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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE ARTES E LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS Alessandra da Silva ANATOMIA E BOTÂNICA: REFLEXÕES SUBJACENTES EM ARTE CONTEMPORÂNEA Santa Maria, RS 2019

Alessandra da Silva - UFSM

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE ARTES E LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

Alessandra da Silva

ANATOMIA E BOTÂNICA: REFLEXÕES SUBJACENTES EM ARTE

CONTEMPORÂNEA

Santa Maria, RS 2019

Alessandra da Silva

ANATOMIA E BOTÂNICA: REFLEXÕES SUBJACENTES EM ARTE CONTEMPORÂNEA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Artes Visuais /PPGART da

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS),

como requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Artes Visuais

Orientador: Prof. Dr. Paulo César Ribeiro Gomes

Santa Maria, RS

2019

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Alessandra da Silva

ANATOMIA E BOTÂNICA: REFLEXÕES SUBJACENTESEM ARTE CONTEMPORÂNEA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais /PPGART da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais

Aprovado em 08 de março de 2019:

_________________________________ Paulo César Ribeiro Gomes, Dr. (UFSM)

(Presidente/Orientador)

__________________________________ Altamir Moreira, Dr. (UFSM)

__________________________________

Lilian Maus Junqueira, Dr.ª (UFRGS)

Santa Maria, RS 2019

28

DEDICATÓRIA

Essa dissertação é dedicada a você, familiar ou amigo, que acreditou no meu

potencial, incentivou e compreendeu minhas ausências nessa trajetória.

Especialmente meus pais Hildo e Maria Geci, meus primeiros professores, os quais

me ensinaram as lições mais valiosas, aquelas que não se aprendem nos livros,

nem nas cadeiras acadêmicas, sem as quais jamais atingiria esse objetivo tão

almejado.

30

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que, de alguma forma, contribuíram com o desenvolvimento dessa

pesquisa.

Muitas foram as pessoas que compartilharam conhecimento, dedicaram seu tempo,

somaram esforços e apontaram caminhos para a concretização deste trabalho.

Desta forma, expresso minha gratidão:

Ao meu orientador Paulo Gomes, por ter me aceito como orientanda, pela confiança

depositada em mim, toda sua disponibilidade, paciência e ensinamentos.

Aos professores da banca Altamir Moreira, Lilian Maus Junqueira e Reinilda de Fátima

Berguenmayer Minuzzi pelas contribuições e apontamentos na minha pesquisa.

Ao PPGART/UFSM pela oportunidade que me foi dada através do ingresso nesse

curso, e o apoio institucional em todos os momentos necessários.

Aos ex professores da Graduação e Pós-Graduação da Unochapecó, especialmente

o professor Ricardo de Pellegrin, pelo apoio e encorajamento.

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RESUMO

ANATOMIA E BOTÂNICA: REFLEXÕES SUBJACENTES EM ARTE CONTEMPORÂNEA

AUTORA: Alessandra da Silva ORIENTADOR: Paulo César Ribeiro Gomes

A presente investigação em Poéticas Visuais, desenvolvida na Linha de Pesquisa Arte e Visualidade, tem como objetivo explorar as potencialidades poéticas do desenho de Anatomia e Botânica na arte contemporânea. Nesse contexto é feito um panorama histórico da representação naturalista, suas relações com a Anatomia e Botânica e suas contribuições para as poéticas visuais. Considerando que a produção em arte contemporânea está vinculada a uma prática teórico-reflexiva, essa abordagem se dá através de uma aproximação de questões históricas que dialogam com a produção. Durante o processo são analisadas obras de artistas contemporâneos que estabelecem relação com Anatomia e Botânica, alguns por apresentar esses elementos de forma isolada e outros por mesclar as duas abordagens. Utilizando a poiética na busca de construção dos significados da obra em seu processo, através da ação – reflexão – ação, os resultados apresentam um hibridismo entre anatomia humana e vegetal. Através de analogias das formas do corpo e determinadas espécies vegetais, essa visualidade das formas, que se materializa através do desenho, permite estabelecer reflexões sobre o conhecimento popular e o uso de plantas para as curas do corpo.

Palavras-chave: Arte Contemporânea. Arte e Visualidade. Poéticas. Anatomia e Botânica. Desenho.

34

ABSTRACT ANATOMY AND BOTANY: FUNDAMENTAL REFLECTIONS IN CONTEMPORARY

ART

AUTHOR: Alessandra da Silva ADVISOR: Paulo César Ribeiro Gomes

The present study in Visual Poetics, developed in the Line of Research Art and Visuality, aims to explore the poetic potentialities of Anatomy and Botany design in contemporary art. First, by the context, an overview is made of the trajectory of naturalistic representation, its relations with Anatomy and Botany and its contributions to visual poetics. In view of the production in contemporary art is entailed to a theoretical-reflexive practice, this approach comes through an approximation of historical issues that discourse with production. During the process are analyzed works of contemporary artists that establish relations with Anatomy and Botany, some to present these elements in isolation and others to mix the two approaches. Using poietics in the search for creation of the meanings of the work in its process, through “action - reflection – action”, the results present a hybridism between human and vegetal anatomy. Through analogies of body shapes and certain plant species, this visuality of shapes, which materializes through drawing, allows us to establish reflections on popular knowledge and the use of plants for the cure of the body.

Keywords: Contemporary Art. Art and Visuality. Poetic. Anatomy and Botany. Drawing.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Pesquisa de cores/pigmentos naturais por meio de fricção, 2011 ........ 24 FIGURA 2 – Natureza, cores, formas e texturas, Fotografia, 2014 ........................... 25 FIGURA 3 – Estudo de pitanga, aquarela sobre papel Canson, 2016 ...................... 26 FIGURA 4 – O que eu vejo, aquarela sobre papel Canson, 2016 ............................. 27 FIGURA 5 – O que trago em mim, aquarela sobre papel Canson, 2016 .................. 28 FIGURA 6 – Autorretrato I, aquarela sobre papel Canson, 2015 .............................. 29 FIGURA 7 – Giuseppe Arcimboldo, Vertumnus, 1590 .............................................. 30 FIGURA 8 – Autorretrato II, aquarela sobre papel Canson, 2016 ............................. 31 FIGURA 9 – Página em pergaminho do Aniciai Julianae Codex, 40 d.C .................. 34 FIGURA 10 – Parte do afresco de Acrotili, séc. 16 a.C ............................................. 35 FIGURA 11 – Detalhe - representação de pombas e flor de pêra ............................. 36 FIGURA 12 – Leonardo da Vinci, Lírio Branco, 1472 ................................................ 38 FIGURA 13 – Albrecht Dürer, Nossa Senhora com a Íris .......................................... 39 FIGURA 14 – Albrecht Dürer, Tufo de ervas ............................................................. 39 FIGURA 15 – Registros Expedição Botânica Real para o Novo Reino de Granada . 41 FIGURA 16 – Frans Post, Paisagem Brasileira, Museu do Louvre ........................... 43 FIGURA 17 – Albert Eckhout, Natureza Morta .......................................................... 43 FIGURA 18 – Nicolas Antoine Taunay, Cascatinha da Tijuca. 1816-1821 ................ 45 FIGURA 19 – Jean–Baptiste Debret, Femme Camacan Mongoy ............................. 46 FIGURA 20 – Plantas do Brasil, (Emissão 1834 - 1839) ........................................... 46 FIGURA 21 – Jean - Baptiste Debret, Retorno dos escravos de um naturalista, 1826 .................................................................................................... 47 FIGURA 22 – Moritz Rugendas, O desmatamento, 1835 ......................................... 48 FIGURA 23 – Friedrich Georg Weitsch, Retrato de Alexander Von Humboldt, 1826 .................................................................................................... 50 FIGURA 24 – Alexander Von Humboldt e Aimé Bonpland,Plantae Aequinoctiales, 1805 .................................................................................................... 51 FIGURA 25 – Herman Rudolph Wendroth, Prancha Botânica, 1852 ........................ 52 FIGURA 26 – Manuel de Araújo Porto Alegre, Floresta brasileira, 1856 ................... 53 FIGURA 27 – Miscelânea médica, Iluminura Anatômica de Veias, Inglaterra XIII .... 55 FIGURA 28 – Leonardo Da Vinci, Músculos do ombro, braço e ossos do pé. Desenho,1510 -1511 .......................................................................... 57 FIGURA 29 – Andreas Vesalius, De humanicorporis fabrica libriseptum,1543 ......... 58 FIGURA 30 – Daniel Rabel, Gravura de Narcisos, Página do Theatrum Florae ....... 64 FIGURA 31 – Leonardo da Vinci, Demonstração conjugada do sistema respiratório, vascular, e genito-urinário do corpo feminino, Desenho, 1510 ........... 65 FIGURA 32 – Leonardo da Vinci, Crânio humano seccionado, Windsor, Desenho, 1489 .................................................................................................... 67 FIGURA 33 – Diana Carneiro, Sophronitis coccínea, 1998 ....................................... 68 FIGURA 34 – Rembrandt, A Lição de Anatomia do Dr. Tulp, 1632 ........................... 71 FIGURA 35 – Aula pública de anatomia ICBS- UFRGS, 22 de maio de 2018 .......... 72 FIGURA 36 – Caderno de estudos, Desenho, 2018 ................................................. 73 FIGURA 37 – Juan Valverde de Amusco, Ilustração do livro - A história da composição do corpo humano. Roma, 1560 ...................................... 75 FIGURA 38 – Gunther Von Hagens, Corpo plastinado. 1994 ................................... 75 FIGURA 39 – Margaret Mee, “Clusiagrandiflora” ...................................................... 77 FIGURA 40 – Margaret Mee, “Strophocactuswittii” ................................................... 77 FIGURA 41 – Estudos de plantas, Aquarela sobre papel Canson, 2017 .................. 78

38

FIGURA 42 – Herman de Vries, Juniperus comunnis, 2014 ..................................... 82 FIGURA 43 – Mark Dion, Herbarium, 2012 .............................................................. 83 FIGURA 44 – Nunzio Paci, O crescimento lento da carne, Pintura, 2015 ................ 85 FIGURA 45 – Sérgio Allevato, Heliconia musculus, 2006 ........................................ 86 FIGURA 46 – Sérgio Allevato, Flora Carioca, 2011 .................................................. 86 FIGURA 47 – Walmor Corrêa, Série Super Heróis, 2005 ......................................... 87 FIGURA 48 – Juan Gatti, Colagens da série La piel que habito, 2011 ..................... 88 FIGURA 49 – Marco Mazzon, Hibiscus, Lápis de cor sobre papel, 2010 ................. 90 FIGURA 50 – Guto Nobrega, Ephemera, Vídeo e projeção, 2008 ........................... 91 FIGURA 51 – Yui Ishibashi, Kemono, Escultura, 59 x 42 x 38 cm ............................ 92 FIGURA 52 – Michael Reedy, Malum A, Técnica mista sobre papel ........................ 93 FIGURA 53 – A flor da pele, Aquarela sobre papel Canson, 2017 ........................... 97 FIGURA 54 – Aflorar, Aquarela sobre papel Canson, 2017...................................... 99 FIGURA 55 – Exemplo citado por Philip Hallawel .................................................. 100 FIGURA 56 – Estudos de composição, aquarela sobre papel Canson, 2017......... 101 FIGURA 57 – Livros de família ............................................................................... 103 FIGURA 58 – Caderno de Colagens, 2017 ............................................................. 104 FIGURA 59 – Desenhos com Colagens de Plantas, 2017...................................... 105 FIGURA 60 – Revigorar, Aquarela sobre papel Canson, 2018 ............................... 107 FIGURA 61 – Renascer,Aquarela sobre papel Canson2018 .................................. 108 FIGURA 62 – Desenvolvimento das obras Renascer e Revigorar, 2018 ............... 109 FIGURA 63 – Detalhes no desenvolvimento das obras, 2018 ................................ 110 FIGURA 64 – Fecundar, Desenho sobre papel Canson, 2018 ............................... 111 FIGURA 65 – Purificar, Desenho sobre papel Canson, 2018 ................................. 112 FIGURA 66 – Exposição Interações Arte e Ciência, Sala Cláudio Carriconde – Centro de Artes e Letras/UFSM, Santa Maria/RS, 2018 .................. 113 FIGURA 67 – Intervenção na Praça Emílio Zandavalli, Chapecó/SC, 2018 ........... 116 FIGURA 68 – Relógio do corpo humano, Atividade com alunos, 2016 .................. 117 FIGURA 69 – Pessoas observando a Intervenção, Chapecó/SC, 2018 ................. 118 FIGURA 70 – Escolha dos locais e inserção das placas, Chapecó/SC, 2018 ........ 119 FIGURA 71 – Envelopes com sementes, 2018 ...................................................... 119

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................... 21

1 CONFLUÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE ARTE E CIÊNCIA ..................... 23

1.1 PERCURSO POÉTICO ....................................................................................... 23

1.2 NATURALISMO CIENTÍFICO E ILUSTRAÇÃO BOTÂNICA NO CONTEXTO

DOS ARTISTAS VIAJANTES .............................................................................. 32

1.3 OS ARTISTAS E A ANATOMIA: PROCESSOS CRIATIVOS ENTRE ARTE E A

CIÊNCIA .............................................................................................................. 55

2 ENTRE A TÉCNICA, A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO DE SENTIDO ................. 61

2.1 A ARTE DAS IMAGENS NAS CIÊNCIAS NATURAIS ........................................ 61

2.2 REFLEXÕES ENTRE A TÉCNICA E A ESTÉTICA ............................................ 69

2.3 ARTE CONTEMPORÂNEA: CONFLUÊNCIAS COM O NATURALISMO CIENTÍFICO ........................................................................................................ 79

3 ANATOMIA E BOTÂNICA: UMA POÉTICA EM PROCESSO ........................... 95

3.1 A VIAGEM DA ARTISTA PELA FLORA INTERIOR ............................................ 95

3.2 O CORPO QUE HABITO .................................................................................. 114

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 121

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 123

000 0

40

21

INTRODUÇÃO

A pesquisa tem como tema explorar através de técnicas do desenho, as

possibilidades poéticas do naturalismo científico, a partir do hibridismo entre o corpo

e as plantas. Essa investigação parte de duas motivações que me acompanham há

algum tempo, seja no cotidiano ou nas investigações acadêmicas. Por um lado, o

interesse por técnicas de desenho as quais me dedico aprender e aprimorar no

decorrer dos anos, e por outro lado, uma preocupação em pensar as relações entre

arte, ciência e a produção de sentido através de representações do corpo em

interação com elementos da natureza. Nesse contexto surge o questionamento: como

potencializar as questões estéticas envolvendo o desenho científico como elemento

na produção em arte contemporânea? A partir dessa indagação estabeleço como

objetivo explorar através da expressão gráfica – desenho - as potencialidades

poéticas nas fronteiras e nas pontes entre a arte e ciência.

A temática é abordada do ponto de vista do artista, consistindo na investigação

da poética visual, a partir da produção artística e seu processo, assim como das

trajetórias pessoais, contextualização histórica e reflexão crítica. Considerando que

boa parte da produção em arte contemporânea está vinculada a uma prática teórico-

reflexiva que serve de suporte e apoio, fornecendo embasamento aos processos dos

artistas. O ponto de partida dessa investigação é a hipótese que, as relações entre

arte e ciência atravessam continentes e tempos, chegando até a contemporaneidade,

onde se fazem presentes na produção artística atual. Como suporte teórico, utilizo a

pesquisa bibliográfica e análise de imagens.

A revisão bibliográfica tem como base publicações, na área das artes visuais e

autores que referem sobre as origens do naturalismo científico e o legado dos artistas

naturalistas tais como: Gombrich (1995), Kemp (2005), Capra (2011), Zubaran (2003);

bem como, biografias que abordam questões técnicas inerentes à ilustração científica

citando os autores: Rix (2014), Carneiro (2011), Correia (2009). Tais referências

permitem estabelecer um percurso das relações entre arte e ciência, tendo como

elemento em comum a representação naturalista.

No Capítulo I, apresento um levantamento de trabalhos fundamentais na minha

trajetória artística que levaram a essa investigação, posteriormente ingresso no

contexto históricodo naturalismo científico e das relações entre arte e ciência. Nesse

22

percurso o desenho naturalista se destaca como elemento comum entre Anatomia e

Botânica, sendo fundamental para a documentação de espécies vegetais, para

estudos de anatomia humana, deixando importantes contribuições na história da arte.

No Capítulo II faço uma análise sobre as questões estéticas e técnicas

envolvendo o desenho de uso científico e como essa produção de imagem se

relaciona com as produções em arte contemporânea. Nesse texto discorro sobre as

principais técnicas, relacionados à ilustração de plantas, sendo que dentre elas se

destacam elementos como composição, enquadramento, harmonia, proporção,

equilíbrio garantindo um caráter estético que alia rigor e beleza para a motivação de

sentidos no observador. Alguns artistas contemporâneos trazem esses elementos no

desenvolvimento de suas poéticas. Dentre eles destacam-se: Herman de Vries

(Alkmaar – Holanda,1931), Mark Dion (Massachusetts – EUA, 1961), NunzioPaci

(Bologna –Itália, 1977), Sergio Alevatto (Rio de Janeiro –Brasil, 1971), Walmor Correa

(Florianópolis – Brasil, 1962), Juan Gatti (Argentina, 1950), Marco Mazzoni (Milão,

1982), Guto Nóbrega (Brasil, 1965), YuiIshibashi (Japão, 1985), Michael Reedy

(Estados Unidos, S/D).

O Capítulo III apresenta as fronteiras e [entre]cruzamentos da Anatomia e

Botânica a partir das reflexões sobre o processo poiético. Essas reflexões perpassam

questões simbólicas e propriedades curativas das plantas exploradas pelo homem.

Inicialmente as plantas aparecem nos desenhos em uma relação externa, constituindo

um emaranhado que envolve os corpos. No decorrer do processo as obras passam a

estabelecer analogia entre as similaridades formais da anatomia vegetal e humana.

Considerando que a arte contemporânea possibilita uma mescla entre o antigo

e o novo,as obras resultantes desses processos, integram produção artística e

reflexão teórica, carregando em si discursos e apontando questões relevantes,

diálogos e confrontos entre o “eu” e o mundo. Esses diálogos que a arte

contemporânea proporciona nos fazem refletir sobre as mudanças sociais e culturais

vivenciadas nos últimos séculos, onde torna-se cada vez mais comum a dilatação de

fronteiras e pontes entre as diversas áreas de conhecimento.

23

1 CONFLUÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE ARTE E CIÊNCIA

1.1 PERCURSO POÉTICO

Para dar clareza na construção do processo artístico, retomo algumas

lembranças pessoais que tiveram importância no desenvolvimento dessa pesquisa.

Dentre as questões que são fundamentais na trajetória artística originando essa

investigação, são relevantes as relações com plantas e com o desenho.

Durante minha infância acompanhava meus pais nos trabalhos da agricultura

onde costumava muitas vezes, como uma brincadeira, embrenhar-me nas matas

coletando plantas, que por vezes guardava no meio dos cadernos, outras macerava e

utilizava em desenhos como tentativa de representação da cor. As plantas sempre me

atraiam por suas formas, cores, texturas e aromas.

O desenho sempre foi muito presente através da observação da forma e da

tentativa de representação realista, por hora frustrada por falta de conhecimento

técnico, contudo, o exercício contínuo me levou ao desenvolvimento de alguma

habilidade.

Meu primeiro contato com o desenho científico se deu na adolescência quando

fui incentivada por minha irmã que me apresentou livros de ciências ricamente

ilustrados. Essas imagens me chamaram muito atenção, desde então, passei a

auxiliá-la reproduzindo os desenhos dos livros em maior escala para uso didático nas

suas aulas. O gosto e o contato com o desenho foram aumentando com o passar dos

anos me levando a cursar desenho na escola de artes e mais tarde a ingressar o

Curso de Artes Visuais Bacharelado na Unochapecó.

Outro momento importante foi o meu contato com a ilustração botânica, no ano

de 2010, ao comercializar algumas telas com representações de orquídeas conheci,

uma agrônoma a qual me apresentou os trabalhos de Margaret Mee (1909-1988) e

Dulce Nascimento (1958), através de uma série de revistas ricamente ilustradas,

desde então, passei a pesquisar sobre ilustradores e sobre ilustração botânica. Foi

um momento em que muitas coisas as quais já me relacionava começaram a fazer

sentido: o gosto pelo desenho, a arte de ilustrar a ciência, as minhas relações com as

plantas, com as cores e formas da natureza.

Durante a complementação do curso de Licenciatura em Artes Visuais pela

UNIASSELVI no ano de 2011, escolhi como tema de estágio A expressividade da arte

24

através das cores produzidas a partir de pigmentos naturais: pesquisa e

experimentação (Figura 1), visando promover uma reflexão sobre a presença das

cores a partir dos elementos da natureza. No desenvolvimento das aulas, foram

realizadas experimentação e descoberta de coresatravés de plantas, por meio de

fricção, produção de aquarelas com pigmentos naturais, para através destas, ilustrar

a natureza. Foi um trabalho muito gratificante, porém senti algumas lacunas nas

pesquisas referentes às relações entre arte, ciência e ilustração botânica.

Figura 1 – Pesquisa de cores/pigmentos naturais por meio de fricção, 2011.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2011).

Ao ingressar na Pós-Graduação em Ensino de Arte: Perspectivas

Contemporâneas na Unochapecó em 2015, nas aulas de Desenho na

Contemporaneidade, comecei a pesquisar artistas contemporâneos que trabalham

com desenho. Desde então os elementos de Anatomia e Botânica passaram a ser

tema de uma proposta poética, pautada em princípios naturalistas e sustentada pela

ressignificação de elementos da natureza.

25

A compreensão da representação de fragmentos da natureza como elementos

na produção poética inicialmente se deu a partir de um trabalho da disciplina de

Fotografia, onde retratei cores, formas e texturas a partir de elementos da natureza

(Figura 2).

Figura 2 – Natureza, cores, formas e texturas, Fotografia, 2014.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2014).

Após o desenvolvimento das fotografias, passei a estudar algumas dessas

formas através de técnicas de desenho em aquarela. A abordagem desses elementos

configura-se a partir de reflexões, sobre as relações que as pessoas estabeleceram

com as plantas no passado e como isso ocorre atualmente.

Na correria da vida moderna a maioria das pessoasnão contempla pequenos

espetáculos da natureza que ocorrem diariamente, através desse trabalho busco

despertar olhares, sensações, sentimentos e emoções que os elementos da natureza

nos causam através da poesia escondida em cada um. A percepção da natureza

enquanto recurso infinitamente explorável exige uma retomada de valores, atitudes e

26

novos conhecimentos. É preciso enfrentar a incerteza que vivemos para repensarmos

as relações entre o homem e a natureza.

Ao analisar esses fragmentos, primeiramente foram feitos estudos, em

formatos de ilustrações botânicas (Figura 3), de plantas que possuem relações com

vivências e experiências. Esses estudos formam uma espécie de resgate de

memórias. Algumas me agradam pela forma outras pelas cores, cheiros e sabores.

Na produção dos desenhos, foi explorada a técnica de aquarela, muito comum na

ilustração botânica, por possibilitar a representação de detalhes através da

transparência e da sobreposição de camadas.

Figura 3 – Estudo de pitanga, aquarela sobre papel Canson, 15 x 21 cm, 2016.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2016).

A partir desses elementos se deram as composições de autorretratos. Desde a

pré-história quando o homem deixou marcado nas paredes das cavernas suas mãos

em negativo, há uma busca pela auto representação, seja pelas formas tradicionais

da arte clássica, ou pela busca de novas mesclas e hibridizações, o artista imprime

seus anseios daquele momento, sem preocupar-se em agradar mais alguém, senão

27

a si mesmo. O autorretrato funciona como uma autobiografia uma visão do artista

sobre si próprio.

O primeiro trabalho da série de retratos intitulado O que eu vejo (2016) (Figura

4), apresenta meu olhar para esse mundo de cores e formas da natureza.

Figura 4 – O que eu vejo.Aquarela sobre papel Canson, 42 x 60 cm, 2016.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2016).

A percepção aguçada para cada detalhe está intrinsecamente relacionada ao

olhar, olhar atento me acompanha desde a infância. Pequenos detalhes e fragmentos

despertam minha atenção, revelam formas, texturas e cores variadas.

Para Leonardo da Vinci “O olho, do qual se diz a janela da alma”1 (in. Kemp,

2005, p. 50), reflete o que está lá fora, mas se constitui no interior, ou seja, é uma

fusão das visões interiores e exteriores. Nesse sentido ver e olhar caminham

paralelamente, embora o ato de ver esteja relacionado ao sentido físico da visão, algo

1 Leonardo Da Vinci - Nascido no vilarejo de Vinci, na região de Florença, Itália, em 15 de abril de 1452, foi pintor, desenhista, escultor, arquiteto, astrônomo, além de engenheiro de guerra e engenheiro hidráulico entre outros ofícios.

28

mais imediato, enquanto que, o ato de olhar é algo mais contemplativo, demorado,

suscita pensar, relacionar conhecimento, razão e a emoção.

O segundo trabalho da série de retratos se chama O que trago em mim (2016)

(Figura 5) trata-se de um retrato de minhas mãos, carregadas de plantas e uma

borboleta.

Figura 5 – O que trago em mim. Aquarela sobre papel Canson, 42 x 60 cm, 2016.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2016).

Esse trabalho traz a dualidade entre a exuberância e a decomposição, entre o

que se toca e o que se desfaz, abordando implicitamente o papel do naturalista como

um coletor que busca na natureza seus elementos de estudo.

Na arte, as mãos aparecem presentes como elemento simbólico desde a arte

primitiva, passando pela arte clássica chegando à arte contemporânea aonde ainda

levanta questionamentos. Trabalhar o aspecto poético das mãos aborda

implicitamente as sensibilidades táteis do ‘eu’ como sujeito do corpo e as impressões

sensíveis do contato com as coisas materiais.

29

Em Autorretrato I (2016) (Figura 6) o rosto é representado sendo tomado por

um emaranhado de plantas, no qual ora prevalece o escuro do esfumado, ora

prevalece o colorido da aquarela.

Figura 6 – Autorretrato I. Aquarela sobre papel Canson, 42 x 60 cm, 2015.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2015).

Na história da arte, a produção de autorretratos segue o desenvolvimento do

gênero retrato destacando-se na arte europeia, acompanhando os anseios da corte e

da burguesia de projetar suas imagens através dos retratos realizados sob

encomenda, assim, o retrato atravessou diferentes escolas, estilos e técnicas.

Ao buscar um recorte do gênero retrato em sua extensa produção na história

da arte, tomo como referência o trabalho representativo do artista Giuseppe

Arcimboldo2. A cidade de Milão, na Itália onde o artista viveu foi considerada o berço

2 A data do nascimento de Giuseppe Arcimboldo não é conhecida e muito pouco se sabe sobre sua infância também. No entanto, existem certas evidências da história, que sugerem que ele nasceu no ano de 1527 em Milão, na Itália.

30

do naturalismo, um modo de expressão artística baseada na observação direta

da natureza.

Figura 7– Giuseppe Arcimboldo, Vertumnus, retrata o Imperador Rudolfo II, Óleo sobre madeira, 70,5 x 57,5 cm, Skoklosters Slott, Balsta, Suécia, 1590.

Fonte: (Site Vírus da Arte & Cia3).

No gênero retrato constitui os rostos a partir de elementos da fauna e da flora,

como podemos observar na obra Vertumnus (Figura 7) (1590). Suas pinturas não

demonstram apenas uma fusão de arte e ciência, mas também proporcionam uma

enciclopédia de plantas e animais. Arcimboldo foi o artista da corte do imperador

Maximiliano II, em uma época de forte interesse pela exploração e estudos da

natureza, o imperador transformou sua corte num centro de estudo científico,

reunindo cientistas e filósofos de toda a Europa, criando um jardim botânico e um

parque zoológico. Ele teve acesso a essas vastas coleções sobre fauna e flora, suas

obras estão relacionadas a temas da natureza e mostraram sua habilidade e precisão

como ilustrador e seu conhecimento como naturalista.

3 Disponível em: <http://virusdaarte.net/giuseppe-arcimboldo-vertumnus/> Acesso em: 22 de dez. 2018.

31

Em Autorretrato II (2016) (Figura 8), as plantas prevalecem compondo

totalmente o retrato, representando, de modo simbólico, um pensamento que é

invadido por completo por esse desejo do olhar e do representar.

Figura 8 – Autorretrato II. Aquarela sobre papel Canson, 42 x 60 cm, 2016.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2016).

As memórias se evidenciam através dos fragmentos de plantas, cheios de

detalhes que compõem a visualidade dos retratos. As imagens resultantes desse

processo apresentam características distintas iniciando com estudos de elementos

botânicos isolados, posteriormente a sobreposição desses elementos sobre partes do

rosto e mão, finalizando com a estruturação do rosto com as plantas. Os desenhos

carregam em cada elemento detalhes que afloram das minhas percepções e relações

a Anatomia e Botânica.

32

1.2 NATURALISMO CIENTÍFICO E ILUSTRAÇÃO BOTÂNICA NO CONTEXTO DOS

ARTISTAS VIAJANTES

Ao propor uma reflexão sobre as fronteiras e pontes entre: arte, ciência e as

complexidades que as norteiam, parto do princípio de que o desejo de representação

de elementos da natureza acompanhou o homem no decorrer da história com funções

diferenciadas, mas em linha cronológica, observa-se um percurso evolutivo que

originou o que conhecemos hoje como Ilustração Científica.

O desenho é um das formas de expressão mais antiga que acompanha o

homem no decorrer da história, desde as suas primeiras manifestações na arte

rupestre, demonstra um forte potencial comunicativo. A partir da pré-história podemos

observar imagens de representações naturalistas, embora nesse período tais imagens

ainda não se configurem como algo científico. Segundo a ilustradora botânica e pesquisadora Diana Carneiro (2011),

entende-se por arte naturalista a representação dos elementos da natureza de

maneira que possam ser facilmente reconhecíveis, segundo ela o desenho naturalista

se manifesta com mais vigor em algumas épocas do que em outras, se fazendo

presente na arte rupestre e posteriormente entre egípcios, gregos e romanos.

Têm-se representações naturalistas na pré-história – como a arte rupestre – entre os egípcios e gregos, na antiguidade, poucas manifestações no período medieval e um afloramento no Renascimento, com a incorporação dos princípios estéticos desta escola. As marcas renascentistas da arte naturalista determinam outros movimentos subsequentes. (CARNEIRO, 2011, p. 27)

Ao analisarmos as relações entre arte e ciência percebemos em comum o

emprego de recursos das artes visuais na documentação e estudos de espécies

vegetais, animais ou a paisagem, assim como no campo das artes, artistas em

diferentes épocas e com diferentes olhares utilizaram-se de conhecimentos científicos

como base para em seus processos criativos.

Diana Carneiro (2011) aponta a ilustração botânica, como um dos segmentos

da vasta área de abrangência da Ilustração Científica dentro do contexto das Ciências

Naturais.

33

A ilustração botânica é apenas um dos segmentos da ilustração biológica, ao lado da ilustração zoológica, paleontológica e demais áreas de estudo das chamadas ciências naturais. Fazem parte ainda dessa área as ilustrações histológicas, moleculares, as descrições de ambientes, nichos ecológicos e comportamento animal. A ilustração médica se constitui área à parte, assim como as elaboradas para as Ciências da Terra (Geologia, Geografia, Cartografia) Astronomia e Antropologia. Todas elas juntas formam o que se denomina Ilustração Científica. (CARNEIRO, 2011, p.24)

A ilustração botânica se desenvolveu ao longo dos tempos, acompanhando a

evolução das civilizações. Tais representações relacionam-se ao uso de plantas em

diferentes culturas no decorrer da história. Ao buscarmos referências na história sobre

as relações entre a utilização de plantas pelas civilizações humanas supõe-se que

plantas tenham sido utilizadas desde os primórdios, essas atribuições têm como base

o conhecimento de tribos indígenas isoladas que ainda preservam a tradição e o uso

de princípios ativos de plantas.

Os primeiros textos médicos de que se tem conhecimento remetem ao Egito

Antigo, é possível que os egípcios utilizassem plantas na arte de embalsamar os

corpos, foram encontradas escritas em papiro com receitas de drogas à base de

plantas utilizadas na cura de enfermidades. Segundo Osmar Alves Lameira e José

Eduardo Brasil Pereira Pinto (2008) um desses papiros ficou conhecido como Papiro

de Ebers4 do egiptólogo alemão Georg Ebers, adquiro em 1827 de um cidadão árabe

que diz tê-lo achado na necrópole próxima e Tebas. Este é um dos tratados

médicos mais antigos e importantes que se conhece. Foi escrito no Antigo Egito e

datado de aproximadamente 1550 a.C. Acredita-se que o referido papiro, contendo

cerca de 800 receitas e referência a mais de 700 drogas, incluído absinto, hortelã,

mirra e mandrágora, tenha sido escrito no Século XVI a.C.

No Antigo Egito e em Roma, plantas aparecem representadas em murais com

finalidade decorativa e ornamental. As erupções vulcânicas e terremotos que

destruíram a civilização minóica na cidade de Creta, Acrotíri e Pompéia, preservaram

pinturas em afresco que nos permitem identificar plantas como o açafrão, usado como

aromatizante e corante, bem como: rosas, lírios, papoulas dentre outras. Martyn Rix

(2014) destaca que na China, existem vários registros de ervas medicinais usadas há

cerca de 4.500 anos. Lameira e Pinto (2008) afirmam que existem registros de que no

4 Atualmente o Papiro de Ebers está exposto na biblioteca da Universidade de Leipzig na Alemanha. Fonte: Santillana Richmond Disponível em: <http://www2.richmond.com.br>Acesso em: 16 de Nov. 2018.

34

ano de 1500 a. C., os chineses já possuíam listagem de drogas medicinais, o

imperador Cho-Chin-Kei, possuía a obra mais destacada da farmacologia da China

Antiga. Esses conhecimentos não se espalharam pelo oeste, fato que veio a

desenvolver estudos nessa área bem mais tarde.

Obras datadas do século I a.C. permitem cogitar que as origens do

desenvolvimento de estudos detalhados sobre as propriedades medicinais, com

desenhos e descrições, foram produzidas na Grécia, na Ásia Menor e na Babilônia,

resultando nos primeiros livros dessa área.

De acordo com Rix (2014) os primeiros livros de ilustração botânica retratavam

plantas medicinais, visando ajudar o leitor a identificá-las e a usá-las. O nome de um

dos mais famosos botânicos do século I a.C foi Cratevus, cujo trabalho foi base para

o livro Aniciai Julianae Codex (Figura 9).

Figura 9 – Página em pergaminho do Aniciai Juliana e Codex Escrito por Dioscórides

em Anazarbo, atual Cesareia, Turquia, por volta de 40 d.C.

Fonte: (RIX, 2014, p. 15).

35

Escrito por Dioscórides que nasceu em Anazarbo, atual Cesareia, na Turquia,

por volta de 40 d.C. Esse livro foi copiado inúmeras vezes. Sua versão mais conhecida

é a de Anicia Juliana, filha do imperador romano Olíbrio.

No Antigo Egito e em Roma, plantas aparecem representadas em murais com

finalidade decorativa. Como descreve Rix:

A representação das flores na arte tem uma longa história. A pintura das flores foi originalmente feita por dois motivos principais: decoração ou como um meio de identificação de plantas medicinais. As primeiras representações remanescentes de flores datam do final do período minóico, em Creta e na parte oriental do Mediterrâneo, por volta de 1700 anos atrás. E eram o produto de uma rica cultura de ricos palácios com lírios, açafrão e outras flores usadas para decorar vasos, caçarolas e maravilhosas paredes de quartos. (RIX, 2012, p. 10)

A mais espetacular de todas as pinturas de plantas está localizada no Museu

Nacional de Atena (Figura 10). Trata-se da parede de uma sala inteira com uma única

cena: grandes moitas de lírios com flores vermelhas emergem de uma rocha, em uma

paisagem desgastada pelo calcário e andorinhas dando mergulhos no ar.

Figura 10 – Parte do afresco que decora uma sala descoberta da Era do Bronze, Acrotili Ilha Grega de Santorini, séc. 16 a.C.

Fonte: (RIX, 2014, p.12).

36

No oriente é possível encontrarmos ilustrações de plantas produzidas no século

XIII, geralmente elaboradas sobre pergaminhos com temática de frutas, flores e

pássaros (Figura 11). Na China podemos destacar a existência de vários registros de

ervas medicinais usadas a cerca de 4.500 anos. Jà na europa, no século XV, a

ilustração de plantas faz-se presente em pinturas religiosas, sendo usado como

elementos decorativos e ou simbólicos.

Figura 11 – Detalhe - representação de pombas e flor de pera, tinta e lavagem de cor no papel, produzido na dinastia Yuan por Quian Xuan.

Fonte: (RIX, 2014, p. 10).

Por conseguinte, esses desenhos continuaram servindo como modelo durante

a Idade Média, período em que a ilustração botânica não demonstra evolução

significativa, sendo reproduzidos para a transmissão dos saberes nos mosteiros,

perdendo qualidade por falta de conhecimento e domínio técnico.

Mas foi nos séculos XVI e XVII que ocorreu um novo olhar para as relações

entre a arte e a ciência, marcando uma retomada nos estudos de observação da

natureza. De acordo com os estudos de Rix:

37

No início do século 16 e 17 o interesse se voltou para os livros sobre o crescimento das flores de decoração, conhecidos como florilégios. Imagens dos primeiros jardins de flores europeus também podem ser vistas em pinturas do século 15, mas normalmente carregam significado religioso: lírios, rosas, ísis e cravos são comumente mostrados. (RIX, 2012, p. 11)

Os fundamentos estéticos que norteiam a arte botânica estão embasados em

princípios do naturalismo científico, corrente surgida no Renascimento, tendo como

base o trabalho desenvolvido pelos artistas Leonardo da Vinci e Albrecht Dürer.

Como em inúmeros campos, Leonardo da Vinci (1452-1519) dedicou-se a

estudos científicos demonstrando conhecimento intelectual em muitas áreas.

Segundo Fritjof Capra (2011) o instrumento principal para a representação e análise

das formas da natureza era sua extraordinária facilidade para desenhar, que quase

se igualava a agudeza de sua visão. Observação e documentação se fundiam em um

único ato. Nesse contexto realizou inúmeros estudos de observação de rochas,

movimentos da água, crescimento de plantas, anatomia e movimentos do corpo.

Capra (2011) afirma que “o mundo representado por Leonardo, seja na sua

arte, seja na sua ciência é um mundo que evolui e flui” essa afirmação é baseada em

análises de anotações deixadas pelo artista. Sobre uma folha de desenho anatômico

ele anotou que as veias do corpo humano se comportam como laranjas, as quais

engrossam a casca e diminuem o miolo conforme envelhecem, essas comparações

entre formas orgânicas de espécies diferentes não são simples analogias, mas

demonstram que Leonardo Da Vinci foi um precursor dos estudos sobre tecidos vivos

que mais tarde puderam ser estudadas microscopicamente por outros cientistas para

a compreensão das estruturas celulares. Essa dupla função dos desenhos de

Leonardo, como arte e como instrumento de análise científica, nos fazem pensar que

sua arte não pode ser compreendida sem sua ciência, nem sua ciência sem sua arte.

Na botânica, Leonardo da Vinci realizou inúmeros estudos através da

observação sistemática de plantas, inicialmente realizava estudos de vegetação como

processo para a pintura, estando no âmbito das investigações visuais de forma, cor e

luz, porém tais experimentos adquirem mais tarde o rigor científico da ilustração

botânica.

Os manuscritos botânicos foram produzidos por Leonardo da Vinci a partir de

1500, quando ele tinha 50 anos, conforme expõe Capra:

A sua habilidade nos desenhos botânicos atingiu o ápice em torno de 1508-10, e só depois de 1510, com Leonardo já sexagenário, foi que seus

38

experimentos botânicos se tornaram pesquisas puramente científicas distintas das pinturas. (CAPRA, 2011, p. 19)

O estudo Lírio Branco (1472) (Figura 12) de Leonardo da Vinci é considerado

uma obra prima para a botânica, com a representação precisa dos seis estames do

lírio, o invólucro floral dividido em seis pétalas e a disposição das folhas no caule. Os

conhecimentos científicos de Leonardo não foram divulgados na sua época, seus

contemporâneos o consideravam um indivíduo estranho.

Figura 12 – Leonardo da Vinci, Lírio Branco, 1472, desenho, coleção Windsor, dimensões desconhecidas.

Fonte: (CAPRA, 2011, p. 67).

Segundo Gombrich os processos científicos desenvolvidos por Leonardo,

serviam como um meio de adquirir conhecimento necessário para sua arte.

Sobretudo é provável que o próprio Leonardo não alimentasse a ambição de ser considerado um cientista. A exploração da natureza era para ele, em primeiro lugar e acima de tudo, um meio de adquirir conhecimento sobre o

39

mundo visível – conhecimento de que necessitaria para a sua arte. (GOMBRICH, 1999, p. 294)

A obra científica de Leonardo permaneceu desconhecida ao longo de sua vida

e nos duzentos anos subsequentes à sua morte, suas descobertas pioneiras não

influenciaram diretamente a pesquisa científica dos próximos anos seguintes.

Contemporâneo de Da Vinci, Albrecht Dürer5 (1471-1528) foi outro artista de

grande destaque no campo da ilustração de plantas, ganhando notoriedade pelo alto

grau de fidelidade com que captou meticulosamente os detalhes de seus temas

vegetais. Dessa forma conferindo aos seus desenhos, pinturas e gravuras uma

sofisticada e mimética representação da realidade.

Figura 13 – Albrecht Dürer. Nossa Senhora com a Íris (1505) têmpera sobre painel, dimensões desconhecidas. Figura 14 – Albrecht Dürer. Tufo de ervas, 1503, Guache e aquarela sobre papel, 41,0 x 31,5 cm.

Fonte: (RIX, 2014, p. 22). (BÖING; RIBEIRO, 2014, p. XXII).

5 Nascido em Nuremberg, na Alemanha em 21 de maio de 1471, foi matemático, físico, botânico, zoólogo, desenhista e pintor.

40

Assim como Leonardo, seus estudos minuciosos das plantas serviram de base

para sua pintura. Comparando duas obras do artista Albrecht Dürer é possível

perceber como os estudos dos elementos da natureza influenciaram sua pintura. Nas

obras Nossa Senhora com a Íris (Figura 13) (1505), podemos identificar com precisão

detalhes de videiras, flores e ervas variada, semelhante as plantas representadas em

Tufo de Ervas (1503) (Figura 14) de Albrecht Dürer.

Os temas naturalistas despertaram-lhe tanto interesse que ele esforçou-se ao

máximo na execução de estudos de animais e plantas, sua grande maioria em

aquarelas, esses desenhos serviam de base para toda sua arte. Nesse sentido

Gombrich evidência que:

Dürer esforçou-se em atingir a perfeição em imitar a natureza, não só como um objetivo em si, mas como uma melhor maneira de apresentar uma visão convincente das histórias sagradas, as quais iriam ilustrar em suas pinturas, estampas e xilogravuras. (GOMBRICH, 1999, p. 345)

Embora inicialmente a representação de plantas apresente funções decorativas

e simbólicas, impulsionada pelo forte desejo de conhecimento científico em um

cenário de novas descobertas da biologia, da ciência e do domínio de técnicas de

impressão. A ilustração científica e botânica tomou um rumo próprio distanciando-se

da mera função decorativa.

Entre os séculos XVIII e XIX ocorre o período conhecido como “Era de ouro da

arte botânica”, quando artistas habilidosos cruzaram continentes, desenvolveram

belíssimos estudos de plantas. Em um momento em que a produção científica voltava

olhares para áreas da medicina e da agronomia, o trabalho de campo envolvendo

descrição anatômica e fisiológica desempenhava importante papel, muitas espécies

eram coletadas em organizadas nos jardins botânicos, transformando-se em

importantes materiais de pesquisa e experimentos. Assim os jardins botânicos

transformaram-se em locais para instruções de boticários, de médicos, de cirurgiões,

de agricultores e grupos de amadores interessados em desenvolver estudos de

História Natural.

O contexto latino americano despertava o interesse dos artistas da época pelo

cenário exótico tropical. Catlin, em um dos capítulos do livro Arte na América Latina

nos aponta as relações entre a arte, a ciência e a documentação de espécies do

continente europeu.

41

A realidade de um mundo que estava além dos horizontes europeus conhecidos foi gradativamente despertando a atenção das principais nações navegadoras e, depois no século XVIII, começou-se a buscar seriamente informações que fossem confiáveis, capazes de proporcionar a posse e o comércio das riquezas americanas. Aproveitando de maneira pragmática as oportunidades que agora entreviam, essas nações passaram a enviar expedições marítimas que combinavam a exploração geográfica com um trabalho cuidadosamente planejado por artistas a fim de que, com objetividade fossem registradas formas desconhecidas da vida vegetal, animal e humana. (CATLIN apud. ADES, 1997, p. 42 - 43)

No que se refere aos artistas viajantes e à ilustração botânica na América

Latina, Catlin (1997, p.43) destaca a Expedição Botânica Real para o Novo Reino de

Granada, dirigida pelo médico e botânico José Celestino Mutis, a expedição durou 33

anos e produziu mais de 5.330 estudos sobre espécies da flora do planalto

colombiano, como podemos observar na (Figura 15).

Figura 15 – Registros Expedição Botânica Real para o Novo Reino de Granada. Acervo Jardim Botânico Real de Madrid.

Fonte: (MUTIS, José Celestino, 1783/1791).

Foi a mais longa expedição dos organizados pela Coroa Espanhola durante os

séculos XVIII e XIX e veio fortalecer o desenvolvimento de uma geração de

naturalistas e botânicos. A expedição teve dois locais: entre 1783 e 1791 a base foi

localizada em Mariquita, perto de Real de Minas de Santa Ana, até que em 1792

mudou-se para Santa Fé, onde a morte de seu diretor em 1808. O trabalho

42

expedicionário continuou até 1816 e no ano seguinte os materiais da expedição foram

transferidos para a Espanha onde fazem parte do acervo do Jardim Botânico Real de

Madrid.

No Brasil várias expedições, realizaram registros e coletaram materiais que

foram à Europa para estudo, no entanto não houve uma preocupação inicial em formar

ilustradores brasileiros. Carneiro (2011), ao descrever a história da ilustração botânica

brasileira, pontua várias expedições realizadas na extensão territorial desde a época

da colonização até hoje, todas atraídas pela diversidade de seus inúmeros

ecossistemas. Essas descrições datam os primeiros registros produzidos ainda no

século XVI como a famosa Carta do Descobrimento, os relatos de padres jesuítas e

todas as obras seguintes, das inúmeras expedições europeias na saga da exploração.

Constam ainda obras pontuais, minuciosamente ilustradas ao longo de anos, tais

como História dos animais e árvores do Maranhão, que reúne os relatos do naturalista

Frei Cristóvão de Lisboa, o Libri Principis de autoria desconhecida e Desenhos de

história natural: zoologia e botânica do Brasil de Magalhães Bastos.

A atividade de registro iconográfico no Brasil tomou grande impulso e se

solidificou durante o governo do holandês Maurício de Nassau em meados do século

XVII. Segundo CARNEIRO (2011) o conde Nassau chegou ao Recife em 1637 e atraiu

para sua corte vários cientistas, em sua comitiva vieram também os pintores

holandeses Frans Post (1612-1680) (Figura 16) e Albert Eckhout (1610-1666) (Figura

17), dentre os empreendimentos de Nassau destacam-se a construção de dois jardins

um zoológico e um botânico, na realização desses projetos, foram realizadas

inúmeras excursões pelo estado para a coleta de diferentes espécimes.

43

Figura 16 – Frans Post, Paisagem Brasileira, data e dimensões desconhecidas, Museu do Louvre. Figura 17 – Albert Eckhout, Natureza Morta, óleo sobre tela 90X90 cm, s.d. Acervo National Musset Dinamarca.

Fonte: (PATERNOSTRO6, 2017); (RIBEIRO, 2014, p. XXV).

No século XVIII o trabalho de exploração do continente americano se

intensificou e várias comitivas de especialistas europeus percorreram as colônias

registrando aspectos da geografia, da cartografia e da história natural. No Brasil

podemos destacar como mais importante desse período o brasileiro Frei Vellozo7

nascido na Província de Minas Gerais passando a residir no Rio de Janeiro, foi

responsável pelo minucioso levantamento dos recursos naturais que resultou na obra

Flora Fluminense, publicada primeiramente em Portugal depois no Brasil.

Impulsionados pelo desenvolvimento do sistema de classificação binária

construída por Carlos Lineu8 no século XVIII. As normas de classificação

estabelecidas por Lineu estimulou a pesquisa e a classificação de espécies durante

os séculos seguintes.

6 Disponível em:<http://abca.art.br/httpdocs/frans-post-animais-do-brasil-reune-desenhos-ineditos-zuzana-paternostro/>Acesso em: 12 de nov. 2018. 7 Frei José Mariano da Conceição Vellozo (1741 – 1811) franciscano naturalista, considerado o Pai da Botânica Brasileira. (CARNEIRO, 2011, p. 39) 8 Carl Von Linné (1707-1778), médico e botânico sueco conhecido como o “Pai” da botânica moderna.

44

No final do século XVIII, cerca de vinte expedições foram despachadas pelas potências europeias rivais que, em nome do interesse nacional, haviam começado a encontrar na natureza -diretamente pesquisada- uma fonte de informações séria e, na modernização da produção e do comércio, o caminho mais seguro para o progresso material. (CATLIN apud. ADES, 1997, 45)

O século XIX é marcado por um espaço maior para as “nações amigas” e o Rio

de Janeiro torna-se rota de passagem de naturalistas, artistas e intelectuais. Nesse

cenário destacam-se três fatores importantes. O primeiro deles é a vinda da corte

portuguesa para o Brasil em 1808, abrindo espaço para a urbanização, modernização

das cidades e o crescimento cultural.

O segundo fator importante é a chegada da Missão Artística Francesa como

ficou conhecido o grupo de artistas franceses chefiados por Joaquim Lebreton que

chegou ao Rio de Janeiro em 1816, visando à documentação da paisagem do contexto

brasileiro, vindo a influenciar e estabelecer o ensino das artes plásticas no Brasil,

pautado em padrões acadêmicos europeus. Os pintores que integravam a Missão

Artística Francesa tinham como objetivo a representação fiel da realidade. Dentre eles

destacam-se Jean Baptiste Debret (1768 -1848) e Nicolas Antoine Taunay (1755-

1830).

O terceiro fator importante foi o casamento de Dom Pedro I com Maria

Leopoldina de Habsburgo, a austríaca chegou ao Brasil em 1817 e com ela cientistas,

botânicos e pintores, dentre eles destacam-se o pintor austríaco Thomas Ender (1793-

1875) e o alemão Philipp Von Martius (1794-1868).

Nesse cenário de descobertas podemos destacar o artista Nicolas Antoine

Taunay (1755-1830), que em sua obra Cascatinha da Tijuca (1818) (Figura 18),

retrata-se diante de um cavalete pintando a palmeira que está a sua frente. Essa obra

nos faz pensar, no processo de estudo que o artista, precisa para desfragmentar os

elementos da natureza para sua compreensão como um todo.

45

Figura 18 – Nicolas Antoine Taunay, Cascatinha da Tijuca, 1818. Óleo sobre tela, 51,5 x 36 cm Coleção Museu do I Reinado – Solar da Marquesa de Santos, Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

Fonte: (MARTINS, 2009, p. 138).

Outro artista que nos faz pensar fortemente as relações entre a arte e a ciência

é Jean Baptiste Debret (1768-1848), o artista da corte portuguesa que mais se dedicou

a pinturas de temas históricos, além de inúmeras representações da paisagem e

plantas brasileiras, foi fundador da Academia Imperial de Belas-Artes do Rio de

Janeiro.

Como podemos observar nas imagens Femme Camacan Mongoy e Plantas do

Brasil (Figuras 19 e 20), Debret usa elementos da ilustração botânica para representar

os rostos das etnias locais. Após viver durante 15 anos no Brasil, desenvolveu uma

intensa relação pessoal e emocional com o território brasileiro. Seu trabalho é

considerado de grande importância para o Brasil na medida em que se dedicou a

retratar o cotidiano e a sociedade do século XIX, especialmente no Rio de Janeiro.

46

Figura 19 – Jean – Baptiste Debret, Femme Camacan Mongoy, Impressão (Emissão 1834 - 1839).

Figura 20 – Jean – Baptiste Debret, Plantas do Brasil, Impressão (Emissão 1834 - 1839).

Fonte: (Brasiliana Iconográfica9).

Entre muitos temas tratados pelos artistas cronistas viajantes, durante o meio

século de atividade, de 1810 e 1860, em todas as partes da América Latina, “pelo

menos quatro categoria principais podem ser distinguidas: científica, ecológica,

topológica e social.” (CATLIN, 1997, p. 48)

Em sua obra intitulada Retorno dos escravos de um naturalista (1826) (Figura

21), Debret, além de retratar a figura do negro, deixa registrado de forma simbólica, a

participação de gente da terra no trabalho de campo desenvolvido por naturalistas

estrangeiros, e as valiosas contribuições de índios, escravos e outros residentes na

busca de espécies da fauna e da flora.

9 Disponível em: <https://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/rel_content_id/16705/p/10> Acesso em 20 de jan. 2019.

47

Figura 21 – Jean – Baptiste Debret, Retorno dos escravos de um naturalista, 1826. Aquarela sobre papel, prancha 19 de a Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil.

Fonte: (MARTINS, 2009, p.16).

Johann Motriz Rugendas (1802-1858), provavelmente, de todos, é o que

melhor exemplifica a tradição do cronista viajante nas partes da América Latina de

fala portuguesa e espanhola, durante a era pós-independência. Rugendas viajou mais

longe e por mais tempo do que qualquer um de seus contemporâneos.

Em sua primeira viagem ao Brasil que ocorreu de 1822 a 1825, Rugendas

produziu obras especialmente detalhistas e representativas, teve sua trajetória

artística marcada pela dicotomia entre as exigências de exatidão da ilustração técnica

e o gênio criativo do artista. Seus desenhos e pinturas posteriormente foram

publicados no álbum, Viagem pitoresca ao Brasil, em 1835.

Como era de se esperar no início o repertório dos trabalhos desses artistas

itinerantes, cujo propósito era documentar os fenômenos naturais, tanto na

prática como na teoria, foi construída por obras que seguiam padrões

predominantes nas academias de belas-artes europeias (...) as academias

europeias não treinavam seus artistas para trabalhar com modelos vivos,

para descobrir-lhes as características intrínsecas, mas com vistas a destilar

48

e purificar-lhes as formas em busca de um ideal. (CATLIN apud. ADES, 1997,

p.47)

No entanto ao entrar em contato com o novo cenário de exploração os artistas

viajantes não se ativeram apenas às representações descritivas, acabando por

envolver-se profundamente por questões de grandeza maior, passando a expressar

em suas obras questões e valores culturais e sociais até então desconhecido da

sociedade europeia.

Os artistas acostumados com os padrões acadêmicos da arte europeia, tiveram

dificuldade em representar a paisagem brasileira. A multiplicidade de elementos

dispares, árvores próximas e distantes, com diferentes tamanhos, impedem muitas

vezes, uma representação fiel.

Figura 22 – Johann Moritz Rugendas, O desmatamento, 1835. Litografia, 28,5cm x 21,5cm.

Fonte: (MARTINS, 2009, p.137).

Possivelmente a solução encontrada foi a representação de clareiras como se

pode observar na obra O desmatamento (1835) (Figura 22) de Johan Moritz

49

Rugendas. Tais imagens buscam valorizar os detalhes, representando melhor

homens, animais e plantas.

Essas representações registram uma natureza que atualmente já não pode

mais ser vislumbrada, adquirindo o caráter de documento. Ferrari ao pensar a

trajetória dos artistas viajantes, destaca as contradições as quais Rugendas teve que

enfrentar:

Artistas viajantes que vieram para o Brasil, como integrantes de missões científicas tiveram a experiência de olhar para as belezas naturais e pessoas que aqui viviam. Johann Moritz Rugendas (1802 -1858), por exemplo, enfrentou conflitos ente o registro fiel exigido pelo caráter da missão científica do barão de Langsdorff e seu desejo de criar as próprias interpretações a respeito daquilo que via. Rugendas esteve principalmente na região litorânea do Brasil e registrou uma Mata Atlântica que quase não existe mais. Suas imagens são percepções de um mundo quase desaparecido. (FERRARI, 2012, p. 143)

Ao retornar para a Europa, Rugendas entrou em contato com novas produções

artísticas, avaliou seus trabalhos produzidos e passou a explorar novos olhares

voltados para a parte social e cultural.

Rugendas abandona a descrição precisa de espécimes tipológicas (embora

sempre no contexto natural deles) como as que fizera no Brasil, deixa os

grandiosos e luxuriantes aspectos da natureza, para ir ao encontro dos

costumes e da gente nos assentamento humanos, mostrada contra um fundo

mais generalizado da natural grandeza onde o humano era mais enfatizado

que o monumental. (CATLIN apud. ADES, 1997, p. 50)

Ao analisarmos a trajetória dos artistas viajantes na Américado Sul é importante

ressaltar as contribuições de Alexander Von Humboldt (1769-1859) (Figura 23) um

artista, geógrafo,naturalista e explorador alemão oriundo de família nobre foi

considerado o naturalista de seu tempo, por apresentar uma nova visão da botânica

no início do século XIX, desenvolveu importantes estudos que influenciaram outros

autores e naturalistas.

Entre seus interesses, destacam-se os rios, montanhas, vulcões, vegetação,

coleta de espécies e dados sobre a atmosfera, correntes oceânicas e a avaliação das

condições gerais da sociedade. Os artistas que o sucederam passaram a representar

uma natureza em transformação.

50

Humboldt deixou importantes contribuições para a geografia moderna,

desenvolvendo estudos sobre o clima, relevo entre outros. E em sua viagem à América

do Sul entre 1799 e 1804, juntamente com médico e botânico francês Aimé Bonpland

(1773-1858), foi o primeiro artista a visitar Cuba, atravessar o centro e o norte dos

Andes e, em seguida, o México no intuito de estudar os aspectos físicos da terra.

Figura 23 – Friedrich Georg Weitsch, Retrato de Alexander Von Humboldt,1806, Óleo s. tela, 126 x 92,5 cm.

Fonte: (BÖING, 2014, p. XXVII).

O francês Aimé Bonpland, reconhecido por seus escritos e descrições de

plantas classificadas como “úteis”, dando ênfase as suas finalidades. Enquanto os

demais coletavam elementos que eram estudados posteriormente na Europa,

Bonpland se diferencia ao realizar estudos, enquanto residente estabelece viagens

por um longo período, observando mais detalhadamente, principalmente plantas e

suas utilidades, sendo responsável pela catalogação de diferentes espécies de erva-

mate, araucárias e plantas medicinais (Figura 24).

51

Figura 24 – Alexander Von Humboldt e Aimé Bonpland – Plantae Aequinoctiales, 1805, Placas gravadas, Paris.

Fonte: (Site TheSaleroom10) .

A convivência com colonizadores imigrantes e índios favorecia o

desenvolvimento de seus estudos, através da troca de informações com as pessoas

da região sobre as plantas. Mesmo que, ocupando-se com a comercialização,

Bonpland dedicava boa parte do seu tempo a estudos detalhados de espécies de

plantas e animais.

Em Porto Alegre Bonpland permaneceu três meses e quatro dias, como ele anotou em seu diário. Ao longo desse tempo ele visitou todo esse tipo de empreendimento, anotando detalhadamente os procedimentos envolvidos na fabricação de velas, de sabão, de queijos dos Alpes e, também, de cápsulas de copaíbas, cal, vinagre de vinho, lixívia, sabão medicinal etc. (AMARAL, 2003, p. 279)

10 Disponível em: <https://www.the-saleroom.com/en-us/auction-catalogues/bloomsbury-auctions/catalogue-id-blooms10056/lot-810d2c0f-fe4c-4a2b-bf55-a4aa01151718>Acesso em: 28 de jan. 2018.

52

No Rio Grande do Sul, um artista de deixou registrado seus estudos de botânica

foi Herman Rudolph Wendroth, um soldado mercenário alemão e artista-viajante

amador que registrou entre os anos de 1851 e 1852 cenários do Rio Grande do Sul,

mas não se tem registro sobre sua data de nascimento e morte. A obra de Rudolph

Wendroth permanece ignorada nos livros sobre a arte e a pintura brasileira no século

XIX, embora constitua uma coleção iconográfica de raro valor cultural e documental

sobre a paisagem natural e urbana e sobre os usos e costumes dos rio-grandenses

no século XIX, e sobretudo porque constitui-se num dos raros registros visuais do Rio

Grande do Sul da segunda metade do século XIX. (ZUBARAN, 2003, p. 2)

A pesquisadora Maria Angélica Zuraban (2003) tem analisado os trabalhos de

Wendroth. Segundo ela:

As representações de Wendroth sobre a flora Riograndense, frutas e flores, revelam-se claramente influenciados pela taxonomia do naturalista Lineu, onde cada planta é representada buscando a máxima fidelidade, como espécies vegetais produzidas para um catálogo científico. (ZUBARAN, 2003, p. 55)

Figura 25 – Herman Rudolph Wendroth, Prancha Botânica, 1852. Desenho. Dimensões desconhecidas.

Fonte: (ZUBARAN, 2003).

53

Zubaran cita ainda uma prancha botânica (1852) (Figura 25) produzida por

Wendroth, chegando a compará-lo aos princípios científicos e aos sistemas de

classificação de espécies desenvolvidos por Lineu, com estudos detalhados das

partes da planta caracterizando um estudo científico.

A primeira expedição científica brasileira foi realizada em 1859, denominada

Comissão Científica Exploratória das Províncias do Norte11. A expedição foi

patrocinada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ficando a ilustração

científica e paisagística a cargo de José dos Reis Carvalho (1800-1872) um cearense,

pintor, desenhista, aluno de Debret; e Francisco Freire Alemão (1797-1874), médico

naturalista e botânico brasileiro que dedicou sua vida ao estudo da história natural no

Brasil e atuou como um precursor da ecologia.

Figura 26 – Manuel de Araújo Porto Alegre, Floresta brasileira, 1856, Sépia sobre papel, 54,5 x 82 cm.

Fonte: (MARTINS, 2009, p. 43).

11 Disponível em: <http://www.crb8.org.br/as-aquarelas-botanicas-da-primeira-expedicao-cientifica-brasileira/> Acesso em: 28 de jan. 2018.

54

No que se refere à formação de artistas brasileiros se deu através da fundação

da Academia Imperial de Belas-Artes do Rio de Janeiro em 1826. Dentre estes

podemos destacar o artista Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879), um dos

primeiros alunos de Debret, dentre seus temas se destaca a paisagem como podemos

observar em Floresta brasileira (1856) (Figura 26). Entre suas diversas atividades

desempenhou um papel fundamental como professor e intelectual, na mobilização das

artes plásticas no Brasil do século XIX.

Essas representações a princípio marcadas pelo olhar europeu, contribuíram

para a difusão da imagem do continente americano. Os formatos portáteis dos estudos

permitiam que esses fossem deslocados, difundindo o conhecimento, construindo e

estabelecendo um elo visual entre o novo e o velho mundo. Catlin, em seus ensaios

nos faz pensar na forte influência que os princípios e valores da arte europeia tiveram

sobre o trabalho dos artistas viajantes que vieram para a América Latina.

Através dessas obras, podemos pontuar relações entre a arte e a ciência e

investigar, como se constroem o olhar científico do naturalista e o olhar artístico sobre

a paisagem e a cultura. Esse legado vai além dos conhecimentos científicos, pois

tomados de encantamento, os artistas envolveram-se tanto na catalogação e

divulgação de espécies, quanto na documentação de uma iconografia de caráter

histórico.

O uso da arte como meio facilitador das percepções do mundo visível e da

compreensão dos fenômenos da natureza desencadeou uma incessante busca por

informações específicas sobre as formas vistas na natureza das novas terras

descobertas. Essas representações entre outras, contribuem para afirmação cultural,

enfatizando além da riqueza da fauna e da flora já extinta, revelando costumes e

culturas.

Essa rica produção dos artistas viajantes possui além deseu valor artístico,

elementos descritivos que desperta a atenção de analistas de diversas áreas:

geógrafos, antropólogos, historiadores da arte e da cultura tornando-se importante

fonte de pesquisa documental.

De acordo com os essa análise evidenciamos que os viajantes naturalistas

tomados de encantamento pelo exótico, pela exuberância das formas e das cores

desenvolveram trabalhos diferenciados que deixaram evidente o verdadeiro fascínio

que o desconhecido exercia sobre eles. A arte, nesse sentido, encontra-se como um

55

meio o qual possibilita além do conhecimento e da informação da área científica, a

produção de imagens que são potentes metáforas, através das quais podemos pensar

a vida e as relações que permearam os olhares desses artistas.

1.3 OS ARTISTAS E A ANATOMIA: PROCESSOS CRIATIVOS ENTRE A ARTE E A

CIÊNCIA

A anatomia humana é um tema recorrente na história sua presença permeia o

campo da arte e da ciência, desde o início da medicina moderna, ilustrações médicas

de anatomia humana, sempre estiveram a serviço do ensino de medicina. Atualmente

alguns artistas estão trazendo a anatomia do universo médico para o espaço artístico,

esse movimento de ascensão da arte anatômica possibilita uma nova relação com o

público. Para analisar como os artistas atuais estão retomando o estudo da anatomia

em suas poéticas artísticas é importante compreender o quanto a arte influenciou a

anatomia no passado.

Figura 27 – Miscelânea médica, Iluminura Anatômica de Veias. Inglaterra XIII.

Fonte: (SOUZA e COSTA, 2004).

56

A figura humana se fazer presente desde as pinturas rupestres, no entanto,

os primeiros registros de ilustrações rudimentares já circulavam entre os meios

ainda mal estruturados da medicina, como por exemplo, a Iluminura Anatômica de

Veias (Figura 27) do século XIII.

Em termos de registros artísticos sobre estudos de anatomia humana temos

Leonardo da Vinci como a principal referência.

Leonardo Da Vinci é a primeira imagem que nos ocorre quando o assunto é Anatomia e Arte. No entanto, a história da Anatomia é bem mais antiga. A figura humana sempre figurou como a principal temática artística, desde as pinturas rupestres. Era tema exclusivo na arte grega, onde se chegou ao ápice da poiesis formal na antiguidade – retórica plástica com que se valeram seus artistas para retratar um corpo ainda “sagrado”. Na Grécia era a realidade de deuses antropomórficos o que se tratava de representar; estava em jogo a esfera sacra que se evidenciava por meio do corpo humano. Mas na Grécia, curiosamente, cadáveres não eram dissecados. (DIAS, 2018, p. 01).

Por motivos religiosos até então os estudos de anatomia eram realizados

apenas com a dissecação de corpos de animais, no entanto, os escritos medievais

inspiraram Leonardo Da Vinci em seus estudos. Leonardo ficou conhecido como o

artista que dissecava corpos, investigando os segredos internos do corpo. Seus

estudos científicos foram tão importantes quanto sua arte, suas descobertas sobre o

corpo humano, foram confirmado pela pesquisa médica no século XX.

Os textos medievais que conhecia, em particular o de Mondino de Luzzi - que lhe servia habitualmente como manual para dissecações ritualizadas num anfiteatro de anatomia – forneciam ilustrações básicas e algumas ilustrações rudimentares da forma e localização dos principais órgãos, mas nada havia de remotamente parecido com as convincentes imagens plásticas que Leonardo da Vinci iria proporcionar. Sua aspiração não era apenas nos transformar em testemunhas oculares do que podia ser visto na dissecação, mas também permitir que alcançássemos um conhecimento real das formas e funções maravilhosas do corpo, no todo e em suas partes. Com esse objetivo, ele mostrava os componentes do corpo não só de uma forma sólida (frequentemente dentro de contornos transparentes do corpo), mas também seccionados de várias maneiras, separados uns dos outros em diagramas “em parte”, as vezes em versões que permitiam “ver através”, e transformadas em diagramas lineares explanatórios de suas ações. Todas as técnicas da ilustração anatômica que seriam usadas nos manuais do século XIX foram antecipadamente testada por Leonardo da Vinci. (KEMP, 2005, p. 83-84).

Da Vinci preconizava a experiência direta e criou uma pintura tão informada

pelas ciências naturais que ela própria passava a ser uma ciência, modificando o

significado da pintura ao agregar os conhecimentos da filosofia natural. Com seus

57

estudos anatômicos, Da Vinci ultrapassou os conhecimentos dos artistas de sua

época, ao observar o interior do corpo humano, as características, músculos, órgãos

vitais, chegando a entender a lógicas dos movimentos do corpo humano.

Ao longo de 15 anos (de 1498 a 1513), Leonardo desenhou órgãos e elementos dos sistemas anatomofuncionais do corpo humano em um estudo que começou pela leitura das obras de autores da medicina pré-renascentista, como Galeno de Pérgamo (129-200), Mondino dei Luzzi (1270-1326) e Avicena (980-1037). Ele também participou de dissecações do corpo humano e de diversos animais. Porém, jamais terminou e publicou a obra que, segundo pesquisadores, poderia ter revolucionado a medicina mais de 20 anos antes que o belga Andreas Vesalius, considerado o “Pai da Anatomia”, publicasse seu livro “De Humani Corporis Fabrica”, em 1543, obra que marca a fase inicial dos estudos modernos sobre anatomia. (SILVA, 2013, p. 4).

Figura 28 – Leonardo Da Vinci. Músculos do ombro e braço e ossos do pé. Desenho, 1510 - 1511.

Fonte: (DIAZ, 2016).

Seus escritos (Figura 28) revelam todo seu conhecimento sobre as estruturas

anatômicas de ossos e músculos dos ombros, braços, mão e pés demonstrando uma

58

compreensão mecânica dos mecanismos da musculatura e tendões. Essa

compreensão é fundamental conferindo a sua pintura uma representação precisa de

proporção e volume.

Nos séculos XV e XVII, podemos citar outros artistas que estudaram

anatomia como Albert Dürer (1471- 1528) e Michelangelo Buonarotti (1475 -1564).

Albert Dürer criou um tratado sobre as proporções do corpo humano que foi

publicado após sua morte, no entanto, sua preocupação pela anatomia humana

era mais por questões estéticas. Já Michelangelo Buonarotti, passou pelo menos

vinte e quatro anos, adquirindo conhecimentos anatômicos através das

dissecações que praticava no convento de Santo Espírito na Florença.

Um artista que desenvolveu representações gráficas que fizeram parte de

grandes tratados de anatomia foi Andeas Vesalius (1514 - 1564).

Figura 29 – Andreas Vesalius, De humani corporis fabrica libriseptum, (Cópia), 1543.

Fonte: (The New York Academy of Medicine12).

12 Disponível em: <https://nyamcenterforhistory.org/tag/andreas-vesalius/>Acesso em: 28 de Nov. 2018.

59

Em suas representações desenhou cadáveres dissecados como se

estivessem vivos, no entanto, parecem claramente mortos e despidos da sua pele

(Figura 29) ou apresentando partes do corpo como se fossem naturezas mortas.

A adição de cores trouxe mais profundidade e claridade à anatomia. No início

do século XX, o equilíbrio entre ciência e arte foi alcançado com o surgimento de

ilustradores médicos que criaram uma representação universal da anatomia que

parece mais livre das influências da cultura artística, mais focada em regras com o

intuito debeneficiar o ensino da medicina e precisão do entendimento.

O filósofo e historiador da ciência Thomas Kuhn (1969), escreveu um ensaio

chamado “Comentários sobre a relação entre ciência e arte” traçando alguns

paralelos entre o trabalho do artista e do cientista. Para Kuhn, tanto o artista quanto o

cientista produzem bens que serão utilizados pelo público, e ambos usam a própria

percepção do mundo para guiar o seu trabalho, sendo que a diferença entre eles é

que, se para o cientista a estética é um instrumento para a resolução de problemas

técnicos (como o uso de imagens para estudo das partículas, por exemplo) para o

artista a estética é o objetivo final de seu trabalho.

60

61

2 ENTRE A TÉCNICA, A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO DE SENTIDO

2.1 A ARTE DAS IMAGENS NAS CIÊNCIAS NATURAIS

Assim como a arte passou por inúmeras transformações, libertando-se da

função representativa, abrindo espaço para a reflexão a ilustração naturalista também

agregou novos materiais, mas sem perder nunca a função de representar uma

realidade. No decorrer da história a ilustração sofreu influências estilísticas

modificando alguns aspectos de sua representação, mas os aspectos mais técnicos e

convencionais continuam sendo usados até hoje.

James Roberto Silva (2014) fala sobre os incrementos científicos, técnicos e

tecnológicos do século XIX, o autor cita a fotografia como uma das novas

especialidades científicas, um dispositivo de apreensão e de representação da

realidade objetiva, regido pela racionalidade técnica.

A imagem mecanicamente produzida, proporcionada pelo aparato fotográfico, chegava para abalar os modos de representação e de observação então em vigor: moderadamente, no meio artístico, mas com intensidade no campo científico. De um lado, a fotografia incitava a busca de novas perspectivas para a expressão subjetiva e, de outro, remodelava os conceitos de objetividade e fidelidade tão caros à démarche positivista das ciências. (SILVA, 2014, p. 344)

Com achegada da fotografia surgiram questionamentos sobre o uso da

ilustração manual, mas logo se percebeu que a fotografia não substitui à precisão de

detalhes de certas ilustrações.

O fenômeno que se verifica, de aproximação entre as noções de ‘ver’ e ‘conhecer’, também participa do processo de incorporação da fotografia pelas práticas científicas em geral, no seio das quais assimilou-se, sem muita resistência, a convicção de que a fotografia constituía ferramenta técnica ideal, superior ao desenho e à pintura para representar a aparência das células, das estrelas, das espécies botânicas, dos cadáveres humanos (O’Connor, 1999, p. 232). Apesar desse pronto reconhecimento, a “crença nas virtudes científicas da fotografia” (Fabris, 2006, p. 162) não significou, é bom lembrar, que a nova técnica tenha substituído por completo a ilustração feita pela mão do artista, da qual se faz uso mesmo nos dias atuais. (SILVA, 2014, p. 344)

A tecnologia contribuiu com melhoria nos equipamentos microscópicos,

permitiu uma visualização mais detalhada, o uso de programas de computação,

62

aliando ao uso da internet contribui para a divulgação de novas imagens, bem como

a digitalização de imagens antigas.

Desenhar uma imagem científica não é o resultado de um ímpeto simples riscar de uma ideia espontânea. Representar a Ciência implica um estudo, uma pesquisa em sequencial do método científico (que constitui a coluna vertebral da imagem), mas adornando-a com o sabor e o saber da Estética. O fundamento Científico é assim revestido pelo subjetivo do Belo e a ilustração científica traduz a arte de criar o “veículo” visual ideal para transmitir o Saber pré-existente ou nascido da novidade experimental, diluindo barreiras e obstáculos à passagem do Conhecimento pelos vários estratos/sectores populacionais a que se destina — é pois uma forma de arte dirigida. (CORREIA, 2009, p. 226)

A imagem científica implica estudo, e pesquisa sequencial a partir de um

método científico, porém adornando com o saber da Estética. A representação

científica passa pelo subjetivo do Belo, traduzido na arte de criar um veículo visual

ideal para transmitir um saber pré-existente, através de imagens operativas

portadoras de conhecimento.

Ilustração científica é, por definição, um desenho preciso. Ela objetiva informar de forma completa e precisa o assunto que representa a ponto daquele que a estuda se tornar consciente e esclarecido, como se ele mesmo o tivesse visto (WOOD, 1994). A ilustração científica intenciona apresentar estruturas em aparência e organização, de forma que sejam similares ao referente e assim se tornarem compreensíveis entre aqueles que as assistem, para que sejam documentos que possam ensinar, informar, descrever e comunicar (SILVA, 2009). (TROTTA, 2017, p. 21)

Ao analisarmos a questão da ilustração científica na atualidade, percebe-se que

ela é um veículo de comunicação presente nos mais diversos campos, possibilitando

não apenas apoio as publicações científicas, mas apresentando-se também como

meio de sensibilizar e despertar olhares. De modo geral, o desenvolvimento dos meios

de comunicação, além de apresentar novos recursos para a representação,

possibilitou a popularização das imagens.

Na passagem do século XIX para o século XX, as imagens do mundo natural, sobretudo botânico, passam a ser incorporadas também ao design e estampas decorativas de movimento como o Art Nouveau e o Jugendstil, que pregam uma volta a natureza num momento já bastante dominado pelas máquinas oriundas da revolução industrial. As imagens de plantas e animais produzidas pelos artistas destes movimentos, entretanto, nem sempre seguem à risca a objetividade da representação científica, mas muitas vezes apresentam estilizações e distorções. (FORTES, 2014, p. 81)

63

Podemos caracterizar a ilustração científica como um estágio intermédio entre

o ato de “conhecer” obrigatoriamente (interiorização) e o poder dar a “conhecer”

(exteriorização), nesse sentido,podemos destacar a importância da observação direta

dos espécimes representados.

No decorrer da história ocorreram algumas falhas nas representações

naturalistas como é o caso da famosa ilustração de um rinoceronte feita por Albrecht

Dürer por volta de 1515. A ilustração foi feita a partir de uma carta descritiva e um

esboço sem, no entanto, representar um rinoceronte real tal imagem circulou por mais

de dois séculos no meio científico influenciando outros. Esse fato salienta a

importância do papel do ilustrador naturalista enquanto observador, bem como nos

faz pensar na imprecisão da ilustração feita sem a observação direta.

Atualmente o desenho de caráter naturalista se faz presente principalmente na

ilustração botânica, ilustração zoológica, lustração paleontológica, ilustração

arqueológica, ilustração geológica e ilustração médica.

A ilustração científica pode esclarecer várias profundidades focais e camadas sobrepostas, enfatizar detalhes importantes e reconstruir espécimes no papel, resultados inatingíveis por meio da fotografia. Estrutura e detalhes podem ser representados com desenhos em corte, transparências e diagramas expandidos [...] o ilustrador científico desenha apenas aquilo que é necessário. Ele pode omitir, enfatizar e selecionar as partes importantes, esclarecendo detalhes. Ele pode simplificar ou resumir a essência de um assunto e pode mostrar o que está por baixo ou no interior dele. Ele pode idealizar, ignorando variações nos espécimes, como também recriar a vitalidade de um espécime morto. (TROTTA, 2017, p. 38)

Atualmente a arte de ilustrar ciência vive um dilema para ilustrar o natural, a

realidade que se pretende explicar, se recorre a uma criação artificial que sintetiza

características do real para convencer o receptor de que se encontra frente à verdade.

Os aspectos descritivos da ilustração botânica podem ser observados tendo

como base os estudos de Rix:

Wilfrid Blunt, o principal crítico de ilustração botânica, escreveu que para os artistas botânicos existe sempre um conflito entre a arte e a ciência: o quanto um espécime deve ser manipulado ou “melhorado a serviço da arte sem comprometer a exatidão e a ciência. Para alcançar um equilíbrio, o artista também deve estudar ou ter conhecimento suficiente da planta para saber quais características são típicas da espécie e quais são únicas do espécime a ser pintado. Uma verdadeira ilustração botânica científica não deve apenas representar o modelo, mas também a espécie como um todo. (RIX, 2012, p. 240)

64

No livro Theatrum Florae, de Daniel Rabel (1578-1670) (Figura 30), ele retrata

uma variedade de narcisos. O desenho em gravura permite-nos identificar diferenças

entre as variedades da espécie.

Figura 30 – Daniel Rabel, Gravura de Narcisos, Página do Theatrum Florae, 1622.

Fonte: (RIX, 2014, p. 35).

Hoje em dia a ilustração científica tem seu espaço reconhecido como disciplina

curricular dentro das universidades ou em institutos de pesquisa, como atividades

livres ligadas as artes naturalistas.

A anatomia humana é um dos tipos de ilustração científica e tem como foco

principal os estudos que a medicina se utiliza para documentar, estudar e investigar.

Ao investigar as relações entre a anatomia médica e arte, Tatiane de Trotta enfatiza a

proximidade dessas áreas, através do recurso do desenho e da pintura na descrição

do corpo humano.

65

A habilidade em representar a anatomia humana se mostrou mais que uma necessidade, como também uma prerrogativa para estudo e avanços no exercício da medicina, pois ela é uma disciplina complexa e a ilustração tem a função de ajudar na cognição, sendo mais eficiente que o texto em conteúdos complexos. (TROTTA, 2017, p. 40).

Dentre dos estudiosos de anatomia Trotta (2017) destaca Leonardo Da Vinci,

como um dos primeiros artistas a receber permissão para dissecar cadáveres

humanos em Hospitais de Florença, Milão e Roma. Entre 1510 e 1511, o médico e

anatomista Marcantonio Della Torre, colaborou em seus estudos e juntos elaboraram

um trabalho teórico sobre a anatomia (Figura 31), em que Leonardo fez mais de 200

desenhos, trabalho publicado apenas em 1680 (161 anos após sua morte).

Figura 31 – Leonardo da Vinci, Demonstração conjugada do sistema respiratório, vascular, e genito-urinário do corpo feminino. Desenho, 1510.

Fonte: (KEMP, 2005, s.p.).

Da Vinci ganhou fama como artista que dissecava desvendando os segredos

internos do corpo. Kemp (2005) ressalta que os escritos anatômicos deixados por ele

66

contam uma história um pouco diferente e provavelmente por imposições religiosas

se tem registro de apenas uma única dissecação abrangente e bem documentada

feita em um cadáver humano completo, os demais estudos são feitos de partes

específicas, e dissecações de animais.

Os detalhes de cortes e os ângulos dos desenhos impressionam pelo

realismo a influência da geometria e dos conhecimentos matemáticos,

influenciou fortemente sua compreensão a respeito pela proporcionalidade que

existe no corpo humano.

Martin Kemp (2005) destaca que a única forma de conhecimento válido para

Leonardo da Vinci, era olhar para as coisas reais e os fenômenos. Nesse sentido a

concepção de Leonardo era que o ato de ver abrangia os dois sentidos do verbo, que

são “olhar para” e “compreender”. Ao analisar os sentidos, Leonardo destaca o olho

como o instrumento maior.

O olho, do qual se diz ser a janela da alma, é um meio pelo qual o sensus communis [centro coordenador das impressões sensoriais] do cérebro pode contemplar na maior plenitude e magnificência o trabalho infinito da natureza, e o ouvido é o segundo, tendo adquirido nobreza pela narração daquilo que o olho viu. Agora, você não vê que o olho abraça a beleza do mundo? O olho comanda a astronomia; ele faz a cosmografia; ele guia e corrige todas as artes humanas; conduz o homem a várias regiões do mundo; é o príncipe da matemática; suas ciências são as mais corretas; ele mede a distância e o tamanho das estrelas; desvenda os elementos e suas distribuições; faz previsões de eventos futuros pelo curso das estrelas; gera a arquitetura, a perspectiva e a pintura divina. [...] E triunfa sobre a natureza, pois as partes constituintes da natureza são finitas, mas os trabalhos que o olho determina as mãos são infinitos, como o pintor demonstra ao apresentar um sem número de forma de animais, plantas árvores e lugares. (DA VINCI (apud) KEMP, 2005, p. 50)

Leonardo Da Vinci desenvolveu estudos sobre o cérebro e o seu sistema

sensorial. A mais antiga dessas suas explorações anatômicas que se conhece é

datada de 1489 (Figura 32) e consiste na representação de um crânio inteiro e uma

série de desenhos das faculdades mentais e como acreditava que operassem, uma

confirmação fisiológica do trajeto da informação, da natureza até o cérebro, situando

o nervo óptico em uma situação privilegiada de via de comunicação.

67

Figura 32 – Leonardo da Vinci, Crânio humano seccionado. Windsor, Desenho, 1489.

Fonte: (KEMP, 2005, p. 53).

Durante a Idade Média copistas associavam plantas a formas humanas,

embora essas representações não se caracterizem como ilustrações naturalistas,

estas imagens povoaram os mitos e lendas populares, apresentando-se como um elo

entre a temática abordada.

A ilustração botânica é uma dos segmentos da ilustração científica, voltada ao

registro de espécies vegetais. Muitas vezes é usada a expressão “arte botânica” pelo

preciosismo técnico com que são feitas acabam fazendo parte de acervos artísticos.

Inicialmente esse trabalho contava com técnicas de gravura elaboradas a partir de

ilustrações.

Hoje em dia, as técnicas usadas em tais representações são as mais variadas

e vão desde as tradicionais, até as mais modernas.Um procedimento também utilizado

atualmente é a ilustração digital que traz a vantagem da redução de tempo de

execução, porém exige perfeito domínio técnico da computação gráfica e frequente

68

atualização na área. Alguns ilustradores aliam as técnicas convencionais da ilustração

com a computação gráfica, seja para arte finalizar um desenho iniciado manualmente,

ou em um processo inverso um desenho projetado no computador pode ser finalizado

manualmente.

A ilustradora Diana Carneiro (2011) que tem atuado na área e destaca as

principais técnicas usadas atualmente:

Dependendo da sua finalidade a ilustração pode ser feita, basicamente, de três formas: utilizando somente o desenho (a lápis), o desenho finalizado a nanquim (bico-de-pena) ou a pintura geralmente aquarela. Nos dois primeiros casos, emmonocromia, usando a grafite (lápis) ou a pena e tinta, os elementos básicos do desenho -ponto e linha- são utilizados em todas as modalidades de registro, resolvendo formas, volumes e texturas. Já a pintura traz a vantagem da definição cromática do vegetal e de suas peças, como flores e frutos, facilitando enormemente o processo de reconhecimento do mesmo. (CARNEIRO, 2011, p. 24)

No caso de ilustrações botânicas no meio científico, levam o nome científico

em latim, escrito abaixo ou ao lado das imagenscomo podemos observar na (Figura

33).

Figura 33 – Diana Carneiro, Sophronitis coccínea, 1998.

Fonte: (CARNEIRO, 2011).

69

Além do uso em trabalhos técnicos de botânica, por apresentar um apelo

estético forte, as ilustrações botânicas estão cada vez mais populares nas produções

gráficas em calendários, gravuras decorativas, tecelagens e até mesmo em cerâmicas

e louças para cozinha. É comum os ilustradores e botânicos transitarem livremente

entre ilustrações puramente científicas e ilustrações para as mais diversas finalidades.

Sempre prezando por representar as características descritivas, fiéis às formas e às

cores reais, de forma que as plantas sejam facilmente reconhecidas.

Levando em conta a vulnerabilidade em que se encontra o planeta, e a

variedade de espécies ainda desconhecidas pela ciência, a ilustração botânica é

atualmente um campo em exploração, tendo ganhado bastante espaço recentemente,

através da realização de novos estudos e pesquisas, visando ampliar seu uso em

diferentes áreas de conhecimentos. Diversas exposições, organizadas em todo o

mundo possibilitam aos artistas botânicos exibir suas pinturas, compartilhando

conhecimentos e divulgando seus trabalhos, especialmente para colecionadores.

Com essa perspectiva Martyn Rix (2014) acredita que ainda possa haver uma

segunda era de ouro da ilustração botânica, onde os trabalhos dos ilustradores

encontrem demanda, através da publicação de livros de baixo custo com técnicas de

reprodução eletrônica precisas.

2.2 REFLEXÕES ENTRE A TÉCNICA E A ESTÉTICA

A partir das análises anteriores percebe-se que a produção de imagens

relacionadas a anatomia e a botânica permeiam dois campos próximos, porém

bastante distintos, carregando em suas vertentes as bases do naturalismo científico.

Compreender as questões técnicas e estéticas, que envolvem tal produção é

fundamental para potencializar o discurso sobre as relações entre anatomia e botânica

na produção visual contemporânea refletindo questões estéticas e formais que tais

imagens suscitam.

Ao analisarmos o uso de desenhos manuais pela ciência como forma de

estruturação e divulgação do conhecimento, percebemos o emprego de recursos das

artes visuais nas ciências naturais para a documentação de estudos científicos.

Segundo Fernando Correia (2011), a imagem científica desempenha uma relação

mimética com o real tornando-se um signo que ao ser observado remete ao referente

representado. No entanto, por ser pautada em valores estéticos a ilustração científica

70

pode nos remeter de forma metafórica a um conjunto de outras imagens que

guardamos na nossa memória individual e coletiva, um mundo infinitamente mais

vasto do que aquilo que nela está representado.

Sobre as representações de anatomia Trotta, aponta seu espaço dentro da área

da medicina:

A representação da anatomia humana está dentro do escopo de estudos médicos e utiliza imagens ilustradas, sejam elas impressas ou digitais, para documentar, estudar e investigar a medicina. [...] Toda representação ou tentativa de modelar algum aspecto do mundo em termos visuais, inevitavelmente tem seu próprio estilo, na medida em que tem uma “aura” visual que permite reconhecer suas origens. (TROTTA, 2017, p. 40)

O estudo a partir de dissecação de cadáveres, realizado há séculos para

compreensão profunda do corpo humano, tem efeito de despertar o interesse pela

figura humana, tema tão abordado nas Artes Visuais.

No decorrer da história o estudo de anatomia foi uma prática comum para

os artistas. O domínio da anatomia tornou-se importante para a reprodução de

modelos humanos ou animais, através do desenho ou da escultura, seja através de

técnicas tradicionais ou atualmente as digitais.

Uma obra que tem transitado entre os campos da ciência e da arte é A Lição

de Anatomia do Dr. Tulp (1632) (Figura 34) do pintor Rembrandt. A pintura do período

Barroco, retrata uma aula de anatomia do Dr. NicolaesTulp, no momento em que

ocorre a dissecação da mão esquerda de Aris Kindt, um marginal que havia sido

condenado à morte por assalto. A obra apresenta com destaque a figura do médico

ao centro, o único a usar chapéu, talvez um ícone para realçar sua posição diante dos

assistentes que acompanham o processo, enquanto analisam um livro. Representa o

desejo do homem e sua inquietação por fazer descobertas sobre o funcionamento do

corpo humano, seu comportamento, suas verdades, como também a valorização dos

estudos anteriores publicados por outros anatomistas.

71

Figura 34 – Rembrandt, A Lição de Anatomia do Dr. Tulp. Óleo sobre tela, 169,5 x 216,5 cm, 1962, Haia, Holanda.

Fonte: (Museu Mauritshuis13, 2018).

A dissecação permite dar visibilidade aos órgãos internos do corpo em suas

inter-relações. O conhecimento sobre proporção da estruturas óssea, tendões,

ligamentos, músculos, gordura e de como esses elementos se sobrepõe, cooperando

para compreensão das nuances externas do corpo. Ao considerar que a

representação correta dos volumes do corpo em um desenho, depende em boa

medida do conhecimento anatômico, muitos artistas se dedicam aos estudos de

anatomia e dissecação de cadáveres em parceria com laboratórios de medicina.

Atualmente algumas universidades, abrem espaço em seus laboratórios de

anatomia para estudos em parceria com artistas. Pensando na aproximação das

questões entre anatomia e botânica na produção visual, participei de uma Aula de

Anatomia Artística com Cadáveres14 ministrada pelo professor e artista Gustavo

13https://www.mauritshuis.nl 14 Nesta aula de Anatomia Artística, foram estudados os músculos de superfície e ossos constituintes do esqueleto, bem como suas principais articulações. Sempre relacionando com as questões históricas sobre os estudos de anatomia e suas contribuições na arte contemporânea.

72

Diaz no laboratório do ICBS (Instituto de Ciências Básicas da Saúde) da UFRGS

no dia 22 de maio de 2018 (Figura 35).

A obra A Lição de Anatomia do Dr. Tulp (1632) (Figura 34) e a fotografia da

Aula de Anatomia Artística com Cadáveres (Figura 35) trazem em comum o olhar

atento dos estudantes para o professor, além da imagem do corpo como objeto de

estudo, imóvel e despido da vida. Tal observação nos faz pensar que os estudos

com cadáveres, realizado há séculos para compreensão profunda do corpo humano,

continuam a despertar o interesse pela figura, tema tão prolífico nas Artes Visuais.

Figura 35 – Aula pública de anatomia ICBS- UFRGS, 22 de maio de 2018.

Fonte: (FEIJÓ, Ise, 2018).

No que se refere ao uso de cadáveres para estudos foi sancionada a lei

8.501/92 de 30 de dezembro de 1992 com o objetivo de regularizar aspectos éticos e

legais referentes à utilização de cadáveres para fins de ensino na extensão

universitária. Segundo essa lei ocadáver não reclamado junto às autoridades públicas

sem documentação sem informações referente a endereço de falecimento, em um

prazo de até 30 dias, pode ser liberado e encaminhado para um centro de estudos na

área da Saúde. Cabe a instituição manter dados de identificação do corpo, tais como:

73

fotos, dados relativos às características gerais, ficha datiloscópica, e outros dados e

informações pertinentes.

Outra forma de obtenção de cadáver para estudo é a doação em vida, esta

deve ser feita com base no Artigo 14 da Lei 010.406.202 do Código Civil Brasileiro,

sendo permitida a disposição gratuita para fins científicos do corpo no todo ou parte

dele depois da morte. Nesse caso o doador precisa realizar declaração ou até

testamento, lavrado em cartório, autorizando a doação por parte de familiares, na

declaração deve ser especificada a instituição de ensino para qual o doador deseja

que seja encaminhado o seu corpo.

Nesta aula foi possível executar apenas alguns esboços rápidos, mais foi de

fundamental importância para analisar a estrutura anatômica humana, através do

processo de dissecação foi possível compreender como as partes do corpo se

sobrepõem.

Figura 36 – Alessandra da Silva, Caderno de estudos. Desenho. 2018.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).

74

A partir dessa aula senti um desejo enorme em continuar os estudos através

de referências de livros, desenvolvendo uma série de estudos de anatomia (Figura

36), alguns desenhos feitos com grafite e outros com caneta nanquim e uso de

hachuras para sombrear.

Há cerca de dez anos, o médico e anatomista alemão Gunther Von Hagens

(1945) traçou um caminho paralelo a arte e ciência, causando polêmica no meio

artístico. Hagens espantou a comunidade científica ao expor cadáveres plastinados

como se possuíssem valor artístico – legítimas obras de arte, em exposições que

itineram por todos os continentes até hoje.

Hagens15 desenvolveu uma técnica de conservação dos corpos que denominou

de plastinação, através desse método substitui substâncias orgânicas de corpos

mortos por silicone e resina o que permite que os materiais adquiram plasticidade,

permanecendo maleáveis, inodoros e secos.

As peças foram dissecadas, abertas, divididas e "desfolhadas" em camadas,

ora dando-se ênfase aos músculos, ora à pele, ora ao sistema circulatório, ora ao

sistema nervoso. A forma de apresentação lembra aquela de Vesalius e dos

anatomistas dos séculos XVI e XVII, época do grande reflorescimento da investigação

anatômica, quando as pranchas anatômicas mostravam a estrutura nervosa ou

muscular de figuras humanas que, em posições elegantes, posavam tendo como pano

de fundo, belas paisagens.

Além de corpos humanos Hagens aplicou a técnica em corpos de animais. Seu

trabalho gerou inúmeras críticas e debates sobre questões éticas e religiosas

envolvendo a exposição de cadáveres. O conjunto reúne 25 corpos, entre eles um

jogador de basquete, um jogador de xadrez, um cavaleiro montado em seu cavalo,

uma mulher grávida cujo ventre aberto permite a visão de um feto de oito meses, e

um homem carregando a sua própria pele. Os corpos plastinados por Hagens,

estiveram em exposições por diversas partes do mundo, no Brasil a mostra Human

15 Gunther Von Hagens, doutor em medicina pelo Departamento de Anestésicos e Medicina de Emergência da Universidade de Heidelberg (1975), logo depois, teve sua fama ligada a essa técnica de plastinização, que ele desenvolveu em 1978, quando trabalhava no Instituto de Anatomia e plastinização e também um Instituto onde põe em prática o trabalho de conservação e fixação das peças anatômicas. Patologia da Universidade de Heidelberg. Hagens possui também uma empresa sediada em Heidelberg, a BIODUR que comercializa os equipamentos e os polímeros utilizados na técnica de plastinização.

75

Bodies - Maravilhas do Corpo Humano circulou por diversos estados, esteve em Porto

Alegre16 em julho de 2015. Hanges descreve seu trabalho como uma mostra educativa

e não artística.

Hagens transformou seus materiais de estudo em peças de exposição,

intitulada Os mundos do corpo. Nas imagens a baixo podemos comparar uma

ilustração feita por Juan Valverde de Amusco17 (1525 - 1562) para o livro A história da

composição do corpo humano publicado em Roma no ano de 1560 (Figura 37).

Figura 37 – Juan Valverde de Amusco. A história da composição do corpo humano. Roma, 1560. Figura 38 – Gunther Von Hagens, Corpo plastinado - Exposição O mundo dos Corpos, 1994.

Fonte: (Juan Valverde de Amusco18); (Gunther Von Hagens19).

16Disponível em: <http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2015/07/porto-alegre-tem-exposicao-com-corpos-humanos-reais-saiba-mais.html> Acesso em jan. de 2019.

17Nasceu na Coroa de Castela atual Espanha por volta de 1525, estudou e publicou vários trabalhos sobre anatomia. Abra mais famosa de Valverde foi Historia de lacomposicion del cuerpo humano , publicado pela primeira vez em Roma, 1556.

18Disponível em: <https://exhibitions.kelsey.lsa.umich.edu/art-science-healing/vesalius4.php>Acesso em jan. de 2019. 19Disponível em: <http://www.sergioallevato.com.br/.>Acesso em jan: de 2019.

76

Seus trabalhos fortemente inspirado em Vesalius, agora servem visivelmente

de referência para Von Hagens, pela maneira de apresentar o corpo plastinado na

exposição O mundo dos corpos (Figura 38).

Gustavot Dias (2018) destaca o uso instrumental atribuído a anatomia – que

por isso tem sido estudada sistematicamente desde o Renascimento, figurando já

na antiguidade clássica como um saber necessário ao métier artístico, um padrão

de maestria e a bitola da boa arte. Essa distinção durou até a segunda década do

século XX – com pausa de um século para o começo e fim das vanguardas

modernistas – e agora retorna, nas últimas duas décadas, depois de um século de

experimentações e implosões do campo artístico, reaparecendo no cenário

artístico de modo bem diverso.

Ao desenvolver uma produção em arte que estabelece diálogos com Anatomia

e Botânica, faz se necessário pensar além do espaço que a anatomia ocupa na arte

contemporânea, analisando também o campo atual da ilustração botânica. Neste

cenário destaca-se Margaret Mee (1909 – 1988), ilustradora botânicas de grande

influência no legado científico brasileiro. A ilustradora de origem britânica veio para o

Brasil em 1952, para trabalhar como professora, encantou-se pela exuberância das

plantas tropicais, passando a pintar flores que via em viagens para o interior do Brasil.

Margaret realizou várias expedições pela Amazônia, observando e desenhando

plantas, suas obras participaram de diversas exposições no Brasil e em Londres. Além

das ilustrações finalizadas, deixou inúmeras anotações e esboços em seus cadernos

de estudos. No entanto, sua importância vai além da produção de imagens, pois além

de abrir espaço para a crítica das questões ambientais, influenciou outros artistas

ilustradores contribuindo para a formação e a organização dos ilustradores Brasileiros.

A técnica utilizada por Margaret Mee é a aquarela, uma das técnicas mais

usadas dentro da ilustração botânica. A aquarela é uma técnica de pintura onde a se

usa tinta diluída em água, a tinta é formada basicamente pelo pigmento colorido moído

e um aglutinante, geralmente goma arábica. Como o próprio nome indica, ela se

baseia no uso da água, no qual os pigmentos se transferem para a superfície do papel,

evaporada a água, o pigmento forma uma mancha de cor sobre o papel, que se fixa

através do aglutinante. As principais características da aquarela são a luminosidade,

opacidade, transparência e a sobreposição de camadas. O que permite conferir as

ilustrações uma grande quantidade de detalhe.

77

Os pesquisadores Hadna Abreu e Valter Mesquita (2016) analisam as

ilustrações produzidas por Margaret Me e conforme conceitos da linguagem visual e

da semiótica, destacando que suas ilustrações enfatizam dois estilos. O primeiro

grupo de ilustrações (Figura 39) prioriza a neutralidade do fundo do papel, sem muitas

intervenções, além de anotações e identificações da ilustração, um desenho de

caráter mais científico sobre a estrutura da uma planta. O segundo grupo de

ilustrações (Figura 40) apresenta o contexto onde a planta está inserida, priorizando

a figura central da planta em primeiro plano, e o fundo é trabalhado em camadas.

Figura 39 - Margaret Mee. Clusia grandiflora,ano e dimensões desconhecidos. Figura 40 - Margaret Mee. Strophocactus wittii, ano e dimensões desconhecidos.

Fonte: (Botanical Art & Artist20).

Após sua morte foi fundada no Rio de Janeiro a Fundação Botânica Margaret

Mee (FBMM), atual Fundação Flora de Apoio à Botânica, um centro de pesquisa, que

promove bolsas de estudos na área de ilustração botânica. Nas últimas décadas

20 Disponível em: <https://www.botanicalartandartists.com/about-margaret-mee.html> Acesso em: 07, abr. 2018.

78

outros ilustradores bolsistas contribuíram na criação de centros de estudos e

pesquisas em outros estados, como o Centro de Ilustração Botânica do Paraná

(CIBIP) a Botânica Arte de Companhia (SP), Núcleo de Ilustração Científica da (UNB),

além de cursos, encontros, debates e seminários na área.

Diana Carneiro foi uma das brasileiras bolsista da FBMM no ano de 1997,

adquirindo formação técnica com Christabel King no Royal Botanic Gardens21 e

assumiu o desafio de disseminar seus conhecimentos, atuando na formação de

ilustradores botânicos brasileiros.

No intuito de aprender e aprimorar técnicas de ilustração botânica, desde 2016

participo de Cursos de Aperfeiçoamento em Ilustração Botânica (Figura 41) no Centro

de Ilustração Botânica do Paraná (CIBIP) sobre orientação da professora e ilustradora

Diana Carneiro.

Figura 41 – Estudos de plantas. Aquarela sobre papel Canson. CIBP, 2017.

Fonte: (SILVA, Alessandra, 2017).

21 Situado em Kew/ Londres onde foi criado o projeto Margaret Mee, AmazonTrust que fornece a bolsa de cinco meses com um instrutor.

79

As aulas são voltadas para a observação direta de plantas, envolvendo

aprendizado de técnicas de luz e sombra em grafite, estudo de cores em aquarela. As

atividades concentram-se divididas em blocos, focados em desenvolver habilidades

de representação de diferentes texturas e cores em folhas, flores, frutos, caules e

sementes com a maior fidelidade possível, garantindo perfeito reconhecimento e

identificação do vegetal.

Além de desenhar recebemos orientação pra confecção de herbários com

anotações e estudo de características morfológicas das plantas. O termo

herbário refere-se a um conjunto de espécimes vegetais secas, distribuídos de acordo

com um determinado sistema de classificação, que podem ser utilizados para fins de

estudo e até mesmo apreciação, funcionando como uma espécie de arquivo onde é

possível coletar informações diversas sobre plantas, tais como habitat, aspectos

gerais da morfologia do vegetal, entre outras.

Nos herbários as plantas são armazenadas na forma de exsicatas, sendo

anteriormente prensadas e secas, após estarem secos, são fixados em cartolina ou

outro papel, para facilitar a identificação é indicada a coleta de flores e frutos, é

fundamental também o preenchimento de uma ficha com informações relevantes

sobre o espécime, tais como quem coletou o material, habitat, data da coleta e dados

que se perderão com a secagem, como a coloração das flores, folhas e frutos.

2.3 ARTE CONTEMPORÂNEA: CONFLUÊNCIAS COM O NATURALISMO

CIENTÍFICO

Considerando as confluências das relações entre arte e ciência no decorrer da

história, é possível tecer algumas considerações sobre o papel desempenhado pelas

imagens nas ciências naturais e suas relações com a arte contemporânea. Visando

compreender como diferentes técnicas de desenho, que são de uso comum no campo

das artes visuais e da ciência, podem servir de recurso na produção visual

contemporânea.

Ao pesquisar as possibilidades poéticas do naturalismo científico, a partir do

hibridismo entre o corpo e as plantas, busco estabelecer relações entre arte e ciência

na contemporaneidade. É importante considerar a extensão em que essa poética foi

abordada por outros pesquisadores. Para isso relaciono artistas que conciliam o

80

caráter gráfico da ilustração, enquanto ciência ao campo vasto, diversificado e

motivador das artes visuais.

As obras de artistas contemporâneos que contribuem para essa pesquisa foram

selecionadas por abordarem poéticas do corpo humano ou da botânica e algumas

delas por apresentarem a junção dos dois elementos. Alguns artistas mesclam o

hibridismo entre corpo e plantas, potencializando questões estéticas e culturais

através de imagem do corpo humano em interação com elementos da natureza.

Ao buscar uma definição do termo hibridismo encontra-se a relação entre duas

línguas diferentes ou duas culturas diferentes. Na etimologia da palavra, a junção dos

termos hibris do grego + hybrida do latim faz surgir o termo hibrido que significa seres

fabulosos, meio homem, meio animal, muito empregado em diversas figuras da

mitologia grega. Na ciência é usado para designar o cruzamento de espécies

diferentes.

No entanto o termo hibridismo vai além dos limites da linguagem ou da cultura,

atualmente é bastante usado no universo da Arte Contemporânea para designar a

multiplicidade e diversidade das artes resultantes das misturas entre gêneros,

suportes, técnicas, tecnologias, mídias e linguagens que foram se acentuando a partir

do final do século XIX.

O crítico de arte Artur Danto nos faz olhar a arte de uma nova maneira ao falar

sobre a arte contemporânea, nos coloca diante de um tempo “pós-histórico” sobre o

qual a arte interpretada historicamente passa a ter um fim. Vindo a ser pensada a

partir de um plano filosófico, o qual abarca diversos meios e práticas. Na fase pós-

histórica, existem incontáveis direções a serem tomadas para a prática da arte,

nenhuma delas mais privilegiada pelo menos historicamente que as demais.

Essa independência da arte requer pensar novos critérios e valores estéticos

com um viés reflexivo. A questão da pós-historicidade da arte levanta debates sobre

os termos: moderno, pós-moderno e contemporâneo.

A partir da segunda metade do século XX o processo de intensa crítica ao

modernismo propõe novos limites no campo do saber estabelecendo outras ligações

entre a razão e a emoção, fato que favorece a interação de diversas linguagens. Os

suportes tradicionais da arte tornaram-se insuficientes para a expressão das

81

transformações que a sociedade passava, justificando assim o anseio dos artistas em

ampliarem o campo de expressão e das questões estéticas.

Frijot Capra (2011) ao definir Da Vinci como um pensador sistêmico nos faz

refletir sobre a possibilidade de tecer relações entre áreas afins:

Compreender um fenômeno da natureza significava para ele relacioná-lo com

outros fenômenos por meio de uma afinidade de esquemas. Essa

excepcional capacidade de estabelecer relações entre observações e ideias

de disciplinas diferentes está no cerne da visão de Leonardo sobre a

aprendizagem e a pesquisa. (CAPRA, 2011, p.16)

Nesse sentido torna-se indispensável desenvolver o conhecimento científico a

partir de uma visão sistêmica e abrangente, ou seja, uma nova forma de ver e pensar

a realidade. É nesse contexto que se inserem os artistas contemporâneos que buscam

através de suas poéticas artísticas abordar as relações entre arte e ciência, suas obras

remetem a procedimentos científicos,porém a partir de uma nova forma de se

enxergar o mundo natural.

Ao analisar as dualidades e confluências dessas áreas e seus atravessamentos

na contemporaneidade, pode-se aferir que há uma relação com as ideias exploradas

por Leonardo da Vinci, porém com um enfoque. A aplicação e a combinação destas

potencialidades podem ser muito diversas, conferindo outras dinâmicas e novas

referências no contexto cultural e social. Essas relações podem ser entendidas de

diversas formas, quer pela complementaridade, quer pela influência recíproca.

Os movimentos artísticos da modernidade acabaram por afastar o desenho

naturalista do campo das artes, no entanto alguns artistas contemporâneos buscam

referencias nas vertentes do naturalismo científico para o desenvolvimento de suas

poéticas através de outros elementos.

Em relação aos referenciais visuais contemporâneos o artista Herman de

Vries22 (Alkmaar – Holanda,1931) contribui com essa pesquisa ao explorar em sua

produção visual a ideia de colecionismo. O artista não busca representar a paisagem

ou a natureza através de suas obras, seu objetivo é apresentar a natureza como ela

22 Nascido em Alkmaar – Holanda, em 1931. Começou a fazer arte sobre o tema "natureza e plantas" em 1953, o campo da arte não figurativa, realiza desde 1954, móbiles, pinturas monocromáticas, colagens, objetos ótico-cinéticos. Seu trabalho inclui viagens para coletar elementos naturais.

82

é. Através de instalação, fotografia ou pintura, partem da utilização dos materiais da

natureza, esses elementos são incorporando em forma de colagens, utilizando folhas,

galhos, flores, pedras que são reorganizadas nos remetem a organização de objetos

no formato de coleções científicas.

Suas obras apresentam um conceito de apropriação de formas visuais já

existentes, através do deslocamento dos elementos para o espaço expositivo. Além

das exposições seus trabalhos são publicados no formato de livros e catálogos.

Na obra Juniperu Comunnis (2014) (Figura 42), Herman de Vries apresenta um

pacote cheio de bagas de zimbro em uma exposição num centro de arte. Nesse local

funcionava uma antiga destilaria do holandês Jenever. O junípero, uma vez escolhido

por seus alegados efeitos medicinais, era usado na produção do tradicional holandês

Jenever.

Figura 42 – Herman de Vries. Juniperus comunnis. Bagas de zimbro, papelão, texto, 2014.

Fonte: (VRIES, Herman de, 2014).

Outro artista bastante expoente no cenário contemporâneo por abordar em sua

poética as relações entre arte e ciência é o norte - americano Mark Dion

(Massachusetts – EUA, 1961), conhecido por organizar instalações, onde ele recria

ambientes que lembram os gabinetes de curiosidades, reunindo animais empalhados,

83

pedras, plantas e outros objetos. Sua abordagem apresenta um deslocamento,

através da inserção de objetos que perturbam a ideia do racionalismo científico.O

trabalho do artista, diz ele, é ir contra a corrente da cultura dominante, desafiar a

percepção e a convenção, questionando as distinções entre os métodos científicos

"objetivos" ("racionais") e as influências "subjetivas" ("irracionais").

Na obra Herbarium (Figura 43), o artista produz uma série de sete

gravuras, inspirado no trabalho de Henry Perrine (1797 - 1840), um dos primeiros

horticultores a estudar as vastas ofertas agrícolas da Flórida e documentar suas

muitas espécies de plantas tendo ficado conhecido como um "caçador de plantas".

Figura 43 – Mark Dion, Herbarium, 2012, Lavagem acrílica, rótulos tipográficos e selos 41,9 x 29,2 cm (impressões) , 45,7 x 33,3 cm (portfólio).

Fonte: (Galeria Tanya Bonakdar23, 2017).

Perrine foi médico, horticultor, Cônsul dos Estados Unidos no México

responsável por introduzir plantas tropicais em cultivo nos Estados Unidos, após ser

envenenamento acidentalmente por arsênio em 1824, ele se mudou para o Mississipi

na esperança de que o clima ajudasse sua recuperação, lá começou a estudar ervas

23 Disponível em: <https://news.virginia.edu. >Acesso em: maio de 2017.

84

e plantas medicinais. No final de 1838 estabeleceu residência com sua família em

Indian Key, em uma terra cedida em Florida Keys onde iniciou um viveiro de plantas

tropicais. Nesse local ele e sua família foram perseguidos por residentes locais

Seminoles24, sua esposa e filhos conseguiram fugir, mas Perrine foi morto em sua

casa que foi queimada junto com os materiais de suas pesquisas.

Na exposição Dion oferece uma apresentação fantástica desses artefatos

perdidos, especulando sobre o que poderiam ter sido. A obra Herbarium relaciona-se

a pesquisa indiretamente, pelos elementos de organização, a maneira como a obra

está exposta, apresentada visualmente de forma clara, limpa e referenciada a estética

das imagens das ciências naturais e os estudos dos naturalistas dedicados a

catalogação de plantas de uso medicinal.

Sob outro enfoque Nunzio Paci (Bologna – Itália,1977), é um artista que em

suas obras recentes se expressa através do uso de técnicas de pintura e desenho,

abordado questões científicas e ambientais, com ênfase especial para a anatomia e a

relação homem-natureza, suas obras fazem analogias entre corpos e plantas.

Na obra O crescimento lento da carne (2015) (Figura 44), o artista representa

um corpo que por vezes parece estar em um estágio de dissecação, porém a

expressão do rosto e a inserção de elementos naturais que brotam desse corpo,

conferem a imagem certa vitalidade. Seu estilo é bem próprio e expõe um corpo

visceral, sendo a anatomia parte essencial do repertório do artista, figurando em

sua obra como um elemento estético.

O artista descreve seu trabalho como uma intenção de explorar as infinitas

possibilidades da vida, em busca de um equilíbrio entre realidade e imaginação. “Meu

trabalho inteiro trata da relação entre homem e natureza, em particular com animais e

plantas. O foco da minha observação é corpo com suas mutações. Minha intenção é

explorar as infinitas possibilidades da vida, em busca de um equilíbrio entre realidade

e imaginação.” (2017)

24 Os seminoles ou seminolas são um dos grupos indígenas da América do Norte, que vivia em terras do Canadá e dos Estados Unidos, originariamente na Flórida e atualmente estabelecidos em Oklahoma.

85

Figura 44 – Nunzio Paci, O crescimento lento da carne. Pintura, 2015.

Fonte: (Nunzio Paci25, 2015).

Entre os artistas contemporâneos brasileiros que se destacam no cenário

artístico atual, cabe ressaltar Sergio Alevatto, (Rio de Janeiro – Brasil, 1971), um

artista com formação na área da ilustração botânica e posterior formação em artes

cujas obras fazem relação entre a arte e a ciência, através do uso de técnicas

tradicionais da ilustração botânica usadas na representação de personagens da

cultura popular.

Estudante bolsista da Fundação Margaret Mee, em Londres, ele entra em

contato com as técnicas de ilustração botânica as quais mais tarde passa a usar em

suas obras de forma não convencional. Seu trabalho remete a representação

naturalista, porém com um novo enfoque.

25 Disponível em: <https://www.artsy.net/artwork/nunzio-paci-when-the-flesh-sleeps-everything-sleeps> Acesso em: maio de 2017.

86

É no campo inusitado da ilustração botânica, a meio caminho entre a arte e a ciência, que nasce a flora peculiar de Sérgio Allevato (Rio de Janeiro 197). Construídas com técnicas clássicas de representação da natureza, que remetem aos naturalistas e aos viajantes dos séculos 17 e 18, suas aquarelas evoluem da fidedignidade absoluta à reinvenção de espécimes, gerando híbridos de cujos caules e ramos brotam partes de conhecidíssimos personagens da cultura pop e do universo infantil. (http://www.sergioallevato.com.br/bh2007.pdf)

Na primeira fase, suas obras trazem hibridismos entre partes de espécies

vegetais e personagens infantis, dessa fase podemos destacar obras como Heliconia

musculus (Figura 45) onde em um primeiro olhar, esse hibridismo é tão tênue, que

passa quase despercebido.

Figura 45 – Sérgio Allevato, Heliconia musculus 2006, aquarela sobre papel, 60 x 50cm. Figura 46 – Sérgio Allevato, Flora Carioca, 2011, óleo sobre linho, 100 x 80 cm.

Fonte: (Sergio Allevato26).

À primeira vista, suas obras parecem retratar a flora, como a tradicional arte

botânica, mas observando melhor, o observador descobre, em partes da anatomia

26 Disponível em: <http://www.sergioallevato.com.br/>Acesso em: maio de 2017.

87

das plantas, desenhos de personagens do imaginário infantil. Em uma segunda fase

o artista compõe os rostos desses personagens da cultura pop,são estruturados a

partir de plantas da flora de cada região, nacionalidade ou afinidade territorial dos

personagens de desenhos animados. Em Flora Carioca (Figura 46) o personagem Zé

Carioca, criado pela Disney para representar os cariocas é representado com plantas

brasileiras, mesclando a linguagem científica e a pop, criando espécies não naturais,

mas com forte caráter de nacionalidade. Em trabalhos mais ousados ele mistura o

sexo das plantas, com o não sexo dos personagens infantis, deixando o observador

desconfiado estar diante de um trabalho malicioso. Seu trabalho mescla a dualidade

entre a realidade e a fantasia, trazendo um olhar contemporâneo para as relações

entre a arte e a ciência, às vezes questionador das relações entre o conceito e a

imaginação.

Figura 47 – Walmor Corrêa. Série Super Heróis. 2005. Dimensões desconhecidas.

Fonte: (CORRÊA, Walmor27, 2005).

Outro artista brasileiro que tem se destacado é Walmor Corrêa (Florianópolis,

Brasil, 1962) aos 17 anos passou a residir em Porto Alegre, Walmor busca através de

27 Disponível em: <http://www.walmorcorrea.com.br/obras/.> Acesso em: 13 de jul. de 2017.

88

suas obras, confrontam os limites entre os dois campos de conhecimento ao fantasiar

novas espécies biológicas, improváveis dentro do processo evolutivo. Na série Super

Heróis (Figura 47), o artista inspira-se nas técnicas de ilustração científica, usadas na

descrição de espécies, para criar ilustrações artísticas de criaturas do folclore popular,

ou seres híbridos de espécies que não existem na natureza. A delicadeza de suas

representações quase dá vida a espécies improváveis, o uso do fundo branco com

anotações explicativas, deixa o observador duvidoso sobre estar diante de um

trabalho de catalogação científica.

O artista argentino Juan Gatti (Argentina, 1950), explora a anatomia e a

botânica em sua poética através de colagens. Conhecido principalmente como

um designer, em 2011 Juan Gatti estabeleceu-se nas galerias de arte com sua série

Lascienciasnaturales (Figura 48), na Fresh Gallery, em Madrid, uma mostra de 25

colagens inspiradas no trabalho realizado para Almodovar no filme La piel que habito,

as composições combinam anatômica, estudos botânicos, insetos, etc.

Figura 48 – Juan Gatti. Colagens da série La Piel que Habito. Dimensões desconhecidas, 2011.

Fonte: Juan Gatti28

Posteriormente foram produzidos acessórios de moda com estes temas: lenços

de seda, t-shirts ou almofadas. Trata-se de um projeto pessoal onde o artista explora

28 Disponível em: <https://adrianazavoi.wordpress.com/2013/04/07/la-piel-que-habito-sau-pictorul-almodovar/juan-gatti-02> Acesso em: 13 de jul. de 2017.

89

a fixação pela anatomia humana, à semelhança da obsessão do cirurgião de La piel

que habito, interpretado por Antônio Banderas, que procura alcançar uma pele

perfeita.

Com uma estética que lembra as ilustrações do século XIX, quase como uma

mistura entre o célebre livro Gray’s Anatomy de Henry Gray e as ilustrações do

naturalista John James Audubon, as colagens de Gatti colocam, ironicamente, o

homem despido de pele e defesas, perante a natureza e os animais. Segundo

declarações do próprio Gatti ao El País, nas suas colagens podemos testemunhar um

diálogo entre seres vivos, onde a vida flui numa certa procura do paraíso perdido.

O contraste entre o homem desprovido de pele e a rica fauna e flora,

deslumbrantes nas suas asas, penas e pétalas, pretende evidenciar a perfeição da

máquina extraordinária que é o ser humano. Apresentando de forma evidente como

músculos, artérias, veias e ossos se articulam e tornam o homem vivo e a forma como

este pode viver em harmonia com a natureza.

Marco Mazzoni (Tortona - 1982), atualmente vive e trabalha em Milão. Mazzoni

tece um mundo baseado no folclore italiano, formado por Janas e Cogas, figuras

femininas que, segundo as crenças sardinianas, seduzem, encantam, amaldiçoam e

curam. Marco Mazzoni ressalta a importância da interação entre as mulheres e as

plantas na obra Hibiscus (2010) (Figura 49), o rosto feminino aparece emoldurado por

plantas. Cada desenho está saturado de metáforas que contam sua história.

Sua obra é uma homenagem à arte secreta das curandeiras femininas e

parteiras que desempenharam um papel importante. Essas figuras femininas eram

respeitadas e seus conhecimentos de ervas medicinais conferiam-lhes um poder que

a Igreja e o Estado medieval tentaram impedir. Com o advento da Contra-reforma, a

postura assumida por aqueles que curaram com ervas tornou-se severa; as

autoridades eclesiásticas criaram um rompimento irreparável entre a medicina

popular, praticada por mulheres, e a medicina tradicional, praticada por homens,

implementando a vigilância dos métodos de tratamento terapêutico. As composições

circulares, que aludem aos ciclos da Natureza, retratam plantas medicinais e

lisérgicas, borboletas polinizadoras e aves que bebem seu néctar, e escondidas entre

folhas e asas emergem os rostos dessas mulheres forçadas a esconder sua

sensualidade e seus conhecimentos devido ao fanatismo imposto pela religião,

acusadas de bruxaria.

90

Figura 49 – Marco Mazzoni, Hibiscus, Lápis de cor sobre papel, 2010.

Fonte: (MAZZONI, Marco29, 2010).

Na arte contemporânea brasileira, um artista que nos faz pensar as relações

entre anatomia e botânica é o Guto Nóbrega (Brasil - 1965), ao investigar as plantas

no contexto de arte e tecnologia. Na obra Ephemera (2008) (Figura 50), o artista

explora a sobreposição de imagens de plantas em movimento projetadas sobre o

corpo humano.

Nesse trabalho a luz atua com um papel fundamental ao conectar seres

humanos e plantas em uma única imagem. Mais do que transformar a pele humana

numa espécie de tela orgânica, Ephemera, por sua vez, usa luz como meio para

amalgamar seres de diferentes naturezas, mas que compartilham uma conexão mais

profunda: a expressão como um organismo vivo.

29 Disponível em: <https://www.phantasmaphile.com/2010/09/marco-mazzoni.html.> Acesso em 13 de out. de 2018.

91

Figura 50 – Guto Nobrega. Ephemera. Vídeo e projeção, 2008.

Fonte: (Tecnoarte New30, 2008).

Num mundo mediado por tecnologia, arte persevera como ação fundamental

para uma reconciliação entre a intuição humana e as energias vitais veladas na

natureza. Plantas estão vivas e em movimento, mas em sua forma de existir muito do

seu comportamento escapa nossa percepção. Ephemera constrói sua poética com

base em diferentes temporalidades para criar um espaço entre o expectador e aobra.

Sua metáfora é trazer visibilidade a essas novas formas que se apresentam através

da projeção.

A artista Yui Ishibashi (Japão, 1985), cria esculturas são inquietantes e

serenas. Ela cria criaturas semelhantes a humanos que têm ramificações que

crescem a partir delas ou têm ramos que as cercam / aprisionam como, por exemplo,

na obra Kemono (Figura 51). Usando uma variedade de materiais, como madeira,

resina, tecido, argila, arame de aço e pó de pedra, ela frequentemente retrata figuras

cujas raízes se estendem e projetam para fora em várias direções. Os ramos salientes

aparentam uma falta de controle sobre os processos orgânicos. Algumas dessas

saliências parecem dolorosas ou inesperadas.

30 Disponível em:<www.tecnoartenews.com/esteticas-tecnologicas/ephemera-de-guto-nobrega-apresenta-plantas-em-movimento-projetadas-sobre-o-corpo-humano/>Acesso em: 13 de jul. de 2018.

92

Figura 51 – Yui Ishibashi. Kemono, Escultura, 59 x 42 x 38 cm, 2014.

Fonte: (YuiIshibashi31).

Muitas vezes suas figuras são brancas, enquanto suas saliências são verdes

ou vermelhas. Essas figuras são parecidas com humanos, mas seus corpos macios,

redondos e brancos parecendo uma lâmpada dão ao espectador uma sensação de

que também são da terra. O trabalho de Yui nos torna profundamente conscientes de

como estamos entrelaçados com o mundo natural, e o equilíbrio o entre ciclo de nutrir

e esgotar, entre viver e o morrer.

O artista norte-americano Michael Reedy (Estados Unidos, S/D),considera o

corpo humano o veículo artístico mais expressivo para representar as ansiedades do

mundo moderno. A imagem anterior Malum A (Figura 52) é uma amostra do trabalho

mais recente de Reedy. O artista usa em suas composições figuras realistas, porém

com representações de secções anatômicas e um o fundos povoadas por diversas

criaturas que vão desde anjos, insetos e plantas. Nos desenhos mais recentes, aborda

temas intemporais da vida, da morte e da condição humana, através de imagens mais

trágicas e mais belas do corpo, como um momento de dor e transição. Suas

31 Disponível em: <https://www.lilavert.com/blog_lilavert/human-nature-sculptures-by-yui-ishibashi/> Acesso em: 13 de nov. de 2018.

93

inspirações vêm da ilustração médica aliada a ornamentação, comédia de humor

negro, e estranho.

Figura 52 – Michael Reedy. Malum A, técnica mista sobre papel, (S/D) 30x 40 cm.

Fonte: (Besnos Blues32).

Através de suas obras Reedy revela essa curiosidade dos limites físicos do

corpo em sua fase final. O artista considera seu interesse na representação do corpo

como algo enraizado em referências contínuas à ilustração anatômica, porém sobre

uma nova abordagem para descrever a dor e a morte, quase que uma tragédia cômica

da existência física à medida que envelhecemos.

Na sociedade atual a imagem tem um forte poder perceptivo, e tais abordagens

artísticas evidenciam as relações estabelecidas entre arte e ciência no decorrer da

história. Ao pensarmos nas obras anteriormente apresentadas, percebe-se que as

relações entre arte e ciência atuam como uma ponte dialética eficaz, capaz de

alavancar os discursos artísticos para outras dimensões. Apesar dos artistas

32 Disponível em: <https://hiltonb1954.wordpress.com/2015/03/29/0078-a-anatomia-moderna-de-michael-reedy/>Acesso em 07 de jan. 2018.

94

trabalharem com linguagens e suportes diferentes, ambos apresentam um novo

enfoque, novos conceitos para as referências históricas sobre um viés artístico da

contemporaneidade.

Sendo assim, ao mesmo tempo em que se diferenciam se complementam, pois,

a arte apropriou-se de conhecimentos de ordem científica com o intuito de aprimorar

suas obras, enquanto que a ciência fez uso de técnicas usadas pelos artistas para

documentar espécies e divulgar conhecimentos de ordem científica. Essa proximidade

entre as duas áreas faz com que, de certa forma, a arte e a ciência traçassem um

percurso paralelo.

As relações entre arte e ciência atravessaram continentes e séculos chegando

até produções da atualidade, sendo que muitos trabalhos relacionam esses dois

campos de conhecimento, no contexto da Arte Contemporânea. Isso acontece por

que as obras de arte não são fenômenos isolados, mas estabelecem relações

complexas com outras formas de produção de uma sociedade.

Atualmente, essa interdisciplinaridade tem sido desenvolvida por muitos

artistas contemporâneos como um conceito operacional e estratégico. Numa época

influenciada pelos princípios da ecologia e necessidade crescente de se pensar a

preservação do patrimônio natural, a arte assume um papel fundamental, atuando

como um meio facilitador e provocador de percepções, despertando olhares e

interesses.

Neste contexto, as obras que relacionam anatomia e botânica atuam como uma

unidade comum que potencializam as reflexões sobre as relações entre o homem e a

natureza. Partindo destas referências, o discurso evoluiu no sentido de estimular o

olhar, para essas novas materialidades. Isto é, explorar as vastas potencialidades

oferecidas pelas áreas do conhecimento no âmbito anatomia e da botânica.

95

3 ANATOMIA E BOTÂNICA UMA POÉTICA EM PROCESSO

3.1 A VIAGEM PELA FLORA INTERIOR

Viajar permite conhecer, explorar territórios até então desconhecidos. A

exploração de fronteiras e [entre]cruzamentos da Anatomia e Botânica na viagem

pela flora33 interior tem seu ponto de partida no desenho, como um elemento de

ligação entre a arte e a ciência. A palavra flora em botânica refere-se a um conjunto

de plantas de determinada região, já a palavra interior em anatomia está relacionada

aos órgãos internos, cavidade de um corpo ou suas entranhas.

Ao relacionarmos as duas palavras, chegamos um percurso onde a natureza

atua como um laboratório de arte. Nesse espaço, são exploradas, as percepções

sobre o fazer artístico em seu processo. Analisar as subjetividades decorrentes dessa

viagem requer estabelecer conexões com as descobertas, dobras e

redirecionamentos do percurso. O reconhecimento e as percepções sobre momentos

importantes durante a trajetória, através do desenvolvimento de experimentos e

processos construtivos, aliado a busca de referenciais teóricos e visuais.

Durante o processo de produção surgem descobertas, acertos e erros que

atuam como parte importante da pesquisa e direcionam a uma compreensão mais

clara da temática escolhida. Nesse percurso é fundamental perceber o quanto o

mundo exterior reflete nas tomadas de decisões do artista, sendo de fundamental

importância para que as transformações e descobertas ocorram.

Estas observações aguçaram a possibilidade de experimentar e manipular as

técnicas de desenho, comum às artes e às ciências naturais, visando promovendo

questionamentos e reflexões através de uma produção em arte nas fronteiras entre a

Anatomia e Botânica.

33 Flora é o conjunto de espécies vegetais de uma determinada região. O Brasil possui a maior biodiversidade vegetal do planeta, com mais de 55 mil espécies de plantas superiores e cerca de dez mil briófitas e algas, um total equivalente a quase 25% de todas as espécies de plantas existentes. A maior parte da flora brasileira encontra-se na Mata Atlântica e na Floresta Amazônica, embora o Pantanal Mato-grossense, o Cerrado e as Restingas também apresentem grande diversidade vegetal. O desmatamento, as queimadas e outras ações humanas, nesses habitats, são fatores que contribuem para o aumento de espécies na lista de espécies ameaçadas de extinção. Disponível em: <http://www.biologia.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=102> Acesso em: 28 de jan. 2019.

96

Embora o ensejo inicial em trabalhar com essa temática, tenha sido as

memórias e percepções visuais em relação a plantas. No decorrer do processo de

criação, os trabalhos foram ganhando novos direcionamentos a partir das percepções

sobre as relações das plantas com o corpo. Essas reflexões perpassam questões

simbólicas, decorativas e a exploração das propriedades curativas das plantas pelo

homem.

Muitas plantas presentes na produção dos autorretratos possuem propriedades

curativas, como por exemplo, o maracujá34 que é um calmante natural, o uso da

semente de abóbora35 contra vermes, o anis36 estrelado usado contra resfriados.

Essas percepções estão extremamente relacionadas ao conhecimento empírico

advindo das relações sociais e culturais.

Inicialmente as plantas aparecem nos desenhos em uma relação externa,

constituindo um emaranhado que envolve os corpos. No processo de produção dos

desenhos, são usadas imagens/fotografias de pessoas como referência, no entanto,

não há uma preocupação em mostrar o rosto, mas sim explorar as relações de

determinadas plantas com as formas do corpo humano. Algumas plantas usadas para

os desenhos foram cultivadas, outras coletadas nos percursos e deslocamentos.

Ao explorar uma temática que relaciona Anatomia e Botânica faço alusão ao

conhecimento produzido pelo homem a partir da observação dos fenômenos da

natureza em suas relações das plantas com o corpo. Esse saber acumulado e

repassado oralmente sempre foi presente nas conversas com meus pais, nas

percepções sobre o uso cotidiano de ervas. O bule de água fervente, os aromas no

ar, as diferentes cores dos preparos nos vidros, tudo isso me fez adentrar nas

profundezas dessas relações que não são somente exteriores.

34 Nome de origem tupi, maracuya (aliemento na cuia), pertence à família passifloraceae. Contém alcaloides e flavonoides, substâncias que agem no sistema nervoso central e atuam como tranquilizantes, analgésicos e relaxantes musculares; a casca é rica em pectina ajudando a eliminar gordura; as sementes são muito utilizadas para a produção de esfoliantes para pele. Disponível em: <https://saude.abril.com.br/bem-estar/maracuja-os-beneficios-vao-alem-da-acao-tranquilizante> Acesso em 12 de Nov. 2018. 35. A abóbora ou jerimum é o fruto da aboboreira, tem seu nome atribuído a várias espécies de plantas da família Cucurbitaceae. Nativa da América do Sul, ela é cultivada em todo o mundo por ser extremamente nutritiva e saborosa. No Brasil as abóboras são cultivadas antes mesmo da colonização já faziam parte da alimentação dos indígenas. Disponível em:<https://www.conquistesuavida.com.br/ingrediente/abobora_i545202/1> Acesso em 12 de Nov. 2018. 36 Cientificamente é chamado de Illicium verum.Também conhecido popularmente como anis-da-china, anis-da-sibéria, badiana e funcho-da-china, é uma planta originária da China e do Vietnã. Uma especiaria conhecida por seu uso culinário, de aroma agradável. Disponível em: <https://www.ecycle.com.br/6380-anis-estrelado.html> Acesso em: 12 de Nov. 2018.

97

Na obra A flor da pele (Figura 53) as plantas aparecem de forma simbólica, na

imagem de um casal envolto por flores. Dentre elas destacam se: a flor amor-perfeito37

conhecida como a planta do amor. O lírio é a flor real representada na imagem da flor

de lis, símbolo da geração, de prosperidade, o lírio simboliza38 poder, soberania,

lealdade e honra, simboliza também a pureza tanto do corpo, como da alma. Para a

cultura chinesa, o lírio representa a fartura, o amor eterno e o verão.

Figura 53 – A flor da pele, Grafite e aquarela sobre papel Canson, 42 x 60 cm, 2017.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2017).

A pele, comumente associado à função de envolver e proteger o corpo, atua de

forma simbólica como um invólucro que delimita o que está fora, o que está dentro,

atuando como uma interface entre o ambiente interno e externo do corpo.

Na busca de um novo olhar para a subjetividade das relações entre Anatomia

e Botânica, o discurso evolui de um estágio inicial para um elaborado. Passando a

37 De nome botânico Viola tricolor vem sendo usada ao longo dos tempos para várias utilidades. Era uma flor muito valorizada na Grécia Antiga, e os atenienses usavam uma coroa dessas flores para combater a dor de cabeça e enjoo. Celtas e Romanos preparavam cosméticos e perfumes com a flor. Na Idade Média, feiticeiros acreditavam que elas tinham o poder de afastar o mal. Na Inglaterra a flor foi também usada para produzir uma poção do amor. Além de seu uso em cosméticos e na culinária há relatos de seu potencial como agente terapêutico no tratamento diversas doenças. Disponível em: <https://www.significados.com.br/flor-amor-perfeito/> Acesso em 12 de Nov. 2018. 38 Disponível em: <https://www.dicionariodesimbolos.com.br/lirio/> Acesso em 12 de Nov. 2018.

98

refletir sobre aquilo que está para além do que se vê, além da forma e composição, o

que está implícito, oculto na linguagem visual. Entre o corpo e as plantas sepercebem

questões mais concentradas no ser, nas energias vitais que todas as formas vivas

terrenas possuem, e como essas energias se relacionam.

A energia vital é uma força interna, responsável pelo equilíbrio e manutenção

da vida orgânica, um elemento físico, que todo ser vivo seja uma planta ou uma

pessoa possui. Essas energias se complementam no sentido que, quando um corpo

encontra-se em desequilíbrio físico, as plantas atuam através de seus princípios

ativos, no sentido de devolver a vitalidade ao corpo. As imagens resultantes das ações

construtivas da composição, enfatizam a vitalidade das relações entre o corpo e as

plantas.

A arte contemporânea permite cursar caminhos entre diferentes áreas do

saber, através de uma sintonia entre a produção e a reflexão teórico prática. As obras

mostram sua potência quando, passam de meras imagens, a falar por si só. Uma obra

de arte não precisa ser descrita, apenas apreciada e sentida, pois a arte expressa o

que as palavras não permitem traduzir.

O trabalho gráfico de representação espécies vegetais em harmonia com as

partes do corpo não correspondem um estudo científico, no entanto, o hibridismo se

apresenta no decorrer do processo criativo, como resultados de estudos e analogias

das formas do corpo e determinadas espécies vegetais.

Como forma de expressão nas artes visuais a linguagem do desenho é

fundamental no percurso poético, pois caminha paralelamente com a temática

favorecendo a materialização das ideias e possibilidades de leituras. Nesse sentido

tão relevante quanto à temática, são os conhecimentos técnicos necessários para

expressar as ideias e provocar o olhar do observador para a temática abordada.

Dentro da linguagem do desenho existem inúmeras técnicas. A escolha dos materiais

e técnicas utilizados na produção está intimamente relacionada às qualidades

perceptivas que se deseja abordar nas obras.

A obra Aflorar (Figura 54) traz um corpo feminino de costas em uma postura

fechada onde, os braços e pernas parecem isolar ou proteger o corpo. O desenho é

composto ainda por variedade de plantas, que percorrem e criam conexões com o

corpo. A expressão aflorar se relaciona aquilo que estava escondido, e de repente

torna-se evidente, como um autoconhecimento do corpo que aos poucos aflora.

99

Figura 54 – Aflorar. Grafite e aquarela sobre papel Canson, 0,42 x 60cm, 2017.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2017).

Ao desenvolver uma poética em arte que tem o desenho enquanto técnica e

linguagem artística é importante refletir sobre suas concepções no meio artístico. Para

Edith Derdyk (2004) desenhar é dar formas, traçar, delinear ou rabiscar algo, por meio

de linhas, pontos, riscos etc. O desenho é a arte de pôr em prática uma ideia, real ou

imaginária, qualquer que seja, e representar numa superfície. (apud MORENO, 2005).

No exercício do desenho de observação desenvolve-se o pensamento

analógico e concreto, o senso de proporção, espaço, volume e planos. A

sensibilidade e a intuição são aguçadas enquanto se passa a apreciar

melhor os outros elementos da linguagem gráfica: textura, linha, cor,

estrutura e composição (HALLAWELL, 1994, p.9)

Ao relacionar Anatomia e Botânica através do desenho, considero de

fundamental importância, além do conhecimento dos materiais e técnicas, o

conhecimento dos elementos formais e conceituais do desenho. Uma das grandes

100

dificuldades ao criar uma composição, usando o desenho está em organizar a

distribuição dos elementos de forma equilibrada.

Segundo Phillip Hallawel (1994, p.15) “compor é organizar os elementos do

desenho, as linhas, os pontos, as manchas, as cores e os espaços vazios de maneira

equilibrada no espaço disponível”.

Figura 55 – Exemplo citado por Philip Hallawel, ao falar sobre equilíbrio.

Fonte: (HALLAVEL, 1994).

O autor cita a imagem (Figura 55) como um exemplo onde a composição é

organizada mais ao centro possui maior equilíbrio do que uma composição com peso

maior para um dos espaços da folha. O desenho caracteriza-se por ser uma

composição bidimensional e atua como suporte artístico quando esta composição

possui certa intenção estética. O desenho envolve uma atitude do desenhista em

relação à realidade, este pode desejar imitar a realidade sensível, transformá-la ou

criar uma nova realidade com as características próprias.

Os fundamentos estéticos dessa produção têm suas bases nos estudos

realizadas há séculos para compreensão profunda do corpo humano, e no

pressuposto que em suas origens os primeiros livros de ilustração botânica

retratavam plantas medicinais, visando ajudar o leitor a identificá-las e a usá-las

(Figura 56).

101

Figura 56 – Estudos de composição, Grafite e aquarela sobre papel. Canson, 0,21 x 0,29 cm, 2017.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2017).

O desenvolvimento da poética evolui objetivando produzir novos elementos

anatômicos, unindo as qualidades curativas das plantas e as enfermidades para as

quais são indicadas, a partir do reconhecimento do uso de plantas medicinais desde

as civilizações antigas até hoje.

Considerando que as obras de arte não são fenômenos isolados, mas sim

estabelecem relações com outras formas de produção de uma sociedade. A

valorização dos conhecimentos acumulados, as relações e complementaridade e

reciprocidade das áreas da ciência e da arte, fazemcom que a pesquisa adquira um

caráter interdisciplinar. Atualmente, essa interdisciplinaridade tem sido desenvolvida

por muitos artistas contemporâneos como um conceito operacional.

Numa época influenciada pelos princípios da ecologia, da valorizaçãodo

patrimônio construído, cultural e histórico em com conjunto com o patrimônio natural,

é importante repensar o papel do homem em suas relações com a natureza. Neste

contexto, a ideia de uma unidade escondida, uma forma subjacente comum entre a

102

Anatomia e Botânica, tem como base o saber popular sobre as curas do corpo através

do uso de plantas.

Partindo do princípio que plantas tenham sido utilizadas desde os primórdios

das civilizações, essas atribuições têm como base o conhecimento de tribos indígenas

que ainda preservam a tradição e o uso de princípios ativos de plantas. Esse

conhecimento de origem popular ganha cada vez mais espaço no contexto atual,

pautado no conceito de etnobotânica.

O termo etnobotânica refere-se uma ciência que estuda como as pessoas se

relacionam com as plantas em suas vidas. Se pararmos para pensar, os seres

humanos, ao longo da história, mantiveram uma interação muito forte com o reino

vegetal. Plantas foram utilizadas desde os primórdios das civilizações para construir

moradias, utensílios, alimentos, há relatos de plantas relacionadas a mitos e crenças.

Renata Coelho Sartori (2013, p.84) define a etnobotânica como uma área da

ciência multidisciplinar que abarca conhecimentos das Ciências Naturais: a Botânica,

a Ecologia, a Fitofarmacologia e a Medicina; das Ciências Humanas: a Etnologia, a

Sociologia, a História, a Arqueologia e a Linguística, abrangendo ainda setores da

Economia e também o campo das Artes como pinturas, obras literárias, etc.

Ao trabalhar uma poética entre Anatomia e Botânica, é importante estabelecer

associações entre os diferentes saberes, valorizando o diálogo entre as diferentes

formas de conhecimento para uma produção significativa.

Um dos fatores fundamentais no processo de construção da poética é reunir os

elementos que irão compor um conjunto representativo de desenhos. Nesse processo,

o contato com três livros de família (Figura 57) foram importantes, através deles

realizei um levantamento das plantas com propriedades medicinais para determinadas

partes do corpo. Desses três livros: um deles que pertenceu ao meu avô - A Saúde

Brota da Natureza de Pof. Jaime Brüning de 1984; outro que pertence a uma tia –

Doutor Saúde Medicina Natural de organização do Naturólogo Júnior; e o terceiro livro

usado pelos meus pais – Plantas Medicinais de Irmão Cirilo.

103

Figura 57 – Livros de família (da esquerda para direita): A Saúde Brota da Natureza, Doutor Saúde Medicina Natural, Plantas Medicinais.

Fonte: (SILVA, Alessandra, 2018).

Na viagem pela flora interior, os trabalhos vão dando direcionamento à

questões mais técnicas da anatomia, inspirados nos estudos de ilustração médica,

referencias visuais de ilustradores científicos e o desenvolvimentos de estudos e

experimentações.

Ao buscar referências para o desenvolvimento dos trabalhos, realizei um

levantamento iconográfico de ilustrações de anatomia humana, usadas pela medicina

tradicional e ilustrações botânicas de plantas com propriedades curativas, usadas pela

medicina popular. Posteriormente, essas imagens foram impressas e com elas

produzi um Caderno de Colagens (Figura 58) que serviu como material de estudo para

pensar as composições e suas qualidades estéticas e formais, relacionando plantas e

órgãos do corpo humano.

104

Figura 58 – Caderno de Colagens, 2017.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2017).

O trabalho de coleta de referências para produção dos desenhos contou ainda

com anotações das informações levantadas através das leituras e conversas,além da

coleta de plantas pelos deslocamentos nos caminhos onde passei nos últimos dois

anos. Para um artista - viajante todos os elementos novos descobertos são

importantes, e revelam uma gama plural de possibilidades de exploração.

No decorrer desse processo, foi necessário fazer algumas escolhas,

considerando que uma mesma planta apresenta indicações para mais de uma pate

de corpo. Essas escolhas levam em consideração a não saturação das composições,

o cuidado para sobrecarregar visualmente as imagens. Algumas dessas colagens

deram origens aos desenhos realizados posteriormente.

Durante a pesquisa fui guardando muitas plantas seca, as quais deram origem

a uma série de Desenhos com Colagens de Plantas (Figura 59) que serviram de

estudos, vestígios dos materiais utilizados durante o processo.

105

Figura 59 – Desenhos com Colagens de Plantas. 2017.

Fonte:(SILVA, Alessandra da, 2017).

Ao desenvolver uma produção em arte estabelecendo diálogo entre Anatomia

e Botânica, me deparei com um percurso de levantamento de hipóteses e exploração

de diferentes possibilidades para chegar aos trabalhos finais. Assim asobras em

processo, se deslocam de uma ideia inicial e vão sendo reorganizada a partir das

reflexões do fazer em seu processo, e das relações estabelecidas com o contexto

histórico, social e artístico. Partindo desse pressuposto a processo de criação vai

ganhando leis próprias, conforme as ideias são testadas e reorganizadas. Muitas

vezes, as ações do acaso se tornam fundamentais no percurso, acabam por ser

acolhidas e incorporadas a obra, outras vezes servem apenas para despertar o olhar

para outras possibilidades.

Os desenhos produzidos a partir dos estudos de colagens relacionam órgãos

internos do corpo humano, com plantas e suas raízes que tecem como redes que

transportamos elementos centrais do corpo a partir da relação das formas e das

estruturas e da efemeridade da vida. A estética das imagens das ciências se reflete

na escolha das cores, à delicadeza dos traços, construindo um conjunto portador de

106

uma poética visual que nos faz adentrar na riqueza das relações das plantas com o

corpo.

Durante o processo de produção das obras, podemos observar que a viagem

pela flora interior, compreende um deslocamento no espaço, na memória, na história

e no futuro. Potencialmente esse trajeto pode revelar infinitas possibilidades, a partir

de uma percepção sensível e de um olhar atento para as relações entre Anatomia e

Botânica.

Explorar o interior dos corpos é mergulhar naquilo que nos constitui enquanto

essência. As referencias do desenho científico dos registros visuais praticados pelos

naturalistas, aparecem nas espécies da flora que se relacionam com as partes do

corpo. A estética das imagens das ciências naturais se faz presentes nas obras pela

escolha das cores, à delicadeza dos traços construindo um conjunto portador de uma

poética visual que nos faz adentrar na riqueza das relações das plantas com o corpo.

A pesquisa poética em desenvolvimento usa a linguagem do desenho, para

estabelecer uma analogia entre as similaridades formais da anatomia vegetal e

humana, abordando gestos expressivos dos órgãos do corpo humano, junto às figuras

de formas vegetais. Essas representações a partir de uma interpretação pessoal, das

relações entre o corpo humano e as múltiplas formas de vida na natureza, agregam

questionamentos particulares que se distanciam do gênero meramente ilustrativo.

A obra Revigorar (Figura 60) consiste em uma imagem da caixa toráxica

destacando alguns órgãos em seu interior: pulmão, estomago e intestino. A obra

caracteriza-se por uma relação visceral entre o homem e as plantas que nutrem uma

ligação, um atrelamento e dependência. Nesse trabalho busquei referência nas

plantas que possuem determinadas funções curativa para os pulmões, estômago e

intestino

107

Figura 60 – Revigorar. Grafite e aquarela sobre papel Canson, 42 x 60 cm, 2018.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).

O corpo humano possui certa similaridade com os vegetais na medida em que a

pele pode ser comparada à epiderme dos vegetais, o esqueleto humano que nas

plantas é como a celulose, o sangue humano pode ser comparado com a seiva nas

plantas responsável pelo transporte dos nutrientes, os pulmões são como as folhas, o

intestino responsável pela absorção de nutrientes desempenham funções

semelhantes às raízes, os órgãos sexuais que nas plantas são representados pelas

flores.

108

Figura 61 – Renascer. Grafite e aquarela sobre papel Canson, 35 x 50cm, 2018.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2017).

Coincidentemente ou não, algumas plantas que tratam um determinado

sistema ou órgão no corpo humano realmente se parecem com ele. As nozes,

presentes na obra Renascer (Figura 61), são conhecidas pelos benefícios para o

cérebro39, e possuem uma visualidade semelhante. Sua casca se assemelha a um

crânio que ao se abrir, revela formas semelhantes as do cérebro. Essas metáforas da

natureza, foram reinterpretadas pelo homem no decorrer do tempo.

Ao analisar o desenho enquanto técnica e seu potencial como elemento na

linguagem poética, percebemos que o desenho é muito utilizado, para estudo de

39 Pesquisas realizadas no Instituto de Medicina Funcional, que fica na Flórida, nos Estados Unidos, mostraram que mais de 40% dos diagnósticos de depressão surgem pela deficiência de folato. As nozes são uma rica fonte de folato, uma vitamina essencial para que o cérebro funcione adequadamente, melhorando a capacidade cognitiva, mental e emocional, melhorando os níveis de serotonina, que é responsável pelo bom humor. Disponível em: <https://www.mundoboaforma.com.br/14-beneficios-das-nozes-para-que-serve-e-propriedades/.>Acesso em jan. de 2019.

109

composição, luz e sombra, desenho de observação, onde se utiliza um modelo real

para desenvolvermos a percepção visual a capacidade de observação de formas,

luzes e volumes.

Com o treino e o domínio do traço, podemos utilizá-los para atrair o olhar do

observador e causar-lhes determinadas sensações. Conforme HALLAWELL (1994,

p.44) “Através da linha podemos imprimir densidade ou leveza, por exemplo, a um

trabalho. Também o gestual da linha pode ser rápido ou lento, portanto influi no ritmo

em que o olho percorre o desenho”.

Na produção dos desenhos que integram a pesquisa, ganha destaque o uso de

aquarela para representar as plantas e grafite para a construção das imagens de

anatomia. Além das referências de imagens de livros, sempre que possível, foi

priorizada a observação direta das plantas, por permitir uma melhor visualização dos

detalhes. Nas imagens a baixo (Figura 62) podemos observar o desenvolvimento das

obras Revigorar e Renascer.

Figura 62 – Desenvolvimento das obras Renascer e Revigorar. 2018.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).

110

Os desenhos iniciaram a partir de esboços, com referências de imagens de

anatomia. Primeiramente foi utilizando um grafite de dureza B, para a construção das

formas, e posteriormente foram trabalhadas através de sobreposições de camadas de

grafites de diferentes durezas, variando desde o HB ao 5B. Para as imagens das

plantas foi priorizada a coleta e o desenho de observação, quando isso não foi

possível utilizou-se de fotografias e ilustrações. Assim como a escrita é constituída

por letras que formam palavras que, por sua vez, constituem frases. O desenho

começa com uma sucessão de pontos que formam linhas, e estas se sobrepõem para

criar formas, hachuras, grises, áreas decor ou manchas. Aos poucos o gesto inicial

em aparente desordem vai ganhando clareza e se estruturando (Figura 63).

Figura 63 – Detalhes no desenvolvimento das obras. 2018.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).

111

Com o treino e o domínio do traço, podemos utilizá-los para atrair o olhar do

observador e causar-lhes determinadas sensações. Conforme HALLAWELL (1994,

p.44) “Através da linha podemos imprimir densidade ou leveza, por exemplo, a um

trabalho. Também o gestual da linha pode ser rápido ou lento, portanto influi no ritmo

em que o olho percorre o desenho”.

A escolha do uso da aquarela se deu, por ser uma técnica bastante utilizada na

ilustração naturalista, tanto no decorrer da historia, como atualmente. Sua principal

característica é a transparência, o que permite a sobreposição de varias camadas,

sem perder a anterior, conferindo mais detalhes aos desenhos.

Temas como a feminilidade e a saúde da mulher são abordados na obra

Fecundar (Figura 64) com a imagem do sistema reprodutor feminino repleto de plantas

e flores. As flores assim como os órgãos sexuais são responsáveis pela reprodução,

carregando consigo a potencial fecundação de uma nova vida.

Figura 64 – Fecundar. Desenho sobre papel Canson, 35 x 50 cm, 2018.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).

O conceito de hibrido na biologia remete ao cruzamento de espécies vegetais

diferentes ou espécies de animais diferentes. Na produção das obras esse hibridismo

se dá entre as formas humanas e as formas vegetais. Essas percepções se

112

desenvolvem através de um processo minucioso de observação interior, mediante a

soma dos conhecimentos adquiridos e das sensibilidades estéticas.

Na concepção artística do sistema urinário, na obra Purificar (Figura 65) a

anatomia do rim apresenta um hibridismo com o tomate, suas semelhanças

decorrerem para além das qualidades visuais, pois o tomate atua beneficamente aos

rins por seus princípios diuréticos, ajudando a eliminar líquidos e impurezas do corpo.

O cardo santo é representado sobre a bexiga por possuiração anti-inflamatória e ser

um excelente diurético ajudando a limpar o organismo de diversas impurezas. O

sistema urinário do corpo humano atua como um purificador das toxinas, assim todas

as plantas que integram a obra auxiliam nesse processo.

Figura 65 – Purificar. Desenho sobre papel. Canson, 35 x 50 cm, 2018.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).

113

No atual contexto, permeado pela diversidade de manifestações artísticas, o

desenho continua sendo uma linguagem potente usada pelos artistas

contemporâneos que se propõem realizar arte mais realista. Gustavot Diaz (2019)

destaca que o desenho atua como um dispositivo narrativo, mobilizador de sentido

para a experiência, acionando enredos narrativos por meio do discurso visual. Em seu

processo estão imbricadas tanto as experiências do artista e do espectador, quanto

os próprios sujeitos de tais experiências (Figura 66).

Figura 66 – Exposição Interações Arte e Ciência. Sala Claudio Carriconde – Centro de Artes e Letras UFSM, Santa Maria, RS, 2018.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).

114

3.2 O CORPO QUE HABITO

Atualmente a arte se faz cada vez mais presente, tanto nas ruas como nos

museus, ocupando um importante papel de ligação entre o artista e o público. A obra

enquanto um corpo pode habitar diferentes espaços, como dispositivo que carrega em

si signos e significados.

Há alguns anos as cidades estão tendo seus espaços públicos ocupados por

trabalhos artísticos. Com isso novas paisagens começam a aparecer no contexto

social, inventando sentidos e visões de mundo que são partilhados junto à

comunidade. A ideia de explorar o espaço público da cidade, surge do desejo dos

artistas em ampliar o acesso a arte, questionar os espaços normativos e diversificar

as possibilidades de leitura, extrapolando os espaços institucionais.

Pensar uma arte mais próxima do público foi a proposição desenvolvida pelo

Pretexto Poético do Sesc de Chapecó, sobre orientação de Diane Sbardelotto, o qual

participei durante os meses de outubro e novembro de 2018.

Na exposição intitulada Distopia: o presente queima, as obras dos artistas se

deslocaram pela cidade, a partir de um mapeamento de diversos pontos. As

proposições poéticas culminaram em um caminho/roteiro de inauguração em trânsito

que aconteceu no dia 17 de novembro de 2018.

Segundo organizadora Diane Sbardeloto (2018) o termo distopia é “além de

uma ficção pessimista sobre o futuro, distopia: dis (dificuldade, dor) – topos (lugar,

cidade) é um termo médico que indica localização anômala de um órgão. Dessa forma

as proposições apresentadas podem ser entendidas como órgãos deslocados no

corpo da cidade, disseminados por uma urbe tomada pelos artistas como espaço e

objeto de arte. Os artistas cartografam os modos como suas proposições poéticas se

alastram e se perpetram de processos [...] sem nenhum domínio de como suas ideias

podem se propagar ou desaparecer: são ideias implantadas no circuito vivo da cidade,

como anticorpos, corpos estranhos, como oxigênio ou fumaça.

Durante os encontros foram trabalhados textos e filmes, visando estabelecer

conexões entre os trabalhos e temática da exposição. Após cada artista apresentar

as temáticas desenvolvidas, foram traçadas estratégias para a exposição.

Minha proposição consistiuiu-se em uma intervenção nos canteiros da Praça

Emílio Zandavalli em Chapecó/SC. A escolha da praça foi pensada por ser um local

de refúgio no meio urbano. No cotidiano agitado das grandes cidades, as praças são

115

pequenos locais de lazer, onde as pessoas podem apreciar um pouco de natureza em

meio ao caos urbano.

Segundo dados do IBGE, o município de Chapecó conta com uma população

aproximada de 216. 654 habitantes. Para atender a demanda de lazer da população,

o município conta com seis parques e quinze praças que contemplam diversas

regiões. Nesses espaços existem diversas plantas, algumas nativas outras inseridas

pela intervenção humana. O município conta ainda com um Horto Botânico Municipal

que é responsável pela produção das mudas de flores de estação, plantas

ornamentais e árvores nativas que são introduzidas nos espaços públicos da cidade.

As praças e parques são considerados espaços onde, além de melhorar a

qualidade do meio ambiente, revelam-se cada vez mais importantes pela melhoria na

qualidade de vida, promovendo contatos sociais e o bem - estar da população. A praça

é conhecida como um lugar de passagem, circulação.

As intervenções urbanas podem ser consideradas, manifestações organizadas

com algum propósito, seja ele, transmitir uma mensagem, questionar as formas de

vida cotidiana ou criticar. Esse procedimento ocorrer através da intervenção na

visualidade do lugar, fazendo com que as pessoas parem alguns minutos para

observar.

Considerando que as manifestações artísticas, com imagens de corpo humano

em seu estado visceral, comumente é interpretada como metáforas da vida e da

morte, associadas à simbologia da fragilidade do corpo e da transitoriedade da vida.

Como uma relação visceral entre homem e a natureza, matéria que o nutre.

O trabalho desenvolvido propõe-se a criar uma espécie de jogo de

sobreposição, através da inserção de placas confeccionadas com impressões dos

desenhos realizados anteriormente. O conjunto de desenhos revela detalhes contidos

no interior dos corpos, através do hibridismo da anatomia com a botânica,

referenciando o desenho científico e os princípios da estética das imagens das

ciências naturais, adentrando na riqueza das relações das plantas com o corpo

humano.

116

Figura 67 – Intervenção na Praça Emílio Zandavalli, Chapecó, 2018.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).

As referências visuais para a intervenção urbana surgem de algumas vivências

anteriores. No momento em que escrevi o projeto para o mestrado, estava trabalhando

117

na Escola Estadual de Ensino Fundamental João Cipriano da Rocha Loires, localizada

no interior do Município de Rio dos Índios RS. Nesse ano, desenvolvemos um projeto

interdisciplinar de construção de um Horto Medicinal40 (Figura 68), conhecido como

Relógio do Corpo Humano, no centro do canteiro foi inserida uma placa com uma

ilustração do corpo humano.

Figura 68 – Relógio do corpo humano, atividade desenvolvida com alunos, 2016.

Fonte: (Adriana Capellari, 2016)

No processo de intervenção, priorizou-se trazer órgãos do corpo humano, para

habitar o espaço público da praça, criando uma sobreposição das plantas estudadas

para elaboração dos desenhos, com as plantas do ambiente. As imagens se camuflam

com a ideia de paisagismo organizado e planejado, como placas de identificação de

espécies, algumas vezes passam despercebidas outras chamam atenção.

40 Uma construção em formato circular que une vários conhecimentos sobre as plantas medicinais, aromáticas e condimentares da medicina tradicional Chinesa. No canteiro em forma de relógio, cada hora representa um órgão do corpo humano, e na parte correspondente são cultivadas as plantas medicinais de uso referenciado pelo conhecimento popular e pela ciência, que auxiliam nos transtornos de saúde do órgão representado.

118

A observação minuciosa da obra (Figura 69) pelas pessoas que ocupam o

espaço, salienta a ideia de que a natureza e as intervenções humanas coexistem,

sendo uma parte do outra em uma mútua relação.

Figura 69 – Pessoas observando a Intervenção nos canteiros. Chapecó, 2018.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).

Tal proposição contou ainda com momentos de ação, através da distribuição

de envelopes com imagens e sementes (Figuras 70 e 71) para que pessoas pudessem

levar e cultivar nos seus espaços de vivencia, ou simplesmente dispersar para nascer

pelos caminhos e trajetos. Como uma plantação intencional, porém os envelopes não

possuem qualquer descrição ou identificação, causando uma semeadura inesperada.

119

Figura 70 – Escolha dos locais e inserção das placas. Chapecó, 2018.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).

Figura 71 – Envelopes com sementes, 2018.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).

120

Compartilhar sementes e saberes significa habitar espaços inesperados. O

saber do corpo em sua relação com a natureza e as curas naturais fez mulheres

consideradas bruxas serem queimadas para que o desenvolvimento do capitalismo

se desse por controle da saúde, por controle na doença. Expor uma pesquisa da

anatomia dos corpos e ilustração botânica em terrenos públicos pode ser perigoso do

ponto de vista do conhecimento que elucida, do desenho de observação apurado e

realista que traz, ao mesmo tempo, o inapreensível sentido de uma semeadura de

arte.

121

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao encerrar o texto dissertativo, apresento algumas reflexões sobre os

resultados alcançados a partir do fazer poético em seu percurso. Considerando que a

construção do processo criativo na área de poéticas visuais, demanda de um discurso

com relação aos referencias: teóricos, históricos e conceituais relacionando-os com a

produção.

Essa pesquisa teve como objetivo norteador, explorar através do desenho as

potencialidades poéticas na fronteiras entre Anatomia e Botânica, tecendo fios que se

hibridam através das relações entre o homem e as plantas. Considerando os aspectos

descritos do processo e as reflexões estabelecidas, podemos concluir que o objetivo

dessa pesquisa foi atingido.

Ao final desse percurso é possível afirmar que tanto no campo das artes como

nas ciências naturais a imagemse faz presente, porém com funções diferenciadas.

Enquanto na ciência a imagem tem a função de ilustrar, servindo de apoio para

reforçar um discurso que já existe, na arte a imagem atua como uma ideia em si.

Dessa forma pode se aferir que; uma imagem possui potencia artística quando se

configura em algo que se sustenta, provocando questionamentos para além do

discurso pré-existente.

Compreendendo que a arte contemporânea prioriza principalmente, a ideia, o

conceito, a atitude, acima do objeto artístico final, é importante refletir sobre qual

opapel do desenho enquanto linguagem poética das Artes Visuais. No que refere ao

desenho pode se aferir queo mesmo atinge sua potencia artística, quando a imagem

consegue ser uma ideia nela mesma. Algo que se sustenta, provoca questionamentos

e o embate com os conceitos pré-estabelecidos. Isso acontece quando o artista usa

as técnicas como um instrumento para expressar suas idéias e provocar o observador.

Assim as questões estéticas envolvendo o desenho naturalista vêm a contribuir,

instigar e potencializar o desenvolvimento dessa poética. No decorrer desse percurso

foi de fundamental importância, olhar para produção de alguns artistas

contemporâneos, analisando os elementos processuais, relacionados às ciências

naturais que se encontram incorporados em suas obras. E a partir dessa análise foi

possível estabelecer analogias entre as referências visuais de Anatomia e Botânica.

Desse modo, torna-se possível vislumbrar, do ponto de vista poética, que a

produção estabelece diálogos com a história da arte e suas relações com a ciência,

122

ao mesmo tempo, abre espaço para pensar o lugar ocupado pelo desenho naturalista

na arte contemporânea.

Durante toda trajetória acadêmica sempre me senti intrigada, por perceber

certa ‘desvalorização’ do desenho enquanto linguagem artística, muitas vezes

relegado a um recurso para o desenvolvimento de esboços ou projetos, mas não como

trabalho final. Através dessa pesquisa podemos concluir que, ao contrário dessa ideia

equivocada, muitos artistas continuam explorando as potencialidades poéticas do

desenho na arte contemporânea.

Os princípios estéticos que nortearam os naturalistas viajantes também são

explorados através de outras linguagens. O conhecimento e analise de outras obras,

nos faz pensar na diversidade de linguagens explorada pelos artistas contemporâneos

e como essas linguagens podem servir de recurso para os artistas expressar suas

ideias.

O artista deve levar em consideração que apesar de sua intenção, uma mesma

obra pode provocar diferentes leituras, dependendo das vivências de cada um. Pois a

linguagem do desenho, quando utilizado como recurso de expressão nas artes

visuais, pode despertar olhares e reflexões que podem ir além das intenções do

artista. Considerando queum mesmo desenho pode carregar inúmeros significados e

inúmeras possibilidades de leituras.

Durante esse processo percebi uma evolução dos trabalhos para uma

linguagem mais clara e elaborada. Ao mesmo tempo em que surgem outras ideias e

questionamentos, penso que, essa temática possui um grande potencial ainda a ser

explorado. Seja através da produção de outros desenhos, pensando outras formas de

exporar em outros suportes, aproximando a produção à um público maior. Essa

pesquisa pode contribuir para que outros artistas sintam o desejo de explorar as

potencialidades poéticas do desenho, ou mesmo atribuir outras ressignificações para

os elementos formais da Anatomia e Botânica.

123

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