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Glenn Switkes, organizador Patrícia Bonilha, editora ALERTAS SOBRE AS CONSEQÜÊNCIAS DE BARRAR O MAIOR AFLUENTE DO AMAZONAS Águas Turvas

Aguas Turvas

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Apesar dos índices de derrubada dafloresta Amazônica continuaremaumentando e o mundo todo estarcada vez mais preocupado com os impactosdessa devastação sobre as mudançasno clima, o atual governo insiste naconcretização de um modelo de desenvolvimentobaseado em mega-projetos deinfra-estrutura que pretende, dentre outrasações, represar os mais importantesrios da Amazônia.Ao contrário do que se divulga, as hidrelétricasnão são fontes de energia limpa.Além de contribuírem para o aumento dadevastação, através de sua própria construção,do alagamento de grandes áreas eda conseqüente migração, estudos comprovamque as usinas hidrelétricas são grandesemissoras de CO2 na atmosfera.

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Glenn Switkes, organizadorPatrícia Bonilha, editora

ALERTAS SOBRE AS CONSEQÜÊNCIAS DE BARRARO MAIOR AFLUENTE DO AMAZONAS

Águas Turvas

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Projeto Gráfico: Guilherme ResendeAssistente de Arte: Paula Chiuratto

Switkes, Glenn Águas Turvas: Alertas sobre as conseqüências de barrar o maior afluente do Amazonas/Glenn Switkes, organizador; Patrícia Bonilha, editora – São Paulo: International Rivers, 2008

1. Usinas hidrelétricas – Rio Madeira, RO. 2. Usinas hidrelétricas – Impacto ambiental. 3. Usinas hidrelétricas – Conflito social. I. Switkes, Glenn. II. Bonilha, Patrícia

Foto capa: Tiago Iatesta/Projeto Brasil das ÁguasFoto contracapa: NASA

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1a Edição São Paulo, 2008

Glenn Switkes, organizadorPatrícia Bonilha, editora

ALERTAS SOBRE AS CONSEQÜÊNCIAS DE BARRAR O MAIOR AFLUENTE DO AMAZONAS

Águas Turvas

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ALEX

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s artigos que compõem Águas Turvas pretendem servir de instrumento para aqueles que buscam compreender melhor o Complexo Hidrelétrico e Hidroviário do Rio Madeira, sua história e

implicações para a região Amazônica. A iniciativa de publicar este livro é da Organização Não Governamen-tal (ONG) Bank Information Center (BIC), como parte de uma série de estudos do seu programa BICECA (sigla em inglês de Construindo Incidência Cívica Informada para a Conservação da Amazônia Andina). Com o principal objetivo de proteger a diversidade biológica e cultural dessa região, o BICECA oferece apoio às organizações da sociedade civil para que elas possam incidir sobre os mais impactantes projetos das Instituições Financei-ras Multilaterais, especialmente os da Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). O apoio financeiro para a publicação foi propor-cionado pela Fundação Gordon e Betty Moore, Fundação Kendeda, Fundo Blue Moon e Fundação Ford.

A International Rivers, uma ONG baseada nos Estados Unidos e com escritório no Brasil, coordenou a produção dos estudos de caso. A International Rivers sinceramente agradece aos especialistas que produziram os artigos pa-ra este livro. Cada um deles compartilha a nossa propos-ta de um desenvolvimento ambientalmente equilibrado e com justiça social para a Amazônia.

O

PREFÁCIO

CANOAS UTILIZADAS PARA A PESCA

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WIL

SON

DIA

S, A

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INTRODUÇÃO

m agosto de 2003, a companhia elétrica estatal brasileira Furnas e o conglomerado privado da construção Odebrecht apresentaram, em um se-

minário no Rio de Janeiro organizado pelo Banco Na-cional de Desenvolvimento Econômico e Social (BN-DES), um projeto para um complexo hidrelétrico e uma hidrovia industrial no Rio Madeira, o principal afluente do Rio Amazonas.

O projeto foi apresentado como um componente funda-mental para a integração continental proposta pela IIRSA, uma iniciativa promovida pelos governos da América do Sul e coordenada por Instituições Financeiras Multilate-rais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial, e agências de financiamento, como o próprio BNDES.

Quase imediatamente, o Complexo Madeira foi pro-movido como o único projeto energético considerado “essencial” para evitar racionamentos de eletricidade no Brasil durante os próximos dez anos - assumindo, portanto, o papel que, até então, havia sido desti-nado à represa de Belo Monte, no Rio Xingu. Por mais de uma década, a Eletronorte, companhia es-tatal de eletricidade, tentou forçar a construção de Belo Monte driblando as disputas técnicas e legais e a forte oposição dos grupos ambientalistas e de direi-tos humanos. Para justificar a opção por essas mega-hidrelétricas, o governo e o setor privado utilizam a estratégia da ameaça do retorno do apagão, ocorrido nos anos 2001 e 2002.

Pelo fato de a Odebrecht ter sido uma das principais fi-nanciadoras da campanha presidencial de Lula e Furnas estar se beneficiando do compromisso assumido por ele de reintegrar o planejamento energético à burocracia elétrica estatal, o projeto Madeira foi revigorado pelo esforço, sem precedentes, do atual governo para forçar o seu processo de licenciamento ambiental a qualquer custo.

Apesar de adotar um discurso de sustentabilidade ambiental, com especial destaque a novos esforços para limitar o desma-tamento da Amazônia, o governo Lula insistiu na constru-ção das represas do Madeira, o que acabou por transformar a análise dos impactos do projeto em uma farsa absurda.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi até mesmo desmembrado para assegurar a rápida aprovação de um projeto de duvi-dosa viabilidade ambiental, social e econômica.

Com a emissão da licença ambiental provisória para as re-presas de Santo Antônio e Jirau, concedida em 9 de julho de 2007, uma outra página foi virada na história da Amazônia. Uma história que sempre foi marcada por ambição, ganân-cia, conflitos e trágicos erros cometidos por aqueles que ocupam o poder. Nos próximos anos, novas informações revelarão os interesses por trás do projeto e as manipula-ções para tentar justificá-lo. No entanto, neste momento, já se especula que, se o Complexo Hidrelétrico do Rio Ma-deira realmente for construído, ele poderá, no futuro, ser considerado um dos mais devastadores e irreversíveis erros cometidos pela administração do governo Lula.

E

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SUMÁRIO

W

ILSO

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IAS,

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RESUMO EXECUTIVO

A PEDRA FUNDAMENTAL DA IIRSA

HIDROLOGIA E SEDIMENTOS

PERGUNTAS NUNCA RESPONDIDASSEDIMENTOS

PESCA E ICTIOFAUNA NO RIO MADEIRA

VALORES DE MERCADO DA PESCA COMERCIAL

PERGUNTAS NUNCA RESPONDIDASICTIOFAUNA

TRANSFORMAÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

AcumulAção de mercúrio em peixes

PERGUNTAS NUNCA RESPONDIDASGERAL E RELAÇÃO DE IMPACTOS

PERGUNTAS NUNCA RESPONDIDASACAREAÇÃO TÉCNICA

COM VONTADE POLÍTICA, PODE SE FAZER DIFERENTE

CONCLUSÃO

ANEXOS

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VISTA AÉREA DO RIO MADEIRA

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RESUMO EXECUTIVOpor Glenn Switkes

O

BrasilMADEIRA

XINGU

NEGRO

AMAZONAS

Colômbia

Peru

Bolívia

projeto Complexo Rio Madeira é um plano para construir quatro grandes hidrelétricas na Bacia do Rio Madeira, o principal tributário do Rio Ama-

zonas, permitindo a navegação por via fluvial desde os rios Madre de Dios (Peru) e Beni (Bolívia) até o Oceano Atlântico. O Complexo faz parte do conjunto de projetos propostos dentro da Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana, ou IIRSA, que prevê também conexões terrestres dele com o Oceano Pacifico.

As primeiras duas barragens, denominadas Santo Antônio (capacidade instalada de 3.150 MW) e Jirau (3.300 MW), tiveram a emissão de suas licenças prévias concedidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em julho de 2007. O leilão de energia para investidores da hidrelétrica Santo Antô-nio foi realizado no dia 10 de dezembro de 2007, e o da hidrelétrica Jirau deverá acontecer em maio de 2008. Está prevista ainda a instalação de 2.450 km de linhas de trans-

missão para conduzir a energia gerada pelas hidrelétricas de Porto Velho, Rondônia, até a rede nacional integrada, em Araraquara, São Paulo.

O elevado custo das hidrelétricas foi bastante questionado. Em abril de 2007, a Agência Nacional de Energia Elétri-ca (Aneel) estimou que Santo Antônio e Jirau custarão R$ 25,72 bilhões, além do custo adicional estimado en-tre R$10 e R$ 15 bilhões para as linhas de transmissão. Contratos de exclusividade entre um dos proponentes do projeto, a empreiteira privada Odebrecht, com empresas fornecedoras de equipamentos foram vistos como um constrangimento à concorrência livre no leilão.

Todo o processo de licenciamento das hidrelétricas foi con-troverso e polêmico. Por um lado, houve muita pressão do go-verno brasileiro para que as licensas fossem concedidas. Por outro, especialistas independentes expressaram contunden-tes avaliações e análises sobre os graves impactos do projeto.

SOLIMÕES

MAMORébENI

MADRE DE DIOS

GUAPORé

AbUNÃ

MARAñON

UCAyALI

TOCANTINSTAPAjóS

ARAGUAIA

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A própria equipe técnica do Ibama se posicionou contra o licenciamento, recomendando a realização de novos estudos com maior abrangência. No entanto, os gerentes deste Instituto acabaram por ceder às pressões e conce-deram a licença.

Os Termos de Referência para os Estudos de Impacto Am-biental (EIA) foram restritos ao território brasileiro. Ape-sar das evidências sobre a probabilidade da represa Jirau inundar florestas da Bolívia, o Ibama e as empresas pro-ponentes negaram-se a considerar esse fato. A diplomacia boliviana chegou a registrar protestos contra o governo brasileiro e iniciou um processo de análises técnicas para para averiguar essa possibilidade.

O projeto de barrar o Rio Madeira despertou uma forte oposição por parte de entidades ambientalistas brasileiras, bolivianas e de vários outros países, já que o Complexo é considerado um projeto emblemático da política brasileira de exploração dos recursos hídricos da Amazônia a qual-quer custo. Os movimentos sociais, tanto do Brasil como da Bolívia, se organizaram para resistir à imposição de um modelo de desenvolvimento na região que despreza o modo de vida das populações tradicionais.

Neste livro, o estudo do hidrólogo boliviano Jorge Molina Carpio analisa dados oficiais dos Estudos de Viabilidade e de Impacto Ambiental das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau sobre a hidrologia do Rio Madeira. O autor nota que este rio, de origem andina, carrega a maior carga de sedimentos ao baixo Amazonas, um dos maiores do mun-do em termos de descarga sólida, e que o seu volume de sedimentos está aumentando, provavelmente devido ao desmatamento na parte alta da bacia.

Ele observa que os estudos feitos pela Odebrecht e pela estatal Furnas utilizam métodos que são úteis apenas para indicações preliminares, e que seriam necessários estudos mais sofisticados para se chegar a qualquer conclusão so-bre o depósito de sedimentos nos reservatórios e à mon-tante. Apesar das análises hidrosedimentológicas serem mais abrangentes que as originais, de 2005, Molina cons-tata que os estudos oficiais não analisam conjuntamente os níveis de água e os efeitos de sedimentação.

Ele conclui que a velocidade do rio e os níveis de água estarão afetados no trecho bi-nacional (acima de Abunã),

com o leito subindo vários metros e inundando o território boliviano. A sedimentação será um processo gradual ao longo de vários anos e poderá chegar a cortar a vida útil das hidrelétricas e sua própria viabilidade econômica. Os cientistas Bruce Forsberg e Alexandre Kemenes também criticaram os cálculos da área de inundação das usinas. Eles afirmam que ela poderá chegar a ser o dobro do ta-manho indicado nos estudos oficiais.

Molina enfatiza a necessidade de estudos adicionais, uti-lizando um modelo hidrodinâmico acoplado ao molde de transporte de sedimento, para determinar com mais preci-são o efeito que as represas teriam sobre a hidrologia do Rio Madeira.

O biólogo Geraldo Mendes dos Santos, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), es-tuda os prováveis impactos das hidrelétricas nos peixes. O EIA registra 459 espécies de peixes a serem potencial-mente impactadas pelo empreendimento hidrelétrico nos diversos trechos do Rio Madeira. Além de afetar direta e imediatamente os peixes migradores, a hidrelétrica tam-bém interfere na estabilidade do sistema, fragmentando populações, erodindo o patrimônio genético e alterando as comunidades de peixes no conjunto dos ambientes em que vivem.

À jusante, a erosão e a perda de nutrientes podem afe-tar a agricultura de várzea e algumas espécies, como o camarão-de-água-doce, muito importantes em toda a ca-deia alimentar da fauna ictiológica. Mudanças nos níveis de temperatura e na qualidade da água também causarão alterações na vida dos peixes. As corredeiras que serão submersas pelas barragens servem, atualmente, como moradia de algumas espécies e locais para alimentação e reprodução.

Haverá uma transformação na diversidade de peixes na região. Peixes típicos de fundo e de águas de fortes cor-rentes, como os bagres, bodós e bacus, ou os peixes de escama, como pescadas , jacundás, canivetes, e também os sarapós, serão afetados negativamente, podendo até desa-parecer da área.

Dos Santos observa que os grandes peixes migradores, como a piramutaba e a dourada, migram anualmente mais de 3.000 km desde o estuário do Rio Amazonas, e as bar-

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ragens funcionariam como obstáculos físicos ao deslo-camento deles ao longo do rio, no mais óbvio impacto negativo sobre a ictiofauna.

A piramutaba e a dourada são alvos preferenciais dos pescadores, tendo dois grandes centros de produção, o trecho inferior (entre Santarém e Belém) e o superior (alto Solimões). Estas duas espécies representam cer-ca de 24.000 t/safra na Amazônia brasileira. Os peixes destas espécies nascem e se reproduzem nas cabeceiras de vários tributários de água branca, como o Juruá, o Purus, o Madeira, o Içá, o Japurá e outros, alimentam-se no estuário, na foz do Amazonas, e crescem na Ama-zônia Central.

Nesse sentido, os impactos acarretados sobre os peixes pelas hidrelétricas do Rio Madeira deverão exercer algum

efeito sobre as demais regiões, especialmente no médio Amazonas, onde este rio exerce um importante papel na reprodução dos peixes e também como conexão básica entre o estuário e o sopé dos Andes.

Se a represa é uma barreira intransponível para os peixes e os mecanismos de transposição funcionam apenas em mão única, apenas de baixo para cima, eles jamais pode-rão retornar às suas áreas de origem. O ciclo não fecha e as perdas podem ser irreparáveis. Os cientistas Ronaldo Barthem e Michael Goulding chegaram a alertar sobre a possibilidade de a dourada entrar em extinção como resultado da construção das usinas.

A proliferação de determinadas espécies também deve ocorrer. É natural que as espécies pré-adaptadas, e que já estão presentes na bacia do Madeira, passem a ocupar

CRIANCAS URU-EU-WAU-WAU: IMPACTOS DO COMPLEXO MADEIRA DEVEM AFETAR SUAS ALDEIAS

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os novos nichos disponíveis na área do reservatório. A piranha-caju é uma espécie predadora, de porte peque-no (em torno de 25 cm), voraz, e que se alimenta de ou-tros peixes, normalmente formando grandes cardumes. Caso esta espécie venha a se proliferar no reservatório, deverá imprimir forte e negativa pressão sobre a pesca, por ter pouquíssimo valor comercial e representar peri-go, já que se trata de peixe com dentes afiados e capaz de provocar mutilações.

O estudo da pesquisadora Erin Barnes busca quantificar os possíveis prejuízos econômicos que as hidrelétricas causariam à pesca e aos pescadores no Rio Madeira, entre Porto Velho e Guajará-Mirim. Através de entrevistas com pescadores sobre receita e custos, um levantamento foi realizado para calcular a renda atual dos pescadores.

De modo geral, os pescadores de Porto Velho e Guajará-Mi-rim têm renda maior, pois há melhores condições de realizar a pesca comercial e vender os peixes para os mercados ur-banos. Já as populações ribeirinhas em pequenos povoados, como Cachoeira Teotônio, Jacy-Paraná, Nova Mamoré, Vila Murtinho e Jirau, tendem a pescar para alimentar suas fa-mílias, ou vender peixe individualmente.

A Colônia Z-1, de Porto Velho, contabiliza 407 toneladas de peixe comercializadas no ano de 2004. Porto Velho, ob-viamente, é o mercado mais importante da região. A Co-lônia Z-1 tem 1.925 pescadores com licença e estima que há 400 adicionais sem licença, ou seja, um total de 2.325. Erin estima o total de pescadores no trecho a ser represado entre 2.853 e 4.825 (estimativa mais provável).

O cálculo da renda anual dos pescadores do trecho pes-quisado é de US$ 35 milhões, e o valor atual dos recursos pesqueiros na região é estimado entre US$ 866 milhões e US$ 1,325 bilhão. O projeto coloca este valor avaliado da pesca em risco, deixando, particularmente, a pesca das es-pécies mais valorizadas comercial e culturalmente, a dou-rada e o bagre grande, em um enorme prejuízo, e afetando diretamente as famílias da região.

O artigo de Zuleica C. Castilhos e Ana Paula Rodrigues, do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), é elucidativo sobre a possibilidade de impactos causados pela metilação de mercúrio e sua bioacumulação nos peixes, já que o consu-mo de peixes é a única via de exposição do ser humano.

Há fatores preocupantes sobre o potencial de metilação de mercúrio no trecho que seria represado do Rio Madeira, onde a atividade de garimpo iniciou-se na década de 70. Existem ainda muitos garimpos, na região, dentre eles, Pe-nha, Taquaras, Araras e Periquitos, que utilizam mercúrio como amálgama.

Atualmente, os garimpos de ouro no Rio Beni, na Bolívia, e no seu afluente, o Rio Madre de Dios, estão plenamente ativos e a liberação de mercúrio, durante a mineração, para o Rio Madeira tende a continuar após a construção dos reservatórios.

Para cada quilo de ouro produzido, de 2 a 4 quilos de mercúrio são liberados para o meio ambiente. Estimati-vas demonstram que de 50% a 60% do mercúrio utiliza-do no garimpo do Rio Madeira era lançado na atmosfera durante o processo de queima do amálgama, sendo mais 5% vaporizado durante as etapas de extração. A perda de mercúrio para o meio ambiente na década de 80, no auge de sua produção, no Rio Madeira, chegava a 12 toneladas anuais.

De um modo geral, os solos da área de drenagem do Rio Madeira apresentam concentrações de mercúrio mais elevadas do que as faixas encontradas normalmente em outros solos. Acredita-se que esse mercúrio estocado nos solos possa alcançar os cursos d’água através de quei-madas e desmatamento, além do escoamento superficial decorrente de deposição úmida e erosão.

Tanto em adultos quanto em crianças, os efeitos tóxi-cos do mercúrio são de ordem neurológica, sendo que a intensidade depende, além da dose, da maturidade do Sistema Nervoso Central (SNC) exposto. Os mais graves efeitos tóxicos se dão sobre o SNC em desenvolvimento, do feto, intra-útero. Ao ingerir peixes contendo metilmer-cúrio (MeHg), mesmo não apresentando qualquer sinal ou sintoma de intoxicação, a mulher gestante tem os teores de MeHg em seu sangue elevados. Ao passar pela placen-ta, o MeHg presente no sangue materno atinge o SNC do embrião, prejudicando o seu desenvolvimento.

A Síndrome de Minamata, causada por envenenamento por mercúrio, é caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas de desordens neurológicas que se apresentam simultaneamente. Eles consistem em distúrbios visuais

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pela redução do campo de visão, ataxia (incapacidade de coordenação do movimento muscular voluntário, como o ato de andar), parestesia (alteração de sensibilidade; a pessoa sente picadas, formigações, queimaduras, não cau-sadas por estímulos externos), neurastenia (irritabilidade, cefaléias e perda de sono), perda de audição, disartria (dificuldade na articulação de palavras), deteriorização mental, perda de controle motor, tremor muscular, falta de coordenação motora, paralisia, e pode até mesmo levar à morte.

Atualmente, alguns estudos sugerem que a exposição ao metilmercúrio pode aumentar os riscos de efeitos adversos cardiovasculares em uma significativa fração da popu-lação humana, incluindo: doenças cardiovasculares, au-mento da pressão sangüínea e hipertensão e alteração nos batimentos cardíacos.

As populações ribeirinhas consomem muito mais peixe do que a população média e, por isso, estão mais suscetíveis à ingestão de mercúrio. Também é notório que o teor de mercúrio nos peixes que pode afetar a saúde deve ser, na verdade, muito mais baixo que o reconhecido pelas auto-ridades como prejudicial.

No entanto, apesar de todos esses preocupantes fatores, as condicionantes da licença prévia das usinas requerem apenas que o empreendedor retire bolsões de mercúrio identificados durante o processo da construção.

Os prováveis efeitos socioeconômicos do Complexo dentro do contexto regional é o tema da análise do artigo “Trans-formações Econômicas e Sociais”, de Aguiar Soares et al. Ele traz a constatação de que o baixo Madeira já está sendo utilizado como hidrovia industrial para o transporte de soja pelo Grupo Maggi e para o transporte de madeira pela empresa de celulose Veracel.

Existe uma previsão de asfaltamento da estrada BR-319 (Porto Velho – Manaus), que tem sido intransitável por mais de 10 anos. A área que corresponde ao cruzamento da BR-319 com a Transamazônica (à jusante de Porto Ve-lho) é alvo de uma intensa exploração fundiária. Empresas como a Gethal (de capital estadunidense) exploraram a madeira dos antigos seringais e o governo do Amazonas estabeleceu ali uma área “zona franca verde”, orientada para o agronegócio. Além disso, a exploração do minério

silvinita está prevista na cidade de Nova Olinda do Norte, localizada a 126 km de Manaus.

Neste contexto, a devastação da região da bacia do Ma-deira torna-se um eufemismo, assim como o fato do pro-jeto das hidrelétricas ser caracterizado como “um projeto de interesse social”. Sem que houvesse uma consulta às populações a serem atingidas pelas obras, o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) aponta que a maioria dos im-pactos, principalmente socioeconômicos, são negativos e sem medidas de mitigação.

Outros consultores alertaram para a proliferação de ve-tores de malária, uma doença endêmica na região, e para impactos sociais bastante sérios, causados pela migração de milhares de homens a Porto Velho, em busca de empre-go em decorrência da construção das usinas.

Entidades de direitos humanos apontaram ainda a exis-tência de índios isolados na margem esquerda do Rio Ma-deira, que podem ser atingidos pelas águas do reservatório ou perder as suas áreas de caça.

Além dos artigos dos pesquisadores mencionados, três se-ções complementam este livro: Um EIA-Rima Cheio de Falhas..., Perguntas Nunca Respondidas, e Com Vontade Política, Pode-se Fazer Diferente.

Incluímos nas seções Um EIA-Rima Cheio de Falhas... uma seleção das principais críticas e questionamentos fei-tos por um grupo de especialistas e que foram reunidos na publicação “Estudos Não Confiáveis: 30 Falhas no EIA-Rima do Rio Madeira”, realizada pelas organizações Ami-gos da Terra – Amazônia Brasileira e International Rivers, em novembro de 2006. As frases grifadas em cada trecho selecionado para essa seção foram destacadas por nós.

Em junho de 2006, o Ministério Público Estadual de Ron-dônia e as empresas Odebrecht e Furnas assinaram um Termo de Compromisso para que vários estudos fossem feitos sobre os documentos do processo de licenciamento do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira. O Termo esta-beleceu que o mesmo produziria efeitos legais a partir de sua assinatura e teria eficácia de título executivo extraju-dicial. Além disso, o Termo convidava o Ibama a aderir ao mesmo ao “considerar os resultados do relatório entre as condicionantes” do processo de licenciamento.

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A empresa paulista de consultoria Cobrape foi contratada e remunerada diretamente pelo consórcio empreendedor. Foram sub-contratados 19 especialistas, reconhecidos em diversas disciplinas, para que fizessem uma avaliação dos estudos realizados com o objetivo de obter o licenciamen-to do empreendimento, e que deveriam ser discutidos em audiências públicas.

Os estudos desses especialistas colocam potencialmen-te em xeque a viabilidade do projeto e, com certeza, a legitimidade dos documentos produzidos para efeito de licenciamento. Algumas observações também le-vam a considerar parcialmente inadequados os pró-prios termos de referência originais estabelecidos pelo órgão licenciador.

A seção Perguntas Nunca Respondidas destaca questio-namentos feitos pela equipe técnica do Ibama respon-sável por sintetizar suas análises das informações dis-poníveis no Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima). Eles concluíram que não havia informação suficiente para uma avaliação precisa dos impactos po-tenciais do projeto e recomendaram, devido ao elevado grau de incerteza envolvido em vários aspectos do pro-cesso, que um novo Estudo de Impacto Ambiental, mais abrangente, incluindo territórios transfronteiriços, fosse realizado. Também traz perguntas feitas por representan-tes das empresas interessadas na construção do Comple-xo, em uma reunião realizada na sede da Aneel em 4 de setembro de 2007.

E para explicitar que outras possibilidades de geração de energia elétrica são possíveis e necessárias, a seção Com Vontade Política, Pode-se Fazer Diferente apresenta alguns dados e dicas referentes a consumo consciente, potencial eólico, repotenciação e pequenas centrais hi-drelétricas, dentre outros. A proposta de incluí-los neste volume é a de fazer presente os inúmeros outros meios e possibilidades de produção, consumo e distribuição energéticas que poderiam já neste momento estar sendo incorporados ao planejamento ou até mesmo emprega-dos pelo poder público. O Brasil tem condições para, de fato, evitar os irreparáveis e imensuráveis impactos so-ciais e ambientais causados pelas hidrelétricas e investir em uma matriz energética verdadeiramente limpa. O que falta é vontade política.

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escendo dos cumes cobertos de neve dos Andes pa-ra a floresta tropical, os Rios Beni e Mamoré (Bolí-via) e Madre de Dios (Peru), principais afluentes do

Rio Madeira, são vistos do ar como sinuosos canais carre-gados de sedimentos amarelos. Conforme serpenteiam rio abaixo, eles deixam lagos na forma de meia-lua que são separados dos leitos dos rios.

Nos Andes, as cabeceiras do Madeira nascem da neve der-retida de picos que alcançam até 5.000 m acima do ní-vel do mar. Em uma distância de apenas 150 km, as águas destas nascentes descem as escarpas íngremes para alcan-çar as planícies amazônicas. Durante seus cursos, é possí-vel visualizar florestas tropicais aparentemente intactas. E também, extensas áreas de desmatamento para a pecuária e o corte de madeira. Feias goivas cortadas para a minera-ção de ouro completam o mosaico de cores da região.

Das terras altas do Mato Grosso, o Rio Guaporé (ou Rio Iténez, como é conhecido na Bolívia) corre juntando-se ao Mamoré próximo a Costa Marques, no Brasil. Neste local, no final do século 18, um forte foi construído pelos portu-gueses para defender seus avançados postos amazônicos contra os ataques dos espanhóis. A uma pequena distân-cia rio abaixo, o Mamoré passa pelas cidades vizinhas de Guajará-Mirim, no Brasil, e Guayaramerín, na Bolívia.

O Madre de Dios e o Beni descem juntos até Riberalta, na Bolívia. A confluência do Beni com o Mamoré, um pou-co abaixo de Guajará-Mirim, em Villa Bella, na Bolívia, é o ponto em que o, agora, poderoso rio se torna conheci-do como Madeira.

Enquanto o Rio Negro, em sua confluência próxima a Ma-naus, contribui com um maior volume de água para o imenso Rio Amazonas, o Madeira é responsável por 35% dos sedimentos e nutrientes que descem para o Amazo-nas, fazendo com que ele seja o principal afluente em re-lação à contribuição que faz à vida e à diversidade deste que é o maior rio do mundo. Durante os períodos de cheia (dezembro até maio), o Madeira desce com a ferocidade de um caldeirão espumante, corroendo suas margens, desen-terrando e carregando árvores com os troncos inteiros - característica pela qual recebeu seu nome.

A Bacia do Rio Madeira cobre cerca de 20% da extensão total da Bacia Amazônica. Correndo a partir da região bo-liviana de Chapare, a bacia do principal afluente do Ma-deira é a do Mamoré, que tem 241.600 km2, enquanto a bacia do Guaporé tem 186.460 km2. O Madre de Dios é o maior afluente do Madeira em termos de corrente, mas cobre somente 7% da sua bacia, sendo que metade de seu vale está no território peruano1.

A Bacia do Rio Beni tem 133.000 km2 em área e desce de uma altura de cerca de 3.500 m até um ponto próximo à capital La Paz. Enquanto a parte de cima do Beni tem sido severamente afetada pela agricultura, a sua parte de bai-xo ainda está protegida, principalmente pelas dificuldades de acesso à região.

Como a maioria dos rios amazônicos de origem andina, o Madeira é classificado pelos cientistas como um rio de águas brancas, o que significa que suas cabeceiras carre-gam enormes quantidades de nutrientes. Depositados no

A PEDRA FUNDAMENTAL DA IIRSApor Glenn Switkes

D

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leito, eles proporcionam uma relevante riqueza aos solos da região do Madre de Dios e do Beni, contribuindo para a alta biodiversidade da região - estimada por alguns como a mais alta do planeta2.

O Madeira se diferencia também pela série de corredeiras através das quais ele desce de seu curso superior. Nenhum outro afluente andino do Amazonas tem tantas corredei-ras. Dezoito delas ocorrem ao longo de um trecho de 350 km acima de Porto Velho, em Rondônia3. Por este moti-vo, o transporte entre Guajará-Mirim e os destinos rio aci-ma, na Bolívia e no Peru, com Porto Velho tem sido im-praticável, particularmente nos períodos que precederam a construção da rodovia BR-364 e de outras estradas em Rondônia. Este natural obstáculo ao transporte fluvial tem inspirado engenheiros a planejarem complexos meios de superar as limitações que o Madeira representa.

UMA ENTRADA PRObLEMÁTICA PARA O INTERIOR DO CONTINENTE A motivação para construir o Complexo Hidrelétrico e a Hidrovia do Rio Madeira pode talvez ser melhor compre-endida pelo fato de que, por centenas de anos, várias ten-tativas foram feitas de desenvolver um elo de transporte entre a costa Atlântica e as planícies amazônicas, ao lon-go da fronteira Brasil-Bolívia.

Nos tempos da colonização portuguesa do Brasil, os rios eram o principal acesso para o interior. O início da ocupação por-tuguesa da Amazônia ocidental ocorreu no Vale do Guaporé e Vila Bela da Santíssima Trindade foi fundada, em 1752, co-mo a capital da Capitania Geral de Mato Grosso e Cuiabá4.

Com a descoberta de ouro em Cuiabá e, posteriormente, com

O RIO MADEIRA É A MAIOR FONTE DE ALIMENTOS PARA AS POPULAÇÕES RIBEIRINHAS

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a intensa e crescente demanda pela borracha amazônica, o imperativo na abertura de linhas de transporte na Amazônia focava na exploração das riquezas naturais da região.

Em 1860, Bolívia e Brasil concordaram em construir a fer-rovia Madeira-Mamoré para facilitar o transporte de mi-nérios entre Mato Grosso e Pará. Esta ferrovia proporcio-naria à Bolívia uma saída para o Atlântico e ao Brasil uma alternativa para o transporte de mercadorias para o sul, até Buenos Aires, através dos rios Paraguai e Paraná. Contudo, as tentativas de construir a ferrovia, em 1862 e 1877, falharam devido ao alto índice de contaminação de doenças tropicais entre os ferroviários.

Em 1903, Brasil e Bolívia assinaram o Tratado de Petró-polis. Sob este Tratado, o Brasil se comprometeu a cons-truir a ferrovia entre Porto Velho e Guajará-Mirim e, em troca, anexou o território do Acre, que pertencia à Bolí-via. O trabalho recomeçou em 1907, no apogeu do boom da borracha, em uma época em que esta era a segunda mais importante mercadoria do Brasil, ficando atrás so-mente do café. O trecho inicial de 90 km foi inaugurado em 1910 e o trecho final em 1912. Devido ao fato de que milhares de trabalhadores perderam suas vidas, principal-mente devido à malária e outras doenças tropicais, esta estrada foi apelidada de “Ferrovia do Diabo”. Com o fim do boom da borracha, ela foi desativada nos anos 305.

A Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) surgiu da Reunião de Presidentes Sul-Americanos realizada em agosto de 2000, em Brasília, em que os lideres da região con-cordaram em realizar ações conjuntas para impul-sionar um processo de integração política, social, e econômica, baseado na expansão da infra-estrutura regional, e ações para estimular a integração e de-senvolvimento das chamadas “sub-regiões isoladas”. Basicamente, a IIRSA prioriza a integração física, através de projetos de transportes, energia e comu-nicação. Seus projetos prioritários estão organiza-dos por “eixos”, principalmente para preencher os grandes “vazios” do continente (Amazônia, Pantanal, Chaco, Cordilheira dos Andes) com atividades econô-micas de grande porte. A orientação básica é facili-tar a exportação de produtos primários para portos do Atlântico, Pacífico e Caribe. A primeira “agenda consensuada” inclui 31 projetos, com orçamento total de US$ 6,921 bilhões. No entanto, a carteira maior da IIRSA é de 350 projetos, que custariam US$ 38 bilhões, incluindo o Complexo Hidrelétrico e Hi-droviário do Rio Madeira. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Fundo Financeiro pelo Desenvol-vimento da Bacia do Prata (Fonplata) dão apoio téc-nico e financeiro à IIRSA.

IIRSA: integração física, não de povos ou culturas

BRASIL

PERUBOLIVIA

Boca do Acre

Rio BrancoPlácido de Castro

Cobija

Puerto Maldonado

Cusco

Ayaviri Trinidad

RiberaltaGuajará-Mirim

Abunã

Porto Velho

Navegaçãodo Rio Beni

HidroviaIchilo-Mamoré

Hidrelétrica Cachoeira Esperança(Rio Beni)

Linha de transmissão entre as duas centrais hidrelétricas do Rio Madeira

e o sistema central

HidroviaMadre de Dios e porto fluvial

Hidrelétrica binacionalBolívia-Brasil

Projeto Ancla:Navegação do Rio

Madeira entrePorto Velho

e Guajará-Mirim

Complexo hidrelétricodo Rio Madeira

incluindo eclusas para navegação

A MADEIRA-MAMORÉ FOI CONSTRUÍDA PARA TRANSPORTAR BORRACHACORREDOR FLUVIAL MADEIRA - MADRE DE DIOS - BENI

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Durante esse período, várias obras de engenharia foram propostas com o objetivo de proporcionar uma permanen-te linha de transporte entre os rios Guaporé e Paraguai. Talvez o plano mais radical tenha sido o discutido entre o Ministro brasileiro de Relações Internacionais e a Co-missão de Energia Atômica dos Estados Unidos, em 1967, para escavar um canal entre estes rios usando explosi-vos nucleares. O plano nunca foi concretizado e, no final dos anos 70, os engenheiros perderam o interesse em utili-zar “dinamite nuclear”6. O propósito de construir essa co-nexão emergiu novamente durante o desenvolvimento da Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), por volta de 19997.

O CAMINHO PARA O OESTEPolíticas com o objetivo de estimular o “desenvolvimen-to” da Amazônia sempre tiveram implicações sociais, eco-nômicas, de segurança e geopolíticas. Após o golpe militar de 1964, atenção renovada foi dada pelo governo brasi-leiro à colonização dessa região. O decreto de 1966, esta-belecendo a Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), deixava claro que um de seus objeti-vos era induzir a migração, com o propósito de povoar o que era visto como uma enorme área vazia8.

A importância desta estratégia para reforçar a seguran-ça nacional também foi enfatizada com a frase “ocupar,

“A área dos arredores de Porto Velho guarda ines-timável importância ambiental. Aqui, nos ateremos a, sucintamente, discorrer sobre o conhecimento atual que nos permite afirmar o extremo valor da região afe-tada. Em primeiro lugar, a área situa-se sobre a junção de diferentes eco-regiões do Ecossistema Amazônico. Um deles, os Ecótonos Cerrado-Amazônia são uma das eco-regiões mais ricas e também mais ameaçadas da região e caracterizam-se por grande heterogeneida-de na composição biológica e por serem cobertos por mosaicos de diferentes tipos de vegetação, que con-jugam espécies presentes nos dois ecossistemas, além de um considerável número de endêmicos. A própria condição de Ecótono já faz da região, a priori, uma prioridade ambiental. “

Horácio Schneider e Wilsea Figueiredo

Região é de prioridade altíssima e requer outra

análise de biodiversidade

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

APELIDADA DE “FERROVIA DO DIABO”, FOI DESATIVADA NOS ANOS 30

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ECOSSISTEMA DA ÁREA AMEAÇADA É DE IMENSO VALOR

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para não entregar”, atribuída ao então Ministro do Inte-rior, General Albuquerque Lima9. Em 1967, o Programa para Integração Nacional (PIN) foi criado e, em 1971, áreas dentro de um espaço de 10 km das rodovias na Amazônia foram decretadas terras federais. Foi atribuída ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a tare-fa de distribuí-las para projetos de colonização10.

Em 1980, o Banco Mundial aprovou um financiamento para o projeto de colonização chamado Polonoroeste, cuja essência era financiar a pavimentação da rodovia Cuiabá-Porto Velho, a BR-364, e a consolidação da infra-estrutura dos projetos de colonização nos núcleos ao longo da ro-dovia e dos ramais de estradas. De um orçamento total de US$ 1,6 bilhão, o Banco Mundial forneceu US$ 443,4 mi-lhões em empréstimos11. Um milhão de migrantes foram para Rondônia, fazendo a população saltar de 110.000, em 1970, para 1.130.000, em 199112. Como conseqüências, houve um imenso desmata-mento, ocorreram inúmeros conflitos entre os migrantes e os povos indígenas e, posteriormente, a concentração de uma significativa área de terras desmatadas nas mãos de produtores de gado. Em uma única década (1978-1988), 2.580.000 hectares, aproximadamente 11% do estado, fo-ram desmatados13.

Posteriormente, o Banco Mundial aprovou o Plano Agro-pecuário e Florestal de Rondônia. Mais conhecido como Planaforo, este projeto tinha como objetivo reduzir o des-matamento em Rondônia e no estado vizinho de Mato

Grosso através da implementação de um sistema de zone-amento de territórios para a agricultura e outros usos eco-nômicos e para a conservação e o uso sustentável. Duran-te o período do projeto, de 1993 a 2002, o Banco forneceu US$ 149 milhões do orçamento total de US$ 204 milhões. Apesar de que 20% de Rondônia estava destinado a unida-des de conservação, incluindo 21 reservas extrativistas e a demarcação de quase todos os territórios indígenas no es-tado, na realidade, a taxa de desmatamento cresceu entre 1992 e 2001, quando a área total devastada em Rondônia aumentou de 36.800 km2, ou 15% do estado, para 60.700 km2 , ou 25% de Rondônia14.

Com a explosiva aceleração da exploração da terra e dos recursos naturais de Rondônia veio a necessidade de ex-pandir a geração de energia elétrica. A represa de Sa-muel, construída no Rio Jamari, já era incapaz de satis-fazer as necessidades de energia do estado quando foi inaugurada em 1989, apesar dos graves impactos sociais e ambientais que causou.

Uma mega-barragem na Cachoeira Teotônio, no Rio Ma-deira, denominada MR-1, que teria uma capacidade insta-lada de 6.854 MW, foi projetada como um projeto bi-na-cional com a Bolívia15. Mas este projeto nunca foi leva-do adiante.

REPRESANDO A AMAZÔNIAO poderoso volume dos grandes rios da Bacia Amazônica tem sido há muito tempo o objeto de desejo dos construto-res de represas brasileiros. Atualmente, depois que a maio-ria dos rios do Sul do País já foram explorados, dois ter-ços do potencial hidrelétrico do Brasil encontram-se nos rios da Amazônia. As primeiras represas da Bacia Amazônica foram Pare-dão (agora chamada de Coaracy Nunes, 78 MW, no estado do Amapá) e Curuá-Una (30 MW, no estado do Pará), que proporcionaram energia para as cidades de Macapá e San-tarém, respectivamente. Contudo, o governo militar brasi-leiro tinha em mira projetos mais ambiciosos e, no final da década de 70, iniciou uma série de maiores e extremamen-te polêmicas usinas hidrelétricas, que desencadearam rea-ções tanto no Brasil como internacionalmente.

A hidrelétrica de Tucuruí, no Rio Tocantins, foi projeta-da para atingir uma capacidade de geração de 7.960 MW

A PECUÁRIA É UMA DAS CAUSAS DA DESTRUIÇÃO DA AMAZÔNIA

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quando a instalação de turbinas adicionais, atualmen-te em andamento, for completada. Tucuruí foi construída para gerar energia, principalmente, para duas fundições de alumínio primário operadas por companhias brasileiras e transnacionais: a Alumar, em São Luís, no Maranhão, e a Albrás/Alunorte, em Barcarena, no Pará. Estas grandes instalações industriais consomem cerca de 60% da ener-gia gerada pela represa. Tucuruí tem fornecido eletricida-de para as fábricas com tarifas altamente subsidiadas por mais de duas décadas, com um total de subsídio na forma de energia estimado entre US$ 193 milhões e US$ 411 mi-lhões por ano16.

Os impactos causados por Tucuruí foram muito bem do-cumentados. O reservatório da barragem inundou 3.007 km2 de floresta tropical17. Um estudo de caso feito pela Comissão Mundial de Barragens apurou que entre 25.000 e 35.000 pessoas foram desalojadas e que os povos in-dígenas Parakanã, Assurini e Gavião foram diretamen-te atingidos18.

No entanto, talvez o caso mais impressionante do despre-zo do governo brasileiro pelas questões ambientais e pe-los direitos humanos na construção de barragens seja o de Balbina, no Rio Uatumã, no estado do Amazonas. Balbi-na foi projetada para fornecer energia para Manaus, inun-dou 2.360 km2 e gerou uma média de, somente, 112 MW (com capacidade instalada de 250 MW). A barragem for-çou o reassentamento de um terço do povo indígena Wai-miri-Atroari19.

A barragem de Samuel (216 MW), no estado de Rondônia, foi objeto de erros de cálculo durante o período de plane-jamento que forçaram a construção de um sistema de di-ques de cerca de 20% da represa. A elevação do lençol freático continua a atingir outras áreas da floresta próxi-mas à represa20. Mais de 3.000 pessoas foram oficialmen-te atingidas, sendo que muitas outras famílias não recebe-ram indenização.

Outras barragens construídas na Bacia Amazônica incluemGuaporé (120 MW, no Rio Guaporé), e Serra da Mesa (1.275 MW), Cana Brava (471 MW) e Lajeado (902 MW), todas no Rio Tocantins. Atualmente, em construção também no To-cantins, há Estreito (1.087 MW) e São Salvador (241 MW). O polêmico projeto de Belo Monte (11.182 MW, no Rio Xin-gu) está prestes a entrar no processo de licenciamento am-

O Complexo Madeira seria o maior de todos os projetos da Odebrecht. Esta companhia, que iniciou suas atividades em 1944, é a maior da América Lati-na no ramo da construção e engenharia e petroquí-mica. Em 2005, sua receita foi de R$ 23,4 bilhões e seu patrimônio líquido é de R$ 3,4 bilhões. Sua maior holding é a Braskem, uma companhia petroquímica cuja receita, em 2005, foi de R$ 17 bilhões (73% do total da receita da Organização Odebrecht), compa-rada com US$ 6,38 bilhões, ou 27% da Construtora Norberto Odebrecht. Esta empreiteira construiu pro-jetos de grande escala na Europa, África do Sul e nos Estados Unidos e, entre 2002 e 2004, quase dobrou sua renda. Em 2004, registrou US$ 1,8 bilhão em contratos fora do Brasil, além de ter participado da construção das barragens de Itaipu (Brasil-Paraguai), Pichi Picún Leúfu (Argentina), Capanda (Angola) e São Francisco (Equador), entre muitas outras23. Tam-bém construiu a segunda ponte sobre o Rio Orinoco e a expansão do aeroporto de Miami. A Odebrecht já ganhou vários contratos para a construção de proje-tos da IIRSA no Peru, incluindo a Rodovia de Pedágio Norte, a Interoceânica Sul e o Projeto Integral Olmos, assim como o gasoduto TGS, na Argentina. A influência desta empresa aumentou visivel-mente no governo Lula, muito provavelmente devido ao seu apoio a candidatos eleitorais. Estudos mos-tram que a Construtora Odebrecht, a Braskem e a CBPO Engenharia, todas parte do grupo Odebrecht, forneceram R$ 16,455 milhões em doações a candi-datos de vários partidos24.

A Odebrecht é a líder do consórcio responsável pela construção da Linha Amarela do Metrô de São Paulo, onde o desabamento da obra matou 7 pessoas em janeiro de 2007.

Odebrecht: gigante poder econômico e político

ITAIPU: A SEGUNDA MAIOR HIDRELÉTRICA DO MUNDO

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biental. Atualmente, sessenta outras grandes barragens hi-drelétricas, no mínimo, estão sendo planejadas para serem construídas na Bacia Amazônica até o ano 203021/22.

É importante notar que, apesar da criação de uma agência de planejamento energético dentro do Ministério de Minas e Energia, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), e uma flexibilização na retórica do setor energético para incluir considerações ambientais na construção de barragens, o planejamento energético continua sendo empreendido em consulta privada entre o governo, o setor energético esta-tal e companhias privadas de construção, serviços e gera-ção de energia, sem a participação da sociedade civil.

Somente quando o processo de licenciamento ambiental entra no seu estágio final, os projetos de energia são aber-tos à participação popular. Uma outra evidência do contí-nuo abismo entre essa retórica e a realidade é a decisão da companhia estatal Eletronorte, no final de 2006, de sub-meter a barragem de Marabá (2.160 MW, no Rio Tocan-tins) ao licenciamento. A barragem desalojaria mais de 40.000 pessoas e inundaria parte da reserva indígena de Gaviões do Mãe Maria, que já sofreu os impactos da cons-trução de Tucuruí.

O RETORNO DO PROjETO MADEIRAEm 2001, a gigante construtora brasileira Odebrecht e a companhia elétrica estatal Furnas foram autorizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a conduzir um novo inventário para o Rio Madeira. Este estudo ava-liou três locais para possíveis hidrelétricas e concluiu que, mudando os eixos de uma única barragem bi-nacional nas corredeiras de Teotônio, como tinha sido proposto nos anos 70, para duas barragens separadas nas corredeiras de Santo Antônio e Jirau, as companhias poderiam evitar a inundação do território boliviano e perderiam pouco na capacidade de geração de energia.

Sob diversos aspectos, essa parceria entre Furnas e Ode-brecth trazia novos elementos. Por exemplo, quem sempre tinha exclusividade assegurada para a construção de bar-ragens na região Amazônica era a companhia estatal Ele-tronorte. E tanto no Brasil como internacionalmente, ela é considerada responsável por notórios desastres ambien-tais e culturais, como as barragens de Tucuruí e Balbina. Já Odebrecht e Furnas tinham trabalhado juntas na cons-trução da barragem de Manso, na região do Cerrado, no

A Furnas Centrais Elétricas é uma holding da companhia elétrica estatal brasileira Eletrobrás e foi criada, em 1957, para construir a usina hidre-létrica de Furnas, no estado de Minas Gerais. Sua sede foi, posteriormente, transferida para o Rio de Janeiro. Furnas opera, principalmente, em projetos de geração de energia no Sudeste e Centro-Oeste do Brasil. Em 2006, o presidente do Conselho de Admi-nistração de Furnas, Aloisio Vasconcelos, foi no-meado pelo presidente Lula para ser o novo pre-sidente da Eletrobrás. Em abril de 2007, ele deixou o cargo para assumir a posição de chefe-executivo das operações no Brasil da Alstom, fabricante de equipamentos de construção de barragens26, uma indicação da incestuosa relação entre companhias públicas e privadas no setor elétrico. Em 2005, o lu-cro líquido de Furnas foi de R$ 840 milhões. Furnas opera várias hidrelétricas no Brasil, como Serra da Mesa, Manso e Peixe Angical27. Serra da Mesa inundou 1.784 km2 do Cerrado, e Manso causou sérios impactos nos peixes no Panta-nal, além de desalojar 500 famílias tradicionais da região com compensação pífia.

Furnas: ampliando sua área de atuação

A USINA DE MG DEU INÍCIO À COMPANHIA FURNAS

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Mato Grosso, e o projeto Madeira seria a primeira investi-da delas na Amazônia.

As companhias proponentes afirmam seu pioneirismo na proposta de utilizar turbinas bulbo, que funcionam hori-zontalmente e geram energia com a força da vazão, preci-sando de menor queda hidráulica. Segundo elas, o objetivo seria reduzir a área inundada. As turbinas seriam instaladas em uma configuração, nunca vista antes, de 44 turbinas na casa de força de cada barragem. Turbinas bulbo nunca fo-ram usadas para barragens com mais de 290 MW de capaci-dade instalada. A enorme série de turbinas bulbo planejada para o Madeira e o fato de que elas seriam as maiores des-se tipo já construídas até hoje têm levantado dúvidas sobre a estabilidade da energia que seria gerada25.

O projeto do Complexo Madeira foi lançado em um mo-mento em que a “menina dos olhos” do setor elétrico era ainda a barragem de Belo Monte.

ENERGIA DO RIO MADEIRA – PARA QUEM?Desde agosto de 2004, o planejamento energético brasilei-ro foi subordinado a uma nova agência, integrada ao Mi-nistério de Minas e Energia, chamada Empresa de Pesqui-sa Energética (EPE). Em 2006, a EPE concluiu um novo planejamento de energia elétrica para dez anos que avalia que, para atingir o crescimento previsto do Produto Inter-no Bruto (PIB) de 4,2% por ano, o consumo anual de ele-tricidade aumentará 5,2% - o que implica que o Brasil pre-cisará de mais de 4.000 MW de nova geração de potência elétrica instalada a cada ano. Por volta de 2016, cerca de 40% da capacidade de geração nova de eletricidade no Pa-ís (contando com a projetada construção da segunda fa-se do Complexo Xingu) viria das barragens do Madeira e de Belo Monte.

A insistência do governo em priorizar mega-barragens na Amazônia ao invés de projetos hidrelétricos menores, que apresentam menos obstáculos ambientais, sociais e finan-ceiros para a construção, tem sido criticada inclusive por al-guns representantes do setor industrial, como Cláudio Sa-les, presidente do Instituto Acende Brasil, cujos membros são empresas privadas do setor elétrico.

Em um artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, Sales refere-se às barragens como “os elefantes brancos do Rio Madeira” e afirma que “a obra vem sendo come-

morada por fornecedores de equipamentos, empreiteiras, políticos e empresários locais como fontes de encomen-das e de receitas por pelo menos 10 anos. Eles têm expe-riência suficiente para saber que projetos faraônicos co-mo esse, comandados por estatais, sempre ultrapassam, em muito, os custos e os prazos iniciais… Estaremos re-trocedendo ao modelo adotado na década de 70, onde o futuro do setor era decidido por generais do governo?”. Sales continua argumentando que “é inaceitável que se inicie um projeto, qualquer projeto de energia, sem que sejam explicitados e incorporados os custos de transmis-são… sem isso, o preço da energia do Rio Madeira esta-rá distorcido por ignorar o custo extremamente relevan-te associado ao transporte da energia gerada por mais de dois mil quilômetros até os centros de consumo”28.

A hidroeletricidade é considerada pelos planejadores de energia brasileiros como a forma de energia mais barata dis-ponível para o Brasil. Esta é a justificativa para que o Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica 2007-2016 man-tenha a mesma porcentagem - aproximadamente 75% - de geração de energia a partir das barragens hidrelétricas.

“Os custos de instalação constantes nos documentos são sub-dimensionados e por isso os valores da energia são extremamente, quase três vezes, inferiores àqueles calculados por instituições independentes“.

Artur de Souza Moret

Sub-dimensionamento expressivo dos custosdas obras e da energia

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

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O CUSTO NÃO PÁRA DE CRESCER

Quando inicialmente apresentadas, em 2003, as barra-gens de Santo Antônio e Jirau teriam um custo total, in-cluindo eclusas de navegação, de US$ 5,5 bilhões. Es-te custo aumentou nos estudos oficiais do projeto para mais de US$ 9 bilhões, apesar de que o número de turbi-nas diminuiu, e com elas a capacidade instalada das bar-ragens (de um total de 7.480 MW para 6.450 MW). Quan-do a Aneel aprovou os estudos de viabilidade do projeto, em abril de 2007, com uma capacidade instalada revisa-da de 6.494,4 MW, o custo total projetado das duas bar-ragens tinha aumentado para R$ 25,72 bilhões29, ou US$ 12,6 bilhões, o que representa um aumento de 129% so-bre as estimativas iniciais.

Os custos estimados para o corredor de transmissão do projeto também subiram vertiginosamente. Na apresenta-ção do projeto em 2003, no Banco Nacional de Desenvol-

vimento Econômico e Social (BNDES), os custos adicionais da transmissão elétrica para a rede central de energia fo-ram estimados em US$ 650 milhões, enquanto as últimas estimativas são de que os 2.500 km da linha de transmis-são de energia custarão entre US$ 1,75 bilhão30 e US$ 4,2 bilhões31. Estes números elevam os custos atualizados para as duas barragens e o referido sistema de transmissão para um valor entre US$ 16,5 e US$ 24,5 bilhões.

Até mesmo a Odebrecht admite que os custos da geração de energia do Complexo Madeira estarão entre os mais al-tos do Brasil - cerca de US$ 65/MWh. Este dado não inclui os custos de transmissão. Os planejadores de energia do governo rejeitam a importância destes números, afirman-do que o Complexo Madeira é “estruturante” e ajudará a implementar a infra-estrutura que permitirá a construção de outras barragens na Amazônia Central e Ocidental.

De acordo com algumas reportagens, outras indústrias de

* Os empreendedores do projeto estimam que a linha de transmissão entre Porto Velho (RO) e Araraquara (SP) terá um custo variando entre R$ 10 e R$ 15 bilhões. Considerando que esses valores são, constantemente, subestimados, foi adotado aqui o valor mais alto.

Construção da hidrelétrica Santo Antônio R$ 12,72 bilhões

Eclusa Santo Antônio R$ 730 milhões

Interligação de interesse restrito Santo Antônio R$ 350 milhões

Custo total da hidrelétrica Santo Antônio R$ 13,80 bilhões

Construção da hidrelétrica Jirau R$ 13,04 bilhões

Eclusa Jirau R$ 650 milhões

Interligação de interesse restrito Jirau R$ 580 milhões

Custo total da hidrelétrica Jirau R$ 14,27 bilhões

Linha de transmissão R$ 15 bilhões*

cusTo ToTAl do complexo HidrelÉTrico r$ 43,07 bilhões

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energia-intensivas também já expressaram interesse no projeto, incluindo CSN, Alcoa e Gerdau34. Em visitas ao Brasil, investidores russos e chineses também declararam interesse em investir no projeto Madeira.

Geração de energia à parte, Odebrecht e Furnas tiraram proveito de um novo programa destinado a impulsionar a integração de infra-estrutura entre os países da Améri-ca do Sul para lançar o projeto Madeira. A IIRSA propõe um projeto que seria a pedra fundamental da integra-ção sulamericana pela criação, de acordo com as compa-nhias, de uma hidrovia ou caminho fluvial industrial de 4.225 km de extensão. O objetivo da hidrovia é o de per-mitir que balsas atravessem as corredeiras do Rio Madei-ra, possibilitando o transporte rio acima ou abaixo, de Puerto Maldonado e Riberalta, nos rios Madre de Dios e Beni, até o estuário do Amazonas e o Atlântico. Grãos, minérios, madeira e outras mercadorias brasileiras pode-riam ser transportadas até os portos do Pacífico através de conexões rodoviárias multimodais.

O projeto para a construção das barragens de Santo Antô-nio e Jirau foi oficialmente apresentado em um seminário sobre a IIRSA organizado pelo BNDES, juntamente com a CAF, no Rio de Janeiro, em agosto de 200335. Significativamente, para formar o caminho fluvial Madei-ra-Madre de Dios-Beni, e permitir a navegação de bal-sas de Porto Velho à Bolívia, outras corredeiras acima do reservatório de Jirau também teriam que ser inundadas. E, para fazer isso, outras duas barragens precisariam ser construídas rio acima. Estas seriam as barragens de Guaja-rá-Mirim (bi-nacional Bolívia-Brasil), construída nas cor-redeiras Ribeirão, com uma capacidade instalada estima-da em 3.000 MW, e a barragem da Cachuela Esperanza, no rio boliviano Beni (600 MW). A barragem de Guajará-Mi-rim poderia inundar uma porção significativa das cidades de Guajará-Mirim (Brasil) e Guayaramerín (Bolívia), que, somadas, têm uma população de 100.000 habitantes. Ca-chuela Esperanza são corredeiras na província de Pando.

Os únicos dados disponíveis publicamente para o cus-to das barragens de Guajará-Mirim (US$ 2 bilhões) e Ca-chuela Esperanza (US$ 1,2 bilhão)36, divulgados em 2003, são provavelmente sub-estimados. O Complexo Madeira é considerado o “projeto âncora” da IIRSA para o eixo Pe-ru-Brasil-Bolívia. Este grupo de projetos inclui ligações de

“Não há como não considerar que as Usinas Hidre-létricas Santo Antônio e Jirau têm que, obrigatoria-mente, se inserir numa visão de futuro em que não somente são previstos um complexo de quatro usinas hidrelétricas, um gasoduto, uma ferrovia e uma malha hidroviária de 4.200 km navegáveis para integração de infra-estruturas de energia e de transportes no Brasil e entre Brasil, Bolívia e Peru e, com possíveis desdobra-mentos, em direção ao Pacífico”.

Sílvio Rodrigues Persivo Cunha

Abrangência equivocada: falta estudar a hidrovia

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

PROJETO MUDARÁ O RIO MADEIRA PARA SEMPRE

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Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira é o maior e mais caro projeto da Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), com um or-

çamento final superior a US$ 20 bilhões. Este valor é quase o Produto Interno Bruto (PIB) da Bolívia – que, para o ano de 2007, foi de US$ 27 bilhões. É importante lembrar que a Bolí-via seria diretamente impactada pelo Complexo.

Instituições Financeiras Multilaterais (IFMs), como o Banco In-teramericano de Desenvolvimento (BID), a Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Fundo Financeiro para o Desenvolvimen-to da Bacia do Prata (Fonplata), coordenam e financiam a IIR-SA, que propôs 335 mega-projetos de infra-estrutura nas áreas de transporte, energia e telecomunicações. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), um banco nacional com atuação transnacional, também está financiando projetos específicos da IIRSA.

Estas instituições estão cada vez mais priorizando o financia-mento de mega-projetos como as grandes hidrelétricas. O vo-lume de recursos disponível atualmente é muito alto e obras de infra-estrutura garantem a alocação desses recursos.

No caso das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, embora o BNDES sozinho tenha assumido o compromisso de financiar

80% da obra antes mesmo de qualquer avaliação da viabilidade econômica e socioambiental do projeto, o BID também admitiu seu interesse em financiar o Complexo. As outras instituições influenciam indiretamente por financiarem a IIRSA como um todo. Além disso, o BID e o BNDES firmaram um convênio, no início de 2006, criando uma linha de crédito adicional para os setores de infra-estrutura e insumos básicos com o objetivo de viabilizar investimentos de grande porte, realizados principal-mente pela iniciativa privada. O valor da linha poderá chegar a US$ 1,5 bilhão. Um dos projetos a ser beneficiado com essa linha de crédito é o Complexo do Rio Madeira.

O Banco Mundial, apesar de não ter se comprometido até agora em financiar a obra, arcou com os custos da contrata-ção de consultores por parte do Ministério de Minas e Ener-gia (MME). O pagamento do estudo feito por Sultan Alam para analisar os impactos da sedimentação na hidrelétrica de Santo Antônio é um polêmico exemplo da intervenção do Banco Mundial. Este estudo chegou a ser citado pela Minis-tra-Chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, como definitivo para colocar um ponto final no problema relativo aos sedimentos. Desde o início de todo o processo, foi negado à sociedade civil – tanto pelo MME quanto pelo Banco Mundial - qual-quer acesso à informação qualificada ou aos documentos e estudos realizados.

Uma evidência da atuação conjunta dessas instituições e do in-vestimento que fazem nos projetos infra-estruturais do setor privado foi a instituição de um fundo, criado em outubro de 2007 pelo BNDES, BID e Corporação Financeira Internacional (CFI, do Grupo Banco Mundial), para financiar projetos na modalidade de concessões públicas e Parcerias Público-Privadas (PPPs), tan-to no Brasil como na América do Sul. O fundo terá aporte inicial de US$ 3,99 milhões, podendo atingir até US$ 11,99 milhões. Junto com outros fundos já criados pelas IFMs, este servirá para acelerar a implementação dos mega-projetos de infra-estrutura da IIRSA e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, considerado a IIRSA nacional.

mAs, AFiNAl, o Que É o BNdes? O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é um banco estatal criado em 1952 com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento econômico e social do Brasil.

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Quem financia uma obra tão polêmica?

por Fabrina Furtado

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O Banco não só investe em empresas públicas e privadas e financia projetos de investimento, como também participa ati-vamente na formulação de políticas públicas nacionais e na estruturação de diversos aspectos das relações econômicas externas do País, com aportes crescentes em países vizinhos. Ao fazer empréstimos a juros baixos para determinadas ativi-dades e empresas, o Banco favorece o crescimento dos setores e atividades apoiadas, induzindo, desse modo, um determinado tipo de desenvolvimento.

O orçamento do BNDES é bastante alto, superando o que o Banco Mundial e o BID juntos aplicam no Brasil. E conti-nua crescendo. Os desembolsos acumulados em 12 meses passaram de R$ 48,1 bilhões, em outubro de 2006, para R$ 62,6 bilhões, em setembro de 2007, representando um aumento de 30%. Para 2008, a previsão de desembolsos do BNDES é de R$ 80 bilhões, mas podendo chegar até mesmo a R$ 100 bilhões.

No entanto, estes recursos são desembolsados de forma de-sigual em termos regionais, por setor e tamanho da empresa. Em 2006, a maioria dos financiamentos do Banco foi desti-nada para o Sudeste e o Sul, sendo que a distribuição foi a seguinte: Norte: 3,17%, Nordeste: 9,42%, Sudeste: 61,22%, Sul: 19,06%, e Centro-Oeste: 7,13%. Por porte de empresa, 78,34% dos desembolsos foram destinados às grandes com-panhias, priorizando as empresas privadas e principalmente aquelas voltadas para a exportação. Para as pequenas e médias empresas sobraram 21,66% dos desembolsos.

Por setor, os maiores financiamentos do Banco são para as áre-as de indústria, infra-estrutura e agronegócio, que represen-tam 93% do total, enquanto saúde e educação representam 1,1% do total. Na área de infra-estrutura, o Banco financia principalmente projetos de transporte, energia e telecomuni-cações. Entre 2003 e 2006, os desembolsos para o setor de energia elétrica foram de R$ 6,6 bilhões, enquanto para as fontes alternativas foram de R$ 553 milhões.

Dentro da proposta do PAC, o BNDES aprovou ainda, em janeiro de 2007, medidas internas para garantir um aumento dos seus financiamentos para projetos de infra-estrutura, principalmen-te do setor energético. O Banco reduziu a taxa de juros para os

projetos de geração, transmissão e distribuição de energia, pro-dução e distribuição de gás, ferrovias, portos, aeroportos, rodo-vias, saneamento e transporte urbano, em uma média de 60%.No caso das usinas hidrelétricas, outras medidas foram adota-das, como o aumento do prazo total de amortização de finan-ciamento - de 14 anos para 20 anos ou mais - nos projetos de usinas com potência acima de 1 mil MW.

e de oNde Vem o diNHeiro do BNdes?O BNDES tem duas fontes principais de recursos: os re-pagamentos de empréstimos e rendimentos de aplicações e fundos federais - Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), Fundo PIS-PASEP e o Fundo da Marinha Mercante. Quase 50% dos recursos do Banco são oriundos do FAT, ou seja, dinheiro do trabalhador.

Desse modo, é também com o dinheiro do trabalhador que o BNDES promove e referenda um modelo de desenvolvimento brasileiro que transforma o País – e a região da América Latina e Caribe - em plataforma de exportação de produtos primários de pouco valor agregado e com alto custo para o meio ambien-te e para a sociedade.

Isso só tem sido possível porque o Banco não conta com ne-nhum mecanismo de transparência e participação efetiva e representativa da sociedade civil. Com o objetivo de mudar essa situação, há cerca de dois anos, diversas organizações da sociedade civil cobram do Banco o acesso a informações, par-ticipação e uma transformação nas suas estratégias de finan-ciamento. Essas organizações, redes e movimentos – Rede Bra-sil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Atingi-dos por Barragens (MAB), Rede Alerta contra o Deserto Verde e Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), dentre outras – construíram um documento que demanda mudanças estratégicas do Banco. Além de transparência, par-ticipação e controle social, esta Plataforma BNDES reivindica a adoção dos seguintes critérios para a aprovação de projetos: territoriais/regionais, ambientais, climáticos, de gênero, raça e etnia e trabalho e renda. O documento demanda ainda que o BNDES redefina suas prioridades a partir de políticas setoriais para as áreas de infra-estrutura social, energia e clima e inte-gração regional, dentre outras.

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UM DOS MAIORES OBJETIVOS DO COMPLEXO É TRANSFORMAR O RIO MADEIRA EM UMA HIDROVIA PARA O TRANSPORTE DE GRÃOS E MINÉRIOS: SEVEROS IMPACTOS AMBIENTAIS

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rodovias entre a região dos Andes e os portos peruanos do Pacífico e um elo rodoviário de conexão através de La Paz, na Bolívia. No Peru, através da “Carretera Interoceâ-nica”, pretende-se pavimentar uma rodovia de 2.586 km entre Iñapari, na fronteira boliviana com o Acre, até o Pa-cífico. Iñapari é agora acessível pela cidade brasileira de Assis Brasil através de uma ponte recém construída, esta-belecendo uma conexão rodoviária de Rondônia (e Brasil central) ao Peru.

Em seu estudo de caso da “Carretera Interoceânica”, o en-genheiro florestal Marc Dourojeanni afirma que as melho-rias da rodovia foram executadas apressadamente, muito antes da conclusão dos Estudos de Impacto Ambiental, e que os impactos em áreas protegidas de alta biodiversida-de poderão ser devastadores37. O custo oficial da rodovia é de US$ 1,07 bilhão, e o financiamento tem sido concedido pela PROEX, a Ex-Im Bank do Brasil, (US$ 417 milhões), e pela CAF, a principal instituição financeira multilateral apoiando a IIRSA (US$ 310 milhões)38. Na Bolívia, a rodovia Corredor Norte (1.386 km, incluindo a ponta El Chorro-Cobija, no Peru, com um custo estima-do de US$ 250 milhões) é também parte da IIRSA. A pa-vimentação da rodovia que conecta Guayaramerín, no Rio Mamoré, com La Paz está sendo financiada pelo BID (US$ 153,1 milhões)39 e pela CAF (US$ 42 milhões).

Em ambos casos, a lógica central da IIRSA é baseada na sinergia entre a expansão da navegabilidade do Madei-ra, que seria possibilitada pela submersão das corredeiras entre Porto Velho e Cachuela Esperanza, e a pavimenta-ção das conexões de rodovias ligando a Bolívia e a Ama-zônia peruana com os portos do Pacífico. Reportagens re-centes têm também mencionado o interesse do Brasil em importar ouro e manganês das regiões de Pando e Beni, na Bolívia.

SOjA: DEVORANDO A AMAZÔNIA?Apesar do governo brasileiro promover o Complexo Ma-deira como uma “solução” para as futuras necessidades energéticas, é explícito que a hidrovia tem sido sempre uma importante motivação para a construção do projeto. Odebrecht e Furnas afirmaram, na apresentação do Com-plexo no Rio de Janeiro, que a produção agrícola brasi-leira aumentaria em 25 milhões de toneladas por ano, em

sete milhões de hectares - supõe-se que a maioria deste aumento seja da produção de soja e de outros grãos. As companhias afirmam ainda que a hidrovia Guaporé-Ma-deira também diminuiria os custos de transporte para se-te milhões de toneladas de insumos, que provavelmente são fertilizantes e pesticidas, em sua maioria. Além dis-so, os benefícios para a Bolívia incluiriam um aumento na produção da agricultura de 24 milhões de toneladas por ano – aqui novamente, é provável que trata-se da ex-pansão de soja40.

O incentivo para essa expansão seria a diminuição dos custos de transporte em US$ 30 por tonelada como re-sultado da implantação da hidrovia, consolidando “o pó-lo de desenvolvimento industrial do agronegócio na re-gião oeste”.

Em suas apresentações, as empresas ignoram totalmen-te as conseqüências ambientais de converter enormes ex-tensões da Amazônia e as savanas Chaco, na Bolívia, em plantações de soja.

Os efeitos da expansão do cultivo de soja na Amazônia tornaram-se uma preocupação internacional. A soja tem, recentemente, sido considerada uma das principais causas do desmatamento na Amazônia, já tendo destruído cerca de 1,2 milhão de hectares41. Em 2006, o Greenpeace pro-duziu um mapa das áreas com condições favoráveis para a plantação de soja na Amazônia. Através dele, confirmou-se que o Vale Guaporé, em Rondônia, e áreas na parte cen-tral do Madeira, no estado do Amazonas, assim como ter-ras no leste e centro do Acre, podem muito bem integrar a próxima fronteira da soja na região Amazônica42. A Bolívia já vem sendo seriamente afetada pela expan-são do cultivo deste grão. De acordo com o governo bo-liviano, somente nos últimos três anos, mais de 600.000 hectares de florestas já foram destruídos e converti-dos em soja, principalmente nos departamentos de Be-ni, Pando e Santa Cruz. As companhias seriam de bra-sileiros e o governo afirma que, sob o regime de Evo de Morales, irá expropriar estas terras para a reforma agrária43. Um recente estudo do Fundo Estratégico de Conservação avalia que a expansão da soja, estimula-da pelos projetos de rodovia e hidrovia da IIRSA, pode-ria afetar mais de 142.000 km2, com maiores impactos no noroeste da Bolívia44.

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Além do aumento da demanda por soja e outros grãos para ração animal, a crescente pressão para expandir as áreas de cultivo para a produção de agrocombustíveis certamente causará impactos. A Europa pretende ter 20% da sua frota de transporte utilizando agrocombustíveis até 2030 e os Estados Unidos negocia para importá-los do Brasil.

De acordo com Sílvio Pestana, presidente da Empresa Bra-sileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), “o grande jo-go é aproveitar os 50 milhões de hectares de pastagens pouco produtivas que temos… Nos próximos 30 anos, será necessária a produção de 100 bilhões de litros de biodiesel. E, para isso, vamos precisar de 40 milhões de hectares… A questão pega no investimento. Para recuperar 20 milhões de hectares pouco produtivos são necessários R$ 40 bi-lhões. Ainda está mais barato derrubar floresta”45.

A soja é bem menos eficaz que o girassol, a mamona, o algodão, o pinhão-manso ou o dendê na extração de óleo e na proporção de energia requerida para cultivar os grãos e produzir agrocombustível. Além das indica-ções de que pelo menos 60%, e talvez até 90%, dos agro-combustíveis brasileiros serão produzidos pelo agrone-gócio46, há também a preocupação de que os produtores familiares se concentrem em suprir a demanda de mamo-na e grãos para os programas de agrocombustíveis, sa-crificando o suprimento de alimentos nutritivos para as suas famílias.

LICENCIAMENTO AMbIENTAL:A ESTRATéGIA “ROLO COMPRESSOR”DO GOVERNO bRASILEIROEm maio de 2005, após a conclusão dos estudos de viabi-lidade, Odebrecht e Furnas contataram o Instituto Brasi-leiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renová-veis (Ibama) para oficialmente iniciar o processo de licen-ciamento para as barragens do Madeira.

Por ser um rio que corre por mais de um estado e consi-derando os enormes impactos potenciais do complexo hi-drelétrico, a jurisdição para o licenciamento do projeto é de responsabilidade do Ibama, um órgão federal. O pro-cesso de licenciamento tem vários estágios – o primeiro é a licença prévia (LP), que “aprova a viabilidade ambien-tal do projeto e autoriza sua localização e concepção tec-

“O Rio Madeira é uma barreira biogeográfica reconhe-cida desde o século XIX e é o limite que define pelo menos duas áreas de endemismo... Para que uma visão mais clara da diversidade da área possa ser possível em curto prazo, esses estudos NÃO PODEM deixar de es-tar conciliados com estudos genéticos populacionais. Já existem muitas seqüências de DNA publicadas para mamíferos de várias partes da Amazônia. Uma compa-ração entre essas seqüências e as da área em questãoserá imprescindível para que uma avaliação mais clara dos impactos possa ser feita“.

Horácio Schneider e Wilsea Figueiredo

Região é de prioridade altíssima e requer outra

análise de biodiversidade

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

FALTAM ESTUDOS PARA A FAUNA, COMO O BICHO PREGUICA

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nológica”; depois, a licença de instalação (LI), que autori-za a construção do projeto; em seguida pode ser concedida a licença de operação (LO), “condicionada à vistoria a fim de verificar se todas as exigências e detalhes técnicos des-critos no projeto aprovado foram desenvolvidos e atendi-dos ao longo de sua instalação e se estão de acordo com o previsto nas LP e LI”47.

O processo de licenciamento do Complexo Madeira foi um longo período de negociação entre as empresas e o Iba-ma devido ao escopo dos estudos para serem analisados. Em setembro de 2004, o Ibama editou um esboço de Ter-mos de Referência (TOR) e, em seguida, realizou uma audi-ência pública em Porto Velho para solicitar contribuições. Aparentemente, nenhuma mudança, foi feita como resul-tado dos comentários da sociedade civil. As negociações

resultaram na oportunidade da retração dos estudos para limitar o Ibama em sua análise dos impactos potenciais das barragens. Em 17 de novembro de 2004, Norma Pinto Villela, da Superintendência de Gestão Ambiental de Fur-nas, escreveu uma carta para Luis Felippe Kunz Júnior, na época diretor de Licenciamento e Qualidade Ambiental do Ibama. Furnas reclamava que “a abordagem metodológica [dos TORs propostos] prevê estudo sinérgico dos empreen-dimentos já implantados, em fase de implantação e inven-tariados na Bacia do Rio Madeira, considerando inclusive, o projeto da Hidrovia do Rio Madeira. Sobre esse tópico, é nosso entendimento que, ao contemplarmos toda a ba-cia em foco, com área total de 1.420.000 km2, o estudo em pauta pode se inviabilizar, tanto pelo fato de inclusão do projeto da hidrovia em seu escopo, quanto pela dimensão espacial da área objeto de estudo”48.

APÓS A LIBERAÇÃO DAS LICENÇAS PARA CONSTRUÇÃO, O DESMATAMENTO AUMENTOU 600% EM RONDÔNIA

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Furnas defendeu o desmembramento da hidrovia dos es-tudos, afirmando na carta que “... está prevista, no projeto dos aproveitamentos, a construção de eclusas… Dessa for-ma, é nosso entendimento que a atividade de navegação no trecho do Rio Madeira, à montante de Porto Velho, seja objeto de licenciamento específico, quando da exploração dessa atividade, por quem vier assumir a sua concessão”49.

A justiça brasileira tem insistido na necessidade de anali-sar as hidrovias como um todo antes de conceder licenças para instalações de portos específicos, como a Paraguai-Paraná e a Araguaia-Tocantins, por exemplo. Várias bar-ragens, incluindo Tucuruí no Rio Tocantins, têm sido criti-cadas pela falha de seus construtores de instalarem eclusas para permitir o transporte industrial ao longo do sistema do rio. No caso do Complexo Madeira, que Furnas, Ode-brecht e Eletrobrás têm publicamente vendido como o pri-meiro passo na implantação da hidrovia IIRSA, não ficou claro se as eclusas de navegação seriam até mesmo inclu-ídas no projeto, e os estudos ambientais foram analisados sem nenhuma referência à hidrovia, que é parte da IIRSA.

O Ibama concordou em limitar a área de estudo para o tre-cho entre Porto Velho e Abunã (no lado da fronteira da Bolívia). Foram retiradas todas as exigências para estudos sobre os impactos que o trânsito das balsas e a construção do porto poderiam ter nos ecossistemas, assim como sobre o papel da hidrovia em induzir a conversão de florestas em áreas agriculturáveis para a monocultura de grãos.

Apesar disso, a hidrovia continua a ser mencionada pelos oficiais brasileiros como um dos principais motivos para a construção do Complexo Madeira. Ao aprovar os estudos de viabilidade para o projeto, a Aneel mencionou que “o Complexo do Rio Madeira é composto ainda pelos apro-veitamentos hidrelétricos de Guajará-Mirim… e Cachuela Esperanza… Este complexo permitirá, além de geração elé-trica, a navegabilidade desde Belém até o interior da Bo-lívia, o que contribuirá para o desenvolvimento socioeco-nômico e integração de toda esta região”50.

Como descrito no artigo do hidrólogo Jorge Molina Car-pio, do Instituto Nacional de Hidrologia da Bolívia, nes-te volume, o Ibama cometeu um erro bastante significati-vo (ou uma deliberada omissão, talvez seja mais apropria-do) ao permitir que os estudos fossem restritos à zona de impacto direto, arbitrariamente deixando Abunã, na fron-

“O esforço de coleta utilizado foi insuficiente, como ressaltado pelos próprios autores, para avaliar a real diversidade taxonômica da mastofauna local... A ine-xistência de informações impede que análises com-parativas entre a área estudada e outras em outras porções da Amazônia sejam feitas. Os trabalhos de avaliação de impacto ambiental... limitam-se a listar espécies presentes, avaliar sua abundância e a com-parar a lista das espécies encontradas com aquelas consideradas como ameaçadas de extinção. É um lamentável paradoxo, portanto, que o estudo de im-pactos ambientais apresentado seja de restrita capa-cidade para desempenhar sua principal função: a de avaliar os impactos ambientais que serão decorrentes da construção das hidrelétricas.“

Horácio Schneider e Wilsea Figueiredo

Fauna: coleta insuficiente e impactos não avaliados

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

DADOS INSUFICIENTES AMEAÇAM ANIMAIS, COMO A ANTA

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teira boliviana, de fora deles. Isso permitiu aos proponen-tes do projeto evitar a adequada realização de estudos so-bre hidrologia e sedimentação. Estes estudos poderiam estabelecer conclusivamente se o projeto iria ou não afe-tar o território da Bolívia. Efetivamente, também aliviou o consórcio da responsabilidade de analisar as migrações de peixes e o transporte de mercúrio, dentre outras ques-tões, no conjunto da bacia.

Os TORs foram entitulados “Termo de Referência para Ela-boração do Estudo de Impacto Ambiental e o Respectivo Relatório de Impacto Ambiental - EIA/Rima - Aproveita-mentos Hidrelétricos no Rio Madeira AHE Santo Antônio e AHE Jirau e sistema de transmissão associado” [grifo nosso]. Mesmo assim, Furnas foi bem sucedida em negociar as linhas de transmissão, e seus impactos, fora da compe-tência do Ibama para licenciar o projeto. Furnas argumentou que “a regra proposta pelo novo modelo [de energia] difere daquela estabelecida para a geração, ou seja, não exige a li-cença ambiental prévia, mas sim que sejam encaminhados à Aneel os documentos adiante relacionados, aprovados... (Relatório de Viabilidade Técnico-Econômico, Relatório de Detalhamento da Alternativa e Relatório de Caracterização Ambiental)… isto permite que os estudos de detalhamento do traçado, que farão parte do projeto básico da linha, se-jam iniciados algum tempo depois do início de construção da usina. É nesse momento que se tem maior precisão quan-to ao projeto da linha... Dessa forma, sugerimos que todo o ítem 5 do termo de referência seja revisto, de modo a con-templar o corredor de passagem, e não o traçado da linha, no conjunto de recomendações técnicas a serem adotadas na elaboração do EIA/ Rima dos referidos aproveitamentos hidrelétricos e sistema de transmissão associado”51.

A lógica de Furnas foi aceita pelo Ibama em janeiro de 2005. O EIA somente menciona uma faixa potencial de 10 km de largura que o sistema de transmissão pode ocupar, sem nenhuma análise cuidadosa dos impactos potenciais. A omissão do sistema de transmissão da análise, pelo Iba-ma, é bastante grave, especialmente considerando o fato de que o sistema interconectado brasileiro não tem nenhuma capacidade de transportar 6.450 MW de energia elétrica - que seria o pico de geração das duas barragens do Rio Ma-deira - entre Rondônia e o interior de São Paulo. Portan-to, um dos mais longos corredores de transmissão de eletri-cidade do mundo teria que ser construído. De acordo com estimativas oficiais, pelo menos 2.500 km de extensão, a

“A informação disponível sobre a gama de espécies presentes nos umirizais, em comparação com outros tipos de campinaranas que têm algum tipo de prote-ção, é insuficiente para afirmar que os umirizais são representados adequadamente em outro lugar em áre-as protegidas”. (Umirizais são um tipo de campinarana rara na Amazônia).

Philip Fearnside

Região é de prioridade altíssima e requer outra

análise de biodiversidade

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

um custo estimado de mais de R$ 10 bilhões52. Em qual-quer avaliação, esta linha de transmissão é parte essencial do projeto Madeira e, apesar de ter significativos impactos ambientais e sociais, a consideração destes impactos foi re-tirada dos TORs.

Em maio de 2005, o EIA-Rima foi entregue ao Ibama. Du-rante o ano seguinte, o Ibama requereu vários estudos com-plementares, em áreas incluindo hidrosedimentologia, im-pactos à jusante, peixes e qualidade da água53. Em setem-bro de 2006, o Ibama aceitou os estudos como completos e agendou audiências públicas em Rondônia. Após atrasos iniciais, devido a uma liminar obtida pelo Ministério Públi-co Federal, as audiências foram realizadas, em Abunã, Mu-tum-Paraná, Jaci-Paraná e Porto Velho, em novembro.

Durante esse período, autoridades brasileiras, do diretor geral da Aneel, Jerson Kelman, até o próprio presidente Lula, fizeram uma implacável pressão política para que o projeto fosse aprovado. O presidente da Eletrobrás, Aloisio

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Vasconcelos, referindo-se aos problemas de licenciamento de grandes barragens, ao Ibama e aos defensores do meio ambiente como um todo, afirmou: “Ou o governo dá um soco na mesa e libera os projetos do setor de energia ou esse povo [do meio ambiente] vai parar o Brasil… é abso-lutamente imprescindível que o governo libere o projeto das duas usinas do Rio Madeira, em Rondônia, ainda es-te ano” 54. Além das incessantes reclamações do setor in-dustrial sobre “as barreiras ao desenvolvimento”, atribuí-das aos atrasos do Ibama em licenciar o projeto, foi criada uma atmosfera na qual percebe-se que a decisão final so-bre o licenciamento seria feita mais por motivos políticos do que por questões técnicas. Uma tentativa explícita do setor elétrico em pressionar o Ibama para aprovar o projeto foi a carta enviada pelo Mi-nistro de Minas e Energia, Silas Rondeau, à Ministra do

Meio Ambiente, Marina Silva, em dezembro de 2005. Na carta, Rondeau afirma “tendo em vista a importância dos aproveitamentos hidrelétricos Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, e Belo Monte, no Rio Xingu, considerados prioridades estratégicas de governo para suprir a demanda de energia elétrica no País já em 2011 – que se não forem viabilizados com a celeridade requerida poderá ser absolu-tamente danoso à expansão da oferta e impor riscos para o atendimento à sociedade e à base de sustentação do cresci-mento e desenvolvimento no País -, mostra-se importante e indispensável recorrer uma vez mais à Vossa Excelência solicitando a vossa diligência decisiva para que essa ques-tão seja considerada como prioritária no acompanhamen-to dos estudos pelo Ibama e na viabilização do processo de licenciamento ambiental no menor prazo possível”55.

Furnas e Odebrecht publicamente retrataram o massivo

BASILEU MARGARIDO, PRESIDENTE DO IBAMA, E A MINISTRA MARINA SILVA: ATÉ O DESMEMBRAMENTO DO INSTITUTO FOI REALIZADO PARA QUE A LICENÇA FOSSE CONCEDIDA

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projeto no principal afluente do Amazonas como “quase sem impactos ambientais”. As proponentes des-consideraram que a averiguação paga para os estudos pe-lo Ibama tinha afirmado que os impactos do projeto se-riam extensos e afetariam permanentemente o Madeira, seus ecossistemas e uma população maior do que o nú-mero de pessoas cujas casas e terras seriam inundadas pe-los reservatórios.

Em 21 de março de 2007, oito especialistas do Ibama, responsáveis por sintetizar suas análises das informações técnicas disponíveis, apresentaram um parecer de 221 páginas. Eles atestaram a insuficiência dos estudos apre-sentados, a probabilidade de que a área afetada e a in-tensidade dos impactos seria maior que o admitido pe-las companhias e que os projetos poderiam muito bem afetar a Bolívia. Ou seja, resumidamente, que a informa-ção disponível era inadequada para uma avaliação preci-sa dos impactos potenciais do projeto. A recomendação deles era: “Dado o elevado grau de incerteza envolvido no processo; a identificação de áreas afetadas não con-templadas no Estudo; o não dimensionamento de vários impactos com ausência de medidas mitigadoras e de con-trole ambiental necessárias à garantia do bem-estar das populações e uso sustentável dos recursos naturais; e a necessária observância do Princípio da Precaução, a equi-pe técnica concluiu não ser possível atestar a viabilidade ambiental dos aproveitamentos Hidrelétricos Santo Antô-nio e Jirau, sendo imperiosa a realização de novo Estudo de Impacto Ambiental, mais abrangente, tanto em territó-rio nacional como em territórios transfonteiriços, incluin-do a realização de novas audiências públicas. Portanto, recomenda-se a não emissão da Licença Prévia”56.

Nove dias depois, o então diretor de licenciamento do Iba-ma, Luiz Felippe Kunz, despachou afirmando “deixo de acolher o Parecer Técnico... solicitando sua revisão, em fa-ce da dubiedade das suas conclusões uma vez que... suge-re a elaboração de um novo Estudo de Impacto Ambien-tal”. Kunz afirmou que especialistas independentes seriam contratados para examinar as questões centrais, que advo-gados do Ibama seriam consultados a respeito da possibili-dade de estudos serem feitos em países vizinhos, e mudou a ênfase do trabalho do Ibama para “definição das com-plementações” aos estudos57. Após alguns dias, Kunz foi demitido do cargo de diretor

de licenciamento como parte de um processo onde o Iba-ma foi dividido em dois órgãos – um para administrar áreas protegidas, e outro para lidar com licenças ambien-tais. Realizada em um momento em que a pressão sobre o Ibama era crescente, a reestruturação da instituição foi uma clara manobra para facilitar a aprovação do Com-plexo Madeira58.

Ao mesmo tempo, o governo brasileiro começou uma con-tra-ofensiva para depreciar as opiniões dos técnicos do Ibama e criar uma sucessão de “fatos” novos que garan-tiriam a viabilidade do projeto. Um componente essencial foi a apresentação do relatório do hidrólogo francês Sul-tan Alam, a quem foi dada a tarefa de avaliar o projeto de engenharia na represa de Santo Antônio sob a perspecti-va de analisar os impactos da sedimentação. O estudo de Alam, limitado em seu escopo, utilizou modelos simplifi-cados para argumentar que sedimentos finos seriam varri-dos através das turbinas durante a estação de cheia59. Ele foi anunciado solenemente pela Ministra Chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, como a solução de todos os proble-mas que, segundo os técnicos do Ibama, seriam causados pelos sedimentos. “Um primeiro problema relativo aos se-dimentos foi descartado... (ele) considerou o projeto bas-tante adequado, dizendo que não tinha a menor hipóte-se de haver erosão ou sedimentação que comprometesse, do ponto de vista ambiental, as duas usinas. Pelo contrá-rio, ele as elogiou bastante”60. O fato de que os estudos de viabilidade do projeto e o EIA tinham indicado que os se-dimentos seriam um problema para o projeto foi, repen-tinamente, esquecido, e uma nova ficção tornou-se a ba-se “oficial” para insistir que o projeto fosse aprovado ime-diatamente. O Ibama continuou a tratar a teoria de Alam, assim como a eficácia de construir canais de passagem de peixes para permitir que as espécies migratórias nadas-sem rio acima, com ceticismo. Contudo, o novo líder tem-porário do Ibama, Bazileu Alves Margarido, antigo Chefe de Gabinete da Ministra Marina Silva, foi empossado para assegurar a concessão da licença. Ao invés de novos estu-dos, ou até mesmo de estudos complementares, Margarido pediu à Odebrecht e à Furnas para responderem a uma sé-rie de perguntas técnicas sobre o projeto.

As respostas das companhias, entregues ao Ibama no dia 11 de maio de 2007, foram uma mera formalidade. Acei-tando a “nova” teoria de Alam, de que nenhum sedimen-to se acumularia no reservatório, as proponentes defen-

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deram o limitado âmbito de modelagem de sedimentos e mencionaram os restritos termos de referência acor-dados pelo Ibama como uma justificativa para esquiva-rem-se da discussão dos impactos potenciais do proje-to na Bolívia61.

No dia 9 de julho de 2007, assinada por Bazileu Alves Margarido, o Ibama concedeu a Licença Prévia para as represas de Santo Antônio e Jirau. Quase todas as 33 condicionantes para a licença restringiam-se a progra-mas de monitoramento a serem executados depois que as represas estivessem operando. As exigências sobre a mo-delagem de sedimentos multi-dimensional atestam pa-ra as contínuas dúvidas a respeito do armazenamento de sedimentos no reservatório. No entanto, ao solicitar esses estudos somente após a Licença Prévia ter sido concedi-da, o Ibama indicou que, independente de seus resulta-dos, o projeto teria permissão para seguir em frente62. A SOCIEDADE CIVIL SE MObILIZAAs organizações da sociedade civil de Rondônia começa-ram a se articular no período em que os projetos do Ban-co Mundial, particularmente o Planaforo, estavam sendo executados. Em 1994, o Fórum de ONGs e Movimentos Sociais de Rondônia solicitou ao Painel de Inspeção do Banco uma investigação a respeito das supostas violações às suas próprias políticas no projeto Planaforo. No caso do projeto Madeira, novas alianças de ONGs foram for-madas para confrontar os planos de represar o rio. Em ja-neiro de 2006, a cartilha Viva o Rio Madeira Vivo foi pu-blicada. Seu texto incluiu temas como: a perda do patri-

mônio histórico; o reassentamento de dois mil ribeirinhos; impactos na pesca; o inchamento populacional de Porto Velho; o assoreamento do Rio Madeira, nos trechos ante-riores às barragens; e as alterações ambientais nocivas aos animais e plantas protegidos pelas estações ecológicas de Moji Canava e Serra Dois Irmãos, que ficam na área de in-fluência das usinas. “É preciso mostrar o que está por trás da construção dessas usinas, que modelo de integração da Amazônia é esse, que não inclui as pessoas…”63, afirma o texto da cartilha.

Um componente essencial deste esforço foi a criação do sítio eletrônico www.riomadeiravivo.org para disseminar notícias e documentos relativos à campanha e ao projeto Madeira. Importantes grupos nesta aliança são: o Grupo de Pesquisa em Energia Renovável e Sustentável da UNIR, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Comissão Pas-toral da Terra (CPT), a ONG ambientalista Kanindé, a rede Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), a Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR), a ONG Rio Terra, o Movi-mento dos Atingidos por Barragens (MAB), através da sua sede em Rondônia, e a Associação de Preservação do Meio Ambiente e dos Rios da Amazônia (Apremara). Foram pro-duzidos vários materiais, como informativos, cartilhas e ví-deos, com o intuito de compartilhar com a sociedade co-mo um todo a enorme importância do Rio Madeira para os povos da floresta, para o próprio equilíbrio ambiental da Bacia Amazônica e, portanto, porque o Complexo Madeira não deveria ser construído.

Um passeio de barco pelo Madeira marcou o Dia Interna-cional de Ação contra Barragens, em 14 de março de 2006. Significativamente, o bispo de Porto Velho, Dom Moacir Grechi, participou do evento, afirmando: “Eu não tenho nada contra o progresso. Pelo contrário, eu gostaria de ver todo amazonense, todo rondonense com condições de vida digna. Mas eu sou obrigado a tomar posição quan-do o progresso é duvidoso, quando a gente leva em conta todas as outras hidrelétricas do Brasil. Pelas informações que nós temos, muita coisa do ponto de vista social e am-biental deixa a desejar”64. O bispo realizou uma celebração religiosa na histórica Praça da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em Porto Velho, para ajudar o protesto a ganhar a atenção da comunidade.

Em maio de 2006, três eventos em Porto Velho ex-plicitaram a confrontação acerca do projeto Madeira.

MINISTRA DILMA ROUSSEF: FORTE PRESSÃO PARA A EMISSÃO DA LICENÇA

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MINISTRA DILMA ROUSSEF: FORTE PRESSÃO PARA A EMISSÃO DA LICENÇA

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O Grupo de Trabalho Energia do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS) reuniu-se em Porto Velho, e um evento paralelo sobre a IIRSA contou com a participa-ção da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multila-terais, da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Re-brip) e de entidades da Bolívia e do Peru. O evento também incluiu apresentações de técnicos especializados, incluin-do o hidrólogo Jorge Molina e o pesquisador Edinaldo de Castro e Silva, que tem estudado os impactos da bioacu-mulação do mercúrio nas represas. Após o evento, os mi-nistérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia ofere-ceram um treinamento sobre o processo de licenciamento ambiental que levou a polêmicas discussões a respeito dos impactos das barragens, particularmente entre os repre-sentantes dos povos Gavião e Arara, que tinham se reuni-do em Porto Velho para expressar oposição ao projeto de represar o Rio Ji-Paraná.

Os grupos também aparecerem em massa em uma “audi-ência pública” sobre as barragens do Madeira, organiza-da pela prefeitura de Porto Velho. No encontro, o prefei-to Roberto Sobrinho anunciou seu apoio ao projeto desde que ele promovesse o desenvolvimento local. “Não quere-mos ver só os fios passando em cima”, disse ele à audiên-cia. Representantes do Ministério de Minas e Energia, da Casa Civil, da Presidência da República, de Furnas e da Odebrecht, descreveram as barragens como sendo essen-ciais para a nação. Um engenheiro da Odebrecht chegou a declarar que “as barragens são de um novo tipo, quase sem impactos ambientais”. Afirmações do prefeito Sobri-nho, como “os ribeirinhos não precisarão mudar, somente se afastar um pouco para ficar na beira do reservatório”, não ajudaram muito a atenuar as preocupações das popu-lações ameaçadas com a realocação65.

Por outro lado, membros de organizações e movimentos sociais expressaram argumentos consistentes em oposição ao projeto e representantes dos pescadores e dos povos in-dígenas da região criticaram os impactos que o projeto causaria. Enquanto as ONGs estavam ativas em Porto Ve-lho, levando o debate para o cenário nacional e interna-cional, o MAB alertou os ribeirinhos sobre as ameaças re-presentadas pelas usinas. Em julho de 2006, cerca de 200 atingidos por construções de barragens, juntamente com integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e dos Pequenos Agricultores (MPA), marcha-

ram 210 km ao longo da rodovia BR-364, de Abunã a Por-to Velho, na “Marcha pela Vida”. Durante o percurso , os integrantes conversavam com os residentes locais sobre o alto preço da energia, afirmando que as barragens do Ma-deira beneficiariam principalmente as indústrias, ao invés da maioria da população66.

Um outro evento de mobilização foi o Festival de Ribei-rinhos realizado em Porto Velho, em novembro de 2006. Enfatizando a arte e a cultura das populações residentes ao longo do Madeira, o festival incluiu discussões sobre o projeto e música pelos artistas locais, incluindo o Mo-vimento Hip Hop da Floresta e a Quilomboclada67.

Esforços também foram feitos para influenciar os políti-cos, tanto no Brasil como no exterior. Em junho de 2006, quarenta organizações ativas na campanha contra o re-presamento do Madeira enviaram uma carta ao presidente Luis Inácio Lula da Silva. A carta afirmava que “o barra-mento promoverá danos irreversíveis sobre esta diversida-de, particularmente sobre os peixes, afetando a pesca, um dos suportes da economia da região e, portanto, a sobre-vivência de milhares de famílias. Os impactos sociais, am-bientais e econômicos serão observados desde o alto Ma-deira até a sua foz e também no Rio Amazonas”, e sugeria que o Brasil seria mais sábio se oferecesse incentivos pa-ra a eficiência energética como uma alternativa à constru-ção de barragens68.

No mês seguinte, 58 organizações de 23 países enviaram uma carta ao presidente do BID, Luis Alberto Moreno, so-

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MOVIMENTOS SOCIAIS: MOBILIZAÇÃO EM DEFESA DA PRÓPRIA VIDA

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licitando insistentemente que o Banco não financiasse o Complexo Hidrelétrico do Madeira. Na carta, as organi-zações enfatizaram a duvidosa viabilidade econômica do projeto e concluíram: “Em nossa visão, a decisão de fi-nanciar o represamento do segundo maior rio da Amazô-nia não deveria ser tomada sem uma análise extremamen-te cuidadosa dos impactos diretos e indiretos que o projeto teria, incluindo seus efeitos no aumento da área desmatada da Amazônia Ocidental”69.

A resposta do BID demorou seis meses. Em dezembro de 2006, o consultor de Relações Externas, Alfredo Barne-chea, em nome do presidente do Banco escreveu “nós ire-mos ponderar nossa participação no financiamento do projeto e prestar atenção especial para os potenciais pro-blemas ambientais e sociais relatados, inclusive através da análise dos impactos diretos e indiretos. Este e outros pro-jetos da IIRSA envolvem áreas de grande biodiversidade. Meus colegas e eu apreciamos que vocês tenham chamado nossa atenção para estas questões”70.

POVO bOLIVIANO NÃO QUER O COMPLEXOTambém foram feitas articulações entre grupos ambien-talistas nacionais e internacionais, como o Fórum Boli-viano de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fobomade), que liderou a luta pela paralisação da barragem El Ba-la, planejada para o Rio Beni há aproximadamente uma década. O Fobomade informou funcionários do governo do recém eleito presidente Evo Morales sobre os poten-ciais efeitos do projeto nas florestas da província de Pan-do. Em outubro de 2006, representantes de comunidades e povos indígenas nas regiões de fronteira de Riberalta e Guayaramerín divulgaram uma declaração demandando que o governo boliviano “em caráter de extrema urgên-cia intervenha imediatamente diante do governo brasilei-ro e diante dos organismos internacionais, como as Na-ções Unidas, em defesa do nosso território, de nossos rios, a flora e a fauna, o meio ambiente e de nossa forma de vida...”. A declaração mencionou o fato de que a inunda-ção causada pela barragem de Jirau significaria a perda de solos férteis da várzea e que águas estagnadas do re-manso do reservatório superior afetariam a qualidade da água e a saúde dos bolivianos71.

Em Pando, os camponeses também protestaram contra as barragens. “Nós teremos que arcar com todos os custos

“A área de impacto direto deve incluir os lagos da várzea à jusante que estarão afetados pela perda do pulso da água, afetando milhares de pessoas. Como o período do fluxo no sentido aos lagos (à jusante) acontece quando o Rio Madeira está baixo... é prová-vel que o pulso de fluxo seja capturado para encher os reservatórios em vez de ser passado como um pul-so da mesma intensidade para o baixo Madeira, com o impacto da diminuição dos sedimentos nos lagos, como o Lago de Cuniã. Isso deveria afetar a principal fonte de pirarucu para Porto Velho. Nem a Reserva Extrativista Cuniã nem qualquer outra unidade de conservação à jusante das represas foi considerada no EIA/Rima. Estudos são necessários para estimar as mudanças sobre o suprimento de sedimentos e nu-trientes aos lagos de várzea.”

Philip Fearnside

Falta analisar impactos nos lagos da várzea à jusante

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

“Os 20-30 anos, em que a quantidade de sedimentogrosso que atravessa as turbinas será reduzida pela quantidade que estará sendo depositada atrás das pa-redes de retenção, serão um período de manutençãorelativamente fácil dos rotores das turbinas. Depois que os sedimentos estabilizarem, no ano 30, e partículas de todas as dimensões puderem passar pelas turbinas, o efeito de abrasão será maior. Uma taxa de desconto aplicada aos futuros custos de manutenção, indubi-tavelmente, faz com que este fator tenha pouco peso no cálculo financeiro usado para justificar a constru-ção das barragens, mas este aumento na necessidade de manutenção representa um custo que terá que ser sustentado pelos futuros usuários da energia...”

Philip Fearnside

Sub-dimensionamento expressivo dos custosdas obras e da energia

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sociais e ambientais das obras, inclusive os problemas de saúde com a proliferação de doenças como a malária”, afirmou o secretário-executivo da Federação Sindical dosTrabalhadores Camponeses de Pando, Manuel Lima72.

Como resultado, no dia 7 de novembro de 2006, o Ministro do Exterior da Bolívia, David Choquehuanca enviou uma carta para seu equivalente, Ministro das Relações Exterio-res do Brasil, Celso Amorim, mencionando “preocupação com os prováveis impactos ecológicos e ambientais” das hidrelétricas do Rio Madeira. A carta afirmava que “consi-dera-se, entre os impactos prováveis, a inundação do ter-ritório boliviano como efeito dos reservatórios, o que afe-ta, por um lado, a existência do bosque amazônico da ba-cia do Madeira, da alta riqueza em castanha e, por outro lado, as possibilidades de construção de hidrelétricas pa-ra satisfazer as demandas regionais e locais de energia”. A carta mencionou a possibilidade das barragens inundarem a área onde a represa de Cachuela Esperanza seria cons-truída, o que tinha sido objeto de acordos bi-laterais en-tre os dois países em 1984 e 1988. Choquehuanca propôs que uma comissão bi-nacional fosse formada para avaliar os possíveis impactos transfronteiriços da barragem de Ji-rau. Oficiais bolivianos das agências ambientais também reuniram especialistas técnicos e científicos para avaliar o Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira e seus possíveis efeitos na Bolívia73.

Em fevereiro de 2007, representantes de comunidades, ONGs e sindicatos, tanto da Bolívia como do Brasil, en-contraram-se em Cobija, na fronteira entre os dois paí-ses, e redigiram uma carta aos presidentes Lula, do Bra-sil, e Evo Morales, da Bolívia, em que expressavam oposi-ção às barragens.

A carta afirma “... os impactos mencionados incluem a inundação de extensos territórios dos quais sobrevivemos realizando atividades de uso sustentável, como a coleta de castanha da floresta Amazônica, a pesca e a agricultu-ra sazonal nas margens; também incluem o aumento da incidência de enfermidades, como a malária, o paludismo, dengue, dengue hemorrágica, etc; o desaparecimento de espécies; a extinção da pesca comercial; e a expulsão das populações localizadas nos territórios inundados...” e in-voca os governos a “descartar o processo de aprovação da licença ambiental e, portanto, desistir da construção das represas sobre o Rio Madeira, o que significa liberar-nos

da ameaça que até agora paira sobre a vida de nossos po-vos”. A carta foi assinada pelos 38 representantes de co-munidades e sindicatos na região74.

A posição foi aparentemente apoiada pelo governo Mo-rales e ratificada durante sua visita à Brasília, em feve-reiro de 2007. Apesar do presidente Lula ter anuncia-do que os dois governantes concordaram em estudar a construção da barragem bi-nacional no Madeira, Mo-rales insistiu que o projeto das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau fosse suspenso até a realização de es-tudos adicionais. Nenhum acordo foi obtido75.

ESPECIALISTAS INDEPENDENTES AVALIAM: ESTUDOS NÃO SÃO CONFIÁVEISEm junho de 2006, o Ministério Público Estadual de Ron-dônia assinou um Termo de Compromisso Ambiental com a Odebrecht, representando o consórcio. Sob o acordo, o consórcio concordou em financiar uma série de estu-dos independentes coordenada pela Companhia Brasilei-ra de Projetos e Empreendimentos (Cobrape), sediada em São Paulo, para analisar o EIA-Rima do projeto e redi-gir dois relatórios com recomendações sobre os estudos e o projeto76.

Hoje em dia, é bastante óbvio que os diretores do Ministé-rio Público pretendiam que os estudos somente legitimas-sem o projeto e ajudassem a definir medidas mitigadoras para flexibilizar as controvérsias que poderiam surgir nos estágios finais do processo de licenciamento77.

Um grupo de consultores, incluindo renomados especialistas – brasileiros e estrangeiros - em Amazônia, foi selecionado para realizar os estudos. O que o Ministério Público não es-perava era que os estudiosos encontrariam falhas fatais nos estudos e criticariam a viabilidade do próprio projeto.

Bruce Forsberg e Alexandre Kemenes, do Instituto Nacio-nal de Pesquisas na Amazônia (Inpa), levantaram a pos-sibilidade de que o mapeamento da futura área do reser-vatório tivesse utilizado fotos de satélite sem ajustar para a altura da vegetação nas imagens, que poderia chegar a ser de 20 m. “Uma redução em 20 m no nível base da Mo-delagem Digital de Elevação (MDE) resultaria em um au-mento dos limites da área alagada até a curva de nível de 95 m, o que representaria um aumento de mais de 100%

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na área alagada. Se esse erro realmente ocorreu, todos os estudos de impacto realizados até o presente momento se-riam comprometidos. As áreas de influência direta e indi-reta teriam que ser redefinidas e todos os estudos e simu-lações refeitos”78. O reconhecido cientista Philip Fearnside, também do Inpa, afirmou que a represa de Jirau iria inundar o ter-ritório boliviano: “Mesmo sob o plano de operação e em níveis hídricos variáveis , o nível de água aumen-taria na altura da confluência com o Rio Abunã, situa-do 119 km à montante da barragem de Jirau, sendo es-te local o começo do trecho onde o Rio Madeira for-ma a fronteira entre o Brasil e a Bolívia. Esta elevação do nível d’água significa que terra na Bolívia, que nor-malmente está exposta ao período de água baixa, seria inundada durante estes períodos (Molina Carpio, 2006). A sedimentação também elevará o nível do leito fluvial do Madeira na altura da boca do Rio Abunã, criando assim um efeito de represamento que elevará níveis de água no Rio Abunã.

Não foram incluídos efeitos neste rio, nem no estudo de viabilidade e nem nos relatórios do EIA e Rima. Além dis-so, isto se refere ao nível operacional normal. Conside-rando que, o máximo maximorum estaria em 92 m sobre o nível médio do mar, isso implica que a Bolívia estaria ainda mais sujeita a inundações quando ocorrerem fluxos mais altos que os normais”79.

José Galizia Tundisi, um especialista em gerenciamento de represas que trabalha ocasionalmente para Furnas, e seu colega Takako Matsumura também constataram que os estudos são inadequados: “A análise das questões re-lativas a estudos sedimentológicos deve sempre conside-rar a bacia hidrográfica como unidade espacial para ava-liação do problema em foco… Os dados sedimentométri-cos apresentados pelo projetista foram coletados com base em amostradores de sedimentos em suspensão, enquanto que os sedimentos do leito não foram coletados pela ine-xistência de amostrador específico no Brasil. Desta forma, entende-se que a estimativa da carga sedimentar do leitonão foi adequadamente realizada, conforme ressalta o próprio projetista. O resultado final deixa a desejar, sen-do muito impreciso. Portanto, a medição do sedimento do leito por processo direto foi abandonada. A não medição da determinação confiável da carga do leito, que certa-mente deve apresentar natureza móvel, produz inconfor-midade nos cálculos subseqüentes”80.

Ronaldo Barthem e Michael Goulding, provavelmente os mais notáveis especialistas do mundo em peixes migrató-rios da Amazônia, previram problemas no futuro supri-mento de peixes na região, se as barragens forem cons-truídas: “Dourada e babão sobem essas cachoeiras anual-mente e se reproduzem na cabeceira do Rio Madeira, no sopé dos Andes. Portanto, pelo menos as populações des-tas duas espécies estão ameaçadas por este empreendi-mento. Com a intensificação da pesca dos reprodutores (na Bolívia e no Peru), a manutenção da população repro-dutora vai depender mais da maturação dos indivíduos que migram pelas cachoeiras e menos de desovas sucessi-vas dos indivíduos mais velhos, que estão mais expostos às pescarias nas encostas. Com isso, o bloqueio comple-to da subida dos bagres migradores irá, inevitavelmente, comprometer a reposição dos reprodutores e a tendência destas populações, acima da cachoeira, seria a de se ex-tinguirem em um curto espaço de tempo81.

Barthem e Goulding concluem: “A ocorrência de um com-portamento de homing [retorno à área de nascimento] tor-naria estas espécies bastante vulneráveis ao barramento, pois o bloqueio do rio eliminaria uma população distinta, mesmo se este bloqueio fosse temporário. Durante o perí-odo de bloqueio não haveria a reposição de indivíduos pa-ra as áreas de desova acima da cachoeira e os reproduto-res nas cabeceiras do Madeira, com o tempo, diminuiriam.

CHOQUEHUANCA COM CELSO AMORIM: PROTESTO CONTRA O COMPLEXO

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O desaparecimento completo dependeria da intensidade da pesca nas encostas e do tempo do bloqueio. Sem os ovos produzidos nesta área, não haveria a migração de re-torno e esta população estaria extinta82.

O MPE ignorou a maioria das averiguações críticas dos especialistas relacionadas à viabilidade e aos Estudos de Impacto Ambiental do projeto e, em uma reunião pú-blica, apresentou um breve relatório que enfatizava a necessidade de um plano para mitigar os impactos do projeto, onde possível - que eles denominaram “Agen-da de Viabilização Socioeconômica, Ambiental e Insti-tucional dos AHEs de Santo Antonio e Jirau”. De qual-quer modo, a publicação das análises dos especialistas alcançou boa visibilidade na imprensa brasileira e in-ternacional, servindo como mais um alerta a respeito das graves conseqüências da construção do Complexo do Rio Madeira84.

A LUTA CONTINUACom a Licença Prévia das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau aprovada, o setor elétrico marcou o leilão para a concessão da usina Santo Antônio para 10 de dezembro de 2007. Logo em seguida, a Odebrecht foi denunciada pe-la sua concorrente, Camargo Correa, por ter fechado um acordo de exclusividade com os fabricantes de turbinas Voith-Siemens, Alstom, e VA Tech, que ficaram impedidos de fornecer orçamentos para outros consórcios85.

O ganhador do leilão, como esperado, foi o consórcio lide-

rado por Furnas (39%), Odebrecht Investimentos em Infra-estrutura Ltda. (17,6%), Construtora Norberto Odebrecht S.A. (1%), Fundo de Investimentos e Participações Ama-zônia Energia (FIP), formado pelos bancos Banif e Santan-der (20%), Andrade Gutierrez Participações S/A. (12,4%), e Cemig Geração e Transmissão S/A (10%). Seu lance de R$ 78,87/MWh como preço da venda da energia para o siste-ma interligado foi bem menor que o previsto, e as empre-sas apostam em ganhar dinheiro vendendo 30% da ener-gia no mercado livre. Há a possibilidade da entrada de fundos de pensão e do BNDES como acionistas – o BNDES deve financiar até 75% do custo do projeto.

O leilão durou apenas sete minutos e foi marcado por protestos, tanto em Brasília como em Porto Velho. Críti-cas e atos contrários ao Complexo deverão se repetir no dia 12 de maio de 2008, quando deve ser realizado o lei-lão de Jirau.

É provável que a amarga luta pelo futuro do Rio Madeira continuará por mais algum tempo. Devido aos potenciais impactos do projeto na Bolívia, várias comunidades daque-le país apresentaram uma queixa junto à Comissão Inter-americana de Direitos Humanos da Organização dos Esta-dos Americanos (OEA).

Disputas legais sobre a licença prévia também são pro-váveis. E, movimentos sociais e ONGs se comprometem a continuar a luta para evitar que o principal tributário da Amazônia seja destruído.

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A ELEVAÇÃO DOS NÍVEIS DE ÁGUA DO RIO PODE SER MAIOR QUE A PREVISTA: ESTUDOS NÃO CONFIÁVEIS

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1,2 - EM PORTO VELHO, MOVIMENTOS PROTESTAM CONTRA O COMPLEXO DO MADEIRA

3,4,5 - EM BRASÍLIA, ORGANIZAÇÕES TENTARAM IMPEDIR A REALIZAÇÃO DO LEILÃO DA USINA DE SANTO ANTONIO

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1, 2, 3, 4 - MAB E COAIB FORAM DOIS DOS MOVIMENTOS PROTAGONISTAS CONTRA A REALIZAÇÃO DO COMPLEXO DO MADEIRA: LUTA PELA VIDA

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1 Goulding et al. (2003) ACCA/ACA: Las Fuentes del Amazonas, p. 16 2 Goulding et al. (2003), p. 13

3 PC, Furnas, Odebrecht Inventário Hidrelétrico do Rio Madeira, 2002, p. 1.5

4 Sternberg, Hilgard. Proposals for a South American Waterway em Mörner, M. e Rosendahl, M (eds.) Threatened Peoples and Environments in the Americas, Estocolmo: Institute of Latin American Studies, 1995, p. 99

5 www.fiocruz.br/ccs/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=224&sid=5&tpl=printerview em 16/01/07

6 Stermberg, 1995. pp. 107-108

7 Veja Corporación Andina de Fomento, Los Rios nos Unen, Bogotá: 1999, pp. 213-239

8 Rabello, A.C. e Ferreira, L.F. Colonizando o Sudoeste da Amazônia, em http://www.anpuh.uepg.br/xxiii-simposio/anais/textos/ANTÔNIO%20CLÁUDIO%20RABELLO.pdf em 22/01/07, p. 1

9 Passarinho, J. 2005. Não Posso Acreditar, em http://www.eletrosul.gov.br/gdi/gdi/cl_pesquisa.php?pg=cl_abre&cd=hjncZf1:%60Pgf em 22/01/07

10 Rabello e Ferreira, p. 2

11 Multinational Monitor por Stephan Schwartzman, Banking on Disaster, 15/06/85 em http://multinationalmonitor.org/hyper/issues/1985/0615/schwartzman.html, em 22/01/07

12 Moret, A., Planejamento elétrico para o estado de Rondônia, em Energia na Amazônia (Museu Paraense Emílio Goeldi, UFPA; Belém, 1996), Vol. 1, p. 3.

13 Banco Mundial. 1999, Projeto Úmidas (anexos), p. 7

14 World Bank, Diewald, C. e Chaves, F. , 2003. Planafloro e Prodeagro: Dez Anos Perdidos? em http://www.worldbank.org/rfpp/news/debates/diewald-chaves.pdf, p. 12, em 22/01/07

15 Eletrobrás, 1993. Plano 2015, Vol. 1, p. 90

16 La Rovere, E.L. e Mendes, F.E. Tucurui Hydropower Complex Brazil. Capetown: WCD, 1999, p. ix

17 Eletronorte, http://www.eln.gov.br/usinas/Tucurui/TucFichaTecnica.asp em 17/01/07

18 La Rovere, E.L. e Mendes, F.E. pp. xiv -xvii

19 Fearnside, P. Brazil’s Balbina Dam; Environment vs. the Legacy of the Pharoahs in Amazonia. Environmental Management, (Primavera, Nova Iorque), 1989

20 Cadman, J.D. The Environmental Aspects of Six Hydro Reservoirs in the Amazon Basin, enviado à Comissão Mundial de Barragens, 1999

21 International Rivers Network, compilação de documentos do plano energético brasileiro, 2007

22 Ministério de Minas e Energia, por Iran de Oliveira Pinto, 2006. Plano Estratégico de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica dos Rios Tocantins e Araguaia, Sector Energético

23 Dados dos sites www.odebrecth.com ewww.odebrecthonline.com.br

24 Correio Braziliense, por Gustavo Krieger e Lúcio Vaz, A força do dinheiro, Brasília, 10/12/06, p. 2

25 Pinguelli Rosa, Luis O Setor Elétrico no Atual Governo, apresentação em powerpoint, seminário no IE/UFRJ, 02/2007

26 Portal Exame, Aloísio Vasconcelos, ex-Eletrobrás, assume comando da Alstom Brasil, 09/04/07 em http://portalexame.abril.com.br/gestaoepessoas/m0126412.html em 12/04/07

27 Dados do site www.furnas.com.br

28 Sales, C. em O Estado de São Paulo, Os Elefantes brancos do Rio Madeira, 11/04/06 na http://www.acendebrasil.com.br/archives/files/2006_04_11_OEstadodeS.pdf em 20/01/07

29 ANEEL, Aneel aprova os estudos de viabilidade de hidrelétricas do Complexo do Rio Madeira, em Boletim Energia, 5 a 12 de abril, 2007

30 Ministério de Planejamento, 2007, Programa de Aceleração do Crescimento (anexos), p.214

31 Agência Canal Energia, por Fábio Couto, Rio Madeira: EPE avalia alternativa de transmissão para complexo hidrelétrico, 21/11/2006

NOTAS E REFERÊNCIAS

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32 BBC Brasil. Rio Madeira: Vale e Votorantim negociam participação em hidrelétrica, 13/11/2007 em oglobo.globo.com/pais/mat/2007/11/13/327141321.asp

33 Business News Americas, por Guilherme Monsanto, Suez Energy to bid alone for Madeira project – Brazil, 11/07/2007

34 O Estado de São Paulo, por Renée Pereira. Começa a disputa por obra no rio Madeira, 31/12/06

35 BNDES, Complexo rio Madeira em http://www.federativo.bndes.gov.br/conhecimento/seminario/caf_20.pdf, 17/01/07

36 IIRSA, em http://www.iirsa.org/BancoConocimiento/C/cartera_de_proyectos_del_eje_peru-brasil-bolivia/cartera_de_proyectos_del_eje_peru-brasil-bolivia.asp?CodIdioma=ESP&CodSeccion=28 em 17/01/07

37 Veja Dourojeanni, M.J. Estudio de caso sobre la carretera Interoceánica en la amazonía sur del Perú. Lima: Labor, 2006

38 Veja CAF Press Releases em www.caf.com

39 Veja BID Project Gateway em www.iadb.org

40 Smeraldi, R. O Mega-projeto rio Madeira como peça-chave da IIRSA, apresentação em powerpoint, Porto Velho, 04/05/06

41 Veja Greenpeace. Comendo a Amazônia, 2006, em http://www.greenpeace.org.br/amazonia/comendoamz_sumexec.pdf em 19/01/2007 e Jacoud, D., Stephan, P., Lemos de Sá, R., e Richardson, S. Avaliação de sustentabilidade da expansão do cultivo da soja para exportação no Brasil, WWF, 2003

42 Conversa pessoal com Paulo Adário, 2006

43 Los Tiempos, EPE. Gobierno denuncia devastación forestal para soja por extranjeros, Cochabamba: 19/05/06

44 Vera-Diaz, M.del C., Reid, J., Soares Filho, B., Kaufmann, R., Fleck, L. Effects of Energy and Transportation Projects on Soybean Expansion in the Madeira River Basin (draft for discussion). Conservation Strategy Fund, 2006

45 Folha de São Paulo, por Eduardo Geraque, Questão de Cultura, 21/01/07

46 Folha de São Paulo, por Eduardo Geraque. Embriaguez bioenergética, 21/01/07

47 Veja Ibama, Procedimentos, em http://www.IBAMA.gov.br/licenciamento/ ,22/01/07

48 Villela, N.P. Carta Furnas a L.F. Kunz Jr., assunto UHEs Santo Antônio e Jirau e Sistema de Transmissão Associado – Termo de Referência, 17/11/04, p. 2

49 Villela, 17/11/04, p. 2

50 ANEEL, Aneel aprova os estudos de viabilidade de hidrelétricas do complexo do rio Madeira, em Boletim Energia, 5 a 12 de abril, 2007

51 Villela, N.P., 17/11/04, p. 3

52 Agência Canal Energia, 21/11/2006

53 Veja documentos no site de licenciamento do Ibama:www.IBAMA.gov.br/licenciamento/index.php 54 Estadão Online, por Alaor Barbosa e Nicola Pamplona, Presidente da Eletrobrás critica técnicos do governo, 30/08/200

55 Silas Rondeau Cavalcante Silva, 20/12/05, aviso no. 295/GM/MME assunto Licenciamento Ambiental dos Aproveitamentos Hidrelétricos Jirau e Santo Antônio no Rio Madeira e Belo Monte no Rio Xingu.

56 Parecer Técnico Nº 014/2007 – COHID/CGENE/DILIC/IBAMA, 21/03/2007, pp 220-221

57 Kunz, L.F., Despacho, 30/03/2007

58 Estado de São Paulo, por João Domingos, Lula fatia o Ibama com aval de Marina para apressar obras, 25/04/2007

59 Alam, Sultan, Estudos Hidrólogos e de Sedimentos (tradução), relatório preliminar, Brasília, 1/2007

60 Folha de São Paulo, por Paulo Peixoto, Dilma pressiona Ibama sobre 2 usinas, 24/04/2007

61 Furnas e Odebrecht, Respostas às perguntas apresentadas pelo Ibama no âmbito do processo de licenciamento ambiental do complexo Madeira, 11/05/2007

62 Ibama, Licença Prévia no. 251/2007, 09/07/2007

63 Radiobrás, Organizações lançam campanha contra a construção das usinas do Complexo Rio Madeira, Brasília, 22/02/06, em www.riomadeiravivo.org em 13/04/07

NOTAS E REFERÊNCIAS

Page 48: Aguas Turvas

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64 Radiobrás, por Thais Brianezi, Manifestação em Rondônia marca Dia Mundial contra Represas, Manaus, 14/03/06, em www.riomadeiravivo.org em 13/04/07

65 Switkes, G. Rio Madeira Vivo, São Paulo, vídeo documentário, 2006

66 MAB, Atingidos por barragens realizam Marcha em Rondônia, press release, 13/07/06 em http://www.mabnacional.org.br/noticias/130706_marcha_rondonia.htm, em 13/04/07

67 MAB, Festival de ribeirinhos alerta pelos danos da construção de hidrelétricas no rio Madeira, em http://www.mabnacional.org.br/noticias/111106_riomadeira.htm, em 13/04/07

68 carta ao Lula, 26/06/06, em http://www.natbrasil.org.br/Docs/CARTA_rio_Madeira_-_final.pdf, em 19/01/07

69 carta a Alberto Moreno, Presidente, BID, 13/07/06

70 BID carta Alfredo Barnechea a IRN, 13/12/06

71 Pronunciamento de la region amazônica de Bolivia en torno a las represas proyectadas sobre el río Madera em http://www.fobomade.org.bo/rio_madera/doc/pronunciamiento_01.pdf, em 17/01/07

72 AFP, Bolivianos protestam contra construção de hidrelétricas no rio Madeira, em 31/01/07

73 Folha de São Paulo, por Fabiano Maisonnave, Governo boliviano demonstra “preocupação com represas”, 20/11/06, p. B7

74 Pueblos y comunidades de la Amazonía de Bolivia y Brasil unidos contra las represas del Río Madera, Carta a los presidentes Evo Morales e Ignacio Lula Da Silva, presidentes de Bolivia y Brasil, Cobija: 03/02/07, em http://www.fobomade.org.bo/index1.php , em 16/02/07

75 Folha de São Paulo, Bolivianos criticam estudo ambiental e recusam projeto de usinas hidrelétricas, 16/02/07

76 Ministério Público do Estado de Rondônia. Termo de Compromisso Ambiental em www.mp.gov.ro.br, em 18/01/07

77 Como evidência, veja o sumário do documento que omite a maioria das críticas feitas pelos especialistas, em http://www.mp.ro.gov.br/web/guest/Interesse-Publico/Hidreletrica-Madeira

78 Forsberg, B. e Kemenes, A. Parecer Técnico sobre Estudos Hidrobiogeoquímicos, com atenção específica à dinâmica do Mercúrio (Hg) Cobrape, 2006, p. 5

79 Fearnside, P.M. Parecer Técnico sobre Ecossistemas, Cobrape, 2006, p. 10

80 Tundisi, J.G. e Matusmura-Tundisi, T. Parecer Técnico sobre Limnologia, Qualidade das Águas e Sedimentologia, Cobrape, 2006, p. 36-38

81 Barthem, R.B. e Goulding, M. Parecer Técnico sobre a Ictiofauna, Cobrape, 2006, p. 10

82 Barthem e Goulding, 2006, p. 12

83 Cobrape, Parte “A” Relatório de Análise, outubro, 2006, em http://www.mp.ro.gov.br/web/guest/Interesse-Publico/Hidreletrica-Madeira, em 18/01/07

84 Valor Econômico, por Daniela Chiaretti. Debate técnico emperra licenças do Madeira, 16/11/06, p. A14; O Estado de São Paulo, por Agnaldo Brito, Nova Avaliacão vai atrasar mais as usinas do Madeira, 16/11/06; e Associated Press, Dam plans jeopardize Amazon, experts say, 14/11/06; Reuters, por Peter Blackburn, Amazon Dam Project draws heated opposition in Brazil, 07/12/06; Latin America Power Watch, New Study Threatens Madeira Hydro Project, Argus: 22/11/06, p. 9

85 Valor Econômico, por Ivo Ribeiro, Madeira põe em confronto dois gigantes da construção, 25/07/2007

NOTAS E REFERÊNCIAS

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• População: modificações na organização social e política; alteração e perda de recursos pesqueiros; mudan-ças na qualidade de vida da população; interferência nas comunidades e populações ribeirinhas. • Flora: Supressão de áreas com diferentes forma-ções vegetais específicas da região, como a de campi-nara, e de áreas de vegetação ombrófila aberta de terras baixas e aluvial. • Sedimentos: Retenção de sólidos de fundo e em suspensão. • Enfermidades tropicais: Aumento da incidência de malária.

Este artigo é uma análise dos estudos de inventário, viabi-lidade e impacto ambiental desse complexo hidroenergé-tico. Está focado nos temas de dinâmica de água (fluxo) e sedimentos, que correspondem à especialidade do autor.Diferente dos estudos de viabilidade, a análise não se li-mitou ao território brasileiro, já que o fluxo de água e a maior parte dos impactos mencionados acima não obede-cem a fronteiras internacionais e podem afetar também oterritório e a população boliviana.

1 - A REGIÃO E O PROjETOO Rio Madeira é o principal afluente do Rio Amazo-nas, tanto por volume como por extensão. Em sua con-fluência com o Amazonas, o Madeira é um dos cinco rios mais volumosos do mundo, drenando uma área de 1.420.000 km2.

Ele drena quase toda a Bacia Amazônica boliviana, que ocupa uma superfície de 724.000 km2 (66% do território do país), e é o único afluente da margem direita do Ama-zonas que nasce na cordilheira dos Andes. Acima da co-munidade de Vila Bella, ele é denominado Alto Madeira. Abaixo de Porto Velho, é conhecido como Baixo Madeira.

A parte andina da bacia do Alto Madeira apresenta uma grande diversidade climática e biológica. Com uma va-riação de precipitação entre 350 e 7.000 mm/ano e uma grande variação de temperatura associada à altitude, essa região possui alguns recordes mundiais de biodiversida-de e integra ainda a macroregião (hotspot) dos Andes Orientais, a mais diversa do mundo.

O Baixo Madeira inicia-se na cachoeira de Santo An-tônio e segue até a confluência com o Rio Amazonas.

aso torne-se realidade, o Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira será o maior projeto hidroenergético da Amazônia, além de represar o segundo rio mais

volumoso da bacia. Por suas características e origem an-dina, o Madeira se diferencia bastante dos outros grandes afluentes do Amazonas. Ele transporta a metade dos sedi-mentos da bacia e drena uma das regiões de maior diver-sidade física e biológica do mundo, que é compartilhada por três países: Bolívia, Brasil e Peru.

Os Estudos de Impacto Ambiental das duas barragens do Complexo situadas rio abaixo - Santo Antônio e Jirau, em território brasileiro, identificaram graves impactos que podem ser agrupados nos seguintes temas: • Peixes: interferência sobre os peixes migratórios, seus ovos e alevinos; alteração da composição da fauna íctica devido a mudanças na dinâmica da água; perda de diversidade e áreas de desova. •Fauna: perda de ecossistemas para a avifauna; per-da ou fuga de vários tipos de fauna em formações vege-tais; eliminação das barreiras naturais para as espécies de botos existentes.

HIDROLOGIA E SEDIMENTOSpor Jorge Molina Carpio

CAPRESENTAÇÃO

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A extensão deste trecho é de 1.100 km, com um desnível total aproximado de 19 m, sendo navegável todo o ano. A bacia do Baixo Madeira tem uma superfície aproxima-da de 460.000 km2 e recebe uma precipitacão média de cerca de 2.300 mm/ano. A precipitação e a temperatura apresentam pouca variação espacial no Baixo Madeira, o que se explica pela sua baixa altitude e relevo.

O trecho de cachoeiras começa imediatamente abaixo das cidades vizinhas de Guayaramerín e Guajará-Mirim, sobre o Rio Mamoré, e termina na Cachoeira de Santo Antônio, 6 km acima de Porto Velho. O desnível estimado para este trecho pelo estudo de inventário (PCE, Furnas, Odebrecht, 2002) é de 60 m. O subtrecho Abunã-Cacho-eira de Santo Antônio, onde se projeta construir as duas represas, tem 220 km de comprimento e não recebe ne-nhum afluente importante. A área de contribuição deste

trecho representa menos de 3% da superfície da bacia até Porto Velho. A precipitação média anual em Guayarame-rín é de 1.960 mm, em Abunã é de 1.595 mm, e em Porto Velho é de 2.200 mm.

A tabela 1.1 mostra as vazões médias mensais do Rio Mamoré, em Guajará-Mirim, e do Rio Madeira nas es-tações hidrométricas de Abunã e Porto Velho. O volu-me máximo mensal ocorre em março, e o mínimo em setembro (figura 1.1). Este comportamento é resultado da combinação dos regimes hidrológicos de seus prin-cipais formadores: os rios Mamoré e Beni, cujos má-ximos ocorrem em abril e fevereiro, respectivamente. Mediante uma análise de regressão, os responsáveis pe-lo estudo estimaram que os volumes médios do período 1931-2001 em Jirau e Porto Velho são 17.687 m3/s e 17.983 m3/s, respectivamente.

ALEX

IS B

ASTO

S/RI

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RA

O RIO MADEIRA TRANSPORTA A METADE DOS SEDIMENTOS DA BACIA AMAZÔNICA: USINAS PODEM ATINGIR TERRITÓRIO E POVOS BOLIVIANOS

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Brasil

Brasil

PortoVelho

AHEJirau 3.150 MW

3.300 MW

3.000 MW

AHESanto

Antônio

600 MW

AHECachuelaEsperanza

AHEBinacional

Abunã

Riberalta GuayaráMirin

Guajará Mirin

Bolívia

Rio Beni

Rio

Yata

RioM

amoré

Rio Abunã

Rio Madeira

plano de construção das quatro hidrelétricas na Bacia do madeira

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53

RIO/ESTAC PERÍODO JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ ANO

MAMORÉEM

GUAYAR.1970 a 2001 9.299 11.939 14.011 15.270 14.591 10.634 6.311 3.133 2.136 2.285 3.557 6.213 8.282

MADEIRAEM

ABUNÃ1976 a 1997 23.932 29.379 33.058 31.812 25.930 18.442 11.461 6.455 4.789 6.115 10.002 15.987 18.113

MADEIRAEM PORTO

VELHO1967 a 2001 23.968 30.761 35.659 34.503 26.387 18.471 11.792 7.167 5.696 6.646 10.381 16.320 18.979

1931 a 2001* 24.268 29.582 34.207 30.706 23.107 16.155 10.750 6.938 5.691 6.944 10.553 16.896 17.983

Fonte: PCE, Furnas, Odebrecht, 2004* Observado e estimado

JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

50000

45000

40000

35000

30000

25000

20000

15000

10000

5000

0

Vazõ

es (m

/s)

3

MáximasMédiasMínimas

Tabela 1.1: Vazões médias mensais dos rios mamoré e madeira (m3/seg)

Figura 1.1: Vazões médias mensais do rio madeira, em porto Velho, 1931-1997

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54

“Considerando essa alta complexidade da natureza da bacia hidrográfica contribuinte do Rio Madeira, torna-se imprescindível a análise da produção de sedimentos em toda a bacia , cujas taxas podem estar relacionadas à suscetibilidade natural e/ou induzida pela ação an-trópica. Os dados sedimentométricos observados por diversos autores para o Rio Madeira, que foram apre-sentados pelo projetista, apresentam contradições de-correntes da falta de um histórico de descargas sólidas confiável e suficiente. Todo o cálculo de assoreamento realizado pelo projetista está baseado na relação de 95% para a carga em suspensão para 5% no leito, em Porto Velho; e de 93% para a carga em suspensão para 7% no leito em Abunã. Ou seja, as amostragens re-alizadas pelo projetista não conferem com os dados obtidos por outros autores”.

José Galizia Tundisi e Takako Matsumura-Tundisi

Sedimentação: foco inadequadoe cálculos inconsistentes

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

O COMPLEXOEm 1971, o Ministério de Minas e Energia, identificou as cachoeiras de Jirau, Santo Antônio e Teotônio como pos-síveis áreas para a construção de usinas hidrelétricas. A Eletronorte realizou, em 1983, estudos da bacia do Madei-ra, aprofundando os inventários em alguns afluentes na região do Baixo Madeira. Posteriormente, estas pesquisas deram origem a estudos de viabilidade de algumas usinas de tamanho médio, como as do Rio Ji-Paraná, um afluente da margem direita. Paralelamente, a Empresa Nacional de Eletricidade (Ende), da Bolívia, realizou o estudo do projeto final da usina hidrelétrica da Cachoeira Esperan-ça (20 MW), no Rio Beni, com o propósito de abastecer de energia as cidades de Riberalta e Guayaramerín.

As crescentes demandas de energia do Brasil (estima-se um crescimento de 83.000 MW, em 2002, para 124.000 MW, em 2012) acenam a necessidade de novos projetos. Após um longo período de idas e vindas sobre a construção de usinas no Rio Madeira, o governo brasileiro decidiu que as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no trecho brasilei-ro Abunã-Porto Velho, representavam a combinação mais conveniente do ponto de vista técnico-econômico.

A tabela 1.2 resume as principais características técnicas e de custos destas usinas. No caso da hidrelétrica de Jirau, a necessidade de evitar a inundação do território bolivia-no fez com que os proponentes considerassem um nível variável durante o ano, o que significa um importante di-ferencial em relação aos estudos de inventário. O tempo estimado de implantação das centrais é de 150 meses.

A vida útil das represas foi estimada a partir da perspectiva de que elas tenham uma capacidade de retenção de sedi-mentos muito baixa: 20% no início do projeto no caso de Jirau - que vai se reduzindo a 1% ao final de 15 anos, para ser virtualmente 0% a partir dos 30 anos. Esta estimativa baseia-se na grande extensão e pequeno volume dos reser-vatórios em relação ao volume líquido do Rio Madeira.

Em abril de 2004, a empresa Construtora Norberto Odebrecht solicitou à Superintendência de Eletricidade da Bolívia du-as licenças provisórias para realizar estudos de viabilidade para a implementação de usinas hidrelétricas nos rios Ma-moré/Madeira, trecho Guayaramerín-Abunã, e no Rio Beni. A solicitação foi rejeitada pela Superintendência baseada nas observações realizadas por várias instituições, com a

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SANTOANTÔNIO jIRAU

Potência instalada (MW) 3.150 3.300

Energia média, p. histórico (MW med)Cota constante

2.2122.212

Cota 90 variável 1.973

Queda bruta média (m) 16,8 17,10

Queda líquida de referência (m) 13,9 15,2

Nível de água normal no reservatório (msnm) 70,0 90,0

Nível de água normal águas abaixo (msnm) 55,29 74,23

Superfície normal do reservatório (km2) 271 258

Vida útil do reservatório (anos) >100 50

Vazão do projeto do vertedero, T=10.000 anos (m3/s) 84.000 82.600

Altura máxima da barragem (m) 60,0 35,5

Número e tipo de turbina 44, Bulbo 44, Bulbo

Potência unitária de cada turbina (MW) 73 75

Fator de capacidade das hidrelétricas Cota constante

0.680.66

Cota variável 0.58

Custo da hidrelétrica, sem eclusas nem linhas de transmissão (milhões U$) 3.171 3.360

Custo da energía gerada (U$/MWh)Cota constante

23,0222,76

Cota 90 variável 25,50

Custo das eclusas de navegação (milhões U$) 201 173

Custo da linha de transmissão, 500 kV, 2.450 km (bilhões U$) Pelo menos 1,6

População diretamente afetada 2.046 953

Fonte: Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, Estudos de Viabilidade, 2004

Tabela 1.2: características gerais das usinas de Jirau e santo Antônio

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recomendação de que se tramite no marco de um acordo bi-nacional. Paralelamente, o consórcio Furnas-Odebrecht solicitou à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) uma autorização para realizar estudos de viabilidade da usina hidrelétrica de Guajará-Mirim (revista Brasil Ener-gia, janeiro 2005), localizada no trecho fronteiriço do Rio Madeira, entre Abunã e Guayaramerín. Segundo o diretor de contratos da Odebrecht, José Bonifácio Pinto Junior, a potência instalada desta hidrelétrica deverá ser por volta de 3.000 MW e o financiamento seria compartilhado entre Brasil e Bolívia.

Há razões para supor que a construção da barragem bi-nacional no trecho Guayaramerín-Abunã tornará des-necessária a construção de uma barragem em Cachoeira Esperança. Os dados do Serviço Nacional de Meteorologia e Hidrologia (Senamhi) mostram que o nível do zero da

régua limnimétrica de Guayaramerín é de 112,51 msnm, mais de 11 m acima da régua de Cachoeira Esperança. O nível normal de água no futuro reservatório deveria al-cançar o de Guayaramerín para eliminar o obstáculo à navegação que representa a cachoeira próxima a este po-voado. Se esse é o caso, e só se constrói uma barragem neste trecho, Cachoeira Esperança seria submergida pelo novo reservatório. Considerando que o nível normal da represa de Jirau será de 90 m, o mais provável é que, entre Guayaramerín e Abunã, uma única represa seja projetada. O novo reservatório inundaria o território boliviano ao longo dos rios Madeira, Mamoré e Beni.

A navegação é outro componente importante do projeto. Através da construção de eclusas a um custo razoável, se possibilita a navegação em mais de 4.000 km de vias flu-viais no trecho acima das represas, integrando grandes re-

A ELEVAÇÃO DOS NÍVEIS NATURAIS DE ÁGUA DO RIO CAUSA IRREVERSÍVEIS PREJUÍZOS SOCIAIS E AMBIENTAIS

WIL

SOM

DIA

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BR

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giões do Brasil, Bolívia e Peru. A abertura à navegação dos rios Madeira e Iténez é a única maneira de permi-tir que o eixo Norte-Sul (Orinoco-Amazonas-Prata) da Iniciativa para a Integração Regional Sul-Americana (IIRSA) torne-se realidade.

No Brasil, os benefícios da nova via navegável atingem di-retamente os estados de Rondônia e Mato Grosso - do norte de Cuiabá até a rodovia BR-163, na altura de Lucas de Rio Verde, cobrindo uma região de cerca de 350.000 km2, com potencial de produzir 28 milhões de toneladas/ano de grãos em 7 milhões de hectares (PCE, Furnas, Odebrecht, 2002). Esta região produz atualmente cerca de 3 milhões de toneladas/ano. Considerando os insumos necessários, como fertilizantes e agrotóxicos, e os combustíveis, esti-ma-se que a carga total potencial a ser transportada pela hidrovia Madeira-Iténez será de 35 milhões de toneladas/ano. Há ainda a proposta de ampliar as facilidades do porto de Itacoatiara, na confluência dos rios Madeira e Amazonas, para facilitar o transporte de carga do Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia e Equador. A nova instalação se denominaria Porto Bolívar.

Na Bolívia, os projetistas brasileiros estimam um poten-cial de produção de 24 milhões de toneladas/ano de grãos (principalmente soja) na área de influência direta da futu-ra hidrovia - os departamentos de Pando, Beni e parte de Santa Cruz, onde afirmam existir 8 milhões de hectares de terras aptas para a agricultura intensiva. Estimam também um grande potencial de carga mineira proveniente da re-gião subandina da bacia do Madeira.

No entanto, estas afirmações não parecem corresponder à realidade. Segundo o zoneamento agroecológico e econô-mico de Pando (Zonisig, 1997) e Beni, não existem solos aptos para a produção intensiva de grãos nestes departa-mentos. A atual produção de castanha na região de influ-ência direta da futura hidrovia não utiliza as facilidades de navegação do Madeira, ainda que potencialmente poderia fazê-lo. Esta produção é transportada por rodovia para os portos do Pacífico. Em Santa Cruz, a soja (produção atual superior a um milhão de toneladas/ano) e seus derivados são exportados pelos portos do Pacífico e também pela hi-drovia Paraguai-Paraná, conectada por trem e muito mais próxima das zonas de produção que o Madeira. Para usar este rio, o Mamoré teria que ter capacidade para a navega-ção de balsas de 4 m de calado e ainda utilizar um trecho

significativo de rodovia até Puerto Villaroel, na Bolívia. No Peru, os projetistas estimam um potencial de produtos de madeira e minérios a serem transportados de um mi-lhão de toneladas/ano.

A análise do componente de navegação tem focado no transporte rio abaixo, na direção do Amazonas e do Atlân-tico. Segundo a concepção da IIRSA, a direção também poderia ser a oposta: o transporte multimodal de carga bra-sileira para os portos do Pacífico. Por exemplo, a nova via fluvial se conectaria em Puerto Maldonado (Peru), sobre o Rio Madre de Dios, à rodovia que forma parte do eixo Peru-Brasil, e em Puerto Villaroel, sobre o Rio Mamoré, ao eixo interoceânico. É preciso ressaltar que para tornar realidade a navegação do Madeira deve-se construir uma represa no trecho Abunã-Guayaramerín, além das de Jirau e Santo An-tônio. Ou seja, são necessárias, no mínimo, três represas.

2 - NÍVEIS DE ÁGUAInevitavelmente, um reservatório elevará os níveis natu-rais de água no rio que represa. Essa elevação de níveis está associada a vários impactos ambientais e sociais de grande magnitude, mas também a outros aspectos impor-tantes como a operação da represa, os custos da energia gerada e, por último, a viabilidade econômica do projeto.

Este tema é de especial relevância na Bacia Amazônica, on-de predominam condições de planície, com rios de baixa inclinação e pouco desnível topográfico - que obrigam a inundação de grandes áreas para produzir a queda neces-sária e gerar energia de modo economicamente lucrativo.

CACHOEIRA SANTO ANTÔNIO: LOCAL DEVE ABRIGAR UMA DAS USINAS

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Por essa razão, algumas das barragens construídas na Ama-zônia brasileira, como Balbina, Samuel e Tucuruí, figuram entre os projetos de maior impacto ambiental no mundo.

Estas experiências foram consideradas pelos proponentes e responsáveis pelos estudos de viabilidade do “Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira–Aproveitamentos Hidrelétricos de Jirau e Santo Antônio”. Havia um motivo adicional para que agissem assim: a localização do reservatório de Jirau na zona fronteiriça com a Bolívia, com a conseqüente possibi-lidade de inundar o território deste outro país. Evitar que is-to aconteça tornou-se até uma condicionante dos estudos.

O objetivo principal deste trabalho é usar os dados con-tidos nos estudos de viabilidade e de impacto ambiental para analisar o cumprimento dessas e de outras condi-cionantes do projeto, identificar lacunas de informação e prever as conseqüências e a dimensão de alguns impac-tos relevantes.

2.1- NÍVEIS ATUAIS EINDUZIDOS PELAS REPRESASA elevação dos níveis de água em relação aos níveis naturais, provocada pela construção de uma represa, não se limita à área próxima à represa. Os esboços e figuras que acompanham muitos projetos também in-duzem a acreditar que o nível de água no reservató-rio se mantérá horizontal, o que não é real. Além de estabelecer a represa e inundar temporária ou perma-nentemente áreas próximas ao rio, a elevação de níveis têm múltiplos efeitos e impactos sobre o meio físico e biológico.

Justamente por isso, dois dos três Critérios Básicos adotados pelos proponentes do projeto (Furnas et al, 2004) estão associados aos níveis de água: •“Inicialmente, buscando um mínimo de interfe-rência dos projetos em áreas de preservação, optou-se por limitar os níveis de água máximos das represas a níveis pouco superiores ao das cheias naturais. Esta opção criou a necessidade de desenvolver soluções de engenharia de construção e de equipamentos que per-mitissem a maior geração de energia possível combina-da com barragens de baixa altura”. •“Diantedapossibilidadedequenãoseconstruamos projetos binacionais, optou-se pela não inundação do território boliviano”.

“Mesmo que o efeito de sedimentação seja ignorado, a água do reservatório de Jirau afetaria a Bolívia... A sedimentação também elevará o nível do leito fluvial do Madeira na altura da boca do Rio Abunã, criando assim um efeito de represamento que elevará os níveis de água no Rio Abunã. Este rio é binacional, formando parte da fronteira entre o Brasil e a Bolívia. Não foram incluídos efeitos nele, nem nos estudos de viabilidade e nem nos relatórios do EIA e Rima. Além disso, isto se refere ao nível operacional normal, embora o máximo maximorum estaria em 92 m sobre o nível médio do mar, assim implicando que ainda mais inundação na Bolívia ocorreria quando acontecerem fluxos mais al-tos que os normais.”

Philip Fearnside

Omissão sobre o Alagamento em

Território Boliviano

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

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59

Um dos resultados do primeiro critério é a adoção de duas represas ao invés de uma no trecho Abunã-Porto Velho, o que diminui a superfície a ser inundada. De fato, a bai-xa relação entre área inundada e potência instalada (0,08 km2/MW para Jirau e 0,086 km2/MW para Santo Antônio) é apresentada como uma grande vantagem dos projetos do Madeira em relação a outras usinas hidrelétricas cons-truídas na Amazônia, já que ao diminuir a área inundada pelas represas, os impactos socioambientais também dimi-nuem. Outra vantagem sob este ponto de vista ambiental é o curto tempo de permanência da água nos reservatórios. Para Jirau, varia de um mínimo de cerca de 18 horas em março a um máximo de 40 horas em setembro.

O segundo critério obrigou a considerar um regime de operação com níveis variáveis ao longo do ano para a

represa de Jirau (tabela 2.1). Segundo os autores do es-tudo de viabilidade (Furnas et al, 2004), “os dados dis-poníveis na época dos estudos de inventário permitiram definir um nível de água normal constante de 90 m para manter inalterado o regime fluvial do Rio Madeira acima da localidade de Abunã (limite Brasil-Bolívia) e de seus afluentes bolivianos”.

Mas os levantamentos topográficos executados na eta-pa de viabilidadade mostram que um nível constante de 90 m influencia o regime fluvial do Rio Madeira acima de Abunã, mantendo inundadas por todo o ano áreas antes alcançadas somente durante o período das cheias. Para evitar isso, foi definida uma curva guia (tabela 2.1) para operar Jirau com nível de água variável ao longo do ano.

ERROS DE CÁLCULO OCORRERAM NA CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE SAMUEL: SEVEROS IMPACTOS NA FLORESTA E 3.000 PESSOAS ATINGIDAS, SEM INDENIZAÇÃO

AGU

IRRE

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ITKE

S/AM

AZÔ

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60

Figura 2.1: Área de influência direta (Aid) e de inundação do reservatório de Jirau

Fonte: Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, Estudos de Viabilidade, 2004

ALEX

IS B

ASTO

S/RI

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61

Nesta tabela, observa-se que o nível de 90 m se manterá somente nos meses de janeiro a abril, para logo ir bai-xando até um mínimo em setembro, que é o mês em que acontece a vazão e o nível mínimo em condições naturais (tabela 1.1). Observa-se também que para não afetar o tre-cho acima de Abunã é necessário baixar o nível do reser-vatório em 7,5 m (de 90 m para 82,5 m) em setembro.

Uma redução tão importante se explica pelos níveis naturais que se dão acima de Abunã. A tabela 2.2 mostra os níveis que ocorrem naturalmente para um volume baixo e outro médio, no trecho Jirau-Abunã-Araras. Observa-se que para um volume de 4.250 m3/s, o nível de confluência com o Rio Abunã está somente a 82,88 m. Observa-se também que a queda do nível de água na Cachoeira de Araras, situada no trecho bi-nacional acima de Abunã, varia muito segundo o volume: para 4.197 m3/s é de 1,59 m (84,5 m – 82,91 m) e para 18.605 m3/s é somente de 0,37 m (91,11 m – 90,74 m).

Esta mudança nos níveis de operação do reservatório de Jirau tem importantes conseqüências sobre a geração e o custo da energia. Concretamente, operar com níveis variá-veis reduzirá em 12% a energia gerada durante o período histórico (ver tabela 1.2) e baixará de 0,68 a 0,60 o fator de planta da usina, em relação ao aproveitamento a ní-vel constante de 90 m. Como conseqüência, aumentará o custo unitário da energia gerada, de U$ 22,76 MWh (ní-vel constante) a U$ 25,50 MWh (nível variável). Esta alta sensibilidade do preço da energia em relação aos níveis de água deve-se em parte à modesta queda hidráulica dispo-nível em cada represa.

Os responsáveis pelo estudo de viabilidade mantiveram a alternativa denominada por eles de “aproveitamento óti-mo a nível constante de 90 m”, pensando na possibilidade de chegar a um acordo bi-nacional com a Bolívia que per-mitisse inundar o trecho do Rio Madeira acima de Abunã.

Tabela 2.1: curva guia do reservatório de Jirau

VARIÁVEL UNIDADE JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

VAZÃO (MIL m3/s) 23.9 29.1 33.6 30.2 22.7 15.9 10.6 6.8 5.6 6.8 10.4 16.6

NÍVEL ÁGUA (m) 90 90 90 90 89.5 87 85 83 82.5 83 85 87.5

Fonte: Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, Estudos de Viabilidade, 2004

“Os valores de descarga sólida do leito, por não terem sido adequadamente amostrados, estão subestima-dos. Os dados obtidos pelas campanhas sedimento-métricas não puderam determinar com a precisão necessária a granulometria e a carga do leito, tor-nando as modelagens subseqüentes vulneráveis em sua confiabilidade.”

José Galizia Tundisi e Takako Matsumura-Tundisi

Subestimação de sedimentos e erosão, por metodologia inadequada

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

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DATA VAZão (m3/s) LOCAL NÍVel de

ÁGuA (m)

16/10/2002 4.197

Seção S-124 (Rio Abunã) 82,88

Cachoeira das Araras - Montante

Cachoeira das Araras - Jusante

Abunã (CPRM)

84,50

82,91

81,80

Seção S-121 81,79

Seção S-119 – Regra L4 81,70

Seção S-117 81,41

Seção S-115 – Regra L7 81,56

Seção S-112 – Regra L6 78,28

Seção S-109 – Regra L5 75,55

Seção S-105 – Palmeiral 74,27

Seção S-124 (Rio Abunã) 89,77

22/05/2002 18.605

Cachoeira das Araras - Montante 91,11

Cachoeira das Araras - Jusante 90,74

Abunã (CPRM) 89,40

Seção S-121 89,31

Seção S-119A (Antigas Regras das balsas) 89,06

Seção S-119 – Regra L4 89,05

Seção S-117 88,82

Seção S-115 – Regra L7 88,37

Seção S-112 – Regra L6 86,31

Seção S-109 – Regra L5 82,63

TAbELA 2.2: NÍVEIS DE ÁGUA MEDIDOS NO TRECHO jIRAU-AbUNÃ-ARARÁS

Tabela 2.2: Níveis de água medidos no trecho Jirau-Abunã-Araras

Fonte: Inventário Hidrelétrico do Rio Madeira (2002), Tabela 2.5.6

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63

As figuras 2.2 e 2.3 mostram os perfis hidráulicos (linha que une os níveis de água) nos trechos de rio atingidos pelas barragens de Santo Antônio e Jirau, respectivamente. Em cada caso são mostrados perfis para uma vazão baixa, uma média e uma alta, para as situações com e sem represa. Estes perfis foram simulados mediante o programa HEC-RAS, criado pelo Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos (Usace). Foram usadas seções transversais obtidas através de levantamentos topobatimétricos e resti-tuição aerofotogramétrica realizados pelos consultores. A simulação realizou-se sem considerar o problema de sedi-mentação, seja natural ou induzida pelos reservatórios.

No caso de Santo Antônio, o nível de água se aproxima de uma linha horizontal somente nos 20 quilômetros mais próximos da represa. Neste primeiro subtrecho, os níveis com represa são muito mais altos que os níveis sem re-presa para todos os volumes. Observa-se também o con-trole hidráulico que a cachoeira de Teotônio exerce em condições naturais, representado na figura 2.2 pela queda brusca do perfil um pouco antes do quilômetro 20. Mais acima, o perfil da linha de água adquire uma inclinação que é mais forte à medida que o volume aumenta. Por outro lado, para volumes grandes, os perfis de água com e sem represa tendem a unir-se no extremo mais afastado do reservatório, na cachoeira de Jirau.

O comportamento dos níveis de água do reservatório de Jirau (tabela 2.3 e figura 2.3) é diferente do de Santo An-tônio. Em primeiro lugar, o nível de água junto à represa (quilômetro 0) é variável segundo a vazão. Em segun-do lugar, os níveis de água com represa são mais altos que sem represa para todas as vazões, exceto as maiores (48.800 m3/s corresponde à máxima vazão histórica). Isto é particularmente certo no extremo superior do reservató-rio, onde começa o trecho bi-nacional. Como referência, a foz do Rio Abunã se situa a 119 km de distância da repre-sa Jirau. A figura 2.3 mostra que a esta distância o nível com represa é claramente mais alto, tanto para volumes baixos como para volumes médios. Isto é, com os níveis variáveis propostos na tabela 2.1, existirá inundação es-tacional no trecho bi-nacional acima da confluência com o Rio Abunã.

Deve-se considerar também que a variação estacional dos níveis de água nos trechos afetados pelas represas dimi-nuirá ou até mesmo será eliminada (ver figuras 2.4 e 2.5),

Figura 2.2: perfis de linha de água simuladosentre AHe santo Antonio e AHe Jirau

0 20 40 60 80 100 120 140

80

75

70

65

60

55

50

45

Distância à Barragem (km)

Q= 5000 m /s, Com Barragem

Q= 5000 m /s, Sem Barragem

3

3

Q= 18.000 m /s, Com Barragem

Q= 18.000 m /s, Sem Barragem

3

3

Q= 46.600 m /s, Com Barragem

Q= 46.600 m /s, Sem Barragem

3

3

Fonte: Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, Estudos de Viabilidade, 2004

0 20 40 60 80 100 120 140

100

95

90

85

80

75

70

Distância à Barragem (km)

Q= 5.600 m /s, Com Barragem

Q= 5.600 m /s, Sem Barragem

3

3

Q= 48.800 m /s, Com Barragem

Q= 48.800 m /s, Sem Barragem

3

3

Figura 2.3:perfis de linha de água simulados trecho: Jirau - Abunã

Fonte: Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, Estudos de Viabilidade, 2004

Nív

el d

’ág

ua

(m)

Nív

el d

’ág

ua

(m)

Q= 16.600 m3/s, Com Barragem

Q= 16.600 m3/s, Com Barragem

Page 64: Aguas Turvas

64

SEÇÃO VAZÃO (m³/s)

5.600 6.800 10.600 10.400 15.900 16.600 22.700 23.900 29.100 30.200 33.600 48.800 60.200 71.400 82.600

NÍVEL DA ÁGUA NO RESERVATóRIO DE jIRAU

82,5 83 85 85 87 87,5 89,5 90 90 90 90 90 90 90 92

28 82,50 83,00 85,00 85,00 87,00 87,50 89,50 90,00 90,00 90,00 90,00 90,00 90,00 90,00 92,00

29 82,62 83,16 85,26 85,25 87,38 87,87 89,98 90,48 90,69 90,74 90,90 91,73 92,50 94,27 96,08

30 82,66 83,21 85,34 85,33 87,50 87,99 90,12 90,61 90,88 90,94 91,14 92,14 93,34 95,38 97,26

31 82,69 83,24 85,38 85,37 87,56 88,05 90,20 90,69 90,99 91,06 91,28 92,38 93,90 96,01 97,95

32 82,70 83,25 85,40 85,38 87,59 88,08 90,23 90,73 91,04 91,12 91,34 92,50 94,12 96,26 98,24

33 82,70 83,26 85,40 85,39 87,60 88,09 90,24 90,74 91,06 91,13 91,36 92,52 94,17 96,31 98,21

34 82,71 83,26 85,41 85,40 87,60 88,09 90,25 90,74 91,06 91,13 91,36 92,49 94,16 96,26 98,20

34.5 82,76 83,32 85,49 85,47 87,71 88,20 90,37 90,87 91,23 91,31 91,56 92,81 94,96 97,14 99,16

35 82,80 83,37 85,56 85,54 87,81 88,30 90,50 90,99 91,40 91,49 91,78 93,24 95,58 97,78 99,80

36 82,83 83,41 85,61 85,59 87,90 88,39 90,62 91,12 91,57 91,68 92,00 93,78 96,23 98,52 100,63

37 82,84 83,42 85,63 85,61 87,93 88,42 90,65 91,14 91,61 91,71 92,03 93,91 96,35 98,65 100,74

38 82,86 83,45 85,67 85,64 87,99 88,48 90,74 91,24 91,75 91,86 92,21 94,27 96,88 99,22 101,37

38.5 82,93 83,54 85,79 85,76 88,15 88,63 90,86 91,35 91,88 92,00 92,38 94,57 97,21 99,52 101,65

39 83,11 83,76 86,04 86,01 88,44 88,91 91,03 91,50 92,07 92,19 92,59 94,94 97,51 99,79 101,92

40 83,15 83,81 86,10 86,06 88,52 88,99 91,13 91,60 92,20 92,33 92,75 95,27 97,87 100,12 102,26

40.5 83,24 83,91 86,23 86,19 88,69 89,15 91,26 91,73 92,36 92,50 92,96 95,61 98,25 100,54 102,72

41 83,38 84,08 86,43 86,38 88,94 89,39 91,43 91,90 92,58 92,73 93,22 96,01 98,63 100,92 103,09

41.5 83,44 84,14 86,50 86,45 89,03 89,48 91,55 92,01 92,73 92,89 93,40 96,34 99,01 101,35 103,57

42 83,65 84,38 86,75 86,70 89,32 89,77 91,88 92,35 93,16 93,33 93,89 97,07 99,70 101,99 104,17

42.3 83,66 84,40 86,78 86,73 89,37 89,82 91,95 92,42 93,25 93,43 94,00 97,26 99,93 102,25 104,45

42.6 83,71 84,46 86,84 86,79 89,46 89,91 92,07 92,54 93,41 93,60 94,20 97,69 100,39 102,73 104,95

Fonte: Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, Estudos de Viabilidade, 2004

Tabela 2.3: perfis de linha de água simulados com o reservatório Jirau, trecho Jirau - Abunã

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65

o que está associado a muitos impactos ambientais. Por exemplo, os Estudos de Impacto Ambiental (EIA, tomo C) indicam que no trecho de interesse “existe uma estreita relação entre os estados reprodutivos de várias espécies de peixes e a variação do nível hidrológico, demonstrando a importância da amplitude de variação de níveis de cheia e estiagem. A formação dos reservatórios elevará o ní-vel das águas até níveis próximos aos verificados durante grandes cheias e os manterá durante a maior parte do ano. Serão eliminadas, assim, as variações estacionais respon-sáveis pelos estímulos de vários processos biológicos, in-viabilizando a colonização dos reservatórios por aquelas espécies que dependem dessas variações para completar seu ciclo de vida. Prevê-se que várias espécies de peixes desaparecerão, ao menos localmente.”

2.2- VELOCIDADES DE FLUXO

A tabela 2.4 mostra um resumo das velocidades de fluxo acima de Santo Antônio e Jirau, com e sem represas, para vários volumes. Existirá uma grande redução da veloci-dade de fluxo nas proximidades das represas, o que era de se esperar considerando o grande aumento de nível induzido pelas represas nesses setores (figuras 2.2 e 2.3). Essa mudança de velocidade é menor no trecho restante dos reservatórios.

Que conseqüências têm a redução das velocidades nos reservatórios e especialmente nas cachoeiras? Em pri-meiro lugar, criam-se as condições para que parte do se-dimento que o Rio Madeira transporta se deposite, o que por sua vez provoca uma elevação adicional dos níveis de água. De acordo com a tabela 2.3, a redução das veloci-dades na maior parte do reservatório Santo Antônio é pe-quena para vazões médias e grandes, mas não para vazões baixas. Por outro lado, a redução das velocidades é signi-ficativa em todo o reservatório de Jirau. A sedimentação não foi considerada no estudo de níveis de água realizado com o HEC-RAS, que é um modelo que não tem a capaci-dade de simular processos de deposição e erosão. Segundo os autores do estudo, “a análise das características hidráu-licas do trecho do Rio Madeira a ser afetado pelas represas de Santo Antônio e Jirau teve por objetivo apenas tentar identificar segmentos mais propícios à sedimentação, sem permitir nenhuma conclusão a respeito da quantidade de sedimento a ser depositado”.

Em segundo lugar, muda o regime hidráulico do rio, pelo menos em alguns trechos. O caso da cachoeira de Jirau é ilustrativo. A tabela 2.3 mostra que a velocidade de fluxo é reduzida de 4,57 m/s sem represa para 1,19 m/s com represa, para uma vazão de 16.600 m3/s, que é algo in-ferior ao volume médio do rio. Para vazões grandes, a velocidade é reduzida de 6,92 m/s para 3,28 m/s. Além disso, observa-se que as velocidades naturais são altas pa-ra todas as vazões.

Uma mudança grande no regime hidráulico tem muitos efeitos sobre o meio aquático. Os Estudos de Impacto Am-biental (EIA, 2005) proporcionam uma idéia dos impactos que podem ocorrer sobre os peixes, por exemplo. Duran-te a realização do EIA, identificaram-se espécies de pei-xes especialmente adaptadas às condições hidráulicas de

1600

1400

1200

1000

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400

200

0

enchente enchentecheia cheiavazante vazanteseca

ciclo jan 2003/ fev 2005

enchentesecaMeses e períodos hidrológicos

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

95

90

85

80

75

70

Meses

NA Condição NaturalNA com Reservatório

Figura 2.4: Variação de níveis em porto Velho

Figura 2.5:rio madeira na confluência com o rio mutum – paraná (seção s-33). cotagramas médios mensais em condições naturais e com reservatório

Fonte: CPRM de Porto Velho

Fonte: Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, Estudos de Viabilidade, 2004

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J F M A MJJ A S O N D J F M A M J J A S O N D J F

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66

VELOCIDADES (M/S) NO TRECHO PRóXIMO à bARRAGEM VELOCIDADES (M/S) NA PORÇÃO

RESTANTE DO RESERVATóRIO

UHESANTO

ANTÔNIO

VAZÃO (M3/S) SEM RESERV. COM RESERV. VARIAÇÃO SEM RESERV. COM RESERV. VARIAÇÃO

5.000 1,27 0,22 (1,05) 0,54 0,26 (0,28)

18.000 2,01 0,70 (1,31) 0,90 0,73 (0,17)

30.000 2,32 1,26 (1,06) 1,21 1,11 (0,10)

48.600 2,61 1,82 (0,79) 1,45 1,4 (0,05)

UHEjIRAU

5.600 2,62 0,31 (2,31) 0,68 0,24 (0,44)

16.600 4,57 1,19 (3,38) 1,17 0,76 (0,41)

30.000 5,71 2,19 (3,52) 1,66 1,31 (0,35)

48.800 6,92 3,28 (3,64) 2,10 1,82 (0,28)

Fonte: Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, Estudos de Viabilidade, 2004

grandes velocidades e tensões de corte, forte turbulência e grande oxigenação que se apresentam nas cachoeiras. As áreas próximas à cachoeira de Jirau apresentaram a maior diversidade específica da região de estudo. Na ca-choeira de Teotônio registraram-se espécies endêmicas ou raras. Segundo o EIA, “a alteração da dinâmica de fluxo nos reservatórios afetará negativamente a ocorrência das espécies de cachoeira, ocasionando assim uma alteração substancial na composição da ictiofauna que ocupa atu-almente o trecho Abunã-Porto Velho. Isso provavelmen-te ocasionará uma perda da diversidade local, incluindo, possivelmente, espécies de peixes ainda não descritas pela ciência e outras registradas recentemente para a Amazô-nia brasileira”.

A qualidade da água também será afetada. O equilíbrio ho-je existente, com níveis de saturação de oxigênio em uma faixa de 70% a 80%, ficará alterado ocorrendo uma dimi-nuição dos níveis de oxigênio dissolvido. A alteração será

maior na represa de Jirau, onde a redução da capacidade de aeração é mais significativa, devido ao grande número de cachoeiras e corredeiras que serão inundadas. O efeito será ainda maior sobre os afluentes, já que a mudança de velocidade nesses rios será maior que no Rio Madeira. Por isso, a diminuição dos níveis de oxigênio nos afluentes tem sido identificada como um impacto ambiental de alta gravidade, que está relacionado, por sua vez, com outros impactos sobre o meio biótico, devido à transformação de sistemas lóticos para sistemas semi-lênticos a lênticos.

As figuras 2.6 e 2.7 mostram as velocidades com e sem represa ao longo dos trechos das futuras represas de Santo Antônio e Jirau, obtidas mediante simulação com HEC-RAS. Observa-se que, efetivamente, as mudanças são pe-quenas a grandes distâncias da represa de Santo Antônio, mas são grandes nas proximidades, com um máximo na cachoeira de Teotônio. As mudanças são consistentemen-te maiores ao longo do reservatório de Jirau, alcançando

Tabela 2.4: Velocidades médias simuladas ao longo do rio madeira nos trechos dos futuros reservatóriosde santo Antônio e Jirau

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seus valores máximos ao redor do reservatório. Estes re-sultados correspondem às mudanças de nível induzidas pela represa (figura 2.3), que evidenciam que ocorrerão alterações de nível e velocidade até em Abunã, no extremo superior do reservatório.

Há de se considerar que a mudança de regime nos rios afluentes deve ser ainda mais drástica que no Rio Madei-ra. A razão é simples: o volume destes afluentes é muito menor que o do rio principal e seu regime hidráulico, em condições naturais, está fortemente influenciado pelos ní-veis que se apresentam no Madeira. A elevação dos ní-veis pela represa diminuiria as velocidades de fluxo nestes rios em uma dimensão ainda maior que no Rio Madeira.A maioria dos afluentes no trecho Abunã-Porto Velho são pequenos, com exceção dos rios Abunã e Mutum-Paraná, que contribuem com o trecho Abunã-Jirau (ver figura 2.1), e Jaci-Paraná, que contribui com o trecho Jirau-Santo An-tônio. Nos estudos de viabilidade menciona-se que “na seção S33, localizada próxima à nascente do Rio Mutum-Paraná, a 46 km acima da represa de Jirau, observa-se que, em médio prazo, o nível de água com reservatório é de aproximadamente 5 m superior ao nível de água natu-ral, com uma sobre-elevação de cerca de 3 m em março e cerca de 6 m em setembro” (ver figura 2.5). No entanto, não se analisa a mudança na velocidade e condições hi-dráulicas do afluente.

2.3- CONCLUSÕESA análise dos níveis de água e efeito de remanso que inte-gra os estudos de viabilidade é uma análise preliminar que serve como insumo ou informação inicial a outros estudos e projetos a nível de viabilidade, como por exemplo, a operação dos reservatórios e a de hidrosedimentologia. O caráter preliminar é reconhecido pelos autores do estudo de níveis, por exemplo em relação aos sedimentos, ao in-dicar que “a análise das características hidráulicas do tre-cho do Rio Madeira a ser afetado pelas represas de Santo Antônio e Jirau teve por objetivo apenas tentar identificar segmentos mais propícios à sedimentação, sem permitir nenhuma conclusão a respeito da quantidade de sedimen-to a ser depositado (sic)”.

O problema é que, embora tenha caráter preliminar, o capí-tulo 7.9 dos estudos de remanso dos estudos de viabilidade contém afirmações como a seguinte: “O regime fluvial do Rio Madeira e de seus afluentes no trecho acima de Abunã

Nív

el d

’ág

ua

(m)

Velo

cid

ade

méd

ia (m

/s)

Fonte: Estudos de Impacto Ambiental, Rio Madeira, 2004

0 20 40 60 80 100 120 140

6.00

5.00

4.00

3.00

2.00

1.00

0.00

Distância à Barragem (km)

Q= 5.000 m /s, Com Barragem

Q= 5.000 m /s, Sem Barragem

3

3

Q= 18.300 m /s, Com Barragem

Q= 18.300 m /s, Sem Barragem

3

3

,

,

CoQ= 45.000 m /s m Barragem

Q= 45.000 m /s Sem Barragem

3

3

Figura 2.6: perfis de Velocidade de Água simulados entre AHe santo Antônio e AHe Jirau

0 20 40 60 80 100 120 140

8.00

7.00

6.00

5.00

4.00

3.00

2.00

1.00

0.00

Distância à Barragem (km)

Fonte: Estudos de Impacto Ambiental, Rio Madeira, 2004

Q= 45.000 m /s, Com Barragem

Q= 45.000 m /s, Sem Barragem

3

3

Q= 18.300 m /s, Com Barragem

Q= 18.300 m /s, Sem Barragem

3

3

Q= 5.000 m /s, Com Barragem

Q= 5.000 m /s, Sem Barragem

3

3

Figura 2.7: perfis de Velocidade de Água simuladosTrecho: Jirau - Abunã

Page 68: Aguas Turvas

68

não é alterado independentemente do período hidrológico, enchentes ou estiagens. Dessa forma, a represa de Jirau está integralmente contida em território brasileiro”. No en-tanto, os dados e resultados apresentados neste capítulo não permitem sustentar estas afirmações.

Um problema adicional é que os resultados da análise de remanso foram utilizados diretamente nos estudos de impacto ambiental, onde se repetem afirmações como a transcrita no parágrafo anterior. Para poder ser usado na avaliação de impacto ambiental, o estudo de níveis deve incluir, no mínimo, análises sobre:a) Os processos de sedimentação e erosão;b) Os níveis e velocidades ao longo dos afluentes do trecho Abunã-Santo Antônio, ao menos os mais importantes: rios Abunã, Mutum-Paraná, Jaci-Paraná;c) Níveis de águas acima de Abunã, no trecho bi-nacional.Ainda com essas limitações ou lacunas, pode-se concluir que:

•OsníveisdeáguaevelocidadesacimadeAbunãserãoafetados pela construção da barragem e do reservatório de Jirau, ao menos para vazões baixas e médias. Portanto, a área efetiva dos reservatórios é maior que a estimada nos estudos de viabilidade. •OsníveisdeáguadoRioMadeiraaumentarãomuitonas proximidades das represas e provocarão o desapareci-mento das cachoeiras localizadas no trecho de rio situado dentro dos futuros reservatórios. •Asvelocidadesnaturaisdefluxoserãomuitoredu-zidas perto das barragens e nas cachoeiras. Esta grande mudança no regime hidraúlico do Rio Madeira terá efei-tos sobre o processo de sedimentação, ao criar as con-dições para que parte do sedimento que o Rio Madeira transporta se deposite, o que por sua vez provocaria uma elevação adicional dos níveis de água. •Amudançanoregimehidráulicoterátambémefeitossobre o meio aquático, ao transformar sistemas lóticos pa-

A UM CUSTO ELEVADÍSSIMO, AS CORREDEIRAS DA CACHOEIRA SANTO ANTÔNIO DEVEM DAR LUGAR A UMA DAS QUATRO HIDRELÉTRICAS DO COMPLEXO

ALEX

IS B

ASTO

S/RI

OTER

RA

Page 69: Aguas Turvas

69

ra sistemas semi-lênticos a lênticos. •Amudançadevelocidadese regimehidráuliconosrios afluentes será maior que no Rio Madeira porque os efeitos sobre a sedimentação e o meio biótico destes afluentes será de grande dimensão. •A mudança de regime hidráulico está associada aoutros impactos como, por exemplo, a diminuição do oxigênio dissolvido e, em geral, da qualidade das águas nos trechos a serem inundados pelas represas. Novamen-te, estes efeitos serão maiores nos rios afluentes que no rio principal.

3 - SEDIMENTAÇÃOA construção de uma represa, e a conseqüente formação de uma barragem, provoca mudanças significativas no curso de água afetado. Processos de deposição de sedi-mentos e de erosão de margens ocorrerão no reservatório, podendo estender-se no trecho rio acima. Abaixo da re-presa, ocorrerão processos erosivos nas margens e no leito principal, associados a alterações morfológicas do rio que se estendem a uma certa distância da represa. Todas essas mudanças são resultado do processo de adaptação às mo-dificações causadas pelas obras hidráulicas e à busca de um novo estado de equilíbrio morfológico do rio. Em to-dos os casos, a barragem tende a perder gradualmente sua capacidade de armazenamento e de geração de energia, no caso de usinas hidrelétricas. Outras mudanças também ocorrerão associadas à sedimentação, em sua maioria ne-gativas do ponto de vista ambiental. A média mundial de perda de capacidade de armazena-mento está entre 0,5% e 1%. Com freqüência, a vida útil da represa está determinada pela taxa de sedimentação. Essa taxa depende, em primeiro lugar, da contribuição de sedimentos da bacia que, por sua vez, depende da taxa de erosão e da capacidade de transporte dos cursos de água (WCD, 2001). Essa contribuição se mantém estável em al-gumas regiões do mundo, mas em outras, como a bacia do Rio Madeira, tende a aumentar com o tempo.

Apesar dos avanços científicos e de técnicas de coleta de dados, é difícil estimar com precisão a quantidade de sedi-mento que uma represa capturará. A dificuldade mais fre-qüente é a falta de informação confiável e de longo termo sobre a quantidade de sedimento transportado pelos rios. A medição do volume sólido que um rio transporta é ge-ralmente um processo mais difícil e caro que a medição

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

“Os dados sedimentométricos apresentados pelo pro-jetista foram coletados com base em amostradores de sedimentos em suspensão, enquanto que os sedimen-tos do leito não foram coletados pela inexistência de amostrador específico no Brasil. Desta forma, enten-de-se que a estimativa da carga sedimentar do leito não foi adequadamente realizada, conforme ressalta o próprio projetista. O resultado final deixa a desejar, sendo muito impreciso. Então, a medição do sedimen-to do leito por processo direto foi abandonada.”

José Galizia Tundisi e Takako Matsumura-Tundisi

Estimativas imprecisas de sedimentação geram

inconformidade nos cálculos da vida útil

das barragens

Page 70: Aguas Turvas

70

do volume líquido e são poucos os rios que dispõem de medições de longa duração e freqüência adeqüada (McCully, 1996).

A localização dos depósitos de sedimento em um reser-vatório depende da velocidade local do fluxo. O material mais grosso deposita-se inicialmente no extremo acima, formando frequëntemente um delta. O material mais fi-no deposita-se ao longo do reservatório e pode, eventu-almente, chegar até a barragem e tomada d’água, afe-tando a operação e o funcionamento das turbinas. Entre os fatores que influenciam o processo de sedimentação estão a forma e o tamanho do reservatório em relação à quantidade de sedimento que entra, a distribuição do tamanho das partículas, as flutuações na contribuição de água e de sedimentos e a forma de operação do reserva-tório (WCD, 2001).

3.1 - TRANSPORTE DE SEDIMENTOSO Rio Madeira é o principal contribuinte de sedimentos em suspensão e sólidos dissolvidos da Bacia Amazônica. Se-gundo o estudo de viabilidade (Furnas et al, 2004), “o Rio Madeira é um dos maiores rios do mundo em termos de descarga sólida, apresentando uma concentração média de 1.350 mg/l, com valores de concentração variando de 600 mg/l, nas águas baixas, até 3.500 mg/l, nas águas altas. Em Jirau, com uma descarga média de longo prazo igual a 17.686 m3/s, a descarga sólida média estimada (Qst) é de 2.059.801 t/dia”.

Sozinho, o Rio Madeira é responsável pela metade dos sedimentos de toda Bacia Amazônica, o que se deve prin-cipalmente à sua origem andina. No entanto, as estimati-vas sobre o volume sólido do Rio Madeira variam muito segundo a fonte. Guyot et al (1995) estimaram um trans-porte médio de 306 milhões de toneladas por ano (mi-lh.ton/ano) de sedimentos em suspensão para o período 1978-93, em Porto Velho. Em Villa Bella, na confluência dos rios Mamoré e Beni, os mesmos autores estimaram um transporte de 257 milh.ton/ano de sedimentos e 36 milh.ton/ano de matérias dissolvidas, para o período de 1983-90.

Do total de sedimentos em Villa Bella, 192 mill.ton/ano provinham do Rio Beni e 65 do Rio Mamoré. Por sua vez, 122 milh.ton/ano dos sedimentos do Rio Beni provinham deste mesmo rio e 71 milh.ton/ano de seu principal afluen-

“‘ ... o Rio Madeira está, atualmente, na área estuda-da, com o processo de sedimentação preponderando sobre o processo erosivo. Destaca-se, ainda, que a se-dimentação atual está condicionada, basicamente, nas margens e leito do rio e, muito raramente, na planície de inundação, uma vez que o Rio Madeira apresenta, na sua morfologia, percurso dominantemente retilíneo e vale encaixado’ [citação do EIA]. Quando ocorrer a implantação dos reservatórios favorecerá ainda mais a deposição dos sedimentos ao longo do curso de mon-tante e favorecerá a erosão à jusante, uma vez que a carga de sedimentos depositada não será transferida para a jusante.”

José Galizia Tundisi e Takako Matsumura-Tundisi

Análise insuficiente do impacto de erosão nas margens e à jusante

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

Page 71: Aguas Turvas

71

te, o Rio Madre de Dios. É importante destacar que o Rio Beni perde uma parte importante de sua carga em sus-pensão na planície, antes de encontrar com o Madre de Dios. Ao sair dos Andes, em Angosto de Bala, o volume sólido do Rio Beni tem sido estimado em 212 milh.ton/ano (Guyot et all, 1995).

Segundo Ferreira et al (1988, citado por Guyot et al, 1995), o Rio Madeira contribui com 550 milh.ton/ano de sedi-mentos em suspensão e 37-45 milh.ton/ano de materiais dissolvidos em sua confluência com o Rio Amazonas. O valor diário estimado em Jirau no estudo de viabilidade equivale a 750 milh.ton/ano, o que faz supor que, no tre-cho de Porto Velho até a desembocadura no Rio Amazo-nas, parte do volume sólido é sedimentada.

Estas estimativas diferem em um fator de 2 ou mais. Isto pode ocorrer devido às diferenças nos métodos de medi-ção, de cálculo e a períodos de cálculo não coincidentes. Também mostra as dificuldades, mencionadas pela Comis-são Mundial de Barragens, para obter informação confi-ável e de longa duração sobre a quantidade de sedimento transportado em muitos rios do mundo.

Os estudos de viabilidade (2004) e o EIA (2005) identifi-caram uma tendência de aumento da carga de sedimentos com o tempo no trecho de estudo, o que tem grande impor-tância para os projetos Jirau e Santo Antônio. Mediante o

método de dupla massa e os dados disponíveis da Agência Nacional de Águas (ANA), de Furnas, e da agência USGS (pesquisa geológica dos Estados Unidos, sigla em inglês), avalia-se que, a partir de 1990, ocorreu uma mudança sig-nificativa na relação volume sólido com volume líquido, como se observa na figura 3.1. A taxa anual média de aumento da carga de sedimentos R foi estimada em 1,83%, o que, segundo os autores desses estudos, provavelmente está associado ao aumento da erosão na bacia. Com base neste resultado, decidiu-se adotar um valor relativamente conservador de R=2% de aumento anual da taxa de pro-dução de sedimentos, para os estudos de sedimentação e vida útil dos reservatórios.

O capítulo de Hidrosedimentologia dos estudos de via-bilidade estima que o volume sólido total é de 1,05 vezes o volume sólido em suspensão. Isso significa que o volume de fundo representa somente 5% do volume em suspensão.

Denomina-se volume o transporte de fundo que se move pelo leito ou próximo ao leito do rio, por arrasto ou salta-ção. O tamanho das partículas que se movem pelo fundo é geralmente muito maior que o tamanho das partículas que se movem em suspensão. Por isso, são as primeiras que se depositam no fundo dos reservatórios, iniciando, geralmente, pelo extremo acima. Em compensação, os se-dimentos em suspensão são formados por material fino (sobretudo lodo e argila) que, sob condições adequadas, podem até não depositarem-se no reservatório e passar rio abaixo através das turbinas e vertedouro.

O volume sólido que se move pelo fundo é muito mais difícil de medir do que o sedimento em suspensão. Por isso, freqüentemente, não se dispõe de medições de fundo em rios. A tabela 3.1 mostra os únicos dados de tamanho de material do leito do Rio Madeira que aparecem nos estudos de viabilidade. De acordo com esta tabela, 70% das partículas do leito são formados por areia. Isso é, 70% dessas partículas têm tamanho igual ou superior a 0,07 mm e menor que 2 mm.

A tabela 3.2 mostra que somente 2,4% dos sólidos em sus-pensão do Rio Madeira são formados por areia. Enquanto55,7% são formados por argila - cujo tamanho é menor que 0,004 mm - e 41,9% por lodo - cujo tamanho oscila entre 0,004 mm e 0,07 mm. Considerando que aproxi-

0 100000 200000 300000 400000 500000 600000 700000

30000000

25000000

20000000

15000000

10000000

5000000

0

1970

1990

2001

Q ss

Acu

mu

lad

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3 /s)

Figura 3.1: curva de dupla massa: rio madeira em porto Velho

Q ss Acumulada (m3/s)

Fonte: Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, Estudos de Viabilidade, 2004

Page 72: Aguas Turvas

72

Sólidos do leito (%)

Data Argila Lodo Areia

01 / nov / 03 2,7 27,3 70,0

27 / jan / 04 4,0 26,0 70,0

Média 3,3 26,7 70,0

Fonte: Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, Estudos de Viabilidade, 2004

Tabela 3.1: rio madeira em porto Velho: porcentagem de argila, lodo e areia nas mostras de sólidos do leito

Sólidos do leito (%)

Data Argila Lodo Areia

01 / nov / 03 70,1 26,5 3,4

27 / jan / 04 56,6 41,0 2,4

3 / fev / 04 64,9 31,8 3,3

10 / fev / 04 31,5 64,0 4,5

16 / fev / 04 57,7 41,2 1,1

20 / fev / 04 60,9 38,2 0,9

2 / mar / 04 36,1 63,0 0,9

9 / mar / 04 67,9 29,7 2,4

Fonte: Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, Estudos de Viabilidade, 2004

Tabela 3.2: rio madeira em porto Velho: porcentagem de argila, lodo e areia nas mostras de sólidos em suspensão

Fonte: Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, Estudos de Viabilidade, 2004

Tabela 3.3: rio madeira em porto Velho:porcentagem de argila, lodo e areia nas mostras analisadas

Sólidos % Argila Pc % Lodo Pm % Areia Ps

Em suspensão 53,1 39,9 2,3

Do leito 0,2 1,3 3,3

Total 53,3 41,2 5,6

madamente entre 0,004 mm e 0,07 mm. Considerando que, aproximadamente, um pouco menos de 5% dos só-lidos totais se move pelo fundo, os autores do estudo de Hidrosedimentologia estimaram que os percentuais médios de argila, lodo e areia na vazão sólida são os apresentados na tabela 3.3.

De acordo com os estudos de viabilidade, “o segmento do Rio Madeira, onde serão instaladas as usinas hidrelétri-cas Jirau e Santo Antônio, se caracteriza por sua elevada inclinação, padrão retilíneo e encaixotado, meandros, curvas e níveis de base controlados estruturalmente. Essas características morfológicas do canal refletem um determinado controle geológico imposto ao rio”, que se faz evidente nos níveis de água em cachoeiras como Te-otônio e Jirau, que são verdadeiros controles hidráulicos. “Tais condições favorecem o trânsito de sedimentos ao longo do perfil longitudinal do canal do rio e reduzem a sedimentação. Ainda assim, parte do transporte de sedi-mentos será bloqueado pelas represas”.

3.2- VIDA ÚTIL DAS REPRESASO estudo de viabilidade (Furnas et al, 2004) usou o “método empírico de redução de área”, desenvolvido por Borland & Miller, para estimar a sedimentação e vida útil das represas de Jirau e Santo Antônio. A efi-ciência de retenção da represa Er foi estimada mediante a curva de Brune. A eficiência de retenção é um pa-râmetro que indica que porcentagem dos sedimentos que entra no reservatório será mantida no lago em um determinado momento. O método e a curva emprega-dos nos estudos são freqüentemente utilizados em nível mundial como uma primeira aproximação adeqüada para estudos de pré-viabilidade, onde não se pretende estimar a localização dos depósitos nem o tamanho do material depositado.

Para avaliar a sedimentação nos reservatórios, estimou-se previamente o volume sólido total (em suspensão e de fundo), em Jirau e Santo Antônio, para o período 1931-2001. A tabela 3.4 mostra os valores médios di-ários desse período para as duas represas. O volume sólido de Jirau difere segundo a fonte. Segundo o EIA (2005), o volume sólido médio diário em Jirau é de 1.594.529 ton/dia, 21% abaixo do valor da tabela 3.4.

A tabela 3.5 resume os principais resultados obtidos para

Page 73: Aguas Turvas

73

Reservatório JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ Ano

S. Antônio 1.984.326 3.203.121 5.721.690 4.129.370 1.760.933 754.218 333.195 134.670 91.507 141.303 328.900 869.056 1.621.024

Jirau 2.914.808 3.888.288 4.845.698 4.138.638 2.712.262 1.586.320 859.805 440.973 328.600 449.061 844.733 1.708.421 2.059.801

Fonte: Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, Estudos de Viabilidade, 2004

Tabela 3.4: Volume sólido médio (toneladas/dia) em santo Antônio e Jirau, 1931-2001

Fonte: Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, Estudos de Viabilidade, 2004

Variável Unid. Alternativa

Taxa anual de aumentode sedimento -R

% 0 2

Capacidade - Volume do reservatório

hm3 2075

Volume líquido anual afluente hm3 567044.03

Relação Capacidade/Volume anual afluente

- 3.66 x 10-3

Eficiência de Retenção Er em t = 0 % 19.50

Tempo para Er = 1% hm3 28 22

Volume de Sedimentosno Reservatório

hm3 1044.35 1046.63

Volume Disponível no Reservatório % 1030.78 1028.50

Perda de Volume do Reservatório anos 50.3 49.6

Tempo para Er = 0% hm3 74 44

Volume de Sedimentosno Reservatório

hm3 1082.62 1082.64

Volume Disponível no Reservatório hm3 992.52 992.49

Perda de Volume do Reservatório % 52.2 52.2

Cota de Altura do Sedimentono pé da Represa (50 anos)

m 61,61 61,63

Cota de Altura do Sedimentono pé da Represa (100 anos)

m 61,63 61,63

Tabela 3.5: principais resultados dos estudosde sedimentação em santo Antônio

Santo Antônio. Estima-se que a perda máxima de volume do reservatório é de 52,2%, que se alcançaria em 74 anos para R=0% e em 44 anos para um aumento de R=2% na produção de sedimentos da bacia. A eficiência de reten-ção de sedimentos do reservatório Er é 0% a partir desse momento, independentemente do valor da taxa R. Isso é, a partir de 44 ou 74 anos, o reservatório não reteria sóli-dos; todos eles passariam através das turbinas e vertedou-ros. Um dado adicional não registrado na tabela 3.5 é que Er=19,5% para o ano 0, ou seja, no início da operação da represa, 80,5% dos sólidos totais passariam rio abaixo. A altura estimada dos sedimentos no pé da barragem em 100 anos de operação alcançaria uma altitude de 61,63 m. Por isso os autores recomendam que as tomadas d’água sejam colocadas em uma altitude de 63 m.

Resultados tão favoráveis ao projeto devem-se à forma es-treita e alongada da represa (ver figura 3.2), a seu pequeno volume em relação ao volume de água afluente e à rápida diminuição de eficiência de captura de sedimentos que re-sulta de aplicar a curva de Brune às condições anteriores.

A tabela 3.6 resume os principais resultados obtidos para Jirau. Observa-se que as alternativas são quatro porque foram considerados os níveis de operação do reservatório de 90 m e 87 m. Isto se deve ao critério de operar o reser-vatório com níveis variáveis ao longo do ano (tabela 2.1) para evitar a inundação do território boliviano. Como o método não pode considerar níveis variáveis no tempo, foi adotado um nível constante de 87m - que representa a média dos valores da tabela 2.1.

O volume final disponível no reservatório é idêntico para todas as alternativas. A única variação é o tempo que leva alcançar este volume. Em compensação, o nível de sedi-mento na base da barragem varia muito segundo a altura da operação. Esses resultados refletem as limitações do

Page 74: Aguas Turvas

74

método utilizado para avaliar a sedimentação. As di-ferenças de perda de volume em porcentagem devem-se ao fato de que a capacidade inicial do reservatório varia segundo a altura de operação: 87 m ou 90 m. Em um tempo estimado entre 28 e 45 anos, segundo o caso, a eficiência de retenção de sedimentos da re-presa Er é 0%, independentemente do valor da taxa R. A partir desse momento o reservatório não rete-ria sólidos e manteria um volume de armazenamento de 976,2 hm3. Um dado adicional não considerado na tabela 3.6 é que Er=19,1% para o ano 0, isto é, no início da operação do reservatório 80,9% dos sólidos

Figura 3.2: Área de inundação e de influência direta (Aid) do reservatório santo Antônio

totais passariam rio abaixo. Considerando a grande quantidade de sedimentos que passará pelos sistemas de descarga desde o início da operação, os autores recomendam “que as turbinas e demais equipamen-tos sejam projetados para suportar os impactos dessas partículas”.

Sem especificar razões, mas ao parecer considerar os resultados descritos, os autores do estudo de viabili-dade decidiram adotar uma vida útil de 50 anos para a represa de Jirau e, maior, de 100 anos para Santo Antônio, como se observa na tabela 1.2.

Font

e: E

stud

os d

e Im

pact

o Am

bien

tal,

Rio

Mad

eira

, 200

4

Page 75: Aguas Turvas

75

Fonte: Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, Estudos de Viabilidade, 2004

Variável Unid. Alternativa

Nível de água do reservatório m 87,00 90,00 87,00 90,00

Taxa anual de aumento de sedimento -R % 0 0 2 2

Capacidade - Volume do reservatório hm3 1378,91 2015,26 1378,91 2015,26

Volume líquido anual afluente hm3 557744,72 557744,72 557744,72 557744,72

Relação Capacidade / Volume anual afluente - 2,47 x 10-3 3,61 x 10-3 2,47 x 10-3 3,61 x 10-3

Eficiência de Retenção Er em t = 0 % 8,48 19,15 8,48 19,15

Tempo para Er = 1% anos 12 17 10 14

Volume de Sedimentos no Reservatório hm3 364,01 1005,76 366,86 1003,84

Volume Disponível no Reservatório hm3 1014,90 1009,50 1012,05 1011,42

Perda de Volume do Reservatório % 26,4 49,8 26,6 49,8

Tempo para Er = 0% anos 39 45 28 31

Volume de Sedimentos no Reservatório hm3 406,67 1039,03 402,70 1039,06

Volume Disponível no Reservatório hm3 976,24 976,23 976,16 976,20

Perda de Volume do Reservatório % 29,5 51,6 29,2 51,6

Cota de Altura do Sedimento no pé da Represa (50 anos) m 67,48 76,09 67,48 76,09

Cota de Altura do Sedimento no pé da Represa (100 anos) m 67,48 76,09 67,48 76,09

Tabela 3.6: principais resultados dos estudos de sedimentação em Jirau

3.3- SEDIMENTAÇÃO NO TRECHO: GUAyARAMERIN – PORTO VELHOmetodologiaO estudo de viabilidade (Furnas et al, 2004) recomendou aprofundar os estudos hidrosedimentológicos para res-ponder, entre outras, às seguintes questões:

•Localizaçãoespacialdossedimentosnosreservató-rios, localizando os mais importantes pontos de acumula-ção e estimando os volumes acumulados; •Tiposetamanhosdossedimentospredominantesnospontos notáveis de deposição; •Identificaçãodosdepósitospermanenteseestacionais; •Análisedocomportamentodosreservatóriosindivi-dualmente e em conjunto.

Para responder a essas questões e avaliar alguns im-

pactos, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) incluiu um anexo de modelação hidrosedimentológica do Rio Madeira, “que cobre todo o trecho entre a confluência com o Rio Beni e a confluência com o Rio Jamari. Este trecho de 430 km de extensão se inicia acima da área afetada pela represa de Jirau, terminando abaixo de Porto Velho, 80 km abaixo de Santo Antônio”. É consi-deravelmente mais extenso que o trecho Abunã-Santo Antônio, que se utilizou no estudo de níveis de água.

Há vários anos estende-se o uso de modelos matemá-ticos para simular o processo de sedimentação em re-servatórios. O EIA usou o modelo “HEC-6 – Scour and Deposition in Rivers and Reservoirs”, do Corpo de En-genheiros do Exército dos Estados Unidos. É um mode-lo de livre acesso e ampla difusão, que permite estimar as mudanças geométricas do leito fluvial resultante de processos de erosão e sedimentação, sobre grandes pe-

Page 76: Aguas Turvas

76

ríodos de tempo. Ao ser aplicado em represas, o mode-lo calcula os depósitos ao longo do perfil longitudinal, incluindo seu volume e localização. Para um trecho do rio, o modelo faz um balanço das entradas e saídas de sedimentos. O modelo tem algumas características e limi-tações que são relevantes ao interpretar seus resultados:

•Éunidimensional,oquesignifica,porexemplo,quenão tem a capacidade de simular a sedimentação ou ero-são em trechos curvos. O HEC-6 considera que a deposição ou erosão é uniforme em toda a seção transversal do rio; •Acontribuiçãodesedimentosaotrechodeestudodeve ser calculada através de uma relação definida entre volume líquido e volume sólido total. É possível utilizar relações diferentes por variação de tamanho de partícu-las. A composição granulométrica e o tamanho das par-tículas influem muito nos resultados; •Omodelosebaseianaequaçãodefluxopermanen-te, isto é, constante no tempo. Como o volume (e, por-tanto, a profundidade, velocidade, etc) de um rio varia no tempo, o hidrograma de volume se aproxima diante de uma seqüência de períodos de volume constante. O mo-delo calcula o transporte de sedimentos em cada seção, a partir dos perfis de linha de água obtidos para esses volumes constantes.

O modelo necessita, entre outras coisas, de seções trans-versais do rio. Para o trecho Abunã-Santo Antônio foram utilizadas as seções obtidas para o estudo de níveis de água. Para o trecho acima de Abunã, recorreu-se a ba-timetrias parciais do leito do Rio Madeira, que cobriam uma largura de 60 m do canal central do rio. Estas se-ções foram completadas tomando como referência se-ções topobatimétricas completas próximas e têm como referência o Canal de Navegação da tabela 3.7. Algumas seções abaixo de Porto Velho foram obtidas do Atlas da Hidrovia Madeira-Amazonas de Itacoatiara a Porto Ve-lho. Pelas referências de localização que contêm e para uma melhor interpretação dos resultados, a tabela 3.6 lista todas as seções utilizadas, segundo uma transcrição literal da tabela 6.7 do tomo B, volume 7 dos Estudos de Impacto Ambiental.

O número da seção na primeira coluna da tabela 3.7 corresponde à progressiva, isto é, à distância em qui-lômetros medida da seção 0 do extremo abaixo, na foz do Rio Jamari.

“Modelos unidimensionais foram utilizados para simu-lar os processos sedimentológicos e biogeoquímicos em cada reservatório, logo após o seu fechamento. Po-rém esses processos são, por natureza, tridimensionais e complexos e o uso de modelos simples demais para representá-los tende a produzir resultados inadequa-dos para a avaliação dos impactos esperados. Como as dimensões lateral e vertical não foram consideradas no modelo, não foi possível prever a real distribuição dos sedimentos, de habitats e da biota esperada após o fechamento das barragens. Uma menor correnteza, uma densidade maior da vegetação alagada e uma tendência maior à anóxia são esperadas nas margens laterais dos bolsões. A falta do oxigênio pode restrin-gir o desenvolvimento de diversos grupos faunísticos e também promover a metilação e biomagnificação do mercúrio nestas regiões.”

Bruce Forsberg e Alexandre Kemenes

Modelos monodimensionais para analisar processos

tridimensionais

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

Page 77: Aguas Turvas

77

Tabela 3.7: seções transversais usadas na modelagem

Seção de referência

Seção Distância (m) HEC-RAS Desenho Observações

431 8.160 Canal de Navegação Canal de Navegação

423 8.096 Canal de Navegação Canal de Navegação

415 9.846 Canal de Navegação Canal de Navegação

405 6.502 Batimetria Batimetria

398 2.123 Batimetria Batimetria Cachoeira do Ribeirão

396 21.142 Batimetria Batimetria

375 3.247 Batimetria Batimetria

372 2.579 Batimetria Batimetria Cachoeira das Araras

369 10.060 Batimetria Batimetria

359 9.769 Canal de Navegação Canal de Navegação

349 11.369 Canal de Navegação Canal de Navegação

338 9.325 42.6 S - 42,6

329 1.747 42.3 S - 42,3 Rio Abunã

327 7.510 42 S - 42

320 4.169 41.5 S - 41,5

315 6.515 41 S - 41

309 3.331 40.5 S - 40,5 Cachoeira do Pederneira

306 4.940 40 S - 40

301 8.421 39 S - 39

292 6.172 38.5 S - 38,5

286 3.292 38 S - 38 Cachoeira do Paredão

283 3.673 37 S - 37

279 7.232 36 S - 36

272 4.536 35 S - 35

267 9.373 34.5 S - 34,5

258 1.995 34 S - 34

256 970 33 S - 33 Cachoeira Três Irmãos

255 2.133 32 S - 32 Ilha Três Irmãos

253 9.420 31 S - 31

243 15.217 30 S - 30

228 17.331 29 S - 29

211 1.000 Cópia da Seção 228 Cópia da Seção 228

Page 78: Aguas Turvas

78

resulTAdos

O modelo entrega como resultados os perfis do leito do rio e da linha de água para cada período simulado e os balan-ços de sedimento em cada trecho de interesse.

Para a análise de resultados, o trecho de estudo foi dividi-do em quatro subtrechos (Furnas et al, 2005):

Seção de referência

Seção Distância (m) HEC-RAS Desenho Observações

210 2.755 28 S - 28

207 7.312 18 S - 23 Salto do Jirau

200 5.083 17 S - 22 Cachoeira do Inferno

195 4.757 16 S - 21

190 6.198 15 S - 20

184 12.103 14 S - 19 Ilha da Pedra

172 5.416 13 S - 18 Ilha Santana

166 7.929 12 S - 17

158 7.312 11 S - 16 Ilha Niterói

151 5.772 10 S - 15 Ilha São Patrício

145 6.011 9 S - 14 Ilha Liverpool

139 11.047 8 S - 13

128 7.925 7 S - 12 Cachoeira Morrinho

120 10.312 6 S - 11

110 4.977 5 S - 10

105 6.500 4 S - 9

98 2.650 3.5 S - 8 Cachoeira de Teotônio

96 7.726 3 S - 7

88 6.777 2 S - 6

81 6.067 1 S - 5 Cachoeira Santo Antônio

75 12.746 Ponte Projetada Ponte Projetada Porto Velho

63 20.608 Cópia da seção 75 Cópia da seção 75 Cópia da seção 75

42 16.190 Atlas Atlas

26 25.880 Atlas Atlas Ilha Jamarizinho

0 0 Atlas Atlas Foz do rio Jamari

continuação da Tabela 3.7: seções transversais usadas na modelagem

Fonte: Estudos de Impacto Ambiental, Rio Madeira, 2004

Trecho I – subtrecho bi-nacional acima de Abunã, seções acima da 329.Trecho II – correspondente ao futuro reservatório de Jirau, entre as seções 329 e 210.Trecho III – correspondente ao futuro reservatório de San-to Antônio, entre as seções 210 e 88.Trecho IV – abaixo do futuro reservatório de Santo Antô-nio, seções 88 a 0.

Page 79: Aguas Turvas

79

Foram consideradas duas hipóteses de evolução da pro-dução de sedimentos, de acordo com o descrito em 3.1: a) uma condição estabilizada que mantém a situação atual (R=0%) e b) uma condição de crescimento da produção de sedimentos de 2% anual. Para cada hipótese simularam-se várias alternativas: caso 0, sem represas; caso 1, de implantação de uma das duas represas; e caso 2, de im-plantação das duas represas. Além disso, foram simulados dois níveis de operação em Jirau: 87 m e 90 m, que são idênticos aos casos considerados para a estimativa de vida útil. O caso 0 foi simulado porque permite identificar, se existem, tendências à erosão ou sedimentação ao longo do trecho estudado do Rio Madeira. A combinação das hipó-teses e alternativas resultou nos casos da tabela 3.8.

A figura 3.3 permite comparar os perfis da linha de água no trecho Abunã-Jirau, para volumes e níveis de operação do reservatório similares, com e sem sedimentos. O perfil sem sedimentos corresponde ao estudo de viabilidade, que é mostrado na figura 2.3. O perfil com sedimentos corres-ponde a uma taxa de aumento anual de 2% ao final de 50 anos. As diferenças são dramáticas. A simulação com sedimentos estima um nível de água de 96,15 m na altura da confluência com o Rio Abunã (kilômetro 329), mais de 6 m acima do nível (89,82) do perfil sem sedimentos. Essa diferença significa que um extenso trecho do Rio Madeira acima da confluência ficaria inundado, assim como um trecho do Rio Abunã, cuja foz ficaria parcialmente bloque-ada pelos sedimentos e o nível de água do rio principal. O nível de 96,15 m é muito próximo do correspondente.

O perfil sem sedimentos estende-se somente até o kilô-metro 338, que corresponde à Vila de Abunã. Por isso, não é possível fazer uma comparação dos níveis no trecho bi-nacional mais acima. Esta evidência mostra uma séria limitação do estudo de viabilidade, que nem sequer consi-derou em sua análise o trecho I acima de Abunã. Em geral, e apesar das diferenças nos resultados serem influenciadas por vários fatores descritos mais adiante, é evidente que a análise com sedimentos devia ser considerada tanto para determinar a superfície inundada pelos reservatórios como para avaliar os impactos ambientais.

A figura 3.4 mostra os resultados da simulação com o mo-delo HEC-6 para o mesmo caso 2-87-C da figura 3.3, que considera a construção das duas represas. Mostra-se todo o trecho de estudo desde o Rio Jamari (km 0) até a conflu-

Tabela 3.8: casos simulados com o modelo

NA Jirau (m)

NA Santo Antônio

(m)

Condição estabilizada

(sem crescimento da produção de

sedimento)

Caso 0 - -

Caso 1S - 70,00

Caso 1J-90 90,00 -

Caso 2-90 90,00 70,00

Caso 1J-87 87,00 -

Caso 2-87 87,00 70,00

Condição crítica (produção de

sedimento crescendo a 2%

ao ano)

Caso 0-C - -

Caso 1S-C - 70,00

Caso 1J-90-C 90,00 -

Caso 2-90-C 90,00 70,00

Caso 1J-87-C 87,00 -

Caso 2-87-C 87,00 70,00

Fonte: Estudos de Impacto Ambiental, Rio Madeira, 2004A

ltu

ra (m

)

Distância a São Carlos (km)

210 250 290 330

100

98

96

94

92

90

88

86

84

Fonte: Elaboração com base nos Estudos de Impacto Ambiental, Rio Madeira

Figura 3.3: perfis com e sem sedimentono trecho Jirau-Abunã

329 Rio Abuna 309 Cachoeira Pederneira

286 Cachoeira Paredão 256 Cachoeira Três Irmãos

Page 80: Aguas Turvas

80

ência dos rios Beni e Mamoré (km 431). Esta figura mostra também o perfil do leito do rio no início (ano 0) e depois de 50 anos. As quedas bruscas do perfil correspondem à localização das represas. A simulação prevê uma forte ele-vação do nível do leito do rio no trecho I, acima de Abunã, e no trecho II, entre Abunã e Jirau. Em alguns pontos (ver tabela 3.9) acumulam-se mais de 20 m de sedimentos em 50 anos. Em compensação, a sedimentação no reservatório de Santo Antônio é de pequena dimensão. O modelo não prevê erosão do leito abaixo da represa de Santo Antônio.

A figura 3.4 mostra também os níveis de água no início e depois de 50 anos. Novamente, a maior mudança acontece nos trechos I e II, por causa da represa de Jirau. Destaca-se o fato de que o maior aumento de nível aconteça próximo à cachoeira de Ribeirão (km 398), ou seja, 70 km acima da confluência com o Rio Abunã e completamente dentro do trecho bi-nacional. O nível de água neste ponto sobe cerca de 6 m em 50 anos (de 94,77 m a 100,30 m) para o volume de 17.000 m3/s.

Os resultados anteriores são compatíveis com o que se conhece do comportamento dos reservatórios. Em par-ticular, com a formação de depósitos de material grosso (depósitos delta) no extremo acima do reservatório. Estes

Figura 3.4: perfil do leito e da linha de água para o caso 2-87-c

depósitos são os primeiros que se formam, a partir da en-trada em operação da represa. O notável é que, segun-do a figura 3.4, esses depósitos se estendem muito mais acima de Abunã. Ou seja, os efeitos do reservatório de Jirau estendem-se muito além do previsto nos estudos de viabilidade e, inclusive, que o reservatório estende-se até o trecho bi-nacional. Sob esses conceitos seria razoável calcular uma nova superfície do reservatório Jirau, que seria mais realista que o dado da tabela 1.2. Lamentavel-mente, não se dispõe da topografia do setor entre Abunã e Guayaramerín. Os planos topográficos que formam parte dos estudos de viabilidade só chegam até Abunã. A tabela 3.9 mostra as cotas de talvegue (ou talweg) para o mesmo caso 2-87-C. O talvegue é a linha que une os pontos mais profundos do leito do rio. Esta tabela mostra as mudanças de talvegue e de nível de água NA durante os 50 anos de simulação. Como se mencionou acima, os autores do EIA afirmaram que o aumento do nível do leito do rio e da superfície de água deve-se a vários fatores, o mais importante dos quais é a construção das represas. O segundo fator em im-portância seria um processo de sedimentação natural. “Os resultados das simulações indicam que existe uma tendên-

Condição Crítica - Simulação durante 50 anos - Caso 2-87 - após a construção dos dois aproveitamentos ( Jirau Na El.87,00m)Perfil de linha de água correspondente à vazão média do mês de dezembro (17.000 M3/s)

Fonte: Estudos de Impacto Ambiental, Rio Madeira, 2004

Leito Atual Leito Após 50 Anos Nível d’Água Atual Nível d’Água Após 50 Anos

110

100

90

80

70

60

50

40

30

200 50 100 150 200 250 300 350 400 450

Distância a São Carlos (km)

Alt

itu

de

(m)

Seção Local

0 São Carlos

75 Porto Velho

88 Cachoeira Santo Antônio

98 Cachoeira Teotônio

128 Cachoeira Morrinho

145-190 Ilhas

210 Cachoeira do Jirau

256 Cachoeira Três Irmãos

286 Cachoeira do Paredão

309 Cachoeira do Pederneira

329 Rio Abunã

372 Cachoeira das Araras

Page 81: Aguas Turvas

81

PRÓXIMO À CACHOEIRA DE RIBEIRÃO DEVE OCORRER O MAIOR AUMENTO DE NÍVEL DE ÁGUA (6 M EM 50 ANOS): COMPLETAMENTE DENTRO DO TRECHO BI-NACIONAL

GLE

NN

SW

ITKE

S

cia natural à sedimentação em alguns trechos localizados ao longo do trecho de estudo. O primeiro desses trechos começa abaixo da cachoeira de Ribeirão (seção 396 ) e se prolonga até abaixo da cachoeira de Paredão (seção 272). Outro trecho com tendência natural à sedimentação se si-tua imediatamente abaixo da cachoeira de Jirau (seções 207 a 166), em uma extensão de 30 a 40 km”.

Para mostrar a influência da sedimentação natural, a figura 3.5 mostra os resultados da simulação em condições naturais para a condição estável e a figura 3.6 para um crescimento anual de 2% na produção de sedimentos. As duas figuras evidenciam que haveria uma elevação do leito nos trechos I e II ainda se não se construíssem as represas, apesar de que seria de menor dimensão que com os reservatórios.

Que porcentagem da sedimentação no trecho de estudo seria atribuída à sedimentação natural e que porcenta-gem às represas? As tabelas 3.10 e 3.11 proporcionam uma resposta preliminar. No trecho I, a represa de Jirau incrementa a sedimentação em 12% em ambos os ca-sos. No trecho II, essa represa aumenta a sedimentação em 42% em ambos os casos. No trecho III, Jirau tem um efeito leve e Santo Antônio um efeito grande sobre a sedimentação, o que era de se esperar. No trecho IV, abaixo de Santo Antônio, a sedimentação não é possível. Segundo os autores, “não se observou tendência à ero-são no trecho IV, causada pela retenção de sedimentos nos reservatórios. Deve considerar-se que o modelo não representa este trecho com a mesma precisão que repre-senta os trechos II e III”.

Page 82: Aguas Turvas

82

Período 0 anos 5 anos 10 anos 20 anos 50 anos

Seção Talvegue NA Talvegue NA Talvegue NA Talvegue NA Talvegue NA

431 81,05 101,78 81,05 101,81 81,05 101,86 81,05 102,07 81,05 103,38

423 78,15 100,18 78,15 100,23 78,15 100,31 78,15 100,67 78,16 102,52

415 76,35 99,10 76,35 99,16 76,35 99,27 76,35 99,73 76,59 101,93

405 76,65 95,85 76,66 96,07 76,66 96,39 76,66 97,55 76,66 100,93

398 68,24 94,77 68,25 95,05 68,25 95,46 68,25 96,58 72,98 100,30

396 68,95 94,72 69,43 95,00 70,12 95,41 73,71 96,49 80,26 100,12

375 70,65 93,84 70,65 94,14 70,66 94,56 70,70 95,50 74,43 98,63

372 73,85 93,72 73,86 94,02 73,91 94,45 75,49 95,38 81,59 98,39

369 72,94 93,61 73,11 93,92 73,16 94,35 74,37 95,27 77,63 98,24

359 67,15 93,27 67,32 93,58 67,26 94,02 67,58 94,94 74,24 97,66

349 58,86 93,03 60,94 93,31 61,55 93,75 63,54 94,64 68,78 97,16

338 61,97 92,81 66,56 92,92 66,66 93,38 66,70 94,27 71,13 96,64

329 38,98 92,74 46,07 92,77 53,11 93,06 53,37 93,99 59,64 96,15

327 49,07 92,70 50,80 92,74 57,18 92,99 58,29 93,91 60,56 96,15

320 71,96 92,58 71,96 92,61 73,79 92,74 75,09 93,64 79,87 95,71

315 54,62 92,42 54,92 92,44 58,45 92,49 62,38 93,33 67,23 95,32

309 53,95 92,36 55,25 92,37 57,65 92,39 65,65 93,01 70,86 94,86

306 59,01 92,32 59,01 92,33 59,13 92,35 64,30 92,92 70,66 94,62

301 50,26 92,21 50,68 92,21 51,49 92,23 61,13 92,49 61,25 94,29

292 60,47 92,10 61,02 92,10 61,64 92,10 67,27 92,12 79,13 93,46

286 37,09 92,07 37,09 92,07 37,09 92,07 38,29 92,07 49,43 93,13

283 51,24 91,99 51,24 91,99 51,24 91,99 51,24 91,99 65,21 92,67

279 54,80 91,94 54,80 91,94 54,80 91,94 54,80 91,94 63,05 92,50

272 53,68 91,57 53,68 91,57 53,68 91,57 53,68 91,57 53,98 91,92

267 63,95 91,12 63,95 91,13 63,95 91,13 63,95 91,13 63,95 91,49

258 53,37 90,35 53,37 90,35 53,37 90,35 53,37 90,35 53,64 90,74

256 58,37 90,25 58,37 90,25 58,37 90,25 58,37 90,25 63,33 90,59

255 55,05 90,18 55,05 90,19 55,05 90,19 55,05 90,19 57,74 90,49

253 56,57 90,06 56,57 90,06 56,57 90,06 56,57 90,06 61,26 90,28

Tabela 3.9: evolução do trecho de estudo para o caso 2-87-cCondição Crítica – evolução do trecho em estudo durante 50 anosCaso 2-87-c – após a construção dos dois aproveitamentos – AHE Jirau na el. 87,00 M

Fonte: Estudos de Impacto Ambiental, Rio Madeira, 2004

Page 83: Aguas Turvas

83

Período 0 anos 5 anos 10 anos 20 anos 50 anos

Seção Talvegue NA Talvegue NA Talvegue NA Talvegue NA Talvegue NA

243 59,95 89,63 59,95 89,63 59,95 89,63 59,95 89,63 60,45 89,65

228 59,95 88,78 59,95 88,78 59,95 88,78 59,95 88,78 59,95 88,78

211 59,95 86,99 61,97 87,24 59,95 87,24 59,95 87,24 59,96 87,24

210 61,97 88,78 59,95 86,99 61,97 86,99 61,97 86,99 61,97 86,99

207 33,56 73,09 33,56 73,10 33,56 73,10 33,56 73,10 36,55 74,41

200 40,63 72,82 40,63 72,83 40,63 72,83 40,63 72,83 45,88 73,99

195 38,37 72,73 38,37 72,73 38,37 72,73 38,37 72,73 46,53 73,72

190 49,59 72,63 49,59 72,63 49,59 72,63 49,59 72,63 54,19 73,44

184 50,23 72,44 50,23 72,45 50,23 72,45 50,23 72,45 53,99 73,05

172 45,05 72,09 45,05 72,09 45,05 72,09 45,05 72,09 48,45 72,39

166 51,85 71,94 51,85 71,94 51,85 71,94 51,85 71,94 53,22 72,19

158 36,58 71,71 36,58 71,72 36,58 71,72 36,58 71,72 38,27 71,91

151 51,97 71,59 51,97 71,59 51,97 71,59 51,97 71,59 53,89 71,73

145 51,97 71,38 51,97 71,39 51,97 71,39 51,97 71,39 51,97 71,52

139 51,97 71,15 51,97 71,16 51,97 71,16 51,97 71,16 51,99 71,30

128 51,97 70,86 51,97 70,86 51,97 70,86 51,97 70,87 52,03 71,02

120 50,96 70,58 50,96 70,59 50,96 70,59 50,96 70,59 50,96 70,75

110 50,96 70,25 50,96 70,25 50,96 70,26 50,96 70,26 50,97 70,44

105 50,96 70,21 51,03 70,22 51,04 70,22 51,07 70,22 53,82 70,37

98 51,97 70,11 52,08 70,11 52,09 70,11 52,12 70,11 52,37 70,24

96 42,98 70,13 43,07 70,13 43,08 70,13 43,24 70,13 54,15 70,22

88 39,96 70,10 40,16 70,10 40,33 70,10 40,79 70,10 48,19 70,10

81 24,99 53,47 24,99 53,47 24,99 53,47 24,99 53,47 24,99 53,48

75 25,48 53,07 25,48 53,07 25,48 53,07 25,48 53,07 25,48 53,08

63 25,55 52,33 25,55 52,33 25,55 52,33 25,55 52,33 25,55 52,34

42 31,70 51,22 31,70 51,22 31,70 51,22 31,70 51,22 31,70 51,23

26 29,78 50,38 29,78 50,37 29,78 50,37 29,78 50,37 29,78 50,39

0 26,06 49,12 26,06 49,12 26,06 49,12 26,06 49,12 26,06 49,14

continuação da Tabela 3.9: evolução do trecho de estudo para o caso 2-87-c

Condição Crítica – Evolução do trecho em estudo durante 50 anosCaso 2-87-C – após a construção dos dois aproveitamentos – AHE Jirau na El. 87,00 m

Fonte: Estudos de Impacto Ambiental, Rio Madeira, 2004

Page 84: Aguas Turvas

84

Figura 3.6: perfil do leito e da linha de água, sem reservatório e condição crítica

Fonte: Estudos de Impacto Ambiental, Rio Madeira, 2004

Leito Atual Leito Após 50 Anos Nível d’Água Atual Nível d’Água Após 50 Anos

110

100

90

80

70

60

50

40

30

200 50 100 150 200 250 300 350 400 450

Distância a São Carlos (km)

Alt

itu

de

(m)

Seção Local

0 São Carlos

75 Porto Velho

88 Cachoeira Santo Antônio

98 Cachoeira Teotônio

128 Cachoeira Morrinho

145-190 Ilhas

210 Cachoeira do Jirau

256 Cachoeira Três Irmãos

286 Cachoeira do Paredão

309 Cachoeira do Pederneira

329 Rio Abunã

372 Cachoeira das Araras

Condição Crítica - Simulação do Trecho em Estudos Durante 50 anos - Caso 0 - (Condições Naturais)Perfil de Linha de Água Correspondente à Vazão Média do Mês de Dezembro (17.000 m3/s)

Simulação do Trecho em Estudo Durante 50 anos – Caso 0 – (Condições Naturais)Perfil de Linha de Água Correspondente à Vazão Média do Mês de Dezembro (17.000 m3/s)

Figura 3.5: perfil do leito e da linha de água, sem represas e condição estável

Fonte: Estudos de Impacto Ambiental, Rio Madeira, 2004

Leito Atual Leito Após 50 Anos Nível d’Água Atual Nível d’Água Após 50 Anos

110

100

90

80

70

60

50

40

30

200 50 100 150 200 250 300 350 400 450

Distância a São Carlos (km)

Alt

itu

de

(m)

Seção Local

0 São Carlos

75 Porto Velho

88 Cachoeira Santo Antônio

98 Cachoeira Teotônio

128 Cachoeira Morrinho

145-190 Ilhas

210 Cachoeira do Jirau

256 Cachoeira Três Irmãos

286 Cachoeira do Paredão

309 Cachoeira do Pederneira

329 Rio Abunã

372 Cachoeira das Araras

Page 85: Aguas Turvas

85

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

“A figura 3.6 do capítulo apresenta um aumento da erosão/transporte na bacia do período 1978-1990 para o período 1991-2004. Possivelmente, a diferença das declividades das curvas é muito maior, se conside-rarmos que os dados coletados por Furnas estiverem subestimados. Da mesma forma, a figura 3.7 - que apresenta o diagrama de dupla massa de descarga só-lida X descarga líquida - acumulada deve estar falsea-da pelas amostragens, e conseqüentemente o aumen-to de 1,83% ao ano estimado para as taxas de erosão deve ser maior. A modelagem HEC-RAS adotada, por conseqüência, pode estar correta em sua aplicação, mas como baseia-se na curva chave de sedimentos também não deve ser considerada validada. Na medi-da em que o reservatório vai perdendo o volume pelo assoreamento, sua capacidade de retenção tende a zero, em qualquer das hipóteses consideradas, com se-dimentos finos ou grosseiros. Nesse ponto específico, parte da quantidade de troncos depositados nas áreas de remanso não seria carregada para a tomada d’água, podendo constituir depósito de material heterogêneo não previsível nas modelagens (...)”

José Galizia Tundisi e Takako Matsumura-Tundisi

Subestimação de sedimentos e erosão, por metodologia inadequada

Tabela 3.10: capacidade de retenção de sedimento (areia) do rio madeira em 50 Anos de simulação. condição estabilizada (r=0%)

TrechoSem

BarragensCom Santo

AntônioCom Jirau

Com Santo Antônio e

Jirau

I 7% 7% 19% 19%

II 27% 30% 69% 69%

III 6% 75% 12% 86%

IV 0% 0% 0% 0%

Total 40% 84% 78% 93%

Fonte: Estudos de Impacto Ambiental, Rio Madeira, 2004

Tabela 3.11: capacidade de retenção de sedimento (areia) do rio madeira em 50 Anos de simulação. condição crítica (r=2%)

TrechoSem

BarragensCom Santo

AntônioCom Jirau

Com Santo Antônio e

Jirau

I 18% 18% 30% 30%

II 33% 33% 65% 65%

III 21% 79% 21% 89%

IV 0% 0% 0% 0%

Total 57% 88% 80% 97%

Fonte: Estudos de Impacto Ambiental, Rio Madeira, 2004

Page 86: Aguas Turvas

86

Qual seria a percepção pública desses fatores? Seria pos-sível convencer os atingidos pela elevação dos níveis de água e do leito do rio nos trechos I e II de que parte des-sa elevação se deve a um processo natural? A resposta mais provável é não. Para começar, não existem medições que sustentem os resultados da simulação com o modelo. Os autores dos estudos somente podem citar algum depó-sito de areia ou um aumento do tamanho de ilhas fluviais em certos trechos, com base em uma análise puramente qualitativa de imagens de satélites. Somente um programa de monitoramento de vários anos, com medições contínu-as do leito e da seção transversal do Rio Madeira poderia proporcionar provas sólidas de que esse processo de “sedi-mentação natural” existe realmente. Esse monitoramento teria que anteceder à construção das represas. Enquanto isso não acontece, a população ribeirinha, os governos lo-cais e, neste caso, o governo boliviano, podem atribuir à construção das represas a inundação de seu território e todos os demais impactos associados à sedimentação do leito e elevação do nível de água.

Alguns desses impactos serão intensificados pela sedimen-tação. Por exemplo, os impactos sobre a qualidade de água dos afluentes do trecho I, incluindo o Rio Abunã, que não foi considerado nos estudos de viabilidade.

Outro aspecto que se observa nas figuras 3.5 e 3.6 e nas tabelas 3.10 e 3.11 é a forte influência da taxa de cresci-mento da produção de sedimentos. A sedimentação para um crescimento nulo (R=0%) é consideravelmente mais baixa que para um crescimento de 2% anual. Os resulta-dos também estão influenciados pelos modelos utilizados: HEC-RAS no estudo de remanso e HEC-6 no de hidrose-dimentologia. As figuras 3.3 e 3.4 mostram que os níveis de água estimados para o ano 0 não são iguais em ambos os casos. Segundo as tabelas 3.10 e 3.11, entre 93% e 97% da areia que o Rio Madeira transporta seria retida no trecho de estudo durante os 50 anos de simulação. Em compen-sação, praticamente todo o material fino (lodo e argi-la) passaria rio abaixo. No entanto, o EIA estima que a areia representa 12% do sedimento total transporta-do pelo rio, um valor consideravelmente mais alto que o 6% estimado nos estudos de viabilidade (tabela 3.3) A tabela 3.9 mostra que o processo de sedimenta-ção continuará ainda depois de 50 anos. Isto contradiz

os resultados dos estudos de viabilidade (tabelas 3.5 e 3.6), que indicavam que a eficiência de retenção de se-dimento dos dois reservatórios alcançaria um valor de 0 antes dos 50 anos, que assim conservariam indefini-damente certa capacidade de armazenamento. O capítu-lo de sedimentologia não inclui dados explícitos sobre o volume depositado no final dos 50 anos porque não foi possível comparar este aspecto entre os dos estudos. Por outro lado, “o modelo HEC-6 indicou que os depósitos de sedimentos se formarão no trecho superior do reserva-tório de Jirau. Não se espera que os depósitos alcancem a represa em 50 anos, portanto a operação das turbinas não será afetada. A figura 3.4 mostra que o perfil do leito não sofre alterações entre as seções 210 (represa de Jirau) e 243 (7 km abaixo da ilha Três Irmãos). No reservatório de Santo Antônio, espera-se a deposição de sedimentos junto à represa, particularmente no trecho abaixo da cachoeira de Teotônio” (Furnas et al, 2005).

A maior elevação do leito e dos níveis de água ocorreria caso fosse mantido o nível de operação do reservatório de Jirau em uma altitude de 90 m. A figura 3.7 mostra o perfil para este caso. Destaca-se que os níveis nos trechos I e II são somente um pouco mais altos que para um nível de operação de 87 m.

Finalmente, os autores mencionam que deve-se esperar resultados diferentes se as outras represas do Comple-xo Hidrelétrico Madeira, situadas acima de Jirau - a represa bi-nacional de Guajará-Mirim e a de Cachoeira Esperança - forem construídas. A construção destas re-presas reduziria a sedimentação nos reservatórios Jirau e Santo Antônio.

3.4- CONCLUSÕESO estudo hidrosedimentológico que forma parte dos Estu-dos de Impacto Ambiental (Furnas et al, 2005) representa um considerável avanço em relação aos estudos de viabi-lidade. Ele evidencia a grande importância dos sedimen-tos na avaliação dos níveis de água, vida útil, impactos ambientais e até custo de energia gerada, além de não ter se limitado ao trecho Abunã-Santo Antônio, extendendo-se vários quilômetros acima e abaixo. Isto significa uma grande diferença com os estudos de viabilidade, que con-verteram o critério de “não inundação do território boli-viano” em um prejuízo que influenciou os resultados. Até

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87

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

“A diferença de menos de 2 m entre o topo da pilha antecipada de sedimentos e o topo da parede de re-tenção parece muito pequena, dadas as incertezas prováveis no cálculo. Nenhuma indicação do grau de certeza é dada no EIA e nenhum teste de sensibilidade é apresentado. Nada é dito sobre as possíveis conseqüên-cias caso os sedimentos ultrapassem o topo da parede de retenção, que é planejada para a ‘garantia do não assoreamento das tomadas d’água durante o horizon-te do estudo (100 anos).’ “

Philip Fearnside

Omissão sobrepossível prejuízo

para Santo Antônio

nos estudos de impacto ambiental predominou essa visão de uma área de influência limitada ao trecho Abunã-Porto Velho, que ignora a bacia hidrográfica. Desafortunada-mente, o EIA praticamente não considerou os resultados da modelação hidrosedimentológica. Até as limitações mencionadas pelos autores do estudo, como a falta de medições de volume sólido, de dados to-pográficos e as simplificações metodológicas utilizadas na modelação, são uma contribuição ao identificar lacunas e sugerir tarefas futuras. Recomenda-se “uma utilização mais qualitativa dos resultados da modelação, valorizan-do mais as tendências observadas e menos as avaliações quantitativas geradas pelo modelo, de modo a situar cla-ramente o nível de precisão e orientar a busca de dados complementares que permitam o emprego futuro de meto-dologias mais profundas”. Deve considerar-se que os mesmos autores indicam que o estudo hidrosedimentológico corresponde a uma primei-ra etapa, “realizada na base dos dados e levantamentos disponíveis, levados a cabo pelo inventário Hidrelétrico do Rio Madeira e os Estudos de Viabilidade, cujo objetivo era a caracterização hidráulica e sedimentológica geral do trecho de interesse, empregando ferramentas compatíveis com a informação disponível”.

Neste contexto pode-se concluir o seguinte: •ORioMadeiraéoprincipalafluentedoAmazonas,tanto por volume sólido como por volume líquido. É um rio de “águas brancas”, cuja carga de sedimentos e de matérias dissolvidas tem origem predominantemente andina. Estas características o diferenciam dos outros grandes rios amazô-nicos, tanto do ponto de vista hidrológico como biológico.

• A enorme carga de sedimentos transportada peloRio Madeira obriga os processos de sedimentação e ero-são a serem considerados tanto no projeto de engenharia das obras como no estudo de impacto ambiental. Isso não ocorreu com os estudos de viabilidade. •Devidoaosprocessosdesedimentação,otrechodoRio Madeira atingido pelo reservatório de Jirau será con-sideravelmente mais longo que o previsto inicialmente nos estudos de viabilidade e inventário. Contrariamente ao que afirmam estes estudos, o trecho atingido incluirá o setor bi-nacional acima de Abunã.

Page 88: Aguas Turvas

88

Figura 3.7: perfil do leito e da linha de água, para o caso 2-90-c

Condição Crítica - Simulação Durante 50 anos - Caso 2-90 - Após a Construção dos Dois Aproveitamentos (Jirau na El. 90,00m)Perfil De Linha Dágua Correspondente À Vazão Média Do Mês De Dezembro (17.000 m3/s)

Fonte: Estudos de Impacto Ambiental, Rio Madeira, 2004

Leito Atual Leito Após 50 Anos Nível d’Água Atual Nível d’Água Após 50 Anos

110

100

90

80

70

60

50

40

30

200 50 100 150 200 250 300 350 400 450

Distância a São Carlos (km)

Alt

itu

de

(m)

Seção Local

0 São Carlos

75 Porto Velho

88 Cachoeira Santo Antônio

98 Cachoeira Teotônio

128 Cachoeira Morrinho

145-190 Ilhas

210 Cachoeira do Jirau

256 Cachoeira Três Irmãos

286 Cachoeira do Paredão

309 Cachoeira do Pederneira

329 Rio Abunã

372 Cachoeira das Araras

•Oprocessodesedimentaçãoseráespecialmenteativono trecho superior do reservatório de Jirau, onde cabe es-perar que os níveis do leito e de água subam vários metros em relação à situação atual. Uma das conseqüências é que a superfície efetiva do reservatório de Jirau será maior que a calculada nos estudos de viabilidade. Não foi possível calcular o possível aumento da área inundada por falta de dados topográficos do trecho do rio acima de Abunã.

•Noentanto,asedimentaçãoseráumprocessogra-dual que se desenvolverá ao longo de vários anos, o que também é válido para os efeitos sobre o nível de água. É possível que exista o processo de “sedimentação natural” identificado pela modelação hidrosedimentológica, mas as provas desse processo só podem vir de um programa de monitoramento de vários anos de duração, que deveria acontecer antes da construção das represas.

•Aelevaçãodo leito edoníveldeáguaafetaráosafluentes do Rio Madeira no trecho entre as cachoeiras de Ribeirão e Jirau. Deve prestar-se especial atenção ao Rio Abunã, que é o afluente de maior volume. O curso do rio não foi considerado nos estudos de viabilidade e é bi-nacional.

•AoperaçãodoreservatóriodeJiraucomnívelvari-ável aumenta o custo da energia produzida. Como a prin-cipal razão desse tipo de operação foi evitar a inundação do território boliviano, cabe perguntar qual é a alternativa dos proponentes do projeto para neutralizar a elevação do nível de água produzida pela sedimentação. •Oestudodemodelaçãohidrosedimentológica,ain-da que reconhecendo seu caráter preliminar e qualitativo, amplia consideravelmente a área de estudo e proporciona dados que devem ser considerados na avaliação de impac-tos e nas etapas posteriores. Além disso, ajuda a ampliar a visão sobre a área afetada, até agora restrita ao trecho do Rio Madeira entre Abunã e Porto Velho. O tema da sedimentação causada pelas represas deixa várias interrogações e tarefas ao futuro. Os mesmos au-tores do estudo hidrosedimentológico propõem uma se-gunda etapa de levantamentos topobatimétricos e perfis longitudinais, assim como medições de descarga líquida e sólida, incluindo medições de descarga sólida em alguns afluentes importantes, como é o caso do Rio Abunã e dos rios Mutum-Paraná e Jaci-Paraná. Posteriormente, uma

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89

terceira etapa deveria caracterizar os processos fluviais de maneira mais precisa, empregando um modelo hidrodinâ-mico acoplado ao modelo de transporte de sedimento, a serem desenvolvidos com base nos dados recoletados. É, portanto, necessário que os resultados obtidos até agora sejam efetivamente incorporados aos estudos de viabilidade e aos de impacto ambiental porque está cla-ro que a viabilidade econômica e ambiental dos empre-endimentos está em risco.

AGRADECIMENTOSA Glenn Switkes, da International Rivers, que obteve e disponibilizou as informações sobre os estudos de viabi-lidade e impacto ambiental, que serviram de base para a presente análise. Agradeço também por todo o seu apoio e por ter me brindado com a oportunidade de conhecer a linda região do Rio Madeira. À Patricia Molina, do Foro Boliviano de Medio Ambiente y Desarrollo (Fobomade), que despertou meu interesse pelo projeto.

REFERÊNCIAS Angulo, G., Al Mar por las Hidrovías de la Integración Sudamericana.

Guyot, J.L., Quintanilla, J., Cortés, J & Filizola, N. 1995. Les flux de matières dissoutes et particulaires des Andes de Bolivie vers le río Madeira en Amazonie Brésilienne. En Memorias del Seminario Internacional de Aguas Glaciares y Cambios climáticos en los Andes Tropicales. Projetos e Consultorias de Engenharia (PCE), Furnas Centrais Elétricas SA e Construtora Norberto Odebrecht SA (CNO), 2002. Inventário Hidrelétrico do Rio Madeira, trecho Porto Velho – Abunã, relatório final. Novembro 2002, Brasil. PCE, Furnas, Odebrecht, 2004. Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, Estudos de Viabilidade do AHE Jirau. Novembro 2004, Brasil. PCE, Furnas, Odebrecht, 2004. Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, Estudos de Viabilidade do AHE Santo Antônio.Novembro 2004, Brasil.

Page 90: Aguas Turvas

90

I – INTRODUÇÃO

Esta informação técnica tem como objetivo o atendimen-to dos despachos exarados às folhas 1553, 1554 e 1555 do processo nº 02001.003771/2003-25 respectivamente pelo Diretor de Licenciamento Ambiental, pelo Coor-denador Geral de Infra-Estrutura de Energia Elétrica e pela Coordenadora de Energia Hidrelétrica e Transposi-ções objetivamente quanto à solicitação de elaboração de quesitos a serem submetidos à empresa proponente e especialistas contratados.

A questão sedimentológica do rio Madeira é de extrema relevância ao ambiente e aos empreendimentos propos-tos. Trata-se de tema de tamanha especificidade principal-mente quanto à elaboração de prognósticos dos efeitos e impactos que os sedimentos causarão nas hidroelétricas e estas ao meio ambiente.

O consultor PNUD, Carlos Eduardo Morelli Tucci, especia-lista de notório saber em questões hidrológicas contratado pelo IBAMA, em reuniões técnicas realizadas neste Ins-tituto expôs a problemática e dificuldade de contratação de especialista com capacidade de realizar prognóstico quanto às questões hidrosedimentológicas e aponta em seu parecer “Análise dos Estudos Ambientais dos Empre-endimentos do Rio Madeira” a seguinte consideração:“Considerando que a magnitude dos empreendimentos hi-drelétricos do rio Madeira, que envolvem investimentos superiores a R$ 20 bilhões e um dos principais fatores de risco ambiental e funcionalidade operacional é a gestão dos sedimentos, onde existem importantes incertezas de estimativas, é recomendável que seja criado um painel de especialistas mundiais para que se tenha certeza que o melhor conhecimento existente esta sendo utilizado, além de dar maior independência quanto aos potenciais ques-tionamentos internacionais sobre a influência do empreen-dimento no território boliviano e aos impactos ambientais sobre um importante rio da Amazônia”.

Portanto é de fundamental importância para efetivamente contribuir com o processo que seja contratado especialista de notório saber com conhecimento e experiência compro-vada em questões sedimentológicas relacionadas a hidro-elétricas e rios com descarga sólida semelhantes ao do rio Madeira, especialmente quanto à elaboração de prognósti-cos e medidas de prevenção e gestão de sedimentos.

baixo, publicamos - literalmente - trechos do Pare-cer Técnico realizado pela equipe do Ibama sobre a questão sedimentológica no Complexo Hidrelétrico

do Rio Madeira. A constatação da necessidade de realizar avaliações mais consistentes sobre o projeto acabou sendo ignorada pelo próprio órgão responsável pela emissão da li-cença ambiental. Do mesmo modo, foram ignoradas a maio-ria das perguntas feitas pela equipe, transcritas abaixo.

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE

INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTEE DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS

INFORMAÇÃO TÉCNICA nº 17/2007- COHID/CGENE/DILIC/IBAMA

Brasília, 12 de Abril de 2007. A: Coordenadora de Energia Hidrelétrica e Transposições Moara Menta Giasson Assunto: Aproveitamentos Hidroelétricos Santo Antônio e Jirau – Rio Madeira Processo nº: 02001.003771/2003-25

A

PERGUNTAS NUNCA RESPONDIDASSEDIMENTOS

Page 91: Aguas Turvas

91

Conforme análise específica dos Aproveitamentos Hidroelé-tricos (AHEs) do Madeira apresentou-se uma lacuna de diag-nóstico quanto ao meio físico destacada na seguinte ordem:

I. Montante dos AHEs Santo Antônio e Jirau: 1. Qual a importância de considerar nos estudos das hidro-elétricas a bacia hidrográfica como um todo, e especial-mente as unidades morfoestruturais que mais produzem e retêm sedimentos, Andes e planície de montante (Llanos)?

2. Em que sentido a avaliação da bacia hidrográfica como um todo poderia agregar informações relevantes ao diag-nóstico do EIA podendo afetar a decisão sobre a viabilida-de ambiental dos AHEs Santo Antônio e Jirau?

3. A área de influência dos AHEs se caracteriza somente sobre o efeito do projeto sobre a bacia ou é importante

também identificar a influência da bacia sobre o projeto?

4. Qual a importância de conhecer, nas áreas de montan-te dos AHEs, a hidrometeorologia, fenômenos associa-dos como La Nina e sedimentologia para o planejamento dos empreendimentos?

5. Quais impactos podem ser causados nos e pelos AHEs propostos na ocorrência de elevadas chuvas instantâne-as, de rápido crescimento do nível d’água, onde a relação (Transporte de sedimentos / Vazão) pode ser totalmente alterada e exponencialmente aumentada? Quais medidas mitigadoras preventivas podem ser adotadas?

II. Área dos Reservatórios 6. Qual é a área de abrangência da inundação de uma hidroelétrica?

O RIO MADEIRA ARRASTA TRONCOS DE ÁRVORES INTEIRAS: POSSIBILIDADE DE GRANDE ACÚMULO DE SEDIMENTOS É PREOCUPANTE

GLE

NN

SW

ITKE

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Page 92: Aguas Turvas

92

6.1. Em relação aos aspectos físicos, quais critérios técnicos podem ser utilizados como subsídio a determinação da ex-tensão (longitudinal) de um reservatório bem como deter-minação do trecho do rio a montante de uma hidrelétrica que é afetado ou impactado por ela?

6.2. Solicita-se tecer considerações embasadas tecnica-mente sobre as seguintes propostas para determinação da extensão longitudinal de reservatórios e trecho do rio afe-tado por uma usina hidrelétrica:

6.2.1. Relacionar, para um mesmo período de estiagem, como por exemplo a vazão mínima média anual, o perfil da linha d’água natural com o perfil da linha d’água com barragem na sua cota máxima normal de operação, sendo este o ponto de extensão do reservatório. 6.2.2. Relacionar a cota máxima normal de operação de uma hidrelétrica com o perfil do leito do rio até que os valores se igualem, sendo este o ponto do rio diretamente afetado pela usina. 6.3. Quais critérios técnicos podem ser utilizados como sub-sídio a determinação da abrangência da inundação, ou seja, qual a área diretamente afetada (ADA) transversalmente le-vando-se em consideração toda a extensão do reservatório? 6.4. Elaborar e apresentar uma proposta, na forma de rotei-ro, contendo os procedimentos necessários para a identifi-cação da área de abrangência da inundação.

7. Quais critérios técnicos podem ser utilizados como sub-sídio a determinação da extensão do trecho do rio a jusante de uma hidrelétrica que é afetado ou impactado por ela?

8. Qual perfil da linha d’água deve ser considerado na identificação da abrangência da inundação? Tecer comen-tários com embasamento técnico a respeito do tema consi-derando vazões como máxima cheia média anual, Tempo de Recorrência de 10, 25, 50 e 100 anos, bem como demais considerações pertinentes.

9. Qual é a área de inundação do AHE Jirau, bem como a extensão do remanso, levando em consideração a influên-cia do assoreamento? 10. Em que sentido a regra de operação variável do re-

servatório de Jirau, proposta no EIA, atende as preocupa-ções de mitigação dos impactos ambientais?

11. Com a construção do AHE Jirau haverá impacto a montante da seção “42.3 - Rio Abunã”? Caso haja, quais impactos?

12. Levando em consideração o assoreamento indicado no EIA, para o “Trecho I” dos estudos sedimentológicos e Estação Fluviométrica de Abunã (fronteira com a Bolívia), haverá impactos a na Bolívia e na Vila de Abunã?

13. Quais são os efeitos de remanso esperados no trecho do rio Madeira a montante do rio Abunã, no próprio rio Abunã e na sua foz com o rio Madeira, considerando va-zões pequenas e médias (mínima média anual e mínimas médias mensais) e altas (máxima média anual e TR 10, 25, 50 e 100 anos)?

14. Qual é a área de inundação para o AHE Santo Antônio, bem como a extensão do remanso, levando em considera-ção a influência do assoreamento?

15. No caso da implantação do AHE Santo Antônio ante-ceder a do AHE Jirau, o remanso de Santo Antônio e seu agravamento devido ao assoreamento poderiam afetar a economicidade e vida útil do AHE Jirau?

III – Jusante dos AHEs: 16. Quais os impactos na qualidade da água, morfologia da calha, portos, margens, praias e ilhas do rio podem ser esperados a jusante do AHE Santo Antônio decorrentes da operação prevista?

17. Quais os efeitos decorrentes da variação do fluxo sa-zonal (vazões baixas e vazões altas) e interanual (provo-cados pela retenção dos sedimentos até a estabilização do fluxo, conforme previsto no EIA) dos sedimentos e seus impactos no trecho a jusante, com a implantação do AHE Santo Antônio e do AHE Jirau?

18. Existe retenção zero na Curva de Brune?

19. A Curva de Brune é representativa para o rio Madeira e os AHEs Jirau e Santo Antônio?

20. Segundo o U.S.Bureau of Reclamation (1977) apud

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Mahmood (1987) o método de Brune não deve ser utiliza-do para períodos inferiores a 10 anos, portanto é adequada a sua utilização em períodos anuais?

21. Existirá uma estabilização na retenção dos sedimentos conforme colocado no EIA?

22. Existem elementos técnicos que embasem a hipótese de retenção nula de sedimento nos reservatórios de Santo Antônio e Jirau?

23. Os reservatórios operarão na condição de comportas fechadas em média 8 a 9 meses por ano, portanto nesta condição quais impactos podem ser esperados no reserva-tório e a jusante?

24. Os reservatórios operarão na condição de comportas abertas em média 3 a 4 meses por ano, portanto nesta condição quais impactos podem ser esperados no reserva-tório e a jusante?

IV- Alternativas Tecnológicas e Locacionais 25. O consultor faz análise expedita do potencial de trans-porte de sedimentos relacionado com a velocidade da água em diversas seções utilizando metodologia diferente das utilizadas no EIA e no Brasil. Qual o embasamento técnico e bibliografia que fundamenta o método de cálculo?

26. Qual a confiabilidade da metodologia?

27. Este método pode ser utilizado isoladamente ou deve ser utilizado em conjunto com outros?

28. Os cálculos de transporte e deposição de sedimentos estão inclusos nos modelos computacionais de hidráulica fluvial?

29. A análise foi realizada para o arranjo construtivo do AHE de Santo Antônio apresentado no EIA ou para o ar-ranjo proposto pelo consultor?

30. Qual a cota da tomada d’água considerada na análise elaborada para o MME?

31. Os sedimentos são um risco a economicidade dos AHEs propostos no EIA? E no proposto pelo consultor do MME?

32. A tomada d’água em cotas próximas ao leito do rio pode-

ria ter uma boa relação custo x benefício uma vez que possi-bilitaria a passagem de sedimentos mais próxima ao natural?

33. Discutir a abordagem de prognóstico da dinâmica dos sedimentos no reservatório desenvolvida pelos autores do EIA vis-à-vis o estudo do consultor Dr. Sultan Alan. Qual a abordagem mais adequada para o tipo de análise neces-sária em um estudo de viabilidade e de impacto ambiental para os AHEs Santo Antônio e Jirau?

34. Com relação à dinâmica dos sedimentos no reservató-rio, discutir o resultado das diferentes hipóteses assumidas entre o EIA e as dos estudos do consultor Dr. Sultan Alan particularmente quanto a intensidade e distribuição da de-posição dos sedimentos bem como sua influência sobre a dinâmica dos reservatórios de Santo Antônio e Jirau.

35. O arranjo proposto para os AHEs Santo Antônio e Ji-rau, por ter tomada d’água elevada, assemelha-se à figura (1) reproduzida adiante?

Figura (1) : 36. Quais impactos identificados na figura (1) podem ser esperados para os AHEs Santo Antônio e Jirau?

37. Podem ser esperados depósitos de remanso?

Em relação aos AHEs Santo Antônio e Jirau apresentados no EIA: 38. Realizar comentário e sugestão sobre as possíveis so-luções de engenharia que podem ou devem ser estudadas, visando o controle e gestão preventiva do assoreamento e da vida útil dos aproveitamentos.

39. Realizar comentário e sugestão sobre possíveis alter-nativas de gestão dos sedimentos para os empreendimen-tos propostos no EIA (sediment routing)?

40. Solicita-se, que seja realizada por parte do consultor contratado, uma completa análise técnica sobre os Es-tudos Hidrossedimentológicos dos Aproveitamentos Hi-drelétricos Santo Antônio e Jirau inserido no Estudo de Impacto Ambiental.

Silvia Rodrigues Franco Técnico Especialista

Marcelo Belisário Campos Analista Ambiental

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INTRODUÇÃO

Se por um lado as hidrelétricas têm a vantagem de não serem grandes fontes poluidoras e utilizarem recursos na-turais permanentes ou bastante duráveis, elas, inevitavel-mente geram impactos sobre o meio ambiente e as popula-ções humanas que habitam sua área de influência. Assim sendo, como todas as demais alternativas energéticas im-portantes ao desenvolvimento socioeconômico dos povos, elas também têm seus pontos vulneráveis e precisam ser analisadas criticamente.

Hoje, mais do que nunca, a decisão política de se implan-tar ou não uma hidrelétrica esbarra numa série de proto-colos jurídico-administrativos, bem como na necessidade de análises múltiplas quanto a seus custos e benefícios. Neles, são consideradas prioritariamente as variáveis socioeconômicas, cujos resultados são apreciáveis no cur-to prazo, bem como as variáveis ambientais, de difícil es-timativa e cujos reflexos são projetados em prazos mais longos e que, às vezes, se estendem para além da vida útil do empreendimento.

No caso da Amazônia central, região ainda bem preservada, com rica diversidade biológica e baixa densidade popula-cional, os prejuízos ambientais mais notáveis promovidos pela instalação de hidrelétricas decorrem da formação de reservatórios, com o conseqüente alagamento e morte da floresta, e a partir daí, a instalação de condições altamente variáveis para os organismos aquáticos. Frente a elas, algu-mas espécies desaparecem, enquanto outras se tornam raras e outras prosperam localmente. Por se tratar de um sistema natural que funciona com perfeito sinergismo, tais varia-ções acabam tendo uma relação direta com toda a bacia hidrográfica, com reflexos sobre as demais comunidades de organismos, a pesca e outras atividades humanas.

Especificamente quanto à ictiofauna e à pesca, os princi-pais impactos provocados pelas hidrelétricas estão forte-mente vinculados à interrupção das rotas migratórias, ao desaparecimento de biótopos e às alterações da dinâmica e qualidade da água.

Estudos desenvolvidos por Santos (1999) mostram que hou-ve uma redução na riqueza de espécies e captura por uni-dade de esforço nas áreas à jusante das hidrelétricas de Tu-curuí e Samuel, logo após a formação de seus reservatórios.

este trabalho é feita uma análise das condições ambientais, comunidades de peixes e pesca na área de influência das futuras hidrelétricas de Ji-

rau e Santo Antônio, ambas no Rio Madeira, e sua con-frontação com cenários futuros. Tal análise é baseada nos Estudos de Impacto Ambiental (EIAs), desenvolvidos pelas empresas Furnas Centrais Elétricas, Construtora Norberto Odebrecht e Leme Engenharia, bem como em observa-ções e dados obtidos pelo autor em estudos nas principais hidrelétricas da Amazônia brasileira. Partindo-se disso, são traçadas conjecturas sobre possíveis impactos que devem ocorrer na área, com referência ao ambiente aquá-tico, bem como comentários sobre medidas mitigadoras e proposta para reparação de danos. Assim, o objetivo do trabalho é submeter tais conjecturas às refutações cientí-ficas e confrontá-las com as evidências ou fatos que de-verão ocorrer, caso estas hidrelétricas venham realmente a ser construídas. Além disso, servir de orientação para análises e estudos complementares, planos de manejo ou qualquer outra iniciativa voltada para o conhecimento e a preservação do ambiente aquático, a ictiofauna e os recursos pesqueiros da região.

PESCA E ICTIOFAUNA NO RIO MADEIRApor Geraldo Mendes dos Santos

NAPRESENTAÇÃO

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As espécies migradoras praticamente desapareceram abaixo de Tucuruí. O autor também confirmou nestas áreas um aumento na abundância de espécies piscívoras e decrésci-mo das frugívoras e detritívoras. Estas últimas, no entanto, continuaram abundantes na parte superior do reservatório.

Ribeiro et. al. (1995), estudando as comunidades de peixes em Tucuruí, também argumentam que a composição das co-munidades de peixes esteve muito instável na área da hidre-létrica de Balbina até cerca de três anos após sua instalação.

Devido ao fato de que várias espécies de peixes ama-zônicos são migradoras, muitas delas deslocando-se por extensas distâncias ao longo do canal dos gran-des rios, certamente as barragens das hidrelétricas são obstáculos para as mesmas, conforme evidências apre-sentadas por Barthem et al. (1991), Carvalho & Mero-

na (1986), Santos (1995), Santos & Merona (1996).

Por outro lado, a intercepção do rio também beneficia o desenvolvimento de muitas espécies, como ocorreu, por exemplo, com o mapará (Hypophthalmus edentatus), o tucunaré (Cichla monoculus) e a pescada (Plagioscion squamossisimus), em Tucuruí, no Rio Tocantins; o aracu (Schizodon fasciatus), o tucunaré e a piranha-preta (Serra-salmus rhombeus), na UHE Samuel, no Rio Jamari; e estas duas últimas na UHE Balbina, no Rio Uatumã - Santos, (1995), Santos & Merona (1996), Santos & Oliveira (1999).

Alguns desses impactos servem como parâmetro de comparação ou indicativo do que pode ocorrer no Rio Madeira, mesmo levando-se em consideração as par-ticularidades deste rio e também das hidrelétricas que nele serão implantadas.

AS HIDRELÉTRICAS INTERROMPEM AS ROTAS MIGRATÓRIAS DOS PEIXES: AMEAÇA À PIRACEMA - ESSENCIAL PARA A PRESERVAÇÃO DAS ESPÉCIES

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Assim, mesmo diante da argumentação de que tais hidre-létricas são dotadas de inovações tecnológicas, deman-dando um reservatório muito menor em relação às que foram construídas no passado, e que, portanto, será um empreendimento altamente eficiente e pouco impactante, é inegável que ele também causará consideráveis altera-ções no ambiente, especialmente na vida dos peixes e, por extensão, na atividade pesqueira. Outra importante singularidade das hidrelétricas do Rio Madeira é que elas são as primeiras na Amazônia a se-rem construídas num rio de água branca, caracterizado por elevada carga de nutrientes e materiais em suspensão. Além disso, trata-se de uma hidrelétrica cujo reservatório terá uma grande interface com o trecho superior deste rio e alguns de seus afluentes, em território boliviano.

Assim, é evidente que as expectativas quanto à estrutura e funcionamento destas hidrelétricas sejam grandes, como também são grandes os cuidados que elas inspiram com as questões ambientais, especialmente os peixes, que são um dos elementos mais destacados neste cenário.

O objetivo do presente trabalho insere-se neste contexto, visando a uma análise prospectiva, isto é, à formulação de conjecturas sobre o que deverá ocorrer com a ictiofauna e a pesca da área, afetadas direta e indiretamente pelas hidrelétricas do Rio Madeira. Em escala mais abrangente, espera-se que esta análise possa contribuir para uma visão mais ampla da ictiofauna, dos recursos pesqueiros e da importância estratégica deste rio para o Brasil e para os países vizinhos.

Por se tratar de análise baseada em dados secundários e de realidade que se projeta num futuro distante, o tra-balho não tem caráter científico, nos moldes tradicionais em que isso é feito, mas espera cumprir uma das funções básicas da Ciência, que é submeter conjecturas a refuta-ções. Espera-se, com isso, que os prognósticos apresenta-dos possam ser confrontados com evidências e fatos reais futuros. Além disso, que as idéias expostas possam servir de alerta e orientação aos gestores e tomadores de decisão, nessa tarefa desafiadora que é transformar as cachoeiras de Porto Velho em fonte produtora de energia elétrica, sem descuidar de sua natural função de centro produtor de pescado, comércio e lazer dos povos que habitam seu entorno e além dele.

METODOLOGIA

A presente análise é feita com base em estudos e obser-vação pessoal do autor sobre comunidades de peixes nas hidrelétricas de Samuel, Tucuruí e Balbina, bem como nos Estudos de Impacto Ambiental (EIAs), desenvolvidos por vários pesquisadores, sob patrocínio das empresas Furnas Centrais Elétricas, Norberto Odebrecht e Engenharia Leme (Furnas, 2005, vol.1).

Embora esse conjunto de estudos trate de numerosos temas ambientais, tais como geomorfologia, limnolo-gia, socioeconomia, além de vários elementos da fauna e flora, dentre outros, a presente análise foca apenas os aspectos relativos à pesca e à ictiofauna, conforme tratado nos Tomos B (vol. 5 de 8) e C (vol.1/1) do re-ferido EIA.

Por se tratar de uma análise prospectiva, as considerações aqui feitas fundamentam-se nos seguintes princípios ecológicos:

- Quanto maior a diversidade de condições ambientais, maior o número de espécies que a utilizam; - Quanto mais as condições impostas ao ambiente desviam-no de sua situação normal, menor o número de espécies e maior a biomassa daquelas que continuam existindo;

- Quanto mais tempo uma localidade permanece nas mes-mas condições, mais rica sua comunidade biológica, sendo que o inverso também é verdadeiro;

- Nos ambientes estáveis, há normalmente um equilíbrio entre as taxas de produção e consumo; enquanto nos am-bientes instáveis, ao contrário, há o predomínio de uma ou outra situação, e nenhuma é duradoura;

- Em termos de processo de colonização, o reserva-tório é o equivalente aquático de uma ilha. Assim, o crescimento das populações de organismos segue os modelos “k” e “r”: os primeiros têm maior capacida-de de manter suas populações em condições compe-titivas no longo prazo, enquanto os segundos tendem a incrementar suas populações rapidamente. Ecossis-temas novos, como os reservatórios, são colonizados num primeiro momento por “r” e, em seguida, por “k” estrategistas.

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- Durante seu desenvolvimento, o reservatório passa por três fases ecológicas distintas:

a- Inicial ou de alta produção biológica, propiciada pelas novas fontes de alimentação e abrigo que são co-locadas à disposição das comunidades de organismos no ambiente represado. Tais fontes residem na vegetação que foi alagada, especialmente matas e capoeiras. Apesar das grandes vantagens competitivas oferecidas, o novo am-biente represado também representa grande ameaça às po-pulações aquáticas, uma vez que a grande quantidade de matéria orgânica à disposição do ecossistema pode levar a uma grande demanda bioquímica e, com ela, à exaustão do oxigênio. Como decorrência disso, pode haver uma rá-pida e vultosa mortandade de peixes e outros organismos com respiração aquática;

b- Intermediária ou de baixa produção biológica. Cor-responde a uma depleção trófica, em que as fontes ali-mentares e de abrigo patrocinadas pela área afetada se exaurem ou se tornam indisponíveis pela cobertura com areia e silte, no fundo do reservatório;

c- Final ou de equilíbrio. Corresponde a uma situa-ção em que as flutuações dos parâmetros biológicos de produção excedem pouco ou se igualam àquelas de lagos naturais, com características similares e localizadas nas mesmas altitudes e latitudes. Trata-se de uma fase de esta-bilidade. Nela, as principais fontes de alimento originam-se da dinâmica do próprio reservatório e onde o plâncton desempenha papel fundamental, quer na região pelágica, quando ainda vivos, quer no fundo, formando a película bêntica, quando mortos. A duração desta fase é bastante variável, em torno de cinco a vinte anos, dependendo dos fatores levados em consideração.

Além disso, quanto aos aspectos estruturais e ecológicos, a área sob influência de um reservatório é constituída de três segmentos ou áreas distintas: jusante, montante e montante-de-montante. Evidentemente, o marco divisó-rio destes são as próprias barragens, estando a primeira situada abaixo do reservatório da AHE Santo Antônio e a segunda abaixo do reservatório de Jirau.

Nesse sentido, tendo em vista os aspectos e parâmetros acima delineados, postulam-se a seguir algumas con-jecturas a respeito de impactos prováveis nas condições

ambientais, nas comunidades de peixes e na pesca, de-correntes da implantação das hidrelétricas Santo Antô-nio e Jirau, no estado de Rondônia.

O RIO MADEIRA E AS HIDRELéTRICASO Madeira é um rio tripartite, que drena porções dos ter-ritórios do Brasil (50%), da Bolívia (40%) e do Peru (10%). Ele é um dos cinco rios mais caudalosos do mundo, sendo responsável por cerca de 23% da área de drenagem e 15% da descarga líquida total da Bacia Amazônica (Martinelli et al., 1989, Furnas, 2005).

A flutuação média anual de suas águas, na região de Porto Velho, oscila na faixa de 10,8 a 12,4 m (Furnas, 2005). Em termos comparativos, o Rio Madeira possui aproxima-damente um terço da descarga líquida do Rio Solimões, entretanto, possui um aporte de sedimentos em suspensão da mesma ordem deste rio.

O programa brasileiro de aproveitamento hidrelétrico (AHE) do alto Rio Madeira prevê a construção de duas hidrelétricas relativamente próximas entre si, ambas situa-das no denominado “trecho das cachoeiras acima da cida-de de Porto Velho”: Santo Antônio e Jirau. De acordo com informações das empresas proponentes (Furnas, 2005, vol. 1 e vol. s/n: modelagem matemática), essas hidrelétricas apresentam as seguintes características gerais:

O AHE Santo Antônio deverá ser construído a 10 km aci-ma da cidade de Porto Velho, na cachoeira de mesmo nome e em um sítio inicial do povoamento desta cidade. O local é marcado pela presença de corredeiras, desde a região próxima à montante da ilha da Antena até a jusan-te da Ilha Solitária, com extensão aproximada de 600 m. Nele, existem diversas ilhas, constituídas de afloramentos rochosos, destacando-se, por sua área e elevação, a Ilha do Presídio. A vazão do rio neste local varia de 6.300 a 38.000m3/s.

O reservatório a ser formado terá extensão máxima de 126 km e área de 271 km²; destes, 164 km² (60,5%) correspon-dem à inundação natural das cheias e o restante (107 km² ou 39,5%,) à inundação artificial. O nível máximo de água será de 72 m e mínimo de 70 m, sendo o nível normal à jusante de 55,3 m, com queda bruta de 14 m. A barragem terá altura de 60 m e a potência instalada será de 3.150 MW, correspondendo a 0,086 o coeficiente entre a área inunda-

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da e a potência da usina. Seu índice de desenvolvimento de margens é de 13,7, um dos mais elevados dentre os rios brasileiros. Em parte, isso reflete a influência de numerosos, mas pequenos afluentes remansados, além da própria forma alongada do reservatório.

Planeja-se construir o AHE Jirau na cachoeira de mesmo nome, a 136 km acima de Porto Velho e, portanto, 126 km acima da cachoeira de Santo Antônio. O desnível do Madeira, neste trecho, varia de 7 a 9 metros, e a vazão, de 5.600 a 33.600m3/s.

O reservatório a ser formado terá extensão máxima de 128 km e área de 258 km2; destes, 136 km² (52,7%) correspon-dem à inundação natural das cheias e o restante (122 km2 ou 47,3%,) à inundação artificial. O nível máximo de água será de 90 m e o mínimo de 82,5 m, sendo o nível normal à jusante de 74,2 m, com queda bruta de 16,6 m.

A barragem terá altura de 44 m e a potência instalada será de 3.300 MW, sendo de 0,008 o coeficiente entre a área inundada e a potência da usina. Na cota máxima, este reservatório terá comprimento aproximado de 108 km e largura de 2,4 km. O índice de desenvolvimento de suas margens será de 11,5, também bastante elevado em relação a outros rios brasileiros represados e reflete a influência relativamente grande de reentrâncias que ocorrem, particularmente na margem direita, mais aci-dentada. Este alto índice sugere, ainda, a existência de bolsões que deverão conter água com qualidade inferior à do corpo do reservatório.

Os reservatórios das duas hidrelétricas serão pratica-mente contíguos, separados apenas pela barragem entre ambos (Jirau). Assim, devido à proximidade, espera-se que as taxas de assoreamento e deposição das partí-culas sólidas sejam mais elevadas no reservatório do

A INFRA-ESTRUTURA, JÁ DEFICITÁRIA, DE PORTO VELHO SERÁ BASTANTE PRESSIONADA PELOS EFEITOS DA MIGRAÇÃO CAUSADA PELA CONSTRUÇÃO DAS HIDRELÉTRICAS

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AHE Jirau, situado à montante do reservatório de Santo Antônio. Além disso, as partículas maiores e mais pe-sadas ficarão retidas na parte inicial deste reservatório, enquanto as menores e mais leves se concentrarão no pé da barragem.

Ambos os reservatórios operarão em cotas próximas ao nível normal do rio, em períodos de cheias máximas. Portanto, seu volume e profundidade deverão aumentar no período de cheias e diminuir no período de estia-gem. O comprimento do reservatório, ao contrário, irá diminuir no período de cheias e aumentar no período de estiagem.

Com relação à disposição das duas hidrelétricas e sua rela-ção com a ictiofauna, o Rio Madeira pode ser dividido em três trechos distintos:

a- Jusante: trecho situado abaixo das duas barragens, com acesso livre ao baixo Rio Madeira;

b- Reservatórios: trechos represados pelas duas barragens: b.1- Reservatório do AHE Santo Antônio: trecho re-lativamente pequeno e circunscrito à área entre as duas barragens. b.2- Reservatório do AHE Jirau: trecho situado acima da sua barragem e com acesso livre às áreas à montante.

c- Montante: trecho relativamente curto, situado aci-ma e contíguo aos dois reservatórios.

d- Montante-de-montante: trecho situado além da montante da AHE Jirau, correspondente ao alto Rio Ma-deira e seus formadores, em território boliviano.

A seguir, tais trechos serão analisados em seus conjun-tos, isto é, jusante, montante, reservatório e montante-de-montante. Para isso, serão levados em consideração, para cada um deles, os aspectos relacionados às condições ambientais, comunidade de peixes e atividade pesqueira. Evidentemente, tanto os trechos como os aspectos acima considerados foram determinados de forma arbitrária, com a intenção de tornar o texto mais didático e as discussões mais focadas em temas específicos. No entanto, por sua própria natureza, esses trechos e seus elementos consti-tuintes mantêm estreita vinculação e atuam em conjunto, de forma dinâmica.

1 - jUSANTE

1.1- condições ambientaisA construção de uma barragem ocasiona mudanças signi-ficativas no ambiente, podendo-se destacar a redução da velocidade da água acima da represa, com o conseqüente aumento da deposição de sedimentos. Com isso, é quebra-do o equilíbrio sedimentológico, com reflexos diretos nas áreas imediatamente à montante e à jusante da barragem e, não raro, em toda a bacia hidrográfica.

A barragem provoca também ruptura na estrutura e re-gime do rio, alterando o ciclo natural de cheia e vazante. A conseqüência mais direta disso é que a água liberada pela barragem carrega uma quantidade menor de sedi-mentos, devido à parcela que ficou retida no reservatório, apresentando por isso uma “sobra” de energia, que acaba provocando erosão à jusante da barragem. Este fato tem outra implicação que é a ocorrência de um regime de seca mais pronunciada à jusante, por causa da maior retenção de água no reservatório à montante. Isso significa dizer que, uma vez represado o rio, passa a haver um déficit de água, o qual repercute não somente no leito represado, mas também no curso inferior de seus tributários. Por seu turno, a maior erosão nas margens do rio pode acarretar prejuízos na fertilidade das águas e na estrutura dos solos, com conseqüências danosas para a pesca e até mesmo para a agricultura praticada às margens do rio. No caso do Rio Madeira, que drena uma extensa área de várzea, com terrenos pouco consolidados, isso pode ser particularmente danoso, já que a maior parte da agricul-tura familiar é desenvolvida sobre eles. A perda da carga de sedimentos neste trecho do Madeira poderá constituir-se também em redução das populações de camarão-de-água-doce (Macrobrachium amazonicum), um crustáceo abundante nesse rio e um elo extremamente importante da cadeia alimentar, sendo um dos itens prin-cipais na alimentação de muitas espécies de peixes e de outros organismos aquáticos.

A instalação de barragem significa também obstáculo fí-sico ao deslocamento dos peixes que tentarão subir ou descer pelo canal do rio represado. Some-se a isso uma redução da qualidade da água que chegará à jusante, pro-veniente das camadas mais profundas do reservatório, na

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qual os níveis de temperatura e oxigênio geralmente estão alterados, podendo causar desequilíbrios na vida dos peixes.

Assim, os impactos na área à jusante do represamento são decorrentes desses três fatores básicos (maior seca, obstá-culo ao deslocamento e baixa qualidade da água). Estes fatores geralmente se desdobram ainda em outros fatores secundários e acabam atuando de maneira simultânea e combinada sobre a fisiologia, comportamento e atividades gerais dos peixes.

1.2- comunidades de peixesOs fatores ambientais decorrentes da instalação da bar-ragem e destacados acima deverão ter efeito decisivo no caso do Madeira, que é um sistema que desempenha duas grandes funções para a vida dos peixes e de outros or-ganismos aquáticos da região: rota migratória pelo canal principal e criadouro nos lagos marginais.

É bem conhecido o fato de que na Amazônia o proces-so reprodutivo dos peixes mantém estreita relação com a variação do nível das águas, sendo que a desova normal-mente se dá no início da enchente. Evidentemente, as es-pécies reprodutoras procuram manter uma sincronia com o ciclo das águas, como forma de obter o máximo sucesso reprodutivo, bem como evitar ou atenuar as taxas de com-petição intra e inter-específica na utilização do espaço e dos recursos disponíveis no sistema.

É evidente que essa sincronia se dá num ritmo apropriado para cada espécie e dentro dos limites naturais do sistema. Mudanças impostas a esse ritmo natural, sobretudo na flu-tuação do nível de água, por menores que sejam, podem influenciar negativamente o sucesso reprodutivo e outras atividades vitais das espécies.

Há de se mencionar também o fato de que os ambientes naturais das corredeiras constituem-se em importantes locais de moradia permanente para muitas espécies, co-mo bagres (família Pimelodidae), bodós (Loricariidae), jacundás (Cichlidae), canivetes (Parodontidae e Chara-cidiinae), bacus (Doradidae) e tuviras (Gymnotiformes). Tais ambientes são também de fundamental importân-cia, por servirem como moradias temporárias de peixes migradores, tais como jaraquis e curimatãs (Prochilo-dontidae), pacus, sardinhas e matrinxãs (Characidae) e aracus (Anostomidae).

Vários estudos têm mostrado que algumas espécies de ba-gres de grande porte e importância comercial, como a pi-ramutaba e a dourada, empreendem migrações reproduti-vas ascendentes, isto é, do estuário em direção às cabecei-ras do sistema Solimões-Amazonas, chegando a percorrer mais de 3.000 km (Goulding, 1979; Ruffino & Barthem, 1996; Barthem & Goulding, 1997; Fabré & Alonso, 1999; Fabré et al., 2000).

Segundo esses autores, as larvas destes bagres, geradas nas cabeceiras dos rios de água branca, como Solimões, Juruá, Purus, Madeira, Içá e Japurá, são carregadas para as zonas próximas ao estuário, onde se alimentam intensa-mente e permanecem por um ou mais anos, até atingirem a fase adulta e recomeçar um novo ciclo, com o movimen-to ascendente reprodutivo.

Assim, a própria barragem, como obstáculo físico ao des-locamento dos peixes ao longo do rio, constitui-se no mais óbvio impacto negativo sobre a ictiofauna. Além de afetar direta e imediatamente os peixes migradores, ela também interfere na estabilidade do sistema, fragmentan-do populações, erodindo o patrimônio genético e alteran-do as comunidades de peixes no conjunto dos ambientes em que vivem.

Com base nestas observações, conjectura-se que as comu-nidades de peixes à jusante da barragem do Rio Madeira serão afetadas de várias maneiras, por diversas causas. Uma delas decorre da direta supressão das áreas de corre-deiras pelo represamento do rio. Como bem se sabe, mui-tas espécies de peixes são totalmente adaptadas às corre-deiras, vivendo nelas o tempo todo ou parte de suas exis-tências. Desse modo, elas representam nichos apropriados para as necessidades vitais destas espécies, principalmente no tocante às atividades alimentares e reprodutivas. A su-pressão das corredeiras significa a eliminação dessas con-dicionantes, um impacto decisivo em seus espaços vitais e modos de vida.

Evidentemente, uma vez ocorrendo interrupção ou redu-ção do fluxo migratório das espécies que sobem o rio para reproduzir, o mesmo ocorre com as demais espécies a elas associadas, principalmente as predadoras e as miméticas. Normalmente estas espécies acompanham os cardumes, para se alimentar ou, então, para proteger-se. Assim, por exemplo, havendo redução das presas, é provável que haja

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também redução de seus predadores. Do mesmo modo, se tais impactos ocorrem sobre os cardumes de peixes adul-tos que chegam ou, potencialmente, poderiam chegar até o trecho logo à jusante da barragem, eles acabam impactan-do as larvas que aí poderiam chegar e até se desenvolver.

1.3- pescaEm certos casos, a pesca desenvolve-se bem em áreas pró-ximas ao pé da barragem, mas esta normalmente é exer-cida sobre peixes moradores em poças mais profundas ou sobre cardumes que se aglomeram na tentativa de ultra-passar a barragem. Trata-se, portanto, de pesca específica e sazonal, sem nenhum cunho de sustentabilidade, uma vez que é praticada sobre peixes estressados, com poucas possibilidades de escape.

De modo geral, no entanto, a pesca torna-se menos in-tensa e com menor produtividade na área à jusante da barragem. Isso tem ocorrido como conseqüência da di-minuição da diversidade e da abundância da ictiofauna e também pela interferência negativa das algas filamentosas que se atracam aos fios dos aparelhos de pesca, facilitan-do a visualização e a fuga dos peixes. Na hidrelétrica de Tucuruí, este fenômeno foi tão intenso no primeiro ano do represamento que, praticamente, anulou as pescarias com malhadeiras.

Ao contrário do que ocorre no reservatório, onde as águas são mais lênticas, propiciando o desenvolvimento de algas filamentosas e de fitoplâncton, na área à jusante, próxima à barragem, a hidrodinâmica é bem distinta, geralmente com correntezas fortes e baixa densidade desses organis-mos. A redução das algas e a conseqüente redução da pro-dução primária pode ser um fator negativo para as espécies de peixes que delas dependem direta ou indiretamente.

2 - MONTANTE

2.1 - condições ambientaisO Rio Madeira tem águas turvas, com elevada carga de sedimentos e ricas em nutrientes minerais. Ao contrário, seus afluentes no trecho onde será represado possuem águas límpidas, com menor teor de sedimentos e nutrien-tes. Como os afluentes possuem profundidades menores e estarão associados aos bolsões marginais dos reservató-rios, onde o tempo de residência das águas e a penetração de luz solar são maiores, é provável que haja condições

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

“Dourada e babão sobem estas cachoeiras anualmen-te e se reproduzem na cabeceira do Rio Madeira, no sopé dos Andes. Portanto, pelo menos as populações de dourada e babão estão ameaçadas por este empre-endimento. Com a intensificação da pesca (na Bolívia e no Peru) dos reprodutores, a manutenção da popula-ção reprodutora vai depender mais da maturação dos indivíduos que migram pelas cachoeiras, e menos de desovas sucessivas dos indivíduos mais velhos, que es-tão mais expostos às pescarias nas encostas. Com isso, o bloqueio completo da subida dos bagres migrado-res irá, inevitavelmente, comprometer a reposição dos reprodutores, e a tendência destas populações, acima da cachoeira, seria a de se extinguirem em um curto espaço de tempo. A viabilidade dessas populações de-penderia da sobrevivência dos indivíduos jovens que são coletados esparsamente acima da cachoeira. De qualquer modo, sua biomassa entraria em colapso e sua importância para a pesca seria nula. Além disso, o bloqueio temporário, durante o período de construção, pode ter conseqüências incertas para essas populações mesmo com a construção posterior do mecanismo de transposição.”

Ronaldo Barthem e Michael Goulding

Peixes dourada e babão são ameaçados de extinção

DOURADA EM MERCADO DE PEIXE EM BRASÍLIA: RENDA AMEAÇADA

JOSÉ

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eutrofizantes. Este fato, associado à mistura das águas do reservatório com a dos igarapés, é determinante para o estabelecimento de macrófitas, mudanças nos parâme-tros físico-químicos da água e também de determinadas comunidades de peixes.

Embora o represamento do Madeira deva elevar seu nível pouco acima das maiores cheias registradas para a região, é evidente que uma área relativamente grande de mata ciliar, bem como de floresta primária e secundária de terra firme e também de pastagens, será alagada.

Pelo fato desta vegetação não suportar alagamento, ela co-meça a morrer depois de alguns meses sob efeito da água. O resultado disso é uma vegetação morta em pé, de cor acinzentada, denominada “paliteira”. O processo é bem co-nhecido: primeiro, as árvores perdem a folhagem, depois os galhos mais finos e, em seguida, os mais grossos. Decorri-dos alguns anos, os troncos começam a cair pela ação des-trutiva que sofrem na linha de intersecção da mina d’água

com o ar atmosférico. Depois disso, restam apenas as partes dos troncos submersas, mas que também acabam se decom-pondo, com o tempo. Depois de 10 a 15 anos, praticamente não restam mais troncos mortos na área do reservatório.

Assim, durante alguns anos, toda esta massa vegetal estará sendo degradada e seus elementos sendo incorporados ao sistema aquático. Este, por sua vez, acaba sendo influencia-do pelo influxo desses nutrientes, com repercussões não so-mente na composição físico-química da água, mas também em toda a cadeia trófica, a começar pelas algas macrófitas, consumidores secundários, até atingir o topo da cadeia, com os consumidores terciários.

Da mesma forma, como tem ocorrido em vários represa-mentos em rios amazônicos, nas fases iniciais ou mais in-tensas da decomposição e mineralização da matéria orgâ-nica, há um grande consumo do oxigênio disponível no sistema, além de produção de certos gases tóxicos, como sulfeto de hidrogênio (H2S) e metano (NH4).

É necessário considerar também o fato do Rio Madeira pertencer ao sistema de águas brancas e, daí, ter o pro-cesso de mineralização da matéria vegetal de terra firme aumentado, por causa da grande carga de substâncias minerais que estas águas já possuem naturalmente. As-sim sendo, em casos extremos e em certos trechos, pode haver a mortandade de peixes nos primeiros estágios de formação do reservatório. Caso a proliferação de macró-fitas não venha a ocorrer em toda a extensão do reser-vatório, por causa da velocidade relativamente grande da água ou de seu reduzido tempo de residência no sis-tema, é provável que isso ocorra ao menos em suas áreas laterais, nos meandros e na foz dos tributários, onde a velocidade é menor. Nesse caso, tais áreas poderão ser intensamente colonizadas por macrófitas aquáticas, as quais contribuirão ainda mais para o aumento do tempo de residência da água represada e os processos de decom-posição autóctone. Outro aspecto negativo das macrófitas nestas áreas mar-ginais é o impedimento ou obstáculo à penetração de luz e mesmo da ação do vento, ambos importantes na circulação da água e dinâmica da temperatura, do oxi-gênio e outros gases. Assim, em casos extremos desse fenômeno, é provável que nas áreas mais profundas e/ou intensamente colonizadas por macrófitas, se estabele-

TRONCO DE ÁRVORE QUEIMADA

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çam condições anóxicas, o que inviabilizaria temporária ou permanentemente a colonização por peixes e outros organismos aquáticos. A colonização por macrófitas pode também prejudicar a pesca, uma vez que os apetrechos ativos normalmente utilizados na região (redinha ou rede de cerco) não são eficientes para a captura de peixes neste tipo de ambiente. Mesmo a malhadeira, um apetrecho passivo, mas também bastante utilizado, tem seu uso limitado em áreas com al-tas densidades de macrófitas. Vale destacar, no entanto, um fator positivo que as ma-crófitas podem exercer no sistema: elas se constituem em fonte natural de abrigo e proteção para larvas, jovens e adultos. Sem embargo, para que isso ocorra, é necessário que as condições ambientais estejam adequadas, especial-mente quanto à disponibilidade de oxigênio. Isso, por sua vez, apresenta-se sempre muito difícil quando o desenvol-vimento das macrófitas se torna muito intenso. Nas represas em rios de água clara e com concentra-ção de nutrientes relativamente baixa, como Tucuruí e Samuel, as macrófitas ocupam extensas áreas das mar-gens, especialmente próximo às ilhas, nos primeiros anos do enchimento, mas diminuem depois de algum tempo. No caso do Rio Madeira, com água branca, rica em nu-trientes, é provável que o desenvolvimento de macrófitas ocorra com muito mais intensidade e dure mais tempo, talvez, até mesmo de forma perene. Nesse sentido, a pesca e até mesmo o manejo do reservató-rio dependerá em muito do que ocorrer com as populações destas plantas e das situações que serão determinadas por elas, como a qualidade da água. Os reservatórios das duas hidrelétricas são relativamente distintos entre si quanto aos aspectos de sua morfologia e dinâmica: o do AHE Jirau mantém livre conectividade com as porções superiores do Rio Madeira, incluindo as áreas de montante e montante-de-montante. O reservató-rio do AHE Santo Antônio, ao contrário, tem esta conec-tividade quebrada, pois está semi-isolado, restrito a uma área relativamente reduzida, entre as duas barragens. Esta condição limitante impõe uma situação crítica para os pei-xes, pois seu deslocamento entre este e os demais trechos do rio é impedido ou sumamente dificultado.

2.2 - comunidades de peixes

O rápido aumento do espaço aquático, da concentração de nutrientes e da produção biológica no reservatório deverá exercer forte impacto na área, levando a uma de-sestabilização da estrutura das comunidades de peixes. Provavelmente, o que se observará em tais condições é o aumento exagerado de determinadas espécies, aquelas melhor adaptadas às novas condições e uma diminuição de outras. Em termos gerais, isso corresponde a um au-mento da abundância ou densidade e uma diminuição da riqueza ou diversidade. Corresponde, também, a uma concentração dos peixes em certas áreas mais propícias do reservatório, geralmente na região pelágica, mais oxi-genada e em meio aos troncos e galhadas, nas proximi-dades das ilhas. A inundação das áreas de terra firme representa o au-mento do espaço e de novos nichos para a vida dos pei-xes. Assim, no início da formação do reservatório, al-gumas espécies serão particularmente beneficiadas pelos recursos alimentares provenientes do ambiente terrestre. Logo depois, estas fontes deverão cessar, restando apenas as fontes aquáticas autóctones ou das áreas marginais mais próximas.

Nesse contexto, conjectura-se que a mudança das condi-ções ambientais na porção à montante do represamento, sobretudo nas margens e na foz dos tributários, deverá acarretar mudanças na composição e estrutura das comu-nidades de peixes. Nesse caso, peixes típicos de fundo e de águas de fortes correntes, como os bagres (Pimelodidae), bodós (Loricariidae), bacus (Doradidae) ou os peixes-de-escama, como pescadas (Sciaenidae), jacundás (Cichli-dae), canivetes (Parodontidae e Characidiinae) e também os sarapós (Gymnotoidei) serão afetados negativamente, podendo até desaparecer da área. Comunidades de peixes detritívoros, de importância comercial relativamente grande, como os acarí-bodós (Loricariidae), as banquinhas (Curimatidae), os jaraquis e os curimatãs (Prochilodontidae), foram drasticamente reduzidas em Tucuruí (Santos & Merona, 1996), Balbina (Santos, 1999) e Samuel (Santos, 1996). Fenômeno simi-lar ocorreu com os peixes frugívoros, também de grande importância comercial, como o pacu e a matrinxã (Cha-racidae). Portanto, é muito provável que o mesmo fe-

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nômeno venha ocorrer com estes peixes no reservatório do Rio Madeira, como decorrência das modificações das condições naturais do ambiente.

É preciso considerar, também, um efeito oposto, isto é, a proliferação de algumas espécies no reservatório. Tal fato ocorreu na UHE Tucuruí, com o mapará (Hypophthalmus edentatus), o tucunaré (Cichla monoculus) e a pescada (Plagioscion squamossisimus), na UHE Balbina, com o tucunaré e a piranha-preta (Serrasalmus rhombeus), bem como na UHE Samuel, com a proliferação do tucunaré, da piranha preta e do aracu (Schizodon fasciatus). Assim posto, a despeito da perda de diversidade havida nestes reservatórios, é inegável que a proliferação de de-terminadas espécies pode ser considerada um aspecto na-turalmente compensatório e bastante importante do ponto de vista de recursos pesqueiros. Afinal, é justamente sobre estas espécies bem sucedidas que a pesca se desenvolve. Ainda, no caso dessas hidrelétricas, esses recursos pes-queiros têm mantido uma exploração intensiva ao longo dos anos e, a despeito de toda dificuldade de ordenamento pesqueiro adequado, eles não têm dado sinal de exaustão. Diante da disponibilidade de mais espaço e sem a concor-rência das espécies que desapareceram ou tiveram suas populações reduzidas localmente, é natural que as espé-cies pré-adaptadas e que já ocorrem na bacia do Madeira passem a ocupar os novos nichos disponíveis na área do reservatório. É difícil prognosticar quais, mas as espécies com maior potencial para isso são as herbívoras, como o

aracu-comum (Schizodon fasciatus), as carnívoras, como a traíra (Hoplias malabaricus), e as onívoras, como a orana (Hemiodus spp), além das predadoras, como o tucunaré, o tambaqui (Colossoma macropomum) e a piranha preta e a piranha-caju (Pygocentrus nattereri). Vale destacar o caso da piranha-caju. Trata-se de uma es-pécie amplamente distribuída na Bacia Amazônica, ocor-rendo em diferentes tipos de água, mas a típica é abun-dante em lagos de várzea ou de água branca. Talvez por isso, esta espécie não tenha se desenvolvido nos reser-vatórios de água clara, como é o caso das UHEs Tucuruí, Balbina e Samuel. Nos reservatórios das hidrelétricas do Rio Madeira, a situação é bem distinta. Certos locais se as-semelharão muito aos lagos de várzea e, portanto, estarão muito propícios ao desenvolvimento desta espécie. A piranha-caju é uma espécie predadora, de porte pe-queno (em torno de 25 cm), voraz e que se alimenta de outros peixes, normalmente formando grandes cardu-mes. Caso esta espécie venha a se proliferar no reserva-tório, deverá imprimir forte e negativa pressão sobre a pesca, por ter pouquíssimo valor comercial e representar perigo, já que se trata de peixe com dentes afiados e capazes de provocar mutilações. Ou seja, mesmo com a proliferação de outras espécies com grande potencial pesqueiro, o sucesso desta espécie pode significar o fra-casso da pesca no reservatório.

2.3- pescaNormalmente, a atividade pesqueira desenvolve-se de ma-neira muito intensa nos reservatório, em decorrência da proliferação de determinadas espécies de peixes. Há de se considerar, no entanto, que tal incremento da pesca não se deve ao aumento da diversidade ictiológica; ao contrário, ela se dá, justamente, pela diminuição desta. O que ocor-re é simplesmente o aumento da densidade de algumas espécies melhor adaptadas ao ambiente modificado. Nos reservatórios da Amazônia, as espécies de peixes que sus-tentam a pesca em reservatórios, geralmente, não passam de uma dezena, mesmo quando o número de espécies pre-sentes é bem maior, em torno de 200 espécies. No reservatório da hidrelétrica de Tucuruí, os peixes que proliferaram e se constituíram na base de sustentação da pesca foram o tucunaré, o mapará, a pescada-branca (Pla-gioscion squamosisimus), o acará (Geophagus proximus) e

OS RIBEIRINHOS TÊM NA PESCA A SUA MAIOR FONTE DE RENDA

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as oranas (Hemiodus spp). Em Balbina, isso ocorreu com duas espécies de tucunarés (Cichla monoculus e C. sp.) e duas de acarás (Geophagus sp e Satanoperca jurupari), além da piranha-preta. Em Samuel, a proliferação se deu com o tucunaré (Cichla monoculus), o aracu-comum (Schi-zodon fasciatum), a piranha-preta e o surubim (Pseudopla-tystoma fasciatum).

Com base nesses exemplos, bem como de vários outros no Brasil e em regiões tropicais do mundo, é possível inferir que no reservatório do Rio Madeira também a pesca será incrementada. Como nesta área já existe, naturalmente, uma intensa atividade pesqueira, cen-trada nos bagres, talvez fosse mais adequado falar-se de transmutação da atividade pesqueira e não simples-mente de seu incremento.

É preciso considerar, no entanto, que importantes espécies comerciais, típicas das águas com fortes correntes do Rio Madeira, como a dourada (Brachyplatystoma rousseauxi), a piramutaba (Brachyplatystoma vailanti), o filhote (B. ca-papretum), a piraíba (B. filamentosum), o caparari (Pseu-doplatystoma tigrinum), o surubim (Pseudoplatystoma fasciatum), o jaú (Zungaro zungaro) e o babão (Goslinia platynema), provavelmente deixarão de colonizar ou mes-mo transitar na área represada. Isso, por si só, representa considerável perda no potencial da pesca.

Dentre a grande diversidade de peixes amazônicos, a pi-ramutaba e a dourada são alvos preferenciais da pesca em quase toda a área de sua ocorrência, tendo dois grandes centros de produção, o trecho inferior (entre Santarém e Belém) e o superior (no Rio Solimões). De acordo com estu-dos científicos e relatos de pescadores, essas espécies reali-zam migrações ao longo do eixo Solimões-Amazonas para completar o seu ciclo de vida. Observa-se certo consenso de que os peixes destas espécies nascem e reproduzem-se nas cabeceiras de vários tributários de água branca, como o Juruá, o Purus, o Madeira, o Içá, o Japurá, dentre outros, alimentam-se no estuário, na foz do Amazonas, e crescem na Amazônia Central. Segundo Parente et al. (2005), estas duas espécies repre-sentam cerca de 24.000 t/safra na Amazônia brasileira. Aproximadamente 70% da sua produção ocorre no trecho entre Manaus e o estuário do Rio Amazonas, sendo o esta-do do Pará o seu maior centro de produção.

Evidentemente, há uma natural integração ou conectivi-dade entre as porções inferior e superior da Bacia Ama-zônica. Assim sendo, toda ação danosa sobre os estoques, comunidades ou populações de peixes de uma determi-nada área poderá repercutir direta ou indiretamente, no curto ou longo prazo, nas demais. Nesse sentido, os im-pactos acarretados sobre os peixes pelas hidrelétricas do Rio Madeira deverão exercer algum efeito sobre as demais regiões, especialmente no médio Amazonas, onde este rio exerce papel importante como fonte produtora e conexão básica entre o estuário e o sopé dos Andes.

É também importante mencionar que a atividade pes-queira deverá mudar de perfil, tanto em função da mu-dança das condições ambientais e das espécies-alvo, como de vários fatores direta e indiretamente a ela as-sociados, como, por exemplo, o número, o perfil e o comportamento do pescador, a natureza dos aparelhos e métodos de captura, o meio de transporte, assim co-mo as tecnologias de conservação e venda do pescado, dentre outros. Ou seja, trata-se de mudanças abrangen-tes e profundas, com reflexo a longo prazo, em toda a região. Nesse sentido, elas são importantes e devem ser consideradas não somente do ponto de vista da gestão ambiental, mas também sociocultural.

Evidentemente, para fazer face a tais mudanças, os ges-tores deverão estar atentos para avaliar e, provavelmente, implementar novas formas de ordenamento e manejo da pesca, bem como a reestruturação da infra-estrutura e das cadeias produtivas demandadas pelos atores envolvidos na dinâmica desta nova realidade. É arriscado definir an-tecipadamente em que deverão consistir tais medidas, já que, em grande parte, isso dependerá das espécies que irão prosperar no novo ambiente e quais terão maior impor-tância sobre a pesca. Entretanto, é fundamental que estas medidas sejam tomadas de imediato, isto é, tão logo a atividade pesqueira comece a ser desenvolvida, para evitar que os problemas se avolumem e tornem-se mais difíceis de serem superados. O que ocorreu com a pesca nos reservatórios das hidre-létricas de Tucuruí, Balbina e Samuel é bastante sinto-mático dessa situação e deve servir de exemplo e orien-tação para o que pode ocorrer no reservatório do Rio Madeira. Nessas hidrelétricas, os principais problemas decorreram do desenvolvimento rápido e intenso de uma

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pesca desordenada, sem infra-estrutura e controle ade-quados. Além disso, a maioria dos pescadores amadores residentes teve que enfrentar a concorrência de pescado-res esportivos, oriundos da zona urbana, com evidentes conflitos de interesse.

Embora as espécies que irão se desenvolver no reser-vatório do Rio Madeira, de água barrenta, não devem ser exatamente as mesmas que se desenvolveram nas hidrelétricas já construídas na Amazônia, todas em rios de água clara, é muito provável que os problemas de-correntes da pesca sejam similares. Portanto, deve-se assegurar planos e medidas que visem a sua superação, ainda no início do processo, e que garantam uma explo-ração mais racional e sustentável dos recursos pesquei-ros no longo prazo.

3 – moNTANTe-de-moNTANTe

3.1- condições ambientaisA maior parte deste trecho está contida na região pré-andina, caracterizada por rochas areníticas de fácil desa-gregação. Somado a isso, a região possui alta precipita-ção, o que, juntamente com a geologia local, provoca alta produção de sedimentos. Fatores antrópicos, sobretudo o desmatamento, contribuem com o crescimento da produ-ção de sedimentos.

Por estar situada mais próxima às nascentes, abranger área muito vasta, contar com alta diversidade de ambien-tes e ter uma população humana bastante rarefeita, esta área constitui-se na mais integral das três em que o Rio Madeira foi aqui subdividido, tendo-se como referência as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau (jusante, montante e montante de montante).

De acordo com os dados técnicos do empreendimento (Fur-nas 2005, vol I) e do ponto de vista ambiental, esta área não irá sofrer impactos diretos das hidrelétricas. Há que se notar, no entanto, que os benefícios advindos da hidrelétri-ca – produção de energia, facilidades de transporte e pro-dução pesqueira, dentre outros – certamente irão acentuar o processo de ocupação humana da área e, com ele, o de-sencadeamento de formas secundárias, mas não menos im-portantes, de transformações. Impactos indiretos, portanto, irão ocorrer, e a pesca deverá constituir-se em causa e con-seqüência dos mesmos, sobretudo pelo choque de interesses ou visões diferenciadas quanto aos recursos pesqueiros.

3.2 - comunidades de peixesPor serem animais totalmente dependentes das águas e al-tamente móveis no sistema aquático em que vivem, qual-quer alteração ocorrida num determinado trecho acabará influenciando as comunidades de trechos situados acima ou abaixo deste. Isso é particularmente válido para os pei-xes migradores, que se deslocam ao longo do curso do rio para atender suas necessidades vitais, em especial as vinculadas ao processo reprodutivo.

Dessa forma, a interrupção da rota migratória ao longo do canal do rio acaba quebrando este padrão geral, não permitindo o compartilhamento do patrimônio genético entre as populações de uma mesma espécie que se dis-tribuem naturalmente por toda a bacia. É difícil avaliar prejuízos ou riscos diretos para a conservação das espécies e dos estoques pesqueiros submetidos a tais impactos, mas é perfeitamente concebível que eles sejam prejudicados no longo prazo, pela redução da diversidade genética, moti-vada pelo isolamento de populações de peixes, entre as partes de jusante e montante das barragens.

3.3 - pescaEmbora sejam criados com o objetivo único de gerar ener-gia, os reservatórios de hidrelétricas na Amazônia têm pro-piciado forte incremento da pesca. Tem-se observado que

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O PEIXE É UM ALIMENTO FUNDAMENTAL NA DIETA RIBEIRINHA

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a pesca acaba sendo bastante beneficiada, tanto por causa das espécies que proliferam no reservatório, como por causa daquelas que dele fogem, refugiando-se nas áreas adjacen-tes e à montante. Assim, de maneira geral, tudo indica que esta área acima do reservatório do Madeira (em especial, acima de Jirau) será muito benéfica à atividade pesqueira.

Pelo fato de que a porção mais afastada da área de mon-tante do reservatório do AHE Jirau manterá grande inter-face com o canal dos afluentes do Madeira, em terras boli-vianas, é provável que futuramente venha a ocorrer nesta área alguma interferência ou mesmo choque de interesses por parte dos pescadores destes dois países. Nesse sentido, um trabalho conjunto e preventivo, a ser realizado entre órgãos bilaterais, é de fundamental importância. Não so-mente para o manejo da pesca, mas também para a gestão do reservatório, como um todo.

4 - comeNTÁrios pArTiculAres A respeiTo dos impAcTos dAs HidrelÉTricAs soBre As coNdiçÕes AmBieNTAis, As comuNidAdes de peixes e A ATiVidAde pesQueirANeste tópico são listados, em itálico, os impactos negati-vos sobre a ictiofauna e a pesca, conforme referência nos Estudos de Impacto Ambiental do Rio Madeira (Furnas, 2005, vol. C). A ordem em que eles aparecem na lista obe-dece à estrutura e à natureza dos tópicos considerados no corpo do presente trabalho, isto é, condições ambientais, comunidades de peixes e atividade pesqueira. Esta lista é acompanhada de breve comentário a respeito da natureza, da significância e da abrangência de tal impacto sobre a ictiofauna. Mais adiante (nos comentários gerais), são apresentadas e discutidas algumas medidas mitigadoras que lhes dizem respeito, de forma particular ou conjunta.

4.1 - condições ambientaisInterferência local sobre a ictiofauna, devido à im-plantação dos canteiros de obras e acampamentosTrata-se de fator com forte implicação no sistema aquáti-co e que ocorre nos primeiros momentos de construção da barragem. As principais fontes desses impactos decorrem da cava, suspensão, remoção e transporte de material do fun-do do rio, produção de barulho com a explosão de rochas, transporte de veículos pesados, derramamento de óleo, construção de ensecadeiras, bombeamento de água, etc.

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

“A lista de espécies apresentada não especifica quais seriam as espécies endêmicas ou de distribuição res-trita mais vulneráveis ao empreendimento, ou seja, aquelas mais associadas ao ambiente de corredeiras. Não ficou caracterizado quais eram as espécies re-lacionadas ao ambiente de correnteza ou não. Estas espécies devem ser monitoradas ao longo do processo da construção das hidrelétricas e também durante o período de geração de energia. Deste modo, é essencial que se conheça quais são as espécies endêmicas ou de distribuição restrita que devem ser monitoradas.”

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Falta identificar asespécies mais afetadas

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de influência da hidrelétrica. Por se tratar de ambientes normalmente muito restritos em área e funcionalidade, os micro-habitats podem ocorrer em todas as partes do rio e terão influência mais ou menos determinante, em função do tipo de habitat e das exigências biológicas das espécies que neles vivem.

Desaparecimento de biótopos especializadosAs cachoeiras são biótopos especializados, com abran-gência relativamente curta, e isolados do restante do rio. Assim, o represamento do Madeira significa o desapareci-mento ou transformação de tais biótopos, com fortes im-plicações sobre a vida dos peixes a eles adaptados.

4.2 - comunidades de peixesPerda de elementos da ictiofauna, devido ao aprisio-namento nas áreas das ensecadeirasSegundo dados do EIA, a ictiofauna do Rio Madeira é composta por aproximadamente 460 espécies. Trata-se, sem dúvida, de cifra expressiva, fruto de levantamentos exaustivos. No entanto, como qualquer outro trabalho do gênero na região amazônica, não é um inventário com-pleto. Isso se deve, naturalmente, a fatores limitantes, do ponto de vista espacial, temporal e metodológico das co-letas, bem como ao nível de conhecimento taxonômico das espécies, ainda bastante insuficiente. Portanto, é mui-to provável que várias espécies de peixes, possivelmente espécies novas, ocorram na área, sem que tenham sido até agora capturadas. Evidentemente, caso algumas des-tas sejam endêmicas, sobretudo das áreas de corredeiras, é possível que ocorra sua extinção, antes mesmo de serem conhecidas pela ciência.

Perda e/ou afugentamento de elementos da ictiofau-na, devido à instalação da barragemTrata-se de uma resposta natural dos peixes aos impac-tos ocasionados nas condições ambientais. Como é de se esperar, tais impactos devem evoluir de tal maneira que os estágios iniciais correspondam apenas ao afugenta-mento de determinadas espécies de locais perturbados, chegando, finalmente, ao ponto máximo, que é a per-da destas, ou mesmo de outras espécies, nos locais que serão mais afetados, por estes ou outros impactos mais acentuados. Os locais de instalação das barragens e os mais próximos a eles, com condições lênticas, represen-tam tais impactos máximos.

Alteração da morfologia fluvialCorresponde a fator decisivo, pois implica na mudança da estrutura do leito e das margens do rio, bem como da velocidade das águas. Por sua vez e de forma si-nérgica, esse conjunto de fatores também irá provocar alterações na estrutura e funcionamento dos micro-habitats indispensáveis para a vida de muitas espécies de peixes.

Alteração do regime hidrológicoA construção e operação da barragem implicarão em mudanças nos ciclos de enchente e vazante, bem como na qualidade físico-química das águas. Evidentemen-te, tudo isso acarreta mudanças na vida dos peixes e, em muitos casos, chega a determinar sua continuida-de ou não no sistema, especialmente na zona à jusante da barragem.

Interrupção de rotas migratórias de peixes A intercepção abrupta e irreversível do sistema contínuo que é o rio implica em sua fragmentação em quatro áreas mais ou menos estanques, em relação à barragem: jusan-te, reservatório, montante (parte superior do reservatório) e montante-de-montante (além da montante), cada uma delas com características bióticas e abióticas próprias e às vezes inconciliáveis, do ponto de vista de distribuição e troca de elementos da ictiofauna.

Desaparecimento de micro-habitatsNão apenas mudanças estruturais da morfologia do rio e do regime hidrológico, mas também alterações nos micro-habitats serão determinantes na vida dos peixes na área

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TODAS AS ATIVIDADES DOS RIBEIRINHOS GIRAM EM TORNO DO RIO

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Alteração da composição da ictiofauna, devido à mudança na dinâmica da água para a formação do reservatório Trata-se de um dos impactos de maior magnitude so-bre as condições, as comunidades de peixes e a pesca. A transformação de um ambiente lótico em lêntico, por causa do represamento, é um fator determinante para a sobrevivência da maioria dos peixes existentes na área. A dinâmica da água não se refere apenas a aspectos físi-cos, mas a todos os demais a ele associados, incluindo os bioquímicos, como velocidade e qualidade da água, e os biológicos, como nichos ecológicos, fontes reprodutivas e alimentares, etc.

Apesar da diminuição geral da riqueza e diversidade da ictiofauna e da redução ou mesmo extinção de certas es-pécies de peixes nas áreas de represamento em rios de água clara (caso de Tucuruí e Samuel), observa-se que al-gumas delas foram fortemente beneficiadas. É o caso, por exemplo, do tucunaré (Cichla spp), da piranha-preta (Ser-rasalmus rhombeus), do mapará (Hypopthalmus spp), da pescada (Plagioscion squamosissimus), do aracu-comum (Schizodon fasciatus), do tambaqui (Colossoma macropo-mum) e da orana (Hemiodus spp).

Portanto, é muito provável que o mesmo venha a ocorrer no Rio Madeira, mesmo que as espécies que passarem a ser dominantes no reservatório não sejam exatamen-te as mesmas. Além destas, que ocorrem naturalmente na bacia deste rio, outras espécies com potencial para dominar na área represada são o aracu-banana (Rhytio-dus spp), o pirarucu (Arapaima gigas), o tambaqui e a piranha-caju (Pygocentrus nattereri).

Caso as primeiras espécies venham a dominar a área do re-servatório, é certo que a pesca será bastante incrementada, já que todas estas espécies apresentam importância comer-cial elevada. Se isso vier a ocorrer com a última, a situação pode ser bem diferente, pois esta é uma espécie muito agres-siva e perigosa ao manuseio e de pouco valor comercial.

Introdução de espécies alóctones pela elimina-ção de barreiras físicas naturaisA sucessão de cachoeiras no trecho compreendido entre Porto Velho e Abunã tem sido apontada como uma bar-reira para a livre circulação e mesmo para a distribuição

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

“O bloqueio do rio não impede apenas a subida dos peixes migradores. A reprodução dos peixes pode ser comprometida quando houver algum impedimento que limite a descida dos ovos e larvas para os trechos à jusante. (...) O processo de geração de energia prevê a concentração da força da correnteza do rio nos canais de adução e na casa de força, a fim de impulsionar as turbinas, que neste caso estarão dispostas horizontal-mente. A pressão da água nestes compartimentos é exagerada e pode ser um fator multiplicador da taxa de mortalidade de ovos e alevinos dos peixes migrado-res em geral. A situação se agrava no período de seca, quando 100% da descarga passa pelas turbinas. Nova-mente, estudos sobre a descida de ovos e larvas devem ser feitos para estimar estes períodos críticos.”

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Falta identificar asespécies mais afetadas

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natural de muitas espécies de peixes ao longo da bacia do Rio Madeira e seus principais afluentes. Assim sendo, a eliminação de tais barreiras, acrescida dos impactos res-ponsáveis pelo afugentamento de elementos da ictiofauna que tinham nelas seus habitats naturais, certamente irá forçar o processo de mistura de elementos desta ictiofauna entre os segmentos à montante e à jusante das barrei-ras. Por último, a eliminação total de tais barreiras, com o represamento do rio, forçará ao máximo tal perspectiva, fazendo com que este seja o ato mais extremo e capaz de levar a ictiofauna a misturar-se em definitivo. Pela própria hidrodinâmica do sistema, é de se esperar que tal mistu-ra venha a ocorrer com mais intensidade entre as zonas montante e acima da montante, por causa da menor inter-ferência da barragem na dispersão dos peixes. Apesar do sistema de drenagem de Rondônia ser bastante interligado através da bacia do Madeira e de não haver casos de endemismos bem delimitados, observa-se que al-guns grupos de peixes são típicos de determinadas zonas, não ocorrendo nas demais. É caso, por exemplo, dos jara-quis (Semaprochilodus kneri e S. taeniurus), dos arumarás (Boulengerella spp) e dos pirarucus (Arapaima gigas), que são comuns nas zonas baixas do Rio Madeira, mas au-sentes naturalmente acima das cachoeiras, abrangendo as bacias do Rio Guaporé e Pacaás Novos (Santos, 1991). As obras de engenharia nas cachoeiras e as modificações no curso do Rio Madeira podem propiciar a entrada de po-pulações destas espécies em áreas onde elas naturalmente não ocorriam, podendo gerar perturbações no equilíbrio ecológico do sistema.

Interrupção de rotas migratórias de peixes, em con-seqüência da intercepção do rioTrata-se de um dos mais drásticos e notáveis impactos das hidrelétricas sobre as comunidades de peixes. Ele decorre, simplesmente, da presença de uma barreira física ao tra-jeto dos peixes migradores, entre áreas distintas ou que se locomovem pela mesma área de ocorrência. No caso da Amazônia, e em especial da bacia do Rio Madeira, isso é particularmente importante para dois grandes grupos de peixes: os bagres ou peixes lisos, da ordem Siluriformes, e os peixes-de-escama, da ordem Characiformes.

A migração dos bagres, em particular da dourada (Brachypla-tystoma rousseauxii), é uma das mais longas que se conhece no ecossistema de águas doces do mundo. Indivíduos sexu-

almente maduros são encontrados nas cabeceiras dos rios de água branca que drenam o sopé da Cordilheira dos Andes (Ucayali, Purus, Juruá, Japurá-Caquetá e Madeira), enquanto indivíduos jovens são encontrados no estuário do Rio Amazo-nas, numa distância de aproximadamente 3.000 km.

Também as formas juvenis dos bagres piramutaba (Bra-chyplastytoma vailantii), piraíba (B. filamentosum) e babão (Goslinia platynema) são capturadas próximas ao estuário, enquanto adultos sexualmente maduros são en-contrados nas cabeceiras do Madeira e em outros rios de água branca da Bacia Amazônica.

Embora menos conhecida, talvez por se tratar de espécies de menor porte, de menor importância comercial ou de pouca visibilidade, a migração reprodutiva de peixes-de-escama também ocorre na bacia do Madeira, a exemplo do que acontece em outros rios amazônicos de grande e médio porte. Neste grupo podem ser mencionados os pei-xes-cachorro (Rhaphiodon vulpinus e Hydrolicus spp), os pacus do gênero Myleus, alguns aracus ou poaus do gêne-ro Leporinus e a bicuda, do gênero Boulengerella.

O movimento ascendente dos peixes adultos desempenha um papel decisivo no repovoamento dos trechos superio-res do alto Madeira, uma vez que isso seria inviável ou muito difícil apenas com os indivíduos eventualmente ali nascidos. Assim sendo, com o bloqueio da rota migratória e a intensificação da pesca nos trechos à montante dessas duas hidrelétricas, a manutenção das populações desses peixes será inapelavelmente prejudicada nessa área.

Também é importante ressaltar que a barragem atua não somente como barreira física, impedindo certas espécies e indivíduos de ultrapassá-la, mas também como barreira ecológica, afetando a estrutura, o equilíbrio e a dinâmica das comunidades de peixes. Na verdade, isso acaba refle-tindo até mesmo na pesca e, conseqüentemente, nos as-sentamentos humanos, sobretudo para aqueles que lidam diretamente com o setor pesqueiro.

Interferência na rota de deriva de ovos, larvas e juve-nis de peixes migradoresCorresponde ao impedimento ou grave dificuldade para a descida dos ovos e das larvas para os trechos à jusante das represas, decorrente do represamento e redução da corren-teza na área do reservatório. Neste caso, os ovos e as lar-

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vas serão adensados na superfície ou mesmo depositados e mortos nas camadas inferiores e no fundo, onde as taxas de oxigênio não permitiriam sua sobrevivência. Este fato é extremamente grave, tendo em vista que mais da metade das espécies de peixes desova na região. Em condições normais, os ovos, larvas e/ou formas juve-nis dos peixes que migravam para desovar nas áreas de cabeceiras poderiam retornar livremente ao baixo curso do Rio Madeira e, daí, a outras porções da Bacia Amazô-nica. Nesse processo, as corredeiras e cachoeiras atuavam positivamente, servindo como fator de impulso na sua dis-persão. O impedimento ou dificuldade de descida dos ovos e das larvas para os trechos à jusante das represas, decor-rente do represamento e da redução da correnteza na área do reservatório, representa, portanto, não apenas a morte potencial de certo número de indivíduos nas fases iniciais de seu desenvolvimento, mas sobretudo o impedimento à livre dispersão desses elementos ictiofaunísticos ao longo do sistema aquático, o que pode acarretar problemas à es-truturação normal da ictiofauna e à dinâmica pesqueira.

Para acionar as turbinas e aumentar a potência na ge-ração de energia, seguramente haverá a concentração da força da correnteza do rio nos canais de adução e na casa de força. Nestas condições, a pressão da água aumentará enormemente, devendo produzir um efeito nefasto sobre as taxas de sobrevivência de ovos, larvas e alevinos dos peixes migradores que desovam nas áreas à montante e, mesmo, no equilíbrio das populações de peixes, em geral.

Perda da diversidade localConforme evidenciado em vários estudos ictiofaunísticos, realizados nas hidrelétricas da Amazônia e de outras regi-ões tropicais, o represamento do rio sempre leva à redução da diversidade em sua área de influência direta, mesmo a despeito do intenso incremento de determinadas espé-cies que passam a prosperar no reservatório. Além disso, há que se observar que os peixes que desaparecem des-tes locais geralmente pertencem a espécies raras, muito limitadas e dependentes das áreas de corredeiras e, por-tanto, altamente vulneráveis. É importante observar que a instalação da hidrelétrica irá isolar populações de espé-cies que, anteriormente, transitavam livremente pelo leito do Madeira. Assim, é provável que em tais populações a variabilidade genética decresça, o que pode implicar na diminuição da capacidade de resposta às condições cam-

biantes do meio, contribuindo para aumentar os riscos da extinção, no longo prazo.

Perda de áreas de desovaO ambiente lótico das cachoeiras e adjacências é altamen-te propício à desova para a grande maioria dos peixes migradores dos rios de água branca. Nesse sentido, é ine-gável que a eliminação destes biótopos, ou sua transfor-mação em ambiente lênticos, constitua-se num impacto altamente negativo para a vida dos peixes na bacia do Rio Madeira.

Concentração de cardumes à jusante da barragemA concentração de cardumes à jusante é fato comum com os peixes que se deslocam até o pé da barragem na ten-tativa de chegar às zonas à montante. Tais concentrações tornam os peixes mais vulneráveis à pesca, à predação e a infecções, já que muitos deles se lançam contra as estruturas metálicas e acabam se ferindo. Nesse sentido, a concentração destes cardumes é fator de alto risco para a preservação das espécies e equilíbrio geral do sistema aquático, no longo prazo.

Incremento nas taxas de mortalidade, devido ao aprisionamento de peixes no interior das turbinasAs turbinas têm-se constituído em local em que os peixes buscam refúgio ou são forçados a entrar, na tentativa de vencer os obstáculos oferecidos pela intercepção do rio. Assim, é comum haver mortandade deles durante as pa-radas de funcionamento das turbinas, quer por acidentes mecânicos ou interrupções programadas. Em qualquer dos casos, isso implica em ônus operacionais, tanto pela ne-cessidade de retirar os peixes já mortos ou pela necessida-de de transferi-los ainda vivos para o rio.

4.3 - pescaAumento da pressão antrópica sobre os recursos pesqueirosEm contraste à diminuição da riqueza de espécies, o re-presamento de rios tem trazido, freqüentemente, aumento substancial nas populações de determinadas espécies de peixes e, como conseqüência, da atividade pesqueira, cen-trada sobre as mesmas.

O incremento da pesca decorre, essencialmente, da mul-tiplicação dos estoques de determinadas espécies pré-adaptadas e que passam a proliferar-se no reservatório.

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Com o aumento destes estoques pesqueiros, é natural que haja um grande afluxo de pescadores, barqueiros e comerciantes de peixes. Não raro, no bojo desta nova situação, é comum o surgimento de focos secundários de problemas ambientais, bem como de problemas sociosa-nitários, dada a condição itinerante e, geralmente, pouco solidária dessa classe de trabalhadores ali instalada.

Outro fator importante é a redução dos estoques e da atividade pesqueira na área à jusante da barragem. Essas regiões são direta e duplamente afetadas, tanto pela pre-sença da represa, que impede o movimento dos peixes, como pela má qualidade da água aí lançada, proveniente das camadas inferiores e, portanto, menos oxigenadas e com maior concentração de substâncias prejudiciais à vida dos peixes.

Vale mencionar, no entanto, que, excepcionalmente, é

possível que haja incremento da pesca na área logo abaixo da represa, normalmente mais profunda e com correnteza forte. Via de regra, isso decorre da aglomeração de deter-minados cardumes, sobretudo de bagres, como o jaú (Zun-garo zungaro) e mandis, do gênero Pimelodus. Observa-se, no entanto, que este tipo de aglomeração é temporário e se deve ao fato de determinados indivíduos utilizarem tais áreas como esconderijo ou mesmo tentarem dela escapar por causa do impedimento que a barragem gera à sua mi-gração ascendente.

Em ambos os casos, isso é, tanto nas áreas dos reservató-rios, como à sua jusante, é importante o desenvolvimento de estudos de avaliação deste impacto, além do registro em longo prazo da produção de pescado. Isso permitirá o acompanhamento da dinâmica da atividade pesqueira e a adoção de medidas emergenciais que possam evitar a sobrepesca (especialmente na área do reservatório), bem

AMEAÇADO DE EXTINÇÃO, O BAGRE É UM DOS PEIXES COMERCIALMENTE MAIS IMPORTANTES DO RIO MADEIRA

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como o estresse dos cardumes-alvo (especialmente na área logo à jusante das represas).

Conflitos sociais sobre a atividade pesqueira localTais conflitos são naturalmente decorrentes do maior aflu-xo de pescadores e da maior demanda por pescado na re-gião. Some-se a isso o choque de culturas, já que muitos pescadores acabam vindo de outras regiões do País e, em sua maioria, não detêm a tradição e nem o conhecimento dos recursos pesqueiros amazônicos, ao contrário dos pes-cadores locais. Não desprezível é também a possibilidade de choque de interesses entre atores distintos nos recursos pesqueiros, especialmente entre os pescadores comerciais e os pescadores esportivos e, até mesmo, entre estes e os pes-cadores de subsistência, habitantes mais antigos da região.

Modificação da pesca no reservatório, devido a al-terações nos recursos pesqueiros disponíveisUma vez que as comunidades de peixes no reservató-rio serão muito distintas das que existiam antes, quan-do as condições ambientais também eram diferentes, é evidente que a composição dos estoques pesqueiros será igualmente distinta. Adaptada anteriormente aos bagres que se alojavam nas corredeiras e aos peixes de escamas que se aglomeravam no pé da barragem, a ati-vidade pesqueira provavelmente deverá voltar-se para as espécies que proliferarão na área do reservatório e montante a ela. Muito provavelmente, tais espécies se-rão aquelas que já fazem parte da ictiofauna original da região e que sejam pré-adaptadas às condições do represamento, embora seja difícil prognosticar quais.

De qualquer modo, o tipo de pesca a ser praticada de-verá ser adaptado às novas condições do ambiente e aos hábitos das espécies-alvo; entretanto, jamais será o mesmo que era praticado no local, antes da modifi-cação do ambiente. Tais modificações no tipo da pesca implicam em mudanças mais abrangentes, incluindo os apetrechos, métodos, técnicas e até mesmo o perfil do pescador. Obviamente, em função de tudo isso, também significam alterações nos níveis de renda e na relação geral de custo e benefício da atividade.

Perda na pesca de peixes ornamentaisEmbora incipiente, existe a pesca de peixes ornamentais em Rondônia, exercida basicamente nas cachoeiras do Rio Madeira, sobre as populações de peixe-zebra (Merodonto-

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

“A interrupção das rotas migratórias dos peixes é uma conseqüência comum decorrente da construção de represas hidrelétricas. A construção de mecanismo de transposição é uma forma de contornar esta situação, permitindo o acesso do peixe ao trecho à montante. Nem sempre esta solução é viável, pois quando há um imenso lago artificial à montante há a possibilidade dos peixes reofílicos se desorientarem e não conclu-írem o seu percurso... Estudos para elaborar meca-nismos de transposição e a construção dos mesmos devem ser iniciados o quanto antes, para que não haja interrupções no repovoamento à montante das espé-cies migradoras. Como o evento migratório nas cacho-eiras do Rio Madeira é pouco conhecido, estudos de observação de cardumes migradores que sobem estas cachoeiras devem ser realizados imediatamente para poder subsidiar a construção de mecanismos de trans-posição. É importante conhecer quais são as espécies que conseguem ultrapassar Santo Antônio e Jirau e quais as que não conseguem. Estes estudos devem ser iniciados antes do início das obras e mantido ao longo do processo de construção.”

Ronaldo Barthem e Michael Goulding

Incerteza sobre a viabilidade da transposição de peixes

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tus tigrinus). A instalação de barragem nesta área certa-mente trará efeito negativo sobre esta atividade e também sobre este recurso pesqueiro.

5 - comeNTÁrios GerAise medidAs miTiGAdorAs5.1 - Os impactos ambientais até aqui abordados restringiram-se, basicamente, aos trechos do Rio Madeira sob influência direta do represamento. Uma abordagem mais ampla, mas não menos importante, no contexto das condições ambientais, das comunidades de peixes e da pesca, deve considerar também os igarapés ou pequenos afluentes deste rio.

Como ocorre com todos os grandes rios da planície ama-zônica, a bacia do Madeira é fortemente influenciada pelos afluentes de menor porte, com águas claras, provenientes dos escudos. Isso é válido, sobretudo, para o trecho deste rio localizado no território brasileiro e para o qual não há con-tribuição de nenhum outro afluente de água branca, prove-niente dos Andes. Esta condição difere consideravelmente do trecho deste rio em território boliviano, onde existe con-tribuição de muitos e importantes afluentes andinos.

Embora, na grande maioria, sejam de médio a pequeno porte, estes rios ou córregos formam uma extensa e com-plexa rede de drenagem, mantendo todo o sistema aquáti-co interligado. Eles ainda mantêm estreita vinculação com o ambiente de terra firme, especialmente com a floresta, onde estão assentadas suas cabeceiras e da qual recebem

grande parcela da biomassa e dos nutrientes que alimen-tam todo o sistema.

Além disso, ou talvez por isso mesmo, muitas espécies de peixes utilizam estes tributários como moradias efetivas ou como vias de mão dupla, deslocando-se ao longo de-les para baixo e para cima, em busca de condições mais apropriadas para a alimentação, desova, dispersão e outras necessidades vitais de seus dinâmicos ciclos de vida.

Dados dos EIAs, bem como de outros estudos desenvol-vidos na região têm demonstrado que muitas espécies de peixes utilizam o canal do Madeira, na região das cacho-eiras, mais como rotas migratórias do que propriamente como locais de desova ou mesmo de alimentação. Assim, a passagem por este trecho é de fundamental importân-cia, mas as fontes de que eles necessitam localizam-se normalmente acima ou abaixo dele, muitas vezes, nos referidos tributários. Neste caso, isso ocorre, geralmente, no período de enchente e cheia, quando estes peixes estão em busca de alimento ou abrigo nas matas alagadas de sua foz e margens.

Tais comentários são aqui esboçados para lembrar que os afluentes ou igarapés de terra firme são de fundamental importância na manutenção e desenvolvimento da ictio-fauna do Rio Madeira, ora sob análise. Os igarapés deve-rão ter significativa função como atenuadores das modi-ficações impostas ao ambiente represado no leito do Rio Madeira. Com o aumento do nível deste rio, decorrente do represamento, suas águas deverão deslocar-se em direção às partes mais baixas dos afluentes. Isso certamente irá provocar a mistura das ictiofaunas destes dois sistemas distintos, ou então o deslocamento destas, rumo às partes mais altas dos referidos tributários.

Isso é válido, especialmente, no trecho do reservatório da AHE Santo Antônio, semi-isolado dos demais trechos deste rio pelas duas barragens instaladas em suas extremidades. Assim, por ocupar uma posição estratégica na dinâmica das populações de peixes do Rio Madeira, que aí ficarão fixadas, o Rio Jaci-Paraná merece atenção especial, em termos de estudos de ecologia e medidas protecionistas. Ele representa a maior e, praticamente, a única sub-bacia de porte considerável existente neste trecho do Rio Ma-deira que será represado e sem saída livre dos peixes para cima ou para baixo dele.

CANAL PARA PASSAGEM DE PEIXES (ITAIPU): EFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA

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5.2 - Nos Estudos de Impacto Ambiental foram registradas 459 espécies de peixes nos diversos trechos do Rio Madeira a serem impactadas pelo empreendimento hidrelétrico. De acordo com exigências legais e recomendações de especialistas que participaram desses estudos, o monitoramento desta ictiofauna deverá ser desenvolvido. Mesmo tratando-se de trabalho de médio a longo prazo, tal tarefa é bastante difícil, onerosa e demorada, se feita com um número tão expressivo de espécies. Além disso, os dados de certas espécies, sobretudo as raras e de porte reduzido, como as piabas, talvez acrescentem muito pouco em termos de informação ou adoção de medidas destinadas à mitigação ou ao manejo da pesca nos reservatórios e em suas áreas de influência.

Desse modo, para tornar tal tarefa mais eficaz e eficiente, é recomendável a seleção de determinadas espécies-alvo, as quais passariam a receber tratamento mais aprofundado e detalhado. Tal seleção deve ser feita oportunamente, quando as condições típicas do reservatório estiverem estabelecidas e as espécies adaptadas a elas mostrarem-se mais ou menos adequadas. Ainda assim, é importante que sejam adotados como critérios de escolha a alta freqüência de ocorrência e a grande importância comercial destas espécies.

5.3 - Parece consenso entre pescadores, pesquisadores, técnicos e gestores o fato de que, no processo de implantação de hidrelétricas, as barragens constituem-se num dos principais impactos sobre a vida dos peixes. Por conta disso, parece haver certa tendência ou mesmo decisão de se instalar na área algum mecanismo de transposição, com vistas a auxiliar a passagem de peixes migradores de baixo para cima das barragens. Há, inclusive, a indicação do meio mais adequado para isso, que seria a construção de um canal semi-natural junto à barragem.

Em tese, a instalação de canal, de escadas, de elevadores ou de qualquer outro mecanismo de transposição seria uma estratégia interessante, pois facultaria a desova dos peixes na parte superior do rio, permitindo, assim, que ovos e larvas sejam dispersos rio abaixo. Aliás, por causa desta tese é que tais mecanismos vêm se tornando requisito obrigatório em empreendimentos hidrelétricos de grande porte em alguns estados brasileiros. O grande problema, no entanto, é que tais mecanismos, além de caros e limitantes do potencial energético, têm-se mostrado ineficientes e inócuos. Isso, devido a três razões básicas:

a- Eles são seletivos. Vale dizer: não permitem a passa-gem de todas as espécies, como acontecia em condições na-turais, antes da intercepção do rio. Quando muito, permitem a passagem de apenas algumas espécies, a muito custo.

b- Além disso, a instalação e o funcionamento desses mecanismos não são garantia de que os peixes bem-suce-didos na ultrapassagem venham a se reproduzir na área à montante do represamento, já que esta também pode estar afetada direta ou indiretamente pelo represamento.

c- Do ponto de vista biológico, a migração é um pro-cesso de ida e volta. Ou seja, o peixe teria que subir e descer o rio para manter normalmente seu ciclo de vida. Exemplo notável em relação a isso é o do salmão, peixe de regiões temperadas. Ele nasce no rio, vai para o mar, onde se desen-volve, e retorna ao mesmo rio, para reproduzir uma única vez e, em seguida, morre. Os peixes de regiões tropicais, migradores e estritamente de água doce, ao contrário, re-produzem anualmente, durante várias vezes. Eles precisam subir e logo depois descer o rio, para manter o equilíbrio de suas populações. Ou seja, se a barragem é uma barreira in-transponível para os peixes e os mecanismos de transposi-ção funcionam apenas em mão única, apenas de baixo para cima, eles jamais poderão retornar às suas áreas de origem. O ciclo não fecha e as perdas podem ser irreparáveis.

Para serem efetivamente funcionais, os mecanismos de transposição deveriam atender a esta e a outras demandas comportamentais e fisiológicas dos peixes, mas isso ainda não se deu. Para a sua realização, segundo os parâmetros técnicos e científicos desejáveis, seria necessário um pro-grama de pesquisa específico, e isso demandaria tempo. E talvez seja arriscado implantar um mecanismo desta na-tureza, sob a égide do apressamento e sem o devido res-paldo científico de sua aplicação aos peixes amazônicos. Sem esta mínima garantia de funcionalidade, isso poderia constituir-se simplesmente em mais um álibi para a libe-ração do empreendimento e, como tal, tornar-se um ele-mento gerador de novas dúvidas e de mais problemas que soluções de fato para a vida dos peixes e para a pesca.

5.4 - Embora haja muitas informações de pescadores e mesmo trabalhos científicos tratando das migrações de peixes ao longo das corredeiras de Porto Velho, tais fontes de informação tratam, quase que exclusivamente, de peixes adultos, especialmente dos grandes bagres e alguns

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caraciformes de importância comercial. A dinâmica das populações de peixes na área, sobretudo depois da instalação das duas barragens das hidrelétricas, devem ser abordadas, especialmente com o estudo das larvas. São estas que, potencialmente, terão mais facilidades em transpor tais obstáculos e é sobre elas que se devem intensificar os estudos, com vistas à melhor compreensão de como as espécies irão se comportar e qual sua dinâmica entre os diversos trechos do Rio Madeira, sob influência destas hidrelétricas.

Tais estudos devem estar focados, especialmente, sobre as espécies migradoras, de grande porte e de importância na pesca, ou seja, exatamente aquelas a serem definidas como alvo do trabalho de monitoramento, descrito anteriormente. Tais estudos sobre ovos e larvas são importantes não ape-nas do ponto de vista técnico e científico. Eles têm também o papel de propor soluções a problemas locais, assim como de subsidiar medidas mitigadoras e a adoção de medidas de gestão mais ampla sobre os estoques pesqueiros e que interessam a todas as comunidades que vivem e exploram este recurso, ao longo de toda a bacia do Rio Madeira.

5.5 - É esperado intenso desenvolvimento das comunida-des de determinadas espécies de peixes nas áreas do re-servatório e seu entorno, sobretudo na localidade acima da barragem do AHE Jirau. Com isso, também é esperado intenso desenvolvimento da atividade da pesca e adensa-mento de pescadores e outros atores desta cadeia de pro-dução. Nesse sentido, é de fundamental importância o es-tabelecimento de uma base funcional para monitoramento, controle e estatística pesqueira. Tal medida e os dados dela

advindos serão fundamentais para o estabelecimento de políticas e sistemas de manejo a serem adotados, visando à exploração sustentável deste recurso e a harmonização de eventuais conflitos de interesse entre os diversos atores envolvidos direta e indiretamente na atividade pesqueira.

5.6 - Para viabilizar a instalação das represas nas áreas de corredeiras, o leito do rio deverá ser deslocado. Esta opera-ção normalmente expõe e torna vulneráveis muitas espé-cies de peixes, que vivem no fundo e antes eram inacessí-veis aos aparelhos de pesca. Assim sendo, é recomendável que intensivas coletas de peixes sejam feitas nestas áreas, visando à complementação dos estudos de inventário e possível detecção de espécies novas, endêmicas ou raras.

5.7 - Há indicações de que algumas espécies de peixes só ocorram em certas áreas de corredeiras. É o caso do canivete (Paradon cf. pongoensis), da pescadinha (Pa-chyurus paucirastrus), da piaba (Astyanax sp.), do sarapó (Eigenmannia virescens), do charutinho (Characidium sp.), do pacu (Myleus torquatus), do piabão (Agoniates an-chovia), da branquinha (Steindacnerina dobula), do pei-xe-borboleta (Thorachocharax securis) e da manjuba de água doce (Anchoviella sp.2). Assim sendo, estas espécies deverão sofrer forte impacto pelo represamento, podendo até desaparecer da área, após a formação do reservatório. Recomenda-se que estas espécies sejam monitoradas tanto ao longo do processo de construção das hidrelétricas como também durante o período de geração de energia. Da mes-ma forma, sugere-se que o trabalho de resgate dos peixes que ficarão retidos nas áreas de ensecadeira deva ser feito, evitando assim, sua mortandade ou mesmo a pressão de predação ou o estresse dos indivíduos sobreviventes.

Além disso, o resgate de peixes aprisionados nas enseca-deiras deve ser acompanhado de estudos da biodiversida-de, visando à complementação do inventário da ictiofauna e a descrição de espécies novas que eventualmente ve-nham a ocorrer nestas áreas especiais de fundo do rio.

5.8 - Em processos de instalação de reservatórios em hidre-létricas, normalmente é recomendada a supressão da vege-tação da área inundada, de forma a reduzir a carga da bio-massa resultante da vegetação afogada. No entanto, deve-se salientar que essa medida é altamente prejudicial à instala-ção de algumas espécies de peixes no reservatório, já que tal vegetação é fundamental como fonte de abrigo, proteção e

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USINAS MUDARÃO O PANORAMA SOCIOECONÔMICO E AMBIENTAL DA REGIÃO

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até mesmo como substrato para a desova, como é o caso dos tucunarés. Logo, esta vegetação só deve ser retirada em ca-sos extremos, onde pode haver a formação de águas estag-nadas e com depleção total de oxigênio, como nos bolsões afogados nas laterais de determinados afluentes.

5.9 - Outra medida paliativa neste momento seria a im-plementação do enchimento do reservatório em fases su-cessivas, de duas ou mais etapas, de modo a promover a introdução mais lenta da carga de biomassa inundada no sistema, diminuir a depleção de oxigênio na água e, com isso, permitir o estabelecimento ou manutenção das comunidades de peixes nestas áreas.

5.10 - Apesar dos movimentos migratórios de indivíduos adultos de certas espécies serem bem conhecidos nesta área do Rio Madeira, os movimentos de ovos, larvas e in-divíduos jovens não o são. Nesse sentido, é importante e urgente o estabelecimento de uma base de estudos neste setor, com vistas a elucidar algumas questões, especial-mente quanto ao poder de flutuação e dinâmica dos mo-vimentos destes elementos, em função da correnteza.

5.11 - Como a atividade pesqueira deverá ser modificada e incrementada na região a partir da formação do reser-vatório, é bem provável que comecem a ocorrer casos de conflito entre os usuários dos recursos pesqueiros. Para contornar tal situação, é preciso que os gestores de tais recursos comecem imediatamente a elaborar planos para indução e acompanhamento das novas organizações so-cioprodutivas locais e sua harmonização. Para o estabele-cimento dessa estratégia de ordenamento do setor pesquei-ro, é fundamental que haja a participação efetiva e con-junta de gestores, grupos de pescadores e de comerciantes de peixes. Isso contribuirá bastante para a maximização no aproveitamento dos recursos pesqueiros, na organiza-ção das cadeias produtivas, na proteção ambiental e, até mesmo, na ampliação das fontes de informação sobre a biologia das espécies de peixes que passarão a dominar a área, bem como do manejo da pesca sobre as mesmas.

6 - coNclusãoA instalação das duas hidrelétricas no Rio Madeira é uma obra de enorme magnitude e certamente imprimirá um novo panorama socioeconômico e ambiental na região.Diante do aumento das taxas demográficas, da expansão

das fronteiras agrícolas e da demanda social pelo cresci-mento da indústria, comércio e bens de serviços, é natural que ocorra também um crescimento compatível da oferta de energia elétrica. Aliás, ao longo de muitas décadas, ela tem sido um dos requisitos básicos e também a mola pro-pulsora do desenvolvimento destes setores.

Por muito tempo, e em várias partes do mundo, vem sendo discutida a questão de qual é o meio mais adequado para a produção energética, dada a existência de muitas fontes e tecnologias disponíveis. Esse leque de opções engloba desde as mais simples, como a termoeletricidade, produ-zida pela queima de madeira ou combustíveis fósseis, até a nuclear, produzida por fissão do núcleo de elementos radioativos. Obviamente, cada uma destas opções apre-senta vantagens e desvantagens e, normalmente, são es-colhidas em função da disponibilidade de matéria-prima e da capacidade tecnológica que cada país ou região tem naturalmente ou adota como estratégia de segurança e de-senvolvimento no longo prazo.

No caso da Amazônia, rica em recursos madeireiros, ener-gia solar e cursos d’água, a opção tradicionalmente aceita tem sido por esta última, embora a primeira também seja utilizada em escala muito reduzida. A energia solar, con-siderada por todos como a mais limpa, em relação aos impactos sociais e ambientais, não tem passado do estágio de ensaios, protótipos ou usos extremamente localizados.

As justificativas mais plausíveis ou mais alegadas para a escolha da hidroeletricidade tem sido – além dos requisitos materiais e tecnológicos acima esboçados – o desenvolvi-mento sustentável. Aliás, hoje em dia, praticamente toda ação de governo, todo grande projeto ou mesmo simples projetos têm invocado este termo como se ele contivesse a panacéia para todos os males, como se imprimisse uma inquestionável e redentora qualificação para toda alterna-tiva adotada: um álibi geral, para qualquer coisa.

Mas, afinal, o que é sustentabilidade e qual o seu fun-damento prático ou mesmo teórico que pode justificar a invocação e, mais ainda, as opções e decisões feitas em seu nome? É preciso ter muito discernimento para perceber até onde vai o realismo e começa a demagogia deste discurso. Embora seja inegável a importância da energia como fator

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de desenvolvimento social e o valor estratégico da hidro-eletricidade para a realidade amazônica, é vital conside-rar que os recursos florestais e madeireiros, bem como os rios e os recursos aquáticos, são igualmente fatores fundamentais de desenvolvimento social e humano. Na Amazônia, especialmente, os recursos pesqueiros desem-penham papel extremamente importante, talvez indispen-sável para as populações nativas. Eles têm sido, ao longo de séculos, a base de fixação e expansão das populações humanas na região.

Portanto, ao mesmo tempo que se enfatiza a necessida-de da construção das hidrelétricas no Rio Madeira para a produção de energia e promoção do desenvolvimento regional, é preciso enfatizar também a necessidade de pro-teção e expansão dos recursos pesqueiros e madeireiros, com idêntico propósito. A relação entre custo e benefício implicada em ambas deve ser buscada e comparada, com cuidado e isenção.

Além dessa ênfase comparativa das duas fontes ou formas de desenvolvimento, é igualmente importante analisar o perfil dos usuários preferenciais e o propósito da desti-nação dos benefícios oriundos de ambas as opções. His-toricamente, na Amazônia (e isso não é muito diferente do que ocorre no restante do Brasil), o peixe tem servido como fonte básica de alimento, renda e emprego para o homem do interior e das pequenas cidades, ao contrário, a produção de energia tem-se destinado, preferencialmente, para as grandes indústrias, conglomerados internacionais de comércio e prestação de serviços.

Nesse cenário, é comum a constatação de vilas situadas debaixo das grandes linhas de transmissão sendo ainda iluminadas com a queima de diesel e, também, de grandes indústrias sendo subsidiadas com dinheiro público para a exploração de minérios e produção de grãos destinados ao exterior, visando quase unicamente atender ao capital especulativo e ao equilíbrio da balança de pagamentos.

Embora sejam imprescindíveis as pesquisas científicas e o trabalho de monitoramento, com vistas à melhor com-preensão dos elementos que compõem o meio físico, a biota, os processos geofísicos, pedológicos e até a socio-economia da região a ser afetada pela instalação das hi-drelétricas, é também imprescindível a reflexão sobre as bases filosóficas e os princípios norteadores que levam às

opções de escolha, frente a várias alternativas disponí-veis. Sobretudo quando estas são referidas e propaladas em nome do desenvolvimento sustentável e em benefício do povo.

Não há dúvida de que a produção de energia será bené-fica para o desenvolvimento de Rondônia e até mesmo para o restante do Brasil, mas também é certo que os recursos pesqueiros e florestais da região a ser afetada pelas hidrelétricas têm importância estratégica para este mesmo desenvolvimento. A despeito dos impactos ne-gativos que as hidrelétricas trarão para numerosas e im-portantes espécies de peixes que vivem nas cachoeiras, ou que delas se servem para abrigo, predação e rotas migratórias, é esperado que haja o crescimento de popu-lações de certas espécies na área do reservatório e de seu entorno à montante.

Diante da inevitabilidade de transformar as cachoeiras, de morada de peixes para mecanismos de produção energéti-ca, é preciso conciliar ações e estratégias, com o objetivo de que uma alternativa não inviabilize totalmente a outra. Nesse caso, a produção de energia e a produção de peixes devem constituir-se em ações complementares e concilia-tórias, na medida do possível.

Dessa forma, se ambos os recursos são igualmente im-portantes para o desenvolvimento sustentável da região, e se para a produção de energia são feitos investimentos maciços por parte dos governos, também deveria haver o mesmo tratamento para a produção pesqueira. Desenvol-vimento sustentável só ocorre, de fato, quando há intera-ção de atividades e interesses.

Portanto, como medida compensatória aos danos socio-ambientais acarretados, recomenda-se que as empresas responsáveis pela produção de energia nas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau destinem um percentual de sua receita líquida (em torno de 0,5% a 1%) ao desenvolvi-mento do setor pesqueiro local. Nele, estariam incluídas atividades de pesca, piscicultura, educação ambiental, or-ganização geral dos pescadores e pesquisa científica. Além de constituir-se numa justa medida de reparação aos im-pactos acarretados ao ecossistema aquático, à ictiofauna e à população residente, essa medida seria uma iniciativa concreta em direção ao verdadeiro e propalado desenvol-vimento sustentável da região.

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bIbLIOGRAFIA

Page 120: Aguas Turvas

120

o Norte do Brasil, concluiu um inventário da bacia. Em 2001 e 2002, a companhia estatal Furnas e a Construto-ra Norberto Odebrecht SA, com licença concedida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), concluíram os estudos sobre o inventário hidrelétrico no Rio Madei-ra. Juntamente com a empresa Projetos e Consultorias de Engenharia Ltda (PCE), Furnas desdobrou estes estu-dos em um projeto. A PCE e Furnas concluíram o estudo de viabilidade em 2004 e, juntamente com a Leme Enge-nharia, estas empresas completaram o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) em 2005.

Em março deste mesmo ano, o Laboratório de Ictiofau-na da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) concluiu um estudo biológico sobre as populações de peixe no trecho impactado do rio. Em abril de 2006, o hidrólogo Jorge Molina Carpio, do Instituto Nacional de Hidrologia da Bolívia, publicou um estudo cujo tema são os impac-tos do hidroprojeto sobre o fluxo e a sedimentação. Por último, este ensaio utiliza as informações coletadas junto às associações de pescadores em Porto Velho (Colônia Z-1) e Guajará-Mirim (Colônia Z-2).

O projeto brasileiro das duas novas hidrelétricas no Rio Madeira tem um custo total estimado de cerca de R$ 25 bilhões. Infelizmente, todas as análises econômicas brasi-leiras do projeto não incluem inúmeros custos e benefícios secundários1. Por exemplo, os custos de transmissão de eletricidade, de 500 kV para 2.450 km, estimados entre R$ 10 e 15 bilhões2, não constam nos estudos de viabilidade ou EIA. Outros custos não calculados são os prejuízos da pesca, os custos socioeconômicos da realocação forçada, os custos do aumento do índice de malária, os custos do alagamento da floresta tropical e de sua conversão em plantações de grãos e o custo da liberação do gás me-tano no reservatório. Do mesmo modo, o EIA falha em enumerar os benefícios econômicos do projeto, tais como o aumento da navegação e o aumento da exportação de soja. O complexo hidrelétrico é parte de um projeto con-junto do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Corporação Andina de Fomento (CAF) e um Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, chamado de Iniciati-va para a Integração Regional da Infra-estrutura Regional Sul-americana (IIRSA), mas mesmo assim, até agora, ne-nhum estudo geral da mudança do uso da terra foi conclu-ído para examinar cuidadosamente os custos e benefícios econômicos deste projeto.

Rio Madeira é o mais longo afluente do Rio Ama-zonas e o que tem a maior quantidade de sedi-mentos da bacia. Ele nasce nos Andes, atravessa as

várzeas da Amazônia boliviana, corre por 42 cachoeiras, torna-se navegável em Porto Velho, o mais distante porto no interior do Brasil e, finalmente, perto de Manaus, en-contra o Amazonas. O atual plano de desenvolvimento hi-drelétrico do Brasil afirma depender da construção de duas barragens ao longo do Rio Madeira para garantir o futuro abastecimento de energia do País: Santo Antônio e Jirau.

As informações neste ensaio são baseadas em coletas de dados e levantamentos feitos pessoalmente, conversas informais, três reuniões no escritório da Furnas Centrais Elétricas SA, em Porto Velho, e em estudos disponíveis ao público.

Desde 1971, há tentativas de aproveitar esse trecho do Rio Madeira como possível locação para barragens pela con-veniente combinação de facilidade técnica e estimativas de altos benefícios econômicos. Em 1983, a Eletronorte, concessionária de serviço público de energia elétrica para

VALORES DE MERCADODA PESCA COMERCIAL

OI- PRObLEMA

CUSTOS DAS BARRAGENS DE SANTO ANTÔNIO E JIRAUPARA OS PESCADORES EM RONDÔNIA, BRASIL,

E PANDO-BENI, BOLÍVIA

por Erin A. Barnes

Page 121: Aguas Turvas

121

O trecho impactado do rio, entre Porto Velho e Guajará-Mirim, é considerado uma área de transição e migração para peixes de média e grande importância para a pesca comercial3. A experiência com peixes realizada pelo La-boratório de Ictiofauna da UNIR descobriu que das 189 espécies capturadas, 119 delas são importantes fontes de proteína para o sustento das populações humanas locais. E destas 119, 82 são usadas na pesca comercial, 16 na pesca esportiva, e 52 são comercializadas para a recreação e turismo da Bacia Amazônica4. A pesca neste trecho estudado do Rio Madeira é princi-palmente artesanal, mas há muitos pescadores de grande porte5. Algumas das espécies, em particular o bagre grande,

são diádromos (migram entre a água doce e a salgada) e percorrem vários milhares de quilômetros para se reprodu-zirem. Estas espécies são as mais ameaçadas pelo projeto hidrelétrico6. O estudo da UNIR também detectou que, ape-sar da tendência decrescente no número de peixes pesca-dos (figura 1), a média do tamanho dos peixes verificados nos cais não indica pesca excessiva neste trecho do rio7. O estudo da UNIR apresenta uma vaga estimativa da mé-dia de renda dos pescadores comerciais de R$ 15.210/ano/pescador. Baseado nos 230 pescadores registrados pelo estudo durante seus quinze meses de duração, conclui-se que o valor agregado da pesca é de R$ 3.000.000 por ano, uma estimativa arredondada para baixo, ou, mais exata-

O NÍVEL DE ÁGUA AUMENTARÁ BASTANTE NA REGIÃO DO RIO ABUNÃ

MAR

GI M

OSS

/BRA

SIL

DAS

ÁGU

AS

Page 122: Aguas Turvas

122

Fonte: EIA, 2005

Figura 1: Toneladas de peixe pescadas no trecho impactado do rio

mente, cerca de US$ 1.694.236 por ano (US$ 1,00 = R$ 2,154). O estudo reconhece que este é um número muito menor comparado ao que a associação dos pescadores relata como sendo o número de pescadores registrados. O relatório também observa que, se as barragens forem mesmo construídas, a perda do bagre grande é bastante provável e que os prejuízos são “incalculáveis”. A previ-são é de que os danos serão maiores em Cachoeira Teo-tônio, onde a prática de pescar com a técnica da “fisga”, um tipo de pesca artesanal com arpão, já vem diminuin-do nos últimos anos8.

Este estudo foca no custo resultado pela perda potencial dos pescadores à montante das barragens. Deste modo, o estudo é inerentemente conservador. Quando barragens são construídas em rios com populações de peixes migra-tórios, as comunidades acima do rio são as primeiras a perder o acesso ao peixe. Contudo, em muitos casos, as populações rio abaixo também são negativamente impac-tadas. Embora os impactos das barragens nas populações de peixes afetem diversas espécies de diferentes maneiras, favorecendo algumas espécies e impactando outras nega-tivamente, prevê-se que as barragens de Santo Antônio e Jirau diminuirão as populações de peixes e podem amea-çar certas espécies de extinção9.

Este ensaio procura calcular o valor de mercado da pesca comercial do Rio Madeira entre Porto Velho, Rondônia, e Trinidad, na Bolívia, com o propósito de estimar o cus-to para os pescadores do projeto hidrelétrico do governo brasileiro no Rio Madeira. Este estudo não é conclusivo e conta com resultados de pesquisas feitas com poucas

amostras. Os resultados deste estudo devem ser considera-dos como tendências e indicações do mercado local e não como uma medição exata. Outros estudos são necessários para avaliar com maior precisão o valor da pesca comer-cial e da pesca não comercial nesta região.

II- MéTODOS A área impactada pelo projeto das barragens é defi-nida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) como o Rio Ma-deira, de Porto Velho até Abunã, na fronteira com a Bolívia10. Este limite é baseado nas áreas previstas de inundação causada pelas barragens. Outros estudos consideram que os impactos do projeto serão mais ex-tensos. O estudo hidrológico de Jorge Molina descreve os impactos de inundação se estendendo para além da fronteira com a Bolívia. Além disso, devido ao fato de que uma significativa parte do peixe culturalmente mais importante é migratória, ictiólogos consideram que os impactos do projeto se estendem além dessas fronteiras arbitrárias11. Considerada a extensão da pes-quisa para este estudo e as limitações de dados dispo-níveis, este ensaio foca principalmente a área acima de Porto Velho e abaixo de Guajará-Mirim, no Brasil, como a área de impacto. Os impactos no ecossistema devem estender-se muito além dessas fronteiras, por-tanto, os resultados são, provavelmente, conservadores em suas averiguações.

Os valores da perda do peixe pescado foram estimados pelo uso de um instrumento de avaliação. As coletas de dados foram feitas no trecho impactado do rio, de maio a agosto de 2006, na forma de entrevistas pessoais. Amostras de populações foram escolhidas de represen-tativos distritos, vilas e cidades de toda a região. O levantamento avaliou as receitas e os custos dos indi-víduos e dos barcos como entidades. Para obter maior precisão, os valores foram avaliados de diferentes for-mas. Foi solicitado aos pescadores que definissem suas rendas e custos por dia, semana e mês. Os relatórios anuais de rendas e custos provaram-se ineficazes na fase de testes do levantamento. Além disso, foi solici-tado aos pescadores que descrevessem suas médias de pesca em detalhes: por espécies, por mês, por peso e pelo preço. Estes números foram calculados para for-necer a renda líquida e foram também comparados ao relatório anual de lucros e custos.

1.600

1.200

1.000

800

600

400

200

0

1.400

Ano y= - 14.021 + 965.25R2 = 0.1044

PESCADORES QUE MORAM ACIMA E ABAIXO DAS BARRAGENS SERÃO PREJUDICADOS

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123

ALEX

IS B

ASTO

S/RI

OTER

RA

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124

A- captura de peixePrimeiro, foi solicitado aos participantes do levantamento para descreverem seus salários, custos e rendas líquidas durante diferentes períodos de tempo. Depois que esta in-formação havia sido estabelecida, pediu-se aos pescadores que descrevessem a média de pesca de espécies típicas du-rante os meses característicos. Um exemplo de um relato real está acima, na figura 2. Este método de obter dados da média pescada contém alguns erros que foram revelados nos casos dos pescadores de grande porte. Ao invés de conferir com as rendas declaradas, os lucros da pesca eram muito maiores, talvez devido a um erro no levantamento. Por exemplo, embora o curimatã possa ser pescado em junho, julho, agosto, setembro e outubro, é possível que as quantidades para os meses centrais sejam mais altas que em junho e outubro, criando uma curva sinuosa de pesca. Isto será mais discutido na Seção III.

B- custosOs custos da pesca são diversos. Eles incluem a com-pra semanal de gelo e combustível, que aumentam com o tamanho da operação e com a duração da viagem. A mensalidade da associação dos pescadores para a licença de pesca custa R$ 10. O material de pesca, como redes

(malhadeiras, tarrafas), linha e lanças (zaiga, flecha) são substituídos anualmente ou dependendo do tamanho da operação de pesca. A posse e a substituição de um barco e do motor foram comparadas ao aluguel anual usando a seguinte fórmula:

R = (p/r)/(1-e^-rt)

onde:

R = Aluguel

p = Preço do barco e preço do motor

r = Juros a 4%

t = Vida útil de um barco, estimada em 10 anos, baseada nas respostas do levantamento

Esta fórmula para aluguel foi baseada nas respostas ao le-vantamento sobre a média de vida útil dos barcos. O pa-drão de substituição dos barcos foi detectado como sendo de 10 anos – duas vezes a média de vida útil dos barcos dos participantes do levantamento. O total de custos para cada pescador foi calculado de acordo com a seguinte equação:

EspéciesLocal

da Pesca

Mês da PescaNúmero de

Meses

Número de Viagens por Mês

Vezes Pescada por Ano

Quantidade Capturada por Viagem (kg)

Quantidade Vendida por Viagem (kg)

Total Anual de Pesca por Espécies (kg)

Preço(R$ por Kilo)

Lucro Total (R$)

Lucro (US$) 2006

JatuaranaRio Jacy

F / M / A 3 4 12 60 60 720 5,0 3.600 1.671

PirapintingaRio Jacy

F / M / a 3 4 12 12 12 144 5,0 720 334

TucunaréRio Jacy

J / J / a / S / O 5 4 20 20 20 400 3,0 1.200 557

Curimba (curimatã)

Rio Jacy

J / J / a / S / O 5 4 20 50 50 1.000 3,0 3.000 1.392

CaráRio Jacy

J / J / a / S / O 5 4 20 10 10 200 2,5 500 232

TrairaRio Jacy

J / J / a / S / O 5 4 20 10 10 200 2,5 500 232

PiraracuRio Jacy

O / N 2 4 8 50 50 400 6,5 2.600 1.207

Figura 2: exemplo de uma típica tabela de pesca de Jacy-paraná

Page 125: Aguas Turvas

125

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

“Não se tem a idéia quantitativa da participação dos indivíduos (de outras espécies migratórias) que sobem as cachoeiras nos eventos reprodutivos nesta região. Apesar de haver extensas áreas para criação de pei-xes acima das cachoeiras, especialmente em território boliviano, não se sabe quanto do repovoamento das várzeas do Rio Madeira, em especial na região logo abaixo de Porto Velho, depende da desova dos indiví-duos que sobem as cachoeiras. Estudos da migração no Rio Madeira acima das cachoeiras, com eventual quantificação das áreas de criação e reprodução, são essenciais para predizer impactos na pesca comercial no baixo Rio Madeira.”

Ronaldo Barthem e Michael Goulding

Faltam estudos adequados sobre impacto na pesca no

baixo madeira

TC = R (barco, motor) + E + Mc + Mbm + Cf

onde:

TC = Total anual de custos

R = Aluguel anual de barco e motor

E = Equipamento (redes, lanças, linhas, etc)

Mc = Anuidade da colônia ou associação de pescadores

Mbm = Custos de manutenção anual declarados do barco e motor

Cf = Custos da pesca por semana (gelo, combustível, comida) x número de semanas de pesca por ano

OU

Cf = Custos da pesca por viagem (gelo, combustível, comida) x número de viagens de pesca por ano

Por serem empregados de um barco, alguns dos partici-pantes do estudo não tinham virtualmente nenhum cus-to, a não ser a taxa anual de associação. Como o dono do barco cobria todos os gastos, os custos eram invisíveis ao empregado. Pela estimativa e soma dos diferentes custos e receitas dos pescadores, o valor de mercado líquido médio de um barco e de um pescador foram calculados. A partir destes, o valor de mercado líquido agregado da pesca foi calculado.

Os lucros líquidos foram determinados pela equação:

Lucro líquido = TB - TC

onde:

TB = Total anual de benefícios

TC = Total anual de custos

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126

c- Variáveis

Diferentes variáveis afetaram a produtividade do barco ou do pescador. Estas variáveis foram o comprimento do barco (BL), a duração da viagem de pesca (TL) e o nú-mero de empregados por barco (E). Elas foram definidas como variáveis simuladas, isto é, variáveis que respondem a uma questão de Sim ou Não, com um 1 ou 0, com o comprimento do barco maior que 10 metros, BL > 10, uma viagem de pesca mais longa que um dia ou mais longa que dez dias, TL >1 ou TL >10, e o número de empregados maior que um, E > 1. Além disso, algumas questões tinham múltiplas escolhas de variáveis simuladas. A primeira era o sistema de propriedade do barco. O barco poderia ser de propriedade do pescador (O), da família (F), dividido (S), alugado (R), emprestado (B) ou o pescador poderia ser um empregado (E) do dono do barco. Portanto, a propriedade do barco (OB) tornou-se uma variável simulada. O outro grupo de variáveis simuladas era o método de dividir a

pesca ou dividir os lucros. Para a divisão de lucros baseada na pesca (DC) há algumas opções. Pode haver uma divi-são igual antes dos custos (EB), divisão desigual antes dos custos (UB), divisão igual depois dos custos (EA), divisão desigual depois dos custos (UA), ou, no caso de uma famí-lia proprietária, a pesca não é dividida (ND).

De modo geral, Porto Velho e Guajará-Mirim têm pesca-dores comerciais de maior porte. No caso de Porto Velho, há uma população muito maior que no resto do estado de Rondônia, portanto, a demanda por peixe é maior. Além disso, como último porto navegável no Rio Madeira, ele está bem estabelecido há mais de 100 anos. Guajará-Mi-rim, devido à sua localização na fronteira com a Bolívia, é também um porto natural. Além disso, os portos destas duas cidades são localizados geograficamente para tirar maior proveito da pesca. Porto Velho está próximo a mui-tas cachoeiras, ou corredeiras, onde a pesca é excelente. Do mesmo modo, Guajará-Mirim fica na confluência de

Variáveis Descrição da Variável# de Participantes que tiveram esta

variável (de um total de 19)

B Pesca com um barco 19

Bl Comprimento do barco > 10 metros 8

M Motor 18

Tl Duração da viagem > 1 dia 7

Tl Duração da viagem > 10 dias 4

EB Número de empregados por barco NA

S i s t e m a d e Pr o p r i e d a d e d o B a r c o ( O B )

O Próprio pescador 9

F Propriedade da família 6

S Dividido 1

R Alugado 0

B Emprestado 1

E Emprestado 2

Sistema de Divisão de Lucros baseado na Pesca (DC)

EB 20 1

UB 50 0

Ea 10 5

Ua 10 2

Nd 50 11

Figura 3: Variáveis de eficiência do barco

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127

vários rios, o que cria uma mistura de efeitos e a possibili-dade de pesca de diversas espécies em diferentes afluentes durante várias estações.

Portanto, os pescadores comerciais de maior porte, com maiores barcos, mais pescadores por barco e duração das viagens de pesca mais longas, estão no lado oposto do trecho estudado do rio. Como resultado, estes pescadores geralmente pescam mais, a um custo mais alto. Entre Por-to Velho e Guajará-Mirim há muitos pequenos povoados, como Cachoeira Teotônio, Jacy-Paraná, Nova Mamoré, Vila Murtinho e Jirau. Ao redor destes pequenos povo-ados, sempre há comunidades muito menores, às vezes, com cinco ou dez famílias, com barracos de madeira. Co-nhecidos como ribeirinhos, eles pescam e plantam para a subsistência ou um pouco mais que isso. Seus barcos e ca-noas são menores, com pequenos motores externos, e suas viagens raramente duram mais que um dia. Geralmente, os ribeirinhos pescam como uma família, ou dividem ou emprestam barcos em relações casuais, enquanto, nas ci-dades, os pescadores têm relações muito bem definidas como empregadores e empregados.

d- descrição do mercado Nas cidades, os pescadores utilizam a colônia ou asso-ciação para ajudá-los na venda de peixe ao consumidor. A colônia organizada dos pescadores tem um sistema de compra em volume do peixe direto do barco, ao amanhe-cer, por um determinado preço por kilo, dependendo do estoque. Logo no início da manhã, donos de mercados, vendedores profissionais de peixes ou outros indivíduos compram os peixes - tanto em estado natural como desca-mado, destripado e limpo, ou cortado - por um preço um pouco mais caro que o que foi pago ao pescador. A co-lônia sempre proporciona um lugar para vender gelo aos pescadores. Geralmente, os vendedores de redes e outros materiais de pesca ficam instalados próximos à colônia.

Nas áreas entre Porto Velho e Guajará-Mirim, a venda de peixe é menos organizada. Os pescadores agem também como vendedores. A maioria dos pescadores têm refri-geradores para armazenar os peixes e vendem direto ao consumidor, nas ruas ou em suas próprias casas. É bas-tante comum encontrar na frente das casas dos pescadores tabuletas “aqui vende-se peixe” ou simplesmente “peixe”. Em muitas famílias, o pai e os filhos mais velhos pesca-ram, e os filhos mais novos, filhas ou esposas vendem os

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

“A ocorrência de um comportamento de homing (re-torno à área onde nasceu) tornaria estas espécies bastante vulneráveis ao barramento, pois o bloqueio do rio eliminaria uma população distinta, mesmo se este bloqueio fosse temporário. Durante o período de bloqueio não haveria a reposição de indivíduos para as áreas de desova acima da cachoeira - e os reproduto-res nas cabeceiras do Madeira diminuiriam em número com o tempo, sendo que o desaparecimento completo dependeria da intensidade da pesca nas encostas e do tempo do bloqueio. Sem os ovos produzidos nesta área não haveria a migração de retorno e esta população estaria extinta. Estudos de marcação são necessários para complementar este projeto.”

Ronaldo Barthem e Michael Goulding

Peixes dourada e babão são ameaçados de extinção

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128

peixes fora de casa. Neste caso, não há nenhum aumento no valor do peixe, já que o pescador vende diretamente para o consumidor.

Durante a piracema, geralmente em setembro e outubro, quando grandes quantidades de peixes migratórios, como a dourada e outros bagres, nadam rio acima, pescadores de pequeno porte ou ribeirinhos desses pequenos povoados viajam em grupos, de barco ou de táxi, para Porto Velho ou Guajará-Mirim, cidades mais populosas, para vende-rem o excesso de peixe lá.

e- Fontes de informaçõesPara testar a precisão da metodologia, os dados colhidos para este estudo foram comparados com os registros exis-tentes da produção de pesca. A Associação de Pescado-res Z-1 (Porto Velho) contabiliza a produção de pesca em quilos e reais para os anos de 2004 e 2005 (nas figuras 6 e 7). Além disso, o Estudo de Impacto Ambiental para

o projeto, feito por Furnas, Leme e PCE, tem a produção total de peixe para a maioria dos anos 90 e mesmo antes. A informação fornecida não está completa ou é confiável porque os pesquisadores e os métodos de coleta de in-formação variaram durante os anos. Estes números são mostrados nas figuras 4 e 5 .

Apesar disso, os gráficos mostram a variação natural na produção da pesca devido a padrões de migração e ao El Niño e à La Niña.

De acordo com o gráfico e quadro acima, a média anual de produção de pesca para o trecho total do rio em questão é de 703 toneladas. Além disso, os números da Associação de Pescadores Z-1 são usados como pontos de comparação somente por Porto Velho. Estas informações são resumidas na figura 612.

Os dados coletados pela Associação de Pescadores Z-1 são consideravelmente mais altos que os dos estudos de Doria et al. Nas figuras 4 e 5, o EIA de 2005 relata que o total de toneladas de peixe para 2004 foi de 354 toneladas, enquan-to a Associação Z-1 relata, somente para Porto Velho, um total de 407 toneladas. Porto Velho é somente um subcon-junto do trecho impactado do rio, embora um significante subconjunto. Devido ao fato de que a tonelagem registra-da para Porto Velho é mais alta que para todo o rio, ou a Associação dos Pescadores está superestimando a pesca ou os estudos de Doria et al é que estão subestimando-a. Es-te tipo de discrepância destaca a necessidade da realização de estudos mais precisos com métodos padronizados para coletar amostras e mensurar a produção de peixe. A média de pesca por pescador também foi usada como aspecto

Figura 4: estudos que forneceram a produção de pesca para a área impactada durante o período

Ano Produção da pesca (tons) Fonte

1977-1978 870 Goulding, 1970

1984 928 Boischio, 1992

1989 1.488 Boischio, 1992

1990 614 Doria, et al, 1998

1991 742 Doria, et al, 1998

1992 391 Doria, et al, 1998

1993 1.098 Doria, et al, 1998

1994 399 Doria, et al, 1998

1995 485 Doria, et al, 1998

1996 518 Doria, et al, 1998

1997 1.016 Doria, et al, 1998

1999 529 Araújo, 2002

2000 439 Araújo, 2002

2001 783 Doria, et al, 2003

2002 677 Doria, et al, 2003

2003 616 EIA, 2005

2004 354 EIA, 2005

Média 703

Fonte: EIA, 2005

Figura 5: produção de pesca durante o período

1.600

1.400

1.200

1.000

800

600

400

200

0

1977

- 19

78

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1999

2000

2001

2002

2003

2004

870 928

1.488

614742

391

1.098

399485

518

1.016

529

439

783677

616

354

TON

ELA

DA

S

Fonte: EIA, 2005ANO

Page 129: Aguas Turvas

129

de comparação. O estudo da UNIR apresentou uma média de pesca por pescador por dia, em janeiro de 2005, de 8,5 kg, e, para julho de 2004, de 26,13 kg por dia, com uma média anual de 16,8 kg por pescador por dia. Portanto, o valor médio, baseado em 8 meses de pesca por ano, é de cerca de 4 toneladas por pescador por ano. De acordo com o mesmo estudo, a média anual de pesca para um pescador comercial de grande porte é de cerca de 17,65 toneladas por pescador por ano.

III- RESULTADOS

A- renda declarada versus renda calculadaA renda líquida declarada e a renda líquida baseada na pesca declarada são bastante similares. As diferenças em rendas são consideravelmente grandes para os participan-tes da Bolívia (os dois últimos, na figura 8) devido aos problemas na pesca. Quando estes levantamentos estavam

2005 2004

Mês Valor Total (US$)

Produção Total

(natural - tons)

MêsValor Total (US$)

Produção Total

(natural - tons)

Janeiro 32.818 14,42 Janeiro 74.689 60,78

Fevereiro 31.012 16,43 Fevereiro 7.132 5,48

Março 63.572 34,66 Março 17.146 7,90

Abril 88.408 52,58 Abril 18,.06 13,46

Maio 115.861 69,89 Maio 42.527 28,63

Junho 87.951 52,14 Junho 21.865 15,25

Julho 119.682 71,11 Julho 20.304 33,53

Agosto 235.964 129,18 Agosto 44.338 13,72

Setembro 176.414 100,24 Setembro 463.344 88,97

Outubro 173.797 109.,6 Outubro 188.151 85,66

Novembro 59.713 32,28 Novembro 56.986 35,85

Dezembro 87.612 36,96 Dezembro 32.717 18,15

TOTAL 1.272.804 719,84 TOTAL 987.905 407,36

Figura 6: Toneladas de peixe produzidas em porto Velho(2005 e 2004)

Fonte: Colônia de Pescadores Z-1

sendo realizados, a maioria dos pescadores bolivianos es-tavam trabalhando em outra atividade devido à extrema falta de peixe naquela país. Isto foi descrito como uma variação natural nos níveis de água nos tributários que conectam os principais rios às lagoas onde os peixes se reproduzem. No Brasil, as rendas declaradas e as cal-culadas dos pequenos pescadores eram muito similares. Contudo, quanto maior o porte da pesca, maiores as dis-crepâncias. O pescador profissional de grande porte, com vários empregados, parece ter custos que não foram cons-tatados pelo levantamento porque suas rendas calculadas eram sempre muito mais altas que as rendas declaradas. No entanto, quando utilizada a média anual de pesca por pescador de grande porte do estudo da UNIR (17.655 tons/ano), as rendas calculadas e declaradas são muito mais próximas. Como já foi discutido anteriormente, é possível que o levantamento tenha colocado a questão da média de pesca de um modo que causou relatos exagerados entre os pescadores de grande porte, mas usar esta média cria uma consistência nas rendas calculadas e declaradas. A figura 9 descreve isto representando as rendas líquidas pessoais de-claradas (em US$ = R$2,154, em 2006) e as rendas líquidas pessoais calculadas baseadas na pesca.

Média de Valor por Ano (US$) 1.130.354,5

Média de Toneladas produzida por Ano 563,60

Figura 7: Toneladas de peixe produzidas em porto Velho (2005 e 2004)

Fonte: Associação de Pescadores Z-1

800

700

600

500

400

300

200

100

0

407,3

719,8

30.000

25.000

20.000

15.000

10.000

5.000

0

-5.000

-10.000

PVBr

0616

061c

PVBr

0616

062c

PVBr

0626

061c

CTB

r062

2061

f

PVBr

0623

061c

PVBr

0623

061f

CTB

r062

5061

f

CTB

r062

9061

f

CTB

r062

9062

f

JPBr

0701

061f

JPBr

0701

062f

JPBr

0702

061f

JPBr

0702

062f

NM

Br07

0506

1c

VRBr

0705

061f

VRBr

0705

062f

GM

Br07

0606

1c

GM

Br07

0706

1c

GM

Br07

0706

2c

RIBo

0713

061c

TRBo

0715

061c

Renda relatada

Renda calculada

Figura 8: renda anual geral relatada v. calculada (us$)

Page 130: Aguas Turvas

130

Figura 9: comparação de lucros do barco calculados, rendas pessoais calculadas e declaradas (us$)

Figura 10: comparação de rendas declaradas e rendas calculadas, líquida em pesca por barco (us$)

350.000

300.000

250.000

200.000

150.000

100.000

50.000

-

(50.000)

0 50.000 100.000 150.000 200.000 250.000

Linear (Rendas Pessoais Declaradas)

Lucros do Barco Calculados

Rendas Pessoais Calculadas

Rendas Pessoais Declaradas

Linear (Lucros do Barco Calculados)

Linear (Rendas Pessoais Calculadas)

y= 1,3902x - 7968R2= 0,8578

y= 0,1148x + 2122,8R2= 0,8156

y= 0,0885x + 2542,8R2= 0,7414

Pesca Total Anual por Barco (kg)

Renda Líquida Declarada

Renda Líquida Calculada

Linear (Renda Lí-quida Declarada)

Linear (Renda Lí-quida Calculada)

Pesca total por ano (KG)

0 50.000 100.000 150.000 200.000 250.000

30.000

25.000

20.000

15.000

10.000

5.000

0

-5.000

-10.000

y= 0,0885x + 2542,8R2= 0,7414

y= 0,1148x + 2122,8R2= 0,8156

Page 131: Aguas Turvas

131

A relação entre pesca declarada e renda pessoal calculada é mostrada na figura 10. As tendências para relações entre renda líquida total baseada em pesca declarada e calcu-lada e entre receita pessoal anual declarada e pesca têm valores R-squared, respectivamente, de 0,7414 e 0,8156.

B- renda de pescador por regiãoAs rendas dos pescadores variaram amplamente depen-dendo de onde ao longo do rio eles moram. Em Porto Velho e Guajará-Mirim, as rendas totais e a qualidade de vida eram mais altas que nas cidades menores como Cachoeira Teotônio, Jacy-Paraná, Vila Murtinho e Nova Mamoré. A infra-estrutura, como rodovias, água potável, água encanada e eletricidade, é escassa nestas áreas rurais.

A moradia consiste, geralmente, em barracos de madeira, ao invés de alvenaria. A eletricidade é irregular e, às ve-zes, inexistente. Por estas razões, e devido às razões para as rendas maiores nas cidades descritas anteriormente, as médias de renda dos pescadores são calculadas como médias sobre o trecho total do rio e também dividida em categorias distintas e agregadas como Porto Velho, Outros, ou Guajará-Mirim.

Há vários tipos de renda na figura 11. Há duas razões para isso. Primeiro, há receitas de barcos versus receitas in-dividuais. As receitas de barco foram usadas para testar a eficiência de diferentes barcos dividindo e modelos de divisão de pesca. As receitas individuais são mais rele-

O VALOR DA PESCA É INESTIMÁVEL PARA AS POPULAÇÕES RIBEIRINHAS

ALEX

IS B

ASTO

S/RI

OTER

RA

Page 132: Aguas Turvas

132

vantes para a tarefa à mão, que é avaliar o valor da pesca. Estas receitas individuais foram desdobradas de dois mo-dos. O primeiro foi baseado em lucros, custos e receitas declaradas. Ele se baseia nos cálculos declarados de ga-nhos menos os custos, enquanto o segundo é baseado nos cálculos e estimativas dos participantes de ganhos menos os custos.

c- AgregadoO número de pescadores na região é um pouco difícil de estimar. Há três tipos principais de pescadores. Há os de porte bem pequeno, pescadores artesanais, que pescam ou sem barco ou em uma canoa sem motor, geralmente de

Participante Pesca Anual (kg)Lucro Anual

Declarado (US$)

Renda Líquida Anual Declarada

(US$)

Renda Líquida Anual Calculada por Barco (US$)

Renda Líquida Anual Calculada

Pessoal (US$)

PVBr0616061c 24.000 5.569 12.114 37.447 9.362

PVBr0616062c 7.230 10.396 5.755 4.370 4.370

PvBr0620061c 207.000 66.834 23.253 333.019 27.752

PVBr0623061c 66.700 27.847 10.721 6.388 9.875

PVBr0623061f 7.188 3.899 4.711 19.749 3.281

CTBr0622061f 9.880 5.941 4.363 6.388 6.388

CTBr0625061f 3.285 1.448 2.910 5.619 1.873

CTBr0629061f 5.300 2.228 2.878 7.134 3.567

CTBr0629062f 3.730 1.040 1.689 2.622 1.311

JPBr0701061f 3.920 2.970 2.506 4.881 4.881

JPBr0701062f 3.064 1.411 2.506 4.244 4.244

JPBr0702061f 1.380 1.392 1.949 2.340 1.170

JPBr0702062f 6.096 4.456 2.878 2.060 2.060

NMBr0705061c 1.200 2.274 2.599 3.082 3.082

VRBr0705061f 2.550 2.228 2.506 2.232 2.232

VRBr0705062f 3.200 2.089 3.481 4.060 4.060

GMBr0706061c 6.060 4.456 2.785 4.035 2.703

GMBr0707061c 88.278 - * 4.664 32.983 6.597

GMBr0707062c 25.425 - * 3.620 25.696 4.339

RIBo0713061c 14.200 10.435 7.453 10.257 2.564

TRBo0715061c 2.895 11.925 5.963 -4.585 -4.585

Figura 11: Quadro de rendas declaradas versus rendas calculadas (us$)

madeira e fabricação caseira. Estes peixes são para consu-mo próprio, mas vendidos quando há excesso. Há também os pescadores que são, de algum modo, mais instrumen-talizados e vendem peixe regularmente; eles pescam em uma canoa com motor. Finalmente, o terceiro tipo de pes-cador é o que trabalha em um grande barco, com muitos empregados. No entanto, com o objetivo de vender peixe profissionalmente, todos os pescadores precisam comprar uma licença.

As associações de pescadores Z-1 e Z-2 para as regiões de Porto Velho e Guajará-Mirim, respectivamente, têm mem-bros pescadores comerciais pagantes. O custo de se juntar

*O traço indica “sem resposta”

Page 133: Aguas Turvas

133

à associação é de R$ 10 por mês. A Associação de Pesca-dores Z-1 tem 1.925 pescadores, e eles estimam que cerca de 400 não são registrados. Isto significa que há em Porto Velho aproximadamente 2.325 pescadores. A Associação de Pescadores Z-2, de Guajará-Mirim, estima um total de 1.500 pescadores. Para a região entre Porto Velho e Guajará-Mirim, através de entrevistas pessoais, contagem e suposições, estima-se que há aproximadamente 1.000 pescadores. Mas parece que não há informações oficiais sobre o número de pescadores morando ao redor daquele trecho do rio.

Do mesmo modo, há uma considerável discrepância entre o número de pescadores na região relatado pela associação de pescadores, com seu catálogo de todos os pescadores regis-

trados, e a relatada pelo EIA (Tomo B, parte 5 de 8), que usa as informações de Doria et al do estudo da UNIR, de 2005. O relatório da UNIR usa 230 como o número total porque este é o número de pescadores que o estudo pesquisou13.Após agregar a média de renda líquida anual pelos dois números de pescadores, o número deste estudo, 4.825, e a média de todas as combinações possíveis, 2.853, (veja figura 12), o atual valor da pesca foi encontrado baseado na seguinte fórmula:

PV = A/r

onde:

A = Valor anual

R = Taxa de juros

PV = Valor atual

Mas, como os salários são mais altos onde existem mais pescadores, pode ser mais preciso calcular as médias por região.

Fonte

Número de pescadores,

área total impactada

Estudo Ictiofauna da UNIR, março 2005 e EIA, 2005 230

Registro de pescadores por barco no cais durante a estação de

seca (Estudo Ictiofauna da UNIR, março 2005)1.314

Registro de pescadores por barco no cais durante a estação combi-

nada de seca e cheia (Estudo Ictiofauna da UNIR, março 2005)2.438

Registro de pescadores no cais, como indivíduos, no total

(Estudo Ictiofauna da UNIR, março 2005)5.456

Este estudo 4.825

Área Fonte Número

Porto Velho Associação de Pescadores Z-1 2.325

Guajará-MirimAssociação de Pescadores Z-2

1.500

Área rural entre as

cidades, incluindo Jaci-

Parana, Nova Mamoré,

Vila Murtinho, Vila

Ribeirão, etc

Diversas fontes

coletadas,

entrevistas, número

de barcos

1.000

Total Total 4.825

Média total 2.853

Figura 12: diferenças nos números de pescadores

Figura 13: Valor atual da pesca entre porto Velho e Guajará-mirim, baseado em dois números de pescadores: o primeiro, deste estudo; o segundo, a média de vários números declarados pelos pescadores (us$)

Região

Média de Renda

Líquida Pessoal Anual (US$)

Número de pescadores por região

Renda Agregada Anual Por

Região (US$)

Valor atual(PV = A/r)

Brasil, alto do

RioMadeira

Valor baixo 5.058 2.853 14.430.011 360.750.287

Valor alto 5.058 4.825 24.404.068 610.101.694

Page 134: Aguas Turvas

134

Todos os recursos têm valores atuais e valores futuros. Para representar o valor total do recurso em um único valor - aqueles existentes agora e os existentes no futuro, economistas usam o valor atual. Usos futuros são menos valiosos hoje que os usos de hoje, então uma taxa de desconto é usada para criar um valor atual de todos os usos atuais e futuros. O índice de desconto escolhido aqui é de 4%. A Administração Nacional Atmosférica e Oce-ânica dos Estados Unidos da América (EUA) e o Banco Mundial, normalmente, usam uma taxa de desconto de 3%, enquanto o Escritório de Administração e Orçamento dos EUA usa uma taxa de desconto de 7% para investi-mentos privados.

Figura 14: o valor atual de média de salários específicos para certas regiões, já que pescadores da cidade têm salários maiores que os rurais (us$)

Região

Média de Renda

Líquida Pessoal Anual (US$)

Número de Pescadores por Região

Renda Agregada Anual Por

Região (US$)

Valor atual USD (PV = A/r)

Brasil, Porto Velho 11.119 2.325 25.852.215 646.305.368

Brasil, Rio Madeira, Trecho

entre Porto Velho e Guajará-

Mirim

2.961 1.000 2.960.602 74.015.061

Brasil,Guajará-Mirim 4.118 1.500 6.177.104 154.427.589

Total Total

34.989.921 874.748.019

“Dois aspectos devem ser levados em consideração, a grandeza do Rio Madeira e o efeito imediato da redu-ção de recrutas para a pesca do estuário e dos rios da planície Amazônica. Se a produção de ovos/larvas for proporcional à vazão do rio ou descarga de sedimen-tos, o Rio Madeira teria uma importância quase igua-litária com o Amazonas e uma interrupção da descida desses jovens poderia agravar dramaticamente o efei-to da sobrepesca de crescimento desses estoques no estuário. A pesca no estuário tem uma importância so-cial e econômica muito grande, sendo um dos poucos lugares em que se mantém uma exportação regular de pescados amazônicos. A combinação de sobrepesca e a construção de barragens na Amazônia já foi inves-tigada anteriormente, com o efeito nefasto da pesca no Rio Tocantins e da hidrelétrica de Tucuruí sobre os estoques de mapará. Para avaliar a dimensão deste problema são necessários estudos para estimar a den-sidade de jovens de dourada e babão (não mais ovos e larvas) no Rio Madeira em relação ao Rio Amazonas. Estes estudos devem ser feitos na desembocadura do Rio Madeira com o Amazonas para comparar a densi-dade destes jovens antes da confluência dos rios.”

Ronaldo Barthem e Michael Goulding

Omissão de impactos expressivos na pesca no

estuário do Rio Amazonas

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

Page 135: Aguas Turvas

135

iV- coNclusÕesA melhor estimativa para o valor da pesca é conservadora e é mais uma indicação do que uma medida exata. Este relatório só avalia o valor da pesca para pescadores co-merciais entre Porto Velho e a fronteira da Bolívia, portan-to o âmbito do estudo é limitado, primeiro, por seu foco somente na pesca comercial. Na verdade, a subsistência não comercial ou pescadores que permutam foram pes-quisados, mas suas informações não foram usadas neste estudo. Segundo, também é limitado espacialmente por focar somente no trecho do rio diretamente impactado pe-las barragens e seus reservatórios. Além disso, os impac-tos das barragens na pesca, devido às numerosas espécies anadromous e migratórias encontradas no rio, certamente se estenderão para além deste trecho.

A- outras regiões impactadas: Bolívia e rio abaixo no BrasilOs impactos para a pesca na Bolívia deveriam ser avalia-dos, particularmente, porque seus pescadores estão acima das barragens e, provavelmente, irão ser os primeiros a perder o acesso às espécies de peixes migratórias. Embo-ra as informações neste levantamento sejam insuficientes para uma avaliação apropriada, baseado em comparações de mercados locais de peixes, fica claro que o valor do peixe na Bolívia tem o mesmo valor equivalente em US$ para as mesmas espécies de peixes no Brasil. Na Bolívia, os afluentes do Rio Madeira abrigam aproximadamente 1.000 pescadores. Nós pudemos concluir que o valor atual da pesca na Bolívia, nos afluentes acima do Madeira, é de aproximadamente US$ 126.446.000 (R$ 272.440.000), mas outras análises são necessárias. Do mesmo modo, usando 3.000 como o número aproximado de pescadores abaixo de Porto Velho, no Madeira e no Baixo Amazonas, nós podemos concluir que o valor atual da pesca abaixo da barragem é de US$ 379.338.000 (R$ 817.321.000). Como acima, nós podemos calcular valores aproximados para toda a pesca em média e por região.

Incorporar os valores da pesca fora do trecho diretamente impactado do rio, entre Porto Velho e Guajará-Mirim, re-sulta em um valor atual que varia da baixa estimativa de US$ 0,8 bilhão (R$ 1,9 bilhão) para a alta previsão de US$ 1,3 bilhão (R$ 2,8 bilhões), mostrados nas figuras 15 e 16. Dependendo dos prejuízos impostos à pesca pelo hidropro-

Região

Média de Renda

Líquida Pessoal Anual (US$)

Número de Pescadores por Região

Renda Agregada Anual Por

Região (US$)

Valor atual USD

(PV = A/r)

Bolívia, acima do Rio Madeira 5.058 1.000 5.057.838 126.445.947

Brasil, alto Rio Madeira

Valor baixo 5.058 2.853 14.430.011 360.750.287

Valor alto 5.058 4.825 24.404.068 610.101.694

Brasil, baixo Rio Madeira e

Amazonas5.058 3.000 15.173.514 379.337.841

Total Total

Baixo 34.661.363 866.534.075

Alto 44.635.419 1.115.854.482

Figura 15: Valor atual da pesca baseado em médias, incluindo a Bolívia e regiões brasileiras rio abaixo (us$)

Região

Média de Renda

Líquida Pessoal Anual (US$)

Número de Pescadores por Região

Renda Agregada Anual Por

Região (US$)

Valor atual(PV = A/r)

Bolívia, acima do Rio Madeira 2.849 1.000 2.848.800 71.220.007

Brasil, Porto Velho 11.119 2.325 25.852.215 646.305.368

Brasil, Rio Madeira, trecho

entre Porto Velho e Guajará-Mirim

2.961 1.000 2.960.602 74.015.061

Brasil,Guajará-Mirim 4.118 1.500 6.177.104 154.427.589

Brasil, baixo Rio Madeira e

Amazonas5.058 3.000 15.173.514 379.337.841

Total Total

50.163.434 1.325.305.867

Figura 16: Valor atual da pesca baseado em médias regionais, incluindo a Bolívia e regiões brasileiras rio abaixo (us$)

Page 136: Aguas Turvas

136

jeto, os custos irão mudar. Os custos potenciais são mos-trados na figura 17, abaixo.

B- Valores não mercadológicosNo final do levantamento, foi solicitado aos participan-tes que respondessem a uma série de questões opinativas. Uma pergunta sobre a disposição do pescador em pagar por um eventual estudo de avaliação sobre o Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira foi incluída no questionáro; contudo, a maioria não entendeu esta questão. Às vezes, parecia que o problema teria sido linguístico ou de tradu-ção, outras vezes, de falta de compreensão mesmo e, em alguns outros casos, parecia que até mesmo uma hipotéti-ca conversa já causava uma certa suspeita.

De qualquer modo, um terço dos participantes compreen-deu a questão e respondeu positivamente, que eles deseja-riam pagar para parar a construção da barragem. Aqueles que disseram sim, argumentaram com seus próprios con-ceitos de valor de mercado sobre a importância de parar a construção da barragem, já que o levantamento não foi formulado para dar opções. Muitos não puderam apre-sentar um valor numérico. Aqueles que apresentaram um valor responderam entre R$ 60 e “tudo o que eu tenho”. Um pescador chegou a sugerir que ele pagaria taxas men-sais do mesmo jeito que paga atualmente a mensalidade da associação se houvesse uma entidade organizada para proteger a comunidade.

Embora esta seja uma indicação conservadora do valor da pesca, está claro que ele é significativo o suficiente, e que indica a necessidade de outras pesquisas para encontrar uma medida exata. Somente com uma estimativa correta

dos custos totais dos benefícios do hidroprojeto pode ser feita uma política eficiente economicamente. Os custos de construção do projeto hidrelétrico do Rio Madeira estão próximos a R$ 25 bilhões e o projeto coloca o valor da pesca, para mais de US$ 1,3 bilhão, em risco, causando um enorme prejuízo particularmente, à pesca dos peixes mais valorizados comercial e culturalmente, a dourada e o bagre grande.

CUSTOS RELATIVOS DA POTENCIAL PERDA DE PESCA

Tamanho da perda de pesca

50% 33% 20% 12%

Médias sobre as re-giões

2.853 433.267.037 259.960.222 173.306.815 103.984.089

4.825 557.942.741 334.765.645 223.177.096 133.906.258

Médias por regiões

específicas 662.652.934 437.350.936 265.061.173 159.036.704

Figura 17: custos de potenciais perdas para a pesca (us$)

AGRADECIMENTOSO meu agradecimento aos meus financiadores: Internatio-nal Rivers Network, Yale Tropical Resources Institute, Yale F&ES Globalization Fund, e Carpenter-Sperry Fund.

E um agradecimento maior ainda a Glenn Switkes, Inter-national Rivers, Brasil; Dr. Jorge Molina, Instituto de Hi-dráulica e Hidrologia, Universidad Mayor de San Andres, Bolívia; Celia Ayala e John Reid, Conservation Strategy Fund, Bolívia; Guido Miranda, Wildlife Conservation So-ciety, Bolívia; Dr. Paul Van Damme, Faunagua, Bolívia; Artur de Souza Moret e Iremar, UNIR; Denilson de Lima, Porto Velho, Brasil, Dra. Marina Thereza Campos, Marisa Camargo, e Dr. Robert Mendelsohn e Dra. Sheila Olmste-ad, Professores, Yale University, e Dr. Ronaldo Barthem, Museu Goeldi, pelo apoio e ajuda à minha pesquisa.

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NOTAS E REFERÊNCIAS

1 Furnas Centrais Eléctricas SA, Leme Engenharia, PCE - Projetos e Consultorias de Engenharia Ltda, Estudo dos Impactos Ambientais, 2005

2 Molina Carpio, Jorge. Analisis do los Estudios de Impacto Ambiental del Complejo Hidroeléctrico del Rio Madera: Hidrología Y Sedimentos. La Paz, Bolivia, Abril de 2006. p. 8

3 Fundação Rio Madeira - Riomar, Instituição de Apoio à Universidade Federal de Rondônia. Estudo de viabilidade das AHE’s Jirau e Santo Antonio, localizadas no Rio Madeira em Rondônia, no trecho entre Porto Velho e Abunã. Relatório Técnico Final, Componente: Ictiofauna e Pesca, Março de 2005, Porto Velho/RO. Resumo Executivo.

4 ibid.

5 ibid.

6 Barthem, Prof. Dr. Ronaldo Borges, e Prof. Dr. Michael Goulding, Pareceres dos Consultores sobre o Estudo de Impacto Ambiental do Projeto para Aproveitamento Hidrelétrico de Santo Antônio e Jirau, Rio Madeira - RO, Parecer Técnico sobre a Ictiofauna 2006.

7 ibid.

8 ibid.

9 ibid.

10 Molina Carpio, Jorge. Analisis do los Estudios de Impacto Ambiental del Complejo Hidroeléctrico del Rio Madera: Hidrología Y Sedimentos. La Paz, Bolívia, Abril de 2006.

11 Conversa pessoal, Paul Van Damme, Faunagua, em Cochabamba, Bolívia e com Goulding e Barthem

12 Todas as unidades monetárias são expressas comoUS$ 2006 = R$ 2,1545 13 EIA, Tomo B, Parte 5 de 8, Página IV-894.

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Hidrelétrica e Transposições, respectivamente, solicitando a elaboração de questionamentos a serem submetidos à empresa proponente e especialistas contratados. Sobre a ictiofauna do rio Madeira, as questões mais rele-vantes abordam duas temáticas: a) a interrupção do fluxo genético no Rio Madeira, principalmente dos bagres mi-gradores; b) o impacto na assembléia de peixes em geral. A preocupação com a imprevisibilidade dos impactos so-bre a ictiofauna é salientada devido a sua grande riqueza e à necessidade de entendimento da representatividade des-sas espécies em termos locais, regional e global.

Dada a especificidade e o primor técnico que este assun-to deve ser tratado, é de fundamental importância, para efetivamente contribuir com o processo, que seja contra-tado especialista de notório saber, com conhecimento e experiência comprovada em estudos da ictiofauna do rio Madeira e tributários, especialmente quanto a proposição de medidas de conservação e manejo das espécies.

Perguntas:1a) Com base em informações atuais sobre STPs (siste-nas de transposição de peixes), quais as possibilidades de sucesso do mecanismo proposto em relação às espécies migradoras e ao número de indivíduos que utilizam o rio Madeira como rota migratória?

1b) O que as possíveis alterações qualitativas e quantitati-vas dos peixes migradores transpostos podem representar para conservação dessas espécies no rio Madeira e na ba-cia Amazônica, em especial para dourada e piramutaba? 1c) Quais as conseqüências da possível mistura de algumas populações de peixes, e da segregação de outras, ocasio-nada pelo STP, para composição da ictiofauna regional? 1d) Se o STP projetado não possibilitar a subida das es-pécies-alvo, qual o impacto esperado nos estoques pes-queiros e na conservação dessas espécies nas bacias do rio Madeira e Amazônica?

1e) Qual o dimensionamento mínimo (profundidade, largura, distância, declividade, vazão, turbulência e sinuosidade) necessário, projetável, para garantir a efi-ciência e a eficácia da subida das espécies-alvo pelo STP proposto?

baixo, publicamos - literalmente - trechos do Pa-recer Técnico realizado pela equipe do Ibama so-bre a ictiofauna no Complexo Hidrelétrico do Rio

Madeira. A constatação da necessidade de realizar ava-liações mais consistentes sobre o projeto acabou sendo ignorada pelo próprio órgão responsável pela emissão da licença ambiental. Do mesmo modo, foram ignoradas a maioria das perguntas feitas pela equipe, transcritas aqui.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS

RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS INFORMAÇÃO TÉCNICA nº 19/2007

- COHID/CGENE/DILIC/IBAMA

Brasília, 23 de Abril de 2007. A: Coordenadora de Energia Hidrelétrica e Transposições Moara Menta Giasson Assunto: Aproveitamentos Hidroelétricos Santo Antônio e Jirau – Rio Madeira Processo nº: 02001.003771/2003-25

I – INTRODUÇÃOEsta informação técnica tem como objetivo o atendimento dos despachos exarados às folhas 1553, 1554 e 1555 do processo nº 02001.003771/2003-25, pelo Diretor de Licen-ciamento Ambiental, pelo Coordenador Geral de Infra-Es-trutura de Energia Elétrica e pela Coordenadora de Energia

PERGUNTAS NUNCA RESPONDIDASICTIOFAUNA

A

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1f) Durante a subida dos grandes bagres, existe alguma preferência por estes indivíduos no posicionamento da calha do rio? Quais as implicações deste aspecto no me-canismo proposto?

1g) Quais os meses do ano em que a possível exis-tência da barragem poderia prejudicar de forma mais significativa a subida dos grandes bagres? Existe al-guma preferência por estes indivíduos de posiciona-mento da coluna d’água, e esse aspecto influenciaria em sua transposição?

1h) Existe alguma possibilidade alternativa ao STP pro-posto para garantir a subida das espécies migradoras?

2a) (Sobre a descida de ovos, larvas, jovens e adultos para repovoar e garantir a variabilidade genética as áreas a ju-sante) Qual a representatividade das quantidades de larvas e juvenis de dourada, piramutaba e demais migradores, que derivam na cheia, na vazante, na seca e na enchente do rio Madeira, para a manutenção do estoque pesqueiro e conservação das espécies? 2b) Quais as possibilidades de descida viável de ovos, larvas, juvenis e adultos das espécies migradoras do rio Madeira pelo mecanismo de transposição proposto, turbina e vertedouro, nas diferentes épocas do ano? A existência ou não de dique de contenção de sedimentos altera essas condições? 2c) Ovos, larvas e juvenis das diferentes espécies de pei-xes da bacia do rio Madeira, durante a deriva, encontram restrições similares (velocidade de correnteza, modifica-ções abruptas em pressão, etc) àquelas que provavelmente encontrarão com a implantação e operação dos reserva-tórios, considerando as diferentes épocas do ano? Qual a magnitude dessas alterações?

2d) Tomando como base as características de pas-sagem pela turbina, como altura da tomada d´água (com ou sem dique de contenção), desnível, diferença de pressão, rotação, turbulência, qual a taxa de mor-tandade esperada para ovos, larvas, juvenis e adultos das diferentes espécies de peixe de maior ocorrência na região estudada?

2e) Caso a descida das espécies, nas diferentes fases de vi-

da (ovos, larvas, juvenis e adultos), seja prejudicada pelas barragens, quais os impactos esperados para os estoques pesqueiros e para a conservação das espécies da ictiofauna da bacia do rio Madeira e bacia Amazônica, em especial para dourada e piramutaba? 2f) Qual a possibilidade de que não haja deposição de ovos, larvas e juvenis no fundo do futuro reservatório (cesse a deriva) e que não haja modificação significativa na taxa de predação destes indivíduos?

3a) (Sobre espécies endêmicas e perda de habitats) Qual a possibilidade da não ocorrência de espécies endêmicas na área de influência direta do empreendimento? 3b) Qual a possibilidade de que espécies possivelmente en-dêmicas não sejam extintas com a implantação e operação do empreendimento?

3c) Qual a relevância da possível ocorrência de espécies endêmicas ainda não inventariadas, na área de influên-cia do empreendimento, que poderão vir a ser extintas, mesmo antes de serem conhecidas, com a implantação e operação das usinas?

3d) Qual o impacto esperado sobre as populações (in-clusive aquelas com alta intensidade reprodutiva) que possuem áreas de vida que englobam este trecho do rio Madeira e tributários? 3e) Quais os riscos de extinção local ou global, decor-rente dos impactos gerados pela implantação e operação do empreendimento, principalmente considerando o STP e possível mistura de fauna? 3f) A nova condição ambiental a ser estabelecida pelo em-preendimento propiciará a manutenção da biodiversidade?

3g) Caso o STP não apresente os resultados esperados e/ou as alterações paisagísticas representem impactos negati-vos sobre a deriva de ovos, largas e juvenis de espécies migradoras, quais medidas compensatórias podem ser propostas? 3h) Qual é a relevância do rio Madeira, em condições na-turais, para conservação da dourada, piramutaba e outros migradores na Bacia Amazônica?

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gica de forma irreversível, sabe-se que tal iniciativa im-pactará os grupos sociais de toda a área de influência do Rio Madeira. Mesmo assim, ainda não estão plenamente previstos ou evidenciados todos os impactos que poderão ocorrer nesta região.

O Rio Madeira já é palco da ação do Grupo Maggi, através da Hermasa Navegação da Amazônia5, que atua no setor da soja e no de madeira para a produção de celulose, via contrato com a Veracel Celulose S.A6. Esta empresa está estabelecida desde Porto Velho até a sua foz, à margem direita do Rio Amazonas. Já no município de Itacoatiara, sua sede localiza-se na margem esquerda do Rio Ama-zonas, próximo à foz do Rio Madeira. Sua estrutura, de acordo com a página da empresa na internet, conta com “mais de 650 colaboradores, 64 barcaças graneleiras, 2 lanchas para pesquisas hidrográficas, 8 empurradores pa-ra transporte das barcaças e de apoio portuário, além de pequenas embarcações para apoio nas manobras de atra-cação e desatracação de navios e comboios, 2 terminais portuários e um terminal de fertilizantes, localizados em Porto Velho e Itacoatiara.” Vale destacar uma ressalva feita pela empresa em rela-ção ao terminal de Porto Velho de que este “não recebe/atraca navios transatlânticos por limitação do canal de navegação/hidrovia do Rio Madeira”, o que corrobora as intenções subjacentes a um empreendimento do porte da IIRSA – Complexo Madeira, como resposta ao empresa-riado que pressiona por ações do poder público para via-bilizar seus interesses.

Apesar do transporte regional ser o maior prejudicado pelas precárias condições de navegabilidade do Rio Ma-deira, principalmente no período da vazante - fato cons-tatável pelos inúmeros casos de “encalhe” e de acidentes com naufrágios de pequeno e grande portes, o governo do Amazonas viabilizou a instalação da Hermasa, tornando-se parceiro do empreendimento, numa clara privatização dos recursos públicos em detrimento do transporte ribei-rinho e dos micro e pequenos empreendimentos de trans-porte fluvial.

Desde a construção da rodovia federal BR-319 (Porto Ve-lho - Manaus), o Rio Madeira - cuja exploração econômica se iniciou com a organização da empresa seringalista, no chamado período da borracha - tem sido objeto da ação

tualmente, uma das regiões amazônicas conside-radas mais estratégicas pelo prisma do planeja-mento governamental é a área do Rio Madeira.

Ela abrange uma diversidade de projetos, programas, pla-nos e ações oficiais correspondentes a uma vasta área dos estados do Amazonas e de Rondônia, estimada em cerca de 60 milhões de hectares. A análise dos impactos destas iniciativas será realizada de maneira mais detida em mo-mento posterior. Para efeitos de exposição e objetivando propiciar uma visão mais geral do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira passaremos, entretanto, em revista os res-pectivos projetos e seus efeitos mais pertinentes3.

COMPLEXO HIDRELéTRICOParte fundamental da IIRSA, o projeto deste Complexo prevê a construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, uma represa bi-nacional Brasil-Bolívia (UHE Gua-jará) e outra represa na Bolívia (UHE Cachoeira Esperan-za), além de tornar aptos ao transporte industrial aquático 4.200 km de rios4. Além de alterar o ciclo hidrológico e a integridade bioló-

TRANSFORMAÇÕES ECONÔMICASE SOCIAIS1

por: Ana Paulina Aguiar Soares Emmanuel de A. Farias Jr.

Luciane Silva da Costa Pedro Fonseca Leal

Thereza C. C. Menezes2

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DURANTE O PERÍODO DO PLANAFORO, ENTRE 92 E 2001, A ÁREA TOTAL DEVASTADA EM RONDÔNIA AUMENTOU DE 15% A 25% NO ESTADO

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de projetos governamentais e empresariais. Com exceção dos trechos de 100 km entre Manaus e Careiro (Castanho) e de 200 km entre Humaitá e Porto Velho, esta estrada está sem condições de tráfego há mais de 10 anos. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) correspondente à recuperação da BR-319 encontra-se em elaboração. Segundo o Decreto Presidencial, de 02 de Janeiro de 2006, que estabelece a li-mitação administrativa provisória nas áreas que especifica da região de entorno da BR-319, no estado do Amazonas, ele refere-se a uma área de 15.393.453 ha. Inaugurada no início da década de 80, esta rodovia cru-za, em Humaitá, com a rodovia Transamazônica (BR-230), objeto de projetos sob a coordenação do Instituto Nacio-nal de Colonização e Reforma Agrária (Incra), como os Projetos Integrados de Colonização (PIC) Juma e Matupi. Objetivando a incorporação das terras do entorno dessas

rodovias ao mercado de commodities, incentivos foram dados para o plantio de grãos e exploração agropecuária, fomentados por projetos governamentais como o “3º Ciclo de Desenvolvimento” e o “Zona Franca Verde”, do gover-no do Amazonas. O governador Gilberto Mestrinho (1983-86) iniciou seu mandato oferecendo incentivos à instalação de projetos de produção de grãos pelos chamados “russos”, famílias de ucranianos provenientes do Paraná. A partir de 1987, o projeto “3º Ciclo de Desenvolvimento” foi implantado nos governos de Amazonino Mendes (1987-90 e 1995-2003) com a pretensão de que a agricultura seria o “3º Ciclo” do estado, após os chamados “ciclos” da extração da borracha e o da Zona Franca de Manaus.

Atualmente, no governo Eduardo Braga (2003), o proje-

DEPOIS DO APOGEU DA BORRACHA (ACIMA) E DA ZONA FRANCA, GOVERNO DO AM INCENTIVA PROJETOS DE PECUÁRIA E PLANTAÇÃO DE GRÃOS: 3o CICLO

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to “Zona Franca Verde”, que prioriza a produção agrícola principalmente para o agronegócio, também seria uma al-ternativa à vulnerabilidade da manutenção dos incentivos fiscais ao distrito industrial de Manaus.

Na década de 90, os antigos seringais foram alvo da ex-ploração de empresas madeireiras internacionais como a Gethal. De capital majoritariamente estadunidense7, esta madeireira teria vendido 160 mil hectares no município de Manicoré, e em outros, na área do Rio Madeira, a um sueco. Este fato foi denunciado na imprensa nacional, no primeiro semestre de 2006.

Elaborado sem incorporar contribuições do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e de outros grupos so-ciais, o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) conclui que “o conjunto de obras do Rio Madeira criará meios para a integração do extenso território pan-americano, amplian-do o potencial econômico de vastas áreas e propiciando a elas melhor condições de desenvolvimento social”.

Apesar disso, na relação de apenas 35 “impactos negati-vos” considerados no Rima, para 12 deles se afirma que “não há medidas para esse impacto”. E, dentre os demais, as medidas propostas são vagas, como no que se refere ao impacto “desestruturação social e política”, cuja medida proposta é a “comunicação prévia e estímulo à participa-ção social”11. E, como “ações para corrigir ou compensar os impactos negativos dos projetos”, uma rara referência à população local, o Rima aponta a surpreendente medida: “formação de pessoas para desempenhar tarefas durante a implantação dos empreendimentos”. Tendo em vista a velocidade com que o projeto avança para ser implantado, é necessário o conhecimento mais detido do posicionamento das populações afetadas acerca dessas medidas, seus questionamentos e propostas.

Ademais, considerando-se a afirmação do Rima de que “a construção do sistema de navegação incorporado às usinas (hidrelétricas) tornará o Rio Madeira integralmente navegável e constitui o primeiro passo para a formação de um sistema hidroviário a ser formado além do próprio Rio Madeira, pelos Rios Guaporé, Beni (na Bolívia) e Madre Dios (no Peru)12, é necessário garantir que os estudos não se detenham apenas aos impactos à jusante, ou seja, rio abaixo de Porto Velho, mas também à montante, incluindo

além do Brasil, as suas repercussões na Bolívia e no Peru.

MINERAÇÃOSegundo o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a silvinita (potássio) é utilizada principalmente na agricultura e foi encontrada pela Petrobrás em depósitos profundos (de 980 a 1.140 m de profundidade), em sua maior parte situados em municípios da calha ou influência do Rio Madeira, principalmente em Nova Olinda do Norte e Itacoatiara. As reservas de Nova Olinda do Norte seriam em torno de 520 milhões de toneladas de minério, com teor de 28,8% de cloreto de potássio. Já as reservas do município de Itacoatiara são de 659 milhões de toneladas, com teor de 17,7% de cloreto de potássio. A Petrobrás possui direitos minerários que, em 2006, estavam assim distribuídos:

Quadro 1: direitos minerários de silvinita

Município

Áreas com

conces-são de lavra

Aguar-dando

concessão de lavra

Alvarás de pesquisa TOTAL

Nova Olinda do Norte 5 3

Borba 1

Autazes e Nova Olinda 3

Itacoatiara 1 16

Silves 1

Autazes e Itacoatiara 4

Itapiranga e Silves 3

Autazes e Silves 1

Itacoatiara e S. Sebastião do

Uatumã1

Itacoatiara e Silves 6

TOTAIS 8 4 32 44

Fonte: Apresentação feita por Fernando Lopes Burgos, Chefe do DNPM/Am, em 04/04/2006, na Audiência Pública realizada para apreciação do Projeto Silvinita, com o título “Localização dos Direitos Minerários da Petrobrás outorgados pelo DNPM relativos aos depósitos de Potássio”.

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O Relatório da Comissão Especial de Política Mineral, da Assembléia Legislativa do estado do Amazonas, em de-zembro de 2004, registra a existência de importantes de-pósitos de ouro no Rio Madeira (municípios de Humaitá e Manicoré). Em Apuí e Novo Aripuanã, foram encontradas ocorrências importantes de calcários dolomíticos (ricos em magnésio) em rochas. Quanto à extração de ouro, é alu-vional e feita em cursos d’àgua da bacia do Rio Madeira, no trecho entre Humaitá e Novo Aripuanã, de maneira artesanal e, geralmente, em períodos em que o preço do metal está elevado. Além desses, o DNPM registra auto-rizações de pesquisa de tantalita e tungstênio em Porto Velho e em Canutama.

Os conflitos em torno da atividade extrativista acirraram com a frente garimpeira que alcançou Apuí e Novo Ari-puanã. Em janeiro de 2007, as estimativas assinalavam dois mil garimpeiros atuando no Rio Juma. Esta pressão demográfica sobre a população de 18.790 habitantes ime-diatamente elevou a tensão social na região.

Naquele mesmo mês, a Agência Brasileira de Inteligên-cia (Abin) anunciou que iria investigar a extração ilegal de ouro em terras tituladas de um assentamento do Incra no município de Novo Aripuanã13. Ainda em janeiro, o DNPM iniciou o processo de mapeamento mineral e de legalização da área, para facilitar o controle do fluxo de pessoas na região e monitorar as riquezas extraídas das grotas.

O MERCADO DE TERRAS NO SUL DO AMAZONAS E OS CONFLITOS DE TERRAPara além da mineração, registra-se um rápido avanço da fronteira agropecuária, a intensificação da exploração madeireira e a ocupação ilegal de terras públicas como características marcantes dos municípios situados nas ca-lhas dos rios Madeira e Purus. Esta situação apresenta-se fortemente agravada nos municípios do sul e sudeste do estado do Amazonas, como Lábrea, Boca do Acre, Humai-tá, Apuí, Manicoré e Novo Aripuanã. Estas são as áreas que constituem as mais importantes frentes de expansão agropecuária do estado, apresentando, nos últimos anos, índices significativos de desmatamento ocasionados pela expansão do plantio de soja e da pecuária e pela extração ilegal de madeira. Em um sentido contrário, mas também com pressões sobre o preço das terras, ocorrem as inicia-

“De um modo geral, podemos afirmar que o diagnós-tico e as propostas do EIA/Rima ficaram num nível de generalidade pouco adequada à magnitude do empre-endimento. As medidas propostas são poucas e super-ficiais e, embora saibamos que os empreendedores não podem assumir o papel do Estado, uma maior precisão se faz necessária, principalmente naquelas que afetam diretamente a qualidade da vida da população local.”

Simone Tavares Coelho,Lais da Costa Manso e

Maria Cristina Meirelles

Diagnóstico Genérico, Faltam Análise e

Conclusões Consistentes

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

“O EIA especifica... a exclusão do trecho que poderia implicar em possíveis impactos sobre a Bolívia, obri-gando o projeto a ser binacional. Esta opção por fugir dos problemas mais complexos também se reflete na definição das áreas direta e indiretamente atingidas pelo empreendimento. Neste caminho, há uma cla-ra opção por querer restringir ao município de Porto Velho, principalmente, os impactos socioeconômicos, por razões de custos e de abrangência. Quando não há como deixar de considerar que a construção das Usi-nas de Jirau e Santo Antônio é um projeto de dimensão e impacto regional, que tem conseqüências imediatas sobre as condições de vida, a reorganização econômi-ca e o fluxo migratório do estado de Rondônia.”

Sílvio Rodrigues Persivo Cunha

Fuga dos Problemas Complexos

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tivas de aquisição de florestas para preservação, visando a comercialização de créditos de carbono.

A expansão da produção e comercialização da soja ganhou um grande impulso no Amazonas, e vem sendo estimulada pelos governos federal e estadual e pela iniciativa privada. O Grupo André Maggi, por exemplo, foi bastante benefi-ciado pela estruturação da hidrovia Madeira-Amazonas e do porto de Itacoatiara, que permitiram um aumento em 60% das margens de lucro da cultura da soja entre Ron-dônia e Amazonas, em comparação com o período em que o escoamento da produção era realizado pelos portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR).

O município de Humaitá, região com grandes áreas de cam-pos naturais, destaca-se pela ampliação da produção de so-ja, possuindo atualmente 15.000 hectares de área plantada. Vale lembrar que os recentes governos do estado do Ama-zonas têm apoiado o agronegócio através, por exemplo,

dos projetos já mencionados “3º Ciclo de Desenvolvimen-to” e o “Zona Franca Verde”, que propõem a concessão de incentivos fiscais e orientação técnica para a instalação da produção de grãos na região sul do Amazonas.

Ainda que a soja venha expandindo-se rapidamente, são a pecuária e a exploração de madeira, as atividades em-presariais predominantes nos vales do Madeira e Purus, que rivalizam com as atividades extrativistas e agrícolas empreendidas por ribeirinhos e indígenas nas calhas dos respectivos rios. O município de Boca do Acre, por exem-plo, já possui o maior rebanho bovino do Amazonas. Ao longo do Rio Madeira, especialmente no trecho próximo a Manicoré, a criação de gado já domina grandes extensões das margens do rio.

A dinâmica mais freqüente de implantação destas ativi-dades inicia-se com o desmatamento de áreas e posterior plantio de pasto para garantir a titulação da terra, ou pa-

A PECUÁRIA E A PRODUÇÃO MADEIREIRA SÃO AS ATIVIDADES PREDOMINANTES NO VALE DO MADEIRA: DESTRUIÇÃO DA FLORESTA E DE SEUS POVOS

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ra prevenir futuras ocupações. A pastagem configurou-se como o mecanismo mais barato de ocupar terras desmata-das, possibilitando um lucro substancial quando a terra é revendida. No caso das regiões pesquisadas, as iniciativas de recuperação de rodovias, como a BR-319 (Manaus - Porto Velho), atraem grileiros e contribuem para uma ele-vação significativa do preço das terras próximas a estas estradas, reiterando a associação entre desmatamento e maximização de ganhos especulativos.

A retirada de madeira de lei tem se ampliado nas áre-as pesquisadas nos últimos anos. O município de Lábrea, por exemplo, ostenta o título estadual de campeão de des-matamento, tendo aumentado em 87% a área desmatada, entre os anos de 2003 e 2004, em função da derrubada ilegal de suas florestas de cedro e mogno, especialmente no entorno da BR-364 (Cuiabá - Porto Velho - Rio Branco) e da Transamazônica (BR-230). Segundo dados do Mapa do Desmatamento, realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 2004, Lábrea aumentou em mais de 150 km² sua área desmatada entre 2003 e 2004, elevando a mesma de 175,07 km² pa-ra 328,97 km². As mudanças no comércio internacional14 explicam parcialmente o grande crescimento da extração de madeira no Brasil. A diminuição das florestas tropicais dos países asiáticos tem-se refletido na redução da oferta e na elevação internacional dos preços das madeiras no-bres, abrindo novas perspectivas de mercado. Empresas madeireiras asiáticas vem se deslocando para a Amazônia brasileira, provocando o avanço da fronteira madeireira na região.

A exploração do potencial hidrelétrico dos rios (especial-mente o Rio Purus) assinala o alargamento das possibi-lidades de exploração dos recursos naturais do sul do Amazonas. A situação de Lábrea é emblemática neste sentido. Em julho de 2005, funcionários do Grupo Cassol foram surpreendidos quando estavam prestes a dinamitar cachoeiras para a construção de uma usina hidrelétrica no Rio Ituxi, situado ao sul de Lábrea. O projeto do Grupo era construir uma hidrelétrica destinada a gerar 100 megawat-ts de energia. Segundo dados da Companhia Elétrica do Amazonas (Ceam), o maior município do interior, Itaco-atiara - onde se situa o porto da Hermasa de escoamento de soja, com 78,8 mil habitantes - possui demanda para menos de 20 mil megawatts.

AGU

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INÚMEROS CONFLITOS SOCIAIS OCORREM NAS ÁREAS DE GARIMPO: VIOLÊNCIA E GRILAGEM

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RO, A

BRO Grupo Cassol iniciou suas atividades no Amazonas em 1977, nos setores madeireiro e agropecuário e, atualmente, dedica-se ao setor de geração e comercialização de energia elétrica, possuindo cinco pequenas hidrelétricas. Ivo Cas-sol, governador de Rondônia, declarou ter comprado três mil hectares de terra no Rio Ituxi e teria, supostamente, autorização do Ministério de Minas e Energia para fazer o inventário hidrelétrico da área. Este cenário de diversificadas estratégias de controle de recursos naturais por grupos empresariais tem gerado a intensificação de conflitos pela terra no local. Rivalizando com madeireiros e criadores de gado, posseiros apoiados por sindicatos de trabalhadores rurais e movimentos so-ciais estão também empenhados no controle pela terra e pelo uso dos recursos naturais. Esta situação manifesta-se, por exemplo, na área de fronteira do município de Lá-brea com os estados de Rondônia e Acre, local onde se desenrola o mais recente e conhecido conflito fundiário do Amazonas, envolvendo madeireiros, latifundiários e agricultores.

Em Lábrea, no local conhecido como Gleba Ituxi, uma área pertencente à União, de aproximadamente 25 mil hectares, é disputada por 400 famílias de posseiros que lá residem há cerca de 10 anos, cultivando roçados e realizando atividades extrativistas. A área é rica em ma-deira de lei e vem sendo disputada por madeireiros e fazendeiros que possuem terras nas áreas vizinhas. As constantes ameaças levaram os posseiros a reivindicar a criação de um assentamento na área. A existência de grandes irregularidades, como grilagem, desmatamentos e retiradas ilegais de madeira, fez com que o Incra sina-lizasse, em 2005, com a possível arrecadação de 12 mil hectares para a criação de um Projeto de Desenvolvimen-to Sustentável (PDS) para o assentamento dos posseiros residentes na área.

Um fazendeiro da área reagiu à possibilidade da cria-ção do assentamento, solicitando ao Instituto de Pes-quisa Ambiental da Amazônia (Ipam) um projeto de manejo florestal para a área de conflito. Porém, duran-te a vistoria, os procuradores do Incra-AM detectaram que a Gleba Ituxi teve um aumento irregular de mais de 60 mil hectares, comparado com o título de terra expedido pelo governo do Amazonas, no começo do século passado.

O conflito ainda continuava no verão de 2007. O Incra não criou o assentamento e o fazendeiro com terras próximas ao acampamento obteve, na comarca de Lábrea, sucessi-vos mandatos de reintegração de posse15. Novos acampa-mentos foram construídos pelos posseiros e novas, e cada vez mais violentas, ações de intimidação têm ocorrido, re-sultando, inclusive, no assassinato de agricultores16. Correspondendo a 8,9% da população do estado do Ama-zonas - de 2.812.557, segundo o Censo Demográfico 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os municípios cortados pelo Rio Madeira, com exceção de Humaitá e Novo Aripuanã, possuem a maior parte da sua população residindo fora das áreas urbanas17.

Quadro 2: população dos municípios no rio madeira(Am) e Taxa de urbanização

GOVERNADOR IVO CASSOL: GRUPO TERIA “SUPOSTA” AUTORIZAÇÃO PARA ESTUDO

INÚMEROS CONFLITOS SOCIAIS OCORREM NAS ÁREAS DE GARIMPO: VIOLÊNCIA E GRILAGEM

Municípios População Total População Urbana (%)

Apuí 13.864 44,18

Autazes 24.345 41,7

Borba 28.619 39,3

Humaitá 32.796 73,15

Itacoatiara* 72.105 64,4

Manicoré 38.038 40,32

N. O. Norte 23.725 42,5

N. Aripuanã 17.119 52,9

TOTAL 250.611

(*) Itacoatiara aparece nesse quadro porque parte do seu território fica à margem esquerda do Rio Amazonas, onde o Rio Madeira deságua

Page 148: Aguas Turvas

148

Já no estado de Rondônia, os municípios situados à mar-gem do Rio Madeira constituem 28% do total de 1.380.952 habitantes, com taxa de urbanização inferior a 50%.

Dessa população considerada como rural pelos órgãos oficiais, o Censo Agropecuário do IBGE (1995-96) re-gistrava, no Amazonas, a existência de 83.289 estabe-lecimentos, dos quais 15.946 situados em municípios na área de implantação da BR-319 e do Rio Madeira, correspondendo a 19,1% dos estabelecimentos. No es-tado de Rondônia foram registrados 76.956 estabele-cimentos, dos quais 30.566 situados na meso-região Madeira-Guaporé, correspondendo a 39,7% do total dos estabelecimentos do estado.

Na área de implantação da BR-319 (no Amazonas) e do Rio Madeira (Amazonas e Rondônia), é significativo o número de Unidades de Conservação, sejam elas federais ou estaduais. A maioria delas consta na categoria de Uso Sustentável, mas existem também Unidades de Proteção Integral, como Estações Ecológicas e Parques Estaduais, em Manicoré, Apuí, Porto Velho e Guajará-Mirim (quadros 5, 6 e 7).

Há 41 Projetos de Assentamento (PA), instalados pelos órgãos fundiários federais e estaduais e distribuídos por todos os municípios da área do Complexo do Madeira, no estado do Amazonas (Apuí, Autazes, Beruri, Bor-ba, Canutama, Careiro, Humaitá, Iranduba, Itacoatiara, Lábrea, Manaquiri, Manicoré, Nova Olinda do Norte e Novo Aripuanã). Esses projetos são designados pelas categorias de assentamento (PA), extrativista (PAE) e de desenvolvimento sustentável (PDS), e totalizam 5.830.756,17 ha e 15.310 famílias, correspondendo a 48,09% do total de famílias assentadas nesta unidade da federação (quadro 4).

“Faltam informações imprescindíveis para avaliação da adequabilidade das propostas (que também não con-sideram a implantação das UHEs). Também não foram encontradas referências sobre estudos e propostas de organização territorial para as vilas e vilarejos do mu-nicípio. O EIA – Rima e outros estudos complemen-tares tratam superficialmente dos rebatimentos dos impactos sobre o território.”

Rajindra Singh

Impactos sobre o Território Estudados Superficialmente

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

QuAdro 3: população dos municípios no rio madeira(ro)e Taxa de urbanização

MO

NTI

AG

UIR

RE

OS GARIMPOS ATINGIRAM O ÁPICE DE SUA PRODUÇÃO NO RIO MADEIRA NA DÉCADA DE 80

Municípios População Total População Urbana (%)

Porto Velho 334.661 44.18

Guajará Mirim 38.045 41.7

Nova Mamoré 14.778 49

TOTAL 387.484

Page 149: Aguas Turvas

149

crÉdiTos de cArBoNoe AQuisição de TerrAsEm Manicoré, destaca-se uma nova atividade empresarial que vem aquecendo o mercado de terras. No entanto, ao contrário das atividades típicas relativas ao uso da terra, esta não provoca o desmatamento na região. Trata-se das iniciativas de compra de terras para a preservação flores-tal, cujo objetivo principal é evitar a derrubada da vegeta-ção e, com isso, a liberação de toneladas de gás carbônico (CO2) na atmosfera19.

A região do Rio Madeira, do ponto de vista destas ONGs - que, atualmente, estão realizando uma campanha por terras a serem protegidas - seria considerada uma “região de risco”. Um dos idealizadores desta campanha, o em-presário sueco-britânico Johan Eliasch, comprou 18.600

Quadro 4: caracterização de conflitos e tensões nas comunidades ribeirinhas impactadas por hidrelétricas18

UHE Samuel Ribeirinhos Atingidos

Candeias do Jamari

Perda das formas de vida tradicionais, da caça, da pesca, da roça, da moradia na beira do rio, do livre acesso aos recursos naturais; perdas de valores culturais, imateriais, como lugares onde foram enterrados os parentes; perda dos banhos; impedimento de aproximação do local onde ficava a cachoeira, pelos funcionários da empresa; precariedade das casas

entregues quando da remoção e da estrutura do local conforme as promessas feitas

Triunfo e Linhas 631, 645 e 647Pouco caso dos responsáveis pelo empreendimento; falta de assistência da empresa e dos órgãos públicos; pouco caso do

Incra até hoje; falta de cumprimento das promessas feitas; reclamações da forma como foram deixados no local para o qual foram deslocados compulsoriamente; isolamento; falta de infra-estrutura

São Carlos Sérios problemas decorrentes da escassez de peixes, mudanças no rio; interferências nos seus modos de vida. A maioria dos pescadores faz parte do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e temem sofrer novamente, caso seja implementado o Complexo Madeira

UHE do Madeira Ribeirinhos Ameaçados

Comunidades próximas a Porto Velho (Santo Antônio, São Domingos,

Engenho Velho, São João Batista, Niterói, Maravilha, Brasileira, Bom Cera)

Vêm sofrendo grande pressão por parte dos empreendedores e dos governos; alvos de promessas; divisão dos grupos; liberação de recursos como forma de atração e convencimento de adesões; falta de acesso a informações sobre a real situação de licenciamento do empreendimento e dos impactos nas suas vidas; alvo de organizações governamentais e

não governamentais

Comunidades entre Porto Velho e a Cachoeira do Teotônio (Teotônio, Jatuarana, Morrinho, Amazonas,

Sacaca, Porto Seguro)

Situação bem parecida com as comunidades próximas a Porto Velho, com o diferencial de estarem mais unidas e mais desconfiadas. Têm colaborado para denunciar as ações de empreendedores nas comunidades

Comunidades entre Jaci-Paraná e Abunã (Jaci-Paraná , Jirau, Mutum Paraná, Fortaleza do Abunã, Abunã,

Araras)

Processo de convencimento e tentativa de atrair adesões da população muito forte; a maioria está a favor do desenvolvimento do empreendimento, confiantes nas possíveis vantagens que terão

Comunidades próximas a Guajará Mirim (Nova Mamoré, Iatá, Guajará-

Mirim, Ribeirão)Estão mais isolados das discussões e do foco dos empreendedores e das organizações não governamentais nesse momento

Comunidades da Bolívia (Guayaramerin, Nova Esperanza,

Ribeiralta, Cobija)

Os campesinos estão bastante preocupados com os impactos desses projetos sobre as suas vidas. Desconhecem os impactos de um empreendimento como esse, mas são, na sua maioria, contrários a ele. Muitos receberam o título da terra há pouco

tempo e temem perder essa conquista

hectares nos municípios de Manicoré, Humaitá, Lábrea e Itacoatiara, em 17 de junho de 2006, em São Paulo, ao custo de R$1.600.000,00. Em nome da Florestal da Ama-zônia Ltda20, ele adquiriu parte das terras do grupo esta-dunidense GMO Renewable Resources, que controlava a madeireira Gethal - uma das poucas madeireiras na Ama-zônia a ostentar o selo verde ou selo do FSC (Conselho de Certificação Florestal). Tal estratégia empresarial, idealisti-camente voltada para reduzir a emissão de gases que cau-sam o efeito estufa, prevê que os proprietários de florestas preservadas possam também vender créditos de carbono.

De acordo com a legislação ambiental, só quem realiza reflorestamento poderia vender créditos de carbono – tí-tulos dados a países que contribuem para a redução de poluentes. Tais créditos podem ser adquiridos pelas nações que mais emitem estes gases. Aqueles que só conservam

Page 150: Aguas Turvas

150

as florestas não poderiam vendê-los. Johan Eliasch está empenhado em alterar esta cláusula. Em agosto de 2007, a página eletrônica da Organização Não Governamental (ONG) Cool Earth – que se compromete a proteger e com-prar terras na Amazônia - contabilizava doações de mais de 20 mil pessoas em todo mundo, somente na primeira semana de sua campanha21.

moVimeNTos sociAis NA cAlHA do mAdeirAContrastando com as estratégias empresariais e com a ação governamental, inúmeras iniciativas de mobilização de povos indígenas, ribeirinhos, famílias agro-extrativis-tas e demais atingidos pelos impactos socioambientais das ações desenvolvimentistas foram realizadas. Novos mo-vimentos sociais e identidades coletivas estão emergindo nesta região, delineando um padrão próprio de relação po-lítica, inclusive com características transnacionais.

Deste modo, nos dias 02 e 03 de fevereiro de 2007, a Fede-ración Sindical Única de Trabajadores Campesinos de Pando (FSUTCP), com o apoio do Foro Boliviano sobre Medio Am-biente y Desarollo (Fobomade), realizou em Cobija, Bolívia, o seminário “Impactos ambientales e sociales del Complejo Hidroelectrico del rio Madera”22. O principal objetivo do en-contro foi promover um debate sobre os problemas advindos com a implementação do Complexo Madeira, de modo a es-timular que as comunidades do norte amazônico da Bolívia participem mais ativamente das decisões a serem tomadas.

Como fruto deste encontro, os representantes de povos e comunidades da região presentes, tanto da Bolívia quanto do Brasil, decidiram convocar a solidariedade dos povos do mundo em defesa do território amazônico. Conside-rando as conseqüências do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, tomaram a decisão de constituir o Movimento Social em Defesa da Bacia do Rio Madeira e da Região Amazônica, consolidando a aliança das comunidades e povos para a defesa dos seus direitos e territórios. O pro-nunciamento dos povos amazônicos dos dois países foi encaminhado aos presidentes da Bolívia e do Brasil, Evo Morales e Luiz Inácio Lula da Silva, respectivamente.

Nos dias 05 e 06 de março de 2007, foi realizado o 2º Encontro do Movimento Social em Defesa da Bacia do Rio Madeira e da Região Amazônica. Dessa vez estive-ram presentes também representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Movimento

“A projeção do aumento populacional está sub-dimensionada e não reflete o aumento da migração decorrente de uma grande obra.”

Artur de Souza Moret

Estimativa e Impactos do Aumento Populacional

Negligenciados

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

“As medidas de mitigação/compensação do empre-endimento, sobre as infra-estruturas viárias afetadas (rodo, fluvial e ferroviária), bem como sobre portos, es-tações e terminais rodoviários, devem ser inseridas no contexto global do desenvolvimento (da macro-região, do estado, da área de Reorganização Territorial e da cidade de Porto Velho).”

Rajindra Singh

Falta Relação com o Desenvolvimento Regional

e Local

Page 151: Aguas Turvas

151

“O EIA-Rima não faz qualquer comentário sobre a Vigilância Sanitária. É preciso considerar o interesse de fortalecer a Vigilância Sanitária antes que a cida-de receba o grande número de imigrantes previsto no EIA-Rima.”

Silas Antônio Rosa

Falta Estudar a Necessidade de Vigilância Sanitária

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

“A falta de saneamento é um problema crônico de Porto Velho. Com o empreendimento das Hidrelétricas do Rio Madeira este problema se agravará tanto que deixará de ser uma mudança meramente quantitativa e adquirirá foro de mudança qualitativa: será um novo problema decorrente do empreendimento. A forma adequada e racional de encará-lo é, mais uma vez, a prevenção. Devem ser colocados entre os itens a serem ressarcidos socialmente, a participação do empreen-dedor na solução dos dois entraves que o município encontra para resolver o problema: o pagamento do passivo com a CAERD e a elaboração do projeto, se-guido do financiamento de sua aplicação.”

Silas Antônio Rosa

Faltam Análise e Soluções para o Aumento dos

Problemas de Saneamento

dos Pequenos Agricultores (MPA). Ao final do encontro, organizações de três países reafirmaram os compromissos assumidos em Cobija, declarando serem terminantemen-te contrárias à construção das represas no Rio Madeira e exigindo providências dos órgãos governamentais para a anulação do processo de licenciamento das Usinas de San-to Antônio e Jirau e a recusa, em sua totalidade, do projeto do Complexo do Rio Madeira.

Os povos indígenas, cujos territórios encontram-se amea-çados de intrusão em virtude do adensamento das ações oficiais na região do Madeira, também estariam se mobi-lizando em consonância com os demais movimentos so-ciais. Em Rondônia, segundo dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), a população indígena é de 6.314 pessoas. No estado do Amazonas, em 2006, esta instituição registra uma população de 83.966 indígenas, enquanto dados do Instituto Socioambiental (ISA) registram, para o mesmo ano, o número de 125.582 índios, em 169 Terras Indígenas (TI) - 43 em estudo, 6 delimitadas, 10 declaradas, 103 re-gularizadas e 7 homologadas.

Na área de implantação da BR-319 e do Rio Madeira, tanto no Amazonas quanto em Rondônia, é bastante expressiva a presença indígena, como se pode observar nos quadros 8 e 9.

A intrusão de territórios indígenas em conseqüência da instalação de projetos de infra-estrutura é bastante co-mum na Amazônia. Em Humaitá, um relatório do Núcleo de Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais (NCPHS, 2006) afirma que “o contato definitivo entre Kawhiwa e não indígenas deu-se com a abertura da Transamazônica e com a exploração de minérios pela Paranapanema, além de projetos de colonização implementados pelo Incra”. O mesmo relatório registrou na proximidade da Aldeia Ma-fuí, dos Tenharim, uma vila na qual os moradores vivem “praticamente da extração de madeira (várias serrarias)” e “estão cercados por fazendas; e ainda tem a rodovia do Es-tanho (na divisa entre o Amazonas e Rondônia), que tem muita plantação de arroz e soja, tudo mecanizado.”

Atualmente, os diferentes grupos e organizações sociais estão discutindo uma agenda comum capaz de disciplinar os esforços e exigir um acompanhamento mais detido das ações governamentais, tanto as de implementação de hi-drelétricas como as de restauração de rodovias.

Page 152: Aguas Turvas

152

Quadro 4: projetos de Assentamento Federais e estaduais na região do complexo madeira no estado do Amazonas

MUNICÍPIO Nome do P.A. RESPONSABILIDADE ÁREA (HA) NÚMERO DE FAMÍLIAS ASSENTADAS

Apuí

PA Rio Juma

PAE Aripuanã Gurariba

PAE São Benedito

Federal

Estadual

Federal

689.000,00

1.226.748,89

67.822,61

6.134

47

54

Autazes

PA Sampaio

PAE Canaã

PAE Acará

PAE Novo Jardim

Federal

Estadual

Federal

Estadual

12.670,00

133.936,00

141.818,00

37.596,50

259

92

262

50

Beruri

PA Beruri

PA Caviana

PAE Purus

Federal

Federal

Federal

38.200,00

5.568,77

900.000,00

231

149

788

Borba

PA Puxurizal

PA Piaba

PAE Abacaxis

PAE Trocanã

PAE Tupana Igapó Açu I

PAE Maripiti

Federal

Federal

Estadual

Federal

Estadual

Federal

4.414,66

3.400,83

687.633,55

69.812,55

138.435,00

108.411,72

92

107

72

202

58

321

Canutama PA São Francisco Federal 18.120,0 262

Careiro

PA Nova Residência

PAE Castanho

PA Espigão do Arara

PA Panelão

Federal

Estadual

Federal

Federal

1.918,35

86.726,00

4.733,00

3.633,25

26

249

129

250

Humaitá PA Botos Estadual 101.397,65 148

Iranduba PDS Nova Esperança Estadual 317,68 20

Itacoatiara PA Engenho Federal 2.973,00 122

Lábrea

PA Umari

PA Paciá

Gedeão

Federal

Federal

Estadual

9.017,10

5.221,37

11.898,80

145

136

126

ManaquiriPA Manaquiri I – Gleba 06

PA Manaquiri II – Gleba 07

Federal

Federal

4.095,00

7.042,00

56

58

ManaquiriPDS Mandioca

PAE Bela Vista II

Estadual

Federal

5.455,00

64.845,42

50

1.826

Manicoré

PA Matupi

PA Matupiri

PAE Jenipapos

Resex do Lago Capanã Grande

RDS Amapá

PAE Onças

Federal

Estadual

Estadual

Estadual

Federal

34.344,9

9.712,20

40.401,18

304.146,28

216.108,73

9.500,00

401

58

389

190

300

196

Nova Olinda do Norte

PA Paquequer

PA Curupira

PAE Abacaxis II

Federal

Estadual

Federal

5.439,13

169.442,43

287.098,62

332

299

362

Novo Aripuanã PA Acari Federal 161.700,00 262

TOTAL 5.830.756,17 15.310

Fonte: Incra

Page 153: Aguas Turvas

153

TIPO NOME DA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO FEDERAL EXTENSÃO (HA) ATO DE CRIAÇÃO MUNICÍPIO

Uso Sustentável Floresta Nacional de Balata-Tufari 521.740,00 Decreto de 17/02/2005Tapauá e

Canutama

Uso Sustentável Floresta Nacional de Humaitá 494.090,00

(468.790)

Decreto Nº 2.485, de

02/02/1998Humaitá

Uso Sustentável Floresta Nacional do Jatuarana 863.067,00 Decreto de 19/09/2002 Borba

Uso Sustentável Reserva Extrativista do Lago do Capanã Grande 305.628,00 Decreto de 03/06/2004 Manicoré

TOTAL 2.184.525,00

Quadro 5: Amazonas - unidades de conservação Federais com incidência em municípios na Área de implantação da Br-319 e do rio madeira

Fonte: Ibama

Quadro 6: Amazonas - unidades de conservação estaduais com incidência em municípios na Área de implantação da Br-319 e do rio madeira

TIPO NOME DA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO FEDERAL ATO DE CRIAÇÃO MUNICÍPIO

Uso Sustentável Área de Proteção Ambiental - Lago do AyapuáDecreto Nº 12.836

de 09/03/1990

Anori, Beruri

e Tapauá

Uso Sustentável Floresta Estadual de ApuíDecreto Nº 24.812

de 25/01/2005Apuí

Uso Sustentável Floresta Estadual do Aripuanã Decreto Nº 24.807 de 19/01/2005 Apuí

Uso Sustentável Floresta Estadual de Manicoré Decreto Nº 24.806, de 19/01/2005 Manicoré*

Uso Sustentável Floresta Estadual do Sucunduri Decreto Nº 24.808 de 20/01/2005 Apuí

Proteção Integral Parque Estadual do Guariba Decreto No. 24.805 de 19/01/2005 Manicoré

Proteção Integral Parque Estadual do Sucunduri Decreto No. 24.840 de 21/01/2005 Apuí

Uso Sustentável Reserva de Desenvolvimento Sustentável Aripuanã Decreto Nº 24.811, de 21/01/2005 Apuí

Uso Sustentável Reserva de Desenvolvimento Sustentável Bararati Decreto Nº 24.813, de 25/01/2005 Apuí

Uso Sustentável Reserva de Desenvolvimento Sustentável Canumã Em fase de criação Nova Olinda do Norte e Borba

Uso Sustentável Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagacú-Purus Decreto Nº 23.723 de 05/09/2003 Anori, Beruri, Coari e Tapauá

Uso Sustentável Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Amapá Em fase de criação Manicoré

Uso Sustentável Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Madeira Decreto N° 26.009 de 03/07/2006 Novo Aripuanã e Manicoré

Uso Sustentável Reserva Extrativista Guariba - Novo Aripuanã e Apuí

TOTAL

Fontes: Ipaam, 2007. (http://www.ipaam.br/areas.html) (http://www.ipaam.br/legislacao/ESTADUAL/)Agência de Florestas do AM (http://www.florestas.am.gov.br/programas_02.php?cod=1222)(*) Casa Civil do Amazonas (http://www.casacivil.am.gov.br/ver_lei.php?cod_lei=804)

Page 154: Aguas Turvas

154

Quadro 7: rondônia - unidades de conservação estaduais com incidência em municípios na Área do rio madeira

TIPO NOME DA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO FEDERAL EXTENSÃO (HA) ATO DE CRIAÇÃO MUNICÍPIO

Proteção Integral Estação Ecológica de Cuniã 49.888,00 Decreto de 27/09/2001 Porto Velho

Proteção Integral Parque Nacional da Serra da Cutia 284.910,00 Decreto de 01/08/2001 Guajará-Mirim

Proteção Integral Parque Nacional de Pacaás Novos 1.422.936,00

Decreto Nº 98.894, de 30/01/1990

Decreto Nº 84.019, de 21/09/1979

Guajará Mirim, Ji-Paraná, Ariquemes e Porto Velho

Uso Sustentável Floresta Nacional de Jacundá 222.152,00 Decreto de 01/12/2004 Porto Velho e Candeias do Jamari

Uso Sustentável Floresta Nacional do Jamari 223.106,00 Decreto Nº 90.224, de 25/09/1984 Porto Velho e Ariquemes

Uso Sustentável Reserva Extrativista Barreiro das Antas 106.248,00 Decreto de 07/08/2001 Guajará-Mirim

Uso Sustentável Reserva Extrativista do Lago do Cuniã 104.474,00

Decreto N° 3.238, de 10/11/1999

Decreto N° 3.449, de 09/05/2000

Porto Velho

Uso Sustentável Reserva Extrativista do Rio do Cautário 75.418,00 Decreto de 07/08/2001 Guajará-Mirim

Uso Sustentável Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto 202.102,00 Decreto N° 99.166, de 13/03/1990

Guajará-Mirim e Vila Nova do Mamoré

TOTAL 2.691.234,00

Fonte: Ibama (2006). http://www.ibama.gov.br/siucweb/listaUc.php

POVO(Fonte: ISA) POPULAÇÃO TERRA INDÍGENA

(Fonte: Funai)SITUAÇÃO

(ISA)MUNICÍPIO

(Fonte: Funai) EXTENSÃO (HA)

Apurinã3.256

(Funasa, 2006)

Acimã

Alto Sepatini

Apurinã Igarapé Mucuim

Apurinã Igarapé São João

Apurinã Igarapé Tauamirim

Apurinã km 124 BR-317

Boa Esperança

Boca do Acre

Caititu

Paumari do Lago Marahã (ISA, 2006)

Paumari do Lago Paricá (ISA, 2006)

São Pedro do Sepatini

Seruini/Marienê

Torá

Tumiã

Homologada

Homologada

Declarada

Declarada. em demarcação

Homologada

Homologada

?

Homologada

Homologada

Homologada (ISA, 2006)

Homologada (ISA, 2006)

Homologada

Homologada

Homologada

Homologada

Lábrea

Lábrea

Lábrea

Tapauá

Tapauá

Boca do Acre e Lábrea

Canutama

Boca do Acre e Lábrea

Lábrea

Lábrea (ISA, 2006)

Tapauá (ISA, 2006)

Lábrea

Pauini e Lábrea

Manicoré (e Humaitá – FUNAI)

Lábrea

40. 686

26.095

73.000

18.720

96.456

42.198

?

26.240

308.062

118.766 (ISA, 2006)

15.792 (ISA, 2006)

27.644

144.971

54.961

124.357

Banawa Yafi101

(Funasa, 2006)Banawá Declarada Tapauá (e Canutama – ISA) 195.700

Quadro 8: Amazonas - povos e Terras indígenas em município na Área de implantação da Br-319 e do rio madeira

Page 155: Aguas Turvas

155

continuação do Quadro 8: Amazonas - povos e Terras indígenas em município na Área de implantação da Br-319 e do rio madeira

POVO(Fonte: ISA) POPULAÇÃO TERRA INDÍGENA

(Fonte: Funai)SITUAÇÃO

(ISA)MUNICÍPIO

(Fonte: Funai) EXTENSÃO (HA)

Apurinã3.256

(Funasa, 2006)

Acimã

Alto Sepatini

Apurinã Igarapé Mucuim

Apurinã Igarapé São João

Apurinã Igarapé Tauamirim

Apurinã km 124 BR-317

Boa Esperança

Boca do Acre

Caititu

Paumari do Lago Marahã (ISA, 2006)

Paumari do Lago Paricá (ISA, 2006)

São Pedro do Sepatini

Seruini/Marienê

Torá

Tumiã

Homologada

Homologada

Declarada

Declarada. em demarcação

Homologada

Homologada

?

Homologada

Homologada

Homologada (ISA, 2006)

Homologada (ISA, 2006)

Homologada

Homologada

Homologada

Homologada

Lábrea

Lábrea

Lábrea

Tapauá

Tapauá

Boca do Acre e Lábrea

Canutama

Boca do Acre e Lábrea

Lábrea

Lábrea (ISA, 2006)

Tapauá (ISA, 2006)

Lábrea

Pauini e Lábrea

Manicoré (e Humaitá – FUNAI)

Lábrea

40. 686

26.095

73.000

18.720

96.456

42.198

?

26.240

308.062

118.766 (ISA, 2006)

15.792 (ISA, 2006)

27.644

144.971

54.961

124.357

Banawa Yafi101

(Funasa, 2006)Banawá Declarada Tapauá (e Canutama – ISA) 195.700

Deni875

(Funasa, 2006)

Camadeni

Deni

Homologada

Homologada

PauiniItamarati, Lábrea, Pauini e

Tapauá (e Camaruá – FUNAI)

150.930

1.531.300

Jiahui 88(Funasa, 2006) Diahui Homologada Humaitá 47.354

Jamamadi 884(Funasa, 2006)

Banawá

Caititu

Jarawara/Jamamadi/Kanamati

Declarada

Homologada

Homologada

Tapauá (e Canutama – ISA)

Lábrea

Lábrea (e Tapauá – ISA)

195.700

308.062

390.233

Jarawara 175(Funasa, 2006) Jarawara/Jamamadi/Kanamati Homologada Lábrea (e Tapauá – ISA) 390.233

Juma 5Epib (2002) Juma Homologada Canutama 38.351

Katukina 340(Opan, 2005)

Paumari do Cuniuá(ISA, 2006)

Homologada(ISA, 2006)

Tapauá(ISA, 2006)

42.828(ISA, 2006)

Kaxarari 323(Funasa, 2006)

Kaxarari(AM e RO) Homologada Lábrea 145.889

Marimã(ISA, 2006)

Hi-Merimã(ISA, 2006)

Homologada(ISA, 2006)

Lábrea e Tapauá(ISA, 2006)

677.840(ISA, 2006)

Mura 9.299(Funai, 2006)

Arary

Ariramba

Capivara

Cuia

Cunhã Sapucaia

Gavião

Em identificação

Homologada

Em identificação/Reservada pelo SPI

Homologada

Declarada

Homologada

Borba e Novo Aripuanã (FUNAI) Autazes (ISA)

Manicoré

Autazes

Autazes

Borba (e Autazes – ISA)

Careiro da Várzea

...

10.357

650

1.322

463.000

8.611

Page 156: Aguas Turvas

156

Mura 9.299(Funai, 2006)

Guapenu

Igarapé-Açú

Itaitinga

Jauary

Jutai do Igapó-Açú

Lago Capanã

Lago do Limão

Lago Jauari

Miguel/Josefa

Muratuba

Murutinga

Natal/Felicidade

Pacovão

Padre

Pantaleão

Paracuhuba

Paraná do Arauató

Patauá

Pinatuba

Pirahã

Ponciano

Recreio/São Felix

Rio Manicoré

Rio Urubu

São Pedro

Setemã

Tracajá (ISA, 2006)

Trincheira

Em identificação/Reservada pelo SPI

?

Homologada

Em identificação

?

Homologada

Em identificação

Homologada

Homologada

Em identificação

Em identificação/Reservada pelo SPI

Homologada

Em identificação

Homologada

?

Homologada

Homologada

Homologada

Homologada

Homologada

Em identificação

Homologada

Homologada

Homologada

Homologada

Em identificação

Em identificação (ISA, 2006)

Homologada

Autazes

Borba

Autazes

Autazes

Borba

Manicoré

Autazes

Manicoré

Autazes

Autazes

Autazes

Autazes

Borba

Autazes

Autazes

Autazes

Itacoatiara

Autazes

Manicoré

Humaitá

Autazes / Careiro da Várzea

Autazes

Manicoré

Itacoatiara

Autazes

Borba e Novo Aripuanã

Autazes (ISA, 2006)

Autazes

2.450

?

135

...

?

6.321

...

12.023

1.628

...

1.270

313

...

797

?

927

5.915

615

29.564

346.910

...

251

19.481

27.354

726

...

690 (ISA, 2006)

1.624

Parintintin 284(Funasa, 2006)

Ipixuna

Nove de Janeiro

Homologada

Homologada

Humaitá

Humaitá

215.362

228.777

Paumari 892(Funasa, 2006)

Caititu

Paumari do Cuniuá

Paumari do Lago Manissuã

Paumari do Lago Marahã

Paumari do Lago Paricá

Paumari do Rio Ituxi

Homologada

Homologada

Homologada

Homologada

Homologada

Homologada

Lábrea

Tapauá

Tapauá

Lábrea

Tapauá

Lábrea

308.062

42.828

22.970

118.766

15.792

7.572

Pirahã 389(Funasa, 2006) Pirahã Homologada Humaitá 346.910

Sateré-Mawé8.378

(Diagnóstico P. Sateré/M, 2003)

Coatá-Laranjal Homologada Borba 1.153.210

Tenharim 389(Funasa, 2006)

Sepoti

Tenharim do Igarapé Preto

Tenharim Marmelos (Gleba B) (ISA, 2006)

Homologada

Homologada

Identificada (ISA, 2006)

Manicoré (e Humaitá – FUNAI)

Novo Aripuanã

Humaitá e Manicoré (ISA, 2006)

251.349

87.413

473.961 (ISA, 2006)

POVO(Fonte: ISA) POPULAÇÃO TERRA INDÍGENA

(Fonte: Funai)SITUAÇÃO

(ISA)MUNICÍPIO

(Fonte: Funai) EXTENSÃO (HA)

continuação do Quadro 8: Amazonas - povos e Terras indígenas em município na Área de implantação da Br-319 e do rio madeira

Page 157: Aguas Turvas

157

Quadro 9: rondônia - povos e Terras indígenas em municípios na Área do rio madeira

POVO(Fonte: ISA) POPULAÇÃO TERRA INDÍGENA

(Fonte: Funai)SITUAÇÃO

(ISA)MUNICÍPIO

(Fonte: Funai) EXTENSÃO (HA)

AikanãRio Guaporé

(ISA, 2006)Homologada

Guajará-Mirim

(ISA, 2006)

115.788

(ISA, 2006)

Ajuru94

(Funasa, 2006)

Rio Guaporé

(ISA, 2006)Homologada

Guajará-Mirim

(ISA, 2006)

115.788

(ISA, 2006)

Amondawa87

(Peggion, 2003)Uru-Eu-Wau-Wau Homologada

Alvorada D´Óeste, Jaru,

Cacaulândia, C. Marques, C. N.

de RO, Guajará-Mirim e Outros

(13 municípios)

1.867.120

(ISA, 2006)

Arikapu29

(Funasa, 2006)Rio Guaporé(ISA, 2006) Homologada Guajará-Mirim

(ISA, 2006)115.788

(ISA, 2006)

Aruá 69(Funasa, 2006)

Rio Branco(ISA, 2006)

Rio Guaporé(ISA, 2006)

Homologada

Homologada

Alta F. Oeste, Costa Marques e São Miguel do Guaporé

(ISA, 2006)

Guajará-Mirim(ISA, 2006)

236.137(ISA, 2006)

115.788(ISA, 2006)

Jaboti 165(Funasa, 2006)

Rio Guaporé

Rio Guaporé(ISA, 2006)

?

Homologada

Guajará-Mirin

Guajará-Mirim(ISA, 2006)

?

115.788(ISA, 2006)

Kanoê 95 (Epib, 2002)

Rio Guaporé(ISA, 2006) Homologada Guajará-Mirim

(ISA, 2006)115.788

(ISA, 2006)

Karipuna 14 (Azanha, 2004) Karipuna Homologada Porto Velho e Nova Mamoré 152.930

(ISA, 2006)

Karitiana 320(Epib, 2005) Karitiana Homologada Porto Velho 89.682

(ISA, 2006)

Kaxarari323

(Funasa, 2006)AM e RO

Kaxarari ? Porto Velho ?

POVO(Fonte: ISA) POPULAÇÃO TERRA INDÍGENA

(Fonte: Funai)SITUAÇÃO

(ISA)MUNICÍPIO

(Fonte: Funai) EXTENSÃO (HA)

Tenharim 389(Funasa, 2006) Tenharim/Marmelos Homologada Humaitá e Manicoré 497.521

Torá 312(Funasa, 2006) Torá Homologada Manicoré (e Humaitá – FUNAI) 54.961

Zuruahã 144(Dal Poz, J., 1996) Zuruahã Homologada Tapauá 239.070

Isolados ? Rio Pardo (AM e MT) Com restrição de uso Novo Aripuanã 166.000

Fonte: ISA Povos indígenas do Brasil: 2001-2005. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2006.- www.isa.org.br e Funai www.funai.gov.br

continuação do Quadro 8: Amazonas - povos e Terras indígenas em município na Área de implantação da Br-319 e do rio madeira

Page 158: Aguas Turvas

158

ALÉM DA PESCA, A AGRICULTURA FAMILIAR E A PRODUÇÃO DE FARINHA (ACIMA) SÃO OS PRINCIPAIS MEIOS DE SUBSISTÊNCIA DOS RIBEIRINHOS

ALEX

IS B

ASTO

S/RI

OTER

RAFonte: Funai: www.funai.gov.br

POVO(Fonte: ISA) POPULAÇÃO TERRA INDÍGENA

(Fonte: Funai)SITUAÇÃO

(ISA)MUNICÍPIO

(Fonte: Funai) EXTENSÃO (HA)

Macurap 381(Funasa, 2006)

Rio Guaporé

Rio Guaporé (ISA, 2006)

?

Homologada

Guajará-Mirin

Guajará-Mirim (ISA, 2006)

?

115.788 (ISA, 2006)

Pakaa Nova 2.721(Funasa, 2006)

Igarapé Lage

Igarapé Ribeirão

Homologada

Homologada

Guajará-Mirim e Nova Mamoré

Guajará-Mirim

107.321

47.863 (ISA, 2006)

Pakaa Nova 2.721(Funasa, 2006)

Pacaás-Novas

Rio Negro/ Ocaia

Sagarana

Rio Guaporé (ISA, 2006)

Homologada

Homologada

Homologada

Homologada

Guajará-Mirim

Guajará-Mirim

Guajará-Mirim

Guajará-Mirim (ISA, 2006)

279.906 (ISA, 2006)

104.064 (ISA, 2006)

18.120 (ISA, 2006)

115.788 (ISA, 2006)

Sakurabiat 84(Funasa, 2006)

Rio Guaporé(ISA, 2006) Homologada Guajará-Mirim

(ISA, 2006)115.788

(ISA, 2006)

Tupari 433(Funasa, 2006)

Rio Guaporé(ISA, 2006) Homologada Guajará-Mirim

(ISA, 2006)115.788

(ISA, 2006)

Uru-Eu-Wau-Wau 100(Funasa, 2006) Uru-Eu-Wau-Wau Homologada

Alvorada D´Óeste, Jaru, Cacaulândia, C. Marques, C. N. de RO, Guajará-Mirim e Outros

(13 municípios)

1.867.120(ISA, 2006)

Isolados diversos ? Rio Candeias ? Porto Velho ?

Rio Cautário ? Costa Marquese Guajará-Mirin ?

continuação do Quadro 9: rondônia - povos e Terras indígenas em municípios na Área do rio madeira

Page 159: Aguas Turvas

159

1 Este artigo faz parte do trabalho de pesquisa desenvolvido pelos autores no âmbito do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PPGSCA-UFAM/ F.Ford), coordenado pelo antropólogo Alfredo Wagner.

2 Doutoranda em Geografia pela Universidade Sorbone Paris III; mestrando pelo PPGSCA/UFAM; graduada em Ciências Sociais pela UFAM; doutorando em Antropologia pelo PPGA-UFF; e doutora em Antropologia Social pelo PPGAS-MN/UFRJ.

3 A Advocacia Geral da União identificou 146 ações judiciais em tramitação no País que ameaçam paralisar as obras do PAC. As mais visadas são as duas usinas projetadas para o Rio Madeira. Cf. “Painel” Folha de São Paulo, 30 de julho de 2007 pág.A-4

4 Cf. Términos de Referencia. Estudio de Caso del Proyecto Hidroelétrico Rio Madeira, 19/5/2006 do Centro de Información Bancaria (BIC) / Construindo a Incidência Cívica Informada para a Conservação da Amazônia – Andina (BICECA).

5 Dados extraídos de http://www.grupomaggi.com.br/br/hermasa/index.asp

6 Veracel Celulose S/A (50% Stora Enzo / 50% Aracruz)

7 SOARES, Ana Paulina Aguiar. Madeira Ilegal, Trabalho Ilegal. In Geografia: Revista da Universidade Federal do Amazonas, v.3, n1/2, jan/dez, 2001. Manaus: EDUA, 2004.

8 In O Hoje, Ano II – Número 8, Março 2006. (Órgão da Prefeitura Municipal de Nova Olinda do Norte).

9 ALMEIDA, Alfredo, SHIRAISHI, Joaquim e MARTINS, Cynthia. Guerra Ecológica nos Babaçuais. São Luís, Ma, 2005.

10 Cf. Rima das Usinas Santo Antônio e Jirau, apresentado pelas empresas Furnas, Odebrecht e Leme, maio, 2005. Conclusões - p. 79

11 O Rima, coordenado por uma geógrafa, teve três membros como equipe responsável pelos “aspectos sociais”: uma pessoa apenas nomeada mas sem a sua qualificação profissional, uma arqueóloga e um médico. (p. 82)

12 (Rima, p.10)

13 Cf. Abin vai investigar garimpo ilegal em Novo Aripuanã.Diário do Amazonas, 7 de janeiro de 2007, pág. 6

14 Em 1994, o Brasil já ocupava o terceiro lugar como exportador de madeira nobre no mercado mundial.

15 O proprietário de fazenda na área afirma que o Incra teria arrematado terras pertencentes à sua propriedade (Fazenda Remansinho), existindo uma superposição de terras de aproximadamente dois mil hectares.

16 As lideranças do acampamento (futuro assentamento Nova Esperança) vêm sendo acompanhadas pela Federação dos Trabalhadores do Acre e Amazonas e Comissão Pastoral da Terra, do Amazonas.

17 Tendo-se em conta que apenas Manaus, a capital, reúne 50% da população do estado do Amazonas, tem-se nesses oito municípios aproximadamente 10%, enquanto os demais 53 municípios com 41% da população do estado.

18 Este quadro transcreve parcialmente o relatório de pesquisa de Bruna Gonçalves D’Almeida, pesquisadora do PNCSA e mestranda do PPGDA-UEA, de abril de 2007.

19 Segundo a ONG Cool Earth, cada acre (aproximadamente 0,4047 há) de floresta queimado liberaria até 26 toneladas de CO2

20 Conforme Instrumento Particular de Compra e Venda, registrado no Cartório do 2º. Ofício de Itacoatiara, AM, Matrícula 989, Fl. 130. A empresa Florestal da Amazônia Ltda tem sede à Rua Santa Helena, 58, em São Paulo, SP.

21 O valor das doações não foi divulgado e a entidade informa que poderá adquirir mais 8 mil hectares até o final de 2007. Veja www.rondonoticias.com.br , 05 de agosto de 2007.

22 Este tópico, referente ao estado de Rondônia e à Bolívia, transcreve parcialmente o relatório de pesquisa de Bruna Gonçalves D’Almeida (PNCSA, 2007), op. cit.

NOTAS E REFERÊNCIAS

Page 160: Aguas Turvas

160

ara iniciar a responder a principal questão deste estudo, foi utilizado o formato de perguntas e res-postas. Ao utilizar uma linguagem mais simples

e didática, o objetivo foi tornar diversos conceitos cien-tíficos mais acessíveis a um grande número de pessoas não especializadas em mercúrio no meio ambiente. Em seguida, são expostos, de forma mais acadêmica, concei-tos básicos sobre o comportamento do mercúrio no meio ambiente e argumentos que embasam as conclusões.

No mais recente congresso internacional sobre o mercú-rio como um poluente global, realizado em Madison, nos Estados Unidos (EUA), em 2006, os organizadores soli-citaram a grupos de pesquisadores convidados um do-cumento síntese com as conclusões científicas e técni-cas sobre quatro tópicos: a) contribuição de fontes para a deposição atmosférica de mercúrio; b) riscos à saúde humana e efeitos tóxicos do metilmercúrio; c) conseqüên-cias socioeconômicas do uso e da poluição por mercúrio; e, d) recuperação da atividade pesqueira em ambientes contaminados com mercúrio (The Madison Declaration on Mercury Pollution, 2007).

Os cerca de 1.200 pesquisadores presentes no congresso

AcumulAção de mercúrioem peixes

por: Zuleica C. CastilhosAna Paula Rodrigues

PAPRESENTAÇÃO

poderiam votar concordando ou discordando dos quatro tópicos. A concordância variou de 69% a 99% em sub-itens dos painéis citados. Estes resultados expressam as incertezas e discordâncias sobre os tópicos entre os espe-cialistas da área.

De qualquer modo, existem diversos conceitos atualmente aceitos e que foram expostos nos diferentes tópicos deste relatório técnico. Para a sua elaboração, foram revisados diversos artigos científicos, publicados no Brasil e no exterior, bem como dissertações de mestrado e teses de doutorado que contêm informações sobre: teores de mer-cúrio em peixes de reservatórios nacionais e estrangeiros, teores de mercúrio em peixes da bacia do Rio Madeira, bem como dos rios formadores deste rio, localizados no território boliviano.

Nesta revisão, foram estudadas, também, as condições limnológicas de reservatórios no exterior e no Brasil. Foram consultados também o Relatório de Impacto Am-biental (Rima) das barragens do Rio Madeira e pareceres técnicos, bem como diversos outros documentos com in-formações específicas sobre o Rio Madeira.

perGuNTAs e resposTAsPor que o mercúrio é considerado um poluente global?O mercúrio é considerado um poluente porque as suas fontes têm capacidade de influenciar no estoque global de mercúrio, mesmo que elas sejam todas locais. As fon-tes de mercúrio para o planeta são naturais e antropo-gênicas. Cerca de 2/3 do mercúrio existente no estoque global atmosférico é de origem antropogênica e 1/3 de origem natural (fontes geológicas).

Quais os problemas que a exposição ao mercúrio pode causar à saúde humana?Primeiramente, é preciso definir a forma química do mer-cúrio (Hg) que interessa abordar. O mercúrio tem várias formas químicas. A sua principal forma química que pode se acumular em peixes é a metilada, denominada de me-tilmercúrio (MeHg), que é a mais tóxica aos humanos. A ingestão de peixes é considerada a predominante, senão a única, via de exposição do ser humano ao MeHg.

Assume-se que todo o mercúrio oriundo de fonte alimen-tar, excluindo peixes, é virtualmente Hg2+ sendo que ape-

Page 161: Aguas Turvas

161

nas 7% da dose oral desta forma química é absorvida pelo organismo humano; enquanto que 80% do mercúrio total em peixes é MeHg, e que 95% deste MeHg é absorvido pelo sistema gastrointestinal.

Uma vez definidas a forma química de interesse (MeHg) e a via de exposição (ingestão de peixes contendo MeHg), passemos aos efeitos tóxicos.

Qualquer efeito tóxico não-cancerígeno somente será per-cebido como sinal ou sintoma pelo indivíduo quando o te-or no organismo ultrapassar uma determinada dose. Uma dose é definida como a quantidade de um ou vários ele-mentos químicos, por quilograma de peso do indivíduo.

Ultrapassada esta dose de tolerância do organismo hu-mano, são diversos os problemas que podem ser causa-dos pela ingestão de pescado contendo MeHg. É preciso esclarecer que a exposição ambiental se caracteriza pelas baixas doses (comparadas aos acidentes ambientais) e pe-lo caráter crônico (exposição por um longo período de tempo), incrementando a importância de fenômenos de acumulação no organismo humano.

Os efeitos tóxicos são de ordem neurológica, tanto em adultos quanto em crianças, sendo que a intensidade dos efeitos tóxicos depende, além da dose, da matu-ridade do Sistema Nervoso Central (SNC) exposto. Os mais importantes efeitos tóxicos se dão sobre o SNC em desenvolvimento, do feto, intra-útero. Em geral, a mu-lher gestante, ao ingerir peixes contendo MeHg, tem os teores de MeHg em seu sangue elevados, mas ela pode não apresentar qualquer sinal ou sintoma de intoxica-ção. O MeHg presente no sangue materno, ao passar pela placenta, atinge o SNC do embrião, prejudicando seu desenvolvimento normal.

Até o aparecimento de uma doença que ficou conhecida como “Síndrome de Minamata”, não se tinha notícias de efeitos tóxicos crônicos relacionados à presença de mer-cúrio e de MeHg no meio ambiente. Sem dúvida, o mais grave caso publicado de doença por exposição crônica à poluição ambiental por MeHg aconteceu em 1956, na cidade de Minamata, no Japão. Milhares de pessoas de di-versos municípios localizados na baía de Minamata foram contaminadas por mercúrio e mais de 900 morreram com dores severas devido ao envenenamento.

BALSAS DOS GARIMPEIROS

MAR

GI M

OSS

/BRA

SIL

DAS

ÁGU

AS

Page 162: Aguas Turvas

162

A Síndrome de Minamata é caracterizada por um con-junto de sinais e sintomas de desordens neurológicas que se apresentam simultaneamente, e consiste em: dis-túrbios visuais pela redução do campo de visão; ataxia (incapacidade de coordenação do movimento muscular voluntário, como o ato de andar); parestesia (alteração de sensibilidade; a pessoa sente picadas, formigações, queimaduras, não causadas por estímulos externos); neurastenia (irritabilidade, cefaléias e perda de sono); perda de audição; disartria (dificuldade na articulação de palavras, resultante de alterações no Sistema Nervoso Central); deteriorização mental; perda de controle motor; tremor muscular; falta de coordenação motora; paralisia; e até, como já foi mencionado, a morte.

A Síndrome de Minamata já foi diagnosticada no Brasil?O único trabalho publicado onde se sugeriu o diagnós-tico da doença de Minamata em ribeirinhos da Ama-zônia teve autoria do Dr. Harada e colaboradores e foi criticado por outros pesquisadores. Os resultados de di-versos outros trabalhos sugerem que as populações ri-beirinhas da Amazônia brasileira - que, culturalmente, consomem muito peixe - não apresentam a Síndrome de Minamata. Entretanto, cabe ressaltar que alguns dos vários sinais e sintomas desta síndrome, isoladamente ou em conjunto, têm sido encontrados naquelas popu-lações da Amazônia.

Por que o mercúrio acumula em peixes?Vamos dividir esta pergunta em duas outras perguntas:1- Por que se pergunta sobre mercúrio em peixes e não so-

bre MeHg em peixes, uma vez que foi definida que a forma química de interesse é o MeHg para a via de exposição de ingestão de peixes?

Há varias razões:1.Porque é muito caro, difícil, trabalhoso e há poucos la-boratórios no mundo que conseguem analisar o MeHg em peixes.

2. As análises de mercúrio total em peixes são mais fáceis, mais rápidas e há diversos laboratórios capacitados, no Brasil e no exterior.

3.Porque em vários trabalhos realizados em diversos locais do mundo foi detectado que o percentual de metilmercúrio em peixes em relação ao mercúrio total varia de 75% a 90%.

4.Portanto, a determinação de mercúrio total em peixes tem se mostrado suficiente para as avaliações de risco à saúde humana por ingestão de peixes contendo MeHg.

2-Por que o metilmercúrio acumula em peixes?Primeiro, é importante esclarecer que a parte do pei-xe que, geralmente, é utilizada para análises de mer-cúrio é a musculatura do peixe, o filé. Isto porque o MeHg tem afinidade pelos grupamentos sulfidrila das proteínas. O músculo é um tecido formado quase ex-clusivamente por proteínas. É a parte do peixe mais consumida pela população humana, e é um tecido que contribui com grande massa no espécime de peixe, sendo também importante para o consumo de outras espécies de animais.

Considera-se que o sistema aquático seja o mais impor-tante para a produção de MeHg.

Teores de mercúrio em peixes são dependentes de diver-sos parâmetros abióticos e bióticos. Entre os parâmetros abióticos, pode-se citar fatores relacionados às cargas de Hg no meio aquático, especialmente aquelas relacionadas ao Hg em sedimentos; taxa de escoamento de solo e con-taminantes associados atingindo sistemas aquáticos (run-off); condições ambientais como pluviometria, que pode influenciar no aporte de mercúrio via atmosfera; conteúdo e tipo de matéria orgânica presente em sedimentos, quali-dade de sedimentos (percentual de argila, areia, silte, etc), presença de outros contaminantes, etc.

QUEIMA DE MERCÚRIO PARA PURIFICAR O OURO

AGU

IRRE

/ SW

ITKE

S/AM

AZÔ

NIA

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Quanto aos fatores bióticos, pode-se citar as taxas de bio-produção (Häkanson, 1980; 1991); fatores dependentes da fisiologia da biota local, como comprimento, idade e taxa metabólica (Phillips, 1980; WHO, 1990); e fatores dependen-tes das inter-relações da cadeia trófica (Cabana et al, 1994).

Quando se relacionam as concentrações de MeHg em pei-xes com as concentrações de MeHg em águas superficiais, esta razão resulta em torno de 105 a 106. Ou seja, as concentrações de MeHg podem ser cerca de 1.000.000 de vezes mais elevadas em peixes de topo de cadeia aquática do que em água. Esta relação é denominada de fator de bioacumulação (FBA).

Trabalhos de campo nos Estados Unidos e modelagens associadas, sugerem que o FBA do MeHg para sistemas lênticos não difere do FBA para sistemas lóticos. Para os peixes de topo de cadeia, foram sugeridos FBA de 4,1 x 106 e 1,4 x 106, para sistemas lênticos e lóticos, res-pectivamente (Usepa, 2001). Isto significa que, tendo-se a mesma concentração de metilmercúrio em água, os peixes de sistemas lênticos apresentam teores de mercúrio cerca de quatro vezes superior aos peixes de mesmo nível, de sistemas lóticos.

Admite-se que a principal via de exposição dos peixes seja a via alimentar, embora certa quantidade de MeHg pode ser absorvida pela via respiratória. Por esta razão, a in-formação sobre o hábito alimentar das espécies de peixes e de outros organismos aquáticos é fundamental para o entendimento da contaminação por mercúrio em ambien-tes aquáticos.

Foi observado, em diversos trabalhos, que o MeHg apre-senta um acréscimo de teores quando se consideram os diversos níveis tróficos de um sistema aquático. Peixes piscívoros, de topo de cadeia aquática, apresentam teores de MeHg de cerca de 10 vezes maiores do que peixes não piscívoros. Além disso, os percentuais de MeHg para Hg total aumentam, do fitoplâncton, onde está em torno de 10%, para quase 100% em peixes. Este fenômeno se cha-ma biomagnificação.

O Fator de Biomagnificação (FBM), em geral, é calcula-do comparando-se os teores de mercúrio em espécies de peixes de diferentes níveis tróficos, relacionando com o nível trófico imediatamente inferior. Por exemplo, seria a

relação entre os teores médios de mercúrio encontrados em peixes piscívoros relativamente aos níveis encontra-dos em peixes não piscívoros.

Portanto, o MeHg apresenta fenômenos de bioacumula-ção e de biomagnificação na cadeia trófica aquática.

Ainda que seja difícil, alguns autores sustentam que é pos-sível predizer os teores de mercúrio em peixes a partir das concentrações de MeHg em águas e do fator de bioacumu-lação do MeHg para aquele determinado nível trófico.

Complicações adicionais provêm da dificuldade de se definir conceitos como cadeia trófica e nível trófico em termos mensuráveis. Este problema torna-se mais claro com as variações intra-específicas dos níveis tróficos do que quando se compara inter-específico predador/presa. É mais fácil se determinar que um peixe carnívoro difere de zooplâncton na cadeia trófica de um sistema aquático do que estabelecer que em um lago a mesma espécie de peixe carnívoro ocupa o mesmo (ou diferente) nível trófico em outro sistema aquático. Por estas razões, têm sido utiliza-das as medidas de isótopo de nitrogênio carbono estáveis para descrever biomagnificação de compostos lipofílicos em ecossistemas de águas doces e salgadas (Cabana et al., 1994). É fundamental que estudos de ecologia específicos para o local sejam incentivados para dar embasamento às interpretações das pesquisas com cunho ambiental.

Enquanto se demonstra que em níveis tróficos mais eleva-dos as concentrações de Hg são as maiores, não é claro se isto resulta da biomagnificação através da cadeia aquática ou se resulta de maior tempo de exposição, uma vez que organismos de nível trófico mais elevado normalmente têm maior tempo de vida. Mais uma vez, enfatiza-se a necessidade de estudos biológicos para a determinação da idade dos peixes para se avaliar o tempo de exposição.

Alguns autores sugerem que as concentrações de Hg au-mentam com a idade do organismo, e que a cadeia aquá-tica tem pouco envolvimento com esta acumulação.

Outros trabalhos, entretanto, sugerem que as concentrações de Hg em tecido muscular não parecem estar co-relaciona-das com a idade e que esta acumulação poderia ser resul-tado da biomagnificação do Hg através da cadeia trófica, mais do que da bioacumulação direta (Atwell et al., 1998).

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Portanto, podemos perceber que há divergência entre os cientistas sobre alguns parâmetros envolvidos na acumu-lação de mercúrio em peixes.

Rios diferem significativamente de lagos e reservatórios não somente nas suas óbvias condições físicas (como fluxo de águas, grau de estratificação termal, transporte de material), mas também nos tipos de organismos que eles podem sustentar, especialmente em número de pe-quenos animais e em tipos de plantas e animais maiores. Generalizando, os níveis tróficos envolvendo peixes e as cadeias tróficas em águas correntes parecem ter menos níveis interligados ou níveis tróficos do que aquelas em águas não correntes. Nos Estados Unidos, a partir de trabalhos de campo, fo-ram determinados valores de FBA de MeHg em sistemas lênticos (lagos, represas) e em sistemas lóticos (rios, cór-regos), sendo que eles não diferem significativamente en-tre si. Ou seja, pelos dados de campo, sistemas lênticos ou lóticos apresentam igual FBA.

Muito importante é saber que a ausência de consistentes re-lações entre a concentração de Hg na água, sedimentos e teor de mercúrio, em várias espécies de peixes, ilustra a comple-xidade e a natureza local-específico da bioacumulação do Hg. Sendo assim, medidas biológicas diretas na biota local parecem ser indispensáveis (Peterson et al.,1996) e o valor de FBA não parece aplicável para uma grande região, devendo ser considerado como específico do local estudado.

Portanto, para o atual conhecimento científico, admite-se que as taxas de acumulação do mercúrio em peixes sejam específicas de cada local.

Qual o teor máximo de mercúrio em peixes que uma pes-soa pode consumir?Várias instituições internacionais derivaram doses má-ximas permitidas de mercúrio para a ingestão diária por pessoa. Estas doses são calculadas levando-se em consideração diversos aspectos da toxicologia do me-tilmercúrio, conhecidos principalmente pelo estudo das populações expostas a acidentes ambientais com o MeHg, pelo acompanhamento de longo prazo em po-pulações ribeirinhas em diversos locais do mundo e, claro, com as populações humanas expostas na Baía de Minamata.

“Os relativamente altos níveis de mercúrio encontra-dos nos cabelos de ribeirinhos vivendo na área de in-fluência são preocupantes. A população já corre um risco que pode se agravar ainda mais após a realização das obras. Porém, medir os níveis de mercúrio em pei-xes e cabelos e compará-los com padrões nacionais e internacionais não foi suficiente para avaliar os po-tenciais impactos da obra sobre estas populações. Para fazer isto, seria necessário determinar a concentração de mercúrio nas espécies de peixe mais consumidas e também estimar a quantidade média de cada espécie consumida por dia, o que não foi feito.”

Bruce Forsberg e Alexandre Kemenes

Omissão na Estimativa dos Impactos do Mercúrio sobre

Ribeirinhos

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

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BRO MeHg, após ser distribuído no corpo humano, é ex-cretado lentamente, principalmente, pelas fezes e pelo cabelo. Em geral, são avaliados os teores de mercúrio no sangue e no cabelo das pessoas, e comparados com valo-res de referência. Os limites biológicos de tolerância pre-conizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) são relacionados a concentrações, no cabelo, até de 6µg.g-1, e, no sangue, até 30µg.L-1. Os valores de refêrencia de teores de mercúrio em indicadores biológicos para pes-soas não expostas, são, 2µg.g-1 e 8 µg.L-1, para cabelo e sangue, respectivamente.

Foi estabelecido, pela OMS (WHO, 1990) em 30µg.dia-1 o nível de exposição no qual resultou sem efeito adverso detectável na população humana, com o objetivo de prote-ger até mesmo os indivíduos mais sensíveis, resultando em 0,43µg.Kg-1 dia-1. A taxa de ingestão de peixes, calculada por esta relação, resulta em cerca de 0,06 kg (ou 60 g) de peixe por dia.

Há outros valores orientadores para os teores máximos de mercúrio em peixes que uma pessoa pode consumir?a) Sim, há diferentes valores máximos permitidos. A razão disto é que diferentes instituições se baseiam em diferentes trabalhos científicos e com diferentes graus de proteção, sendo que a tendência é de proteção cada vez maior.

b) Recentemente, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (Usepa) derivou uma “Dose de Referência de Mercúrio para ingestão oral” que resultou em 1x 10-4 mg.kg/dia. Isto significa que cada pessoa pode ingerir, no máximo, 0,1 µg.Kg-1 dia-1. Diversos parâmetros foram considerados para se chegar a este valor, incluindo a pro-teção à exposição intra-útero. Em recente avaliação de consumo de pescado nos EUA, a taxa de ingestão média foi estimada em 17,5 g por dia (ou 0,0175 kg/dia). Con-siderando esta taxa de ingestão e a dose de referência de 0,1µg.Kg-1 dia-1, sugeriu-se uma concentração em cerca de 0,3 mg/kg de mercúrio em peixes como orientador pa-ra o consumo humano e/ou para a avaliação de qualidade de águas superficiais naquele país.

c) Portanto, temos outro valor orientador de 0,3 mg/kg no peixe para a proteção da saúde humana.

d) O conceito mais importante é que a dose é função da taxa de ingestão de peixes e da concentração de mercúrio

POPULAÇÃO JÁ APRESENTA ALTOS NÍVEIS DE MERCÚRIO NOS CABELOS

nos peixes. E que as concentrações permitidas de mercúrio em peixes, para comércio, são derivados em função da do-se permitida e das taxas de consumo de pescado. A maior parte dos valores orientadores para mercúrio em peixes está diretamente relacionada à proteção da saúde humana.

e) No Brasil, os limites estabelecidos pela legislação vigen-te, são de 0,5 mgHg/Kg, para pescado não-predador ou não piscívoro, e de 1,0 mgHg/Kg, para pescado predador ou piscívoro. No Japão, o limite é de 0,4 mg/Kg, na Aus-trália, Israel, Noruega, Suíça e Tailândia, de 0,5 mg/Kg, e na Itália de 0,7 mg/Kg, enquanto na Alemanha, Dinamar-ca, Estados Unidos, Finlândia, Nova Zelândia e Suécia é adotado 1,0 mg/Kg

No Brasil, há uma série de trabalhos com medidas quan-titativas de mercúrio em peixes, realizados principal-mente a partir da década de 80, quando a mineração artesanal de ouro foi bastante intensa, em particular, no estado do Pará, na região Amazônica. O garimpo de ouro foi considerado uma importante fonte de mercúrio para o meio ambiente. Em meados da década de 90, alguns trabalhos sugeriram a contribuição de fonte natural, por erosão de solos.

Há também trabalhos sobre teores de mercúrio em peixes de águas doces oriundos de outras regiões do Brasil. Nes-tes levantamentos, nenhuma das espécies estudadas apre-sentou quantidades de mercúrio acima dos limites brasi-leiros de tolerância, independentemente de serem peixes predadores ou não-predadores.

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Entretanto, em diversos trabalhos científicos encontra-se comparação de valores médios de teores de mercúrio em peixes com o valor de 0,5 µg.g-1, sendo este valor conside-rado como referencial de contaminação, o que já sabemos, é um equívoco.

Teores de mercúrio em peixes de reserVATórios A relação de causa e efeito entre a criação de reserva-tórios e o aumento nos teores de mercúrio em peixes foi primeiramente mencionada nos Estados Unidos no final dos anos 70 (Albernathy & Cumbie, 1977 apud Verdon, 1991; Potter et al., 1975 apud Aula et al., 1995) e, pos-teriormente, na Finlândia (Lodenius, 1983; Alfthan et al., 1983 apud Verdon, 1991), Suécia (WHO, 1990) e Ca-nadá, nos anos 80 (Bodaly & Hecky, 1979 apud Verdon, 1991; WHO, 1990). E, a partir de então, tem sido ampla-mente estudada.

A produção de metilmercúrio pode aumentar em 40 vezes após o alagamento de áreas inundadas de florestas bo-reais. Montgomery et al (2000) indicam um aumento de quatro vezes nas concentrações de MeHg dissolvido em reservatórios em relação a lagos naturais. Acredita-se que isso aconteça devido ao alagamento de solos e vegetação que seriam fontes de mercúrio inorgânico, assim como fontes de nutrientes para a ação bacteriana, estimulando o processo de metilação.

Entretanto, permanece o debate sobre as causas e a dura-ção das observadas elevadas concentrações de mercúrio

em peixes em reservatórios artificiais associados com a geração de energia elétrica ou para controle de inunda-ções. Dependendo da espécie de peixe e das características do reservatório, as concentrações máximas de mercúrio total em peixes de reservatórios atingem níveis de três a seis vezes maiores do que aqueles encontrados em am-bientes aquáticos naturais (Schetagne et al., 2000).

Notou-se, também, que os níveis de mercúrio em peixes de reservatórios recentes eram cerca de três vezes maiores do que de reservatórios antigos. Os pesquisadores sugeriram que estes níveis elevados de mercúrio em peixes seria um fenômeno transitório em áreas recém alagadas, em reser-vatórios relativamente oligotróficos (Albernathy & Cum-bie, 1977 apud Verdon, 1991).

Outro fator importante parece ser o tempo de afogamento do reservatório, sendo que quanto mais rápido, maiores os teores de mercúrio em peixes (Brouard et al., 1990 apud Verdon, 1991).

Estudos no Complexo La Grande, e em outras regiões do Canadá, mostram que os teores de mercúrio em peixes au-mentaram significativamente após o alagamento, por pe-ríodos de 10 a 20 anos para os não piscívoros e de 20 a 30 anos para os piscívoros (Bodaly et al., 1997; Schetagne e Verdon, 1999 apud Schetagne, 2000). Estudos com vários reservatórios entre seis e 69 anos, no Canadá, sugerem cerca de 20 a 30 anos para que as concentrações de mer-cúrio em peixes retornem aos níveis de pré-alagamento (Verdon et al., 1991).

moNiTorAmeNTo de NÍVeis de mercúrio em peixes No complexo lA GrANde, cANAdÁEntender a metodologia proposta para tal monitoramen-to espacial e temporal dos teores de mercúrio em peixe permite que se tenha a dimensão do esforço amostral, no espaço e no tempo, requerido para se ter noção dos fenô-menos que podem ocorrer no ciclo biogeoquímico do mer-cúrio em reservatórios de hidrelétricas.

O Complexo La Grande, em Quebec, no Canadá, resultou na criação de cinco grandes reservatórios. A metodolo-gia utilizada para acompanhar a evolução dos teores de mercúrio em peixes nestes reservatórios e em ambientes naturais, de 1978 a 1994, está descrita detalhadamente em Tremblay et al., 1996.

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MERGULHADOR EM BUSCA DE OURO

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A pesquisa foi iniciada em 1978. Naquele ano e nos anos de 1980, 1984, 1986, 1988, 1990, 1992 e 1994, foram re-alizadas campanhas de amostragens de peixes em cerca de 50 estações sob condições naturais, incluindo 27 lagos não atingidos pela barragem e outros 10 lagos que seriam atingidos a partir de 1981. Neste ano, iniciaram-se as co-letas de peixes também nos reservatórios, sendo realizadas amostragens anuais até 1994. Em anos pares, a amostra-gem foi realizada no setor oeste do complexo, e nos anos ímpares, no setor leste do complexo.

Verdon et al., 1991, mostram os resultados obtidos sobre os teores de mercúrio em peixes em um dos reservatórios do complexo da hidrelétrica, o La Grande 2, entre os anos 1978 a 1988.

Este reservatório foi o primeiro a ser criado, sendo inun-dado de novembro de 1978 a dezembro de 1979. Ele foi amostrado a cada dois anos, a partir de 1982 até 1988, em cinco estações. Foram selecionadas quatro espécies-alvo de peixes: duas de hábito alimentar não piscívoro (longnose sucker, lake whitefish) e duas de hábito alimen-tar piscívoro (northern pike e walleye), com 30 espécimes de cada espécie, em cada amostragem, distribuídos em tamanhos pré-selecionados, como indicador de idade e/ou tempo de exposição. Para estas quatro espécies-alvo, foram analisados 1.875 espécimes do reservatório e 2.140 espécimes de ambientes naturais.

Como já visto, esta normalização é extremamente impor-tante, pois a comparação entre as médias globais de Hg em peixes pode resultar em interpretação errônea, uma vez que tem sido observado em específicas espécies de peixes que as concentrações de Hg podem aumentar com a idade, pela espécie de peixe, pelo tamanho e peso e, ainda, que as concentrações de Hg em peixes carnívoros são mais eleva-das do que em espécies de peixes não carnívoros (e.g., Wa-tras and Huckabee 1994), devido à bioacumulação indi-reta ou biomagnificação do Hg na cadeia trófica. Por fim, foi verificado também que o nível trófico de determinadas espécies pode diferir em distintos sistemas aquáticos.

O teor de mercúrio em peixes sob condições naturais, para cada uma das quatro espécies selecionadas, foi de-terminado considerando as amostragens realizadas em 29 lagos amostrados desde 1978, no território do grande complexo hidrelétrico.

A amostragem nos sistemas naturais é necessária para se ter noção da variabilidade espacial e temporal do mercúrio em peixes em condições naturais. Os resultados mostraram uma grande variabilidade intra-lagos sob condições natu-rais e um alto teor de mercúrio nas espécies piscívoras, ex-cedendo o limite de 0,5mg/kg de mercúrio total, utilizado para comercialização de pescados no Canadá.

No reservatório, os níveis de mercúrio nos peixes foram cerca de quatro a cinco vezes maiores do que nas con-dições naturais, comparando-se intra-espécies, em tama-nho padrão.

Os altos níveis foram encontrados mais rapidamente nos peixes não carnívoros, e os teores máximos nestes peixes foram encontrados no quinto ano após a inundação (de 0,16 para 0,67 mg/kg). A partir daí, os teores de mercúrio decresceram (0,61 mg/kg). As espécies carnívoras mostram acréscimo de mercúrio mesmo após 8 a 9 anos do alaga-mento (0,68 para 2,80 mg/kg). Ressalta-se, entretanto, que as espécies com curto tempo de vida (northern pike, piscí-vora) são eliminadas do sistema, e quando os mais jovens tomam seu lugar há um decréscimo nos teores de mercúrio nestes peixes. Para espécies com longo tempo de vida, esta substituição é mais demorada.

O monitoramento revelou também que o mercúrio é ex-portado dos reservatórios, causando incremento nos teo-res de mercúrio em peixes à jusante dos reservatórios, em níveis comparáveis aos dos reservatórios ou até mesmo, significativamente mais elevados (Verdon et al., 1991; Brouad et al., 1994 apud Schetagne, 2000).

Os autores estimaram que o Hg exportado à jusante do reservatório atinge aproximadamente 90 g/dia e que 78% do Hg total foi exportado à jusante na fase dissol-vida, enquanto cerca de 20% foi exportado na fração do material particulado em suspensão. O total de Hg ex-portado via organismos, desde o fitoplâncton ao peixe, corresponde a menos de 1%. O MeHg exportado foi en-contrado predominantemente na fração dissolvida (64%) e associado com o material particulado em suspensão (33%), sendo que apenas 1,5% foi encontrado no zoo-plâncton. Entretanto, o zooplâncton é o mais importante componente pelo qual o MeHg é diretamente transferi-do para peixes não piscívoros à jusante do reservatório (Schegtane, 2000).

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NÍVeis de mercúrio em peixes de reserVATórios dA TANZâNiAResultados diferentes foram encontrados em reservatórios da Tanzânia (Ikingura & Akagi, 2003). Foram estudados quatro grandes reservatórios de hidrelétricas de diferentes idades, localizados em duas áreas geográficas distintas. No total, foram determinados os teores de mercúrio em 75 espécimes de 15 espécies diferentes, representando diver-sos níveis tróficos, sendo que, no máximo, três espécies eram comuns em até três reservatórios. O número total de espécimes em cada reservatório variou de 17 a 20, sendo que em cada espécie, variou de um a cinco. Os teores de mercúrio variaram de 0,05 a 0,143 mg/kg.

mercúrio em peixes de reserVATórios BrAsileirosAlguns estudos sobre teores de mercúrio em peixes de re-servatórios têm sido realizados no Brasil. Neste documen-to serão enfocados os dados relativos a reservatórios na Amazônia. Infelizmente, não obstante a enorme biodiver-sidade de peixes tropicais ser muito maior em relação aos sistemas temperados, os monitoramentos disponíveis são estanques e pontuais, não fornecendo informações consis-tentes para predições sobre o comportamento do mercúrio em reservatórios na Amazônia.

No reservatório de Manso, foram encontradas concentra-ções acima de 1,5 ppm em peixes carnívoros (Serrasalmus sp.; P. fasciatum; S. marginatus) no ano de 2005, ou seja, mais de 15 anos após o enchimento do reservatório.

Estudos no reservatório de Tucuruí mostraram um impor-tante papel das macrófitas aquáticas na acumulação de mercúrio (0,03-0,075 mg/kg) (Aula et al., 1995) e que con-centrações de mercúrio em peixes piscívoros (Serrasalmus sp; Cichla temensis; Plagioscion squamosissimus) são em média de 1,1 a 2,6 mg/kg, mesmo após 6 anos do enchi-mento do reservatório (Porvari et al., 1995).

Aula et al., 1995, determinaram os níveis de mercúrio total em peixes do reservatório de Tucuruí e de áreas do entor-no. Foram coletados 230 espécimes de sete espécies, de diferentes níveis tróficos, em sete diferentes locais, entre setembro de 1990 e março de 1991. O número total de es-pécimes em cada ponto variou de cinco a 47, sendo apenas uma espécie (tucunaré) comum a, no máximo, seis pontos.

“Os autores do EIA não apresentaram dados para mercúrio em água, um parâmetro chave na avaliação dos impactos de represamento. Coletaram amostras para este fim, mas não conseguiram detectar mercú-rio com o método usado, cujo limite de detecção foi citado em 30 ng/l. Culparam o método de preserva-ção, mostrando assim um completo desconhecimento tanto da dinâmica natural de mercúrio, quanto da metodologia adequada para analisá-lo. É essencial medir os níveis de Hg-total, MeHg e %MeHg no ca-nal do Rio Madeira, nos tributários e nas áreas alagá-veis associadas, antes da obra, para identificar atuais fontes de mercúrio e sítios de metilação e também para possibilitar a avaliação de mudanças nestes pa-râmetros após alagamento.”

Bruce Forsberg e Alexandre Kemenes

Desconhecimento das Dinâmicas e Metodologia de

Análise do Mercúrio

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

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Dois pontos de amostragem são acima do reservatório e os demais, no reservatório, em diferentes locais. Os teores de mercúrio em peixes mostram médias abaixo de 0,5 mg/kg para as espécies não piscívoras, e acima de 0,5 mg/kg para espécies piscívoras, sendo a maior média de 2,6 mg/kg em espécimes de piranha (n=15).

A variabilidade nos teores de mercúrio para cada espécie em cada local foi em torno de 50% a 100% da média; há diferentes espécies coletadas em diversos pontos.

Kehrig et al., 1998, estudaram os níveis de metilmercúrio em peixes do reservatório de Balbina, coletados em março de 1996. Foram coletados 32 espécimes de cinco espécies de peixes, do reservatório como um todo, variando de um a 14 o número de espécimes de cada espécie. Os teores mé-dios de MeHg, representando de 80% a 100% do mercúrio total, variaram de 0,06 mg/kg a 0,7 mg/kg, este, encontra-do apenas no único espécime de peixe-cachorro coletado. Os quatro espécimes de piranha mostraram média de me-tilmercúrio de 0,6 mg/kg, variando de 0,05 a 0,9 mg/kg. Desta forma, apenas seis espécimes (14% da amostragem total) apresentaram teores acima de 0,5 mg/kg de MeHg.

Comentário: É preciso comparar o esforço amostral no monitoramento do reservatório La Grande e nos trabalhos citados acima, em reservatórios brasileiros e da Tanzânia, onde um baixo número de espécimes e alto número de es-pécies são amostrados, muitas vezes inviabilizando qual-quer comparação e/ou generalização sobre os processos que podem estar ocorrendo no reservatório.

mercúrio Nos sisTemAs AQuÁTicosSabe-se que o Hg pode ser transportado a longas distâncias em escala global, via atmosfera e, por isto, a contaminação não está limitada a locais próximos às fontes. Embora a maior parte do mercúrio no ambiente seja inorgânico, parte dele, em especial nos ecossistemas aquáticos, é eficiente-mente convertida ao composto altamente tóxico, o MeHg.

Os ecossistemas aquáticos têm diferentes habilidades para converter as cargas de mercúrio inorgânico em teores de MeHg em peixes, devido a uma série de fatores hidroló-gicos, de qualidade de água, de estrutura trófica e outros, que podem afetar a ciclagem e a bioacumulação do MeHg. Inclui-se, também, o tempo e a magnitude da liberação do mercúrio depositado via atmosfera nos ecossistemas ter-

restres, e destes para os aquáticos. Como resultado, corpos hídricos próximos uns aos outros, recebendo as mesmas cargas de Hg atmosférico, freqüentemente, mostram dife-rentes teores de mercúrio em peixes. A conversão do Hg em MeHg pode ser afetada também não apenas pelas car-gas, mas pela forma do Hg presente no ecossistema, nos casos de contaminação por fonte pontual.

Ambos o Hg+2 e o cátion de MeHg (CH3Hg+) têm uma forte tendência a formar complexos, em particular com ligantes como o enxofre. Na ausência de sulfetos, a especiação do mercúrio inorgânico em ambientes aquáticos de água doce é dominada por três complexos sem carga, Hg(OH2), HgO-HCl e HgCl2. Hidróxidos de metilmercúrio são as formas mais estáveis de metilmercúrio em ecossistemas dulcíco-las, já em águas salgadas, a forma mais estável é o cloreto de metilmercúrio.

Em águas naturais, o mercúrio está principalmente liga-do aos sedimentos, e uma grande parte do encontrado na água está associado a partículas em suspensão. Esse material particulado é o maior responsável pelas concen-trações de mercúrio na interface sedimento/água. Oxi-hidróxidos e matéria orgânica são os maiores vetores a controlar a mobilidade e transporte do mercúrio em ecos-sistemas aquáticos.

Em água doce, mais de 90% do mercúrio forma complexos com a matéria orgânica ou está associado a carbono orgâ-nico dissolvido, especialmente a ácidos húmicos. O mercú-rio inorgânico tende a se ligar mais fortemente a partícu-las minerais e à matéria orgânica detrítica, já o MeHg está mais fortemente associado a partículas biogênicas.

Os níveis de mercúrio em água doce de áreas não con-taminadas variam de cinco a 10 ng/L. Níveis mais altos podem ser encontrados em lagos ricos em ácidos húmicos e mercúrio no material particulado. Concentrações de Hg total em águas não filtradas, doces, não contaminadas por fontes conhecidas têm sido estimadas em 0,3 a 20 µg.L-1 (Mierli, 1990), e para rios, estimadas em 0,7 a 43 µg.L-1 (Andren, et al., 1999); ou <5µg.L-1 para Hg total em águas superficiais aeróbicas (Bloom, 1989) e para águas doces filtradas, a concentração de Hg dissolvido varia entre 0,1 e 3 µg.L-1 (WHO, 1989). A porcentagem de MeHg nas águas superficiais aeróbicas

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de lagos e rios é de aproximadamente 10% a 25%, enquanto que nas águas estuarinas e marinhas, deve ser menos do que 5%. As concentrações de Hg e de MeHg aumentam dra-maticamente nas águas anóxicas próximas dos sedimentos em relação às águas superficiais (Gilmour & Henry, 1991).

As concentrações de mercúrio total em água intersticial de sedimentos são geralmente maiores do que as encon-tradas na coluna d’água.

A ciclagem e distribuição do mercúrio entre as matrizes se-dimento e água pode ser física, química ou biologicamente mediada, sendo afetada por fatores como pH, temperatura, mudanças no potencial redox, disponibilidade de nutrien-tes e de agentes complexantes. A captura do MeHg pelos sedimentos depende de propriedades como pH e oxigênio dissolvido. Apesar da proporção de mercúrio na forma solúvel decrescer algumas vezes em condições anóxicas, devido à formação de HgS, condições óxicas, geralmente, favorecem a captura de MeHg e de mercúrio inorgânico pelos sedimentos, bem como condições anóxicas favorecem a liberação dos mesmos. Pode haver variação sazonal dessa liberação devido a mudanças no material particulado bio-gênico, além de prováveis mudanças em parâmetros físico-químicos, como o aumento da temperatura e decréscimo de pH (por exemplo, uma mudança de pH 7,0 para 5,0 pode dobrar a liberação de MeHg para a coluna d’água).

A alta tendência à biomagnificação do MeHg é geral-mente explicada por sua alta afinidade por grupos –SH associados a proteínas. Além de fatores que regulam a solubilidade e as formas químicas do mercúrio já exis-

tente no sedimento e na água, outro fator importante é a taxa de transformação do mercúrio inorgânico em MeHg, pelo processo chamado de metilação. Acredita-se que a maior parte do processo de metilação seja mediado por bactérias sulfato-redutoras presentes no sedimento, pre-ferencialmente em condições anóxicas ou com pH baixo. Em sistemas aquáticos tropicais, as raízes de macrófitas são micro-ambientes favoráveis à metilação do mercú-rio. Contudo, pode ocorrer também a formação de MeHg ainda na coluna d’água abioticamente, onde alguns com-postos seriam doadores do radical metil para o mercúrio inorgânico em solução.

Em relação ao carbono orgânico dissolvido (COD) presen-te na coluna d’água, o mercúrio pode formar complexos, diminuindo a sua disponibilidade para incorporação na biota. Desse modo, altas concentrações de COD podem afetar a taxa de metilação, ou por redução da concentra-ção do substrato (Hg+2) ou por diminuir a solubilidade do metilmercúrio em água.

Íons de Fe e Mn podem afetar cataliticamente a metilação do mercúrio. Lee et al (1985) mostraram que a metilação em água de lagos na presença de ácidos fúlvicos aumentou com a adição de íons metálicos, especialmente o Fe. A quantidade e a especiação da matéria orgânica dissolvida têm sido con-sideradas importantes na disponibilidade do mercúrio para a biota. Entretanto, pouco ainda se conhece sobre a bioquímica destes compostos, principalmente dos ácidos fúlvicos.

A ciclAGem do mercúrio em reserVATórios de HidrelÉTricAsMuito se tem estudado sobre a ciclagem do mercúrio em sistemas aquáticos. Entretanto, permanecem contradições e incertezas a respeito da contribuição de diferentes parâ-metros para os teores de mercúrio em peixes.

Alguns autores consideram que os teores de mercúrio em peixes tornam-se elevados em reservatórios de hidrelétricas porque a metilação de mercúrio inorgânico por microor-ganismos, responsáveis pela metilação, é estimulada pelos teores de carbono orgânico encontrado nos solos terrestres, vegetação e áreas alagadas (Furutani e Rudd, 1980; Hecky et al., 1991 apud Mailman et al., 2006). A inundação causaria a decomposição do carbono orgânico, promovendo condi-ções anóxicas, sob as quais as taxas de metilação do mer-cúrio inorgânico são incrementadas (Gilmor e Henry, 1991).

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A PESCA ESTÁ CADA VEZ MAIS DIFÍCIL NA REGIÃO

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As cargas de MeHg nas algas dependem parcialmente das concentrações de MeHg na coluna d’água (Mason, 1996). Os teores de MeHg presentes em algas aumentam após o alagamento experimental de reservatórios.

Por outro lado, trabalhos mostram que a captação do MeHg pelo perifiton também é afetada pela produção pri-mária (Pickhardt et al., 2002). Durante um bloom algal, se a quantidade de MeHg no sistema permanecer cons-tante, haverá menos MeHg por unidade celular de alga. Este processo pode também afetar o zooplâncton, e assim sucessivamente, atuando como um fator de diluição da contaminação, pelo crescimento.

Os vertebrados bênticos podem acumular MeHg a partir dos detritos, da matéria vegetal, de tecidos animais, ou água, dependendo de seu mecanismo de alimentação. Uma vez que o MeHg é rapidamente transferido através da ca-deia trófica, os peixes acumulam quase integralmente as cargas de MeHg presentes em seu alimento.

Sabemos que os teores de MeHg em peixes são afetados também por parâmetros físicos, como a área da bacia, temperatura, pH, concentração de carbono orgânico dis-solvido e produtividade, e por parâmetros biológicos, co-mo a posição trófica, taxa de crescimento, idade, sexo e comportamento migratório.

Considera-se que as populações de peixes contenham uma significativa porção de MeHg de um ecossistema aquático, e que a remoção da biomassa de peixes de um sistema seja um método para decrescer o estoque de MeHg local (Verta, 1994). Quando um organismo cresce rapidamente, qualquer massa de MeHg ingerido é incorporado em uma maior massa e a concentração de MeHg por unidade de massa de tecido será menor. Este fenômeno é muitas vezes referido como diluição por crescimento.

Foi testado, na Finlândia, na Suécia e no Canadá, intensi-ficar a pesca para reduzir os teores de Hg em peixes. Inten-sa pesca de um a três anos, após remoção de cerca de 50% da biomassa de um lago na Finlândia, resultou em signi-ficativo decréscimo de teores de mercúrio em selecionadas espécies de peixes. Resultados da Universidade de Quebec, em Montreal, sugerem que a diluição por crescimento seja a principal causa do decréscimo de mercúrio em peixes, embora também seja sugerida a mudança de dieta.

coNceiTos BÁsicos soBre limNoloGiAde reserVATóriosOs reservatórios são ambientes ecologicamente comple-xos e heterogêneos. Eles são híbridos entre rios e lagos e podem ser classificados em diferentes gradações. São estruturados em três compartimentos longitudinais inte-rativos com extensão variável.

O primeiro compartimento, chamado de compartimento fluvial, corresponde à fonte do reservatório, onde o corpo hídrico é relativamente estreito, raso e com alta turbidez, com baixa produção primária, e onde o transporte de se-dimentos é o processo predominante. Mantém as caracte-rísticas fluviais.

O segundo compartimento, chamado de compartimento de transição, com predominância dos processos de deposição, mostra grande produção primária.

E o terceiro, chamado de compartimento lacustre, relativa-mente largo, profundo e próximo à barragem, tem baixa quantidade de material em suspensão, mas mostra baixa produtividade primária.

A maior parte dos estudos de estratificação térmica em reservatórios no Brasil foi realizada na zona lacustre, per-to de barragem. Nesta região, a água para a geração da energia elétrica pode ser tomada do fundo do reservatório ou do meio da coluna d’água, dependendo do tipo de re-servatório. Em alguns casos, quando a saída da água se dá da coluna d’água, o reservatório pode desenvolver uma termoclina. Ela não é resultante do aquecimento dos cor-pos d’água, mas do funcionamento do reservatório.

No Brasil, o desenvolvimento de uma clara estratificação térmica é somente observado em lagos bastante profun-dos, como é o caso do lago Dom Helvécio, em Minas Gerais. Podem ser identificados três tipos de reservató-rios: a) com permanente estratificação; b) sem perma-nente estratificação, e c) com uma temporária estratifi-cação térmica e química. A estruturação vertical é mais pronunciada na zona lacustre e seguida pela zona em transição, mas tem um caráter temporário e irregular. É influenciada pela renovação da água no reservatório. Apresenta marcadas variações espaciais e temporais, principalmente em função dos procedimentos operacio-

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nais, morfologia do reservatório e regime de inundação de seus tributários.

Um reservatório apresenta complexidade muito maior, quando comparado a outros sistemas lênticos, por causa de sua circulação horizontal, induzida tanto por sua ope-ração e por seu típico caráter polimíctico, resultante da ação do vento, o qual gera contínua turbulência. O tempo de retenção tem um papel muito importante na seqüên-cia temporal da dinâmica da comunidade fitoplanctônica, uma vez que um pulso é produzido no sistema tanto du-rante a abertura quanto no fechamento das comportas - o que, inevitavelmente, interfere com a composição das es-pécies de fitoplâncton. A entrada de material alóctono de drenagens, bem como de material inorgânico em suspen-são nas camadas superficiais dos reservatórios, também produz drásticas mudanças no ambiente, por reduzir a percentagem de misturas verticais e penetração de luz. No último caso, as formas picoplanctônicas dominarão, muito provavelmente associadas com partículas inorgânicas.

Na região Amazônica, Junk (1986) observou a ocorrência de grandes variações sazonais na biomassa de diferentes espécies de macrófitas, diretamente associadas com a va-riação do nível da água. Entretanto, os períodos de maior crescimento, freqüentemente, mostram grandes diferen-ças na fase temporal.

A produtividade de diferentes macrófitas aquáticas mostra grande variação (de 70 t/ha a 31 t/ha), sendo que as espécies crescem apenas durante um curto período de tempo (cerca de 3 meses), após o que morrem e decompõem. Portanto, estes resultados exprimem uma produtividade anual.

Os gradientes físicos, químicos e biológicos nos reservató-rios determinam, em grande parte, a distribuição e abun-dância de espécies de peixes ao longo destes ambientes.

A redução na velocidade da água em uma área represada, associada com a passagem do processo de transporte de sedimentos para processo deposicional, acarreta marcadas modificações limnológicas no reservatório e nos braços do reservatório, que avançam sobre as laterais dos tributários.A parte superior, onde as condições fluviais prevalecem, é ocupada por espécies características de ambientes lóticos, especialmente por espécies piscívoras, as quais são atraídas pela grande quantidade de peixes de tamanho pequeno, em

geral, oportunísticos, que proliferam em águas represadas. A zona fluvial dos reservatórios é, geralmente, explorada por um maior número de espécies do que as zonas internas.

No reservatório de Itaipu, a zona fluvial se estende a 1/3 do total da extensão do reservatório e contém todas as espécies observadas nas outras zonas. Os grandes peixes migradores pimelodídeos têm sua ocorrência restrita a este segmento.

Na zona transicional de reservatório na Amazônia, Ferreira (1984 b apud Araújo Lima et al., 1995) encontrou alta bio-massa de espécies de peixe planctófago. Da mesma forma, no reservatório de Itaipu, na zona lacustre - que neste re-servatório mostrou alta produtividade, foi encontrada alta predominância de H.edentatus (mapará), uma espécie de peixe plantófago. Esta mesma espécie de peixe foi coletada também no reservatório de Tucuruí (Aula et al., 1995).

Poucas espécies exploram as camadas mais superficiais, bem como as mais profundas dos reservatórios. No reserva-tório de Itaipu, apenas o H. edentatus e seus predadores, P. squamossissimus (pescada branca), exploram estas áreas.

As águas abertas, entretanto, não são ocupadas em outros reservatórios. Mesmo nos pequenos e rasos (12 km, 2 e 9 m) reservatórios, estas áreas são as menos habitadas. Ar-cifa et al. (1988 apud Araújo Lima et al., 1995) atribuem este fato à origem fluvial da fauna que ocupa o reser-vatório, à baixa diversidade de habitat, aos raros locais para proteção e à baixa oferta de fonte alimentar para as presas. Em Curuá-Una, os habitats lênticos têm alta abun-dância de Serrasalmus rhombeus (piranha) e Hemiodopsis sp (Ferreira, 1984 ab, apud Araújo Lima et al., 1995).

As áreas litorâneas (< 30 m de profundidade) parecem conter toda a fauna do reservatório. Estudos em Itaipu revelaram um marcado zoneamento vertical com diver-sas espécies habitando diferentes profundidades. Agosti-nho et al., 1992, apud Araújo Lima et al., 1995) mostram que H. edendatus dispende o dia em águas mais profun-das e concentra-se, durante a noite, próximo à superfície (pg. 124). Este comportamento foi atribuído à busca de alimentos e à fuga de predadores.

As condições dos habitats “of shore” devem ser estressa-das devido aos procedimentos operacionais da represa e à ação das ondas, dificultando o estabelecimento de uma

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estável comunidade bentônica e da vegetação, importante como proteção e como alimento para os peixes (Agosti-nho, 1992 apud Araújo Lima et al., 1995).

cAdeiA AlimeNTAr e AspecTos TróFicosde reserVATóriosAs comunidades de peixes em reservatórios parecem ser sustentadas principalmente por recursos originados do próprio ambiente aquático. Agostinho e Zalewski (apud Araújo Lima et al., 1995) estimaram que, para a comuni-dade de peixes do reservatório de Itaipu, mais de 70% da biomassa é composta por espécies que se alimentam de elementos autóctonos (plâncton, organismos bênticos e peixes), 25% utilizam detritos de origem mista, e somen-te 5% são suportados por fontes alóctones (folhas, frutas, insetos de áreas terrestres adjacentes). A contribuição de recursos alóctonos aumenta na parte superior do reser-vatório. Cinco anos após o fechamento de Itaipu, nesta parte superior do reservatório, mais de 75% da biomas-sa capturada foi composta de insetívoros, planctófagos e piscívoros, nesta ordem de importância (Hahn, 1991 apud Araújo Lima et al., 1995). No restante do reser-vatório, a dominância foi de planctófago, insetívoro e piscívoro, nesta ordem.

Em reservatórios rasos, os detritos são um dos principais itens na dieta das espécies, seguidos apenas de insetos aquáticos. A origem dos detritos não é clara, mas pode ser de macrófitas de tributários.

Sabe-se, também, que o número e a espécie de peixes predadores influenciam a produtividade e a estrutura da comunidade.

As informações disponíveis, entretanto, ainda não são suficientes para se estabelecer padrões de variação na estrutura trófica de um reservatório. Os resultados obti-dos em diferentes estudos sugerem que dentre os fatores determinantes da tendência da estruturalização trófica de uma comunidade de peixes, em um reservatório du-rante o processo de colonização, esteja a composição da ictiofauna no rio que originou o reservatório, além das características relacionadas ao estado e à sucessão tró-fica geral (local da bacia, tempo de residência da água, morfologia, nível de estruturalização da comunidade e operação da represa).

GArimpos de ouro como FoNTede mercúrio Este parecer técnico não pretende ser exaustivo sobre os processos produtivos dos garimpos de ouro como fonte de liberação de mercúrio para o meio ambiente, pois há mui-tas referências sobre este assunto na literatura. Entretanto, é importante apontar para as formas químicas do mercúrio envolvidas nesta prática e os principais compartimentos receptadores do mercúrio.

Vários autores estimam que para cada kg de ouro produ-zido, de 2 a 4 kg de mercúrio são liberados para o meio

ANO PRODUÇÃO DE OURO (T)OFICIAL

PRODUÇÃO DE OURO (T)OFICIAL HG LANÇADO NO RIO (T) HG LANÇADO NA

ATMOSFERA (T) PERDA TOTAL DE HG (T)

1979 0,18 1,24 0,74 0,89 1,64

1980 0,24 1,77 1,00 1,20 2,20

1981 0,82 5,72 3,43 4,12 7,55

1982 1,35 9,46 5,67 6,81 12,48

1983 3,45 24,18 14,51 17,41 31,92

1984 1,93 13,52 8,11 9,73 17,84

1985 1,47 10,30 6,18 7,41 13,59

Total 9,44 66,19 39,64 47,57 87,22

Média Anual 1,34 9,45 5,66 6,79 12,46

Fonte: Lacerda et al, 1989.

Quadro 1: produção de ouro e emissão de mercúrio na região do rio madeira (em toneladas)

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ambiente. Estimativas demonstram que de 50 a 60% do mercúrio utilizado no garimpo do Rio Madeira era per-dido para a atmosfera durante o processo de queima do amálgama, sendo que mais 5% era vaporizado durante as etapas de extração. De 40 a 50% do mercúrio utilizado durante a amalgamação era perdido diretamente para o rio na forma metálica, além da perda de mais 5 a 10% de mercúrio durante o processo de recuperação do próprio metal (quadro 1).

As emissões de mercúrio resultantes de garimpos de ouro na Amazônia atingem cerca de 70 a 100 toneladas por ano, o que representa cerca de 1% a 6% das emissões an-tropogênicas globais para a atmosfera.

mercúrio em peixes de AlGumAs ÁreAsde GArimpos de ouroAntes da análise objetiva dos teores de mercúrio em peixes oriundos de áreas atingidas por garimpos de ouro, deve-se enfatizar que não é uma tarefa fácil encontrar peixes à ju-sante de garimpos (que, em geral, se desenvolvem nas nas-centes dos rios), mesmo na Amazônia, de reconhecida bio-diversidade. A enorme quantidade de material em suspensão lançada nos rios quase impossibilita a vida aquática. Isto acarreta evasão de organismos aquáticos destes ambientes, sendo possível encontrá-los, muitas vezes, a quilômetros de distância das atividades de garimpo. É importante ressaltar que as mesmas observações servem para trabalhos realiza-dos para a Indonésia (Castilhos et al., 2006).

Outra dificuldade prática é identificar áreas sem influ-

ência de garimpos e áreas à montante ou à jusante de garimpos. Na prática, é possível afirmar que um deter-minado segmento de rio está à montante (ou à jusante) de um determinado garimpo. Isto porque, em geral, os garimpos estão disseminados pelo território, localiza-dos nas margens de pequenos rios que drenam para rios maiores, são de difícil localização e têm grande mobili-dade. A grande maioria está em situação de ilegalidade ambiental junto à secretaria estadual de meio ambiente e/ou junto ao órgão fiscalizador da mineração, o De-partamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Em se tratando de Amazônia, todos os processos de identi-ficação, cadastro, controle, etc., são mais difíceis pela dificuldade de acesso e alto custo.

Um importante trabalho (Castilhos et al., 2005) foi reali-zado dentro da Reserva Garimpeira de Ouro do Tapajós (área de cerca de 23.000 km2). A amostragem de peixes foi realizada em agosto de 2003, em áreas de garimpo em São Chico e no Creporizinho, sendo que as atividades garimpeiras estão distribuídas ao longo de tributários de grandes afluentes do Rio Tapajós. As duas áreas de estudo pertencem a distintas bacias hidrográficas: bacia do Rio Jamanxin e bacia do Rio Crepori, respectivamente.

Foram investigados os teores de Hg em peixes de 11 di-ferentes locais nestas duas áreas: quatro locais em São Chico e sete locais no Creporizinho. Um total de 234 espécimes de peixes de 16 espécies foram coletadas: 73 espécimes pertencendo a 13 espécies em São Chico, e 161 espécimes de 11 espécies no Creporizinho. Sete espécies são comuns a ambas as áreas (acari, cará, curi-matã, mandi, piau, piranha e traíra), mas não a todos os pontos em cada área.

Os resultados mostraram que na área do São Chico, na represa ao lado dos rejeitos dos garimpos de ouro (com teores de até 300 ppm de mercúrio) e com histórico de utilização de cianeto em operações anteriores, os teores de mercúrio em traíras de cerca eram em média de 20 mg/kg; ou seja, aproximadamente 40 vezes o indicado pela Orga-nização Mundial da Saúde como limite máximo permitido para consumo humano (0,5 mg/kg).

Em um local identificado como referencial, os teores de mercúrio em peixes foram bastante baixos, com média de 13 mg/kg.

DRAGAS: ESTUDO DO MERCÚRIO NA BIOTA LOCAL É INDISPENSÁVEL

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“O mercúrio proveniente dos garimpos no Rio Madre de Dios não foi observado; podem haver “hot spots” de mercúrio fora da área estudada no EIA, que podem estar sendo transportados para a área dos aproveita-mentos de Santo Antonio e Jirau. De qualquer for-ma, as ocorrências de atividade garimpeira nos rios Madre de Dios e Madeira já denotam a natureza do material do leito possivelmente arenoso, o que não foi confirmado pelas amostragens. O mesmo ocorre no Rio Beni...”

José Galizia Tundisi e Takako Matsumura -Tundisi

Omitiu-se Estudar a Descida do Mercúrio dos Garimpos

do Madre de Dios

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

HisTórico de GArimpo de ouroNo rio mAdeirAA atividade de garimpo no Rio Madeira iniciou-se na déca-da de 1970 (Ayres, 2004). Em 1979, foi criada a reserva ga-rimpeira do Rio Madeira, com área aproximada de 192 km2, no trecho entre as cachoeiras do Paredão e Teotônio. Ela atingiu o ápice de sua produção em 1980. Hoje em dia, ain-da existem muitos garimpos fora da reserva, entre eles, Pe-nha, Taquaras, Araras e Periquitos. Nessas áreas, o garimpo é realizado nas laterais dos rios, com tratores de esteiras e bombas de pressão (Estado de Rondônia, 2004 apud Ayres, 2004), sendo que cerca de 870 garimpeiros são os responsá-veis pela operação desses equipamentos (Rima, 2007).

Atualmente, os garimpos de ouro no Rio Beni e no seu afluente, o Rio Madre de Dios, estão plenamente ativos, de acordo com o levantamento realizado pelo EIA/Rima. Logo, a fonte de mercúrio em relação à mineração para o Rio Ma-deira tende a continuar após a construção dos reservatórios, já que o maior tributário do Rio Madeira é o Rio Beni. A perda de mercúrio para o meio ambiente na década de 80, no Rio Madeira, chegava a 12 toneladas anuais.

rio mAdeirACom uma extensão de aproximadamente 3.240 km, e com uma área de drenagem total de 1.420.000 km2, o Rio Madeira tem uma vazão média anual de 23.000 a 31.200 m3/s e precipitação de 1.940 mm/ano. Sua largura varia de 440 a 9.900 m. No período das cheias (março/abril), sua profundidade média é de 8 a 9 m e na estia-gem (setembro/novembro), 2,8 a 3 m. Sua área de drena-gem abrange os flancos dos Andes, o Maciço Brasileiro e terras baixas terciárias cobertas por florestas, sendo que as características hidroquímicas do Rio Madeira são controladas pelos flancos Andinos.

Apresenta pH neutro e temperatura média de 24oC (Ayres, 2004), com considerável uniformidade térmica em to-da a coluna de água, onde as temperaturas superficiais e do fundo possuem amplitude similar (24,4ºC a 29,6ºC). A dinâmica sazonal da temperatura evidencia tendência decrescente, com valores mais altos na enchente e mais baixos nas fases de vazante.

É o maior tributário do Rio Amazonas, sendo responsável por até 15% da descarga líquida total deste, alcançando uma

média anual de 29.000 m3/s na foz. Calcula-se um aporte de 500 a 600 milhões de toneladas/ano de sedimentos na foz, sendo 15% destes compostos de areias e cascalhos finos. Em relação ao material dissolvido, é estimada uma faixa de 50 - 68 mg/l (Ayres, 2004) ao material em suspensão, a faixa de amplitude encontrada é muito alta - 202 mg/l e 2.476 mg/l, com uma média de 528 ± 391 mg/l, segundo o Estudo de Im-pacto Ambiental. Já Gaillardet et al (1997), estimaram uma média bem mais modesta de 67 mg/l.

A transparência das águas do Rio Madeira apresenta os menores índices no período de cheia e os maiores na va-zante, sendo muito baixa e similar em todos os pontos de coleta do EIA (0,10 ± 0,03 metros), com os valores oscilan-do de 0,06 m (cheia) a 0,15 m (vazante). Isso implica em uma faixa pequena na coluna d’água onde haveria ocor-rência de produção primária. Apesar disso, a depleciação de oxigênio não é observada nas águas de fundo durante boa parte do ano devido à turbulência do rio e à presença de cachoeiras, tendo assim uma concentração média de oxigênio dissolvido na coluna d’água de 6,15 ± 1,23 mg/l,

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USINAS LOCALIZAÇÃO ÁREA DE INUNDAÇÃO (KM2) CAPACIDADE (MW) ANO DE INSTALAÇÃO

Jirau Rio Madeira 258 (123,9)* 3.300 -

Santo Antônio Rio Madeira 271 (107)* 3.150 -

Balbina Rio Uatumã 2.360 250 1989

Tucuruí Rio Tocantins 3.056,28 8.370 1984

Samuel Rio Jamari 584 217 1988

*área do reservatório menos a área da própria calha do rio = valor da área de inundação propriamente dita

Quadro 2: comparação entre as usinas hidrelétricas brasileiras

Vertedouro tipo Controlado Controlado

Número de comportas 21 21

Desvio do rio Pelo vertedouro Pelo vertedouro

Linha de transmissão extensão 120 km 5 km

Subestação elevatória tensão 13,8 kV / 500 kV 13,8 kV / 500 kV

PARâMETROS AHE JIRAU AHE SANTO ANTôNIO

NA máximo normal 90 m 70 m

NA mínimo normal 82,5 m 70 m

NA normal jusante 74,23 m 55,29 m

Área do reservatório 258 km2 271,3 km2

Volume do reservatório 2.015 x 106 m3 2.075,1 x 106 m3

Potência instalada 3.300 MW 3.150 MW

Energia média 1.973 MW 1.973 MW

Queda bruta 16,6 m 13,9 m

Tipo de turbina Bulbo Bulbo

Potência unitária 75 MW 73 MW

Número de unidades 44 44

Barragem tipo Concreto/enrocamento Concreto/enrocamento

Altura máxima da barragem 35,5 m 60,0 m

Quadro 3: caracterização das hidrelétricas de Jirau e santo Antônio

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variando entre 4,1 e 8,7 mg/l (52-53 a 114% de saturação). Os valores mais baixos para OD são encontrados durante a cheia (Rima, 2007).

A condutividade elétrica no Rio Madeira é característica de sistemas de águas brancas, com média de 72,9 ± 7,7 µS25/cm, variando entre 59,8 µS25/cm e 86,9 µS25/cm, um padrão sazonal bem definido, apresentando índices máximos na enchente (84-87 µS20/cm) e mínimos na fase de vazante (60-65 µS20/cm).

A demanda bioquímica de oxigênio (DBO) no Rio Madeira é em média 1,12 ± 0,60 mg/l, variando de 0,11 mg/l a 2,40 mg/l, com valores máximos associados às fases de cheia e vazante.

As concentrações de carbono orgânico dissolvido (COD) no Rio Madeira variam de 5,4 mg/l a 28,2 mg/l, com mé-dia de 15,0±5,9 mg/l. E a clorofila-a pode ser considerada baixa, oscilando entre 0,4 µg/l e 4,6 µg/l (2,1±1,4 µg/l), classificando-o como oligo-mesotrófico (Rima, 2007).

Apesar de ser um rio de águas brancas, os lagos tem-porários formados durante a vazante das cheias são em sua maioria de águas pretas, como um grande lago de várzea do Cuniã, que pode permanecer alagado por até 6 meses.

Teores de mercúrio em peixesUm grande problema de estudos de contaminação mercurial em peixes é justamente a amostragem pouco significativa e esporádica da maioria dos estudos realizados na região Norte. Um pioneiro estudo sobre contaminação por mercúrio no Rio Madeira foi realizado por Malm, 1991. Um dos estudos com maior abundância de espécies, contudo com um baixo número de espécimes de cada espécie amostrado, realizado por Boischio & Henshel (2000), entre os anos de 1991 e 1993, demonstra a diferença geral entre as concentrações de mercúrio nos diversos níveis tróficos da cadeia alimentar aquática desse rio. As concentrações médias dos peixes por hábito alimentar foram para herbívoros, 0,1 ppm; detrítivos, 0,15 ppm; planctófagos, 0,36 ppm; onívoro I (consumidor de invertebrados), 0,21 ppm; onívoro II (consumidor de vertebrados), 0,55 ppm; e, piscívoros, 0,64. O valor máximo encontrado para piscívoros foi de 3,83 ppm em um espécime de Serrasalmus sp.

Utilizando uma lente muito grosseira, pode-se comparar com os resultados encontrados por Maurice-Bourgoin et al (2000), no Rio Beni, formador do Rio Madeira. As concentrações de mercúrio total em peixes piscívoros situaram-se entre 0,9-1,4µg/g e de 0,08-0,09µg/g em peixes herbívoros. Ou seja, os peixes piscívoros e herbívoros do Rio Madeira e do Rio Beni mostram teores de mercúrio que se sobrepõem.

Bastos et al (2007) apontam para uma diminuição das concentrações de mercúrio nas matrizes geológicas no Rio Madeira devido à diminuição do aporte de mercúrio diretamente pela atividade de garimpo. Contudo, enfatizaram que essa redução só é observada nessas matrizes, ou seja, as matrizes biológicas continuam com níveis já mostrados de mercúrio total.

o complexo HidrelÉTricoPara entender o que acontecerá com as concentrações de mercúrio na região de implementação das usinas hidrelétricas, é necessário ainda avaliar características do empreendimento e comparar com estudos em empreendimentos similares anteriores. A seguir, no quadro 2, uma comparação entre alguns reservatórios brasileiros e os propostos reservatórios de Jirau e Santo Antônio, e o quadro 3 apresenta algumas características importantes dos reservatórios propostos.

As turbinas bulbo aproveitam o fluxo das águas e não exigem grandes represas, o que diminui a área inundada. Há outros tipos de usinas em outros países que não precisaram de reservatório e não mudaram o curso do rio, como, por exemplo, a usina de fio d’água instalada no Rio Danúbio (Teixeira, 2007; Rima, 2007).

Sobre a taxa de sedimentação, os dois fatores que interferem são, principalmente, a velocidade média do fluxo pelo reservatório e as características do sedimento. Sendo o sedimento do Rio Madeira composto em sua maior parte de partículas finas (silte e argila), estas podem ficar em suspensão por tempo suficiente para passar pelo reservatório, ao contrário das areias e dos cascalhos. No relatório das empresas proponentes PCE, Furnas e Odebrecht, constam estudos da taxa de sedimentação para a AHE de Santo Antônio, sendo considerados como similares para Jirau.

Esses estudos indicam que, no início, a eficiência de reten-

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“Tomando como exemplo a área de entorno da Usina de Jirau, mostrada pela Figura número 8 do Rima, uma redução em 20 m no nível base do MDE resul-taria num aumento dos limites da área alagada até a curva de nível de 95 m, o que representaria um aumento de mais de 100% na área alagada mostrada na figura. Se esse erro realmente ocorreu, todos os estudos de impacto realizados até o presente mo-mento seriam comprometidos. As áreas de influência direta e indireta teriam que ser redefinidas e todos os estudos e simulações refeitos.”

Bruce Forsberg e Alexandre Kemenes

Área Alagada Pode ser o Dobro do Estimado

UM EIA-RIMA CHEIO DE FALHAS...

ção do reservatório a fio d’água de Santo Antônio deve ser de 19,50% e, depois de 10 anos, o fundo do rio perto da barragem deve ser assoreado até a cota 59,32 m. Depois de 50 anos, o nível deve ser 61,63 m e, depois de 100 anos, deve estabilizar na cota 61,63 m. Contudo, as velocida-des de fluxo nas áreas de aproximação da casa de força e vertedouro durante a cheia anual de 40.000 m³/s, por um período de um mês e meio ou dois meses, devem ser altas suficientemente para remover as areias acumuladas durante os períodos de baixa vazão.

Acredita-se que a deposição ocorrerá em áreas especí-ficas do reservatório, onde as águas seriam totalmente paradas. Pode ser concluído que, embora com baixas va-zões (menos que 18.000 m3/s), o movimento de areias grossas não é generalizado, a partir de 39.100 m³/s. En-tretanto, todas as areias são transportadas em suspensão e cascalhos finos são movidos em saltitação ao longo de todo o comprimento do reservatório a fio d’água. Assim, o acúmulo de areias grossas e cascalhos finos deve ser um processo muito lento e intermitente e limitado a áreas específicas. Após muitos anos de operação com depósitos

de saturação generalizados, o transporte de toda carga de material do fundo será restaurado. Estimativas de emissão de gás carbônico e metano de re-servatórios brasileiros, realizadas por Rosa et al (2002), mostraram que os reservatórios com maior emissão são os de Tucuruí e de Samuel, que emitem 6.500 a 6.800 kgCO2/km2/dia e 13-19 kgCH4/km2/dia para a atmosfera. Seria importante avaliar se a existência de mecanismos de liberação de metano também podem contribuir para o fornecimento de grupamentos metila, o que poderia incre-mentar a produção do metilmercúrio.

FATores Que podem iNFlueNciAr AmeTilAção e A criAção dos reserVATóriosA composição iônica do Rio Madeira apresenta como íons dominantes o cálcio e o bicarbonato, nas seguin-tes proporções: Ca2+ (39,0%) > Na+ (22,6%) > Mg2+ (20,8%) > K+ (17,6%) e HCO3- (87,5%) > SO4

2- (7,5%) > Cl- (5,5%) (Rima, 2007). A presença de íons de enxofre pode favorecer, em ambiente anóxico ou com baixo OD, a formação de sulfetos de mercúrio. Isto provoca-ria uma menor disponibilidade de metilmercúrio para a biota. Ainda, a alta proporção de carbonatos pode ter uma influência negativa no processo de metilação do mercúrio, tanto em condições aeróbicas quanto ana-eróbicas, devido possivelmente à formação de HgCO3 (Ullrich et al., 2001).

Segundo o Estudo de Impacto Ambiental, a presença dos reservatórios irá reduzir substancialmente a capacidade de re-aeração do curso d’água. Isso ocorre em virtude do afogamento de algumas cachoeiras existentes, responsá-veis por criar condições localizadas de super-saturação de oxigênio dissolvido, criando, conseqüentemente, ambien-tes anóxicos, ricos em matéria orgânica vegetal oriunda da grande quantidade de biomassa existente na área dos futuros reservatórios e sob solos amazônicos ricos em mercúrio. Todas essas três características são favoráveis ao incremento da atividade bacteriana decompositora de ambientes anóxicos e conseqüente liberação do mercúrio das matrizes vegetal e solo para a biota.

Foi apontada como fase crítica em relação às concen-trações de oxigênio dissolvido, a primeira fase do enchi-mento do reservatório de Jirau e de Santo Antônio, onde

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AINDA PERSISTEM MUITAS DÚVIDAS SOBRE O MERCÚRIO

valores de 2 a 3 mg/l seriam alcançados. O assoreamento, como aporte de sedimento e retenção pelo reservatório, foi estimado em apenas 12%.

O tempo de residência das águas no reservatório de Jirau é muito curto, entre 17 e 40 horas em período de cheia e vazante, respectivamente, com uma média de 26 horas, ou seja, praticamente um dia. A profundidade da coluna d’água variaria de 5,9 a 10,1 m, com média de 7,8 m. Esse tempo de residência talvez não seja tão eficiente para o aumento da taxa de metilação, ou até mesmo deposição de boa parte do material particulado.

Como o mercúrio está absorvido principalmente nas partí-culas finas, ele não deve chegar a ser depositado em cama-das anóxicas de sedimento, não favorecendo à metilação. Juntamente com o pouco tempo de residência das águas e com a alta vazão do Rio Madeira, pode ser que boa parte do material particulado, e conseqüentemente do mercúrio, seja exportado do reservatório. A não ser nas áreas de de-posição do próprio reservatório apontadas pelo EIA, onde taxas de metilação poderiam ser aumentadas com o maior aporte de material orgânico vegetal e decorrente aumento da atividade bacteriana.

coNsiderAçÕes FiNAisA conclusão deste relatório técnico é de que trabalhos re-alizados em reservatórios no Brasil não demonstram se há ou não incremento de mercúrio em peixes porque, funda-mentalmente, não são programas de monitoramento ao longo do tempo e do espaço, com coletas sistemáticas e consistentes, visando conhecer este fenômeno. Por isto, nestes trabalhos, não foi possível normalizar minimamen-te as coletas de peixes (nem por espécies, nem por tama-nho e/ou idade) e, finalmente, não mostram comparações antes e depois da inundação dos reservatórios.

Um dos maiores problemas para se predizer o comporta-mento do mercúrio no meio ambiente aquático é que ainda persistem muitos fatos intrigantes, pois alguns parâmetros variam sua influência sobre a acumulação de mercúrio em peixes. Sabe-se que ambientes oligotróficos e com reduzi-das cargas de mercúrio nos sedimentos podem apresentar um fator de bioacumulação em peixes (relacionando-se os teores de Hg em peixes e nos sedimentos, por exemplo) algumas ordens de grandeza superiores a ambientes com grande carga de material orgânico, ambientes eutróficos e

com elevadas concentrações de mercúrio nos sedimentos. Assim, a matéria orgânica complexa o mercúrio, indis-ponibilizando-o para a biota, ou a presença da matéria orgânica propicia as condições de metilação do mercúrio, como indicam alguns trabalhos? Provavelmente ambos, mas o que preponderará vai depender de uma série de ou-tras condições ambientais simultâneas. Por isto, diz-se que o comportamento do mercúrio é local específico e, conse-qüentemente, o monitoramento do mercúrio na biota local é indispensável.

Um dado interessante nesta bacia hidrográfica é que os lagos e afluentes têm características distintas do Rio Ma-deira, sendo, na maioria, de águas pretas. Por serem, geral-mente, ricas em ácidos húmicos, as águas pretas decrescem o pH hídrico, parâmetro bastante associado a incremento de mercúrio na biota. Talvez esta seja uma diferença fun-damental entre a Usina de Samuel e as propostas para o Rio Madeira.

Embora de grande valor, por serem únicos, os dados atual-mente disponíveis em reservatórios brasileiros são resultan-tes de coletas estanques, no tempo e no espaço, e não nos permitem entender, minimamente, os processos atuantes que resultam nos teores de mercúrio observados em peixes nestes reservatórios. Teores que, repetindo, não sabemos se foram incrementados ou não. Praticamente, todos os traba-lhos de avaliação de contaminação por mercúrio em peixes no Brasil têm caráter eventual. Principalmente na Amazônia.

Em áreas tropicais, em especial, na Amazônia e na Tan-

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ATÉ 60% DO MERCÚRIO ERA PERDIDO NO PROCESSO DE QUEIMA DO AMÁLGAMA

DE 50% A 60% DO MERCÚRIO ERA PERDIDO NO PROCESSO DE QUEIMA DO AMÁLGAMA

zânia, como vimos, há enorme biodiversidade aquática. A Amazônia contém a mais diversa fauna de peixes de água doce do mundo, estimada em aproximadamen-te 3.200 espécies (Val & Almeida-Val, 1995). Ainda há pouco conhecimento de como estas comunidades se or-ganizam, e de que maneira e em qual concentração as substâncias químicas nas águas podem influenciar as populações de peixes.

Muitas espécies são ainda desconhecidas ou não inventa-riadas, não classificadas. Não se conhece profundamente a ecologia de um grande número de espécies e de algumas poucas, que se conhece com profundidade, sabe-se que têm comportamento complexo, podem migrar, são inten-samente afetadas pelos regimes de cheias e vazantes dos rios, incluindo épocas de desova, e alteração de hábito alimentar, com natural variação em seu metabolismo. Em cada coleta poderá estar presente um grande número de diferentes espécies. Esta diversidade de espécies, tamanhos, estágios de de-senvolvimento, por ser inerente ao ambiente tropical, ne-cessita de amplos programas de monitoramento, de longo prazo. Isto significa muito maior investimento financeiro e de recursos humanos para a realização destes estudos do que se tem investido em pesquisas no Brasil.

Para se ter uma idéia, o levantamento da ictiofauna an-tes da formação do reservatório de Balbina baseou-se em capturas semestrais realizadas no Rio Uatumã. A pesca com malhadeira registrou a presença de 182 espécies, per-

tencentes a 28 famílias e nove diferentes ordens. Além disso, foram identificadas espécies típicas de áreas muito distantes (Instituto Nacional de Pesquisa na Amazônia – Inpa), 1993, citado em http://www.eln.gov.br/usinas/Bal-bina/MeioBalbIctiofauna.asp).

Os dados disponíveis em reservatórios estrangeiros apon-tam para um acréscimo nos teores de mercúrio em peixes, em torno de três a seis vezes, por um tempo variável em torno de até 10 anos (ou mais). É preciso que se tenha em mente a metodologia utilizada, com coletas seqüenciais, com padronização de espécies e de estágios de desenvol-vimento dos peixes escolhidos como indicadores desta tendência, permitindo análises temporais e espaciais.

Os trabalhos sugerem que este incremento nos níveis ele-vados de mercúrio em peixes seria um fenômeno tran-sitório em áreas recém alagadas, em reservatórios rela-tivamente oligotróficos. Sugerem, também, que o MeHg pode ser exportado do reservatório e, neste ponto, reside a preocupação do reservatório se transformar em expor-tador do MeHg, já incorporado ao fitoplâcton, com efeitos sobre a biota à jusante destes reservatórios.

Muitas vezes, aponta-se como um efeito de aumento de disponibilidade de mercúrio o aumento da produtividade primária na transformação de ambientes lóticos em re-servatórios. Para os reservatórios de Tucuruí e de Balbi-na, tem sido mencionada uma desestruturação da cadeia trófica, propiciando um desequilíbrio de populações, com o aumento da freqüência específica de uma espécie, ou seja, “criação” de uma espécie dominante e conseqüente diminuição da diversidade biológica.

O mais importante, sob a perspectiva da contaminação por mercúrio, é a predominância de espécies carnívoras, de topo de cadeia. Entretanto, conforme alguns pesqui-sadores citados anteriormente, uma maior produtividade primária poderia diluir os teores de MeHg em peixes, pois poderia haver incremento também das taxas de cresci-mento dos peixes.

Isto, associado à intensificação da pesca, poderia ser uma excelente ferramenta para gerenciar a intensidade da contaminação. Parece interessante de se considerar como alternativa, desde que seja realmente viável sua implanta-ção (por exemplo, entre outros parâmetros, avaliar a exis-

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Muito deve ser feito para se presumir o que poderá acon-tecer nos reservatórios brasileiros, em relação aos teores de mercúrio em peixes. Fundamentalmente, a compara-ção entre os estudos de monitoramento realizados nos países desenvolvidos, em geral de clima temperado, e os monitoramentos realizados em países em desenvolvi-mento, em geral, de clima tropical, aponta para a grande diferença na metodologia de monitoramento, resultante, principalmente, dos diferentes investimentos financeiros e de recursos humanos.

Particularmente, para interpretações sobre teores de mer-cúrio em peixes, pouco se depreende de teores médios em alguns espécimes, com médias de peso e tamanho, muitas vezes sem classificação taxonômica e, principal-mente, sem informações sobre esforço de pesca. Esta é a maneira pela qual a maioria dos trabalhos científicos vem expressando seus resultados. Ou seja, permite uma ampliação muito pequena do entendimento de outros pesquisadores sobre o local estudado e possíveis inter-pretações com outro viés.

É necessário a alocação de recursos coerentes com a com-plexidade do problema, e que possibilitem um acervo mí-nimo de conhecimentos sobre a nossa região. É necessário, também, que os dados já existentes sejam compartilhados entre todas as instituições públicas (pelo menos), uma vez que a maior parte das pesquisas tem financiamento públi-co, de forma a permitir diferentes interpretações por múl-tiplos pesquisadores.

O principal objetivo é que se possa, finalmente, interpretar os resultados obtidos sob a perspectiva do ambiente tro-pical, com suas peculiaridades. Isto só será possível com uma base de dados consistente e democraticamente aces-sível, ainda não existente no Brasil.

Este documento foi produzido pelas pesquisadoras Zuleica C. Castilhos, DSc., do Centro de Tecnologia Mineral (CE-TEM), do Ministério de Ciência e Tecnologia, e Ana Paula Rodrigues, MSc., doutoranda do curso de pós-graduação em Geociências da Universidade Federal Fluminense (UFF), como consultoria para a Organização Não Governamental International Rivers Network (IRN). O contrato, assinado em março de 2007, encontra-se depositado na biblioteca geral do CETEM e está disponível ao acesso público.

tência de pescadores em número suficiente para dar conta da pesca gerenciada).

Preocupante, entretanto, é que os garimpos de ouro, co-mo fonte de contaminação, continuem a fornecer mercúrio inorgânico, seja por perda nos sistemas aquáticos ou por emissão atmosférica. Esta última, sugerida como mais im-portante, uma vez que a deposição seca ou úmida do mer-cúrio, é predominantemente, de formas de mercúrio oxida-das, mais prontamente passíveis de metilação. O mercúrio perdido para os solos e sistemas aquáticos é, em sua maior parte, o metálico, que parece ser relativamente inerte.

Outra informação importante é quanto ao tempo de resi-dência da água nos reservatórios de Jirau e Santo Antô-nio. Ele pode ser considerado bastante curto (em média, cerca de 26 horas), o que poderá imprimir uma dinâmica diferente daquela dos reservatórios já existentes e estuda-dos (Balbina: 11,7 meses) e, neste caso, mostrando menor possibilidade de incrementar a contaminação mercurial.

Foi apontada como fase crítica, em relação às concentra-ções de oxigênio dissolvido, a primeira fase do enchimento do reservatório de Jirau e de Santo Antônio, onde valores de 2 a 3 mg/L seriam alcançados. A presença dos reservató-rios poderá reduzir substancialmente a capacidade de re-ae-ração do curso d’água, em virtude do afogamento de algu-mas cachoeiras existentes, responsáveis por criar condições localizadas de super-saturação de oxigênio dissolvido.

Ambientes anóxicos, ricos em matéria orgânica vegetal oriunda da grande quantidade de biomassa existente na área dos futuros reservatórios são favoráveis ao incre-mento da atividade bacteriana decompositora e, poten-cialmente, formadora de metilmercúrio. Por outro lado, este efeito parece temporário.

Segundo a Eletronorte, na fase inicial de operação do reser-vatório de Samuel, ocorreram alterações nas concentrações de oxigênio dissolvido, clorofila e transparência da água, de acordo com as alterações de vazão, com incremento nos teores de oxigênio. À montante, as interações água - ar e a fotossíntese foram os fatores responsáveis pelo aumento do teor de oxigênio dissolvido. À jusante, a concentração de oxigênio dissolvido esteve relacionada com a re-aeração provocada pelo vertimento das águas. Este efeito poderia também ser esperado em Jirau e em Santo Antônio.

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os resultados da avaliação ambiental dos Aproveitamen-tos Hidrelétricos de Santo Antônio e Jirau, realizada pela equipe técnica do IBAMA, a partir da análise do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), Audiências Públicas, vistorias técnicas, reuniões técnicas, documentação apensada ao processo observando a legislação vigente.

O estudo abordou de forma superficial, em caráter con-ceitual e comparativo as alternativas tecnológicas, apenas justificando a escolha do trecho do rio Madeira escolhido para a implantação dos empreendimentos, por julgá-lo in-teressante e estratégico, face o potencial energético e com capacidade de proporcionar a integração de extensas áreas da América do Sul. Não foram apresentadas alternativas tecnológicas e locacionais específicas para questõessedimentológicas (sediment routing).

“Antevê-se que processos não sustentáveis econômica, so-cial e ambientalmente presentes na região tendem a se manter e mesmo se intensificar, dada a lógica da ocupação extensiva associada aos grãos e à pecuária, bem como à ação de grileiros. Chances de conversão para uma situ-ação de sustentabilidade precisam de atitudes pró-ativas dos diversos atores institucionais envolvidos, no sentido do planejamento e da efetiva implementação das ações planejadas”. (EIA Tomo B 1/8, p. II-85).

Inseridos num sítio de superlativos, os AHEs Santo An-tônio e Jirau, por si só, são merecedores de uma análise holística sendo que, ao longo de todo o processo de li-cenciamento, novos estudos, oitivas e informações foram agregados descortinando a necessidade de ampliação das áreas de influência definidas no EIA.

O empreendimento, inserido neste contexto e por seu por-te, tem alto potencial catalizador positivo e ou negativo e é altamente transformador da dinâmica, não dissociável, socio/econômica/ambiental. Questões de estado devem ser prioritariamente consideradas quando estudos recen-tes apontam a floresta amazônica como o “motor hidro-lógico” (bomba biótica de umidade) de um sistema climá-tico de escala continental que rege as chuvas na própria Amazônia levando “rios de vapor e umidade” a latitudes como os trópicos, afetando seu ciclo hidrológico (Dona-to, 2005). Conforme o Professor Doutor Antônio Donato, devido ao desmatamento, estamos próximos de um limite

baixo, publicamos - literalmente - trechos dos mais diversos aspectos (fauna, flora, saúde, terras indígenas, unidades de conservação, crescimento

demográfico) do Parecer Técnico de 220 páginas realizado pela equipe do Ibama sobre a viabilidade ambiental do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira. A veemente reco-mendação para que estudos e avaliações mais abrangentes e consistentes fossem feitas sobre o projeto acabou sendo ignorada pelo próprio órgão, responsável pela emissão da licença ambiental. Também foi destacada uma relação de impactos ambientais, econômicos e sociais levantados pela equipe técnica, caso o projeto seja realmente concretizado. A grande maioria dos questionamentos e problemas apon-tados pelos técnicos ficou sem resposta ou apresentação de medidas de mitigação.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTEINSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E

DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMAPARECER TÉCNICO Nº 014/2007 – COHID/CGENE/

DILIC/IBAMA

Brasília, 21 de março de 2007.

À: Moara Menta GiassonCoordenadora de Licenciamento Ambiental

Assunto: Análise técnica do EIA/RIMA e de documentos correlatos referentes ao AHE de Santo Antônio e AHE de Jirau, ambos no rio Madeira, visando emissão de parecer quanto à viabilidade ambiental dos empreendimentos.

Processo n°: 02001.003771/2003-25O presente Parecer Técnico tem por objetivo apresentar

PERGUNTAS NUNCA RESPONDIDASGERAL E RELAÇÃO DE IMPACTOS

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de quebra deste sistema climático podendo desencadear, entre outros, o colapso da floresta além de seca e deser-tificação nas regiões mais povoadas do Brasil como São Paulo e Paraná.

*******

Existe probabilidade de unidades de conservação serem afetadas, diretamente ou suas zonas de amortecimento, que não contam com anuência do órgão responsável ou

sequer foram identificadas no EIA.

*******

As espécies esperadas e não registradas são, em sua maio-ria, espécies de difícil detecção, e sendo assim, necessita-riam de mais estudos para a serem observados. Um dos destaques do estudo foi a presença em grande número da andorinha Atticora melanoleuca que precisa de áreas de pedrais em corredeiras para nidificar. A presença das praias também atrai espécies migradoras, como os maçari-cos (Scolopidae) que migram da América do Norte para lá. Outro destaque da avifauna foi a presença de “barreiros” de psitacídeos (papagaios, araras, periquitos, maracanãs, maritatacas, curicas e afins). Um dos barreiros visitados foi comparado aos maiores conhecidos no Peru e Bolívia, representando um importante recurso para as populações

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MESMO TERRITÓRIOS INDÍGENAS E UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DEVERÃO SER ATINGIDOS PELO AVANÇO DO DESMATAMENTO

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de psitacídeos, que estavam presentes na ordem de cente-nas ou até milhares de indivíduos.

O estudo conclui que a área estudada é “uma das mais ricas encontradas em qualquer lugar da Amazônia” de-vido em especial: a diversidade de ambientes e microam-bientes naturais (com espécies mais específicas para cada ambiente); ao endemismo de espécies em cada margem, funcionando o rio como uma barreira natural. O número de espécies é semelhante em cada lado, mas o total é maior por ter pouca superposição.

A manutenção da cota 90 em Jirau destruirá em especial os “barreiros” que servem de recursos para psitacídeos... O estudo, portanto recomenda que sejam feitos estudos mais aprofundados sobre o impacto da destruição destes barrei-ros e o mapeamento de outros... Outra fisionomia que será impactada são as praias sazonais que deixarão de existir na área de inundação. As praias são importantes áreas para migradores. Por fim, as áreas de cerrado na região estariam ameaçadas pelas propostas de desenvolvimento na região.

*******Em termos de espécies de especial interesse, o estudo ci-ta a presença do marsupial Glironia venusta, que possui apenas quatro exemplares de museus nacionais e cerca de uma dúzia no mundo. Esta espécie então é considerada rara e indicativa do valor de conservação da região.

*******[Sobre as Unidades de Conservação] A tabela mostra uma discrepância entre os dados apresentados. A variação ou ausência é devido à base de dados que é utilizada. De qual-quer forma, foi observado que, além destas áreas, com a área de inundação observada para o Tempo de Recorrência de 50 anos, também sofrerão impacto direto a FLORSU do Rio Abunã e indiretamente as UCs FLORSU do Rio Madeira, a RESEX do Lago do Cuniã e a EE Cuniã, a jusante de Santo Antônio; o Parque Estadual Candeias, a leste de Porto Velho. Os impactos indiretos nestas UCs têm haver com o impacto da falta de sedimentação a jusante de Santo Antônio, e aos impactos antrópicos com o aumento da população.

*******O EIA não apresenta adequadamente a determinação das Áreas de Influência Direta AID e Indireta – AII para o meio sócio-econômico. O IBAMA considera necessária para a AII a compreensão da totalidade do município de Porto

Velho e os pólos municipais de atração à região (Auta-zes, Borba, Humaitá, Itacoatiara, Manicoré, Nova Olinda do Norte e Novo Aripuanã, no Estado do Amazonas e Rio Branco/AC, por exemplo), bem como aqueles que vivem de atividades pesqueiras e turísticas, ligadas aos recursos hídricos. Somente o município de Porto Velho foi conside-rado no estudo. Além disso, os impactos às áreas a jusante foram minimizados ou ignorados.

Os municípios da AAR considerados no estudo (Autazes, Borba, Humaitá, Itacoatiara, Manicoré, Nova Olinda do Norte e Novo Aripuanã) apresentam características mar-cantes de regiões subdesenvolvidas como renda familiar de até dois salários mínimos em metade das famílias e demais características da infra-estrutura socioeconômica e ambiental, que o EIA destaca: Apenas 80 % dos domicí-lios, urbanos e rurais, não possuem esgotamento sanitário adequado e 66 % não dispõem de abastecimento de água adequado, o que causa inúmeras doenças de veiculação hídrica;•oserviçodecoletadelixoéinexistente,comotambémosistemaparasuaeliminação;•aescolaridadeda população é muito baixa, resultando num “exército” de analfabetos funcionais, sem qualificação para ingressar nomercadodetrabalho;•opanoramadesaúdeégraveecomplexo, pois associa problemas típicos de subdesenvol-vimento como doenças de veiculação hídrica, com doen-ças infectocontagiosas (malária, da hepatite, hanseníase, DST, dentre outras) e mortalidade infantil, agravadas com questões próprias da urbanização acelerada e da ocupação econômica da região: violência, alcoolismo, drogas, etc.

*******Outra área sensível nos estudos é a localização e classifi-cação, em relação aos impactos, das comunidades indíge-nas. O EIA informa que na região dos aproveitamentos es-tão as Terras Indígenas Karitana, Karipuna, Lage, Ribeirão, Rio Negro Ocaia, Pacaá Novas e Uru-Eu Wau-Wau mas que nenhuma delas será afetada por eles. Nas Audiências Públicas o IBAMA recebeu documentos que reivindicam o reconhecimento, nos estudos, da Terra Indígena Kaxarari, no afluente do rio Abunã, e do Povo Katawixi, da Terra Jacareúba, no rio Mucuim, em situação de isolamento e risco. A T.I. Kaxarari está a cerca de 70 km do reservató-rio de Jirau, já no Estado do Acre. Os Katawixi, por ou-tro lado, estão mais próximos que qualquer outro grupo indígena identificado no EIA, cerca de 9 km. Não foram considerados, possivelmente, porque estão no Estado do

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Amazonas. Há também os índios isolados no igarapé Ka-ripuninha, que perambulam na região de Jirau e outros na mesma situação (isolamento e risco) próximos das T.I. Karitiana e T.I. Karipuna. Neste sentido é necessário o aprofundamento dos estudos relacionados ao componente indígena, em razão das pressões sobre os grupos indígenas e seus territórios e o grau de vulnerabilidade destes frente ao aproveitamento energético, considerando ainda as soli-citações da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, quando pertinentes, recebidas neste Instituto.

*******O EIA ressaltou a ocupação humana da bacia do rio Ma-deira, que deixou vestígios pré-históricos e históricos como testemunhos dos processos sociais. Relatos de via-jantes que percorreram o Madeira no século XVII descre-vem a diversidade cultural em seu curso, descaracterizada a partir da colonização. Os arqueólogos constataram na área das Usinas de Santo Antônio e Jirau, vestígios de ocupação pré-ceramista, no Alto Madeira. Uma ponta-de-projétil lascada indica a presença de grupos de caçado-res-coletores que podem ter habitado a região há mais de 10.000 anos. Vestígios de objetos associados a uma agri-cultura incipiente ilustram uma seqüência cultural linear desde 8.230 ap até o século XVIII. Foram ainda encontra-das inscrições rupestres em 23 sítios na área de Jirau; em 10 delas foram também encontrados materiais cerâmico e lítico. Na área de Santo Antônio há 21 sítios arqueológicos cadastrados. Desses, ao contrário dos das áreas de Jirau, apenas dois apresentam inscrições rupestres. Nas áreas das Usinas de Santo Antônio e Jirau pesquisadas, foram iden-tificados 26 sítios.

O trabalho de campo relativo a pesquisa da área do AHE Jirau identificou 11 ocorrências arqueológicas históri-cas. Para a área do AHE Santo Antônio, foram registra-das 15 ocorrências.

*******As áreas protegidas nos limites de influência direta e indi-reta dos AHEs Santo Antônio e Jirau, tanto terras indíge-nas como unidades de conservação, e suas áreas limítro-fes, apesar da denominação, apresentam alto grau de vul-nerabilidade em face do aumento da atividade madeireira e avanço do desmatamento e grilagem de terras públicas, além, segundo o EIA, da desconstituição do zoneamento do Estado de Rondônia – com, por exemplo, a aprovação

recente pela Assembléia Legislativa da Lei Complementar nº 308/04, sancionada pelo Executivo, que acrescenta dis-positivos ao artigo 7º da Lei 233/00 retirando o núcleo de União Bandeirantes e o núcleo de Jacinópolis da Zona 2 – onde o uso da terra só é possível de através do manejo sustentável – e incluindo-os na Zona 1 - Subzona 1.3, onde é permitida a atividade agropecuária.

Neste sentido, o incremento significativo da população em decorrência da mobilização de mão-de-obra e a migração associada, implicará na abertura de novas frentes de ocu-pação, favorecendo a degradação ambiental no entorno das Terras Indígenas, e a prática de ações ilegais como caça, pesca, extração mineral e de madeira. O aumento do número de empresas ligadas ao setor madeireiro e mine-rador na região, em função da diminuição do “custo opor-tunidade” para sua instalação (energia mais barata, mais estradas, hidrovia etc.), propiciará ainda o incremento do assédio às florestas e jazidas localizadas nas TIs situadas na área de influência dos empreendimentos, bem como o aumento da poluição dos igarapés que servem as aldeias. Além disso tem-se o natural choque de culturas, o afluxo de moléstias novas e progressão de doenças típicas.

*******O EIA afirma que embora os estudos realizados sobre o componente indígena para os AHEs rio Madeira não te-nham apontado nenhuma Terra Indígena como passível de ser diretamente atingida pelos empreendimentos, foi considerada expressiva a vulnerabilidade dessas popula-ções e de suas terras frente ao aproveitamento energético do Madeira, o que requereu, além das Terras Indígenas Karipuna, Karitiana e Uru-eu-wau-wau, a inclusão das Terras Indígenas Lage e Ribeirão, habitadas pelo povo Wa-ri’ – consideradas fora das Áreas de Influências (Direta e Indireta) definida para os empreendimentos.

A FUNAI, por meio do Ofício n.º 491/CMAM/CGPIMA/06, de 25/10/2006, esclarece que os estudos constituem-se em levantamento de diversos dados relacionados às co-munidades, não apontando e refletindo sobre os impac-tos socioambientais específicos nessas Terras Indígenas. Além disso, segundo a FUNAI, é necessária a indicação de todos os impactos socioambientais e correspondente proposição de medidas mitigadoras e compensatórias de acordo com cada realidade social. Considerando, portanto, insuficientes os estudos apresentados, indicou a necessi-

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dade de estudos complementares ao EIA, conforme Termo de Referência próprio, não disponibilizado ao IBAMA. A Fundação também solicitou a inclusão de diversas terras indígenas a jusante dos aproveitamentos.

*******Outros aspectos considerados em relação à ação “mobili-zação de mão-de-obra”, ou atração da população, são o aumento da prostituição na região próxima aos canteiros de obra, que poderá levar a um aumento das DST; a ocor-rência de prostituição infantil; o uso de drogas e a depen-dência química, em especial o álcool, podendo aumentar a ocorrência de atos violentos, com reflexos sobre o perfil da morbimortalidade; e aumento na freqüência de gesta-ções não programadas, que são originadas na interação social dos migrantes com a população local.

*******Extensão de impactos diretos a outros países - O EIA afirma em diversas oportunidades que não há impactos diretos ou indiretos extensíveis a outros países. Entretanto, tal exten-são é factível em relação à sobrelevação do nível d’água; e indubitável em relação à produtividade da atividade pes-

queira, viabilidade populacional de espécies (como a dou-rada) e proliferação da malária. Tais impactos atingem não um, mas dois países integrantes da bacia, que são a Bolívia e o Peru, e devem ser cuidadosamente estudados.

*******Proliferação da malária - As áreas de influência direta e indireta dos AHE’s Santo Antônio e Jirau são de alto risco para malária, tanto pela densidade de ocorrência do vetor (Anopheles darlingi) como pela associação de condições favoráveis à proliferação, que serão potencializadas com a inserção dos aproveitamentos, quais sejam: (i) alta diver-sidade de criadouros e espaços para procriação; (ii) eleva-da onda migratória e intensa circulação de pessoas; (iii) desflorestamentos; (iv) debilidade dos serviços de saúde; (v) incapacidade de controle e tratamento eficientes dos assintomáticos; (vi) concorrência das áreas onde haverá piora da qualidade de água e conseqüente aumento de criadouros com grande circulação de pessoas.As medidas propostas para o enfrentamento desta ques-tão, ainda que necessárias, são frágeis em aspectos como o telamento das casas; a ilusória tentativa de inibição da migração por desestímulo e a ausência de ações eficientes

DEVIDO À CONSTRUÇÃO DO COMPLEXO DO MADEIRA, PREVÊ-SE UM AUMENTO AINDA MAIS OSTENSIVO DO DESMATAMENTO NA REGIÃO

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para os portadores assintomáticos de malária. Além disso, o sistema de saúde é deficitário na região, como também são deficitários os sistemas de saneamento, habitação, se-gurança e transportes, principalmente, extrapolando a de-limitação imposta na proposição das medidas pelo alcance ‘macroregional’ que impõe. Segundo a Secretaria de Vigilância Sanitária o fluxo mi-gratório natural da Região Amazônica para outros estados brasileiros com potencial malarígeno já tem levado, nos últimos anos, ao surgimento de surtos de malária no Pa-raná, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Ceará, Minas Gerais e Bahia.

Há ainda a lacuna, no processo, das medidas que a SVS julgou necessárias à obtenção do atestado de aptidão sa-nitária, em cumprimento à Resolução CONAMA nº 286, de 30.08.2001: (i) estudo entomológico detalhado; (ii) plano de ação para controle da malária; (iii) mapa detalhado da área de influência dos empreendimentos, com as locali-dades georreferenciadas, locais de residência dos traba-lhadores e canteiro de obras e estimativa das respectivas populações. Neste sentido, entende-se que a proporção do impacto deve ser enfrentado de forma macroregional.

*******Explosão demográfica - As conseqüências imediatas de uma intensa migração para a região são: aumento da de-manda por moradias, com pressões sobre o mercado imo-biliário e as áreas de assentamentos; aumento da deman-da por serviços públicos de saúde, saneamento, educação, transporte público e segurança pública, áreas frágeis e/ou que acumulam grandes passivos; conflitos de convivência entre a população local, população indígena e os migran-tes; desestruturação de comunidades tradicionais; surgi-mento de novas localidades sem adequada infra-estrutura; pressão (e fragmentação) na biota como um todo pelo au-mento de áreas desflorestadas; extraordinário risco de epi-demias de malária e dengue, além de demais doenças de veiculação hídrica e DST’s/AIDS; aumento da prostituição e violência (como área de fronteira e por existir tradicio-nalmente as atividades de garimpo tais problemas já são consolidados no Estado e serão, portanto, incrementados); e pressão sobre a estrutura urbana e serviços. Há também a demanda local nas áreas de saneamento, habitação, construção civil, energia, saúde, transportes e educação, para citar somente as principais, cujos investi-mentos necessários também precisam contabilizar capital

humano para expansão. Um cálculo efetuado no Parecer Técnico sobre “Energia e Desenvolvimento”, do Prof. Dr. Artur de Souza Moret e colaboradores - integrante do Re-latório de Análise do Conteúdo dos Estudos de Impacto Ambiental proporcionado pelo Ministério Público do Esta-do de Rondônia a partir das projeções de FURNAS - estima a migração na ordem de 100.000 pessoas, sendo 52.000 em idade escolar, gerando uma demanda da ordem de mais de 1.480 salas de aula na zona urbana e 1.070 novas salas de aula na zona rural.

Outra conclusão a que chega o Relatório do Ministério Público, em diversos pareceres, é que faltam estudos e projetos com base na realidade local para assegurar que a inserção dos empreendimentos possa ser, de fato, um mar-co de desenvolvimento sustentável, como se sugere.

*******Confiabilidade e exatidão das informações - Como a área de influência caracterizada para os dois aproveita-mentos é incorreta, devido à não contemplação de con-dicionantes naturais e técnicas e, ainda, devido à in-compreensível minimização de impactos identificados, como a intensa migração ou a proliferação da malária; os dados apresentados no EIA são inconsistentes e pre-cisam ser revistos e validados para que não haja trans-ferência do “ônus da prova” aos afetados ou vítimas em potencial da atividade proposta.

*******Integração da área de influência com fauna e flora - As formações pioneiras de várzea, a vegetação dos pedrais e as matas de várzea são consideradas um conjunto de ecossistemas muito típico, pouco representado na Área de Influência Indireta dos empreendimentos. A supressão das formações pioneiras de várzea pode provocar a perda de importantes corredores para a fauna desses locais. Diante do exposto e, ao considerar que cerca de 80% da formação campinarana do Estado de Rondônia ocorre no município de Porto Velho e que cerca de 24% da área to-tal de campinarana deste Estado serão afetados direta ou indiretamente pela elevação do lençol freático, além da importância dessa formação para a avifauna e da possibi-lidade de a área de inundação ser ainda maior caso haja o assoreamento do reservatório, os estudos apresentados são considerados insuficientes para se avaliar os reais impac-tos causados às diversas feições dessa formação.

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impAcTos (posiTiVos e NeGATiVos)

1.1 Dinamização das atividades econômicas1.2 Queda nos investimentos1.3 Intranqüilidade da população1.4 Aumento do conhecimento técnico-científicosobre a região1.5 Facilitação de desmatamento e/ou coleta predatória2.1 Geração de novos postos de trabalhoe aumento da renda2.2 Elevação dos preços de mercadorias e serviços2.3 Aumento da demanda por moradia2.4 Aumento da demanda por serviços públicos2.5 Segmentação de Jaci-Paraná2.6 Conflitos de convivência entre populaçãolocal e migrantes2.7 Pressão sobre Terras Indígenas2.8 Alteração na dinâmica da população de vetores2.9 Aumento na incidência da malária2.10 Aumento na incidência de outras doenças2.11 Aumento da pressão antrópica sobre osrecursos da fauna e da flora2.12 Perda de elementos da ictiofauna devido aoaumento da pressão de pesca2.13 Conflito social sobre a atividade pesqueira local2.14 Alterações na qualidade de vida da população2.15 Alteração morfológica dos terrenos2.16 Alteração da paisagem2.17 Carreamento de Sedimentos2.18 Ressuspensão de Elementos Metálicos e Não-Metálicos Presentes no Sedimento de Fundo2.19 Alteração na qualidade do ar2.20 Elevação dos níveis de ruídos2.21 Alteração na morfologia fluvial2.22 Perdas de áreas para a agricultura2.23 Interferência no patrimônio paleontológico potencial (fases de construção e de operação)2.24 Interferência em áreas de pesquisa e concessões minerárias (termos de renúncia)

2.25 Aumento de Carga Orgânica2.26 Aumento nos Níveis de Óleos e Graxas e de Metais2.27 Veiculação Hídrica de Doenças2.28 Supressão de áreas de floresta ombrófila aberta de terras baixas (capoeira)2.29 Supressão de áreas de associação floresta ombrófila aberta das terras baixas/floresta aberta ombrófila aluvial2.30 Supressão de áreas de floresta ombrófila aberta sub-montana no AHE Jirau2.31 Supressão de formações pioneiras de várzea - AHE Santo Antônio2.32 Redução da vegetação dos pedrais do rio Madeira2.33 Perda e/ou fuga de elementos da fauna na área dos canteiros de obras2.34 Perda e/ou afugentamento da fauna terrestre e aquática2.35 Desaparecimento de hábitats específicos para morcegos2.36 Aprisionamento de elementos da mastofauna aquática (botos) dentro da área ensecada2.37 Interferência sobre a fauna de mamíferos aquáticos e semi-aquáticos (devido a contaminação por efluentes dos canteiros de obras e acampamentos e pelo aumento de turbidez e de sólidos)2.38 Interferência local sobre a ictiofauna devido a implantação dos canteiros de obras e acampamentos2.39 Perda de elementos da ictiofauna devido ao aprisio-namento de peixes nos poços formados no interior das áreas ensecadas2.40 Risco de acidentes com animais peçonhentos2.41 Risco de ocorrência de acidentes com máquinas e veículos2.42 Interferências e perda do patrimônio arqueológico e outros patrimônios culturais2.43 Supressão de áreas de floresta ombrófila aberta das terras baixas/floresta ombrófila aberta aluvial2.44 Perda e/ou fuga de elementos da fauna em ambientes de floresta ombrófila aberta das terras baixas / floresta aberta aluvial2.45 Supressão de áreas de diferentes fitofisionomias de

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campinarana (AHE Jirau)2.46 Perda e/ou fuga de elementos da fauna existentes em formação do tipo campinarana (AHE Jirau)2.47 Supressão de formações pioneiras de várzea2.48 Perda e/ou fuga de elementos da fauna existentes em formações pioneiras de várzea2.49 Perda de hábitats para a entomofauna2.50 Elevação do preço das terras e benfeitorias devido à aquisição de terras2.51 Comprometimento das atividades agropecuárias2.52 Comprometimento de moradias e benfeitorias2.53 Comprometimento da infra-estrutura2.54 Comprometimento do transporte para apopulação ribeirinha2.55 Ocupação de novas áreas2.56 Comprometimento do núcleo urbano deMutum-Paraná2.57 Comprometimento dos povoados de Teotônioe Amazonas2.58 Comprometimento das comunidades ribeirinhas2.59 Alteração da organização social e políticada população2.60 Possibilidade de fortalecimento dasorganizações sociais2.61 Alterações da qualidade de vida da população 2.62 Redução do emprego e retração dasatividades econômicas2.63 Queda dos preços de imóveis, mercadoriase serviços2.64 Alterações na qualidade de vida da população 3.1 Alteração do nível do lençol freático – AHE Jirau3.2 Alteração do regime hidrológico3.3 Alteração da jazida de ouro de garimpo (aluvionar)3.5 Ocorrência de sismos induzidos3.6 Perda de áreas aptas para agricultura3.7 Alteração do equilíbrio ácido-básico e da concentração iônica da água3.8 Retenção de sólidos em suspensão3.9 Perda de material lenhoso flutuante no rio Madeira

3.10 Diminuição dos níveis de nutrientes e turbideza jusante3.11 Aumento do potencial erosivo e de solubilizaçãode sais a jusante3.12 Diminuição da carga orgânica3.13 Eliminação da aeração mecânica do complexode cachoeiras e corredeiras3.14 Diminuição nos níveis de oxigênio noscompartimentos laterais3.15 Diminuição nos níveis de oxigênio porincorporação de biomassa3.16 Crescimento populacional deorganismos planctônicos3.17 Alteração da comunidade bentônica do ambiente lótico para semi-lêntico3.18 Compartimentação horizontal – aumento daprodução primária3.19 Compartimentação horizontal – aumentode bioamassa de cianobactérias e macrófitas aquáticas3.20 Compartimentação horizontal – criaçãode ambientes propícios para proliferaçãode vetores aquático de doenças3.21 Perda de vegetação dos pedrais na área de inundação dos reservatórios3.22 Redução da área de formação campinarana por elevação do lençol freático3.23 Perda/fuga de elementos da fauna existentes em formações do tipo campinarana3.24 Perda de áreas para reprodução (desova) dequelônios e jacarés3.25 Perda de ambientes específicos para aavifauna (barreiros e locais de reprodução)3.26 Desaparecimento de hábitats reprodutivospara mamíferos aquáticos e semiaquáticos3.27 Alteração nas características ecológicas e biológicas das espécies de mamíferos aquáticose semi-aquáticos existentes nos reservatórios3.28 Interferência em movimentos migratóriosde quelônios

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3.29 Interferência em Unidades de Conservação3.30 Criação de novos ambientes nas margensdos reservatórios3.31 Possibilidade da eliminação de barreiras naturaisdas espécies de botos existentes na área3.32 Alteração na composição de espécies ictiícas devido a mudanças na dinâmica da água pela formação dos reservatórios3.33 Introdução de espécies ictiícas alóctones provocada pela eliminação de barreiras físicas naturais3.34 Interrupção de rotas migratórias de peixesem conseqüência de barramentos3.35 Interferência na rota de deriva de ovos, larvase juvenis de peixes migradores3.36 Perda local de biodiversidade de peixes3.37 Perda de área de desova e crescimentoda ictiofauna3.38 Modificação da pesca nos reservatórios devido a alteração nos recursos pesqueiros disponíveis3.39 Incremento nas taxas de mortalidade devido ao aprisionamento de peixes no interior das turbinas3.40 Concentração de cardumes a jusantedos barramentos3.41 Queda no emprego e na renda dos garimpeiros3.42 Alteração na renda dos pescadores3.43 Alteração na dinâmica da população de vetores – AHE Jirau3.44 Elevação da oferta de energia elétrica3.45 Elevação da renda no setor público3.46 Possibilidade de alteração das polarizações regionais3.47 Possibilidade de comprometimento das atividades da população ribeirinha a jusante3.48 Modificação dos usos no entorno dos reservatórios3.49 Alterações na qualidade de vida da população

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em sÍNTese(i) há notória insuficiência dos estudos e complementações apresentados, fato atestado pelas contribuições de demais órgãos e entidades ao processo, notadamente o Relatório de Análise do Conteúdo dos Estudos de Impacto Ambiental proporcionado pelo Ministério Público do Estado de Rondônia;

(ii) as áreas diretamente afetadas e as áreas de influência direta e indireta são maiores do que as diagnosticadas;

(iii) as vistorias, Audiências Públicas e reuniões realizadas trouxeram maiores subsídios a análise do EIA, demonstrando que os estudos sub-dimensionam, ou negam, impactos potenciais. Mesmo para assumir um impacto, é preciso conhecê-lo, e à sua magnitude;

(iv) as análises dos impactos identificados demonstraram a fragilidade dos mecanismos e propostas de mitigações;

(v) a extensão dos impactos (diretos e indiretos) abrange outras regiões brasileiras e países vizinhos, comprometendo ambiental e economicamente territórios não contemplados no EIA, sendo, desta forma, impossível mensurá-los;

(vi) a nova configuração da área de influência dos empreendimentos demanda do licenciamento, segundo a determi-nação presente na Resolução nº 237/1997, o estudo dos significativos impactos ambientais de âmbitos regionais. Neste sentido, considerando a real área de abrangência dos projetos e o envolvimento do Peru e da Bolívia, a magnitude desses novos estudos remete à reelaboração do Estudo de Impacto Ambiental e instrumento apropriado a ser definido conjuntamente com esses países impactados. De qualquer forma, é necessária consulta à Procuradoria Geral do IBAMA para o adequado procedimento.

Dado o elevado grau de incerteza envolvido no processo; a identificação de áreas afetadas não contempladas no Estudo; o não dimensionamento de vários impactos com ausência de medidas mitigadoras e de controle ambiental necessárias à garantia do bem-estar das populações e uso sustentável dos recursos naturais; e a necessária observância do Princípio da Precaução*, a equipe técnica concluiu não ser possível atestar a viabilidade ambiental dos aproveitamentos Hidrelétricos Santo Antônio e Jirau, sendo imperiosa a realização de novo Estudo de Impacto Ambiental, mais abrangente, tanto em território nacional como em territórios transfonteiriços, incluindo a realização de novas audiências públicas. Portanto, recomenda-se a não emissão da Licença Prévia.

Gina Luísa Boemer DeberdtTécnico Especialista

Ivan TeixeiraAnalista Ambiental

Lilian Maria Menezes LimaAnalista Ambiental

Marcelo Belisário CamposAnalista Ambiental

* O Princípio da Precaução afirma que a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano. 221/221

À consideração superior,

Ricardo Brasil ChoueriAnalista Ambiental

Rodrigo Vasconcelos KoblitzAnalista Ambiental

Silvia Rodrigues FrancoTécnico Especialista

Vera Lúcia Silva AbreuAnalista Ambiental

**** **** **** ****

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baixo, publicamos - integralmente - perguntas fei-tas à Furnas e Odebrecht por empresários interes-sados em concorrer no leilão da usina Santo An-

tônio, em reunião na sede da Agência Nacional de Energia Elétrica, no dia 14 de setembro de 2007. Mais informações sobre esta reunião podem ser acessadas em www.aneel.gov.br (hotsite Madeira). REUNIÃO DE APRESENTAÇÃO TÉCNICA DOS ESTUDOS DE VIABILIDADE DA UHE SANTO ANTÔNIO

A) Perguntas respondidas durante a reunião:

1) Em todo o trabalho consta que foram consultadas di-versas empresas que são indicadas por empresas A, B, C. Gostaria de saber: Quais são essas empresas? Solicito que seja disponibilizado o relatório/informações que essas em-presas enviaram para PCE.

2) Há previsão de implantação de um canteiro em cada margem. Pergunto: Há previsão de construção de ponte sobre o rio, para utilização pela obra?

3) O que está previsto nos estudos de viabilidade como participação do Poder Público nas questões de Inserção Regional? Por exemplo: escolas, hospitais e infraestrutura de transporte e segurança pública? Há previsão de convê-nios com a iniciativa privada?

4) Tendo em vista que recentemente foram disponibiliza-das informações no relatório complementar, pergunta-se se existem informações adicionais que ainda não foram disponibilizadas?

5) Nas alternativas de arranjo apresentadas constam 3

PERGUNTAS NUNCA RESPONDIDASACAREAÇÃO TÉCNICA

A

(três) eixos e em seguida são apresentados 3 (três) arranjos incompatíveis com os eixos, sendo 2 (dois) arranjos no mesmo eixo escolhido, portanto existem 3 (três) arranjos sobre um eixo que possui deficiências de investigações, não existindo sondagem e batimetria em vários trechos, no leito do rio. Solicita-se os critérios considerados para escolha do arranjo considerado. Porque não foi escolhido um eixo com menor volume de escavação? Não é um risco muito grande em colocar a barragem sobre um local sem informações?

6) Em face da inexistência de turbinas Bulbo com esta capacidade e seu limite do estado da arte, também em face da falta de informações técnicas no mercado solicita-se: Curva de colina da máquina especificada. Dimensões da turbina e gerador. Existem estudos desta turbina que po-deriam ser disponibilizados?

7) Porque não foram estudadas alternativas com turbinas Kaplan tendo em vista ser uma tecnologia de domínio mais amplo?

8) Para os corpos flutuantes foi previsto apenas uma ver-ba e sua solução não foi apresentada. Quais os impactos esperados em conseqüência destes corpos? É possível (per-mitido) a retirada destes corpos (“troncos”)? Qual a solu-ção esperada pela PCE?

9) Identificamos falta de um estudo econômico com al-ternativas dos diversos parâmetros de projeto como os abaixo: Queda nominal; Potência Instalada; Número de Máquinas; Setting das Máquinas. 10) Foi aplicado na definição da vazão do projeto do ver-tedouro φ = 84000 o coeficiente de Fuller. Esse parâmetro é aplicável ao Rio Madeira?

11) É dito no estudo de viabilidade que turbina Bulbo apresenta vantagem ambiental. Esse estudo tem respaldo técnico? Isso passou a constar na documentação ambien-tal da licitação?

12) A disposição do vertedouro no arranjo geral, com canal de adução em curva bastante fechada, e as altas, velocida-des de aproximação para as vazões de dimensionamento colocam dúvidas sobre a capacidade do vertedouro para condução da vazão próxima do projeto. A assimetria da

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aproximação deve também propiciar a formação de poten-tes vórtices junto as comportas. Solicitamos um parecer e comentários sobre estas considerações.

13) Considerando que não há dados de sondagens e de batimetria nos canais entre as ilhas, como foi considerada, no projeto de viabilidade a vedação das ensecadeiras da barragem de entroncamento do leito do rio?

14) Considerando a ocorrência de solos aluvionares per-meáveis na margem direita, região do córrego Mato Gros-so, foram feitos estudos de estanqueidade dessa região?

15) Solicita-se fornecimento das comparações de preços uni-tários do orçamento OPE – Orçamento Padrão Eletrobrás.

16) Na LT de Interligação ao Sistema: Qual o local da In-terligação? Qual o escopo na SE de Interligação? Qual o traçado previsto?

17) Solicita-se informar quais os documentos que indi-cam o tombamento de: Igreja Santo Antonio e Estrada de Ferro Madeira Mármore. Quais os outros patrimônios tombados?

18) O item 2.30 da Licença Provisória refere-se a “Reco-mendações Apresentadas pelo IPHAN”. Quais são estas re-comendações?

19) A Indústria Nacional tem experiência e condições téc-nicas para fabricação das turbinas Bulbo?

20) Qual é o prazo que a PCE / Furnas considera necessário para se preparar o PBH?

21) A PCE considera suficiente o nível de investigações geológicas para o eixo selecionado?

22) Quais as medidas compensatórias assumidas: Junto ao IPHAN Junto à Comunidade Local e Junto à Prefeitura e Governo Estadual.

23) Como será possível fazer o Projeto Básico da Usina até julho/agosto de 2008, se não existem ainda sondagens no eixo e o período disponível será de cheias?

24) Análise financeira do projeto apresenta um valor de

custo dos juros durante a construção elevada. Pergunto: Foi considerado no fluxo de caixa a receita durante a mo-torização? Podemos ter acesso ao modelo de avaliação realizada?

B) Pergutas não pertinentes à pauta da reunião:

1) A Aneel considera factível os investidores que desen-volveram outras opções de arranjo/motorização realizar reuniões consultivas, individuais, com a equipe da Ane-el, visando reduzir o risco de oferecer um preço de tarifa módico baseado em um projeto mais barato, lógico sem a perda de segurança / qualidade?

2) Pergunta a Aneel: Na folha 85 do trabalho da PCE consta que o modelo físico de conjunto foi estudado no “laboratório de Hidráulica Experimental”. Pergunto: Con-siderando a importância do estudo só a Aneel autorizaria que a Suez simulasse no laboratório a sua solução?

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esta coluna, são apresentadas algumas dicas, su-gestões, avaliações, feitas por cientistas, organi-zações e universidades, que demonstram como o

planejamento energético brasileiro pode investir em ou-tras formas e matrizes de geração de energia. A proposta aqui, obviamente, está longe de esgotar o assunto, mas pretende ilustrar inúmeras possibilidades alternativas – nem por isso menos eficazes e eficientes – de garantir o atendimento da demanda do País e, ao mesmo tempo, respeitar suas populações tradicionais e o meio ambiente, sem que haja um comprometimento econômico. Aliás, ao contrário, com a redução da demanda energética, é possí-vel economizar e investir em fontes renováveis, assegurar a geração de milhões de postos de trabalho e contribuir para a redução da emissão de gases de efeito estufa.

com VoNTAde polÍTicA,pode se FAZer diFereNTe

N

repoTeNciAção eQuiVAle à GerAçãomAior Que sANTo ANTôNio e JirAu JuNTAsA repotenciação das usinas hidrelétricas com mais de 20 anos de operação poderia aumentar a capacidade de gera-ção hidrelétrica no País em cerca de 12%. Um estudo do Instituto de Energia Elétrica da Universidade de São Paulo (IEE-USP) para a WWF (Bermann, 2004a) indica que obras de repotenciação em 67 usinas nestas condições teriam potenciais de ganho de capacidade alcançando 868 MW para a repotenciação mínima, 3.473 MW para a repoten-ciação leve e 8.093 MW para a repotenciação pesada. (So-madas, Santo Antônio e Jirau têm capacidade instalada – ou seja, o máximo de energia que poderão produzir – é de 6.494,4 MW). Trata-se de otimizar o potencial das usi-nas existentes e de aumentar a eficiência na geração.Impasses e Controvérsias da Hidreletricidade, Célio Bermann (Instituto do Estudos Avançados, USP, /Estu-dos Avançados, /vol. 21, no. 59, jan-abr 2007, páginas 149-152).

A complemeNTAção dA moToriZAçãoOutra opção, que representa um ganho de potência ins-talada sem a construção de novas usinas, está na com-plementação da motorização de algumas usinas hidrelé-tricas. A usina hidrelétrica Porto Primavera (SP/MS), por exemplo, tem capacidade para dezoito turbinas, mas só tem dez em funcionamento. A usina Itaipu também não tem toda a sua capacidade instalada, uma vez que duas turbinas de 700 MW poderiam acrescentar 1.400 MW aos 12.600 MW atualmente instalados.

É também o caso das usinas de Xingó e de Itaparica, am-bas localizadas no Rio São Francisco. A usina de Xin-gó foi projetada para abrigar dez turbinas de 500 MW, de forma a possuir uma capacidade instalada total de 5.000 MW.Entretanto, atualmente apenas seis turbinas estão instaladas. Trata-se, portanto, de 2.000 MW que poderiam ser acrescentados se as outras quatro turbinas previstas fossem instaladas.

A usina de Itaparica também apresenta condições se-melhantes. Projetada inicialmente com dez turbinas de 250 MW, ela conta atualmente com apenas seis turbinas, perfazendo 1.500 MW. Outros 1.000 MW poderiam ser acrescentados se as demais turbinas fossem instaladas.

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Com respeito às duas usinas no Rio São Francisco, a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF) ale-ga que houve um superdimensionamento nos dois pro-jetos e que não existe água suficiente para efetivar a complementação da motorização de ambas. Neste caso, a questão sai da esfera técnica para alcançar a esfera judicial, pois trata-se de apurar as responsabilidades da-queles que aprovaram os projetos e conduziram as obras de ambas usinas.(Impasses e Controvérsias da Hidreletricidade, Célio Ber-mann em Instituto do Estudos Avançados, USP, /Estu-dos Avançados, /vol. 21, no. 59, jan-abr 2007, páginas 149-152).

peQueNAs ceNTrAis HidrelÉTricAs Têm poTeNciAl pArA 9.800 mW A Resolução no 394 da Aneel, de 04.12.1998, define como Pequena Central Hidrelétrica (PCH) as centrais com potência instalada total de até 30.000 kW (30 MW) e área inundada máxima de reservatório de 3 km2. Alguns benefícios fo-ram concedidos pelo órgão regulador no sentido de incen-tivar a geração de eletricidade a partir das PCH’s como, por exemplo, a concessão de um desconto de 50% nas tarifas de transporte da energia gerada por este tipo de usina.

Como são empreendimentos que, em geral, procuram atender demandas próximas aos centros de carga, em áreas periféricas ao sistema de transmissão, as PCH’s têm papel cada vez mais relevante na promoção do de-senvolvimento da geração distribuída no País. Segun-do dados da Aneel (dezembro de 2006), um total de 63 PCH’s estavam sendo construídas, com uma potência de 1.061,49 MW.

Dados oficiais do Sistema de Informação do Potencial Hidrelétrico (Sipot), obtidos pela Eletrobrás, indicam a existência no Brasil de um potencial de 9.800 MW que poderiam ser alcançados com a construção de 924 PCH’s. Se forem consideradas as usinas com potência de 30 a 50 MW, o potencial estimado pode acrescentar mais 4.700 MW, envolvendo outros 120 projetos de usinas. Atualmen-te, cerca de 277 PCH’s encontram-se em operação, com uma potência instalada total de 1.580 MW representando 1,64% da capacidade de geração do País (dados da Aneel para fevereiro de 2007).(Bermann, “Impasses e Controvérsias da Hidrelétricidade”).

proiNFA precisA ser reAlmeNTe eFeTiVAdoPara incentivar a utilização de fontes alternativas de energia, foi criado em 26 de abril de 2002, pela Lei nº 10.438, o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), que previa, até dezembro de 2006 a instalação de 1.100 MW através de PCH’s. No en-tanto, os resultados alcançados ficaram muito aquém do inicialmente previsto. Dos 65 projetos de PCH’s contrata-dos, representando 1.189,58 MW, apenas nove estavam em operação em dezembro de 2006 (13,8% dos projetos contratados), com 154,84 MW ou 13,8% da potência ini-cialmente contratada.

Dificuldades para a obtenção de financiamento, quali-dade insuficiente dos projetos propostos e problemas de disponibilidade das terras para a implantação dos em-preendimentos são algumas das razões que impediram a consolidação do Proinfa. O governo federal, por seu tur-no, acabou postergando a meta inicial do programa para dezembro de 2008. (Bermann, “Impasses e Controvérsias da Hidrelétricidade”).

prioridAde deVe ser pArA serViçospúBlicos e resideNciAisAinda que a implementação de PCH’s não venha a re-solver as necessidades de geração de energia elétrica no País, é inegável que o Brasil poderá aumentar a capaci-dade de geração através das PCH’s, privilegiando proje-tos de geração para sistemas isolados e atendimento às comunidades e propriedades rurais não energizadas. A hidreletricidade pode seguir com o papel de assegurar as

PEQUENA HIDRELÉTRICA APERTADINHO ROMPEU EM JANEIRO, 2008

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necessidades energéticas do País se os problemas sociais e ambientais aqui assinalados forem efetivamente conside-rados e superados. Deve-se enfatizar o caráter de serviço público como destino da produção de energia elétrica, de modo a priorizar o atendimento da demanda residencial e de serviços públicos, cujo consumo médio (kWh/habitan-te) ainda se encontra reduzido.(Bermann, “Impasses e Controvérsias da Hidrelétricidade”).

BrAsil possui GrANde poTeNciAl eólicoEmbora ainda haja divergências entre especialistas e insti-tuições na estimativa do potencial eólico brasileiro, vários estudos indicam valores extremamente consideráveis.

Há poucos anos, as estimativas eram da ordem de 20.000 MW. Hoje, a maioria dos estudos indica valores maiores de 60.000 MW. Essas divergências decorrem principalmente da falta de informações (dados de superfície) e das dife-rentes metodologias empregadas.

Um estudo importante, em âmbito nacional, foi publica-do pelo Centro de Referência para Energia Solar e Eóli-ca (Cresesb/Cepel). Trata-se do Atlas do Potencial Eólico Brasileiro, cujos resultados estão disponíveis no seguinte

endereço eletrônico: www.cresesb.cepel.br/atlas_eolico_ brasil/atlas-web.htm. Nesse estudo estimou-se um poten-cial eólico brasileiro da ordem de 143 GW.Aneel, Atlas de Energia Elétrica, Brasília, 2005, p. 94

eólico Tem compeTiTiVidAde No seTor eNerGÉTicoConsiderando o grande potencial eólico existente no Brasil, confirmado através de medidas de vento precisas realizadas recentemente, é possível produzir eletricida-de a custos competitivos com centrais termoelétricas, nucleares e hidrelétricas. Análises dos recursos eólicos, medidos em vários locais do Brasil, mostram a possibi-lidade de geração elétrica com custos da ordem de US$ 70 a US$ 80 por MWh.

De acordo com estudos da Eletrobrás, o custo da ener-gia elétrica gerada através de novas usinas hidrelétricas construídas na região amazônica será bem mais alto que os custos das usinas implantadas até hoje. Quase 70% dos projetos possíveis deverão ter custos de geração maiores do que a energia gerada por turbinas eólicas. Outra vanta-gem das centrais eólicas em relação às usinas hidrelétricas é que quase toda a área ocupada pela central eólica pode ser utilizada (para agricultura, pecuária, etc.) ou preserva-da como habitat natural. Centro Brasileiro de Energia Eólica, www.eolica.com.br

GoVerNo deVe esTimulAr coNsumocoNscieNTe de eNerGiA Durante o período de racionamento energético ocorrido no Brasil em 2001 e 2002, a quantidade de energia elétrica economizada durante apenas seis meses foi de 26 milhões MW/h, o que equivale à produção de uma usina hidre-létrica com potência de 5.000 MW. O consumo de energia caiu em 21,5% durante o período, até o nível de consumo de 1995. O consumo nacional somente voltou para o nível pré-racionamento em 2004.

Consumidores conviveram com o racionamento insta-lando chuveiros a gás e lâmpadas compactas fluorescen-tes, e as indústrias instalaram sistemas de co-geração de energia, aproveitando o calor excedente dos processos de transformação.Bardelin, C.E.A. Os Efeitos de Racionamento de Energia Elé-trica ocorrido no Brasil em 2001 e 2002 com ênfase no con-sumo de Energia Elétrica, Escola Politécnica da USP, 2004.

AGRO-COMBUSTÍVEL É FABRICADO DE MODO COMUNITÁRIO EM GUAJARÁ-MIRIM

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desperdÍcio correspoNde A ciNcousiNAs NucleAresO diretor de Energia da Federação das Indústrias do Esta-do (Fiesp), Luiz Gonzaga Bertelli, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, em agosto de 2007, alertou que estudos de especialistas informam que o desperdício de energia elétrica no País é o equivalente à produção de cinco usinas nucleares similares à Angra 3, que produzirá 1.400 mil megawatts cada, “e isso incomoda muito diante de um quadro de escassez cada vez mais próximo”.

Ele disse ainda que o consumo predatório da energia é causado pelo uso de máquinas antigas e motores ultra-passados, lâmpadas, aparelhos domésticos e iluminação urbana obsoletos.

um ceNÁrio elÉTrico susTeNTÁVelEm setembro de 2006, a organização WWF-Brasil divul-gou o estudo “Agenda Elétrica Sustentável 2020”, que examina a produção energética brasileira. Este trabalho compara dois cenários: um deles segue as tendências atu-ais, o cenário Tendencial, e o outro almeja a sustentabili-dade, o cenário Elétrico Sustentável. Ambos assumem as mesmas hipóteses de crescimento e condições socioeco-nômicas da população. Eles diferem, porém, nos modelos energéticos adotados, uma vez que o cenário Elétrico Sus-tentável prevê políticas de planejamento mais agressivas, maior eficiência na geração e na transmissão de energia, racionalidade no consumo e maior utilização de fontes renováveis para a produção de eletricidade.

Se o cenário Elétrico Sustentável for aplicado no Brasil com as medidas de eficiência energética, em 2020 haverá redução da demanda esperada de energia elétrica em até 40%. Em termos práticos, essa energia corresponde à gera-ção evitada de sessenta usinas nucleares de Angra III, qua-torze hidrelétricas de Belo Monte ou seis hidrelétricas de Itaipu. Isso significa uma economia de até R$ 33 bilhões na conta nacional de eletricidade até o ano 2020, afetando diretamente o bolso do cidadão brasileiro. Além disso, ha-verá a redução de sete vezes da área inundada planejada para a construção de reservatórios de hidrelétricas, o que diminuirá os impactos sobre as populações tradicionais e a biodiversidade nacional.

Para a economia do País, o cenário Elétrico Sustentável é

excelente, pois irá gerar oito milhões de novos postos de trabalho com a geração de eletricidade por fontes renová-veis, como biomassa, eólica, solar e pequenas hidrelétri-cas. Elas serão responsáveis por 20% da geração total de eletricidade no País, o que garantirá a estabilização das emissões de dióxido de carbono e de óxido de nitrogênio, principais gases causadores do efeito estufa, em um pata-mar próximo ao de 2004.

O cenário Elétrico Sustentável poderia reduzir 413 milhões de toneladas de CO2 acumuladas durante o período 2004-2020, superando a marca de 403 milhões de toneladas de CO2 evitadas pelo Programa Proálcool, entre 1975 e 2000.WWF-Brasil

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O

CONCLUSÃO

projeto do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira é um dos exemplos mais contundentes do com-prometimento do governo Lula com os interesses

corporativos e de sua aliança com o poder oligárquico do País. Eleito em função de um compromisso histórico de diálogo com as forças sociais, Lula optou pela manuten-ção de uma política neoliberal, privilegiando os setores privados e, em busca de um desenvolvimento a qualquer custo, impôs a concretização de um projeto de gravíssimos impactos socioambientais.

A ridicularização de uma crucial questão ambiental e eco-nômica - a sobrevivência de estoques de peixes de imen-surável valor para as populações ribeirinhas da Amazônia - e o menosprezo às preocupações do governo boliviano (que respondeu aos apelos das comunidades locais so-bre os sérios impactos diretos das barragens do Madeira) demonstraram a verdadeira face da administração Lula. Revela-se, assim, um desdém não muito diferente daquele manifestado pelos líderes militares da ditadura ao respon-der às legítimas preocupações e questionamentos sobre os impactos de Itaipu, Tucuruí e de outros faraônicos monu-mentos construídos no passado do País.

A insistência de Lula em forçar a licença para as hidre-létricas do Rio Madeira lançou, para sempre, o seu Mi-nistério do Meio Ambiente na sombra do poderoso cartel dos construtores de barragens e seus aliados políticos, que têm assegurado um privilegiado papel na definição de po-líticas e prioridades dos governos brasileiros por mais de meio século.

Além disso, o projeto Madeira transformou o tão utilizado termo desenvolvimento sustentável, dentro do contexto da Amazônia, em um eufemismo vazio. O próprio presi-dente Lula afirmou em um discurso que povos tradicionais são obstáculos ao crescimento sustentado, um termo que serve às necessidades dos poderosos grupos econômicos e seus acionistas. Dessa forma, não apenas o Ministério do Meio Ambiente, mas o próprio meio ambiente Amazônico serão subjugados. O aumento vertiginoso do desmatamen-to nos meses seguintes ao anúncio da licença prévia para as usinas do Rio Madeira comprova que a forma com que o governo lidou com o projeto Madeira foi interpretada como uma sinalização positiva pelos agentes da destrui-ção da floresta.

Tudo isso, sem que nenhum debate público fosse reali-zado. As objeções técnicas ao projeto, sugerindo que, ao menos, precauções fossem consideradas, foram ignoradas de modo aparentemente fraudulento nos estágios finais da corrida do governo rumo ao licenciamento das usinas. Enquanto os movimentos socioambientais lutavam para sensibilizar a mídia brasileira com informações sobre os impactos do projeto, eles também eram compelidos pelo desejo de acreditar que o governo de Lula proporcionaria uma oportunidade para que as vozes dos povos da Ama-zônia fossem ouvidas.

Agora que a necessidade urgente de combater o aqueci-mento global lançou novamente a Amazônia na agenda mundial, como a posição de Lula sobre o novo papel des-te importante bioma na economia brasileira será vista?

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Certamente, trata-se de uma perspectiva compatível com a da IIRSA, das corporações transnacionais e dos bancos de desenvolvimento multilaterais: que a Amazônia é um obstáculo ao desenvolvimento do continente, que precisa ser transposto para ser transformado em um ambiente de negociacoes, em uma plataforma para as exportações de produtos primários, de pouco valor agregado, promoven-do o “crescimento” econômico da nação, a curto prazo.

Bem no interior da floresta, ao longo da margem esquerda do Madeira, grupos indígenas estão nesse momento pe-rambulando em busca de caça, vigilantes para os sinais dos madeireiros e de seus capangas que podem estar se aproximando para eliminar suas vidas. Garimpeiros estão se dirigindo para o Madeira, utilizando suas balsas duran-te a noite para retirar o máximo de riqueza possível do rio, antes que suas águas tornem-se muito baixas. Dúzias de novas serrarias estão se instalando ao longo do que serão os grandes lagos do Madeira, para facilitar a exportação de madeira nobre da fronteira expandida de Rondônia. Frigoríficos de peixe estão expandindo suas instalações para completamente exaurir os vulneráveis estoques de bagres que serão jogados contra o muro da represa de Santo Antônio.

E a cidade de Porto Velho está se preparando para a sua maior crise social desde o projeto Polonoroeste, dos anos 80, já que dezenas de milhares de migrantes estão chegan-do em busca de um dos 70.000 empregos prometidos pelas empreiteiras e pelos políticos eleitos de Rondônia. Como a região irá responder ao previsto aumento dos casos de malária, aos problemas crônicos causados pela contami-nação de mercúrio, falta de água, de esgoto e de assistên-cia médica, e ao crescimento da violência, prostituição e do uso de drogas, não são preocupações das companhias que disputam o direito de construir as barragens. Nem do Ministério do Meio Ambiente, que desconsiderou os aler-tas de cautela de seus próprios técnicos.

O futuro de Rondônia como uma colônia energética de São Paulo é assustador para aqueles que conhecem a re-

gião e testemunharam a ocupação descontrolada de suas florestas úmidas por fazendeiros e gigantes corporações. Onde e quando isso irá terminar? Que vozes terão ainda que ser ouvidas para convencer os políticos e a população brasileira que não se pode permitir que o desmatamento da Amazônia continue?

Apesar deste livro não trazer respostas, são apresentadas questões que estimulam uma reflexão sobre o modelo de desenvolvimento da Amazônia e, portanto, do planeta, sobre nossa relação com a natureza e sobre os caminhos que estamos traçando para o nosso presente e o legado que estamos deixando para as futuras gerações. Trazemos também algumas recomendações que precisam ser consi-deradas pelo poder público, já que construir o Complexo Madeira é dar mais um firme passo para desequilibrar as sutis e intrínsecas relações ecossistêmicas da floresta e provocar um maior caos social na região.

Estas recomendações são:- estudos com maior abrangência para determinar os ver-dadeiros impactos das hidrelétricas;- estudos técnicos para avaliar com mais rigor os prová-veis impactos na Bolívia;- um estudo estratégico ambiental, com participação das comunidades ao longo do Madeira e os seus tributários, para avaliar as melhores opcoes para o desenvolvimento econômico e social na bacia do Madeira;- formação de um comitê tri-nacional para gerenciar os recursos hídricos da bacia do Madeira;- a imediata suspensão do licenciamento das hidrelétricas até que se apure as irregularidades no processo.

Através destes estudos será possível evidenciar que o Rio Madeira e suas populações - como tantas outras ameaça-das pelas centenas de projetos de usinas hidrelétricas no Brasil - merecem ser protegidas, preservadas e promovidas, não destruídas. Também deverão explicitar a necessidade de se investir em um outro modelo de desenvolvimento para a Amazônia e o Brasil: ambientalmente equilibrado e socialmente justo.

CANOAS RIBEIRINHAS

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ANEXOS

Porto Alegre, 26 de Junho de 2006.

A Sua Excelência o Senhor Luís Inácio da Silva Presidente da República Brasília – DF

Senhor Presidente,

Vimos por meio deste manifestar nossa extrema preocupação com a decisão de seu Governo de construir duas grandes hidrelétricas no rio Madeira, o qual, como é de vosso conhecimento, é o segundo maior rio da bacia amazônica, sendo uma área de grande diversidade biológica e relevância para a conservação da biodiversidade mundial. O barramento promoverá danos irreversíveis sobre esta diversidade, particularmente sobre os peixes, afetando a pesca, um dos suportes da economia da região e, portanto, a sobrevivência de milhares de famílias. Os impactos sociais, ambientais e econômicos serão observados desde o alto Madeira até sua foz e também no rio Amazonas. A experiência da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, mostra que os impactos a jusante das grandes barragens amazônicas são tão sérios quanto os da área inundada. A retenção de sedimentos prejudica a fertilidade da várzea, afetando famílias de agricultores.

A inviabilidade econômica do empreendimento é evidenciada pela previsão de gastos superiores a 18 bilhões de reais na construção e outros 10 nas linhas de transmissão. A insistência no modelo de construção de mega-hidrelétricas na Amazônia condena o país à insegurança energética, pois se prevê que mais da metade da nova capacidade de geração venha das obras do Madeira e de Belo Monte, no rio Xingu – também esta uma obra sem comprovada viabilidade.

Aqui vale recordar parte de uma carta enviada ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES, 2004) por centenas de organizações nacionais e de outros países: “Uma política energética correta, de acordo com os interesses do país, deve privilegiar a eficiência ... Tecnicamente está comprovado que é possível produzir mais com a mesma quantidade de energia elétrica gerada atualmente ... É necessário redirecionar parte dos investimentos previstos em geração para o desenvolvimento tecnológico; para o suporte a sistemas de produção adequados; para a substituição de motores elétricos antigos por motores eficientes; para novos sistemas de iluminação e para a diminuição de perdas na transmissão, considerando que, neste caso, os índices brasileiros estão muito acima dos aceitáveis internacionalmente. Deve também fazer parte desta nova política que propomos a ‘repotenciação’ das hidrelétricas mais antigas. Estudos in-dicam que estas medidas permitiriam o aumento de pelo menos 20% na quantidade de energia disponível”.

O Banco Mundial, recentemente, apontou que potencialmente é possível economizar 25% da energia elétrica consu-mida no país, uma cifra que muitos especialistas consideram conservadora. Existem alternativas disponíveis dentre elas o aporte de “novas” energias através da produção por fontes renováveis e de menor impacto, particularmente a eólica, biomassa e a solar; sendo que no caso desta última é fundamental sua disseminação no aquecimento de água nos domi-cílios, responsáveis por até 8% do consumo nacional de energia elétrica.

A - cArTAs, declArAçÕes e moçÕes

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Em razão dos fatos e considerações expostos acima, solicitamos que Vossa Excelência reconsidere os planos para as hi-drelétricas no rio Madeira, pois a construção, como dissemos inicialmente, trará custos ambientais, econômicos e sociais muito altos para a Amazônia e o país.

Atenciosamente.

Alcides FariaEcoa – MS

Glenn SwitkesIRN – SP

Elisangela Soldatelli PaimNúcleo Amigos da Terra / Brasil - RS

Lucia OrtizGrupo de Trabalho Energia do Fórum Brasileiro de ONGse Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e oDesenvolvimento

Temistocles MarceloSecretário Executivo do Fórum Brasileiro de ONGse Movimentos Sociais para o Meio Ambientee o Desenvolvimento

Luciana Badin Pereira LimaIbase – RJ

Issac Gerardo Rojas RamirezCOECOCeiba – Amigos da Terra / Costa Rica

Alípio ValdezCERDET – Amigos da Terra / Bolívia

Edmilson PinheiroFórum Carajás – MA

Alessandro MenezesRios Vivos Brasil

Manoel PaivaSindicato dos Trabalhadores nas Industrias Quimicasde Barcarena – PA

Magnolia SaidESPLARCentro de Pesquisa e Assessoria – CE

Oscar RivasSobrevivência – Amigos da Terra / Paraguai

Antonio SolerCentro de Estudos Ambientais – RS

Renato CunhaGAMBA – BA

Maurício GalinkinFundação Centro Brasileiro de Referência e Apoio Cultural Fundação CEBRAC – DF

Luis Fernando NovoaATTAC

Telma D. MonteiroATLA – Associação Terra Laranjeiras - SP

Cleber Rodrigues de PaulaAssociação Caeté - Cultura e Natureza – SC

Jorge Oscar DaneriFundación M´Biguá, Ciudadanía y Justicia Ambiental Entre Ríos – Argentina

Margarita FlórezILSA – Colômbia

Rubens Harry BornVitae Civilis Instituto para o Desenvolvimento,Meio Ambiente e Paz - SP

Carlos DuriganFVA - Fundação Vitória Amazônica

Alessandro MenezesRede Pantanal

Paula JohnsREDEH – Rede de Desenvolvimento Humano

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Zuleica NyczApromac- Associação de Proteção ao Meio Ambientede Cianorte – PR

Fabrina FurtadoRede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais

Paula JohnsRede Tabaco Zero

Maria Ivonete Barbosa TamborilProfessora - pesquisadora da Universidade Federalde Rondônia - RO

Sérgio GuimarãesInstituto Centro Vida - MT

Rosane BastosCentro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado; Nioaque - MS

Paulo BrackProfessor - pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – RS

Sergio LeitãoGreenpeace Brasil

Ricardo VerdumInstituto de Estudos Socioeconômicos INESC - DF

Adriana RamosInstituto Socioambiental (ISA) – DF

Rafael FilippinLiga Ambiental - PR

Guilherme CarvalhoFórum da Amazônia Oriental

Wesley FerreiraMovimento dos Atingidos por Barragens - RO

Marco Antônio TrevalierMovimento dos Atingidos por Barragens

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Rio de Janeiro, 13 de Julho de 2006

Para Luis Alberto Moreno, Presidente do BID

Com cópia: Demian Fiocca, Presidente do BNDESJohn Briscoe, Diretor do Banco Mundial para o BrasilWaldemar Wirsig, Representante do BID no BrasilBancos privados assinantes Princípios do Equador: Banco Real, Bradesco, Itaú, Banco do Brasil, HSBC, Rabobank, Unibanco

Prezado Sr. Presidente

Escrevemos-lhe para manifestar nossa extrema preocupação com notícias indicando que o Banco Interamericano de De-senvolvimento planeja financiar parte da construção do complexo hidrelétrico / hidroviário do rio Madeira, como noticia-do pela Folha de São Paulo de 4 de junho de 2006, na matéria “Criticado, projeto de usinas prevê R$ 20 bi à Amazônia”; no The Economist de 1° de junho de 2006, na matéria “Damned if you do”; no Rondonotícias de 26 de maio de 2006, na matéria “Prefeitura municipal do Porto Velho firma parceria com o BID”; na Carta Maior, de 6 de abril de 2006, na matéria “BNDES e BID firmam parceria para financiar megaprojetos privados” e na Gazeta Mercantil, de 17 de fevereiro de 2006, na matéria “BID vai destinar US$ 400 milhões para infra-estrutura”.

Como é de vosso conhecimento, o Madeira é o segundo maior rio da bacia amazônica e tem a condição de ser um “ponto focal” mundial em biodiversidade. O barramento promoverá danos irreversíveis sobre esta diversidade, desde o alto Ma-deira até sua foz, e mesmo no rio Amazonas, para o qual é o principal carregador de sedimentos. O corredor ecológico do rio Madeira tem 750 espécies de peixes e 800 de aves. A perda de peixes de alto valor econômico - o que fatalmente ocorre com a construção de barragens - vai afetar a pesca, um dos suportes da economia da região e da sobrevivência para milhares de famílias. A segurança alimentar e o abastecimento protéico poderão ser afetados.

Em 2004, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), informou que iria apoiar o conjunto de empreendimentos no Madeira para fomentar a expansão agrícola na região, através da ocupação de 30 milhões de hec-tares entre Brasil, Bolívia e Peru, como parte do conjunto de projetos da Iniciativa de Integração da Infra - estrutura da América do Sul (IIRSA) - processo do qual o BID faz parte como membro da coordenação operacional, juntamente com a Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Rio Prata (Fonplata). É evidente que duas das hidrelétricas - Santo Antônio e Jirau - são apenas as primeiras do conjunto de empreendimentos que visa implantar uma hidrovia industrial nos rios Madeira, Beni e Madre de Dios.

O custo do projeto, estimado oficialmente em US$ 9 bilhões para as represas e mais de US$ 1 bilhão para um corredor de transmissão até a região Sudeste, percorrendo mais de dois mil quilômetros, não se justifica porque existem alternativas mais lógicas economicamente, como a premente necessidade de investimento em eficiência energética. O Banco Mundial julgou, conservadoramente, que este número poderia ser 25% da produção elétrica de origem hidráulica no país - cerca de 20 GW ou mais de três vezes o que será produzido pelas duas hidrelétricas. É importante que o senhor tenha também conhecimento de que os estudos de impacto ambiental apresentados pelas empresas Furnas e Odebrecht, foram considera-dos inadequados por técnicos do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), o que levou este órgão do governo federal a solicitar estudos complementares sobre vários temas, dentre eles alguns daqueles que citamos anteriormente.

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Entendemos que a decisão de financiar o represamento do segundo maior rio da bacia amazônica não deve ser tomada sem que cuidadosas análises dos impactos diretos e indiretos da obra - como o impulso definitivo para o desmatamento da Amazônia Ocidental. Vale lembrar que a região amazônica tem uma enorme importância para clima global; é uma fonte de recursos genéticos; possui uma diversidade cultural e biológica única e influi no regime de chuvas de extensas regiões da América do Sul.

O BID não deve repetir a experiência recente de financiar hidrelétricas, como Cana Brava e Campos Novos, empreendi-mentos nos quais os atingidos tiveram direitos fundamentais atropelados pelos empreendedores.

Por fim, queremos dizer-lhe que nos colocamos a vossa disposição para, a qualquer momento, discutir e apresentar com mais profundidade elementos sobre as conseqüências dos empreendimentos previstos para o rio Madeira.

Assinam:

Fundación PROTEGER - miembro de UICNDirector General, Jorge CappatoCoordinador Nacional, Comité Argentino de la UICNPunto Focal ONG para Argentina, Convención de Ramsar Balcarce 1450 - 3000 Santa Fe – Argentina

Josie Lee, Co-International Liaison OfficerFriends of the EarthFriends of the Earth Melbourne312 Smith St / PO Box 222Fitzroy 3065 - Australia

Alípio ValdezCER-DET Amigos de la Tierra - Bolivia

Patrícia MolinaFobomade - Bolívia

Alcides FariaECOA – MS - Brasil

Amar – Associação de Defesa do Meio Ambiente de Arau-cária - Brasil

Assembléia Permanente das Entidades em Defesa do Meio Ambiente Rio de Janeiro - Brasil

Associação dos Geógrafos BrasileirosRio de Janeiro – Brasil

Bicuda EcológicaRio de Janeiro – Brasil

Edi FonsecaAssociação Gaúcha de Proteção ao Ambiente NaturalPorto Alegre - Brasil

Elisangela Paim Núcleo Amigos da Terra / Brasil

Gisele NeulsInstituto Centro de Vida – ICV - Brasil

GT Ambiente AGB-Rio e AGB-NiteróiRio de Janeiro - Brasil

Lucia Ortiz GTEnergia do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para Meio Ambiente e Desenvolvimento - Brasil

Marco Antônio TreveilerMovimento dos Atingidos por Barragens - Brasil

Julianna MalerbaBrasil Democrático e Sustentável - Brasil

Rafael FilippinLiga Ambiental – PR - Brasil

Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais - Brasil

Rede Social de Justiça e Direitos Humanos - Brasil

Ricardo VerdumInstituto de Estudos Socioeconômicos – INESC – DF - Brasil

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Wesley FerreiraMovimento dos Atingidos por BarragensRondônia - Brasil

Zuleica NyczApromac – Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte - Brasil

Grainne RyderPolicy DirectorProbe InternationalToronto Canada

Sara Larrain R-TDirectoraPrograma Chile SustentableSeminario 774 - Santiago, Chile

FECON - Federación de Organizaciones Conservacionistas de Costa RicaCosta Rica

Isaac Rojas RamirezCOECOCeiba – Amigos de la Tierra Costa Rica

David ReyesRED LAR ECUADORAlejandro de Valdez N24-33 y la Gasca - Quito – Ecuador

Juan N. Rojas Coalicion Anti Represas en los RiosTorola y Lempa CARTYL - El Salvador

KoBra - Kooperation Brasilien e.V.Bundesweiter Zusammenschluß der Brasiliensolidaritäts-gruppenHabsburgerstr. 979104 Freiburg i. Br. - Germany

Dirk OesselmannProjektstelle entwicklungspolitische ökumenische BildungComenius InstitutSchreiberstr. 12 - Germany

Mirian Miranda, Comite EjecutivoLa Organizacion Fraternal Negra Hondureña,OFRANEH - Honduras

Leo SaldanhaEnvironment Support Group 105,East End B MainJayanagar 9th Block EastBangalore 560069. INDIA

Rosa Filippini, Presidente Amici della Terra Italia(Friends of the Earth Italy)

Adrian PereiraPeoples Communications CentreMalaysia

Claudia Campero Coalición de Organizaciones Mexicanaspor el Derecho al ÁguaMéxico

Comité ProDefensa de Arcediano AC - Jalisco, México

Educación para la Paz A.C. (EDUPAZ) - Chiapas, México

Instituto Mexicano para el Desarrollo Comunitario A.C. (IMDEC) - México

Kupuri AC - Nayarit, México

Movimiento Mexicano de Afectados por las Presas y en Defensa de los Ríos (MAPDER)México

Movimiento Mexicano de Afectados por las Presas y en Defensa de los Ríos -Nayarit (Mapder)Nayarit, México

Dr. Francisco Valdés PerezgasgaPresidenteProdefensa del Nazas, A.C.Duraznos 1326Col. Ampliación BellavistaGómez Palacio, Durango - México

Johan FrijnsCoordinator, BankTrackBoothstraat 1c 3512 BT Utrecht - The Netherlands

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Nicole WalsheBoth ENDSNieuwe Keizersgracht 451018 VC AmsterdamThe Netherlands

Kåre Olerud (s)Head of InformationInternational CoordinatorNorges Naturvernforbund / Friends of the Earth NorwayP.O.Box 342 Sentrum, 0101OSLO - N o r w a y

Damien AsePrincipal LawyerCenter for Environmental Law and Community Rights Inc.Friends of the Earth-Papua New Guinea

Oscar RivasCoordinador generalSOBREVIVENCIA, Amigos de la Tierra Paraguaycc 1380 ASUNCIÓN - Paraguay

Joan Carling, Chairperson, Cordillera Peoples AlliancePhilippines

Samuel Martín-Sosa RodríguezResponsable de Internacional/International Coordinator Ecologistas en AcciónMarqués de Leganés 12, 28004 – Madrid - Spain

Ed MatthewFriends of the Earth England, Wales, and Northern Ire-landFriends of the Earth 26-28 Underwood Street London N1 7JQ - United Kingdom

Nicholas HildyardThe Corner House Station Road Sturminster Newton Dorset DT10 1YJ - United Kingdom

Aaron GoldzheimerEnvironmental Defense - United States

David WaskowFriends of the EarthUnited States

Paula Palmer, Executive DirectorGlobal ResponseUnited States

Glenn SwitkesInternational Rivers NetworkUnited States

Noah Madlin, DirectorRainforest Action Group for Indigenous Peoples 2505 E.Orvilla RoadHatfield, PA 19440United States

Nadia Martinez, Co-DirectorSustainable Energy and Economy Network (SEEN)United States

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Manaus, 16 de setembro de 2006

MOÇÃO DE APOIO À CAMPANHA POPULAR VIVA O RIO MADEIRA VIVO

“SEM BARRAGENS O RIO CORRE E CONDUZ A VIDA”

Nós, Amazônidas dos estados do Acre, Rondônia, Amazonas, Tocantins, Pará, Roraima e Amapá, reunidos na grande assembléia denominada “Mutirão pela Amazônia”, promovida pela CNBB Regional Norte I, Cáritas Manaus, Pastorais Sociais e Cáritas Brasileira com apoio da Rede de Educação Cidadã – Talher Amazonas, INPA, Consea/AM, Faculdade Salesiana, AEC Amazonas, Faculdade Salesiana, reunidos em Manaus, entre os dias 14 a 16 de setembro de 2006, no Centro de Formação Laura Vicunha, sob o lema “Amazônia para os amazônidas”, após debatermos os sonhos e os desafios e nossos povos, decidimos apoiar incondicionalmente a luta dos ribeirinhos e ribeirinhas, povos indígenas contactados ou não, pescadores e demais populações que vivem e precisam do Rio Madeira pra continuar a conduzir a vida e afirmar nosso compromisso em defesa da Biodiversidade da Amazônia Brasileira e se posicionando contrários à construção de barragens no Rio Madeira, principal alimentador do Rio Amazonas. Entendemos com nossa ciência amazônica, construí-da no dia-a-dia de vivência ao longo dos rios e florestas, experiência de projetos como Balbina e Tucuruí que, barrar o rio Madeira é ameaçar a vida de centenas de milhares de homens e mulheres...sem barragens o rio corre e conduz a vida.

Decidimos nos posicionar contrários às barragens e hidrovia no Madeira porque este projeto instiga a expansão da agro-negócio da soja, do boi e a concentração fundiária – e por outro lado provoca a migração dos pequenos agricultores. Por outro lado este projeto se defronta com o Programa Amazônia Sustentável – PAS do Ministério do Meio Ambiente, haja visto que não há interlocução entre as políticas de sustentabilidade; não há estudo e participação das populações da grande bacia hidrográfica do Rio Madeira no debate do referido projeto; não há um estudo sério com relação aos povos indígenas que serão ameaçados brutamente pelo projeto em especial os ainda sem contatos com nossa sociedade.

Entendemos que as grandes obras de infra-estrutura, calcadas na proposta desenvolvimentista de fato tem gerado exclu-são social das populações amazônidas. Estas obras direcionam para o interesse e a “viabilidade econômica” dos investi-dores, não considerando a “in-viabilidade” social, ambiental e cultural da região. Defendemos a integração soberana dos povos da grande família pan-amazônia na sua diversidade sócio, ambiental, econômica e cultural.

Diante do exposto, na defesa da “Vida em abundância” das atuais e futuras gerações, certos de que a Mãe Natureza nos oferece uma diversidade de possibilidade de geração de energias positivas para todos e de que a Amazônia não deve ser utilizada apenas como uma mercadoria à exaustão, para alimentar a concentração de poder e renda ou moeda de troca política, Abaixo Assinamos, contrários ao processo de licenciamento às obras do Complexo Rio Madeira, solidários a Campanha Popular Viva o Rio Madeira Vivo

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Riberalta,12 de Octubre del 2006

Pronunciamiento de la Región Amazónica de Bolivia en torno a las represas proyectadas sobre el río Madera.

Nosotros los representantes de organizaciones e instituciones de la región norte amazónica,reunidos en la ciudad de Riberalta,hemos tomado conocimiento,con mucha alarma;

Que,el pasado 11 de septiembre la Autoridad Brasileña del Medio Ambiente (IBAMA) ha aprobado el Estudio de Impacto Ambiental para la construcción de dos represas sobre el río Madera en el territorio del Brasil;

Que,datos contenidos en el propio estudio,según han denunciado desde hace tiempo científicos tanto de Bolivia como de Brasil,revelan que el área de inundación llegará hasta Bolivia,lo que quiere decir que ya no habrá más variación estacio-nal del nivel del agua;

Que,las autoridades del Brasil no se han preocupado de consultar a Bolivia pretendiendo ignorar normas internacionales para el uso de aguas que son de curso internacional;

Que,las represas harán disminuir la velocidad con que corre el agua y que esto hará que el agua cambie,que sea de mala calidad y que los ríos más pequeños que entran al Madera y Mamoré sean los que más sufran las consecuencias;

Que,el impacto de la represas en estos ríos no ha sido tomado en cuenta para la Evaluación de Impacto Ambiental;

Que,con el tiempo el fondo del río subirá de nivel,lo cual,agravará aún más el problema de las inundaciones;

Que,los pobladores de la amazonía boliviana seremos afectados con el deterioro de nuestras condiciones de vida porque los ríos y el bosque hasta el día de hoy,nos dan la mayor parte de nuestros alimentos y nos proveen lo necesario para la vida,sabemos que estos cambios que se avecinan van a espantar a los peces y les van a traer enfermedades y muerte,y lo mismo a las aves y otros animales de los ríos y a los animales del bosque como también se afectará seriamente la reco-lección de la castaña y especies maderables;

Que,la elevación del río Madera y Mamoré afectarían gravemente a los ríos Yata,Beni, Abuná y otros arroyos pequeños.Estos ríos ya no bajarán de nivel,la época de llenura será indefinida.Esto contaminará las aguas que tenemos para beber,traerá mayores problemas de malaria,dengue,leishmaniasis,diarrea infantil y tal vez otras enfermedades que ahora hay poco o que no conocemos,como ya ha pasado en otras represas del Brasil;

Que,los habitantes del área rural de la región amazónica sabemos que las tierras del bosque no son muy buenas para la agricultura,y que por eso cultivamos en los bañados que los ríos nos dejan cuando pasan las lluvias y que estas áreas,especialmente las que están más cerca al Madera y Mamoré quedarán inundadas de manera permanente;

Que las dos represas mencionadas son sólo parte de un proyecto más grande que comprende otras dos represas más;una de ellas entre Abuná y Guayaramerín y que ésta represa posiblemente haga desaparecer a Cachuela Esperanza,Villa Bella y otros pueblos y comunidades de la región.

Que,hemos llegado a conocer con mucha preocupación que en la prensa del Brasil y hasta de otros países,este problema ya está siendo debatido ampliamente y desde hace mucho tiempo,pero que en este debate las autoridades competentes de nuestro país, Bolivia brillan por su silencio.

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Que,ante ésta grave amenaza en la que se encuentra la región amazónica es necesario y urgente que el Gobierno Bo-liviano en coordinación con las autoridades departamentales y la sociedad civil en su conjunto,asuma una posición y adopte una política de estado al respecto,con el fin de precautelar la soberanía nacional y el presente y futuro de la región norte amazónica.

Por tanto resolvemos:

Pedir al Gobierno Nacional,con carácter de suma urgencia,que intervenga inmediatamente ante el gobierno del Brasil y ante los organismos internacionales,como las Naciones Unidas,en defensa de nuestro territorio,de nuestros ríos,la flora y la fauna,el medio ambiente y de nuestra forma de vida;asimismo pedimos que se reconozca y se tome en cuenta nuestro derecho a ser oportunamente informados de los trámites y resultados de estas gestiones.

Advertir al gobierno brasilero que defenderemos nuestro territorio en todas las instancias internacionales,mostrando al mundo como se proyectan obras pasando por encima de las poblaciones que habitan la Amazonía y el medio ambiente.

Convocar a los hermanos brasileros preocupados y a ser afectados por las obras,a unirnos en una protesta mundial junto a todos los pueblos y naciones del mundo por la defensa de nuestro territorio amazónico.

María del Rosario AviráConcejo Municipal Guayaramerín

María Elena BaldelomarConcejo Municipal Guayaramerín

Teresa Oñez VargasConcejal Municipal Guayaramerín

Herminia Sandoval S.Concejal Municipal Riberalta

Gari Julio Mendoza C.Universidad Autónoma del BeniGuayaramerín

Heber Muñoz BurgosPresidente Foro Regional Norte Amazónico

Ing.Luis A.Ruiz DuránDirector Universidad Autónoma del BeniGuayaramerín

Crispin Morobay C.Strio.General Comunidad Santa Lucia - Guayaramerín

Pablo FarfanStrio.de Tierra Territorio Comunidad 27 de Mayo.Guayaramerín

Antonio Argani M.Comunidad San Pedro - Guayaramerín

Victor Fabiano Pinto M.Pdte.Asociación Pescadores (ASOPRIC) - Guayaramerín

Pedro Oliva MirandaAsociación de Pescadores Beni-Pando - Guayaramerín

Erlan Domínguez N.OCMA GuayaramerínFeliciano NeriStrio.General Com.San MiguelGuayaramerín

Gilberto Durán SuárezStrio.General Comunidad Santa Emilia - Guayaramerín

Jhon Khanny Mamani T.Comunidad Santa Emilia - GuayaramerínEddita Guari YanancoCAIC Socia Riberalta

Germán Rivero T.Responsable Mesa Defensorial

Soilo Saucedo CamposStrio.Tierra Territorio FSUTCRVDRiberalta

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Fidel Vasquez ParumaFSUTCRVD

Abrahan Imohoco OniComité Binacional del Medio Ambiente

Erminia SandovalHonorable Concejo MunicipalRiberalta

Elva Trujillo R.FSUTCRVD (Vocal)

Mireya Chávez SanjinezCSUTCG GuayaramerinSecretaria General

Ana María Bayro B.CIPCA – Norte

Mirian Nelva Saravia P.TIM II Portachuelo Medio

Iver Beyuma ChaoCIRABO – Base

Soilo Saucedo CamposSecretario Tierra Territorio FSUTCRVDRiberalta

Erlan Domínguez N.OCMAGuayaramerin

Gilberto Duran S.Secretario General Comunidad Santa Emilia

GuayaramerinPedro FarfánComunidad 27 de Noviembre

Luis Granito IshitaFOBOMADE

Luis Arturo Yanamo A.Radio San MiguelRiberalta

Jaime RocaTIM II Territotio Indígena

Ruperto AmutariTIM II Comunidad Palestina Territorio Indígena

Ramón Vaca PazAsociación de PescadoresSecretario de Organización

Sergio Antonio GonzalesCEJIS – Riberalta

Constantino Ortiz S.Comunidad Villa LiditaRiberalta

Juan Carlos Canamary FrancoRepresentante de la Comunidad Naranjal

Jesús Miashiro TirinaMaestros RuralesGuayaramerín

Victor H.Antelo JuárezAsoc.Pescadores AmazónicosRiberalta

Alcides Carpio P.CARITAS Guayaramerín

Kemel Miyashiro F.IPHAE Riberalta

Juan Carlos Canamari SeratoForo Regional Norte Amazónico

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La Paz, 07 de noviembre de 2006REPUBLICA DE BOLIVIA - MINISTERIO DE RELACIONES Y CULTOS

CLASIFICACIÓN: URGENTE VREC/DGLF/UMA/213/2006Al Excelentísimo Señor Emb. Celso Amorin

MINISTRO DE RELACIONES EXTERIORES DE LA REPUBLICA FEDERATIVA DEL BRASIL

BrasiliaExcelentísimo Señor Ministro:

Tengo a bien dirigirme a Vuestra Excelencia para manifestarle la preocupación de mi Gobierno y de las regiones colindantes con el Río Madera de mi país, de los probables impactos ecológicos y ambientales de la construcción en territorio brasileño de las Presas Jirau y San Antonio en el marco de Proyectos Hidroeléctricos.

Entre los impactos probables, se considera la inundación en el territorio boliviano, como efecto de los embalses que afecta, por un lado, la existencia del bosque amazónico de la Cuenca del Madera, de alta riqueza en castaña y por otro las posibilidades de construcción de proyectos hidroeléctricos para satisfacer las demandas regionales y loca-les de energía e inclusive la inundación de Cachuela Esperanza, lo que inviabilizaría el Proyecto, cuya construcción fue acordada en el marco del Convenio de Cooperación Técnica y Económica relativo a la Central Hidroeléctrica de Cachuela Esperanza de 08 de febrero de 1984 y mediante Acuerdo de agosto de 1988.

Asimismo, las poblaciones de fauna íctica serían afectadas, teniendo como efecto una baja considerable del poten-cial pesquero de la región, con consecuencias directas sobre los ingresos de los pescadores.

Como es de su conocimiento de Vuestra Excelencia, nuestros países han firmado diversos instrumentos internacio-nales, para la protección, conservación, investigación, navegación fluvial, uso racional, intercambio de informa-ción y fiscalización de los recursos amazónicos y en especial de las áreas fronterizas.

A su vez, el Convenio entre ambos Países para la preservación, conservación y fiscalización de los recursos na-turales en el área fronteriza de 15 de agosto de 1990, establece que las partes contratantes, en conformidad con sus respectivas legislaciones internas, se comprometen a proteger los bosques naturales y a preservar sus recursos, principalmente en al Zonas Fronterizas Binacionales, realizando estudios coordinados dirigidos a la aplicación, en Bolivia y Brasil, de planes, programas y proyectos que permiten el aprovechamiento racional de los recursos naturales.

Siempre entendimos en Bolivia, que el proyecto Madera – Madeira forma parte de la integración física estratégica entre Bolivia y Brasil, razón por la cual propongo a Vuestra Excelencia retomar este espíritu, y articular dicho Proyecto con obras conjuntas que beneficien, por igual, a nuestros países.

En el marco de las relaciones bilaterales de alto nivel establecidas entre nuestros países, mi Gobierno solicita ex-presamente la remisión del tratamiento de este tema a una Comisión Binacional para análisis de Proyectos relativos al Río Madera, propuesta mediante Nota Verbal VREC/DGAB/DAM/539/04.

Con este motivo, hago propicia la oportunidad para reiterar a Vuestra Excelencia, las seguridades de mi distinguida consideración.

MBMC/ymcDavid ChoquehuancaMINISTRO DE RELACIONES EXTERIORES Y CULTOS

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Cochabamba, 8 de diciembre de 2006

VOTO RESOLUTIVO

Nosotros, representantes de las instituciones abajo firmantes, ante los trámites actualmente en curso en el Brasil para la construcción de represas en el Río Madera manifestamos:

Que datos contenidos en el Estudio de Impacto Ambiental de las represas del Río Madera en el Brasil revelan que Bolivia sufrirá serios impactos como ser: la inundación de territorio nacional; al aumento de la incidencia de la malaria y la introducción de nuevas enfermedades; la pérdida de tierras de cultivo debido a la inundación; la disminución drástica de la pesca y la extinción de la pesca comercial; la intromisión en el territorio nacional de pescadores y garimpeiros del Brasil desplazados por las represas, la destrucción de las condiciones locales para la construcción de obras de autoabas-tecimiento de energía eléctrica;

Que las dos represas que impulsa unilateralmente el Brasil mencionadas son sólo parte de un proyecto más grande que comprende otras dos represas más, una de ellas entre Abuná y Guayaramerín, represa que hará desaparecer a Cachuela Esperanza, Villa Bella y otras comunidades campesinas e indígenas y que provoque la inundación de Moxos;

Que parte de este proyecto es una hidrovía de 4000 km., que representa solamente los intereses de los soyeros del Brasil y que para Bolivia implicará la intervención en los principales ríos de la región con un impacto radical en el medio am-biente y en nuestros medios de vida;

Que en una evaluación del Estudio de Impacto Ambiental contratada por el Ministerio Público de Rondonia del Brasil no sólo ha confirmado los impactos mencionados sino que además los ha censurado por no mostrarlos en su real dimensión, y por haber evitado llevar los estudios a una mayor profundidad; Que a pesar de la información del EIA y de la evalua-ción arriba mencionada las autoridades del Gobierno Brasilero se niegan a aceptar los impactos en Bolivia, negándolos expresamente; lo cual constituye una actitud sumamente agresiva y humillante hacia Bolivia;

Por tanto resolvemos pedir al Gobierno Nacional:

Que intervenga con energía tanto ante el Brasil como ante instancias multilaterales, en defensa de nuestro territorio, el medio ambiente, nuestra forma de vida y de nuestros recursos geoestratégicos;

Que rechace cualquier negociación o acuerdo con el Brasil que favorezca la construcción de las mencionadas represas y el proyecto de la hidrovía; y,

Que se reconozca y se tome en cuenta nuestro derecho a ser informados de los trámites y resultados de estas gestiones.

Cochabamba, Cumbre Social por la Integración de los Pueblos.

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Toribia Lero QuispeCONAMAQ

Casilda CopanaLuis GranitoFOBOMADE

David HecaLic.Heber Muñóz BurgosSTRIO DE RR.N.M - CSUTCO

Martina SantosSTRIA.DE ORGANIZACIÓN CONLAGTRAHOPamela LedesmaAPDHC

Alex Blacutt PandalFOBOMADE-CHTrabajadora Social CUBA

Segundina FloresSTRIA.GENERAL a.i. FNMCB-“BS ”

Zulema PaniaguaSucre

Javier AramayoPRESIDENTE FOBOMADE

Juan Carlos PesoaVicepresidente de la Asociación BolivianaDe Turismo Solidario Comunitario(TUSOCO)

Manuel LimaStrio.Ejecutivo F.S.U.T.C.P.

Esteban LlanosPte.CODERIP

Issac Avalos CuchalloSecretario Ejecutivo CSUTCB

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Cobija, 3 de Febrero del 2007

Pronunciamiento del Norte Amazónico de Bolivia frente a la próxima reunión de los presidentes de los gobiernos de Bolivia y Brasil, Evo Morales e Ignacio Lula Da Silva, sobre las represas del Río madera.

Nosotros los representantes de organizaciones sociales de la región norte amazónica, reunidos en la ciudad de Cobija, hemos tomado conocimiento:

Que, a fines del mes de febrero del presente año, se reunirán en Brasilia los presidentes de Bolivia, Evo Morales y de Brasil, Ignacio Lula da Silva, para tratar diferentes temas de la agenda entre ambos países, entre los que se encuentran las represas que el gobierno brasileño pretende construir sobre el río Madera.

Que los impactos sociales y ambientales de dichas obras se extienden río arriba, sobre el territorio boliviano y sobre toda la cuenca del Madera, afectando las condiciones más básicas de vida de las familias que viven a orillas no solo del río Madera sino también de los afluentes y riachuelos, en Bolivia como en Brasil, condenándolos a la expulsión de sus territorios.

Que ante la magnitud de los daños mencionados, no hay compensación posible, como tampoco se puede negociar otra cosa que la suspensión total de la construcción de las represas del Madera.

Que para la construcción de tales obras el gobierno de Brasil está buscando el aval del gobierno boliviano a través de negociaciones cuyo contenido desconocemos y de lo cual no hemos sido informados, menos consultados; no obstante que las vienen implementando hace ya más de dos años.

Que los estudios de evaluación de impacto ambiental ni siquiera han analizado los efectos de las obras en territorio boli-viano, por lo que las autoridades brasileñas no tienen ninguna base para afirmar que no hay impactos fuera de Brasil.Que es obligación de los promotores del proyecto probar que no existen impactos ambientales, y no de los posibles afectados, en virtud del principio de precaución que rige las normas de derecho ambiental internacional.

Que por principios del Derecho sobre ríos internacionales cada Estado puede aprovechar las aguas en razón de sus nece-sidades siempre que no cause perjuicio sensible a otro Estado de la Cuenca.

Es tiempo de que la planificación de nuestro desarrollo se haga en base a los conocimientos que tenemos sobre nuestro territorio, nuestras necesidades y por tanto con nuestra participación.Por ello las posiciones que el país lleve a las nego-ciaciones entre países deben ser previamente debatidas con las organizaciones sociales de la región.

Por tanto resolvemos:

Pedir al Gobierno Nacional, con carácter de suma urgencia, que asuma y coordine una posición nacional firme de rechazo a la construcción de las represas sobre el río Madera, que el gobierno de Brasil pretende llevar adelante, en el afluente más caudaloso del Amazonas, afectando la vida de miles de familias ribereñas, poblaciones amazónicas y la salud del planeta.

Advertir al gobierno brasilero que defenderemos nuestro territorio ante todos los organismos y tribunales inter-nacionales, a los que podamos acceder, en caso de que no se analicen los proyectos con la profundidad y alcance que la magnitud de los impactos determina y se recapacite en las consecuencias de afectar la subcuenca más im-portante del Amazonas.

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Unir nuestros esfuerzos con los de nuestros hermanos brasileros afectados por las represas para construir una sola protes-ta mundial y convocamos a la solidaridad de los pueblos del mundo en defensa de nuestro territorio amazónico.

Por la unidad de nuestras organizaciones sociales:

Manuel Lima B.Secretario Ejecutivo - Federación Sindical Única de Traba-jadores Campesinos de PandoFsutcp-Bolivia

Cesar Viquiña R.Secretario Tierra TerritorioComunidad Reserva

Segundo Saravia P.Coordinador Movimiento Social en defensa de la cuenca del Río Madera y de la Región Amazónica

Demetrio Mariaca S.Secretario de ActasComunidad Bella Flor

Carlos Chipunavi M.Secretario GeneralComunidad Las Piedras

Nimia Otha T.Comunidad Las Piedras

Armando TrujilloSecretario Ejecutivo - Sub Central Bella

FlorShirley Segovia AssisSecretaria Ejecutiva - Sub Central Campesina Porvenir-Pando-Bolivia

Wilman MelgarVicepresidente - Comunidad Canahan

Jesuzaida Vaca A.Secretaria Tierra Territorio - Comunidad Canahan

Edwin Medina A.Presidente Junta Escolar - Comunidad Viña del RíoProvincia Madre de Dios, Margen Río Beni

Rene Cabina LandivarComunidad Campesina 5 de AgostoProvincia Nicolas Suarez Pando

Maritza Méndez B.Secretaria de Capacitación SindicalCOD Cobija-Pando

Roly Arauz B.Presidente - Comunidad Lago Victoria

Heber Muñoz BurgosPresidente Foro Regional AmazónicoSecretario de Recursos Naturales y Planificación CSUTCB

Jose Luis AndradeSecretario General - Comunidad Canadá, Sub Central Sena

Confesor Tirina SoriaComunidad GenechiquiaFacilitador TIM Profesor Turno

Franklin Rojas R.Vicepresidente - Comunidad Bella Brisa

Justina Vélez V.OTB Tajibo

Eddy Salinas SánchezSecretario Transporte y Comunicación - Federación Sindi-cal Unica de Trabajadores Campesinos – Regional Madre de Dios

Antonio Melgar T.Presidente - Comunidad Derrepente

Carlos Lurisis Puro1 º Vocal Sub CentralComunidad Loma Alta

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Abigail Idagua MazaSecretario de Actas - Comunidad Loma Alta

Delmira Diez M.Secretaria General - Comunidad Santa Lourdes

Aldo Maruja TitinaComunidad Cayusal

Leiner Alonso RojasVocalCooperativa Integral Agraextractivista Campesinos de Pando (COINACAPA)

Leopoldo Vaca NishidaSecretario de Actas - Cooperativa IntegralAgraextractivista Campesinos de Pando (COINACAPA)

Carmen ParadaSecretaria General - Federación Sindical Unica deTrabajadores CampesinosRegional Madre de Dios

Lucio SiviComunidad Lago Victoria

Dorotea MonjePresidentaComunidad Las Amalias

Abelardo GonzalesPresidente OTB Puerto Consuelo

Ruben MachuquiProfesor - Comunidad Las Amalias

Hermes AnastoVicepresidente - Comunidad Portachuelo Bajo

Amalia Gamez MorenoDelegadaComunidad Las Amalias

Mirza Monje TirinaDelegadaComunidad Portachuelo BajoHarry Lima BrittoVicepresidente - Sindicato Agrario de Trinchera

Felsy Arana PardoSecretaria General - OTB Nueva Esperanza

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Porto Velho, 5 de marzo de 2007

Declaración del Movimiento Social en Defensa de la Cuenca del Maderay de la Región Amazónica

No pasarán sobre el pueblo del Madera

Los miembros y representantes de las comunidades ribereñas, de organizaciones campesinas y de afectados por repre-sas del Estado de Rondonia y de los departamentos de Pando (Bolivia) y Madre de Dios (Perú), dando continuidad a los compromisos firmados en Cobija, de construir un Movimiento Social de las Comunidades del Madera, nos reunimos en Porto Velho para organizar la resistencia conjunta a los grandes proyectos programa dos para beneficiar al agronegocio y empresas mineras y madereras, en particular el Proyecto del Complejo del Madera.

Este proyecto sería iniciado con la construcción de 2 hidroeléctricas en el lado brasilero (Santo Antonio y Jirau), 1 en el tramo binacional del río Madera y otra en territorio boliviano (Cachuela Esperanza), viabilizando la extensión de la hidrovía del Madera, através de sus afluentes, en dirección al Pacífico. La energía producida sería casi toda orientada para el centro sur del Brasil através de una línea de transmisión de más de 3000 Km.

El proyecto del Complejo Madera pretende ser un enorme extractor de energía unido a un corredor de exportaciones bioceánico. El Madera sería transformado en plataforma para los mercados dirigidos a la Amazonia Occidental, un proyecto que consolidaría la presencia del capital monopolista en una región estratégica y cuyo efecto inmediato sería la degradación del modo de vida de las naciones indígenas y de las comunidades ribereñas y el desmembramiento y la desestructuración acelerada de las economías locales, de la agricultura familiar y de los precarios centros urbanos. Como un proyecto con tal perfil podría estar al servicio del desarrollo del país y de la región?

Ningún “desarrollo ” se obtiene con la supresión de las potencialidades y de los protagonismos locales. Qué país es ese que insiste en negar a los pueblos que le dieron origen, que insiste en quemar, inundar, arrancar y avasallar con tractores a las comunidades enraizadas en la Amazonía en nombre de los “grandes negocios ”? Y qué región es esa que no existe para si, sino en función de las necesidades externas? La Amazonía como colonia de la colonia precisa ser todavía más servil al Imperio? La orden es: el robo organizado, el saqueo racional y sustentable de nuestras riquezas através de un nuevo tipo de planificación territorial privada y transnacional propuesto por instituciones financieras internacionales en complicidad con el Gobierno y el sector privado.

El IIRSA – Iniciativa para la Integración Regional Sud--Americana es un paquete de emprendimientos de transportes y energéticos y de aparatos (des)regulatorios, concebido por el BID (Banco Interamericano de Desarrollo), para establecer una nueva forma de gestión del territorio sudamericano, y de la Amazonía en particular. El proyecto del Complejo Made-ra, montado como un gran proyecto piloto para atraer inversores privados, es el carro jefe de IIRSA. Por eso, los estudios ambientales realizados para el “aprovechamiento ” del Madera, y los procedimientos político-administrativos derivados, fueron adecuados y encajonados de tal modo de que sean convenientes a los mercados.La reducción de las exigencias sociales, ambientales, institucionales y económicas sería prueba de “apertura ” y de la “buena voluntad ” del país con los capitales, para que continúen viniendo y mandando libremente.

El riesgo de los inversores del Proyecto del Madera es transferido dañando la vida de la población del Madera; maquillaje de los datos relativos a la contaminación por mercurio, a la expansión potencial de los focos de malaria y de las áreas potencialmente inundables; disimulación de los efectos de la ruptura de la economía pesquera por efecto del fin del ciclo migratorio de los peces con la construcción de las represas.

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No se dieron el trabajo de realizar estudios del impacto urbano que traerían la gran cantidad de trabajadores de las obras de las centrales, sus empleos transitorios y consecuencias permanentes en términos de exclusión social y violencia re-doblada, ningún esfuerzo de recuperación y capacitación de las instituciones públicas reguladoras, mucho menos de su articulación transversal; absoluto desprecio de las comunidades indígenas y ribereñas a su modo de ser, a su sofisticada economía agroextrativista, a su identidad unida al territorio y a su sabiduría innata. Los verdaderos sujetos e hijos de la tierra sonvistos como obstáculos en medio del camino, los próximos a despejar: ¿Un camino hecho de cuerpos para que pasen las mercaderías por encima?

Por eso los movimientos sociales del Madera nos unimos para decir: no pasarán!

Por eso repudiamos y consideramos inaceptable la postura del gobierno brasilero de querer otorgar licencia a cualquier costo y rápidamente al proyecto de las represas de Santo Antonio y Jirau.

Es inadmisible que se inicie el proceso de otorgación de licencia de obras cuyos impactos fueron deliberadamente enmas-carados y minimizados por los proponentes del proyecto en el Estudio de Evaluación de Impacto Ambiental/Relatorio de Impacto Ambiental entregado al IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. Ante los hechos exigimos que los órganos gubernamentales tomen las siguientes medidas: -La anulación del proceso de licenciamento de las Represas de Santo Antonio e Jirau.-Denegar en su totalidad del proyecto del Complejo do río Madera por su carácter transnacional, predatorio y concentrador; Para concretar nuestros objetivos comunes planeamos medidas de auto-defensa y de auto-organización del territorio común del Madera. Fue aprobada una agenda conjunta que involucra formación, luchas y difusión. Tenemos el derecho de consulta y rechazo conrelación a cualquier prospección de datos, informaciones y estudios sobre nuestro territorio, tradicionalmente ocupado. Si el territorio es memoria, fuente de identidad, cuerpo carne de muchos, nadie puede querer rediseñarlo en función de intereses particulares travestido como si fuesen “intereses del país ”. Decisión medida o acuerdo que no respete este principio elemental de autodeterminación, no será acatado ni legitimado por los pueblos del Madera, desde ya organizados para si mismos.

Porto Velho, 5 de marzo de 2007, Movimentos dos Atingidos por Barragens –MAB/Brasil

Movimentos dos Sem Terra-MST/Brasil

Movimento dos Pequeños Agricultores-MPA/Brasil

Federación Sindical Unica de Trabajadores Campesinos de Pando -FSUTC-Pando)/Bolivia

Federación Departamental de Mujeres Campesinas de Pando “Bartolina Sisa ” – FDMCP-BS/Bolivia

Comunidad Cristiana de Huetepuhe-Puerto Maldonado/Perú

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MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE Conselho Nacional do Meio Ambiente-CONAMA

MOÇÃO No 083, DE 18 DE MAIO DE 2007 Aproveitamento hidrelétrico do rio Madeira.

O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE-CONAMA, no uso das atribuições e competências que lhe são conferidas pela Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, regulamentada pelo Decreto no 99.274, de 6 de junho de 1990, e tendo em vista o disposto em seu Regimento Interno, resolve:

Considerando que não está explícito no Relatório de Impacto Ambiental - RIMA e não foram obedecidas as diretrizes do Art. 5o da Resolução CONAMA no 001, de 23 de janeiro de 1986, em especial o inciso I, que alega que se devem contem-plar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução;

Considerando que no RIMA é citado que rios da Amazônia apresentam mais da metade do potencial hidrelétrico brasileiro e ainda não foram completamente inventariados, não se sabendo onde encontram-se as melhores partições de queda d’água, que é uma alternativa locacional e levando-se em consideração ainda que o RIMA não faz nenhuma menção so-bre o aproveitamento do gás de Urucum para gerar energia elétrica, que é mais uma alternativa tecnológica para geração de energia; Considerando que no Estado de Rondônia não há por ora déficit de energia elétrica, e que chegamos até a abastecer a cidade de Rio Branco no Acre e, tendo em vista que em breve será concluído o gasoduto de Urucum que abastecerá a termelétrica da empresa Termonorte, onde já está em operação a fase I, produzindo 64MW e estão em vias de conclusão as obras da fase II que produzirá 304MW ao receber o gás de Urucum, gerando um total de 404MW de energia elétrica suficiente para abastecer Rondônia, Rio Branco no Acre e outros locais isolados;

Considerando que o Termo de Referência que norteia os Estudos de Impactos Ambientais (EIA) e Relatório de Impactos Ambientais (RIMA) foi pouco abrangente, cobrindo apenas parte da bacia hidrográfica do rio Madeira, no trecho de Porto Velho até Abunã, que é de aproximadamente 300Km e, levando-se em consideração que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA apresentou o Termo de Referência para o EIA/RIMA, sem que os estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental tivessem sido concluídos e tendo em vista ainda que deveria ter sido considerada integralmente toda a bacia hidrográfica do rio Madeira que é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos a atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, con-forme está explícito na Lei no 9.433 de janeiro de 1997; Considerando que a unidade territorial da bacia do rio Madeira abrange os países Brasil, Bolívia e Peru, num percurso de 4.225 quilômetros de rios, a montante de Porto Velho, abrangendo mais expressivamente os rios Guaporé (Brasil), Mamoré (Brasil e Bolívia), Bene (Bolívia) e Madre de Dios (Peru) e seus afluentes e tendo em vista que os rios que formam a bacia do rio Madeira abrangem os estados brasileiros de Rondônia e também os estados do Amazonas, Acre e Mato Grosso que não participaram do EIA; Considerando que o Governo Federal deliberou recentemente que não serão construídas eclusas no rio Madeira e nem canal de adução para torná-lo navegável, alegando que só interessa ao país as questões energéticas, suprindo o déficit de energia elétrica, onde os estudos apontam que daqui a cinco anos haverá um apagão por falta de energia e revendo o conteúdo apresentado no RIMA no item justificativa do projeto, onde está explícito que “A construção dos sistemas de navegação incorporados às usinas tornará o rio Madeira integralmente navegável e constitui o primeiro passo para for-mação de um sistema hidroviário a ser formado, além do próprio Madeira, pelo rios Guaporé, Beni (na Bolívia) e Madre de Dios (no Peru)”, ocultando por trás de tudo isto, um grande programa para a América do Sul de nome IIRSA (Integração

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de Infra-Estrutura da América do Sul) que representa um velho modelo de desenvolvimento baseado em grandes volumes financeiros sem, contudo, considerar o desenvolvimento como resultado de interações entre populações locais, excluindo povos da floresta, ribeirinhos, pescadores;

Considerando que o projeto do complexo hidrelétrico do rio Madeira projetado por FURNAS e Odebrecht, prevê as inclu-sas e canais de adução para navegação, tanto na barragem de Santo Antônio como na de Jirau, conforme pode ser visto no RIMA apresentado por FURNAS, especificamente nas plantas do arranjo estrutural das barragens, mostrando que os empreendimentos foram construídos também para tornar o rio Madeira uma hidrovia para navegação, inclusive até as estruturas de navegação foram dimensionadas, destacando que a barragem de Jirau terá um canal de navegação de 3km e Santo Antônio de 1,5km, o que torna claros os objetivos do empreendimento e que a mudança inesperada do Governo Federal de retirar as eclusas e canais de adução para navegação, não passa de uma manobra política para confundir a opinião pública e licenciar o empreendimento, ocultando da sociedade um dos grandes objetivos do projeto; Considerando que haverá inundação além da calha do rio Madeira, conforme é descrito no RIMA, onde se prevê que no reservatório de Santo Antônio o lago formado será de 271km² dos quais 107km² ou 10.700ha serão inundados além da calha do rio e no reservatório de Jirau será inundado além da calha do rio 123,9km² ou 12.390ha e no próprio descritivo do RIMA paira dúvida sobre a área inundada, onde é citado na página 57 que serão inundadas pequenas parcelas (não quantificadas) das Unidades de Conservação: Floresta Estadual de Rendimento Sustentável Rio Vermelho A, B, C, Reserva Extrativista Jaci-Paraná e Estações Ecológicas Estaduais Três Irmãos e Mujica Nava, inclusive está escrito que só em topografias futuras poderá ser averiguado com mais precisão estas áreas alagadas, o que torna claro que a questão de alagamento é muito incerta inclusive o próprio IBAMA solicitou oficialmente de FURNAS uma série de complementações e adequações ao projeto que integra um grande pacote de obras anunciadas pelo governo para iniciar em 2006, sendo que uma das reivindicações é com relação a exata dimensão da área alagada, seguido da vida útil do reservatório sem a necessidade de dragagem pelo fato do rio carregar grande quantidade de sedimentos e matéria orgânica e à medida que os sedimentos vão causando assoreamento e, consequentemente, diminuição da profundidade, pode haver aumento da área inundada, sendo esta questão dos sedimentos comprovada através de dados oficiais apontando que o rio Madeira é responsável pelo despejo de 50% dos sedimentos do rio Amazonas; e

Considerando as diversas irregularidades no processo, ocultação dos reais interesses do complexo do rio Madeira, im-pactos adversos que surgirão afetando sobremaneira as populações locais, a fauna, flora e biodiversidade do ecossistema amazônico, resolve:

Aprovar Moção a ser encaminhada ao Presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, solicitando que sejam complementadas todas as lacunas verificadas na análise realizada e que sejam demonstrados de forma oficial para a população os reais objetivos do empreendimento e a sua viabilidade ambiental.

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Sr. John Briscoe Diretor do Banco Mundial para o BrasilSN, Qd. 2, Lt. A, Ed. Corporate Financial CenterCj. 303/304 – Brasília, DF70712-900

C/C: Silas Rondeau Cavalcante Silva, Ministro Estado, Ministério de Minas e EnergiaDilma Vana Rousseff, Ministra-Chefe da Casa Civil

Ref: Cooperação Banco Mundial e Ministério de Minas e Energia e o Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira

Brasília, 18 de maio de 2007

Prezado Sr. Briscoe:

É por meio desta que exigimos imediata transparência no que diz respeito aos acordos de cooperação técnica entre o Ban-co Mundial e o Ministério de Minas e Energia. Esta cooperação vem ocorrendo sem nenhuma transparência; documentos produzidos através deste acordo não estão sendo divulgados ao público, enquanto resultados parciais e incompletos estão sendo mal interpretados pela imprensa e também por representantes do Governo.

Desde o início desse processo o público vem sendo negado qualquer acesso à informação qualificada ou aos documentos e estudos sendo preparados no âmbito do Projeto de Assistência Técnica no Setor Energético (ESTAL, sigla em inglês). De acordo com as informações no site do Banco Mundial, esse projeto tem como principais objetivos: 1) O desenvolvimento de mercados e regulação; 2) benefícios para os pobres - aumentar o acesso e a disponibilidade da eletricidade, gás natural e GLP; 3) manejo ambiental - fortalecer a estrutura ambiental do setor, seu gerenciamento, capacidade e procedimentos de licenciamento; 4) planejamento de expansão - desenvolver uma estratégia e metodologias para atender a demandas futuras, integrar fontes múltiplas de energia, assim como possibilidades de demanda e oferta; e 5) fortalecimento insti-tucional - aumentar a capacidade do governo para desenvolver políticas, implementar reformas, coordenar iniciativas múltiplas e monitorar progresso.

É significante que, “a pedido do Ministério das Minas e Energia, o ESTAL também financiará estudos de viabilidade econô-mica, a serem contratados externamente pelo Governo brasileiro, sobre um possível complexo hidrelétrico no rio Madeira”.

Apesar da afirmação do Banco que “os resultados desses estudos não implicam em uma posição ou avaliação do projeto do Rio Madeira pelo Banco Mundial” é evidente que a relação entre o Ministério de Minas e Energia e o Banco Mundial está sendo manipulada. Como exemplo podemos citar o estudo realizado pelo Dr. Sultan Alam, contratado pelo Banco Mundial através do ESTAL, para analisar os impactos da sedimentação na hidrelétrica de Santo Antônio, parte do com-plexo hidrelétrico do rio Madeira. No dia 24 de abril deste ano, a Ministra da Casa Civil, Sra. Dilma Rousseff foi citada em vários meios de comunicação por ter declarado que: “Um primeiro problema relativo aos sedimentos foi descartado, uma vez que foi contratado pelo Ministério de Minas e Energia, via Banco Mundial, o doutor Sultan Ali (SIC), um dos maiores sedimentologistas...Esse sedimentologista considerou o projeto bastante adequado, dizendo que não tinha a menor hipótese de haver erosão ou sedimentação que comprometesse, do ponto de vista ambiental, as duas usinas. Pelo contrário, ele as elogiou bastante”.

No mesmo dia a Rede Brasil solicitou uma cópia deste estudo ao escritório do Banco Mundial em Brasília e recebeu a resposta de que era necessário fazer a solicitação ao Ministério de Minas e Energia. O Ministério negou esse acesso.

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Somente duas semanas depois foi que a Rede Brasil obteve uma cópia do estudo através de meios não oficiais (desde então a versão em inglês do documento foi publicado no site do IBAMA; mas não em português).

O fato de que a sociedade brasileira foi negada acesso a um documento público de grande relevância para o debate em torno de um projeto de R$ 43 bilhões como o complexo hidrelétrico do rio Madeira é ilegal e por si só muito grave. No entanto, mais grave ainda foi o fato de que os comentários da Ministra Dilma Rousseff não apresentaram o estudo do Dr. Sultam Alam, muito menos seus resultados, de forma correta.

Ao contrário do que declarou a Ministra, o estudo do Dr. Alam teve como objetivo analisar se a engenharia da hidrelétrica de Santo Antônio (parte do complexo do rio Madeira) possibilita uma gestão adequada dos sedimentos, e caso contrário, como pode ser melhorada. Como objetivo secundário, o estudo tentou avaliar o impacto dos sedimentos nas curvas de remanso no reservatório Santo Antônio.

Como os principais impactos ambientais sendo debatidos no âmbito do licenciamento do complexo hidrelétrico envol-ve não a hidrelétrica de Santo Antônio mas a hidrelétrica Jirau - localizada rio acima - que sequer é considerada pelo estudo financiado pelo Banco Mundial, a declaração da Ministra de que “…não tinha a menor hipótese de haver erosão ou sedimentação que comprometesse, do ponto de vista ambiental, as duas usinas…” é simplesmente falsa. Além disso, o fato que o Dr. Alam sugere mudanças na engenharia do projeto nos parece indicar que suas conclusões só podem ser consideradas como “elogios” por alguém que insiste em enganar a sociedade, e aparentemente com o consentimento do Banco Mundial.

Outro grave problema se refere ao fato que outro estudo do Banco Mundial - ainda não finalizado o que nos leva a supor que está sendo analisado e revisado – foi divulgado por motivos políticos. Neste caso do estudo sobre licenciamento ambiental, no dia 11 de maio deste ano, o Secretário Executivo do Ministério de Minas e Energia, Nelson Hubner “apre-sentou dados de um levantamento ainda não divulgado, realizado pelo Banco Mundial, sobre o licenciamento ambiental no Brasil. Embora não tenha apresentado as conclusões gerais do estudo, o secretário executivo do MME divulgou um dos trechos do trabalho, no qual foram analisados os processos de licenciamento de 63 usinas hidrelétricas entre 1997 e 2006. Nesses casos, a emissão da licença prévia — hoje obrigatória para a realização dos leilões de energia elétrica — le-vou, em média, 1.188 dias. A legislação ambiental prevê o prazo máximo de um ano, três vezes menor do que acontece na prática”.

A Rede Brasil solicitou a cópia deste estudo também e foi informada pelo escritório do Banco Mundial de Brasília, que “Não existe um estudo finalizado. Este é um trabalho em preparação. E é política do Banco só disseminar documentos finalizados, depois de informar o cliente”. É extremamente não profissional e um sinal de desrespeito pelo direito da so-ciedade à informação, que o Banco permite uma divulgação seletiva de partes do estudo ainda não finalizado mas nega qualquer acesso à sociedade civil.

Assim sendo, exigimos:

A imediata publicação de todos os documentos produzidos pelo convênio MME/BM;

A realização de uma consulta ampla entre o Banco Mundial e organizações da sociedade civil sobre a política energética nacional e o complexo do Rio Madeira;

A realização de uma consulta do Banco Mundial com especialistas independentes sobre o projeto do rio Madeira. Finalmente, esperamos que o Banco Mundial melhore sua atuação e transparência na sua cooperação técnica com o governo Brasileiro já que o processo acima citado viola a própria “política de divulgação de informação” do Banco Mundial.

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Vale ressaltar que qualquer projeto de desenvolvimento precisa passar por uma discussão aberta e democrática e não ser objeto de decisões secretas ou referencias precipitadas resultantes de uma associação entre o setor elétrico e o Banco Mundial. Isso é ainda mais válido para um projeto de alto valor financeiro e potenciais impactos socioambientais como o complexo hidrelétrico do rio Madeira.

Aguardamos uma pronta resposta com sugestões de como o Banco Mundial planeja lidar com as preocupações e exigên-cias aqui citadas. Para isso seria importante contar com a realização de uma reunião entre as Redes abaixo e o Sr, John Briscoe;

Atenciosamente,

Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais e Membros do GT Energia do FBOMS:

Instituto Madeira Vivo

Fórum Independente Popular do Madeira

4 Cantos do Mundo Greenpeace

International River Network

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La Paz, 10 de Julio de 2007

REPUBLICA DE BOLIVIAMINISTERIO DE RELACIONES Y CULTOS

Al Excelentísimo SeñorEmb. Celso Amorin

MINISTRO DE RELACIONES EXTERIORES DELA REPUBLICA FEDERATIVA DEL BRASILBrasilia.-

Estimado Celso

En el marco de la fraternidad y cooperación que caracterizan las relaciones de nuestros dos países deseo expresarte la preocupación del gobierno de Bolivia en torno a la reciente aprobación de la licencia ambiental previa Nº 251/2007 del IBAMA que allana el camino para la licitación de los proyectos hidroeléctricos de Jirau y San Antonio en el río Madera que transcurre por nuestros dos países.

Como lo manifestamos en reiteradas oportunidades, Bolivia considera que, antes de realizar una licitación de proyectos hidroeléctricos tan cercanos al territorio de Bolivia, es necesario realizar Estudios de Impacto Ambiental integrales que abarquen toda la extensión de la cuenca del Madera incluyendo, por supuesto, el área comprendida en territorio bolivia-no. Cabe destacar que el proyecto Jirau se encuentra a 84 Km de la frontera con Bolivia y comprende un embalse de 258 Km2, mientras el proyecto San Antonio está ubicado a 190 Km. y prevé un reservorio de 271 Km2.

En esta medida, lamentamos y expresamos nuestra contrariedad porque se procedió a expedir la respectiva licencia ambiental para la licitación de estas dos hidroeléctricas antes de haberse realizado este análisis integral de los impactos ambientales, sociales y económicos considerando los afluentes del río Madera que se encuentran en territorio boliviano.

Así mismo estamos preocupados porque dicha licencia ambiental habría tomado en cuenta otros Estudios de Impacto Ambiental, además de los realizados por ODEBRECHT – FURNAS, que no fueron proporcionados oportunamente al go-bierno de Bolivia para su análisis pese al compromiso alcanzado durante las reuniones que mantuvimos el pasado año.

Esta preocupación se acrecienta cuando leemos las 33 condiciones que la licencia previa establece como medidas de mitigación de estos dos proyectos ya que muchas de ellas tienen alcance internacional e involucran también a Bolivia. Entre estas condiciones leemos medidas para monitorear y controlar los impactos en los recursos pesqueros especial-mente de peces migratorios, los impactos en la salud por la malaria, la rabia transmitida por murciélagos hematófagos y otras plagas, los impactos por el incremento de la tasa de sedimentación en el lecho del madera que pueden afectar a territorio boliviano, el posible incremento de los niveles de mercurio en el agua y otros aspectos que nos confirman que es imperativo hacer un estudio de impacto ambiental también en Bolivia, antes de proseguir con estos emprendimientos hidroeléctricos.

Por todas estas razones y tomando en cuenta que nuestros países han firmado diversos instrumentos internacionales, para la protección, conservación, investigación, navegación fluvial, uso racional, intercambio de información y fiscalización de los recursos amazónicos y en especial de las áreas fronterizas, es de suma urgencia que a la brevedad posible podamos sostener un encuentro político de alto nivel para encaminar esta problemática. Asi mismo considero necesario que nos

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proporcionen los últimos estudios realizados y toda la información relevante, de forma tal que nuestro encuentro sea lo más productivo posible.

Estimado Celso, no voy a negar la gravedad del problema, pero estoy seguro que con el diálogo, la compresión y la volun-tad de nuestros dos gobiernos encontraremos una solución satisfactoria para nuestros dos países y el medio ambiente.

Con este motivo, hago propicia la oportunidad para reiterar a Vuestra Excelencia, las seguridades de mi distinguida consideración.

David Choquehuanca

MINISTRO DE RELACIONESEXTERIORES Y CULTOS

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B - orGANiZAçÕes e moVimeNTos TrABAlHANdo em deFesA do rio mAdeirA,seus poVos e FloresTAs

Amigos da Terra, Amazônia Brasileira - www.amazonia.org.br

Articulación sobre Infraestructura y Energía - www.infraest-energ-sudamerica.org

Bank Information Center – www.biceca.org/es/Project.Overview.138.aspx

Bank Track - www.banktrack.org/?show=dodgy&id=38

Comissão Pastoral da Terra - www.cptnac.org.br

Conselho Indigenista Missionário - www.cimi.org.br

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - www.coiab.com.br

Ecologia e Ação - www.riosvivos.org.br

Fóro Boliviano Medio Ambiente y Desarrollo - www.fobomade.org.bo/rio_madera/rio_madera.php

Fundação Heinrich Böll - www.boell-latinoamerica.org/pt/nav/35.htm

Grupo de Pesquisa Energia Renovável Sustentável - www.gpers.unir.br/index.html

Grupo de Trabalho Amazônico – www.gta.org.br

GT Energia/ Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento www.fboms.org.br

Instituto Madeira Vivo - www.riomadeiravivo.org

International Rivers – www.internationalrivers.org/en/os-rios-da-amaz-nia/hidrel-tricas-rio-madeira

Kanindé – Defensa Etno-Ambiental - www.kaninde.org.br

Movimento dos Atingidos por Barragens - www.mabnacional.org.br

Núcleo Amigos da Terra Brasil - www.natbrasil.org.br

Projeto Brasil Sustentável e Democrático - www.brasilsustentavel.org.br

Projeto Território Madeira-Mamoré - www.tmm.org.br

Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais - www.rbrasil.org.br

Rede Brasileira pela Integração dos Povos - www.rebrip.org.br/_rebrip/

WWF Brasil - www.wwf.org.br

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Agência Nacional das Águas (Ana) - www.ana.gov.br

Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) - www.aneel.gov.br (apresentação Rio Madeira - www.aneel.gov.br/hotsite/hotsite_ver2/HTM%20textos/uhe_san_apresentacao.html) Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - http://www.bndes.gov.br/conhecimento/seminario/caf_20.pdf

Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - www.eletrobras.gov.br Empresa de Pesquisa Energética (EPE) - www.epe.gov.br

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) Licenciamento Ambiental Federal - www.ibama.gov.br/licenciamento Ministério do Meio Ambiente (MMA) - www.mma.gov.br Ministério de Minas e Energia (MME) - www.mme.gov.br Ministério Público do Estado de Rondônia - www.mp.ro.gov.br/web/guest/Interesse-Publico/Hidreletrica-Madeira

Ministério Público Federal em Rondônia - http://www.prro.mpf.gov.br/ Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - www.planejamento.gov.br/arquivos_down/noticias/pac/070123_PAC_INFRA-ESTRUTURA.pdf

Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) - www.iadb.org/index.cfm?language=portuguese

Banco Mundial (BM) - web.worldbank.org

Comissão Mundial de Barragens (CMB) - www.dams.org

Corporação Andina de Fomento (CAF) - www.caf.com/view/index.asp?pageMS=9382&ms=8

Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana (IIRSA) - www.iirsa.org

c - iNsTiTuiçÕes GoVerNAmeNTAis

d - ouTrAs iNsTiTuiçÕes

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e - puBlicAçÕes e mATeriAl soBre o complexo HidrelÉTrico do rio mAdeirA

Agência Brasil. Usinas do Rio Madeira: Problema ou Solução? 2007 - www.agenciabrasil.gov.br/grandes-reportagens/2007/06/14/grande_reportagem.2007-06-14.8148844643

Amigos da Terra Amazônia Brasileira e Bank Track. Projetos Complexos, Mega Riscos, 2007 - www.amazonia.org.br/noti-cias/noticia.cfm?id=252487

Amigos da Terra Amazônia Brasileira e International Rivers Network. Estudos Não Confiáveis: 30 Falhas do EIA-Rima do rio Madeira, 2006 - www.amazonia.org.br/guia/detalhes.cfm?id=226345&tipo=6&cat_id=46&subcat_id=200

Comité para la Gestión Integral del Agua en Bolivia - CGIAB, y Fobomade. El Norte Amazónico de Bolivia y el Complejo del Rio Madeira, 2007 - http://www.fobomade.org.bo/rio_madera/madera_bolivia.php

Garzon, L. F. N. Rio Madeira é alvo de vale-tudo dos grandes negócios - www.rbrasil.org.br/content,0,0,2210,0,0.html

GT Energia/FBOMS Eficiência Energética, 2007 - www.teiacomunicacao.com.br/eficiencia/

IBAMA. Parecer técnico do Ibama desfavorável ao licenciamento, 2007

Instituto Madeira Vivo. Cartilha de Mobilização Social Barragens no Madeira e a Cidade de Porto Velho, 2006 - www.riomadeiravivo.org/fiquepordentro/mobilizacaosocial.zip

Manifesto da Sociedade Brasileira de Ictiologia sobre a importância da conservação dos grandes bagres do rio Madeira - www.sbi.bio.br/ManifestoBagres.pdf

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Hidrelétricas no Rio Madeira: energia para quê e para quem?, 2007 - www.mabnacional.org.br/materiais/cartilha_rio_madeira.pdf

Núcleo Amigos da Terra Brasil. O maior tributário do rio Amazonas ameaçado, 2007 - http://www.riosvivos.org.br/dowlo-ads/rio_madeira_portugues.pdf

Ribeiro, B. Veríssimo, A. e Pereita, K. O Avanço do Desmatamento sobre as Áreas Protegidas em Rondônia, IMAZON, 2005 - www.ufra.edu.br/pet_florestal/downloads/desfloestamento%20em%20UCS%20Rondonia.pdf

WWF Brasil. Agenda Elétrica Sustentável 2020, 2007 - http://www.riomadeiravivo.org/fiquepordentro/wwf_energia_2ed_ebook.pdf

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ALEX

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ÁGuAs TurVAs - Quem É Quem

Glenn Switkes é mestre em Jornalismo, diretor da International Rivers na América Latina.

Fabrina Furtado é mestre em Economia Política Internacional e secretária executiva da Rede Brasil.

Jorge Molina Carpio é engenheiro e hidrólogo do Instituto de Hidráulica e Hidrologia e da Universidad Mayor de San Andrés, Bolívia.

Geraldo Mendes dos Santos é doutor em Biologia de Água Doce e Pesca Interior, pesquisador e professor na pós-graduação da Coordenação de Pesquisas em Biologia Aquática do Instituto Nacional de Pesquisasda Amazônia (INPA).

Erin A. Barnes é mestre em Gerenciamento Ambiental na Escola Florestal e de Estudos Ambientaisda Universidade de Yale.

Zuleica C. Castilhos é doutora em Geociências (Geoquímica) e pesquisadora do Centro de Tecnologia Mineral CETEM), do Ministério de Ciência e Tecnologia.

Ana Paula Rodrigues é doutoranda do curso de pós-graduação em Geociências da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Ana Paulina Aguiar Soares é doutoranda em Geografia pela Universidade Sorbone Paris III

Emmanuel de A. Farias Jr. é mestrando pelo PPGSCA/UFAM

Luciane Silva da Costa é graduada em Ciências Sociais pela UFAM

Pedro Fonseca Leal é doutorando em Antropologia pelo PPGA-UFF

Thereza C. C. Menezes é doutora em Antropologia Social pelo PPGAS-MN/UFRJ”

um eiA rimA cHeio de FAlHAs...

Alexandre Kemenes é doutorado em Biologia de Água Doce e Pesca Interior, pelo Instituto Nacional de Pesquisasda Amazônia (INPA), professor do INPA.

Artur de Souza Moret é doutor em Planejamento Energético pela Unicamp e professor da Universidade Federalde Rondônia.

Bruce Forsberg é pós-doutorado na Ecologia de Ecossistemas pela University of Washington (EUA), pesquisadore professor do INPA.

Horácio Schneider é doutor em Genética Molecular e de Microorganismos na Stanford University (EUA).

José Galizia Tundisi é formado em história natural, é livre-docente em Limnologia pela Universidade de São Paulo, presidente do Instituto Internacional de Ecologia, pesquisador convidado do Instituto de Estudos Avançados, São Carlos.

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Lais da Costa Manso é graduada em Sociologia pela Universidade de São Paulo, consultora autônoma em Gestão Social, coordena o projeto de Monitoramento e Avaliação do Programa de Reabilitação da Área Central de São Paulo.Maria Cristina Meirelles é consultora autônoma, especialista em projetos sociais.

Michael Goulding é professor doutor do INPA.

Philip Martin Fearnside é PhD em Ciências Biológicas pela Universidade de Michigan (EUA), e pesquisador do INPA.

Rajindra Kaur Singh é arquiteta pela Universidade Federal do Paraná, especialista em Desenvolvimento Territorial Regional e Análise Sócio-econômica.

Ronaldo Borges Barthem é doutor em Biologia de Água Doce e Pesca Interior, pelo INPA, professor do Museu Emilio Goeldi, Belém.

Silas Antônio Rosa é MBA em Gestão de Cooperativas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), mestre em Biologia Experimental pela Universidade Federal de Rondônia, atual Secretário de Saúde de Porto Velho (RO)

Silvio Rodrigues Persivo é doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal do Pará (UFPA), professor da Faculdade de Ciências Administrativas e Tecnologia, Porto Velho, consultor da Federação do Comércio do Estado de Rondônia.

Simone de Castro Tavares Coelho é socióloga e doutora em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo, consultora autônoma, especialista em Políticas do Terceiro Setor.

Takako Matsumura-Tundisi é pós-doutorado em Bioquímica e Zooplâncton, pela University Of Southampton, Inglaterra, pesquisadora do Instituto Internacional de Ecologia

Wilsea Maria Batista de Figueiredo é mestre em Ciências Biológicas pela UFPA, e pesquisadora da UFPA.

Simone de Castro Tavares Coelho é socióloga e doutora em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo. É consultora autônoma, especialista em Políticas do Terceiro Setor.

Artur de Souza Moret é Doutor em Planejamento Energético pela Unicamp e professor da Universidade Federal de Rondônia.

Rajindra Kaur Singh é arquiteta pela Universidade Federal do Paraná e especialista em Desenvolvimento Territorial Regional e Análise Sócio-econômica.

José Galizia Tundisi é historiador e livre-docente em Limnologia na Universidade de São Paulo. Foi pesquisador e presidente do Instituto Internacional de Ecologia.

Ronaldo Borges Barthem é graduado em biologia marinha pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutor em Biologia de Água Doce e Pesca Interior, pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.

Michael Goulding é Professor Doutor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Horácio Schneider é biólogo pela Universidade Federal do Pará e fez pós-doutorado em Genética Molecular e de Microorganismos na Stanford University (EUA).

Silas Antônio Rosa é graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo, tem MBA em Gestão de Cooperativas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), e é mestre em Biologia Experimental pela Universidade Federal de Rondônia. Atualmente é Secretário de Saúde de Porto Velho (RO).

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DESMATAMENTO NA ÁREA DO RIO MADEIRA