Água em Sete Lagoas dissertacao_luciobotelho

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Universidade Federal de Minas Gerais Programa de Ps-graduao em Geografia Instituto de Geocincias

Lcio Antnio Leite Alvarenga Botelho

Gesto dos Recursos Hdricos em Sete Lagoas/MG: uma abordagem a partir da evoluo espaotemporal da demanda e da captao de gua

Minas Gerais Brasil Dezembro - 2008

Lcio Antnio Leite Alvarenga Botelho

Gesto dos Recursos Hdricos em Sete Lagoas/MG: uma abordagem a partir da evoluo espaotemporal da demanda e da captao de gua

Dissertao apresentada ao Programa de PsGraduao do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais, como

requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Geografia.

rea de concentrao: Anlise Ambiental

Orientador: Prof. Dr. Roberto Clio Valado

Belo Horizonte, Departamento de Geografia - UFMG 2008

Dedico essa dissertao ao meu pai e minha me por me mostrarem que na vida existem vrios horizontes.

AGRADECIMENTOS

Deus, pelo auxlio e fora em todos os momentos. Ao Professor Roberto Clio Valado, minha gratido e admirao pela valiosa orientao, conhecimentos transmitidos, conselhos e pacincia, fundamentais na elaborao deste trabalho. Verdadeiramente foi uma beno ser orientado pelo Professor Valado. Ao Professor Slvio Silveira, por me mostrar novos caminhos, sou eternamente grato. Ao Andr, pelo companheirismo e pela ajuda indispensvel nas correes e nos momentos difceis. Ao Professor Antnio Magalhes, pela generosidade e grande apoio. Professora Leila Menegasse, pelas conversas imprescindveis para a produo deste trabalho. Ao Ricardo Campelo, Luiz Carlos, Lairson Couto e Jane, pelo incentivo e auxlio na aquisio de materiais. Aos funcionrios do SAAE, da Embrapa Milho e Sorgo, da Secretaria de Meio Ambiente e Secretaria de Obras de Sete Lagoas, pelo auxlio na aquisio de materiais. A todos os entrevistados que gentilmente cederam-me um tempo valioso. Ao Marcus, pela ajuda nos clculos, Arlene, pelo auxlio no perfil e ao Tiozinho pela traduo do abstract. Leninha, Patrcia, Cludia Pontes e Valria, por valiosas contribuies. Marlede e ao Lucas na ajuda para a confeco dos mapas. Coordenao do Programa de Ps-graduao em Geografia do IGC Aos professores e funcionrios do IGC, em especial a Professora Vilma e a Paula. A todos os amigos e companheiros de trabalho pelo estmulo e apoio.

Em 1929 Sir Halford Mackinder fez um discurso no Congresso Internacional de Geografia, reunido em

Cambridge, defendendo a supremacia da gua entre os elementos que nos devem preocupar no estudo de uma regio e de sua paisagem. A Hidrosfera chegou a dizer Sir Halford deve ser considerada o tema central da Geografia. Porque nada mais importante no estudo do homem que as suas relaes com a gua: com a gua do mar, com a gua dos rios, com a gua condensada das nuvens, com a gua da chuva ou de degelo, com a gua subterrnea, com a gua que corre na seiva das plantas ou que circula nas artrias e nas veias dos animais. Por conseguinte o prprio sangue e a prpria vida do homem. Quase uma mstica da gua.

Gilberto Freire, Nordeste, 1937.

SUMRIO

Resumo................................................................................................................ 12 Abstract................................................................................................................ 13

Captulo 1Introduo......................................................................................................................... 14

1.1 Objetivos...................................................................................................................... 16 1.2 Estrutura do trabalho................................................................................................... 17 1.3 Metodologia................................................................................................................. 18

Captulo 2A gua e a sociedade....................................................................................................... 22

2.1 Mananciais superficiais............................................................................................... 23 2.2 Mananciais subterrneos............................................................................................ 23 2.3 Condies de ocorrncia da gua em subsolo........................................................... 24 2.4 Aqfero crstico......................................................................................................... 25 2.5 gua crescimento da demanda............................................................................... 26 2.6 O abastecimento pblico, gesto e explotao subterrnea de gua........................ 28 2.7 Os conflitos da gua e crescimento urbano................................................................ 30

Captulo 3Contextualizao da rea investigada: o municpio de Sete Lagoas................................ 35 3.1 Localizao geogrfica............................................................................................... 35 3.2 Caracterizao natural da regio de estudo............................................................... 36 3.2.1 Contexto geolgico regional e local.............................................................. 36 3.2.2 Contexto geolgico estrutural....................................................................... 39 3.2.3 Aspectos climticos...................................................................................... 39 3.2.4 Hidrografia.................................................................................................... 40 3.2.4.1 guas superficiais.......................................................................... 40 3.2.4.2 guas subterrneas....................................................................... 41 3.3 Expanso e crescimento urbano................................................................................. 46

Captulo 4As caractersticas da infra-estrutura do sistema de abastecimento pblico de gua e histrico da captao de gua do municpio de Sete Lagoas........................................... 54

4. 1 Infra-estrutura do sistema de abastecimento pblico de gua do municpio de Sete Lagoas.............................................................................................................................. 54 4.1.1 Caractersticas do SAAE.............................................................................. 54 4.1.2 Poos profundos.......................................................................................... 55 4.1.3 Poos de terceiros........................................................................................ 59 4.1.4 Infra-estrutura da captao e distribuio.................................................... 61 4.1.5 Qualidade da gua....................................................................................... 64 4.2 Histrico da captao de gua.................................................................................... 66 4.2.1 Perodo de captao superficial................................................................... 66 4.2.2 Perodo de captao subterrnea................................................................ 67 4.2.2.1 Cisternas........................................................................................ 67 4.2.2.2 Primeiras perfuraes profundas................................................... 67 4.2.2.3 Captao e demanda entre 1940 e 1970...................................... 68 4.2.2.4 Captao e demanda entre 1970 e 2008...................................... 71 4.3 Ocorrncia das subsidncias...................................................................................... 75 4.4 Disputa pela concesso da gua em Sete Lagoas..................................................... 80

Captulo 5A Gesto do sistema de abastecimento de gua do municpio de Sete Lagoas, segundo informaes egressas de entrevistas................................................................................ 86

5.1 O comprometimento dos recursos hdricos................................................................ 86 5.2 A potencialidade do aqfero...................................................................................... 88 5.3 Degradao do aqfero............................................................................................. 89 5.4 Diminuio de oferta de gua e o crescimento da demanda...................................... 90 5.5 Controle da captao.................................................................................................. 91 5.6 Poos contaminados ou poludos............................................................................... 93 5.7 As subsidncias e a captao da gua....................................................................... 94 5.8 Aspectos administrativos............................................................................................ 94 5.9 Investimentos em infra-estrutura................................................................................. 97 5.10 Qualificao da gesto das guas em Sete Lagoas................................................. 98 5.11 Processo de concesso SAAE versus COPASA................................................. 100 5.12 Demanda e oferta................................................................................................... 102

5.13 Problemas da gua em Sete Lagoas...................................................................... 103

Captulo 6Perspectivas para o futuro da gesto das guas em Sete Lagoas................................. 105

REFERENCIAS BIBLIOGRFICAS.............................................................................. 109

ANEXOS......................................................................................................................... 115 Anexo I: Relao dos documentos consultados............................................................. 116 Anexo II: Relao de entrevistados na primeira fase de entrevistas - Conversa formal.............................................................................................................................. 117 Anexo III: Relao de entrevistados na segunda fase de entrevistas - Perguntas estruturadas.................................................................................................................... 118 Anexo IV: Entrevista estruturada aplicada aos atores envolvidos com a problemtica da gua no municpio de Sete Lagoas................................................................................. 119 Anexo V: Relao das visitas de campo......................................................................... 120 Anexo VI: Relao das reunies assistidas.................................................................... 121 Anexo VII: Relao dos poos do SAAE perfurao por dcada................................ 122 Anexo VIII: Relao de poos perfurados por particulares e empresas em Sete Lagoas............................................................................................................................ 124 Anexo IX: Relao das subsidncias registradas no perodo de 1940 a 2008 no municpio de Sete Lagoas/MG........................................................................................................ 127 Anexo X: Propaganda da COPASA................................................................................ 128 Anexo XI: Panfleto Frum das guas........................................................................... 129

LISTA DE TABELAS

Tabela 3.1 Evoluo da populao rural e urbana de Sete Lagoas Perodo de 1906 a 2006................................................................................................................................. 49 Tabela 4.1 Relao dos poos ativos destinados ao Servio Pblico de gua de Sete Lagoas.............................................................................................................................. 57 Tabela 4.2 Relao dos poos reservas do Servio Pblico de gua de Sete Lagoas.............................................................................................................................. 59 Tabela 4.3 Relao dos poos desativados do Servio Pblico de gua de Sete Lagoas.............................................................................................................................. 59 Tabela 4.4 Dados das instalaes e estrutura do sistema de captao e distribio de gua.................................................................................................................................. 61 Tabela 6.1 Caractersticas do sistema de abastecimento de gua de Sete

Lagoas/MG...................................................................................................................... 107

LISTA DE FIGURAS

Figura 3.1 Mapa de localizao do municpio de Sete Lagoas......................................... 35 Figura 3.2 Mapa geolgico do municpio de Sete Lagoas................................................ 38 Figura 3.3 Perfil geolgico ilustrativo com a identificao das unidades aqferas de Sete Lagoas.............................................................................................................................. 42 Figura 3.4 Mapas da malha urbana e contexto geolgico Perodo de 1940 e 2008.................................................................................................................................. 45 Figura 3.5 Comparao da malha urbana de Sete Lagoas Perodo de 1940 e 2008.................................................................................................................................. 53 Figura 4.1 Localizao dos poos do SAAE - Ano de 2008............................................. 56 Figura 4.2 Esquema da rede de distribuio.................................................................... 62 Figura 4.3 Poo do Horto Florestal................................................................................... 62 Figura 4.4 Tanques da elevatria do Horto Florestal........................................................ 63 Figura 4.5 Interior da estao elevatria do Horto Florestal............................................. 63 Figura 4.6 Equipamentos para a clorao........................................................................ 63 Figura 4.7 Reservatrio da Cidade de Deus..................................................................... 63 Figura 4.8 Casa de qumica do Poo Cidade de Deus..................................................... 64 Figura 4.9 Poo Monte Carlo I.......................................................................................... 66 Figura 4.10 Perfurao do Poo do Cadeo em janeiro de 2007..................................... 73 Figura 4.11 Mapa de localizao das subsidncias registradas no municpio de Sete Lagoas entre os anos de 1940 e 2008.............................................................................. 79

LISTA DE GRFICOS

Grfico 2.1 gua existente no Planeta.............................................................................. 22 Grfico 3.1 Crescimento populacional entre 1906 e 2008 Municpio de Sete Lagoas/MG........................................................................................................................ 50 Figura 3.2 Grau de Urbanizao Brasil, Minas Gerais e Sete Lagoas Ano 2000....... 50 Grfico 3.3 Crescimento Populacional entre 1906 e 2008 Municpio de Sete Lagoas/MG........................................................................................................................ 51 Grfico 4.1 Poos perfurados por terceiros em Sete Lagoas entre os anos de 1969 a 2006.................................................................................................................................. 60 Grfico 4.2 Nmero de perfuraes de poos destinados ao abastecimento pblico de gua do municipio de Sete Lagoas por dcada ............................................................... 71 Grfico 4.3 Projeo do consumo mdio per capita de gua no municpio de Sete Lagoas.............................................................................................................................. 72 Grfico 4.4 Total de gua produzido no municpio de Sete Lagoas no perodo de 1998 a 2006.................................................................................................................................. 73 Grfico 4.5 Subsidncias registradas entre as dcadas de 1940 e 2000 no municpio de Sete Lagoas...................................................................................................................... 77

RESUMO

A cidade de Sete Lagoas, localizada na Regio Metalrgica de Minas Gerias, teve nas ltimas dcadas acentuada expanso das atividades econmicas e, conseqentemente, elevado crescimento da populao urbana. Esse fator gerou considervel aumento da demanda de gua. O municpio est inserido sobre rea crstica, ambiente caracterizado por possuir grandes quantidades de gua no subsolo, pois a rede de drenagem encaixa-se nas camadas subterrneas, devido ao de solubilidade da gua. Diante da crescente demanda por gua, intensificou-se o uso de fontes subterrneas com a perfurao contnua de poos, passando a ser o principal meio de captao gua. Durante todo o perodo de explotao subterrnea, ocorreram problemas peridicos de falta de gua, dentre outros problemas. Este trabalho tem o objetivo de avaliar o sistema de captao e distribuio de gua do municpio, a partir de uma abordagem espao-temporal, realizando um histrico sobre a evoluo da captao e da demanda da gua no municpio; investigando a infra-estrutura do sistema de captao e abastecimento do municpio e refletindo sobre alguns problemas decorrentes da gesto da gua em Sete Lagoas. Desta maneira, foi possvel compreender que a insegurana hdrica na cidade deve-se, principalmente, ausncia de instrumentos de gesto. Pois, acredita-se que a atual situao resultado de uma gesto focada na oferta da gua.

Palavras-chave: Gesto das guas, Abastecimento Pblico de gua, Captao subterrnea de gua, Recursos Hdricos.

ABSTRACT

In the last decades, Sete Lagoas city, placed in the Regio Metalrgica of Minas Gerais had an accentuated expansion on its economical activities, hence the great increase on urban population. The municipality is inserted on a Karst area, an environment characterized for owning large quantities of water underground, and the drain-net adjusts to its subway levels because of the solubility property of the water. Face to continuous demand of water, the use of underground sources intensified, together with continuous well diggings, turning this way to be the main way of access to the water. During all this period of underground exploitation, periodic problems related to lack of water and so, took place. So, the aim of this study is to evaluate the uptake system and distribution of water in the municipality from an approach of time-space, carrying out the history about the evolution of the uptake and of water demand in the municipality; investigating the uptake infrastructure system and water supply, and, moreover, reflecting over some conflicts in consequence of the water administration in Sete Lagoas. Therefore, contributing for the comprehension of the processes which characterizes the hydric insecurity in the city, mainly due to the absence of administration instruments. Thus, it is believed that the current situation is the result of an administration that was focused on water supply.

Key-words: Water Administration, Public Water Supply, Uptake Water Underground, Water Resources.

CAPTULO 1INTRODUO

O abastecimento pblico de gua em reas urbanas tem por finalidade distribuir gua com boa qualidade e quantidade adequada, para suprir as necessidades da populao. Para garantir o acesso gua, recorrem-se comumente s fontes superficiais, caracterizadas, principalmente, por cursos correntes e lagos, e s fontes subterrneas os aqferos.

O volume de gua necessrio ao abastecimento est sujeito demanda da populao e s suas atividades econmicas. Entretanto a sua oferta depende de vrios fatores ambientais, os quais esto relacionados com as condies naturais da regio, que podem favorecer ou desfavorecer a presena de gua e, geralmente, esto conexos estrutura geolgica, compartimentao do relevo e s caractersticas climticas.

As grandes civilizaes, desde tempos remotos, escolhiam stios muito prximos s fontes superficiais de gua para instalarem seus ncleos e, posteriormente, suas cidades. O principal fator para tal escolha era a facilidade de captao e uso direto, alm de utilizar os cursos de gua como via de transporte. J as guas subterrneas tinham grande importncia nas zonas ridas e semi-ridas, sendo fontes de abastecimento das populaes dessas reas.

As fontes subterrneas de gua comeam a ter maior importncia, quando a potencialidade ou a potabilidade das guas superficiais so afetadas, geralmente, pelos efeitos do crescimento acelerado dos centros urbanos e pelas atividades industriais. Atualmente, mesmo em regies midas, quando se esgotam os recursos superficiais por razes de insuficincia, decorrente da escassez natural ou pela explorao demasiada, ou at mesmo pela poluio , a alternativa vivel a busca por fontes subterrneas.

Essa procura por gua, para garantir o desenvolvimento das atividades econmicas e o abastecimento pblico, no foi diferente durante o processo de expanso urbana da cidade de Sete Lagoas/MG. Apesar do municpio localizar-se em regio semi-mida, seus recursos hdricos superficiais tornaram-se insuficientes para atender s

necessidades da cidade, e, a partir da dcada de 1940, iniciou-se a captao subterrnea

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com a explotao do aqfero crstico presente na regio. Nesse perodo, a incipiente Sete Lagoas contava com cerca de 20.000 habitantes (PMSL, 2006a).

Instalada na Regio Metalrgica de Minas Gerais, a 70 km norte de Belo Horizonte, Sete Lagoas possui rea de 537,48 km e, atualmente, tem populao estimada em 220.000 habitantes. Parte considervel de seu territrio est localizada na Depresso do Rio So Francisco, sobre as unidades litoestratigrficas que fazem parte do Grupo Bambu, que inclui seqncia de rochas carbonticas datadas do Proterozico Superior. Formadas pela deposio sedimentar marinha, essas rochas so, hoje, responsveis pela rica fenomenologia do carste, que caracteriza a paisagem, por possuir aspectos peculiares relacionados solubilidade do substrato rochoso. Portanto a paisagem da regio resultado da ao da gua, principalmente no subsolo, produzindo um sistema com feies endgenas e exgenas. Apesar dos recursos hdricos superficiais serem escassos nesses ambientes, nas camadas subterrneas, encontram-se fluxos e armazenamento de quantidades considerveis de gua. A maior parte do stio urbano do municpio est assentada justamente sobre seqncia carbonatada com calcrios e dolomitos do Grupo Bambu, nomeada de Formao Sete Lagoas, que armazena e fornece a gua consumida na cidade h aproximadamente 60 anos.

Assim como outros centros urbanos espalhados pelo pas, a expanso das atividades econmicas e o crescimento da populao urbana de Sete Lagoas geraram considervel aumento da demanda de gua. Dessa maneira, intensificou-se o uso de fontes subterrneas, recurso que passou a ser utilizado numa escala significativa, exigindo a perfurao contnua de poos, os quais representam, hoje, o principal meio de captao de gua.

Atualmente, o abastecimento pblico de gua de responsabilidade do SAAE (Servio Autnomo de gua e Esgoto), autarquia municipal, a qual controla 123 poos, com uma produo de 3.297.223 litros/hora. Porm considera-se que, dentre o uso pblico, industrial e de terceiros, haja muitos outros poos em todo o municpio. importante notar que, at o presente momento, no h, por parte do SAAE, conhecimentos concretos sobre as condies da gua no subsolo da regio, nem sobre seus fluxos, recarga e potencialidades.

Durante todo o perodo de explotao subterrnea, ocorreram problemas peridicos de falta de gua em determinadas reas da cidade, poos secos, poludos ou contaminados, dentre diferentes fatos que foram acontecendo ao longo da histria do abastecimento na

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cidade. Outros problemas, como subsidncias e rachaduras no solo, apesar de serem eventos naturais do ambiente crstico, ocorrem com freqncia, pois esses fenmenos podem, tambm, estar associados explotao inadequada do aqfero. De maro a agosto de 2007, agravaram-se os conflitos sobre a questo da gua, tendo ocorrido uma disputa entre o SAAE e a COPASA (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) pela concesso da captao e distribuio da gua no municpio, evidenciando mais um problema.

A soluo para a falta de gua no a simples adaptao da oferta para suprir a demanda, pois se trata de um bem natural disponvel em quantidade limitada e a custos crescentes, exigindo uma gesto eficaz da oferta e uma gesto racional da demanda. Os problemas de falta de gua no esto somente relacionados ao aumento do consumo. uma questo, sobretudo, de planejamento racional da utilizao dos recursos naturais, que requer, inclusive, excelncia no gerenciamento dos sistemas de abastecimento de gua. Segundo Lanna (1997), a gesto das guas pode ser entendida como atividade analtica e criativa voltada formulao de princpios e doutrinas, ao preparo de documentos orientadores e normativos, estruturao de sistemas gerenciais e tomada de decises que tm por objetivo final promover o inventrio, o uso, o controle e a proteo dos recursos hdricos. Em Sete Lagoas, alm da preocupao com o gerenciamento da gua, os conflitos alusivos questo no mbito municipal so agravados, em parte, por suas caractersticas ambientais.

Nessa perspectiva de crescimento da demanda e diminuio da oferta, surgem algumas questes que instigam esta pesquisa: A realidade ambiental de Sete Lagoas dificulta ou facilita a gesto da gua? A infra-estrutura do sistema de captao e distribuio de gua interfere nas faltas peridicas de gua na cidade? H deficincias no servio municipal de gua? Qual o modelo adequado para a gesto da gua no municpio?

1.1 OBJETIVOS

Diante dessas reflexes preliminares sobre o gerenciamento da gua no municpio de Sete Lagoas, esta dissertao tem o objetivo de avaliar o sistema de captao e abastecimento de gua do municpio, a partir de uma abordagem espao-temporal da demanda e captao de gua. O trabalho busca contribuir para a compreenso dos processos que caracterizam a insegurana hdrica na cidade. Pretende-se, como objetivos especficos:

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(i)

realizar um histrico sobre a evoluo espao-temporal da demanda e da captao de gua no municpio;

(ii)

investigar sobre a infra-estrutura do sistema de captao e abastecimento de gua do municpio;

(iii)

refletir sobre conflitos decorrentes da gesto da gua em Sete Lagoas.

Considerando a crescente preocupao com o uso e a gesto das guas em termos globais e a necessidade de informaes sobre a temtica na cidade de Sete Lagoas, espera-se que, ao descrever e analisar o sistema de captao e abastecimento de gua de Sete Lagoas, este estudo possa refletir sobre as principais causas da suposta falta da gua no municpio e contribuir em outros estudos relacionados a essa questo na cidade.

1.2 ESTRUTURA DO TRABALHO

Com a finalidade de atingir os objetivos propostos, esta dissertao estruturada em seis captulos, o primeiro deles configura esta introduo.

No captulo dois, h uma discusso geral sobre as relaes entre a gua e a sociedade, visando a prover embasamento terico para os estudos posteriores e buscando tratar de (i) noes elementares dos aspectos naturais dos recursos hdricos, principalmente mananciais de gua subterrneos, devido ao tipo de captao do sistema de abastecimento de gua de Sete Lagoas, e, especificamente, sobre aqferos crsticos; (ii) carter scio-ambiental da gua, destacando sua importncia nas atividades do homem, o abastecimento pblico, o crescimento urbano e a questo dos conflitos da gua. Desse modo, o captulo dois relata sobre esses temas, a fim de subsidiar o entendimento do crescimento da demanda e da escassez de gua numa viso global e local.

O captulo trs resultado de pesquisa em documentos relacionados s caractersticas geogrficas de Sete lagoas e tem a finalidade de contextualizar a rea investigada, descrevendo sobre os recursos hdricos e os aspectos da expanso urbana no municpio.

No captulo quatro, encontram-se organizadas informaes extradas de pesquisa em documentos e de entrevistas, obtendo-se uma coleo de dados sobre a demanda e a captao de gua, do perodo de 1940 a 2008; a rede de distribuio e infra-estrutura do

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sistema de abastecimento; e o processo de concesso do gerenciamento do sistema de captao e abastecimento. Desse modo, o objetivo desse captulo reunir informaes sobre a infra-estrutura do sistema de abastecimento pblico de gua e relatar o histrico espao-temporal da demanda e oferta de gua subterrnea do municpio de Sete Lagoas.

O captulo cinco consiste em informaes extradas de entrevistas com atores envolvidos, focando nos principais problemas referentes gesto da gua no municpio, num esforo de entendimento sobre como o cenrio atual foi sendo construdo.

O captulo seis traz as consideraes finais.

1.3 METODOLOGIA

Os problemas referentes ao uso da gua nas cidades so questes ligadas diretamente maneira de captar, de distribuir e de usar a gua. A gesto racional da gua permite um melhor aproveitamento do recurso, minimizando o conflito entre a demanda e a oferta de gua. Portanto, como afirma Magalhes (2007), o processo de gerenciamento da gua envolve um planejamento que visa organizar e compatibilizar os usos mltiplos da gua, com o objetivo de orientar decises em um contexto de trabalho permanente de acompanhamento e de avaliao das aes realizadas. Sendo assim, buscando facilitar o entendimento da relao da gesto da gua e seus conflitos em Sete Lagoas, optou-se, nesta pesquisa, pelas tcnicas e mtodos qualitativos em funo da subjetividade dos problemas que fazem parte da administrao da gua no municpio. Entretanto, ao compreender sobre o crescimento da demanda foi necessrio organizar dados quantitativos. Com esses propsitos, apresentam-se as etapas realizadas para o trmino desta pesquisa que se caracteriza como de carter exploratrio, pois envolve levantamento bibliogrfico, organizao de dados coletados em relatrios, entrevistas e visitas de campo.

O desenvolvimento do trabalho constar das etapas descritas abaixo.

(i) Pesquisa documental, que teve como objetivo coletar informaes sobre: a captao, o abastecimento e a demanda de gua; o crescimento da populao e das atividades econmicas; a infra-estrutura e os problemas do sistema de abastecimento de gua do municpio, com o intuito de compreender a realidade dos temas envolvidos no trabalho. A

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estratgia foi pesquisar informaes a respeito das temticas em documentos encontrados nos rgos pblicos como a prpria Prefeitura Municipal de Sete Lagoas, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, a Secretaria Municipal de Obras, o Servio de Geoprocessamento Municipal, o Servio Autnomo de Abastecimento de Esgoto do municpio SAAE, o Servio Geolgico do Brasil e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria EMBRAPA, com sede no municpio, alm de trabalhos acadmicos. (Anexo: Relao dos documentos consultados).

Durante a coleta das informaes, foi possvel perceber um volume de informaes de forma pulverizada nos rgos pblicos. Com o objetivo de reunir subsdios para orientar a discusso, estabelecendo relaes entre as informaes, partiu-se para a segunda fase: a organizao dos dados, que se caracteriza pela seleo e sistematizao das informaes relevantes.

(ii) Inventrio das informaes sobre captao subterrnea contidas nos relatrios do SAAE. O objetivo desse procedimento foi obter uma coleo de dados organizados, temporal e espacialmente, para auxiliar na compreenso da evoluo da rede de captao e distribuio de gua em Sete Lagoas. Com a organizao das informaes, foi possvel laborar tabelas, contendo os dados relativos dcada e ano de perfurao, nome do poo, localizao e vazo. Como essas informaes so de natureza espacial, as mesmas foram utilizadas na elaborao de cartas temticas. Durante o inventariado das informaes sobre captao, foram levantados dados referentes aos riscos geolgicos, e foi possvel organizar as informaes, tambm, de forma temporal e espacial, relativas aos eventos de subsidncias e rupturas ocorridas, visando correlacion-las com a expanso do sistema de captao de gua.

(iii) Organizao das informaes sobre o abastecimento: demanda e consumo. Os dados utilizados nesse item foram organizados atravs das informaes do SAAE e do SNIS - srie 2004. Com esse agrupamento, foi possvel relacionar informaes sobre populao, consumo mdio per capita de gua litros/habitantes por dia, total de gua produzido ao ano e total de gua consumido ao ano. Diante dessas informaes, foi possvel, por meio do mtodo de correlao matemtica, projetar os dados, e, posteriormente, elaborar grficos.

(iv) A cartografia elaborada nesta pesquisa tem carter temtico, pois tratou de ilustrar a malha urbana do municpio e a rede de captao de gua sob o substrato rochoso em

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duas fases distintas da histria da cidade e os pontos de subsidncias e poos contaminados registrados de 1940 a 2008. A escala utilizada nos mapas foi de 1:70.000. Para a confeco dos mapas, utilizou-se: a) a base cartogrfica do municpio de Sete Lagoas, com dados de ruas, endereos e abrangncia da malha urbana (1940 e 2008), fornecida pelo Servio de Geoprocessamento Municipal e o mapa do substrato rochoso elaborado pelo Projeto VIDA - desenvolvido pelo Servio Geolgico do Brasil; b) dados relacionados captao de gua selecionados durante a etapa de coleta e organizao das informaes; c) registros das subsidncias no perodo de 1940 a 2008; d) registros de contaminao de poos.

(v) Etapa de realizao de entrevistas com os atores envolvidos. A pesquisa documental possibilitou encontrar vrias informaes relacionadas questo da gua e do abastecimento pblico em Sete Lagoas, mas, apesar do volume de informaes no se alcanou a finalidade da pesquisa sobre os aspectos gerenciais, pois havia dados incompletos. Assim, necessitou-se de uma interrogao direta a profissionais envolvidos na elaborao dos relatrios analisados e a pessoas que trabalham nos rgos pesquisados, ou que estudam assuntos correlacionados ao sistema de abastecimento pblico de gua, no intuito de obterem-se dados complementares.

As entrevistas foram qualitativas e forneceram dados complementares para a apreenso de vrios aspectos da questo da gua no municpio, reunindo a opinio de distintos atores envolvidos com a problemtica. Elas foram realizadas em duas fases. Na primeira, entre agosto de 2006 a maio de 2008, as entrevistas tiveram um carter de conversa formal (Anexo: Relao dos entrevistados na primeira fase). Na segunda, o mtodo utilizado nas entrevistas foi de roteiro padronizado de perguntas, visando a resultados que pudessem ser comparados. Foram feitas 26 perguntas abertas relacionadas a cinco tipos de informao (Anexo: Entrevista estruturada aplicada aos atores envolvidos com a problemtica da gua no municpio de Sete Lagoas). De modo geral, os sete entrevistados escolhidos mostraram-se familiarizados com o vocabulrio. O tempo das entrevistas variou entre 30 minutos e 2 horas, e foram aplicadas entre os dias 16 e 17 de abril de 2008. Antes do incio das entrevistas, foram elucidados os objetivos da pesquisa e a importncia das respostas. Todas as entrevistas foram gravadas com conhecimento do entrevistado (Anexo: Relao dos entrevistados na segunda fase).

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(vi) Transcrio das entrevistas gravadas e anlise de contedo. De posse das transcries das falas, partiu-se para uma anlise do material, que sugeriu uma leitura cuidadosa para refletir-se sobre o seu contedo, distinguindo os temas principais e selecionando os assuntos considerados relevantes para o objeto de estudo.

(vii) Visitas de campo. Paralelamente coleta de dados e s entrevistas feitas na cidade de Sete Lagoas, foi possvel ir a campo em quatro ocasies. Isso possibilitou o reconhecimento e a caracterizao de elementos da infra-estrutura e manuteno do sistema de captao e distribuio de gua, como os reservatrios, poos e obras. E, tambm, na elaborao de documentao fotogrfica e auxlio na confeco de mapas temticos, alm de facilitar a identificao de subsidncias. Essa tarefa foi essencial para a conferncia das informaes (Anexo: Relao das visitas de campo).

(viii) Reunies pblicas. A discusso a respeito da questo da gua no municpio intensificou-se durante o ano de 2007, houve algumas reunies pblicas, e ao observlas foi possvel recolher informaes sobre o processo de concesso da administrao do sistema de gua do municpio (Anexo: Relao das reunies assistidas).

(ix) A ltima fase da metodologia consistiu na anlise crtica e na sntese final dos dados.

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CAPTULO 2A GUA E A SOCIEDADE

A gua um recurso scio-ambiental, quando considerada como um manancial de relevante valor econmico e social, constituindo-se objeto de disputas e conflitos significativos (VARGAS, 1999). Entretanto a noo de recursos hdricos tem sido aplicada restritivamente s guas doces, pois apenas elas so aproveitadas para a maior parte das necessidades humanas.

Mesmo que a superfcie do globo terrestre esteja coberta pela gua dos mares e oceanos, a gua doce um recurso natural bastante escasso. A ocorrncia desse recurso em nosso planeta est longe de ser abundante (VARGAS, 1999). Petrella (2001) sustenta que 97% da gua existente no planeta so compostas de gua salgada no utilizvel para fins potveis, irrigveis, industriais e energticos. Dos 3% restante que so gua doce , dois teros no so acessveis aos seres humanos, por estarem situados em zonas pouco povoadas, ou ainda aprisionados nas geleiras e nas calotas polares. Dessa forma, somente 1% da gua doce existente est, teoricamente, disponvel para consumo humano (Grfico 2.1). Ainda assim, trs quartos desse percentual encontram-se no meio subterrneo, restando uma pequena parcela para rios, lagos e ar.

Grfico 2.1 - gua existente no Planetagua existente no Planeta1% 2%

97%

gua Salgada gua Doce no acessvel gua Doce teoricamente disponvelFonte: PETRELLA, Ricardo. O manifesto da gua: argumentos para um contrato mundial. RJ: Vozes, 2001.

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Sobre o ciclo hidrolgico, percebe-se que a distribuio espacial das precipitaes bastante desigual sob a superfcie terrestre, pois uma parte considervel das chuvas cai nos oceanos antes de chegar aos continentes. Ao mesmo tempo, condies geogrficas como o relevo, vegetao, ventos, dentre outros, influenciam na distribuio das chuvas pela superfcie, produzindo paisagens desrticas e semi-ridas atingidas por problemas crnicos ou sazonais de escassez. A temporalidade dos processos do ciclo da gua no corresponde aos ritmos acelerados da atividade social, especialmente com relao recarga das reservas subterrneas, nas quais a gua movimenta-se em velocidades muito lentas (VARGAS, 1999, TUNDISI, 2003).

Como citado anteriormente, estima-se que 3% da gua do planeta so doce, sendo que sua distribuio entre os territrios irregular, pois sua presena resultado da interao entre o clima e a fisiografia de cada regio. Sobre esse aspecto, apresentam-se, sobre a superfcie da Terra, variadas combinaes de mananciais de gua, tanto em superfcie como no subsolo (VILLIERS, 1999, KARMANN, 1994).

2.1. MANANCIAIS SUPERFICIAIS

Os mananciais superficiais so recursos hdricos disponveis em superfcie, podem ser ambientes lnticos como lagos e lagoas, caracterizados como ecossistemas aquticos continentais; ou ambientes lticos, distinguidos por cursos de gua corrente.

Os cursos correntes tm a bacia hidrogrfica como rea de drenagem, demarcada e orientada por divisores topogrficos e freticos. rea onde captada a gua das precipitaes, que pelo escoamento superficial direto ou indireto, feito por um ou mais cursos de gua, converge para um nico ponto de sada (KARMANN, 1994).

2.2. MANANCIAIS SUBTERRNEOS

Os mananciais subterrneos so formados pela infiltrao da gua no solo, em que a fora gravitacional e as caractersticas geolgicas iro controlar o movimento e o armazenamento das guas no subsolo (KARMANN, 1994). Toda a reserva de gua subterrnea do planeta estimada entre 8 a 10 milhes de km, representando cerca de 98% do volume de gua doce em forma lquida. Apesar desses nmeros, Vargas (1999) defende que a sociedade deve considerar os cursos d'gua superficiais como recursos

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hdricos "renovveis", enquanto os lagos devem ser apenas "parcialmente renovveis" e os aqferos como "no renovveis", pois a capacidade de autodepurao da gua subterrnea lenta e limitada, no resistindo poluio constante. Partindo desse pressuposto, fundamental o planejamento para a explotao e o manejo das guas subterrneas.

2.3. CONDIES DE OCORRNCIA DA GUA EM SUBSOLO

Rebouas (2002) afirma que as condies de ocorrncia da gua em subsolo so dependentes das circunstncias de infiltrao, de fatores geolgicos e da interao destes com os fatores climticos. Estes ltimos, muito irregulares no espao e no tempo. Quanto aos fatores geolgicos, a variabilidade muito grande, mas so estes que condicionam as formas de recarga, armazenamento, circulao, descarga e influenciam na qualidade das guas.

Portanto, os fatores importantes e fundamentais para determinar a ocorrncia das guas subterrneas de uma rea so:

(i) Fatores geolgicos regulam as condies fsicas e qumicas e podem ser classificados em aqferos livres ou no-confinados, confinados ou intermedirios e fissurais. Podem expressar a extenso, a espessura e a profundidade das camadas dos aqferos (REBOUAS, 2002).

Segundo Karmann (2000), aqfero uma unidade composta de rochas ou de sedimentos, de material poroso e permevel, que armazenam significativos volumes de gua subterrnea em condies de serem exploradas. Rebouas (2002) complementa o conceito de aqfero, acrescentando que, alm de ser uma rocha porosa e permevel, deve ser considerado aqfero, mesmo que a rocha esteja ou no saturada, e que, quando apresenta grande espessura saturada, a sua funo principal poder ser de produo de gua. Ressalta-se que, o conceito de aqfero est intrinsecamente ligado ao armazenamento da gua, considerando-o como reservatrio natural.

(ii) Fatores Pluviomtricos esto relacionados quantidade e regime de ocorrncia das precipitaes em determinada regio.

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2.4. AQFERO CRSTICO

Um tipo de manancial subterrneo so os aqferos de conduto, caracterizados por porosidade crstica. A gnese desses aqferos est estreitamente relacionada com a litologia, geralmente, de rocha calcria. Primeiramente, os aqferos de conduto evoluem a partir de porosidade de fratura e passam porosidade de conduto (MARINHO, 2006), quando a circulao da gua faz-se nas fraturas e outras descontinuidades, resulta na dissoluo do carbonato de clcio pela gua caracterstica hidrolgica fundamental de sistemas crsticos. Destaca-se que o armazenamento e a circulao das guas esto condicionados diretamente dissoluo das rochas carbonticas, e esse processo ocorre, principalmente, por meio das linhas de fraqueza da rocha (CASSETI, 2001).

No amplo sistema de porosidade de condutos de um aqfero crstico, as aberturas podem atingir grandes dimenses, formando um conjunto de galerias, canais, sales e rios subterrneos. Todos esses elementos podem fazer parte de uma mesma bacia de drenagem subterrnea com fluxos difusos, caracterizada por entradas de gua sumidouros, local onde realizada parte da recarga do sistema, e sadas de gua ressurgncias (KARMANN, 1994).

Os aqferos crsticos, geralmente, possuem quantidades significativas de gua e, normalmente, os nveis de gua do aqfero variam muito entre os perodos midos e de estiagem, chegando a alguns casos a secar nas pores mais elevadas do aqfero. Por essas peculiaridades hidrolgicas, aqferos crsticos merecem estudos aprofundados para sua explotao (SILVA, 2006).

Outra caracterstica do ambiente crstico que os condicionantes hidrolgicos e geomorfolgicos podem variar de um lugar para outro. Assim um aqfero crstico deve ser analisado de acordo com suas condies geolgicas, hidrogeolgicas e hidrolgicas locais. importante salientar que modelos pr-concebidos e inspirados em outros aqferos, normalmente, no so adaptveis a todos os sistemas (SILVA, 2006).

Diante da explotao de gua em aqferos crsticos, devem-se considerar as fragilidades desses sistemas, pois freqentemente h colapsos nas superfcies dos terrenos devido circulao interna da gua que desgasta a rocha e acomoda o solo. Esses eventos esto estreitamente relacionados dissoluo e ao fraturamento das rochas, e, segundo alguns autores, podem ser acelerados pela explotao demasiada e contnua nesses tipos de ambientes. Outro aspecto relevante a vulnerabilidade

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poluio, uma vez que so formaes heterogneas em relao orientao e freqncia das fraturas, existindo vrios caminhos por onde podem migrar as solues contaminantes, tornando dispendiosa e impraticvel a descontaminao do aqfero (KARMANN, 2000, CASSETI, 2001, LLAD, 1970).

2.5. GUA CRESCIMENTO DA DEMANDA

Vrios so os usos da gua pelo homem. Segundo alguns autores e, especificadamente, Von Sperling (1996), os principais usos so: o abastecimento pblico, o domstico e o industrial; a irrigao; a dessedentao de animais; a aqicultura; a preservao da flora e da fauna; a recreao e lazer; a harmonia paisagstica; a gerao de energia eltrica; a navegao e a diluio de despejos.

A gua tem sido a fora propulsora de toda a civilizao. Primeiramente, pela prpria composio orgnica do corpo humano, a gua o principal constituinte entre 70% a 75% , fazendo do homem um ser dependente de gua doce para sua subsistncia. Alm da dependncia biolgica, o homem vem ao longo de sua histria movimentando-se e expandindo suas atividades por meio da gua (JOHNSON, 1975,). De acordo com Petrella (2001), a gua um elemento essencial, insubstituvel para a vida do ser individualmente e coletivamente. Esse autor ainda conclui que, alm do valor biolgico, a gua tem importncia histrica, econmica, social e cultural.

A histria do homem est intimamente ligada ao uso e dependncia da gua, que fonte de sobrevivncia e de desenvolvimento. Almeida (1999) argumenta que at um passado recente, as necessidades de gua cresceram gradualmente, acompanhando o lento aumento populacional. Porm a industrializao trouxe a elevao do nvel de vida e o rpido crescimento da populao mundial, alm do subseqente aumento da demanda por esse bem. Como afirma Tundisi (2003), o crescimento populacional e a urbanizao, promovidos pelo desenvolvimento industrial, tm sido os responsveis pelo aumento do consumo de gua, causando problemas locais, regionais e continentais. De acordo com Urban (2004), a expanso do uso da gua em escala mundial quase exponencial, uma vez que a populao do planeta dobrou entre 1900 a 1997, e o consumo de gua cresceu mais de dez vezes. Em 1940, o consumo mdio de gua por pessoa era de 400 m/ano, e em 1990, j havia chegado a 800 m/ano. Segundo os prognsticos de Urban (2004), em meio sculo, a populao mundial deve saltar de 6 bilhes para 9,3 bilhes, e dentre essa populao, 4,3 bilhes de pessoas estaro

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vivendo em pases que no podem garantir a quota diria de gua, para suprir as necessidades bsicas, estimada em 50 litros por pessoa.

Nessa relao, estabelecida ao longo dos tempos, entre a gua e o homem, surgiram vrios problemas referentes gesto e manejo da gua, geralmente alicerados na crescente demanda, na qualidade e na disponibilidade do mineral. Salienta-se que, principalmente, nessas ltimas dcadas, o homem tem procurado adotar medidas que amenizem ou controlem os efeitos causados pelo excesso do uso e pelo descaso com os mananciais.

O conceito da gua como recurso mineral renovvel merece ser revisado frente ao contexto atual dos usos e explorao, em que a demanda por gua cresce a ritmos mais acelerados do que as suas prprias taxas de renovao. Nesse contexto, pode-se anunciar a j referida escassez de gua por todas as partes do mundo, com conseqentes conflitos econmicos e sociais (REBOUAS, 2002).

O problema de escassez da quantidade de gua, que ameaa a sobrevivncia e o desenvolvimento econmico, pode estar engendrado no crescimento das atividades urbanas (REBOUAS, 2002). Como cita Pitton (2003), atualmente tem-se intensificado a discusso de como se tem transgredido os limites biofsicos do ambiente e como chegouse a ponto de colocar em perigo o delicado equilbrio de seus diversos elementos, quer se trate da atmosfera, das florestas, das bacias hidrogrficas, dos aqferos e oceanos. Nesse contexto, as preocupaes com o meio ambiente, em geral, e com a gua em particular, adquirem especial importncia, principalmente devido demanda cada vez maior das populaes e das economias em crescimento, efeitos de um comportamento imposto pelos padres de conforto e bem estar da vida moderna.

A partir dessa reflexo, o problema exige inovaes tecnolgicas para as grandes questes da gesto das guas. necessrio repensar no uso racional, assim como na expanso urbana, na industrial e na agrcola; no crescimento da populao; na degradao dos mananciais, principalmente pela poluio e contaminao; na alterao do ciclo hidrolgico, provocado principalmente pela urbanizao e desmatamento; nas retiradas excessivas e desperdcios conexos (VILLIERS, 1999, URBAN 2004).

Sendo um recurso renovvel, indispensvel vida, a gua deve ser objeto de uma gesto e de um controle

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muito atentos. Aqui tambm se tem a mesma necessidade de regulao que exige o solo cultivvel, de maneira a preservar esse recurso qualitativamente e quantitativamente. Com relao gua; preciso distinguir entre a utilizao e consumo. Foi-se o tempo em que a gua era considerada um bem livre. Ela s o era, alis e a economia poltica que nos desculpe -, onde era superabundante em relao s necessidades. A gua, como qualquer outro recurso, motivo para relaes de poder e de conflitos (RAFFESTIN, 1993 p: 231)

Para manter a disponibilidade da gua necessrio preserv-la, control-la e aumentar sua disponibilidade, da a importncia do manejo eficiente da gua em seus diversos usos, incluindo principalmente o abastecimento pblico.

2.6. O ABASTECIMENTO PBLICO, GESTO E EXPLOTAO SUBTERRNEA DE GUA

No mbito do abastecimento pblico tem-se o uso mais nobre da gua: a manuteno da vida, tanto para as necessidades fisiolgicas, quanto para a higiene pessoal e das habitaes. Segundo Caicedo (1993), podemos definir o abastecimento pblico de gua como um sistema de abastecimento que pressupe a existncia das seguintes unidades: captao de gua bruta (in natura), aduo, tratamento, reservao e distribuio. Contudo a Agncia Nacional da guas complementa o conceito, considerando o abastecimento pblico de gua como um conjunto de obras, instalaes e servios dedicados a produzir e distribuir gua potvel para uma comunidade, em quantidade e qualidade que atendam s necessidades da populao, para fins de consumo domstico, servios pblicos, consumo industrial e outros usos (ANA, 2007).

Em uma perspectiva histrica, Hogan (1995) destaca a importncia do desenvolvimento da explotao subterrnea para o abastecimento pblico, desde que a atividade passe a ser conduzida de modo mais estruturado, uma vez que a captao, o tratamento e a distribuio da gua subterrnea possuem vantagens econmicas sobre a captao superficial.

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A explotao de gua subterrnea vem sendo muito utilizada no pas, numa escala significativa, sem o devido planejamento, controle e manuteno. importante notar que, apesar do Brasil possuir considerveis recursos hdricos superficiais, em algumas reas, o abastecimento pblico alimentado por guas subterrneas bem elevado. A exemplo do Estado de So Paulo, o maior utilizador, sendo 61% de seus municpios abastecidos, totalmente ou parcialmente, por aqferos (PINTO, 2003).

Tradicionalmente no Brasil, a gesto das guas prioriza o crescimento econmico e a subvalorizao da dimenso ecolgica, buscando o aumento da oferta de gua. Esse modelo caracteriza-se por ser centralizado, de decises finalistas e com limites administrativos, e, geralmente, tem o Estado como empreendedor (MAGALHES, 2007). Nessa viso de gerenciamento, as decises so unifocais, de carter imediatista e de solues isoladas.

Como afirma Magalhes (2007), a gesto da gua deve passar por um processo de modernizao, com o objetivo do uso sustentvel da gua, com enfoque no maior envolvimento e participao da sociedade, pois necessria a conscientizao social para atingir os princpios de uma administrao descentralizada e participativa, em funo de permitir-se maior abertura aos conhecimentos e opinies dos atores locais no processo decisrio. Na busca de um equilbrio durvel entre as demandas e a oferta da gua em uma unidade territorial, deve-se considerar uma abordagem ecossistmica entre as vrias dimenses dos contextos natural, econmico e humano. Em uma gesto integrada necessrio um trabalho permanente de acompanhamento e avaliao das aes. Para tanto, a modernizao e a integrao do gerenciamento dos recursos hdricos envolve planejamento, que se caracteriza pela sistematizao das informaes e compatibilizao dos usos mltiplos da gua. Nesse tipo de gerncia, que leva em considerao as interaes sistmicas do meio ambiente, a operacionalizao um desafio poltico e institucional.

Em 03 de abril de 2008, o CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente) publicou a resoluo de nmero 396, que dispe sobre a classificao e diretrizes ambientais para o enquadramento das guas subterrneas e suas principais consideraes so a respeito: (i) da integrao das Polticas Pblicas de Gesto Ambiental, de Gesto dos Recursos Hdricos e de uso e ocupao do solo; (ii) do contexto hidrogeolgico e as caractersticas das guas; (iii) da preveno e controle da poluio; (iv) da promoo qualidade das guas; e (v) do controle do uso (MMA, 2008).

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Ao analisar a resoluo 396 do CONAMA, conclui-se que a gesto das guas subterrneas necessita de uma abordagem adequada, devido complexidade ambiental de sua ocorrncia e a interao com os vrios usos e a sua prpria segurana. Atendendo s necessidades de tal complexidade, devem-se escolher outras unidades espaciais, alm das bacias hidrogrficas, como unidades de gerenciamento, a exemplo dos aqferos, que podem ser mais eficientes, dependendo do contexto ambiental em que a regio est inserida (MAGALHES, 2007).

2.7. OS CONFLITOS DA GUA E CRESCIMENTO URBANO

O termo conflito origina-se do latim: conflictu, que, de acordo com a definio de alguns autores, significa choque, guerra, disputa, luta, pleito, embate das pessoas que lutam, peleja, discusso, altercao, desordem, antagonismo, oposio, conjuntura, momento crtico.

Pinheiro (2008) estabelece os conflitos da gua como: (i) conflitos privados, considerados do cotidiano, como negociaes e administraes no convvio social e profissional e (ii) conflitos pblicos, caracterizados como aqueles que ocorrem na gesto de recursos hdricos, em negociaes para alocao de gua, com o intuito de harmonizar-se desenvolvimento socioeconmico, proteo ambiental e criao de empregos. Conclui-se que uma situao de conflito ocorre sempre que h momento crtico caracterizado na disputa entre dois ou mais grupos com poderes de deciso e interesses diversos.

Uma lista de conflitos relacionados gua, mitos, lendas e histria do antigo Oriente Mdio, publicada na Revista Environment (Gleick, 2008), classifica os conflitos dos recursos hdricos nas seguintes categorias:

(i)

Controle dos Recursos Hdricos (personagens estatais ou no-estatais): quando a disponibilidade dos recursos hdricos ou o acesso gua esto na raiz das tenses.

(ii)

Instrumento Militar (personagens estatais): quando os recursos hdricos ou obras hidrulicas so usados, por uma nao ou Estado, como arma durante uma ao militar.

(iii)

Instrumento Poltico (personagens estatais e no-estatais): quando os recursos hdricos ou obras hidrulicas so usados, por uma nao, Estado ou personagem no-estatal, para um objetivo poltico.

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(iv)

Terrorismo (personagens no-estatais): quando os recursos hdricos ou os sistemas fluviais so alvos ou instrumentos de violncia ou coero de personagens no-estatais.

(v)

Alvo Militar (personagens estatais): quando os sistemas de recursos hdricos so alvos de aes militares de naes ou Estados.

(vi)

Disputas sobre Desenvolvimento (personagens estatais e no-estatais): quando os recursos hdricos ou os sistemas fluviais so uma fonte importante de contenda no contexto do desenvolvimento econmico e social.

Segundo Pinheiro (2008), esses conceitos so imprecisos, e eventos isolados podem fazer parte de mais de uma categoria, a depender da percepo e das definies. medida que os sistemas polticos e sociais mudam e evoluem, essa cronologia e os tipos de registros e categorias tambm transformam-se e desenvolvem-se (PINHEIRO, 2008).

Os conflitos oriundos da atual crise da gua podem ser atribudos, principalmente, disponibilidade da oferta diante da crescente demanda. Esse fato decorre devido intensificao de algum tipo de uso, seja ele domstico, industrial ou agrcola. A crise pode ser caracterizada justamente pelos conflitos gerados na disputa entre os prprios usos, advindos do aumento da populao e do crescimento das atividades industriais e agrcolas. Nesse cenrio, h de se considerar alguns aspectos referentes : (i) disponibilidade da gua conhecimento sobre a quantidade disponvel de recursos hdricos e seus limites; (ii) situao cultural comportamento da sociedade frente intensificao de determinado uso; (iii) organizao do sistema planejamento e manuteno da infra-estrutura do sistema de captao e distribuio de gua e a emisso de resduos; (iv) gesto dos recursos hdricos administrao dos recursos para garantir a sustentabilidade do sistema.

Ao mesmo tempo, o desenvolvimento econmico induz ao crescimento do consumo de gua para outras finalidades, como a energia, a irrigao, a produo industrial, dentre outros, provocando aumento da concorrncia e dos conflitos em torno da apropriao e do uso de mananciais (VARGAS, 1999).

Destacamos que as presses econmicas, polticas e sociais, que surgiram desta circunstncia de crescente escassez, qualitativa e quantitativa, de gua em regies mais urbanizadas e industrializadas, foram aguadas pela progressiva incorporao da proteo ao meio ambiente na agenda poltica das naes, que alcanou repercusso

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internacional com o alerta aos limites ecolgicos do crescimento econmico (VARGAS, 1999).

Hoje em dia, metade da populao mundial vive em zonas urbanas e os prognsticos para as prximas dcadas so de ndices de urbanizao cada vez maiores. Espera-se que a populao nas cidades cresa em um ritmo alarmante, principalmente em pases em desenvolvimento. H uma necessidade primordial de equipar, manter e gerenciar os servios de abastecimento de gua e de saneamento nas reas urbanas. Esse um assunto dos mais prioritrios para as administraes governamentais frente s questes ambientais deste novo sculo (PETRELLA, 2001).

Independentemente das alternativas de captao e controle dos usos da gua, o que vm acontecendo em varias regies so srios problemas de escassez hdrica, e muitos municpios no Brasil comeam a depender de descargas provenientes de sistemas situados fora de seus limites territoriais. Essas so circunstncias propcias gerao de conflitos polticos e sociais. Provavelmente, esse tipo de situao vem do resultado da falta de empenho poltico dos governos locais ou regionais e, tambm, da falta de conhecimento tcnico. Esse efeito de importao pode ser minimizado por um eficaz gerenciamento dos recursos hdricos internos, incluindo o reuso e a busca eficiente do uso das guas (REBOUAS, 2002, RIBEIRO, 2003).

Entretanto, devido ao contnuo crescimento da populao urbana, a industrializao e a falta de planejamento, muitas cidades esto sendo obrigadas a importar gua de lugares cada vez mais longnquos, j que fontes locais de guas superficiais ou subterrneas tm deixado de satisfazer a demanda de gua, por falta de volume necessrio ou por contaminao (PETRELLA, 2004). Vargas (1999) define esse problema como de escassez relativa, ao afirmar que no processo de urbanizao e industrializao h uma tendncia progressiva e generalizada de declnio no coeficiente correspondente aos recursos disponveis para utilizao sobre o volume efetivamente utilizado pelos diferentes tipos de usurios. Essa queda reflete-se no avano dos conflitos de uso e na captao de gua em mananciais cada vez mais distantes dos centros de consumo, revelando a manifestao de uma escassez relativa (VARGAS, 1999).

Como foi citado anteriormente, observa-se que a populao mundial duplicou no sculo XX, tendo a demanda de gua crescido dez vezes (URBAN, 2004). Para os prximos trinta anos, projeta-se um acrscimo bastante significativo. O consumo de gua tende a elevar-se com o aumento da populao urbana, mas em ritmo mais acelerado, j que, a

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cada ano, agrega-se ao Planeta uma populao equivalente a um pas como o Mxico, de aproximadamente 100 milhes de pessoas. Em dez anos, essa nova populao representar a demanda de servios de abastecimento de gua de um pas como a China (VILLIERS, 1999). Alm da preocupao com o abastecimento pblico, deve-se pensar em outro aspecto relevante: o prprio crescimento populacional gera considervel aumento na produo agrcola (HIRATA, 2002).

Os efeitos desse processo de urbanizao fazem presso ao aparelhamento urbano, principalmente face aos recursos hdricos e seu gerenciamento, tanto em termos do abastecimento de gua para a populao, quanto em saneamento bsico. Como nos apresenta Tucci (2003), o planejamento urbano no Brasil no considera os aspectos fundamentais para a ocupao do espao e as conseqncias desse descaso trazem transtornos e custos tanto para a sociedade quanto para o meio ambiente (TUCCI, 2003).

A expanso desordenada dos processos de urbanizao e industrializao tem gerado problemas no abastecimento pblico de gua no Brasil, decorrentes fundamentalmente da combinao do crescimento exagerado da demanda e da degradao da qualidade, aliados a falta de conhecimento tcnico e de planejamento. Ao identificar os principais problemas sobre a gesto da gua no Brasil, destaca-se o baixo nvel tecnolgico e organizacional dos sistemas, a forma desordenada de uso da gua, a expanso urbana sobre reas de mananciais, a falta de tratamento ou o lanamento direto de esgotos no tratados, o desperdcio da gua disponvel, dentre outros (REBOUAS, 2002).

A escassez da gua um dos grandes problemas urbanos, tanto referente a sua quantidade quanto a sua qualidade, podem acontecer em reas naturais com excedente hdrico, como o caso de reas urbanas em regies tropicais. A questo da escassez dos recursos hdricos no est ligada somente a termos geofsicos e quantitativos, uma questo iminentemente social, relacionada tambm a padres de desenvolvimento econmico e cultural como o tipo de urbanizao, industrializao e irrigao (VARGAS, 1999).

A escassez hdrica qualitativa e quantitativa constitui fator limitante ao desenvolvimento de determinada regio, devido a srios problemas de sade pblica, econmicos e ambientais. As solues para essas questes so complexas e de difcil fim, pois no dependem somente de aes tecnolgicas ou financeiras, mas, tambm, necessita-se de gesto racional dos sistemas (REBOUAS, 2002).

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Assim, como cita Rebouas (2002) em guas doces do Brasil, o que falta, para o Brasil e o mundo, no gua, mas a determinao de um novo padro cultural que agregue tica e melhore a eficincia do desempenho poltico dos governos, da sociedade em geral, das empresas pblicas e privadas. Portanto o que Rebouas sugere uma mudana de paradigma que ajude os indivduos e as organizaes a enfrentarem as realidades sociais e ambientais dos recursos hdricos. Se no for dessa forma, no se pode combater o atual paradoxo da escassez e da abundncia de gua ao mesmo tempo em certas regies. Essa mudana de pensamento considerada uma prioridade e um desafio, pois trata de uma nova percepo da gesto das guas por parte das autoridades e da populao (REBOUAS, 2002).

Diante dessas reflexes sobre a utilizao dos recursos hdricos, pode-se enumerar alguns dos principais problemas referentes gua:

(i)

a demanda de gua crescente e a ritmos mais acelerados do que as taxas de renovao dos mananciais;

(ii)

a queda na qualidade da gua devido s atividades humanas urbanas, industriais e agrcolas;

(iii)

a dependncia de descargas hdricas provenientes de mananciais situados fora de limites territoriais;

(iv) (v) (vi)

a falta de investimentos em infra-estrutura e planejamento urbano; a falta de conhecimento tcnico e de pesquisas; a necessidade cada vez maior de equipar, manter e gerenciar os servios de abastecimento de gua e de saneamento nas reas urbanas.

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CAPTULO 3

CONTEXTUALIZAO DA REA INVESTIGADA: O MUNICPIO DE SETE LAGOAS

3.1 LOCALIZAO GEOGRFICA

Distante 70 km da capital mineira, o municpio de Sete Lagoas est localizado na Zona Metalrgica de Minas Gerais, ao norte da Regio Metropolitana de Belo Horizonte, na rea central do Estado (Figura: 3.1). Sete Lagoas possui uma extenso territorial de 537,48 km.

Os acessos para o municpio podem ser feitos pelas rodovias BR-040, que liga o Rio de Janeiro ao Distrito Federal, e pela rodovia MG-424 (Estrada Velha), que d acesso a Belo Horizonte, passando pelos municpios de Prudente de Morais, Matozinhos, Pedro Leopoldo e Vespasiano.

Figura 3.1 Mapa de localizao do municpio de Sete Lagoas

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3.2. CARACTERIZAO NATURAL DA REGIO DE ESTUDO

3.2.1. CONTEXTO GEOLGICO REGIONAL E LOCAL

Geologicamente o municpio de Sete Lagoas est inserido dentro da macroestrutura do Crton do So Francisco, unidade caracterizada por formao e consolidao prcambriana. As rochas intrusivas do Crton do So Francisco, do tipo xenlitos, bsicas, granitides e gnaisses-migmatitos, formam a base litolgica para o substrato rochoso da rea de estudo. Entretanto, ao sul do municpio, encontram-se reas expostas do embasamento cristalino. Essas reas, identificadas pelos mantos de intemperismo tpicos desse complexo, correspondem a 20% do territrio do municpio de Sete Lagoas (CABRAL, 1994).

Segundo Schobbenhaus (1984), o Crton do So Francisco base para uma bacia de gradiente muito fraco e com guas pouco profundas, onde foram sendo depositados sedimentos essencialmente pelito-carbonticos marinhos sobre a plataforma

epicontinental estvel. Essa deposio sedimentar originou-se posteriormente numa seqncia de rochas carbonticas, com espessura 600 e 800 metros, denominada de Grupo Bambu. Devido seqncia de rochas presentes nessa unidade sedimentar, dividiu-a da base para o topo em distintas formaes: Formao Jequita, Formao Sete Lagoas, Formao Serra de Santa Helena, Formao Lagoa do Jacar, Formao Serra da Saudade e Formao Trs Marias.

Depositada sobre o embasamento e orientando-se no sentido leste-oeste dentro do municpio de Sete Lagoas, ocorre a seqncia de rochas carbonticas macias ou laminadas pertencentes Formao Sete Lagoas (Figura: 3.2). Essa camada de rochas aflora, principalmente, na rea central do municpio e em algumas partes ao sul de forma isolada e irregularmente distribudas. Possuem composio e granulometria diferenciada e so constitudas por calcrios cinzentos a negros e dolomitos, possuindo cerca de 200 metros de espessura (CABRAL, 1994, PESSOA, 1996). Essa formao pode ser subdividida em uma unidade basal Membro Pedro Leopoldo e em uma unidade superior Membro Lagoa Santa. A unidade basal da formao composta por calcrios finos, de tonalidades branca a cinza-clara, laminados e algumas vezes marmorizados, classificando-se como metacalcissiltitos. A unidade superior da formao possui rochas calcrias de tonalidade escura e alto teor de carbonato de clcio. Essas rochas podem ser classificadas como metacalcarenitos (PESSOA, 1996).

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Em relao ao potencial mineral, essas rochas so matrias-primas para a construo civil e para a correo de solos (CPRM, 1994). Ressalta-se que a Formao Jequita a poro basal do Grupo Bambu em estratigrafia regional, contudo essa formao no est presente na regio, o que faz com que a Formao Sete Lagoas esteja sobreposta diretamente no embasamento cristalino, como afirma Pessoa (1996).

A Formao Serra de Santa Helena o terceiro e ltimo pacote rochoso da regio, compreendendo uma seqncia de rochas metapelticas, com metassiltitos de tonalidades cinza e com abundantes venulaes de quartzo, com cerca de 200 metros de espessura (CPRM, 1994). A ocorrncia dessa formao localiza-se em algumas reas na faixa central leste-oeste, mas, principalmente, em grande rea contnua na regio norte do municpio, recobrindo a formao subjacente. Esporadicamente, encontram-se algumas reas aflorantes da Formao Sete Lagoas, representando resqucios de uma eroso diferenciada, principalmente aos ps da serra homnima (PESSOA, 1996) (Figura: 3.2).

Com relao s coberturas superficiais, estas se constituem em depsitos colvioaluvionares datados do quaternrio.

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Figura 3.2 - Mapa geolgico do municpio de Sete Lagoas

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3.2.2. CONTEXTO GEOLGICO ESTRUTURAL

Durante o proterozico mdio, a regio do Crton do So Francisco encontrava-se em ambiente marinho, caracterizada pela presena de um mar interior raso, que possibilitou a deposio, a sedimentao e a consolidao de rochas pelticas-carbonticas em seqncias distintas, formando as rochas do Grupo Bambu (BARTORRELLI, 2004).

A evoluo tectnica da bacia do So Francisco pode ser descrita dentro do ciclo de Wilson, passando no Proterozico mdio por um perodo extensional com caractersticas de rifte, ocorrendo falhas normais que afetaram o embasamento e o preenchimento sedimentar da bacia em formao. Logo aps, a regio de rifteamento submetida a um processo de inverso de bacia, onde os esforos passam a ser compressivos (CABRAL, 1994). Esse evento tectnico denominado Ciclo Brasiliano, geocronologicamente datado do Proterozico superior. Est caracterizado pela evoluo de zonas marginais do crton do So Francisco, representado por faixas de dobramentos a leste e oeste, e amplas coberturas plataformais (SCHOBBENHAUS, 1984), formando uma tpica bacia intracratnica que sucederia de oeste para leste em cinco zonas isotrpicas (CPRM, 1994).

Tanto a faixa ocidental, denominada faixa Braslia, quanto faixa oriental, denominada Espinhao, pouco alteraram as rochas do Grupo Bambu. Encontram-se nas reas marginais do Crton do So Francisco dobras ou falhas apenas localmente. Posteriormente a orognese das faixas marginais em fase ativa, a regio desenvolveu o papel de receptora de sedimentos provenientes das regies mais altas.

Nesse momento, em fase passiva, instala-se a rede de drenagem do Proto-Rio So Francisco, que fez trabalho erosivo intenso, desenvolvendo a rede de drenagem atual (CABRAL, 1994, PESSOA, 1996). Esses eventos tectnicos pretritos influenciam no regime de fluxo subterrneo atravs de falhas e dobras.

3.2.3. ASPECTOS CLIMTICOS

De acordo com a classificao do IBGE (2006a), o clima da regio de Sete Lagoas caracterizado como tropical semi-mido, com duas estaes bem distintas: inverno

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ameno e seco, e vero chuvoso e quente. A temperatura mdia do ms mais frio de 18oC e do mais quente de 22oC. A mdia normal anual de precipitao total varia entre 1200 a 1500 mm. A distribuio das chuvas no homognea, com 4 a 5 meses de estiagem, sendo o ms de janeiro o mais chuvoso (289,0 mm) e o ms de agosto o mais seco (10,1 mm). A mdia da umidade relativa do ar anual de 70%, ocorrendo baixos valores mdios mensais durante a estao seca, entre maio e setembro, perodo de menor ndice pluviomtrico. Na estao chuvosa pode ocorrer, inundaes nas vrzeas e regies mais baixas. Nos meses mais secos, quando praticamente no chove, as pastagens e a vegetao de modo geral ficam excessivamente secas, propiciando a ocorrncia de incndios na vegetao (PMSL, 2006a). Como essa rea est inserida em ambiente crstico, importante ressaltar que os estgios da evoluo do relevo, nesses ambientes, esto diretamente ligados quantidade das chuvas. Nos climas midos ou semi-midos, como o de Sete Lagoas, a precipitao o principal fator de formao do relevo, atuando, direta ou indiretamente, devido ao da gua e conseqente dissoluo das rochas em subsuperfcie e superfcie. No contexto do espao geogrfico hidroclimtico, Sete Lagoas pode ser considerada em domnio com excedente hdrico, quando as quantidades de guas precipitadas, na forma de chuva, so superiores quelas que retornam na forma de vapor, as quais so resultado dos processos de evaporao e transpirao (PMSL, 2006a).

3.2.4. HIDROGRAFIA

3.2.4.1. GUAS SUPERFICIAIS O municpio de Sete Lagoas est localizado nos domnios da bacia hidrogrfica do Rio So Francisco, porm em seu territrio no h cursos de gua com vazo elevada. A presena de rochas carbonticas proporciona fluxos de gua subterrneos, atravs de cavernas e condutos. Conseqentemente, na superfcie instala-se um sistema de drenagem pobre, com uma rede de crregos esparsos e com pequena quantidade de drenos subordinados (LLAD, 1970, CABRAL, 1994).

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A Serra de Santa Helena tem o papel de divisor de bacias: a do Rio Paraopeba e a do Rio das Velhas. A bacia do Rio Paraopeba representada no municpio pelo Ribeiro So Joo. Essa sub-bacia localiza-se na parte noroeste do municpio e seus afluentes so os ribeires dos Macacos, Inhama e o Crrego do Lontra. A sub-bacia do Ribeiro So Joo est localizada no domnio de rochas pelito-carbonticas do Grupo Bambu e recebe contribuio de surgncias crsticas que fluem no sop da Serra de Santa Helena (PMSL, 2006a). Outra sub-bacia constituda pelo Ribeiro Jequitib e seus afluentes, que desguam no Rio das Velhas. A sub-bacia do Ribeiro Jequitib est presente em 80% do territrio do municpio. Seus afluentes, os ribeires Paiol e Matadouro e o Crrego Vargem do Tropeiro, nascem a cerca de 1000 metros de altitude. A partir de seu curso mdio, o Ribeiro Jequitib percorre terrenos crsticos at despejar suas guas no Rio das Velhas, no municpio vizinho de Jequitib. O sistema crstico proporciona a presena de lagoas, que em alguns casos esto interligadas ao regime dos aqferos livres de ambientes pelito-carbonticos, como o caso das lagoas Grande, dos Porcos, dos Remdios, da Capivara e Feia. J as lagoas Paulino, Catarina, Boa Vista, Cercadinho, Vapabuu e Jos Flix, que se encontram em reas urbanizadas, no apresentam qualquer ligao com os aqferos (CABRAL, 1994).

3.2.4.2 GUAS SUBTERRNEAS O municpio de Sete Lagoas no possui um estudo hidrogeolgico sistemtico, norteador das aes relacionadas captao de gua do subsolo, que possa definir o volume do fluxo hdrico subterrneo, o potencial e a capacidade dos aqferos, reas de risco, zonas de recarga, dentre outros. Todas essas informaes so importantes para a anlise em questo, uma vez que o principal aqfero abastecedor, formado por rochas carbonticas, possui condies de armazenamento e circulao de gua extremamente difusos, alm de ser um corpo vulnervel poluio. A respeito das unidades aqferas encontradas no municpio de Sete Lagoas, tomaremos como referencial a denominao de Pessoa (1996), que, ao classificar a litologia da regio, distinguiu trs unidades em seu subsolo: (i) o aqfero crstico, denominado de aqfero Bambu e subdividido em aqfero Santa Helena e aqfero Sete Lagoas; (ii) o aqfero fraturado denominado de Cristalino e (iii) o aqfero Granular, de cobertura inconsolidada, constitudo essencialmente de material proveniente das rochas alteradas

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do embasamento cristalino e do Grupo Bambu, que se distribuem de acordo com os processos e agente de transporte por alvios, colvios e elvios (Figura: 3.3).

Figura 3.3 Perfil geolgico

Fonte: Registros de perfurao dos poos do SAAE.

O aqfero Bambu constitui-se na nica fonte de abastecimento de gua para consumo correspondendo faixa de rochas carbonticas, por onde os fluxos e armazenamento de gua dissolvem o material rochoso. Essa unidade apresenta uma subdiviso que corresponde a caractersticas hidrolitolgicas diferente nas Formaes Santa Helena e Sete Lagoas (Figura:3.2). Apesar de interligarem-se litoestratigramente, perfazendo um sistema hdrico subterrneo, as rochas pelito-carbonticas da Formao Santa Helena, e as rochas calcrias da Formao Sete Lagoas, diferenciam-se quanto s condies de fluxo e armazenamento da gua (PESSOA, 1996).

O aqfero Santa Helena, constitudo por rochas pelticas de composio silto-argilosa, tendo como representantes as ardsias, os metassiltitos e metargilitos, podendo atingir cerca de 200 metros de espessura, embora sua mdia seja de 60 metros. Em profundidade, encontram-se ardsias intercaladas por lentes de calcrio. Nesse aqfero,

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o processo de infiltrao das guas relevante, sendo responsvel pela agressividade e poder para a dissoluo das rochas mais profundas. Portanto considerado importante por motivos de alimentao do sistema e como autodepurador de elementos nocivos (CPRM, 1994). A rea de recarga coincide com o conjunto serrano Santa Helena Tombador em seus flancos oeste e leste. Quanto ao fluxo desse aqfero, caracteriza-se por ser misto a difuso, em regime predominantemente laminar devido s caractersticas de sua composio. As vazes apresentadas por poos tubulares perfurados na rea mostram valores baixos comparados ao volume que infiltra, mostrando a transferncia para os aqferos mais profundos. Portanto o aqfero Santa Helena funciona localmente como grande filtro e receptador das guas metericas (PESSOA, 1996).

O aqfero Sete Lagoas, composto por rochas calcrias com espessura mxima de cerca de 160 metros de profundidade, aflora localmente, evidenciando processos de carstificao superficial e desenvolvimento de cavernas de dimenses considerveis (PESSOA, 1996). Geograficamente, o aqfero distribui-se por toda a poro centromeridional do municpio e predomina em uma faixa leste-oeste. O fluxo subterrneo pode ser caracterizado como de regime turbulento, devido circulao de gua em meio ao calcrio. Geralmente, a dissoluo da rocha macia inicia-se em zonas onde se encontra a fraqueza da rocha, evidenciada por fraturas que vo sendo alargadas pela dissoluo; ou tambm, por falhamentos, por onde os processos desencadeiam-se ao largo dos planos de falhas. Essas so as zonas favorveis circulao de gua subterrnea em ambiente crstico (LLAD, 1970, CPRM, 1994, PESSOA, 1996).

De acordo com Pessoa (1996), h duas condies para o controle do armazenamento de gua no aqfero Sete Lagoas. A primeira, a zona de recarga que corresponde s reas de exposio rochosa e a faixa do conjunto serrano Santa Helena Tombador. O controle dos fluxos subterrneos depende das reas de captura que alimentam as fissuras e fraturas. A segunda est relacionada a reas de carste encoberto pelo prprio manto de alterao ou por rochas adjacentes solveis. Devido s caractersticas encontradas na rea do aqfero Sete Lagoas, Pessoa (1996) afirma que h gua suficiente para manter os condutos repletos e que os excedentes direcionam-se de acordo com as estruturas, dando origem s surgncias.

O aqfero Cristalino, composto por rochas granitides diferenciadas de carter polimetamrfico, aflora principalmente no sul do municpio, onde h grande variao topogrfica. Eventos tectnicos produziram fraturas e falhas que podem ser alimentadas por uma zona saturada livre, com espessura que pode atingir 35 metros de solos. Dessa

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forma, a contribuio das guas das chuvas significante, pois alimenta os aqferos por meio de percolao, com recarga continua nos vales encaixados pelo controle da estrutura da drenagem (PESSOA, 1996). O fluxo subterrneo, nessa unidade, est condicionado ao sistema de falhas, fraturas e fissuras das rochas cristalinas.

Vale salientar que, o Aqfero Sete Lagoas bastante vulnervel poluio, uma vez que a cidade repousa sobre o mesmo e no conta com tratamento de esgoto domstico e industrial adequado, utilizando a rede de drenagem natural como receptor de rejeitos, que podem infiltrar at as camadas profundas do subsolo.

Foram elaborados dois mapas com a malha urbana do municpio de Sete Lagoas em momentos distintos, em 1940 e 2008, assentadas sobre as unidades aqferas da regio (Figura: 3.4).

Utilizando o mapa da geologia local, desenvolvido pela CPRM durante a realizao do projeto VIDA (Viabilidade Industrial e Defesa Ambiental), e a malha urbana referente a 1940 e 2008, pode-se visualizar e comparar informaes da expanso urbana sobre o aqfero carste. Nota-se que, em 1940, a rea urbana estava assentada totalmente sobre o Aqfero Sete Lagoas. Posteriormente, devido expanso da malha urbana em direo ao norte do municpio, a cidade ocupou quase que totalmente a abrangncia do Aqfero Sete Lagoas, nessa poro do municpio, e foi se expandindo sobre o Aqfero Santa Helena, o qual ultrapassa os limites das bacias hidrogrficas.

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Figura 3.4 Mapas da malha urbana e contexto geolgico Perodo de 1940 e 2008.

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3.3. EXPANSO E CRESCIMENTO URBANO

O Ciclo do Ouro representou o marco inicial de povoamento em Minas Gerais. Todavia a regio de Sete Lagoas, por no possuir ouro em abundncia, somente teve consumada sua ocupao no final desse ciclo (AZEVEDO, 1963).

Com o acrscimo populacional e a constituio de ncleos de povoamento na regio das minas, durante o sculo XVIII, estabeleceu-se entre Minas Gerais e Estados vizinhos So Paulo, Rio de Janeiro e Bahia , intenso fluxo comercial com o objetivo de suprir as necessidades crescentes de gneros alimentcios e produtos variados. Os caminhos de ligao entre a regio mineradora e os centros exportadores passaram a ser trilhados por tropeiros, mercadores e boiadeiros, a fim de realizar seus negcios. Vrios eram os caminhos que ligavam Minas Gerais Bahia, sendo o caminho que acompanhava as margens do Rio So Francisco e de seus afluentes o mais percorrido pelas boiadas. Ao longo desse percurso, surgiram pontos de pouso, roas, pastagens e fazendas, que, posteriormente, transformaram-se em vilas e cidades. A incipiente Sete Lagoas era ponto de pouso dessa rota (ANDRADE, 2004). Porm esse comrcio entrou em declnio na segunda metade do sculo XVIII, em funo do menor rendimento das minas e, tambm, do aparecimento de ncleos locais de produo, como o caso da prpria regio de Sete Lagoas, que atravs da agricultura e da criao de gado comeou a ser ocupada no final do sculo XVIII. As terras pertencentes ao municpio faziam parte de uma fazenda Fazenda Sete Lagoas , cujas terras pertenciam comarca de Sabar (AZEVEDO, 1963, PMSL, 2006b). Essa fase est ligada ao Ciclo do Ouro, no tendo grandes repercusses no povoamento e ocupao da regio.

A segunda fase de povoamento teve como marco histrico a chegada da Estrada de Ferro Central Brasil, em 1872. O advento da ferrovia teve conseqncias de grande importncia para a economia da regio que, at ento, apresentara uma evoluo econmica lenta baseada na agricultura, na pecuria e no modesto comrcio (PMSL, 2006b). Dentre as conseqncias da chegada dos trilhos, pode-se citar as mais importantes: a ampliao do comrcio e das atividades industriais destacando-se a indstria txtil , o aumento populacional, o crescimento urbano, o progresso na agricultura e na pecuria (AZEVEDO, 1963). Em decorrncia desses fatos, Sete Lagoas foi elevada a municpio no ano de 1923 (PMSL, 2006b).

Apesar da populao de Sete Lagoas ter sofrido considervel aumento, no h dados populacionais que possibilitem acompanhar a evoluo quantitativa da populao, pelo

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menos at a dcada de 1950. Em virtude das sucessivas e constantes divises administrativas, difcil seguir o desenvolvimento da populao e formular sries histricas, uma vez que, at o referido momento, a cidade sofreu desmembramentos com o objetivo de originar novos distritos e municpios. Conseqentemente, esses eventos alteraram sua populao oficial. Para tal levantamento, seriam necessrios dados mais detalhados. Entretanto, como afirma Azevedo (1963), a constante criao de novos distritos e municpios nessa regio, durante o sculo XX, deve ser considerada como um indcio de aumento populacional de grande importncia.

Durante o perodo de 1890 a 1940, Sete Lagoas destaca-se como centro de influncia da poro norte da Zona Metalrgica. Segundo Leloup, citado por Azevedo (1963), a cidade classificava-se, j naquela poca, como grande centro regional intermedirio. De acordo com os levantamentos de Azevedo (1963), a populao estimada de Sete Lagoas em 1920 era de 3.980 habitantes e, em 1940, passou para 10.537 habitantes. Vale ressaltar que esses nmeros referem-se somente a estimativas populacionais da sede.

A ferrovia e a construo da Capital do Estado a 70 km de distncia de Sete Lagoas exerceram grande influncia no crescimento das atividades econmicas do municpio. No perodo de 1890 a 1940, a economia do municpio estruturava-se basicamente na agricultura, bem como contava com diversos estabelecimentos agrcolas de considervel movimento. Os principais produtos eram o caf, o acar, o algodo, a mandioca e cereais, que abasteciam em parte o mercado da nova Capital do Estado e de outros centros urbanos mais afastados. (AZEVEDO, 1963, NOGUEIRA, 2003).

No caso da indstria, antes mesmo da construo da estrada de ferro, j havia sido implantada na cidade a indstria txtil, que se instalou mesmo sem comunicaes e transportes adequados. Todo o material necessrio foi importado dos Estados Unidos e da Inglaterra e transportados por animais, o nico meio de transporte possvel na poca entre os portos e o interior do Brasil. Com o inicio das atividades da ferrovia, a situao modifica-se. A facilidade de transporte possibilita no s a ampliao das fbricas existentes, como tambm o surgimento de novos empreendimentos, principalmente as pequenas indstrias de beneficiamento do leite e seus derivados, e, tambm, de produtos agrcolas (AZEVEDO, 1963, PMSL, 2006b).

A partir de 1903, a atividade pecuria em Sete Lagoas, principalmente, aquela voltada para a indstria do leite e derivados, comea a ter um papel de destaque no cenrio

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estadual, quando se intensifica a produo de gado no municpio, com a criao de cerca de 30.000 cabeas (AZEVEDO, 1963).

Essa fase de ampliao das atividades comerciais est ligada chegada dos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB) em 1896, que, posteriormente, foi transformada em Rede Ferroviria Federal S/A (RFFSA). O fato que a instalao da ferrovia possibilitou a gerao de novos empregos, o desenvolvimento da agricultura, da pecuria e da indstria txtil (NOGUEIRA, 2003). Foi nesse perodo que:

... a cidade conheceu sua primeira e expressiva expanso urbana e o padro de vida da populao melhorou (NOGUEIRA, 2003 p: 22).

Juntamente com a indstria txtil, a atividade pecuria colocou o municpio em destaque regional, sendo considerado o centro da segunda bacia leiteira do Estado, consolidando a indstria de laticnios a partir da dcada de 1950. Alm dessas atividades, h ainda destaque para as indstrias do beneficiamento e transformao do calcrio (NOGUEIRA, 2003).

A partir de 1950, o municpio de Sete Lagoas intensifica o processo de industrializao, fazendo parte da estratgia do Governo Estadual de incentivar o crescimento da indstria do ferro-gusa no oeste de Minas Gerais (NOGUEIRA, 1999). De acordo com Nogueira (2003), no processo de desenvolvimento pelo qual o Brasil passou nos anos 1950, destacou-se a indstria automobilstica e a da construo civil, que demandaram grandes quantidades de ferro e ao para variados fins. Porm o apogeu da indstria do ferro-gusa em Sete Lagoas deu-se na dcada de 1980, quando a cidade transforma-se no maior centro guseiro do Pas. Nesse perodo, a cidade tem a sua maior expanso socioeconmica e transforma-se em um plo microregional, dando-lhe status de cidade mdia (NOGUEIRA, 2003).

O desencadeamento desse processo de industrializao est ligado a uma srie de condies histricas e geogrficas favorveis, como a proximidade de Belo Horizonte e do Quadriltero Ferrfero, a construo de novas vias de transporte, o fcil acesso s matrias primas utilizadas pelas indstrias locais, a disponibilidade de mo-de-obra

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barata, de gua e de energia eltrica, alm de seu posicionamento histrico como plo regional (AZEVEDO, 1963, NOGUEIRA, 2003, SEBRAE, 1995).

O municpio de Sete Lagoas inicia o sculo XX com aproximadamente 8.000 habitantes e, atualmente, conta com cerca de 220.000 habitantes (Tabela: 3.1 e Grfico: 3.1). A cidade foi recebendo parcelas do fluxo populacional das cidades circunvizinhas (SEBRAE, 1995), fenmeno estreitamente relacionado com o advento da urbanizao do Brasil, principalmente a partir da dcada de 1950. Tal evento evidencia o papel de Sete Lagoas na hierarquia urbana e a sua importncia dentro do Estado de Minas Gerais (NOGUEIRA, 2003). A partir da dcada de 1950 at o inicio do sculo XXI, o crescimento da populao foi bastante acelerado e, de forma geral, superior aos ndices de Minas Gerais e do Brasil. De acordo com o Censo Demogrfico realizado pelo IBGE em 2000, no municpio de Sete Lagoas houve, durante o perodo de 1980 a 2000, um crescimento populacional anual acima dos 2,5%. Esse ndice superior ao crescimento estadual anual, que no alcanou os 2,0% no mesmo perodo (SEBRAE, 1995, NOGUEIRA, 2003, PMSL, 2006a).Tabela 3.1 - Evoluo da populao rural e