – Principais categorias de agrotóxicos quanto à natureza da pragacombatida e ao grupo químico a que pertencem

Classificação quanto à natureza da praga

controlada

Classificação quanto ao grupo químico

Exemplos (produto/substâncias/agentes)

Inorgânicos Fosfato de alumínio, arsenato de cálcio

Extratos vegetais Óleos vegetais Organoclorados Aldrin,* DDT,* BHC* Organofosforados Fenitrotion, Paration, Malation,

Metil-paration Carbamatos Carbofuran, Aldicarb, Carbaril Piretróides sintéticos Deltametrina, Permetrina

Inseticidas (controle de insetos)

Microbiais Bacillus thuringiensis Inorgânicos Calda Bordalesa, enxofre Ditiocarbamatos Mancozeb, Tiram, Metiram Dinitrofenóis Binapacril Organomercuriais Acetato de fenilmercúrio Antibióticos Estreptomicina, Ciclo-hexamida Trifenil estânico Duter, Brestam Compostos Formilamina Triforina, Cloraniformetam

Fungicidas (combate aos fungos)

Fentalamidas Captafol, Captam Inorgânicos Arsenito de sódio, cloreto de sódio Dinitrofenóis Bromofenoxim, Dinoseb, DNOC Fenoxiacéticos CMPP, 2,4-D, 2,4,5-T Carbamatos Profam, Cloroprofam, Bendiocarb Dipiridilos Diquat, Paraquat, Difenzoquat Dinitroanilinas Nitralin, Profluralin Benzonitrilas Bromoxinil, Diclobenil

Herbicidas (combate às plantas invasoras)

Glifosato Round-up Dipiridilos Diquat, Paraquat Desfoliantes

(combate às folhas indesejadas)

Dinitrofenóis Dinoseb, DNOC

Hidrocarbonetos halogenados

Brometo de metila, cloropicrina

Geradores de Metil-isocianato

Dazomet, Metam Fumigantes

(combate às bactérias do solo)

- Formaldeídos Hidroxicumarinas Cumatetralil, Difenacum Rodenticidas/Raticidas

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*Proibidos em vários países e no Brasil.

Fonte: WHO, 1990; OPS/WHO, 1996 – apud Peres, 1999.

O PROCESSO DE REGISTRO E AVALIAÇÃO AMBIENTAL DE AGROTÓXICOS

O registro dos agrotóxicos nas instituições governamentais competen-tes (Ministérios da Agricultura, Meio Ambiente e Saúde) constitui-se noinstrumento básico do processo de controle governamental sobre essas subs-tâncias/produtos, visando à importação, exportação, produção, transporte,armazenamento, comercialização e uso.

Trata-se de uma etapa obrigatória em vários países com a finalidade demaximizar os benefícios para o usuário e minimizar os riscos à saúde huma-na e ambiental. Assim, os órgãos governamentais envolvidos no processode registro têm a incumbência de avaliar as características agronômicas,toxicológicas e ecotoxicológicas de cada substância/produto, como tambémde estabelecer as restrições e recomendações de uso necessárias para umamaior segurança na utilização dos agrotóxicos.

Além disso, a expectativa da sociedade é de que a aprovação doregistro de um agrotóxico signifique o reconhecimento e a garantia deque o produto, quando utilizado da maneira recomendada, esteja den-tro dos limites de segurança aceitos para a saúde e o ambiente.

É importante salientar que o registro é um processo decisivo no qual sedevem avaliar cientificamente a qualidade e a pertinência dos resultados e

Quadro 1 – Principais categorias de agrotóxicos quanto à natureza dapraga combatida e ao grupo químico a que pertencem(continuação)

controlada Inorgânicos (aquáticos) Sulfato de cobre Moluscocidas

(combate aos moluscos) Carbamatos (terrestres) Aminocarb, Metiocarb, Mexacarbato Hidrocarbonetos halogenados

Dicloropropeno, DD Nematicidas (combate aos nematóideos)

Organofosforados Diclofention, Fensulfotion Organoclorados Dicofol, Tetradifon Acaricidas

(combate aos ácaros) Dinitrofenóis Dinocap, Quinometionato

Classificação quanto à

natureza da praga controlada

Classificação quanto ao grupo químico

Exemplos (produto/substâncias/agentes)

Inorgânicos (aquáticos) Sulfato de cobre Moluscocidas - Formaldeídos Hidroxicumarinas Cumatetralil, Difenacum Rodenticidas/Raticidas

(combate aos roedores/ratos) Indationas Fenil-metil-pirozolona, pindona

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das conclusões apresentados, os quais, em última instância, devem envol-ver uma análise do risco-benefício, que demanda uma visão e um conheci-mento integrados dos aspectos toxicológicos, ecotoxicológicos e agronômi-cos, orientados para um maior interesse social.

Nesse contexto, a avaliação dos possíveis efeitos adversos à saúde hu-mana (os agudos e principalmente os crônicos) e ao ambiente deve ser defundamental importância para a concessão ou não do registro. Isto porque,embora a eficácia agronômica possa ser facilmente comprovada pelo pró-prio usuário – resultando, naturalmente, em uma maior ou menor aceitaçãodo produto –, os danos à saúde humana e ao ambiente, na maioria dos ca-sos, não o são.

Para obtenção do registro no Brasil, até 1989, os agrotóxicos eram sub-metidos apenas às avaliações toxicológica e de eficácia agronômica. Após aregulamentação da Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989, pelo Decreto no

98.816, de 11 de janeiro de 1990, passaram a ser exigidas também a avalia-ção e a classificação do potencial de periculosidade ambiental.

Segundo a atual legislação, compete ao Ministério da Agricultura e Abas-tecimento realizar a avaliação da eficácia agronômica, ao Ministério da Saú-de executar a avaliação e classificação toxicológica e ao Ministério do MeioAmbiente, por meio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur-sos Naturais Renováveis (Ibama), avaliar e classificar o potencial de pericu-losidade ambiental. Os órgãos estaduais e do Distrito Federal, dentro desua área de competência, devem realizar o controle e a fiscalização da co-mercialização e uso desses produtos na sua jurisdição.

A avaliação ambiental, a cargo do Ibama, é baseada em documentaçãofornecida pelas empresas interessadas no registro, compreendendo estu-dos e testes realizados por laboratórios nacionais e estrangeiros, e em infor-mações complementares. São levados também em consideração outros da-dos obtidos da literatura e de banco de dados especializados.

A avaliação e a classificação do potencial de periculosidade ambientalde um agrotóxico é baseada em estudos físico-químicos, toxicológicos eecotoxicógicos, que fundamentam qualquer alteração, restrição, concessãoou não do registro. Assim, é importante que esses estudos tenham sidoconduzidos de acordo com as Boas Práticas de Laboratórios (Portaria Con-junta Ibama-Inmetro, no 66 de 17 de junho de 1997), assegurando umaavaliação e classificação ambiental mais consistentes desses produtos.

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Para a avaliação dos possíveis efeitos ambientais, as empresas interessa-das devem apresentar ao Ibama informações sobre as propriedades físico-químicas das substâncias presentes naquele produto, os resultados de tes-tes ou estudos sobre mobilidade e persistência em solos brasileiros, fotólise,hidrólise, testes de toxicidade aguda e crônica realizados com diferentes orga-nismos não-alvos (microorganismos, minhoca, algas, peixes, abelhas, aves emamíferos), além dos resultados dos estudos de bioconcentração em peixes edo potencial mutagênico, teratogênico e carcinogênico do produto.

De acordo com esses parâmetros, os agrotóxicos são classificados, quantoà periculosidade ambiental, em classes que variam de I a IV: produtos impe-ditivos de obtenção de registro, produtos altamente perigosos ao meio ambi-ente (Classe I); produtos muito perigosos ao meio ambiente (Classe II); pro-dutos perigosos ao meio ambiente (Classe III); e produtos pouco perigososao meio ambiente (Classe IV).

A classificação dos agrotóxicos em função dos efeitos à saúde, decor-rentes da exposição humana a esses agentes, pode resultar em diferentesclasses toxicológicas, sumarizadas no Quadro 2. Essa classificação obedeceao resultado de testes ou estudos realizados em laboratórios, que tentamestabelecer a dosagem letal (DL) do agrotóxico em 50% dos animais utili-zados naquela concentração.

Quadro 2 – Classificação dos agrotóxicos de acordo com os efeitos à saúdehumana

Fonte: WHO, 1990; OPS/WHO, 1996 – apud Peres, 1999.

A legislação brasileira prevê a proibição de registro de agrotóxicos e,conforme o estabelecido no Artigo 3o, § 6, essa proibição pode ocorrer nasseguintes situações: 1) para os quais o Brasil não disponha de métodos paraa desativação de seus componentes; 2) para os quais não haja antídoto outratamento eficaz no país; 3) que revelem características teratogênicas, car-cinogênicas ou mutagênicas; 4) que provoquem distúrbios para hormonais

Classe toxicológica Toxicidade DL50 Faixa colorida I extremamente tóxico 5 mg/kg vermelha II altamente tóxico entre 5 e 50 mg/kg amarela III medianamente tóxico entre 50 e 500 mg/kg azul IV pouco tóxico entre 500 e 5.000 mg/kg verde - muito pouco tóxico acima de 5.000 mg/kg -

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e danos ao aparelho reprodutor; 5) que se revelem mais perigosos para ohomem do que os testes de laboratório, com animais, tenham podido de-mostrar; e 6) cujas características causem danos ao meio ambiente.

Conforme previsto no Decreto 4.074/02, deverá ser adotada no Brasil aavaliação de riscos ambientais dos agrotóxicos, por ser o procedimento maisadequado, uma vez que é o resultado do julgamento de sua periculosidadeem função da exposição. A periculosidade está associada com a potencialida-de da substância, a exemplo da toxicidade aguda e crônica, bioacumulaçãoetc., ao passo que a exposição está associada com a quantidade da substânciae também com as condições de uso e de distribuição no ambiente.

As condições técnicas necessárias para avaliar o risco de agrotóxicos são maisexigentes do que as utilizadas para avaliar o potencial de periculosidade ambien-tal. Para sua implementação e execução no país, é fundamental que os órgãosresponsáveis e envolvidos no registro possuam equipes técnicas multidisciplina-res, com conhecimento das características intrínsecas dos produtos e experiênciana realização e na interpretação dos testes e estudos mencionados anteriormen-te, como também, acesso constante a dados e informações atualizadas.

Um aspecto importante do registro dos agrotóxicos é a avaliação doconteúdo e da forma de apresentação dos dizeres do rótulo e da bula, queservem para comunicar aos usuários sua aplicabilidade e também as adver-tências e recomendações sobre os problemas mais graves e importantesidentificados durante as fases de desenvolvimento do produto. Devem es-tar presentes no rótulo e na bula todas as advertências pertinentes (algu-mas são padronizadas) quanto aos efeitos sobre a saúde humana ou ambi-ental. Por exemplo, quando o resultado do teste de toxicidade aguda paraabelhas demonstrar que o produto é altamente perigoso (Classe I), o rótulodeverá trazer uma advertência semelhante à seguinte: “Este produto é AL-TAMENTE TÓXICO para abelhas, podendo afetar outros insetos benéficos. Nãoaplique o produto no período de maior visitação das abelhas.”

Segundo a legislação brasileira, os produtos formulados só podem sercomercializados por meio do receituário agronômico prescrito por profissio-nais habilitados. O rótulo e a bula podem auxiliá-los nessa função, indican-do o uso adequado e instruindo como diminuir os impactos adversos aomeio ambiente e à saúde humana.

Apesar do cumprimento dessa legislação, a maioria das informaçõescontidas em rótulos e bulas de produtos agrotóxicos não é inteligível para

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os usuários, sobretudo os trabalhadores rurais, como será demonstrado emoutros artigos desta coletânea. Tal fato é de extrema importância para oentendimento do processo que resulta na contaminação de milhões de tra-balhadores, ano a ano, por essas substâncias.

Outra atividade importante no controle dos agrotóxicos desenvolvida peloIbama é a verificação dos teores de impurezas tóxicas (dioxinas, nitrossaminas,DDT e seus isômeros etc.) e da composição quali-quantitativa dos produtos.A verificação dos teores de impurezas tóxicas é realizada por meio da avaliaçãodas análises do teor de impurezas, das informações sobre produção/importaçãoprestadas pelas empresas registrantes e de ações de fiscalização.

A UTILIZAÇÃO DE AGROTÓXICOS NO PAÍS

Desde a década de 50, quando se iniciou a chamada ‘revolução verde’,foram observadas profundas mudanças no processo tradicional de trabalhoagrícola, bem como em seus impactos sobre o ambiente e a saúde humana.Novas tecnologias, muitas delas baseadas no uso extensivo de agentes quí-micos, foram disponibilizadas para o controle de doenças, aumento da produ-tividade e proteção contra insetos e outras pragas.

Não se pode negar o crescimento, em termos de produtividade, proporci-onado pela difusão de tais tecnologias no campo (Moreira et al., 2002). Entre-tanto, essas novas facilidades não foram acompanhadas pela implementaçãode programas de qualificação da força de trabalho, sobretudo nos países emdesenvolvimento, expondo as comunidades rurais a um conjunto de riscosainda desconhecidos, originado pelo uso extensivo de um grande número desubstâncias químicas perigosas e agravado por uma série de determinantes deordem social (Peres, 1999; Peres et al., 2001). Além disso, as mudanças noprocesso produtivo e o implemento tecnológico de uma maneira geral podemestar, também, associados à exclusão e marginalização dos trabalhadores ruraisque não têm acesso a tais mudanças, levando a uma inserção na economia demercado desfavorável e injusta e, ainda, favorecendo o surgimento de novasinjúrias à saúde e à segurança do homem do campo (Peres et al., 2001).

Dentro desse contexto, os agrotóxicos aparecem como importante exem-plo dessa (triste) realidade. A Organização Mundial da Saúde estima que, acada ano, entre três e cinco milhões de pessoas são contaminadas por agrotóxi-cos em todo o mundo (Jeyaratnam, 1990; ILO, 1997). Alguns autores acredi-

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tam que tais números podem chegar a 25 milhões de trabalhadores/anosomente nos países em desenvolvimento (Jeyaratnam, 1990; Levien & Doull,1993). É inegável a seriedade do problema, sobretudo nos países em desen-volvimento, responsáveis por aproximadamente 20% do consumo mundial deagrotóxicos e onde estão localizados 70% dos casos de intoxicação (ILO, 1997).

Entre 1883 e 1997, os gastos mundiais com agrotóxicos aumentaramde 20 para 34 bilhões de dólares/ano (Yuldeman et al., 1998). A AméricaLatina foi a região do planeta onde se observou um maior aumento no con-sumo desses produtos (aproximadamente 120%). Isto ocorreu, principal-mente, por causa da influência do Brasil, que, no período, aumentou seusgastos na aquisição desses insumos de 1 para 2,2 bilhões de dólares/ano(entre 1964 e 1991, o consumo de agrotóxicos aumentou 276,2%, em rela-ção a um aumento de 76% na área plantada – MMA, 2000).

Dados da FAO mostram que, somente no ano de 1997, o país gastouUS$ 211,902 milhões na importação de agrotóxicos, aproximadamente 40vezes mais do que há 35 anos (1964, US$ 5,122 milhões), época em queesses produtos começaram a surgir no mercado nacional. Isso equivale àmetade do gasto de toda a América Latina (FAO, 2003).

De acordo com o Sindag (apud Anvisa, 2002), em 2001, o Brasil consu-miu 328.413 toneladas de agrotóxicos. Considerando o consumo dos dez prin-cipais países consumidores desses produtos (que representam 70% do mer-cado mundial), o Brasil aparece em 7o lugar no ranking, com os estados de SãoPaulo, Paraná e Minas Gerais contribuindo com aproximadamente 50% domontante total utilizado no país (Anvisa, 2002).

Tal situação tem antecedentes históricos importantes. A utilização de agro-tóxicos no Brasil tem origem, basicamente, no período de 1960-70, quando nocampo constatava-se um progressivo processo de automação das lavouras, como implemento de maquinário e utilização de produtos agroquímicos no proces-so de produção. Isso foi estimulado, sobretudo, pela implementação do Siste-ma Nacional de Crédito Rural (SNCR), que vinculava a concessão de emprés-timos aos produtores à fixação de um percentual a ser gasto com agrotóxicos,considerados, então, símbolo da modernidade no campo (Peres, 1999).

Estimuladas pelos benefícios das políticas de importação, as grandesindústrias químicas multinacionais começam a visualizar a América Latina,e, sobretudo, o Brasil, como um novo e crescente mercado para os seusprodutos (La Dou, 1994). No final da década de 70, observou-se a comerci-

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alização dos primeiros produtos agrotóxicos em larga escala, com disponibi-lidade de estoque e consumo. Na segunda metade da década de 80, temosum massivo aporte de tais produtos, devido à implantação de alguns dessessegmentos produtivos no parque industrial sul-sudeste brasileiro.

Na primeira metade da década de 80, nos países do então chamadoPrimeiro Mundo (desenvolvidos), os efeitos nocivos dos agrotóxicos come-çam a ser descritos por vários autores (Davies et al., 1980; Kearney, 1980;Pimentel et al., 1980; Baetjer, 1983; Kaloyanova, 1983; Kagan, 1985). Logo,uma série de políticas restritivas começou a ser implementada nesses paí-ses, preconizando a redução da utilização/produção de certos produtos (comoos agrotóxicos organofosforados e os herbicidas) e a proibição de outros(como os agrotóxicos organoclorados) (WHO, 1990). A implantação dessaspolíticas resultou numa verdadeira ‘fuga’ das indústrias químicas multina-cionais para os países do então chamado Terceiro Mundo (sobretudo ospaíses hoje em desenvolvimento – La Dou, 1994).

Atualmente, existem somente no Brasil 7 grandes indústrias (multina-cionais) produtoras de agrotóxicos, com 397 ingredientes ativos divididosem 1.854 produtos comerciais (Agrofit, 1998).

Dentro desse contexto, o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Famacológicas registrou, no ano de 2000, aproximadamente 8.000 casos deintoxicações por agrotóxicos (Sinitox, 2003). O Ministério da Saúde estimaque, para cada caso notificado, existam hoje outros 50 não notificados, oque elevaria esse número para aproximadamente 400.000.1

OS AGROTÓXICOS E A SAÚDE HUMANA

Os agrotóxicos, como visto, são constituídos por uma grande variedadede substâncias químicas ou produtos biológicos. São produtos desenvolvi-dos para matar, exterminar, combater, dificultar a vida (muitos atuam sobreprocessos específicos, como os reguladores do crescimento). Assim, por atu-arem sobre processos vitais, em sua maioria, esses venenos têm ação sobrea constituição física e a saúde do ser humano (EPA, 1985).

Os efeitos sobre a saúde podem ser de dois tipos: 1) efeitos agudos, ouaqueles resultantes da exposição a concentrações de um ou mais agentes

1 Comunicação pessoal (Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde, 2003).

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tóxicos capazes de causarem dano efetivo aparente em um período de 24horas; 2) efeitos crônicos, ou aqueles resultantes de uma exposição continu-ada a doses relativamente baixas de um ou mais produtos.

Os efeitos agudos são aqueles mais visíveis, que aparecem durante ouapós o contato da pessoa com o produto e apresentam características bemmarcantes. No caso dos agrotóxicos, essas características podem ser espas-mos musculares, convulsões, náuseas, desmaios, vômitos e dificuldadesrespiratórias (OPS, 1996). Já os efeitos de uma exposição crônica podemaparecer semanas, meses, anos ou até mesmo gerações após o período deuso/contato com tais produtos, sendo, portanto, mais difíceis de identifica-ção. Em muitos casos podem até ser confundidos com outros distúrbios, ousimplesmente não relacionados ao agente causador (nexo-causal).

No Quadro 3, apresenta-se um sumário dos principais efeitos agudos ecrônicos causados pela exposição aos principais agrotóxicos disponíveis, deacordo com a praga que controlam e o grupo químico ao qual pertencem.

Quadro 3 – Efeitos da exposição aos agrotóxicos

Classificação quanto à praga que controla

Classificação quanto ao grupo

químico

Sintomas de intoxicação aguda

Sintomas de intoxicação crônica

Organofosforados e carbamatos

- Fraqueza - Cólicas abdominais - Vômitos - Espasmos musculares - Convulsões

- Efeitos neurotóxicos retardados

- Alterações cromossomiais

- Dermatites de contato

Organoclorados

- Náuseas - Vômitos - Contrações musculares

involuntárias

- Lesões hepáticas - Arritmias cardíacas - Lesões renais - Neuropatias

periféricas

Inseticidas

Piretróides sintéticos

- Irritações das conjuntivas

- Espirros - Excitação - Convulsões

- Alergias - Asma brônquica - Irritações nas

mucosas - Hipersensibilidade

Ditiocarbamatos

- Tonteiras - Vômitos - Tremores musculares - Dor de cabeça

- Alergias respiratórias - Dermatites - Doença de

Parkinson - Cânceres

Fungicidas

Fentalamidas - Teratogêneses

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É VEN ENO OU É R E M ÉD I O?

Fonte: WHO, 1990; OPS/WHO, 1996 – apud Peres, 1999.

Os inseticidas da classe dos organofosforados, bem como os carbama-tos atuam no organismo humano inibindo um grupo de enzimas denomina-das colinesterases. Essas enzimas atuam na degradação da acetilcolina, umneurotransmissor responsável pela transmissão dos impulsos no sistemanervoso (central e periférico). Uma vez inibida, essa enzima não conseguedegradar a acetilcolina, ocasionando um distúrbio chamado de crise coli-nérgica, principal responsável pelos sintomas observados nos eventos deintoxicação por estes produtos.2

Vários distúrbios do sistema nervoso foram associados à exposição aosagrotóxicos organofosforados, principalmente aqueles ligados à neurotoxici-dade desses produtos, observados através de efeitos neurológicos retardados.

Os inseticidas da classe dos organoclorados têm como uma de suas prin-cipais características a capacidade de acumular-se nas células gordurosas noorganismo humano e no dos animais (o que pode vir a determinar uma sériede efeitos indesejados à saúde). Além disso, os organoclorados são muitoestáveis e podem persistir nos organismos e no ambiente por até trinta anos(OPS, 1996).

2 Na presença de agrotóxicos organofosforados, ou carbamatos, as enzimas que degradam a acetilco-lina, chamadas de colinesterases (enzimas ‘quebradoras’ de acetilcolina) ficam inibidas, impedindoque o estímulo nervoso seja cessado, acarretando uma série de distúrbios, como contrações muscu-lares involuntárias, convulsões e outras neuropatias (doenças do sistema nervoso)

Quadro 3 – Efeitos da exposição aos agrotóxicos – (continuação)

Classificação quanto à praga que controla

Classificação quanto ao grupo

químico

Sintomas de intoxicação aguda

Sintomas de intoxicação crônica

Dinitrofenóis e pentaclorofenol

- Dificuldade respiratória

- Hipertermia - Convulsões

- Cânceres (PCP – formação de dioxinas)

- Cloroacnes Fenoxiacéticos

- Perda do apetite - Enjôo - Vômitos - Fasciculação muscular

- Indução da produção de enzimas hepáticas

- Cânceres - Teratogênese

Herbicidas

Dipiridilos

- Sangramento nasal - Fraqueza - Desmaios - Conjuntivites

- Lesões hepáticas - Dermatites de

contato - Fibrose pulmonar

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Agrotóxicos , Saúde e Ambiente

Devido a essas características, os inseticidas organoclorados podem seacumular ao longo da cadeia alimentar (posicionando-se na gordura de pei-xes, bois, aves, e outros animais e no leite materno, assim como em plantas,frutos e água que tenham sido expostas a essas substâncias), criando umproblema ecológico e de saúde pública.

A acumulação dos agrotóxicos organoclorados ao longo da cadeia ali-mentar leva a um fenômeno ecológico chamado de biomagnificação, que éo aumento das concentrações de uma determinada substância de acordocom o aumento do nível trófico (nível que um ser vivo ocupa na cadeiaalimentar) (Begon et al., 1990). Em um estudo realizado em Clear Lake, naCalifórnia, observou-se que a concentração de DDD (um metabólito doDDT) aumentava de acordo com o nível trófico dos organismos estudados.Assim, a concentração, que na água era de 0,02 ppm (partes por milhão),chegava a 5,3 ppm no plâncton (microorganismos da superfície do lago), 10ppm em peixes pequenos (que se alimentavam deste plâncton), 1.500 ppmem peixes carnívoros e 1.600 ppm em patos (Flint & van der Bosch, 1981).Inúmeros outros exemplos desse tipo são relatados na literatura científica.

Por todos os motivos apresentados, vários inseticidas organocloradostêm tido o uso restringido, e até mesmo proibido, como no caso do DDT,talvez seu representante mais famoso (é derivado do seu nome o termo“dedetização” – o controle químico de insetos em residências – que inicial-mente era realizado com o DDT).

Agrotóxicos de vários tipos têm sido correlacionados com efeitos repro-dutivos em animais e outros têm atividade redutora da fecundidade emhumanos. Outros ainda, como o Mancozeb e o Amitrol, possuem atividadeinibidora da tireóide e os herbicidas triazínicos estão associados ao apareci-mento de alguns tipos de cânceres hormônio-dependentes (Cocco, 2002)

O aumento na incidência de câncer entre trabalhadores rurais e pessoalenvolvido nas campanhas sanitárias, no final da década de 80, levou aoestudo mais detalhado sobre a interação dos agrotóxicos com o organismohumano no surgimento desses tumores, entre outras disfunções de basecelular. Inseticidas, fungicidas, herbicidas, entre outros, foram submetidosa diversos experimentos em animais, do tipo dose-resposta, acompanhadosda avaliação de uma série de grupos populacionais possivelmente expostosaos efeitos destes produtos (Doll & Peto, 1981; Iarc, 1988; WHO, 1990;Koifman, 1995).

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É VEN ENO OU É R E M ÉD I O?

Foram detectadas evidências de que os herbicidas fenoxiacéticos seriampromotores de carcinogênese (processo de constituição de um câncer) emseres humanos (WHO, 1990), devido à presença de dioxinas como ‘impure-zas’ na sua composição (OPS, 1996). Essas evidências foram corroboradascom a alta incidência de cânceres entre os veteranos da guerra do Vietnã,expostos ao chamado “agente laranja” (mistura de dois compostos fenoxia-céticos, o 2,4 D e o 2,4,5 T), usado como desfoliante (abria clareiras nas selvasfechadas da região) nessa guerra (OPS, 1996).

Os ditiocarbamatos também são considerados potenciais agentes carci-nogênicos, principalmente no que diz respeito ao surgimento de tumoresno aparelho respiratório (como câncer de pulmões e adenocarcinoma detireóide) (OPS, 1996).

As evidências de possível ação carcinogenética de alguns insetici-das organoclorados (HCH, DDT etc.) no organismo humano não sãomuito fortes. Porém, em animais, estudos têm demonstrado o contrá-rio (WHO, 1990).

Alguns agrotóxicos, como os nematicidas dibromocloropropano(DBCP), foram descritos como agentes causadores de infertilidade em ho-mens expostos a esses produtos (Wharton et al., 1977), assim como os her-bicidas fenoxiacéticos (WHO, 1990).

OS AGROTÓXICOS E O AMBIENTE

A larga utilização de agrotóxicos no processo de produção agropecuá-ria, entre outras aplicações, tem trazido uma série de transtornos e modifi-cações para o ambiente, seja pela contaminação das comunidades de seresvivos que o compõem, seja pela sua acumulação nos segmentos bióticos eabióticos dos ecossistemas (biota, água, ar, solo, sedimentos etc.).

Um dos efeitos ambientais indesejáveis dos agrotóxicos é a contamina-ção de espécies que não interferem no processo de produção que se tentacontrolar (espécies não-alvos), dentre as quais se inclui, conforme discuti-do no item anterior, a espécie humana. O Quadro 5 apresenta o grau detoxicidade e de persistência (variando em uma escala de 1 a 5) nos princi-pais grupos de animais atingidos pela contaminação ambiental por agrotó-xicos, exceto a espécie humana.

3 7

Agrotóxicos , Saúde e Ambiente

Quadro 5 – Toxicidade e persistência ambiental de alguns agrotóxicos (emescala de 1 a 5)

Fonte: WHO, 1990; OPS/WHO, 1996 – apud Peres, 1999.

Existem inúmeros relatos na literatura de criações e animais domésti-cos e de populações humanas afetados pela ingestão de plantas e alimentoscontaminados por agrotóxicos, além do impacto em comunidades e ecossis-temas próximos às áreas de plantações e pastos, onde estes produtos são uti-lizados. Dessa maneira, além do impacto sobre uma população específica deanimais ou plantas, a dispersão de agrotóxicos no ambiente pode causar umdesequilíbrio ecológico na interação natural de duas ou mais espécies.3

Outro importante impacto ambiental causado por agrotóxicos é a conta-minação de coleções de águas superficiais e subterrâneas. De acordo comZebarth, a deterioração das águas subterrâneas e superficiais representa oimpacto ambiental adverso mais importante associado à produção industrial:

3 Tomemos como exemplo o impacto dos agrotóxicos em uma espécie de insetos (inseto 1); além doimpacto que é observado sobre esta comunidade, os agrotóxicos podem causar outros, ampliados, acomunidades de animais que fazem parte do ciclo natural desta espécie de insetos, como, por exemplo,um inseto menor (inseto 2) que serve de alimento para aquela espécie. A partir do momento que apopulação de inseto 1 é exterminada, ou tem seus números reduzidos pelos agrotóxicos, ocorre umaumento nas populações de inseto 2, o que pode vir a acarretar um desequilíbrio ecológico paraaquele microambiente, ou ainda para o(s) ambiente(s) que o rodeiam.

Toxicidade Agrotóxicos Mamíferos Peixes Aves Insetos

Persistência no ambiente

Permetrina (piretróide)

2

4

2

5

2

DDT (organoclorado)

3

4

2

2

5

Lindano (organoclorado)

3

3

2

4

4

Etil-paration (organofosforado)

5

2

5

5

2

Malation (organofosforado)

2

2

1

4

1

Carbaril (carbamato)

2

1

1

4

1

Metoprene (regulador crescimento)

1

1

1

2

2

Bacillus thuringensis (microbial)

1

1

1

1

1

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É VEN ENO OU É R E M ÉD I O?

Para um sistema agrícola ser sustentável, efeitos ambientais adversosda produção agrícola devem ser minimizados, enquanto acompetitividade e o lucro devem ser mantidos ou evidenciados. Adegradação da qualidade de águas subterrâneas e superficiais tem sidoidentificada como a principal preocupação no que diz respeito aoimpacto da agricultura no ambiente. Esta degradação pode ocorrercomo resultado do lançamento de produtos químicos agrícolas, ouorganismos biológicos, nas águas superficiais e sua movimentação emdireção às água subterrâneas. (Zebarth, 1999)

A contaminação desses recursos naturais é de grande importância, poisatuam como via para o transporte destes contaminantes para fora das áreas-fonte. Se uma região agrícola, onde se utiliza extensivamente uma grandequantidade ou variedade de agrotóxicos, estiver localizada próxima a ummanancial hídrico que abasteça uma cidade, a qualidade da água ali consumi-da estará seriamente sob o risco de uma contaminação, embora a mesmapossa estar localizada bem distante da região agrícola. Assim, não só a popu-lação residente próxima à área agrícola estaria exposta aos agrotóxicos, mastambém toda a população da cidade abastecida pela água contaminada.

Um outro impacto causado por alguns agrotóxicos em coleções d’águadiz respeito à modificação da biota com a seleção das espécies mais resisten-tes e à contaminação de peixes, crustáceos, moluscos e outros animais aquá-ticos (e marinhos). A acumulação desses produtos nos animais que habitamas águas contaminadas pode se constituir uma ameaça para a saúde humanaatravés da biomagnificação. A contaminação de peixes (principalmente pororganoclorados), crustáceos e moluscos (em especial os moluscos filtradores,como os mexilhões) representam uma importante fonte de contaminaçãohumana, cujos riscos podem ser ampliados a todos os consumidores dessesanimais como fonte de alimento (WRI, 1999).

Esses produtos também podem trazer uma série de problemas para assuperfícies onde se depositam, sejam essas coberturas vegetais ou solosdesnudos. Algumas superfícies podem ficar fragilizadas, marcadas, ou ain-da terem a absorção de elementos minerais (principalmente metais) afeta-da pela ação desses produtos (Koehler & Belmont, 1998).

Outro problema relacionado aos agrotóxicos é a questão da reutiliza-ção, o descarte ou destinação inadequada das embalagens vazias que favo-recem a contaminação ambiental e provocam efeitos adversos à saúde hu-mana, de animais silvestres e domésticos. Apesar da obrigatoriedade dos

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Agrotóxicos , Saúde e Ambiente

usuários devolverem essas embalagens aos estabelecimentos comerciais eda responsabilidade das empresas produtoras e comercializadoras pelo re-colhimento e destinação adequada das suas embalagens vazias, previstadesde de 6 de junho de 2000, quando da publicação da Lei 9.974, alteran-do a Lei 7.802/89, a sua grande maioria ainda não está sendo devolvida e,portanto, nem recolhida. Anualmente, os agrotóxicos comercializadosno país, estão sendo colocados no mercado por meio de cerca de 130milhões de unidades de embalagens e são recolhidas e destinadas ade-quadamente, somente, 10 a 20%. O que será que está acontecendo comas demais embalagens vazias?

Como poderemos observar ao longo da presente publicação, os agrotóxi-cos representam um importante risco à saúde das populações humanas e aoambiente devendo, por isso, ser utilizados apenas sob estrita orientação cien-tífica e em casos onde sejam absolutamente imprescindíveis. O modo e aextensão com que esses produtos vêm sendo empregados em nosso país têmtrazido efeitos deletérios muito maiores que qualquer benefício, tanto doponto de vista ambiental quanto da saúde humana.

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