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Alethes - UFJF · Diagramação: Jardel Felisberto e Mário Bani Capa: Jardel Felisberto e Mário Bani sobre Carlos Bracher, Congresso Nacional, óleo sobre tela (120 cm x 180 cm),

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Diagramação: Jardel Felisberto e Mário Bani

Capa: Jardel Felisberto e Mário Bani sobre Carlos Bracher, Congresso Nacional, óleo sobre tela (120 cm x 180

cm), 2006. Coleção pública, Centro Cultural Banco do Brasil, São Paulo.

Divisórias: Edição e montagem de Jardel Felisberto e Mário Bani sobre Gustavo Hastoy, Ato de Assinatura do

Projeto da 1ª Constituição, (106,6 cm x 172,7 cm), óleo sobre tela, 2012. Coleção pública, Museu Histórico

da Câmera Federal, Brasilia.

_____________________________________________

Alethes: Periódico científico dos graduandos em Direito

da UFJF. Vol. 8, N. 15. (janeiro a junho de 2018)

Juiz de Fora: DABC, 2018. Semestral. 1.

Direito – Periódicos

ISSN 2177-4633

_____________________________________________

As opiniões expressas são de inteira responsabilidade de seus autores

Esta publicação conta com o apoio do Diretório

Acadêmico Benjamin Colucci, da Faculdade de Direito da

Universidade Federal de Juiz de Fora.

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“Nunca se vence uma guerra lutando sozinho

Cê sabe que a gente precisa entrar em contato

Com toda essa força contida e que vive guardada

O eco de suas palavras não repercutem em nada

É sempre mais fácil achar que a culpa é do outro

Evita o aperto de mão de um possível aliado

Convence as paredes do quarto, e dorme tranqüilo

Sabendo no fundo do peito que não era nada daquilo

Coragem, coragem, se o que você quer é aquilo que pensa e faz

Coragem, coragem, eu sei que você pode mais”

Raul Seixas em Por Quem os Sinos Dobram

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Conselho Editorial Editores Gerais

Acadêmico Felipe César de Andrade (UFJF)

Acadêmico Eduardo Khoury (UFJF)

Editores /as Adjuntos/as

Acadêmico Bruno Barbosa (UFPB)

Acadêmico Caio Hoffman (UFJF)

Acadêmico Igor Ladeira dos Santos (UFJF)

Acadêmico Jardel Felisberto Henriques Júnior (UFJF)

Acadêmica Lívia Calderaro (UFJF)

Acadêmica Maria Fernanda Campos Goretti de Carvalho (UFJF)

Acadêmico Mário Bani (UFJF)

Acadêmico Rainer Bomfim (UFOP)

Acadêmico Valdemir Souto (UFJF)

Conselheiros/as

Drª. Alice Rocha da Silva (UniCEUB)

Dr. Amauri Cesar Alves (UFOP)

Doutorando Brahwlio Soares de Moura Ribeiro Mendes (UFMG)

Doutoranda Bruna Mariz Bataglia Ferreira (PUCRio)

Dr. Bruno Camilloto Arantes (UFOP)

Dr. Bruno Stigert de Sousa (UFJF)

Drª. Clarissa Diniz Guedes (UFJF)

Drª. Cláudia Maria Toledo da Silveira (UFJF)

Drª Daniela de Freitas Marques (UFMG)

Me. Daniel Brant Costa (UFOP)

Drª Eliana Conceição Perini (UFJF)

Drª Elizabete Rosa de Mello (UFJF)

Drª Ellen Rodrigues (UFJF)

Doutorando Felipe Comarela Milanez (Coimbra)

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Drª Fernanda Maria da Costa Vieira (UFJF)

Dr. Fernando Ramalho Ney Montenegro Bentes (UFRRJ)

Dr. Federico Nunes de Matos (UFOP)

Drª Joana Machado (UFJF)

Drª Flávia Máximo (UFMG/UFOP)

Mestrando Jordan Oliveira (UFJF)

Me. Juliana Martins de Sá Muller (UERJ)

Doutoranda Kalline Carvalho Gonçalves (UFJF)

Drª Kelly Lissandra Bruch (UFRGS)

Dr. Leandro Zanitelli (UFMG)

Mestranda Leila Bittencourt Reis da Silva (UFOP_

Dr. Leonardo Alves Corrêa (UFJF)

Me. Lia Maria Manso Siqueira (UNEMAT)

Me. Luciana Tasse Ferreira (UFJF)

Me. Luiz Carlos Silva Faria Junior (UFJF)

Dr Marcus Eduardo de Carvalho Dantas (UFJF)

Doutorando Moacirr Henrique Júnior (Barcelona)

Me. Natália Cherchinaro Guimarães (UFOP)

Drª Nathane Fernandes da Silva (UFJF-GV)

Doutoranda Paola Angelucci (UFRJ)

Mestranda Rafaela Fernandes Leite (UFOP)

Drª Raquel Bellini de Oliveira Salles (UFJF)

Dr. Ricardo Sontag (UFMG)

Dr. Siddartha Legale (UFRJ)

Drª Silvana Henkes (UFU)

Me. Tatiana Paula Cruz de Siqueira (UFJF)

Dr. Tiago Cappi Janini (UENP)

Dr. Tiago Vinicius Zanela (CEDIN)

Dr. Thiago Paluma (UFU)

Mestranda Thaís da Silva Barbosa (UFJF)

Mestre Vitor Schettino (UERJ)

Drª Waleska Marcy Rosa (UFJF)

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Sumário Conselho Editorial | Editorial Board | 1

Sumário | Summary | 5

Editorial | Editorial | 7

Artigos | Articles | 13

O direito humano a alimentação adequada como direito fundamental| The human right to

adequate food as a fundamental right | 15 Lemos Débora Cristina de Souza

O direito a identidade genética na inseminação heteróloga | The right to genetic identity in

heterologous insemination | 34 Bruno Felipe Barbosa de Paiva Rebeca Fernandes Barbosa

A carreira do Direito na Academia: algumas dificuldades do ensino jurídico | The Law

Carrer in the Academy: some difficulties in Law teachings | 48 Bernado Burlamanqui

Entrevistas | Interviews | 74

Entrevista com o Profº Adityas Matos | Interview with Adityas Matos | 76

Entrevista com o Profº José Luiz Quadros | Interview with José Luiz Quadros | 85

Normas de Publicação| Publication Norms | 93

Alethes | 5

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Alethes | 9

Editorial

A Alethes chega à sua décima quinta edição com perseverança e com a certeza de

que o espaço que se propõe a ocupar tem cumprido papel essencial na formação dos

graduandos brasileiros, sobretudo, mas não apenas, aqueles que estudam de forma direta

o campo jurídico.

Esse espaço, em verdade, precisa ser sempre ocupado para que permaneça vazio.

Continuamos a perseguir a missão que a Alethes começou a empreender de forma pioneira

de oferecer aos graduandos brasileiros um campo aberto para o desenvolvimento e

apresentação de seus trabalhos acadêmicos, mas não é apenas isso.

Ainda com maior apreço, perseguimos o objetivo de que os trabalhos

desenvolvidos pelos acadêmicos resultem de suas maiores inquietações, conflitos,

apreensões; que sejam fruto de seu amor e de sua irresignação, que, com sabedoria, têm

poder transformador; que os permitam e, mais do que isso, os provoquem, a refletir sobre

aspectos que nem sempre têm espaço em sala de aula ou nos ambientes de preparação

para o mercado de trabalho.

Somos muito gratos aos autores e às autoras Bernardo Burlamaqui, Bruno Felipe

Barboza de Paiva, Débora Cristina de Souza Lemos e Rebeca Fernandes Barbosa, que

confiaram ao Periódico Alethes alguns dos frutos de suas intranquilidades. Os seus

trabalhos, com temas como o direito humano à alimentação adequada, a carreira

acadêmica jurídica e a construção de conhecimento e o direito à identidade genética

chamam a atenção por terem como foco de análise o escopo dos direitos fundamentais

constitucionalmente garantidos e a força da constituição enquanto promotora e

garantidora desses direitos.

Além dos artigos enviados pelos graduandos, compusemos para esta edição um

dossiê temático composto por entrevistas com os professores Andityas Soares de Moura

Costa Matos e José Luiz Quadros de Magalhães, da UFMG. Fizemos a eles

questionamentos relacionados aos seus trabalhos recentes e de maior relevância, com

vistas a saber o que eles pensam da nossa Constituição Republicana e como refletem sobre

a sua força atualmente.

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O dossiê, intitulado A Força da Constituição, foi motivado objetivamente pelo 30º

aniversário da Constituição de 1988. Por outro lado, o cenário político brasileiro do

momento deixa ainda mais evidente a necessidade de reflexão profunda e transformadora

acerca do papel que a Carta Magna, reconhecida pelo caráter democrático e social, tem

sido capaz de exercer em relação à concretização dos direitos fundamentais e à redução

das desigualdades.

Esperamos com o conhecimento e senso crítico apresentados pelos graduandos e

entrevistados sobre o potencial da Constituição de 1988 e a conjuntura de nosso país

provocar os leitores do Periódico a se inquietarem e a se motivarem para buscar perguntas

que precisam de resposta para, a partir delas, buscar outras perguntas. Acreditamos que

as soluções só podem surgir em meio às incertezas, em meio à dúvida, em meio à

incessante transformação de potência em ato.

A dúvida jamais pode ser paralisadora. Ao contrário: a certeza de que nada é ou

não é, mas está, deve nos inspirar a construir a partir de todo questionamento, de todo

problema, de toda dúvida. Um projeto é precisamente isso: a contínua resolução de

problemas e de seus inúmeros desdobramentos que inevitavelmente surgirão, e

continuarão a surgir. É algo vivo. O estado democrático e social é um projeto, cujo partido

é a carga axiológica constitucional: esse partido deve orientar a resolução das questões

que se apresentam no cotidiano político, jurídico, executivo e em todos os âmbitos de

poder estatal. Um partido precisa apenas de uma característica para que cumpra com a

sua função: precisa ser forte.

Nós acreditamos que, para que tenha a força que inspirou a sua criação, a

constituição, os institutos jurídicos e a política precisam ser objeto constante reflexão e

discussão por pessoas de todos os locais de fala. A Alethes reafirma o seu compromisso

de se manter aberto e disponível para expor as reflexões dos graduandos brasileiros e

contribuir para o desenvolvimento de cidadãos capazes de modificar a realidade a partir

de suas inquietações. Para os leitores, visamos a apresentar sempre conteúdo original e

de qualidade, revisado por pares por meio do processo duplo-cego, já completamente

implementado, e os mais rigorosos padrões editoriais.

Chegamos à décima quinta edição, portanto, nos colocando humildemente, mas

com muita audácia, como campo profícuo para o contínuo diálogo e desenvolvimento de

ideias pelos acadêmicos brasileiros. Mais do que isso, aliás, pretendemos – ainda com

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mais audácia – , ser um espaço de ação para todos os graduandos a quem amar e mudar

as coisas interessa mais.

Esperamos que a leitura desta edição seja despertadora de um desejo de ação e

que, no próximo semestre, seja a sua inquietação publicada neste espaço em forma de

artigo, poema ou ensaio. O Periódico Alethes já está recebendo trabalhos pelo sistema de

submissão contínua. Boa leitura!

Eduardo Khoury e

Felipe César de Andrade

Editores-gerais do Periódico Alethes

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MUNIZ, N. S. V. et al. Nudem: suas práticase visão sobre o problema da violência contra a mulher

Alethes | 15

O direito humano à alimentação adequada como direito fundamental The human right to adequate food as a fundamental right

LEMOS, Débora Cristina de Souza1

Resumo

No presente trabalho, visa-se abordar o direito humano à alimentação adequada e

sua efetivação, tendo em vista os desafios de sua exigibilidade. Este artigo esclarece,

portanto, que a realização do direito humano à alimentação adequada está fortemente

relacionada ao conceito de segurança alimentar; contudo, é necessário visualizá-lo como

um objetivo mais vasto e abrangente. Assim, analisa-se a implementação das obrigações

relativas a esse direito humano que o Estado se comprometeu a respeitar. Por fim,

objetiva-se demonstrar que o Brasil, em primeiro lugar, criou normas e legislações em

conformidade com os tratados internacionais que propõem a garantia do direito humano à

alimentação e, em segundo, estabeleceu como obrigação a garantia de sua efetivação

conforme compromissos assumidos internacionalmente.

Palavras-chave: direitos humanos; segurança alimentar; alimentação adequada.

Abstract

This work to approach the human right to adequate food and its effectiveness, in

view of the challenges of its enforceability. This article indicates that the realization of the

human right to adequate food is strongly related to the concept of food security, however,

it is necessary to observe it as a wider and more comprehensive objective. It analyzes the

implementation of the obligations concerning to human right that the State compromised

to respect. Finally, the goal of this study is to demonstrate that Brazil has created norms

and legislation in accordance with international treaties which proposes to ensure the

human right to food and established as obligations this purpose in accordance with

international commitments.

Keywords: human right; food security; adequate food.

1 Aluna do curso de Direito da Universidade Estácio de Sá – Rio de janeiro (UNESA). Atualmente, participa do grupo de pesquisa Direitos Humanos e Desenvolvimento e Observatório de Direitos Humanos - ODIHH. É estudante PIBIC/ Voluntária de Iniciação Científica da Universidade Estácio de Sá.

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Alethes: Per. Cien. Grad. Dir da UFJF, v. 08, n. 15, pp. 215-233, jant/jun, 2017

Alethes | 16

Introdução

Reconhecidos como valores universais, os direitos humanos começam a ter maior

destaque em 1948, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH),

elaborada pela Organização das Nações Unidas (ONU). No âmbito internacional, os

principais diplomas jurídicos que visam garantir os direitos humanos são: a já evidenciada

DUDH, de 1948, e o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

(PIDESC), de 1966. Já no Brasil, nos últimos anos, criaram-se importantes normas em

concordância com os tratados e com as convenções internacionais. Logo, a alimentação

adequada já é reconhecida, nacional e internacionalmente, como um direito humano,

assumida a sua relevância para a existência humana. Entretanto, trata-se de um direito

violado diariamente em todo o mundo.

Em razão desse contexto, intenciona-se, neste presente artigo, analisar essa questão no

âmbito nacional, mesmo que sumariamente. Para tanto, estruturou-se um estudo de cunho

bibliográfico e de natureza qualitativa, ancorando-o na pesquisa em livros, periódicos e

artigos.

Para o desenvolvimento do tema, analisam-se os direitos humanos e fundamentais, seus

conceitos e sua evolução; apresenta-se a evolução do direito humano à alimentação

adequada e da segurança alimentar; debatem-se os marcos legais desse direito e seu

gradativo reconhecimento até a inclusão na Constituição Federal por meio da Emenda

Constitucional n.º 64 de 2010; e, por fim, analisam-se sua violação e sua efetivação, além

de se apresentarem propostas para a possível reparação dessas violações e identificarem-

se as instituições que já dispõem, na prática, de instrumentos para a exigibilidade do

direito humano à alimentação adequada.

1 – Desenvolvimento

A fome e a miséria são problemas que se perpetuam ao longo dos séculos como

questões de extrema gravidade. Encarar esse tema seriamente é uma tarefa para a

solidificação da dignidade humana e do direito humano à alimentação adequada. Esse

direito fundamental tem sido reconhecido em instrumentos internacionais e nacionais e

nas doutrinas e tem ganhado espaço nas políticas públicas. Afinal, a alimentação é uma

necessidade vital, pois não existe a possibilidade de vida sem alimento.

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Apesar de evidente a legitimidade de uma alimentação adequada e de já reconhecida

nacional e internacionalmente a sua importância, há o desumano abandono desse direito

no Brasil. Por consequência, existe a aceitação desse descaso por grande parte da

sociedade e a total negligência por parte do Estado, o que implica a violação diária desse

direito no País, pondo em risco a dignidade humana, preceito máximo do Estado

Democrático de Direito.

1.1 – Os Direitos Humanos e Fundamentais

Nem sempre foi comum tampouco simples a habitual ideia de que todos são seres

humanos e de que, por isso, têm o direito de ser igualmente respeitados pela simples

conjuntura da natureza humana. Tal conceito foi concebido gradualmente no decorrer da

História, afinal, outrora, alguns grupos de homens eram tratados como indivíduos de uma

espécie animal diferente. Essa concepção de igualdade essencial foi determinada de modo

progressivo, além de desenvolvida, sucessivamente, na área da religião, da filosofia e da

ciência (COMPARATO, 2010).

O preceito de igualdade fundamental em virtude da essência da pessoa como ser

humano configura a base do conceito universal de direitos humanos. O termo não é

redundante, pois se trata de direitos universais a toda a espécie humana, os quais decorrem

de sua própria condição enquanto homem (COMPARATO, 2010).

Fábio Konder Comparato (2010) evidencia que, apesar de já haver a consideração de que

todos os homens são iguais como seres humanos, admitiram-se, por séculos, a escravidão,

a ideia de inferioridade da mulher em relação ao homem e a de subalternidade dos povos

colonizados em relação aos colonizadores. Observa-se, ainda hoje, uma desigualdade

estabelecida pela raça, pelo sexo e/ou pela posição da atividade exercida na vida social

(status social). Essa constatação se torna indiscutível e clara, ao passo que tenham sido

necessários séculos para que uma organização internacional resultasse da junção de quase

toda a população da Terra e proclamasse uma Declaração Universal de Direitos Humanos

(DUDH), cuja abertura discorre que “todos os homens nascem livres e iguais em

dignidade e direitos” (COMPARATO, 2010).

O filósofo Immanuel Kant caracterizou a humanidade como espécie, assinalando

que todo ser humano, em sua individualidade, é insubstituível, ou seja, todo homem,

diferente das coisas, tem dignidade e não um preço, não podendo assim ser trocado por

coisa alguma (COMPARATO, 2010). Contudo, para Karl Marx, com o desenvolvimento

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Alethes | 18

do sistema capitalista, há uma transformação das pessoas em coisas. O estudioso

evidenciou essa coisificação das pessoas, expondo a inversão da relação entre personae e

res. Enquanto o capital é elevado à dignidade, o trabalhador é rebaixado à condição de

mercadoria (COMPARATO, 2010).

Comparato (2010) comentou que o reconhecimento dos direitos humanos de

caráter econômico e social foi um dos benefícios herdados do movimento socialista, pois

se reconheceu que o titular desse direito é o grupo de seres humanos constrangidos pela

miséria e pela fome. Os socialistas perceberam que esses grupos não eram decorrências

necessárias da organização econômica, mas sim resultado de uma atribuição de elevado

valor aos bens de capital e de uma inferiorização ao valor das pessoas.

Toda essa longa produção teórica foi incorporada pela DUDH de 1948, que, em seu art.

7º, declara que todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento de sua personalidade

jurídica, ou seja, ao seu reconhecimento como pessoa. Nesse sentido, os direitos humanos

foram denominados como princípios mais importantes da coexistência humana.

Com a DUDH de 1948, os direitos humanos se tornam universais, na perspectiva de que

o alvo não é mais apenas o cidadão deste ou daquele Estado, e sim todos os homens. É

nesse entendimento que Norberto Bobbio (2004) afirma que, no final, os direitos do

cidadão transformar-se-ão, de fato, em direitos do homem. Serão direitos sem fronteiras

que compreendem toda a humanidade.

1.2 – Evolução do direito humano à alimentação adequada e conceito de segurança

alimentar

Com a criação da ONU e da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e

a Alimentação (FAO), ambas em 1945, o conceito de Segurança Alimentar foi

reconhecido como um problema de escassez global de alimentos, cuja ocorrência se

constatava nos países mais pobres.

A FAO, já nessa época, tinha como objetivo resolver esses problemas visando à

alimentação como direito humano fundamental, o que buscava melhorar o aumento do

consumo e a qualidade desses alimentos. A FAO, no entanto, não teve autoridade nem

financiamento para desenvolver qualquer ação internacional e, por isso, suas propostas se

limitaram ao contexto de recomendações.

Essa estratégia se alinhava a uma abordagem de direitos humanos que levou ao

reconhecimento do direito à alimentação pelo artigo 25 da DUDH (1948):

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Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à

sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao

vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços

sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na

invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de

subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.

Já o reconhecimento do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) foi

alcançado na Assembleia Geral da ONU, em 1966, no PIDESC, que, em correspondência

com a DUDH, proclama, em seu artigo 11, o direito à alimentação e o de toda pessoa estar

livre da fome.

Artigo 11 § 1º Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de

toda pessoa a um nível de vida adequando para si próprio e sua família,

inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma

melhoria continua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão

medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo,

nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no

livre consentimento.

§ 2º Os Estados Partes do presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental

de toda pessoa de estar protegida contra a fome, adotarão, individualmente e

mediante cooperação internacional, as medidas, inclusive programas concretos,

que se façam necessárias para:

1. Melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros

alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos,

pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou

reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a

utilização mais eficazes dos recursos naturais;

2. Assegurar uma repartição equitativa dos recursos alimentícios mundiais em

relação às necessidades, levando-se em conta os problemas tanto dos países

importadores quanto dos exportadores de gêneros alimentícios.

Ainda nos anos 60, houve um impulso de modernização da agricultura segundo a

justificativa de um avanço tecnológico da agricultura para conquistar uma produção maior

nos países com carência de alimentos. À vista disso, almejou-se erradicar a fome existente

no mundo e, dessa forma, acabar com a insegurança alimentar. Esse avanço, conhecido

como Revolução Verde, surgiu por meio dos progressos nas pesquisas realizadas em

sementes, com a aplicação de agrotóxicos e com os outros mecanismos que aumentaram

a produtividade. Tal movimento foi apoiado pelos Estados e teve forte investimento

público e político.

A resposta desse método, conectado à proposta da FAO de atingir o crescimento

da produção alimentar, sucedeu ganhos, porém com custos ambientais enormes.

Continuava, ainda assim, um conceito de Segurança Alimentar concentrado no produto e

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Alethes | 20

não no indivíduo ou no seu direito à alimentação, focalizado no aumento de produção dos

alimentos sem pensar na qualidade que eles apresentavam.

Pessoas morrem de fome ainda que o mundo tenha capacidade para produzir alimentos

em quantidade suficiente. Fica claro que o problema é de distribuição e não de produção

de alimentos, como concluiu Josué de Castro (2011, p. 22): “Mundo capaz de produzir

alimentos para cinco bilhões de homens, segundo os cálculos de East, oito bilhões,

segundo os de Penk, e onze bilhões, segundo os de Kucszinski; portanto, pelo menos para

o dobro da população atual”.

Flávio Valente (2002) demonstra que, desde 1950, o Brasil produz alimentos

suficientes para alimentar toda a sua população. Dados divulgados pela Companhia

Nacional de Abastecimento (Conab) e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento (MAPA) corroboram que essa produção aumenta anualmente, conforme a

Figura 1, que apresenta a projeção da produção de grãos: uma estimativa de 238,7 milhões

de toneladas para a safra de grãos 2016/17:

Fonte: Conab (2017)

Como observado, apesar do aumento da produção de alimentos e do crescimento

econômico, não houve redução da fome mundial. Por exemplo, nos países em

desenvolvimento, a ocorrência da fome aumentou com o seu crescimento populacional. A

FAO recomendou o desenvolvimento econômico dos países mais pobres por intermédio

do aumento na produção de alimentos desses mesmos países. Porém, não houve acordo.

Retomando a evolução histórica do conceito de segurança alimentar, em 1981, houve uma

contribuição de Amartya Sem (1998) que, em seu livro Pobreza e fomes: um ensaio sobre

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direitos e privações, concluiu que a causa da fome não era a escassez de alimentos, mas

sim a possibilidade do acesso aos alimentos (a pobreza e a falta de poder de compra). O

conceito de Segurança Alimentar, assim, transferiu-se da disponibilidade para o acesso

aos alimentos, levando o foco do produto para o indivíduo e sua análise de nível global e

nacional para o nível doméstico e individual.

Em 1996, houve um avanço no conceito de Segurança Alimentar, que passou a

englobar a qualidade nutricional, biológica e sanitária dos alimentos. Na Cimeira Mundial

de Alimentação (World Food Summit), reconheceram-se as novas dimensões do conceito

de Segurança Alimentar, que considerava: “Existe segurança alimentar quando as pessoas

têm, a todo momento, acesso físico e económico a alimentos seguros, nutritivos e

suficientes para satisfazer as suas necessidades dietéticas e preferências alimentares, a fim

de levarem uma vida ativa e sã” (FAO, 1996, p. 2).

Como é possível perceber, o conceito de segurança alimentar mudou

significativamente ao longo das últimas décadas. Ampliou-se da disponibilidade e da

estabilidade dos fornecimentos alimentares básicos a nível internacional e nacional para a

inclusão do acesso a nível doméstico e individual. Houve mudança não apenas no conceito

de acesso a alimentos em quantidades suficientes, mas que fossem também seguros e

nutritivos, o que leva em consideração a saúde e outros fatores.

Ao mesmo tempo que o crescente interesse era dirigido ao indivíduo no pensamento de

segurança alimentar, a década de 1990 testemunhou a crescente atenção ao direito à

alimentação, que estava largamente adormecido desde seu reconhecimento precoce na

DUDH e no PIDESC.

A atual definição de segurança alimentar da Cimeira Mundial de Alimentação,

observada anteriormente, tem uma semelhança considerável com a definição do direito à

alimentação, mas uma abordagem do direito à alimentação tem algumas características

distintas da segurança alimentar, as quais são referentes ao seu foco e ao seu alcance. O

direito à alimentação adequada, além dos fundamentos da segurança alimentar, resulta em

uma abordagem ampla, que se baseia no reconhecimento, na responsabilização e no

empoderamento dos direitos. Existe diferença entre promover políticas que visem

melhorar a segurança alimentar e reconhecer que os indivíduos têm direito a uma

alimentação de qualidade.

Como visto, pode-se dizer que os conceitos de segurança alimentar e o direito à

alimentação estão estreitamente relacionados entre si. É nas circunstâncias da segurança

alimentar que a realização do direito à alimentação é mais provável. Com o tempo, o

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conceito de segurança alimentar se tornou cada vez mais semelhante ao do direito à

alimentação, o qual oferece mais atenção à segurança alimentar a nível individual. Nesse

sentido, a melhoria da segurança alimentar levará à realização progressiva do direito à

alimentação.

Porém, a realização contínua do direito à alimentação deve implicar a utilização

de uma abordagem da segurança alimentar baseada em direitos que tenham características

distintas, pois a plena realização do direito à alimentação tem um objetivo mais amplo e

abrangente do que a segurança alimentar. É o direito à alimentação que reconhece

plenamente a dignidade do indivíduo, seu papel como sujeito, agente de mudança e

detentor de direitos.

O termo alimentação adequada é acompanhado de duas dimensões inseparáveis:

estar livre da fome e da má nutrição e ter acesso a alimentos saudáveis. Não existe

alimentação adequada quando a condição do consumo do alimento habitual de um

indivíduo é insuficiente para fornecer a quantidade de energia dietética necessária para se

manter uma vida normal, ativa e saudável.

A alimentação adequada ocorre quando o indivíduo tem acesso físico e financeiro

a alimentos em quantidade satisfatória (disponibilidade de alimentos), com um consumo

variado que forneça os diferentes nutrientes necessários para atender às demandas

fisiológicas. Para isso, deve haver estabilidade no fornecimento (ininterruptamente) e

segurança para o consumo, ou seja, os alimentos não devem dispor de contaminantes de

natureza biológica, física ou química nem de algum outro perigo que exponha a saúde da

população (BURITY et al., 2010).

Em virtude dos aspectos mencionados, admite-se que o direito à alimentação se

baseia no compromisso com o indivíduo e com os seus direitos. A abordagem do direito

ao alimento não deve ser fundamentada em objetivos políticos vagos nem ser suscetível a

redefinições frequentes. Deve haver obrigações específicas e claramente definidas,

possibilitando-se a formação de um conjunto mais amplo de abordagens apoiadas em

direitos que o Estado se comprometa a realizar.

Em 1999, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU produziu

um documento chamado Comentário Geral n.º 12 ao PIDESC, que trata exclusivamente

do direito humano à alimentação adequada. O referido direito inclui o acesso estável e

permanente a alimentos saudáveis e seguros, em quantidade suficiente e sem prejuízo na

implementação de outros direitos.

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O direito à alimentação não necessita de outra justificativa senão a ciência de

responsabilidade sobre ser capaz de assumir uma situação intolerável: muitos estão com

fome ou em situação de insegurança alimentar, compondo o escândalo da fome, da

miséria, da insegurança alimentar e da indignidade. Os homens não estão assumindo suas

obrigações mais óbvias.

1.3 – A internacionalização do direito humano à alimentação adequada e os marcos

legais no Brasil

O movimento de positivação e internacionalização dos direitos humanos teve

início na segunda metade do século XIX. Com o desfecho da Segunda Guerra Mundial, a

humanidade compreendeu, mais que em qualquer outro período histórico, a importância

e relevância da dignidade humana. Segundo Josué de Castro (2011, p. 21), após as duas

grandes guerras, “nas quais pereceram dezessete milhões de criaturas, dos quais doze

milhões de fome”, a alimentação começou a ser discutida com a devida importância.

A DUDH, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, representa o

marco dessa nova fase, ainda em desenvolvimento. A partir daí, foi desencadeado um

processo de defesa e promoção dos direitos humanos.

Verificou-se, anteriormente, que já na DUDH, em seu artigo 25, reconheceu-se o

direito à alimentação. Já o reconhecimento do Direito Humano à Alimentação Adequada

(DHAA) ficou definido no PIDESC, de 1966. Em 2002, o DHAA foi definido pelo Relator

Especial da ONU, para o referido direito, da seguinte forma:

O direito à alimentação adequada é um direito humano inerente a todas as

pessoas de ter acesso regular, permanente e irrestrito, quer diretamente ou por

meio de aquisições financeiras, a alimentos seguros e saudáveis, em quantidade

e qualidade adequadas e suficientes, correspondentes às tradições culturais do

seu povo e que garanta uma vida livre do medo, digna e plena nas dimensões

física e mental, individual e coletiva.

No Brasil, para que os tratados e as convenções internacionais de direitos humanos

sejam incorporados ao ordenamento jurídico interno, a aprovação do Poder Legislativo é

necessária, obedecendo ao processo de incorporação em conformidade com o artigo 5º,

parágrafo 3º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “§ 3º Os tratados

e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa

do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos

membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

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Nesse sentido, o Decreto Legislativo n.º 226/1991, que aprova o texto do PIDESC,

promulgado pelo Decreto n.º 591/1992, incorporou-o ao ordenamento jurídico brasileiro

com o status de norma constitucional. O PIDESC, então, entra em vigor no Brasil, quase

30 anos depois. Apesar disso, foi um dos primeiros países a regulamentá-lo, o que torna,

desde esse marco, o direito humano à alimentação adequada um direito constitucional de

todos os brasileiros.

Ainda que não se achasse satisfatória, a análise de um conjunto de artigos ― 3.º;

5.º, caput; 5.º, XXIII; 7.º, IV; 23, VIII e X; 170; 184; 186; 193; 196; 200, VI; 203; 208,

VII; 226, § 8.º, e 227 da Constituição Federal de 1988 ― coloca o direito humano à

alimentação adequada no centro do ordenamento jurídico brasileiro. Acrescente-se, ainda,

o artigo 79 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) sobre viabilizar

recursos para ações suplementares de nutrição para a melhoria da qualidade de vida da

população brasileira.

Em 2003, foi recriado o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

(CONSEA), passando a ter como prioridade o combate à fome e à miséria. O CONSEA

define políticas públicas voltadas para garantir o direito humano a uma alimentação

adequada.

Nos últimos anos, o Brasil teve avanços significativos no que se refere ao direito

humano à alimentação adequada. Essa preocupação com a questão alimentar está

evidenciada na prioridade de eliminar a fome e na recriação do CONSEA. Entretanto, esse

direito ainda está distante da realidade de muitos brasileiros (BURITY et al., 2010).

Em setembro de 2006, criou-se o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e

Nutricional (SISAN) por meio da Lei Orgânica de Segurança Alimentar (LOSAN), Lei

n.º 11.346/2006, que visou assegurar o direito humano à alimentação adequada, em

quantidade, qualidade e regularidade para todos. Este foi um avanço na definição e na

garantia do acesso ao alimento e a uma nutrição adequada, como direito humano

fundamental, um dos principais passos para assegurar a exigibilidade desse direito junto

aos órgãos do Poder Judiciário, garantindo que políticas públicas de fato tenham como

objetivo a superação da insegurança alimentar neste país de nítida desigualdade social. A

referida lei dispõe:

Art. 2º A alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente

à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos

consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as

políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança

alimentar e nutricional da população.

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§ 1º A adoção dessas políticas e ações deverá levar em conta as dimensões

ambientais, culturais, econômicas, regionais e sociais.

§ 2º É dever do poder público respeitar, proteger, promover, prover, informar,

monitorar, fiscalizar e avaliar a realização do direito humano à alimentação

adequada, bem como garantir os mecanismos para sua exigibilidade.

Por último, e não menos importante, houve a inclusão do DHAA no artigo 6.º da

Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional n.º 64 de 2010.

1.3.1 - Inclusão do Direito Humano à Alimentação Adequada na Constituição

Federal de 1988 por meio da Emenda Constitucional n.º 64/2010

O Direito Humano à Alimentação Adequada é uma resposta à fome e o seu

desenvolvimento jurídico está em progresso, tendo em vista a aprovação da Emenda

Constitucional n.º 64, em 2010 (EC n.º 64/2010), que inclui a alimentação no rol dos

direitos sociais da Constituição Federal de 1988.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) foi

alterada pela EC n.º 64/2010, dando nova redação ao seu artigo 6.º, ao incluir o direito à

alimentação como mais um direito social, que passa a vigorar assim: “Art. 6º São direitos

sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,

na forma desta Constituição.”

Tal iniciativa foi resultado de um processo de lutas pelo reconhecimento do

problema da pobreza, da fome e da insegurança alimentar enfrentado no País. Ao conceder

o tema do direito à alimentação na Constituição, expresso no artigo 6.º como um direito

social, mesmo que muitos dispositivos já o garantissem indiretamente, reafirmou-se o

compromisso do Estado brasileiro em dar prioridade a esse assunto. Além disso, o

reconhecimento oficial pela Carta Magna oferece mais segurança à população brasileira

quanto a sua exigibilidade.

O direito de se alimentar em quantidade suficiente e de forma qualitativa é uma

extensão do direito à vida. O acesso a esse direito, se negado, viola também, e portanto, o

direito à vida. Consequentemente, não há razão de ordem econômica ou política que

fundamente a sua negação. É inconcebível que a fome tenha voltado a crescer e que o

número absoluto de pessoas no mundo afetadas pela privação de alimentos seja estimado

em 815 milhões, o que representa 11% da população mundial sofrendo de fome. Segundo

o relatório da FAO e outras quatro agências da ONU, divulgado em setembro de 2017,

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houve um aumento de mais de 38 milhões de pessoas comparado ao ano de 2015, um

regresso da tendência sustentada nas últimas décadas (FAO, 2017).

1.4 – Efetivação do direito humano à alimentação adequada no Brasil

O crescimento da fome e da insegurança alimentar é um fenômeno global e um

atestado de fracasso para toda a humanidade. Esse resultado é consequência da falta de

políticas públicas internacionais e nacionais ou da inadequação das políticas existentes,

de modo a garantir o DHAA e a dignidade humana. O Estado é obrigado a assegurar, a

todos os indivíduos que estão sob sua jurisdição, o acesso à quantidade mínima e

suficiente e à qualidade dos alimentos. Evidencia-se que essa quantidade deve garantir a

todos os cidadãos estarem livres da fome (BRASIL, 2011).

Contudo, apesar de a exposição mais grave da insegurança alimentar ser a fome,

sua erradicação não garante a alimentação adequada, pois se trata de um direito a um

alimento de qualidade, diversificado, sem contaminantes e nutricionalmente adequado.

Josué de Castro (2011), na primeira metade do século XX, já denunciava a fome no Brasil,

onde dizia existir uma política de alimentação e nutrição traduzida como “política de

fome”. Tal afirmação continua sendo verdadeira. No entanto, não se pode limitar o DHAA

ao combate à fome, pois esse direito e sua evolução exigem um tratamento integrado e

completo.

Uma alimentação adequada e saudável é aquela que promove e mantém a saúde.

O processo de uma alimentação de qualidade surge da forma como o alimento é produzido,

da qualidade das sementes, do uso de agrotóxicos e de vários outros fatores. Há ainda uma

ideia equivocada de que uma alimentação adequada e saudável é cara, sem sabor e de

difícil acesso. Entretanto, esse entendimento está ultrapassado, pois hoje há

disponibilidade de alimentos saudáveis para qualquer renda, que é o caso, por exemplo,

da agricultura familiar.

O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, em 1999, definiu

que o Estado é o principal obrigado perante o DHAA e é seu dever respeitar, proteger e

prover esse direito. Ainda que o PIDESC tenha previsto que a realização dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais seja progressiva, isto não significa que ocorra quando e

como o Estado desejar, pois requer prioridade e o máximo de urgência possível. As

insuficiências de recursos podem ser obstáculos para que o Estado assegure o DHAA, mas

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ele deve provar que utilizou o máximo de esforços e dos recursos disponíveis para a

promoção desse direito.

O artigo 2.º da Lei 11.346/2006 (LOSAN) estabelece que cabe ao Estado adotar as

políticas e as ações que se façam necessárias para a promoção do DHAA e determina

ainda, em seu parágrafo 2.º, que é dever do poder público garantir os mecanismos para

que esse direito possa ser exigido perante o poder público.

Assim sendo, é necessário que o Estado adote medidas de proteção social visando

erradicar a fome e garantir a adequada nutrição, a sustentabilidade e o acesso a alimentos

saudáveis e de qualidade, englobando as duas dimensões do DHAA. Cabe ao Estado essa

obrigação, por intermédio da atuação dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e de

seus agentes, mas também cabe a todos os membros da sociedade, inclusive às pessoas

jurídicas, a responsabilidade perante essas obrigações na promoção do DHAA. Todos os

cidadãos têm a responsabilidade de respeitar e exigir do Estado a realização dos direitos

humanos (BURITY et al., 2010).

Toda difusão de direitos se constitui de um processo em permanente construção.

Por isso, a forma mais usual de efetivação dos direitos humanos é via políticas públicas,

que devem ser implementadas pelo Estado, sendo eficazes para a realização do DHAA de

sua população (BRASIL, 2011). Destaca-se a importância de observar a distinção entre a

incapacidade do Estado em cumprir a obrigação e a falta de vontade de realizá-la.

Segundo Norberto Bobbio (2004, p. 16), o problema crítico deste tempo, em relação aos

direitos humanos, não é fundamentá-los, mas sim protegê-los.

[...]. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza

e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos,

mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar

das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.

No Brasil, são muitos os desafios para a efetivação do direito à alimentação, muitos

associados ao desconhecimento de grande parte da sociedade sobre o conceito de

alimentação adequada como parte dos direitos fundamentais e, consequentemente,

suscetível de reclamação. A maioria das pessoas não sabe ainda que é possuidora de

direitos humanos. Não compreende, sobretudo, que é detentora de direitos econômicos,

sociais e culturais, o que inclui o DHAA. Em suma, permanece a falta de informação a

respeito dos Direitos Humanos e das obrigações do Estado.

É preciso compreender que os cidadãos necessitam estar corretamente informados sobre

seus direitos e obrigações. Assim, será mais fácil cobrar a responsabilidade do Estado por

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seus atos e omissões. Apoderar-se das informações e da exigibilidade dos direitos é o

caminho para prosseguir na garantia do DHAA e superar a realidade de sua violação.

Apesar de o Brasil ser Estado parte do PIDESC, ter aprovado vários tratados e

declarações internacionais e reconhecer em sua Constituição de 1988 o direito à

alimentação, a realização das duas dimensões ainda está longe de se tornar efetiva.

Analisando que as duas dimensões do DHAA têm que ser garantidas imediatamente, o

Brasil fica obrigado a assegurar a todos os cidadãos: a) medidas de proteção que visem

combater diretamente a fome; e b) projetos que objetivem o monitoramento da qualidade

desses alimentos.

A não execução das obrigações relacionadas à efetivação do DHAA previstas para

o Estado consiste em grave violação dos tratados internacionais por parte do Brasil.

Constitui uma incompatibilidade com as promessas feitas na Cúpula Mundial da

Alimentação. Representa também violação da lei maior, a CRFB/1988.

Entre as instituições que podem propor reparações para as violações de direitos

humanos, elencam-se o Ministério Público, a Defensoria Pública, os Conselhos de

Direitos Humanos e os Conselhos de Políticas Públicas. Além dessas instituições, existem,

por exemplo, as organizações não governamentais (ONGs), os movimentos sociais e os

sindicatos (BURITY et al., 2010). A prática da utilização desses instrumentos é o que se

pode chamar de exigibilidade, algo indispensável quando se fala sobre direitos humanos,

afinal esses direitos deixam de ter sentido, se não houver a possibilidade de realização.

Nos últimos anos, houve o avanço das políticas públicas no Brasil e muitas ações foram

adotadas para a realização progressiva do DHAA, porém a insegurança alimentar

permanece em muitos lares brasileiros. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostra

de Domicílios (PNAD, 2013), desenvolvida e divulgada pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE, 2013), aproximadamente 52 milhões de brasileiros não têm

acesso diário à comida de qualidade e em quantidade satisfatória, cerca de 22,6% dos

domicílios registrados, o que é um dado inquietante.

Assim, o objetivo n.º 2 da Agenda 2030 com os Objetivos para o Desenvolvimento

Sustentável, que buscam concretizar os direitos humanos, que traz a busca para acabar

com a fome, alcançar a segurança alimentar e a melhoria da nutrição e promover a

agricultura sustentável, está gravemente comprometido.

Em nível nacional, a exigibilidade do DHAA está prevista na LOSAN. Segundo a

Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos (ABRANDH), as alternativas para se

exigir sua realização e reivindicar sua violação possuem quatro dimensões: administrativa

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(órgãos públicos responsáveis pela garantia do DHAA), política (poderes Executivo,

Legislativo e Conselhos responsáveis pela fiscalização de políticas públicas), extrajudicial

(quase judicial, por exemplo, o Ministério Público) e judicial (poder Judiciário) (BURITY

et al., 2010).

A legislação brasileira elaborou e preservou instrumentos judiciais para a

exigibilidade dos Direitos Humanos perante o Estado. Todavia, esse dever não tem sido

acolhido. Para se ter sua real exigibilidade, deve-se incluir não só o direito de reclamar,

mas também o direito de obter uma resposta para a reparação da violação do direito por

parte do Estado.

Segundo a Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de Alagoas

(MPE/AL), Alessandra Beurlen, não é a jurisprudência que determina ao Poder Executivo

garantir o DHAA. Porém, na área do direito humano à saúde, por exemplo, existem

inúmeras decisões que reconhecem a constitucionalidade da intervenção do Judiciário

para exigir do Executivo a promoção, a exigibilidade e o reconhecimento do direito,

suprindo sua omissão (BRASIL, 2011).

Como já foi apontado, o problema da efetivação do DHAA não é apenas jurídico,

mas também político, pois necessita de medidas capazes de dar funcionalidade a esse

direito mediante programas de políticas públicas focadas em promover e garantir o direito

à alimentação (BRASIL, 2011). As ações do Estado são muito importantes para

proporcionar a sua difusão.

Infelizmente, as violações dos direitos humanos e em especial as do DHAA são

recorrentes, o que estimula reflexões sobre as normas jurídicas e sobre sua real

concretização no dia a dia, sobre o papel dos sujeitos como cidadãos e sobre o papel dos

agentes públicos, dos representantes e das entidades de movimentos sociais, tendo em

vista uma transformação. Lamentavelmente, muitas pessoas desconhecem que têm

direitos e os mecanismos existentes para exigi-los.

Em relação ao combate à fome, existe uma divisão de opiniões sobre as práticas

assistencialistas. Apesar disso, é importante considerar que há indivíduos morrendo de

fome agora e que, por isso, não podem esperar. Porém, esses indivíduos precisam superar

essas práticas paternalistas, com geração de condições para trabalho, renda, educação e

outras necessidades básicas para que, assim, não dependam eternamente de ações sociais

e doações (BRASIL, 2011).

No plano nacional, o Ministério Público (MP) vem desempenhando significativo

papel no progresso do DHAA. A CRFB/1988 estabelece sua responsabilidade na defesa

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dos interesses sociais e individuais indisponíveis, em particular no que diz respeito ao

cumprimento do dever do Estado. Existem alguns exemplos de iniciativas do MP em

diferentes municípios que garantem os direitos humanos.

A Constituição Federal, em seu artigo 134, define a Defensoria Pública e prevê,

além de outras funções, a defesa e a promoção dos direitos humanos.

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do

regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos

direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos

direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados,

na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. (BRASIL,

1988, grifo nosso)

A Defensoria Pública da União vem intensificando seu trabalho na área dos

Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais nos últimos anos. Ela possui assento

em comissões permanentes do CONSEA que versam sobre monitoramento das violações

ao Direito Humano à Alimentação Adequada. Em razão desse papel indispensável na

defesa dos direitos humanos, torna-se imprescindível a criação de Defensorias Públicas

nas cidades onde ainda não existem.

Como adverte Asbjorn Eide (1995, p. 40):

Caminhos podem e devem ser encontrados para que o Estado assegure o

respeito e a proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais, de forma a

preservar condições para uma economia de mercado relativamente livre. A ação

governamental deve promover a igualdade social, enfrentar as desigualdades

sociais, compensar os desequilíbrios criados pelos mercados e assegurar um

desenvolvimento humano sustentável. A relação entre governos e mercados

deve ser complementar.

Conclusão

O presente artigo objetivou apresentar os procedimentos necessários para a real

garantia e efetivação do direito humano à alimentação adequada, até porque o direito de

se alimentar com dignidade é exercido à medida que as dificuldades de cada realidade

específica são superadas. Vale acrescentar que, no Brasil, são diversificadas as realidades

e as dificuldades.

Assim, a efetivação dos direitos humanos, primeiramente, implica o cumprimento

dos tratados, dos acordos, das convenções e das demais normas relativas a esse direito.

Para tal, o Estado tem a obrigação de criar mecanismos necessários para a exigibilidade

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do DHAA. Tais procedimentos devem ser disponibilizados em todas as esferas dos

Poderes Executivo, Legislativo e principalmente Judiciário, implementando e

fortalecendo instituições de exigibilidade em âmbito federal, estadual e municipal.

O processo de garantir uma alimentação adequada, saudável e suficiente depende de

muitos fatores. É de vital importância a forma de sua produção, que conta com a qualidade

da semente utilizada, com o desenvolvimento ambiental sustentável, com a colheita, com

a condição do trabalhador e com diversos outros aspectos dos métodos de plantio e

colheita na produção desse alimento.

Observando o conceito de segurança alimentar, analisou-se que só será garantido

o DHAA quando houver integração de todas as fases de produção até o consumo dos

alimentos. No entanto, o modelo econômico vigente é uma ameaça a essa proteção, visto

que, por conta disso, o principal modelo agrícola está baseado na monocultura, no

emprego intensivo de fertilizantes e agrotóxicos, nos desmatamentos e na exportação da

produção.

A recuperação dos valores nutricionais dos alimentos, aliada à agricultura familiar

e aos modelos agroecológicos de produção, complementando com práticas de agricultura

urbana, é circunstância fundamental para o combate à fome, para a ampliação do acesso a

alimentos de qualidade e para a promoção do DHAA. Essas práticas são importantes

porque geralmente esses alimentos são produzidos para o autoconsumo e comercializados

localmente.

Enquanto os direitos humanos forem ignorados no Brasil, em especial o direito à

alimentação adequada, o exercício da cidadania fica impossibilitado, pois a alimentação é

direito fundamental do ser humano, inerente à sua dignidade e cidadania. É indispensável,

portanto, que a pessoa se alimente em quantidade e qualidade, ambas adequadas.

Referências

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FELIPE, B. B. P.; FERNANDES, R. B. O direito à identidade genética na inseminação artificial heteróloga

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O direito à identidade genética na inseminação artificial heteróloga

The right to genetic identity in heterologous donor insemination

Bruno Felipe Barboza de Paiva1

Rebeca Fernandes Barbosa2

Resumo

Este artigo intenta oportunizar um diálogo interdisciplinar acerca dos critérios éticos e

jurídicos que envolvem as técnicas de reprodução assistida, especialmente a fecundação heteróloga,

no que se refere à colisão entre os direitos fundamentais inerentes à pessoa do doador (direito à

intimidade – anonimato) e à pessoa gerada (direito à identidade – biológica e pessoal). Trata, ainda,

do direito de acesso à identidade genética, seu conceito e características como um direito da

personalidade e fundamental. Em contraposição, analisa o direito ao anonimato do doador de material

genético, seu conceito, status de direito da personalidade e fundamental, protegido pelo direito à

intimidade. Destaca a colisão de direitos fundamentais gerada pelo conflito entre o direito de acesso

à identidade genética e o direito ao anonimato do doador de material genético e, finalmente, a opinião

doutrinária para a solução do referido confl3ito no caso concreto.

Palavras-chave: Identidade genética. Anonimato do doador de material genético. Direitos

fundamentais.

Abstract

This article tries to have an interdisciplinary dialogue on the ethical and legal criteria

involving assisted reproduction techniques, especially the heterologous fertilization, with regard to

the collision between the fundamental rights related to the individual donor (right to privacy -

anonymity) and the person generated (right to identity - personal and biological). It even analyses the

way of access the genetic identity, its meaning and its characteristics, as the right of the personality

and fundamental. In contrast, it analyzes the right of anonymity of the genetic material donor, its

meaning, its status of the personality and fundamental rights which is protected by the right of

intimacy. Then, it highlights the fundamental rights collision caused by the conflict between the right

to access the genetic identity and the right of anonymity of the genetic material donor and, finally,

the doctrinal opinion for the solution for this conflict in a factual case.

Keywords: Genetic identity. Anonymity of the genetic material donor. Fundamental rights.

1 Graduando do curso de Direito da Universidade Federal Rural do Semi-Árido. 2 Graduanda do curso de Direito da Universidade Federal Rural do Semi-Árido.

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Introdução

O avanço da ciência trouxe mudanças significativas em todas as áreas da sociedade, com

especial destaque para a genética e reprodução. A partir de métodos como a reprodução in vitro,

passou-se a ter uma nova perspectiva para a análise do instituto familiar, tendo em vista que as

crianças provenientes de tais técnicas precisariam ter uma regulação especial para que seus direitos

pudessem vir a ser garantidos.

No âmbito da reprodução humana assistida, será dada especial atenção para a reprodução

humana heteróloga assim como suas implicações, tendo em vista que tal procedimento utiliza o

material genético de um doador que não é conhecido por quem vai recebê-lo, além de não se poder

informar para quem será doado. O que decorre daqui é o aparente conflito entre a vontade da criança

de conhecer sua ascendência, a começar por seu pai biológico, ou por questões ligados à saúde do

indivíduo e, do outro lado, o direito que foi assegurado ao doador de não ter sua identidade revelada,

evitando, dessa forma, as consequências jurídicas e sociais que decorrem do reconhecimento de uma

paternidade, mesmo não sendo esse o objetivo fundamental da busca pela origem genética.

Dessa forma, tem-se a identidade genética como pressuposto para a dignidade da pessoa

humana, além de constituir importante preceito para a formação da personalidade do indivíduo, sendo

um direito que busca a origem do ser e daqueles que o precederam.

Outro aspecto da reprodução humana heteróloga é o anonimato do doador que ao realizar a

doação de sêmen não tem qualquer intenção de estabelecer vínculos com o ser gerado, sem contar nas

implicações que poderiam surgir por ter seu direito ao anonimato atingido.

Desse modo, ocorre a colisão de direitos fundamentais que, por não terem expressa

regulamentação pelo ordenamento jurídico brasileiro, acabam apresentando posições diversas na

doutrina especializada, devendo ser analisado o caso concreto para que se possa saber qual dos

direitos em questão deve prevalecer, sem que com isso, se fale na exclusão total do outro direito,

assegurando, assim, a razoabilidade nas decisões judiciais.

Diante do quadro apresentado e visando compreender melhor a necessidade de observância

do Direito face o uso da inseminação artificial heteróloga, a presente pesquisa se direciona a responder

o seguinte questionamento: Quais as implicações jurídicas provenientes da colisão entre o direito à

identidade genética e o direito ao anonimato no caso de reprodução artificial mencionado?

Para tanto, a pesquisa a ser desenvolvida terá, ora natureza indutiva-científica, partindo do

fenômeno para chegar à lei geral, por meio do estabelecimento da relação causal entre os fenômenos

e a lei, e ora natureza dialética, com a interpretação dinâmica da realidade e dos conflitos existentes

para a resolução do problema da pesquisa.

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1. Breves considerações

A sociedade é constituída por meio das relações, sejam elas de sangue, afetivas ou sociais e

a perpetuação dessas relações depende da reprodução de nossa espécie. Entretanto, em muitos casos,

essa replicação genética de forma natural é impossibilitada por problemas de esterilidade ou

infertilidade, por exemplo. Em casos como esses, faz-se uso da reprodução humana assistida para que

o casal possa vir a ter sua descendência continuada, usando assim, dos avanços na Medicina e,

especialmente, da Genética para a realização de um desejo atinente à maioria dos casais: ter filhos.

Maria de Fátima Freire de Sá (2002) conceitua a reprodução assistida da seguinte forma:

“[...] conjunto de técnicas que favorecem a fecundação humana, a partir da manipulação de gametas

e embriões objetivando principalmente combater a infertilidade e propiciando o nascimento de uma

nova vida humana”.

Ainda nessa linha de pensamento, Andréa Aldrovandi e Danielle G. França explanam que:

A reprodução humana assistida é, basicamente, a intervenção do homem no processo de

procriação natural, com o objetivo de possibilitar que pessoas com problema de

infertilidade e esterilidade satisfaçam o desejo de alcançar a maternidade ou a paternidade.

(ALDROVANDI; FRANÇA, 2002, p. 12)

De tal forma, percebe-se que a reprodução humana sempre teve um espaço relevante na

história do Homem, pois a possibilidade de poder dar continuidade ao seu legado está intrinsicamente

ligada à dignidade, afinal, a própria Constituição Federal garante o direito à formação de uma família,

sendo assim, uma das maneiras que o ser humano pode achar para que tenha uma realização social

plena, podendo, ainda, ser causa para diversos problemas conjugais e familiares, como preceitua

Maria Helena Machado:

A impossibilidade de procriar não atinge somente psicologicamente o indivíduo, como

atinge diretamente o casal. Na mulher, priva-a insubstituível sensação do estado de mãe.

Enquanto no homem, o atinge no que ele tem de mais profundo, causando-lhe graves

desordens psicológicas e emocionais (MACHADO, 2011, p. 23).

Assim sendo, graças aos avanços vivenciados nas últimas décadas, as formas possíveis para

o aumento das famílias passou por sensíveis modificações, não tendo mais o casal que, inicialmente,

não poderia ter filhos biológicos, adotar, por exemplo, não precisando passar por tais situações. Essas

mudanças na ciência trouxeram diversas formas para se atingir o sonho de ter um filho e, sobre isso,

Bruno Brum Scheffer elenca cinco principais técnicas de reprodução:

A ciência coloca à disposição do homem, na atualidade, cinco variedades de técnicas de

reprodução [...]. São elas a inseminação artificial, a fecundação artificial in vitro (FIV), a

GIFT (transferência intratubária de gametas), a ZIFT (transferência de zigoto nas trompas

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de falópio) e a PROST (transferência em estágio de pró-núcleo). (SCHEFFER, 2003, p.

191)

A reprodução humana assistida pode ser homóloga ou heteróloga, sendo essa última, o ponto

principal de estudo a ser tratado nesse artigo em momento posterior. Cabe antes, fazer uma pequena

diferenciação entre tais tipos de reprodução assistida: a primeira é caracterizada pelo uso de materiais

genéticos exclusivos dos pais, ou seja, não há a presença de material doado por um terceiro alheio à

relação; já a segunda hipótese é concretizada em casos onde a reprodução assistida se perfectibiliza

com a doação de material genético por um terceiro anônimo ou quando do emprego de um embrião

doado por casal igualmente anônimo.

Note-se que o anonimato é requisito fundamental para a realização da reprodução assistida

heteróloga, tendo em vista que a criança oriunda desse procedimento não possuirá nenhum vínculo

com seus ascendentes biológicos.

Desse modo, as possibilidades de reprodução humana assistida são reguladas pelo Conselho

Federal de Medicina, por meio da resolução n. 2121/2015 e somente são possíveis em razão do direito

fundamental ao planejamento familiar, elencado no texto constitucional em seu art. 226, §7º. Como

bem apontado pelo doutrinador José Afonso da Silva (2005, p. 848) a “Constituição Federal não se

satisfaz em declarar livre o planejamento familiar. Foi mais longe, vedando qualquer forma coercitiva

por parte de instituições sociais ou privadas”.

Sendo com essa visão de direito fundamental que se deve analisar o estudo da reprodução

humana assistida, devendo, assim como os demais direitos, ser ponderado e analisado nos casos

concretos para que não se reste absoluto frente às demais garantias asseguradas pela Constituição

Federal.

1.1 A inseminação artificial heteróloga

A reprodução humana heteróloga é aquela que utiliza os gametas de um terceiro alheio aos

que procuram esse procedimento. Nesse sentido, afirma Machado:

O cônjuge ou companheiro que não produzir espermatozóides ou produzi-los em número

inferior ao necessário para que ocorra a fertilização, poderá resolver o seu problema de

infertilidade, utilizando-se de espermatozóides de doadores, através dos bancos de sêmen.

Neste caso, tem-se uma inseminação artificial heteróloga (MACHADO, 2011, p. 33).

Isso acaba gerando um maior número de problemas, tendo em vista a presença de um

estranho à relação do casal, trazendo consigo questões jurídicas e éticas que ainda não foram

abordadas de maneira plena por nossa legislação, como a possibilidade do acesso à identidade

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genética, ou seja, os casos em que o filho deseja conhecer seu pai biológico (o doador do material

genético) em contraposição ao direito à intimidade do doador. Seguindo este pensamento, Donizetti

questiona:

A possibilidade de se “fabricar um filho” por meio da inseminação artificial heteróloga,

por exemplo, trouxe à baila uma questão bastante intrigante, que é o resultado desse

fenômeno absolutamente inovador: o filho tem o direito ao conhecimento das suas origens

genéticas? Até que ponto a imposição do anonimato dos doadores e receptores de gametas

é salutar para a preservação da integridade psíquica do ser humano? (DONIZETTI, 2007,

p. 116).

O art. 1.597, V, do Código Civil de 2002 estabelece que os filhos serão presumidamente

"concebidos na constância do casamento" quando "havidos por inseminação artificial heteróloga,

desde que tenha prévia autorização do marido". Aponta o dispositivo a necessidade de "prévia

autorização do marido", devendo estar consciente e de acordo com o procedimento que resultará em

uma vida que, para efeitos legais, será seu filho, sem nenhuma discriminação.

Salienta-se, ainda, que, mesmo o artigo abordando apenas a existência de casamento, por

analogia, aplica-se à união estável, além de não haver a possibilidade de o doador vir a ser responsável

pela paternidade da criança a ser gerada, causando assim, esse tipo de inseminação, uma dissonância,

principalmente no meio jurídico, sobretudo porque, entre outras questões, a paternidade biológica

difere da sócio afetiva.

Restam ainda os casos em que a mulher receptora dos gametas masculinos não é casada, nem

possui companheiro, ou nas hipóteses dos casais homoafetivos, se eles mesmo assim, teriam direito

à utilização de tal técnica de reprodução e, se o tendo, deveria possuir, a criança, uma atenção

diferenciada por parte do Estado.

Sobre essa questão controversa Barroca se posiciona adequadamente:

Se a questão deste tipo de inseminação heteróloga se tratar de Direito, com enfoque no

principio da legalidade, verifica-se que não há lei que proíba a mulher sem marido ou

companheiro que se submeta aos tratamentos de fertilização com sêmen do doador. Em

relação à ética, a questão não é nem um pouco pacífica, havendo uma enorme polêmica

em torno do assunto. A declaração, pelo Estado e pela Igreja, de que o casamento criava

a família legítima com filhos legítimos, se incorporou na sociedade através dos tempos e

está até hoje presente na sociedade contemporânea e como consequência fez nascer uma

leva de filhos ilegítimos colocados à margem social. (BARROCA, 2006, p. 75).

Cabe saber ainda, das implicações práticas em casos como esses, porque a criança crescerá

e, muito provavelmente, vai querer saber quem é o seu pai biológico, qual a sua ascendência e os

motivos que o levaram a ser um doador, por exemplo.

Caberia então, a ponderação no que diz respeito ao direito dos pais que criaram de não

revelarem essa informação, tendo em vista que, para todos os efeitos legais, eles são os verdadeiros

pais do filho gerado, bem como do doador que teve a garantia de anonimato de sua identidade,

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caracterizado requisito fundamental para a doação, sendo o debate acerca da possibilidade de

revelação ou não de tal condição, espaço para outras discussões.

Mas não se pode deixar de ressaltar a importância desse tipo de procedimento para a

sociedade como um todo, tendo em vista a posição central que a família possui em tal meio,

proporcionando formas para que o casal, consciente das implicações trazidas por tal método, possa

conceber um tão desejado descendente, garantido assim, o direito inerente à toda e qualquer pessoa

de formar sua constituição de familia do jeito que quiser.

2. O direito à identidade genética

O direito à identidade genética tem seu fundamento com base na dignidade da pessoa

humana, conforme preceitua o art.1º, inc. III da Constituição Federal de 1988, estando intrinsicamente

ligado ao direito da personalidade, já que apresenta um caráter fundamental no desenvolvimento da

pessoa como ser social, abarcando condições que são inerentes à sua própria existência e por ser uma

condição de realização da pessoa: saber de onde veio, as causas de seu temperamento ou

características físicas, possíveis doenças genéticas e, até mesmo, para que não venha a ter relações

incestuosas com pessoas do mesmo laço sanguíneo sem que saiba de tal fato, pois, mesmo não

havendo grau de parentesco, relações sexuais entre pessoas com uma certa proximidade genética

podem ocasionar doenças hereditárias às futuras gerações. Paulo Luiz Netto Lôbo afirma:

[...] o objeto da tutela do direito ao conhecimento da origem genética é assegurar o direito

da personalidade, na espécie direito à vida, pois os dados da ciência atual apontam para

necessidade de cada indivíduo saber a história de saúde de seus parentes biológicos

próximos para prevenção da própria vida. Não há necessidade de se atribuir a paternidade

a alguém para se ter o direito da personalidade de conhecer, por exemplo, os ascendentes

biológicos paternos do que foi gerado por doador anônimo de sêmen, ou do que foi

adotado, ou do que foi concebido por inseminação artificial heteróloga [...]. (LÔBO, 2004,

p.13).

Neste sentido, o direito à identidade genética apresenta-se como reflexo do direito à vida, de

conhecer sua ascendência biológica, como decorrência da inviolabilidade de sua integridade moral,

sendo tal direito essencial e básico para o desenvolvimento da personalidade humana.

Para Francisco Amaral (2002, p. 243), os direitos da personalidade são “[...] os direitos

subjetivos que têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e

intelectual”.

A identidade genética pode ser vista sob três prismas: a primeira, como fundamento

biológico, por corresponder ao genoma de cada ser humano; a segunda corresponde às características

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genéticas entre dois ou mais indivíduos; e a terceira vem com a base fundamental da identidade

pessoal, compreendendo a identidade genética.

Essa identidade pessoal compreende muito mais do que apenas a identidade genética,

abarcando um conjunto de fatores culturais, políticos, sexuais e morais, tendo estreita relação com o

subjetivismo de cada ser humano, individualizando-o. Convergindo com esse pensamento, Selma

Rodrigues Petterle o conceitua:

O termo identidade genética está focalizado no indivíduo; na identidade genética do

indivíduo como base biológica de sua identidade pessoal. Nesse sentido, a identidade

genética corresponde ao genoma de cada ser humano, individualmente considerado. Sob

este prisma, significa dizer que identidade genética é sinônimo de individualidade

genética, permanecendo resguardadas, portanto, as diferenças de cada um. (PETTERLE,

2007, p. 26).

Maria Helena Diniz ainda explica:

O direito à origem genética (direito da personalidade advinda de inseminação artificial

heteróloga) é o de saber a história da saúde dos seus parentes consanguíneos, para fins de

prevenção de alguma moléstia física ou mental ou de evitar incesto, logo não gera o direito

á filiação, nem o direito alimentar e tampouco o sucessório. (DINIZ, 2002, p. 557).

Além disso, a busca pela identidade genética em nada implica na paternidade dos pais sócio

afetivos. Esse interesse, em regra, vem do desejo de se conhecer como ser humano e não de querer

mudar sua realidade, trocando de família ou quebrando laços afetivos, como muitos pensam. Seria

mais uma questão personalíssima que somente a própria pessoa pode decidir sobre, não podendo ser

imposta por aqueles que o criam ou pelo preconceito social, caso venha a existir. Neste sentido,

posiciona-se Silmara Chinelato:

[...] o direito à identidade genética não significa a desconstituição da paternidade dos pais

sócio afetivos. Hoje, enfatiza-se a importância da paternidade sócio afetiva e a

denominada "desbiologização" da paternidade. E o filho só conheceria os pais biológicos

se quisesse. O que não se pode é negar o direito da personalidade à identidade e fazê-lo

crescer sob uma mentira, como alertam os psicólogos. Um simples exame do tipo

sanguíneo pode destruir toda a fantasia de que a criança é filha biológica de um casal.

(ALMEIDA, 2007).

Ainda sobre isso, faz-se necessário ressaltar que o acesso à origem genética não cria, em

nenhum caso, obrigações para o doador, tendo em vista que essa procura não deve ser motivada para

o estabelecimento de vínculos afetivos entre as partes envolvidas.

O que não se pode é tirar da criança seu direito fundamental a saber de onde veio e,

principalmente, o direito de conhecer aqueles que o precederam em sua árvore genealógica, pois o

que se está tratando aqui é um pedido de acesso à origem genética e não uma ação de investigação de

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paternidade, resultando no direito à filiação, esta sim, trazendo todas as implicações sociais, familiares

e patrimoniais não apresentada na primeira.

A Constituição Federal de 1988 não possui, expressamente, em seu texto legal, esse direito

e nem poderia, se levarmos em consideração que ele é anterior até mesmo à época em que se passou

a poder descobrir a origem da pessoa por meio de uma análise genética, sem contar na possibilidade

do surgimento de novos direitos que visem proteger e regular o ser humano diante de tantos avanços

científicos, caracterizando o rol de direitos da personalidade como exemplificativo.

Até mesmo a Nova Lei da Adoção, alterando o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu

artigo 48, acabou por possibilitar o direito da criança adotada de conhecer sua origem biológica ao

atingir a maioridade, ou antes mesmo, quando houver um pedido do adotado. Este diploma poderá

ser usado pelos legisladores como ponto de partida e precedente para uma futura legislação acerca

das formas de reprodução humana assistida.

O direito à identidade genética nasce do princípio da dignidade da pessoa humana,

lecionando Selma Perttelle:

[...] é possível, inicialmente, construir os contornos do direito à identidade genética –

como direito fundamental implícito na ordem jurídico constitucional brasileiro –

especialmente a partir do princípio da dignidade da pessoa humana [...] e do direito

fundamental à vida, isso no âmbito de um conceito materialmente aberto de direitos

fundamentais, como cláusula geral implícita que tutela todas as manifestações essenciais

da personalidade humana. A identidade genética da pessoa humana, base biológica da

identidade pessoal, é uma dessas manifestações essenciais da complexa personalidade

humana (PERTTELLE, 2007, p. 92-93).

Apresentando um aspecto defensivo, o direito à identidade genética impõe limites ao Estado

em relação ao seu desenvolvimento envolvendo os estudos com a genética humana, assegurando-se

ao cidadão individual e à sociedade como um todo, a proteção do patrimônio genético, sendo

efetivado através de leis que disciplinem tais estudos e experimentos.

Por outro lado, sua dimensão positiva é mostrada quando se coloca a responsabilidade para

proteção do patrimônio genético no próprio Poder Público, como fez o legislador constituinte, pondo

o Estado no papel de incentivador de tais métodos, possibilitando no que lhe couber, prestações de

natureza jurídica e material aos indivíduos que buscam a tutela estatal para esse tipo de caso.

Como se percebe, a dignidade da pessoa humana é que permeia todo o embasamento do

direito à origem genética como algo fundamental, estando atrelado ao mesmo por não poderem ter

uma análise adequada se observado individualmente. Este princípio, nas palavras de Alexandre de

Moraes, é conceituado como:

[...] um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na

autodeterminação consciente e responsável da própria vida e traz consigo a pretensão ao

respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo

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estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser

feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a

necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (MORAES,

2006, p. 26).

Passasse então, ao aguardo de que o Direito possa vir a abarcar um conjunto normativo que

garanta o acesso à identidade genética e, por conseguinte, ao princípio da dignidade da pessoa

humana, assegurando o desenvolvimento científico que se faz indispensável nos tempos atuais, mas

não deixando de observar o respeito aos princípios constitucionais, dentre eles, o anonimato do doador

de sêmen.

3. O direito ao anonimato do doador

Para que ocorra a reprodução assistida heteróloga é necessário que se recorra a um banco de

sêmen composto pelo material genético de diversos doadores que, para realizarem tal doação, confiam

na inviolabilidade de sua identificação por parte dos receptores dos gametas.

Estabelece o Conselho Federal de Medicina que os doadores não devem conhecer a

identidade dos receptores e vice-versa, mantendo-se o sigilo sobre os envolvidos. Não há, portanto,

nenhuma regulamentação jurídica que trate especificamente sobre a matéria, havendo uma lacuna no

ordenamento jurídico brasileiro.

O referido direito apresenta grande importância para os dois lados da relação oriunda do

procedimento assistido heterólogo, tendo em vista a garantia ao doador que ele não virá a ser acionado

judicialmente para um reconhecimento de paternidade, ou terá afetada sua linha sucessória. De forma

diversa, também fica garantido ao fruto da reprodução, a segurança de permanecer com sua família

jurídica e de evitar a discriminação por parte da sociedade que ainda não está totalmente familiarizada

com tais técnicas. Ivelise Fonseca da Cruz afirma:

O anonimato do doador e o princípio do sigilo do procedimento, na reprodução assistida

heteróloga, são necessários para permitir à plena e total integração da criança na sua

família jurídica, promovendo, assim, o melhor interesse da criança ou do adolescente,

impedindo qualquer tratamento odioso no sentido da discriminação e estigma

relativamente à pessoa do fruto da reprodução humana assistida heteróloga. (CRUZ, 2008,

P. 127).

O direito ao anonimato fundamenta-se na proteção do doador de material genético, no

sentido de proteger o seu direito à intimidade, previsto no art. 5º, inciso X da CF/88. Além disso,

muitos especialistas no assunto alegam que a possibilidade de divulgação dos dados dos doadores

poderia fazer o número de doações caírem consideravelmente, tendo em vista que o desejo é,

justamente, de não ter qualquer tipo de relação com a criança gerada, garantindo assim, a intimidade

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do doador no que diz respeito a ter seus dados divulgados para terceiros sem que tal fato tenha sido

previamente acordado, protegendo, dessa maneira, aspectos sobre a vida particular do indivíduo.

Sobre o assunto, Denise Hammerschmidt aduz:

A intimidade é um direito inerente à pessoa, que não é preciso ser conquistado para

possuí-lo nem se perde por desconhecê-lo. É uma característica própria do ser humano

pelo mero fato de sê-lo. Esse direito, que na Constituição Federal brasileira tem

características de direito fundamental (art. 5°, X), apresenta suas raízes no direito ao

respeito da liberdade da pessoa, que se encontra na base de todo tipo de convivência e de

relações humanas. (HAMMERSCHMIDT, 2007, p. 93).

A mesma preocupação levou ao conteúdo do artigo 7 da Declaração Universal sobre Genoma

Humano e Direitos Humanos onde se lê que "quaisquer dados genéticos associados a uma pessoa

identificável e armazenados ou processados para fins de pesquisa ou para qualquer outra finalidade

devem ser mantidos em sigilo, nas condições previstas em lei".

Entretanto, Dirley da Cunha Júnior (2011, p.701) coloca que "a intimidade é a vida secreta

ou exclusiva que alguém reserva para si, sem nenhuma repercussão social, nem mesmo junto à sua

família, aos seus amigos e ao seu trabalho". Com esse pensamento, não estaria incluso no direito à

intimidade o anonimato do doador de gametas, por estar envolvendo o interesse de outro indivíduo,

ligado diretamente, ao seu material genético, sendo, portanto, um direito daquele que nasce da

reprodução artificial.

Voltando à questão do anonimato, Maria Cláudia Crespo Brauner afirma que:

[...] a identidade do doador só pode ser revelada em casos de critérios médicos

emergenciais, como, por exemplo, nas situações em que a pessoa tenha necessidade de

obter informações genéticas indispensáveis à sua saúde, ou quando da utilização de

gametas com carga genética defeituosa. (BRAUNER, 2003, p. 88).

Destaca-se que diversos lados foram formados acerca da possibilidade ou não do anonimato

do doador. A redução do número de doações, caso os doadores pudessem ser identificados congrega

com o anonimato absoluto. Ressalte-se que os doadores não gostariam de correr o risco de ter alguém

cobrando direitos decorrentes da paternidade.

Há correntes, todavia, defendendo a identificação do doador se a pessoa, que nasceu a partir

da inseminação artificial heteróloga, assim o desejar. Existe, entretanto, uma corrente intermediária

entendendo ser cabível revelar a identidade do doador nos casos de doenças hereditárias, por exemplo.

4. Colisão entre direitos?

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De acordo com parte da doutrina, existe certa contraposição entre os direitos fundamentais

à identidade genética e o sigilo do doador. Em casos assim, onde há uma divergência de interesses,

apresenta-se a necessidade de uma ponderação, devendo ser analisada a ocorrência prática para que

a norma, abstratamente prevista, seja aplicada ao caso concreto e possa afastar um dos direitos em

questão para sobrepor o outro, lembrando que não se está falando em excluir ou desconsiderar um

direito em detrimento do outro, mas sim, conseguir enxergar no caso em análise qual direito pode ser

suprimido sem que afete, substancialmente, o direito do ser humano.

Segundo Olga Krell:

Tratando-se de duas normas constitucionais com idêntica hierarquia e força vinculante,

caberá ao julgador ponderar e harmonizar os conflitos constitucionais em jogo, de acordo

com o caso concreto, a ele apresentado, recorrendo inclusive ao princípio da

proporcionalidade (KRELL, 2011, p. 177).

Essa colisão entre direitos fundamentais após um conflito na análise do caso concreto ocorre

sempre que se entender que a Constituição Federal de 1988 tutela, ao mesmo tempo, dois valores que

apresentam uma contradição real. Na reprodução assistida heterólga, apresenta-se a contradição entre

o princípio da dignidade da pessoa humana, abstratamente extraído do direito ao conhecimento

genético e o direito ao anonimato e à intimidade, oriundos do sigilo que deve cercar aquela terceira

pessoa de que se necessita para a realização de tal procedimento.

No direito à identidade genética busca-se a realização plena da personalidade do indivíduo

envolvido, tendo em vista que a dignidade humana está diretamente ligada ao que a pessoa é de fato,

não podendo ser totalmente compreendida sem que se saiba qual a origem.

Além disso, a questão de poder se ter uma complicação genética devido ao relacionamento

com um parente próximo, ou até mesmo um irmão, faz com que a necessidade de conhecimento da

identidade de seus ascendentes biológicos se torne tão importante para uma pessoa concebida por

reprodução assistida.

Casos em que se necessita de doação de órgãos, ou transfusão de sangue também são

elencados como pressupostos para a prevalência do direito à identidade genética frente ao anonimato

do doador.

Juliana Aprygio Bertoncelo exemplifica:

Imagine-se, hipoteticamente, que uma criança, fruto de inseminação artificial heteróloga,

desenvolve uma doença cujo tratamento necessário é o transplante de medula óssea, onde

somente aqueles que possuem compatibilidade é que podem realizar a doação. Neste caso

a saúde da criança é pressuposto para a quebra do direito ao anonimato. (BERTONCELO,

2011, p. 100).

Por outro lado, o anonimato vem para balizar a segurança jurídica oriunda da confiança

depositada pelo doador no ato do processo de doação de sêmen, de que não virá a ser responsabilizado

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por quaisquer procedimentos judiciais que visem o reconhecimento de paternidade, ou de direitos

sucessórios, por exemplo.

Ademais, não se tem a intenção de criar laços entre o doador e a criança gerada, já que a

família afetiva é quem de fato se responsabiliza familiar, social e patrimonialmente pelo filho gerado,

além de impedir que um terceiro interfira na formação do fruto da inseminação, pois o anonimato é

recíproco, ou seja, quem recebe os gametas não conhece o doador, assim como o mesmo também não

sabe quem fez uso de seu material genético.

O que se busca nesses casos é evitar a prevalência da paternidade biológica sob a afetiva.

Nesse sentido, reafirma Moura:

O doador, ao doar o seu sêmen, não tem a intenção de se tornar pai, não assume nem o

risco que existe numa relação sexual. A doação no banco de sêmen sem nem saber para

que fim será utilizado, não pode acarretar uma paternidade. Falta a vontade procreacional

no seu ato. (MOURA, 2005, p. 42).

Como é percebido, a doutrina brasileira ainda não apresenta uma resposta sólida aos casos

de confronto entre o direito à identidade genética e o direito ao anonimato do doador de sêmen.

Contudo, a tese majoritária dispõe que o direito à intimidade do doador somente poderá ser quebrado

em casos onde o indivíduo, fruto de uma reprodução assistida heteróloga for acometido por doença

que tenham estreita relação com sua origem genética, portanto, o acesso aos dados do responsável

genético só pode ser permitido e o anonimato desfeito, quando a saúde e a vida da pessoa estiverem

ameaçadas, mantendo assim, sua dignidade.

Por conseguinte, ao realizar um juízo de valor em cada caso concreto, chega-se à conclusão

de que, quando a vida de uma pessoa gerada por reprodução assistida heteróloga estiver em risco, seu

direito à origem genética deve prevalecer sobre o direito ao anonimato do doador, como forma de se

manter a dignidade da pessoa. Porém, quando o acesso à identidade genética tiver como propósito,

apenas a vontade de conhecer o pai biológico, sem qualquer fim terapêutico, o anonimato do doador

é que deve prevalecer.

Conclusão

As técnicas desenvolvidas pela ciência passaram a possibilitar que uma criança fosse gerada

sem a necessidade de relações sexuais. Desse advento, vem o ingresso de um terceiro, o doador, que

dispõe seu material genético para que casais inférteis, por exemplo, possam realizar o sonho de ter

um filho.

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Uma das técnicas utilizadas para que se atinja tal objetivo é a reprodução assistida heteróloga,

que traz implicações ainda não são pacificadas por parte da doutrina. De um lado há o direito do fruto

da inseminação conhecer sua ascendência, principalmente para evitar relações consanguíneas,

oriundo do direito à identidade genética. Do outro, o direito ao anonimato do doador é uma das formas

de assegurar a intimidade de quem fez a doação de gametas, pondo em colisão garantias asseguradas

pelo Estado.

Mesmo com a falta de uma posição majoritária por parte da doutrina, o que se tem de

concreto é a necessidade de se analisar a realidade de fato para que se possam relativizar tais direitos.

De um lado, o direito ao anonimato do doador é o primeiro elemento definidor para a doação,

uma garantia de não envolvimento posterior com o fruto da inseminação. Com tal entendimento

assegura-se a inexistência de direitos sucessórios ou obrigações de cunho moral e social, geralmente

impostas aos genitores, por exemplo.

Noutro quadrante, quando a questão do direito à saúde, vida e dignidade da pessoa humana

estiverem em a contraposição ao anonimato, acaba dominando o entendimento quanto à prevalência

do conhecimento da origem genética da pessoa, haja vista que, em uma ponderação de direitos, a vida,

em nosso ordenamento, é o bem basilar de todas as situações.

Ressalte-se, por fim, o descabimento de qualquer ação no sentido de conhecer a

ancestralidade genética de uma pessoa por questões meramente informativas, pois, levando em

consideração os mesmos parâmetros hermenêuticos anteriormente citados, o anonimato de um doador

deve ser sobreposto ao mero desejo de uma possível busca pelo passado.

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BURLAMAQUI, Bernado. A carreira do Direito na Academia: algumas dificuldades do ensino jurídico

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A carreira do Direito na Academia: algumas dificuldades do ensino

jurídico

The Law career in the Academy: some difficulties in Law teaching

Bernardo Burlamaqui1

Resumo

Faz-se cada vez mais importante fomentar o debate acerca do ensino jurídico no Brasil, e

é uma modesta contribuição a este debate que este trabalho pretende fazer. A partir de uma

pesquisa empírica qualitativa, realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, pôde-se

analisar distintos aspectos sobre o ensino jurídico. Diferentes entrevistados contribuíram para que

fossem melhor compreendidos fatores fundamentais do tema, como a distinção entre as

universidades públicas e privadas, por exemplo. Pontos de extrema relevância, como liberdade

de cátedra, pluralidade discente e reconhecimento do docente também foram, oportunamente,

abordados, além de questões fundamentais do ambiente universitário como um todo, a exemplo

da relação entre professor e estudantes, um dos elementos que se mostra como mais engessado e

de grande peso para o debate.

Palavras-chave: Ensino jurídico. Ambiente universitário. Liberdade de cátedra.

Reconhecimento docente.

Abstract

It becomes increasingly important to foment the debate about law teaching in Brazil, and

it is a modest contribution what this paper intends to be. From a qualitative empirical research,

executed thru semi structured interviews, different aspects of law teaching could be analyzed.

Different interviewees contributed for a best comprehension of fundamental factors of the theme,

like the distinction between public and private universities, for example. Points of extreme

relevance, like academic liberty, students’ plurality and professors’ recognition were also, timely,

treated, besides fundamental questions of the university ambience, like the relation between the

1Graduando em Direito na Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ).

Membro do Observatório da Justiça Brasileira (OJB/UFRJ). Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de

Iniciação Científica (PIBIC) UFRJ-CNPq. E-mail: [email protected]

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professor and the students, one of the elements that is showed as great plastered one and with a

big weight for the debate.

Keywords: Law teaching. University ambience. Academic liberty. Professors

recognition.

Introdução

Por conta de seu status de país basicamente fornecedor de riquezas minerais e agrícolas,

mesmo após sua independência, o Brasil viu de forma extremamente tardia o nascimento dos

cursos universitários em seu território, incluindo os da área jurídica. Os primeiros cursos de

direito do Brasil surgiram em 1827, em Olinda e São Paulo, tendo sua criação somente ocorrido

devido à divergência existente entre a elite imperial e a elite nacional civil, que almejava formar,

com a abertura dos cursos, a elite política e administrativa nacional.

Assim sendo, o curso de direito, desde sua origem, caracterizou-se como um grande

símbolo de status social e, por conseguinte, como um curso bastante conservador. Atualmente,

entretanto, percebe-se uma multiplicação crescente dos cursos jurídicos principalmente em

instituições privadas voltadas, com algumas exceções, à lucratividade rápida e fácil, sem um

devido controle de qualidade. É importante, de fato, que se desvincule o elitismo das carreiras

ligadas ao estudo do direito, mas para que se possa afirmar com segurança que são formados bons

profissionais, isto é, profissionais atentos à complexidade que a sociedade em que vivem abriga

e que saibam aplicar os fundamentos técnicos da doutrina, alguns elementos devem ser

destacados, o que será realizado ao longo deste trabalho.

Analisando as principais diferenças entre universidades púbicas e privadas, a postura de

professores e alunos e as estruturações físicas e de conteúdo dos cursos de direito, busca-se, neste

texto, alcançar as principais dimensões de influência ao ensino jurídico como um todo.

Seria ingênuo dizer que o estudo do direito não passou por severas mudanças ao longo da

história brasileira do ensino, principalmente quando nos lembramos dos períodos não

democráticos que definiram os rumos de uma nação reconhecidamente promissora, o Estado

Novo de Getúlio Vargas e a Ditadura Militar, que, se somados, resultam em trinta e nove anos de

restrição de liberdades no último século.

O objetivo deste trabalho é entender como os debates jurídicos que nos ambientes

universitários se dão de forma concreta e quais são as dificuldades de se lecionar o funcionamento

do ordenamento jurídico. Mas se a liberdade é um dos princípios gerais e programáticos do

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direito, além de conteúdo de disciplinas da área, poderia se afirmar que é, do mesmo modo, a

partir dela que se estabelece com clareza a qualidade de um curso de ciências jurídicas?

Conflitos antigos, como a relação professor-aluno e a oposição liberdade de cátedra vs.

doutrinação ideológica se misturam a discussões atuais acerca de conceitos anteriormente

engessados, como o do real papel da Universidade enquanto instituição de educação. Se o ensino

do direito diz respeito ao funcionamento do Estado, um sistema de ensino rígido e conservador

não atenderia, necessariamente, às demandas da sociedade brasileira, mas também não o faria um

sistema altamente libertário e livre de avaliações. Este fato, reunido aos questionamentos sobre

os quais ainda se tratará no decorrer destas páginas, fizeram com que chegássemos à indagação:

quais são algumas das dificuldades do ensino jurídico?

Afinal, já que o curso de direito é aquele que orienta o funcionamento do Estado, que

serve como base para se compreender o ordenamento jurídico e as regras às quais estamos

submetidos e que contribui a disciplinar as condutas humanas, pensar acerca das dificuldades de

se lecionar nas cadeiras das ciências jurídicas reflete não somente na formação dos juristas do

país, mas também na formação da sociedade e de seu entendimento. Ademais, há que se dizer

que este trabalho trata de algumas dificuldades do ensino jurídico, pois não haveria a viabilidade

de se abordar, profundamente, em um trabalho acadêmico, todos os problemas do ensino jurídico.

Não se tem, assim, a pretensão de, aqui, exaurir as dificuldades que são impostas pelo campo

jurídico ao ramo acadêmico.

O presente trabalho busca, deste modo, por meio das entrevistas semiestruturadas que

constituíram a pesquisa empírica, descobrir os atuais desafios do ensino jurídico, a relação entre

discentes e docentes em sala de aula e a liberdade do professor para ministrar sua disciplina, assim

como analisar a relevância da carreira docente a partir do ponto de vista de profissionais das

demais carreiras jurídicas, da própria academia e da sociedade em geral e, por fim, averiguar os

papéis atual e ideal das universidades na qualificação dos cursos de direito e seus reflexos.

1 - Revisão de literatura

As faculdades de direito, no Brasil, surgiram com a intenção de se estabelecerem como

mantenedoras do poder nas mãos das famílias que detinham as riquezas (MARTÍNEZ, 2009, p.

09) e o capital político. No cenário atual, entretanto, as faculdades de Direito vêm crescendo em

número e, com elas, a quantidade de bacharelados e estudantes deste curso também vem sofrendo

um significativo aumento (FINCATO, 2010, p. 31-32). Percebe-se, logo, uma busca desenfreada

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pela carreira jurídica, muitas vezes pelo possível retorno financeiro que ela pode oferecer e,

também, pelo status social privilegiado, construído historicamente, dos juristas no país. Por essa

razão, cabe o questionamento de se os cursos de Direito estão perdendo o seu sentido e sua função

de desenvolvimento intelectual do aluno, juntamente com o professor, e do pensamento crítico-

reflexivo, aprendizados essenciais a um profissional da área.

A presente revisão, assim, tem por finalidade analisar as dificuldades encontradas pelo

ensino jurídico brasileiro, apontando processos históricos, os motivos de sua má qualidade, os

desafios encontrados pelo ramo e as possíveis soluções desses problemas. Vale ressaltar que uma

análise crítica do passado do ensino do Direito nas universidades nacionais, levando em

consideração influências de ideologias sociais, políticas ou econômicas, é importante para

verificar sua real aplicação prática e sua atual situação.

O ponto chave para essa questão é o debate sobre a expansão quantitativa dos bacharéis

de direito contra a eficiência qualitativa dessa formação, o que revela um perigo, pois pode afastar

o direito da realidade que o cerca, isto é, do contexto em que está inserido. Um estudante de

direito deve, afinal, manter uma postura de total submissão a seu mestre? E, em uma era de

compartilhamento, há a necessidade de adequação às novas realidades por parte daqueles que

lecionam o direito? Será, realmente, que os maiores problemas enfrentados por quem instrui

futuros juristas são os que imaginamos? E, por fim, qual é a realidade do ensino jurídico no

Brasil?

Os processos de mudanças na educação superior brasileira nas últimas décadas centrado

no produtivismo e carreirismo (SILVA JÚNIOR, 2007, p.481) é decorrência de uma sociedade

que tem como preocupação a formação de uma espécie de mão de obra, seres competentes para

o mercado de trabalho e que ajudem no desenvolvimento da economia do país. Além do mais,

fomenta a ideia de individualismo. E, especialmente no campo do direito, notam-se mudanças na

educação que procuram atender aqueles que buscam conteúdo pronto, pragmático e objetivo para

serem reproduzidos em exames de concursos públicos ou proficiência. Essa forma de transmissão

do conhecimento jurídico é fortemente influenciada pela postura dogmática e tradicional, o que

acaba por gerar uma formação direcionada com pouca reflexão e muita reprodução. O

dogmatismo acaba, muitas vezes, obnubilando o conteúdo reflexivo. E este, por sua vez, ajuda a

ampliar o pensamento do estudante de direito, tornando-o capaz não só de reproduzir, mas

também de ponderar, equacionar problemas, e questionar.

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Como considera Martinez (2009, p.6), a concepção que ignora o fato do direito ser um

fenômeno social está ligada à influência liberal e ao paradigma positivista, e é responsável por

uma mera reprodução de um modelo existente:

essa fase encerra um momento de afirmação do Liberalismo na sociedade brasileira,

cristalizado nos cursos de Direito por meio da baixa estruturação metodológica e do

direcionamento privatista das grades curriculares. Isso contribuiu para a formação de um

ciclo de reprodução da ideologia liberal na formação jurídica dos operadores brasileiros

do Direito, contribuindo oportunamente para o surgimento do termo ‘fábrica de

bacharéis’. Desse modo, isolada pelo paradigma científico positivista, a academia

jurídica teve seu único espaço de desenvolvimento a norma legislada, por sua vez

cerceada de codificações. (MARTINEZ, 2009, p.6)

As disciplinas específicas do direito são dotadas de uma especificidade e uma centralidade

e consideradas, em muitas universidades, as únicas importantes para a formação de um jurista,

deixando de lado a interdisciplinaridade fundamental para o curso. As disciplinas jurídicas devem

estar abertas para o auxílio das demais e, ao mesmo tempo, auxiliá-las. A construção do

conhecimento jurídico não depende somente de disciplinas dessa área. Diante disso, é notório que

o ensino jurídico deve ser aplicado sob uma ótica do direito como ciência social, e não como um

sistema fechado em si mesmo e de forma isolada, pois assim ele se torna um conhecimento

ultrapassado e desconexo com a dinâmica social, cultural e econômica em que está inserido

(CARVALHO, 2011, p. 36-37).

Mostra-se, ainda, crucial que se entenda que, em sua formação acadêmica, o indivíduo

que estude o direito, isto é, o sistema de normas, seu funcionamento e as relações jurídicas e

pessoais que a disciplina envolve, adquira não somente riqueza de conteúdo enquanto

aprendizado, mas também a vulgarmente chamada experiência de vida no que se refere às

relações interpessoais de modo geral. Pelo menos é o que sugerem Silva e Wang (2010, p. 104-

105), principalmente quando apresentado o argumento de autoridade como a maior barreira para

o proveito do ensino jurídico, já que a palavra do professor tende a ser considerada como verdade

absoluta por seus alunos.

A figura do professor universitário é outro aspecto a ser aqui desenvolvido. O professor

universitário possui uma peculiaridade, visto que existe um forte vínculo entre ele e a

universidade na qual leciona e pesquisa (BAUER, 2009, p.2), mas o professor do ensino jurídico

possui uma peculiaridade ainda maior: “Deve-se atentar para o fato de que a maioria dos

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professores dos cursos de Direito não são exclusivos do magistério, pois ocupam cargos públicos

ou se dedicam à advocacia ostensiva” (CARVALHO, 2011, p.5).

É recorrente, entretanto, que o professor seja colocado em nível superior ao do aluno,

colocando este em posição de submissão àquele. Ora, se não é permitido que o aluno questione,

conteste ou discorde do que a ele é apresentado, não haverá como ele desempenhar um bom papel

profissional futuramente.

É curioso observar, da mesma maneira, como o magistério parece ser uma profissão tão

distante dos estudantes e, encarando isso como fato, entende-se como é prejudicial a distância

entre educador e educando. A proximidade com a sociedade é característica de qualquer profissão

que tenha a legislação como objeto de estudo, então a fragilidade que marca a proximidade entre

professor e aluno é, no mínimo, intrigante. A discrepância de posição entre o aluno e o professor

pode afastar o docente de sua tarefa que é, segundo Carvalho (2011, p. 38), incentivar o aluno a

perceber que o curso exige leitura, estudo e reflexão para que o processo de aprendizado seja

pleno em todos os seus âmbitos.

O fato é que se deve compreender o magistério como uma relação bilateral, uma via de

mão dupla. A força dessa proximidade é fundamental para que seja estabelecida uma conexão

proveitosa de ensino. Um processo de criatividade acaba por tomar como resultado a formação

de professores por outros professores (FINCATO, 2010, p. 32). Deste modo, entendemos como,

de acordo com Silva e Wang (2010, p. 109), um ensino horizontal, que torne os alunos fonte, e

não apenas recepção de aprendizagem, deve ser aplicado com mais recorrência. Tomar a

ferramenta do debate como ponto alto das aulas é empiricamente provado pelo autor, que atribui,

também, como maior dificuldade do ensino jurídico, a desmotivação dos alunos, produto do

modelo tradicional de universidade, em que o estudante é um mero ouvinte do educador, um

fornecedor de respostas.

Em vista disso, nota-se uma falta de interesse da parte dos alunos que frequentam a

universidade pelo que está sendo discutido em tal espaço e pela busca de uma inteligência sutil,

que não é voltada somente para futuros exames, mas sim alicerçada no interesse pelo

aprimoramento intelectual e desenvolvimento do espírito crítico e reflexivo que traz a resolução

de problemas mais objetivos e práticos simplesmente como consequência de um desenvolvimento

mais elaborado.

Ser possuidor de um diploma de bacharelado não quer dizer ser possuidor de uma visão

crítica da própria disciplina do direito (CARVALHO, 2009, p.37). Com essa afirmação, é

importante apresentar maneiras de fiscalizar educacionalmente os cursos de direito do Brasil e,

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assim, democratizar o ensino jurídico no sentido de permitir que todos os bacharéis formados

tenham de fato um conhecimento e senso crítico de qualidade para o exercício da profissão.

Foi diante desse debate que resultou a elaboração do texto final da Portaria 1886/94 do

MEC com o intuito de regular as diretrizes curriculares para os cursos de Direito do Brasil. A

Portaria 1886/94, por sua vez, abriu caminhos para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a

qual criou um sistema de avaliação do ensino superior sob o encargo do Estado. O

intervencionismo estatal reforçou uma política de fiscalização e avaliação periódica das

instituições de ensino superior, o que gerou repercussões positivas no cenário educacional do

direito. Surgiram, então, novas medidas qualitativas para o ensino como a exigência de

apresentação de monografia final, o cumprimento de carga horária de atividades complementares

e a obrigatoriedade de cumprimento de estágio de prática jurídica.

Os grandes pressupostos da portaria, segundo Rodrigues e Marocco (2014, p.122), são o

rompimento com o positivismo normativista, o fim da concepção de que só é profissional do

direito quem exerce prática forense, a negação da autossuficiência do direito, a superação da ideia

de educação como sala de aula e a necessidade de um profissional com formação integral

(interdisciplinar, teórica, crítica, dogmática e prática).

Torna-se, desse modo, evidente que as dificuldades enfrentadas pelo curso de direito e

pela carreira jurídica se assentam na forma como o conhecimento é repassado e assimilado nas

instituições de ensino superior, na dogmática e no ensino excessivamente tradicional e na crença

da superioridade do professor sobre o aluno.

Dessa maneira, esse ensino deve ser repensado e reinventado para que fuja de uma

reprodução de conhecimentos objetivos e direcionados para uma reflexão que auxilie na produção

de conhecimento do aluno como fonte de inspiração. É, assim, inaceitável, além de revelar um

atraso, que bacharéis em direito não tenham capacidade de exercer as funções que seu curso se

propõe a capacitar.

O direito deve, então, aproximar-se do contexto em que está inserido a partir de

interdisciplinaridade, da mudança de pensamento dos alunos, da valorização e respeito ao

professor, de uma postura mais humilde dos docentes e da fiscalização dos cursos de Direito

(CARVALHO, 2009, p. 43). Com essa aproximação da realidade, não existirão mais fábricas de

bacharéis, mas, sim, cursos de direito e da ciência jurídica.

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2 – Perfil dos entrevistados

Neste trabalho, a identidade dos entrevistados foi preservada com o objetivo de evitar

quaisquer tipos de constrangimento de âmbito profissional ou pessoal, sem, entretanto, que se

fossem dispensadas as informações pertinentes à sua execução. Para melhor organização e

compreensão textual, refere-se a eles como “Professor A”, “Professora B”, “Professor C”,

“Professora D”, “Estudante A” e “Estudante B”. Foram realizadas seis entrevistas, sendo quatro

com professores e professoras e duas com estudantes.

Selecionou-se professores que lecionam ou já lecionaram tanto em universidades públicas

quanto privadas, desempenhando papel de docência, pesquisa e coordenadoria de departamentos,

ativos permanentes ou aposentados. Os professores entrevistados lecionam tanto disciplinas

introdutórias, propedêuticas, como dogmáticas, as ditas específicas. Considerou-se, também, que

seria importante que este texto fosse baseado na fala de profissionais que se dedicam

exclusivamente ao magistério, mas que já tenham atuado em outras áreas de trabalho do direito,

de idades, sexos e tempos de docência variados.

Procurou-se, da mesma maneira, para reforças as informações recolhidas, entrevistar

estudantes que estivessem em diferentes períodos do curso de direito, tanto em universidade

pública, como em universidade privada (em um dos casos, a entrevistada teve experiência,

enquanto aluna, em ambas).

3 - Metodologia

A pesquisa, qualitativa, tem por base a realização de entrevistas, semiestruturadas, com a

finalidade de que fosse elaborado um estudo empírico.

Optou-se por realizar as entrevistas de forma que pudesse ser observado se as informações

colhidas na revisão de literatura poderiam ser confirmadas por aqueles que vivem diariamente a

situação dentro das faculdades de direito.

Adotou-se, assim, a ideia de que fossem feitas perguntas mais gerais a todos os

entrevistados e algumas específicas, neste caso, direcionadas a cada entrevistado e suas

particularidades. Não faria sentido, por exemplo, perguntar a algum professor que exercite sua

profissão apenas em instituições públicas sobre o funcionamento de instituições particulares.

Todas as perguntas foram elaboradas tomando como base o marco teórico adotado na

revisão bibliográfica, a fim de que as hipóteses a partir dela elaboradas fossem confirmadas.

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4 – Diário de campo

O crucial para que se obtivesse maior proximidade entre pesquisador e entrevistados foi

deixá-los à vontade para que pudessem escolher o campo da entrevista, tendo todos optado por

campos reservados. Foi de escolha do pesquisador que a aproximação anterior às entrevistas se

desse de modo mais informal porque tratamos sobre um assunto em cujo cenário estamos

inseridos. Por isso, também, ressalta-se a importância de todos os entrevistados estarem ou já

terem estado ligados a instituições particulares ou públicas regidas de forma distinta.

Como todo trabalho em que é fundamental a participação de terceiros, estes que são,

geralmente, desconhecidos, dependeu-se de diversos elementos que não puderam ser controlados.

É comum o desencontro de horários e a indisponibilidade dos indivíduos a ceder entrevistas, seja

por motivos pessoais do entrevistado de não desejar do projeto, seja da impossibilidade de

cumprir exigências feitas pelos colaboradores em questão.

Neste trabalho, entretanto, não se teve grandes dificuldades no sentido de que, na medida

do possível, conseguiu-se alcançar um número satisfatório de pessoas que aceitaram a

participação por meio de entrevistas. Mas, como já dito, há alguns elementos que não podem ser

controlados, e houve o primeiro problema: uma das entrevistadas mais almejadas à pesquisa, que

certamente enriqueceria o projeto, teve de sair do país por tempo indeterminado. Reorganizando

as ideias, encontrou-se alguém que a substituísse – se é que assim pode ser dito – e estava

solucionada a situação.

Outro contratempo (um conjunto deles, em realidade) foi o de que outra das entrevistadas

respondeu o primeiro contato de maneira positiva e ficou-se de marcar o encontro para a

realização da entrevista. Em contato posterior, não houve resposta. Em um terceiro contato,

também não. Houve, no caso desta participante, que seria o maior alvo de nossa entrevista, nosso

foco principal em relação ao tema, terrível falha de comunicação, que pode ser solucionada em

momento posterior quando acionada pessoa mais próxima à entrevistada, para que o encontro

pudesse ser, finalmente, agendado.

Com o encontro marcado – mas não confirmado -, chegou o aviso de que ele teria de ser

antecipado para o exato momento. Correndo, literalmente, pôde-se chegar ao local de encontro

combinado, onde a entrevistada não estava. Novamente, a dúvida. Eis que chega a tão visada

participante, extremamente disposta a colaborar com a pesquisa. Contratempo por contratempo,

conseguiu-se atingir os objetivos que se buscava.

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Os pontos principais, que serão tratados abaixo e que, para isso, foram decididos em

dimensões, referem-se, substancialmente, à valorização dos juristas que atuam na academia e o

status social a eles atribuído, a relação destes com os alunos e entre seus pares, o modelo de

ensino, o papel das universidades e o cenário das universidades com o passar do tempo em relação

à composição dos alunos, aos temas abordados nas disciplinas, às metodologias abordadas pelos

professores, entre outras questões.

5 – O ensino jurídico nas faculdades públicas e privadas

Um dos pontos levantados foi a questão da existência ou não da liberdade de cátedra

propriamente dita. É sabido que o professor, enquanto figura de referência no ambiente da sala

de aula, desempenha grande influência sobre os estudantes. E é, de certa forma, natural que,

enquanto profissional, o docente apresente os conteúdos abordados em sua disciplina a partir de

sua perspectiva. Quando se questiona, entretanto, se há algum tipo de doutrinação, é comum que

isso seja veementemente negado, tanto por professores quanto por alunos.

De início, é interessante que se compreenda que o vocábulo doutrinação, amplamente

utilizado nos dias atuais, principalmente por indivíduos considerados mais conservadores, como

objeto de acusações àqueles considerados mais progressistas, adquiriu um forte sentido político

e ideológico, o que faz com que haja certa resistência ao uso da palavra na academia, e isso não

é só notado na fala dos professores em geral, que podem, inclusive, se mostrar ofendidos caso

haja alguma abordagem do tema de modo mais incisivo, mas também na fala dos alunos, como

visto na fala da estudante B:

O problema é quando não tem muito debate, mas tem professor que é assim (...). Eu acho

doutrinação uma palavra muito forte, mas eu acho que existe uma condução, condução

é uma palavra melhor (...) o problema é quando, se o professor abre para debate ou não.

Uma coisa é ele dizer o que ele defende, nada mais justo. Se ele defende aquilo, se ele

acredita naquilo, ele vai falar aquilo. Agora, se o aluno não questiona, ele não abre aquilo

para reflexão, ele só rebate. (estudante que, após cursar o primeiro período na Puc-Rio,

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, matriculou-se na UERJ,

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde cursou o mesmo período)

A questão da liberdade de cátedra, isto é, a liberdade do ensino e da aprendizagem,

genericamente falando, crucial ao bom aproveitamento do ensino, sobretudo do ensino jurídico,

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é mais delicada em se tratando de universidades particulares. De um modo geral, é perceptível

que, em um ambiente de uma faculdade de direito privada, há um maior controle, uma maior

fiscalização, não só quanto à metodologia de ensino adotada pelo professor ou à sua atuação em

sala de aula, mas também ao funcionamento da instituição como um todo. Mesmo sendo uma

universidade ou, precisamente nestes casos, uma faculdade de direito, o fato de ela ser particular,

ou seja, diretamente paga, neste sentido, já mostra que há, como embasado pela fala da estudante

B, uma grande diferença em relação ao ritmo em que os fatos se dão.

Eu achei diferente a forma como os professores se portam numa faculdade pública e a

forma como eles se portam numa faculdade particular. (...) Numa faculdade particular,

eles são empregados como numa empresa qualquer, então eles estão aí, para fazer o

trabalho deles daquela forma e, se eles não tiverem um resultado, se eles não

responderem ao que a instituição quer, eles saem. (...) Você faz o vestibular, você quer

passar para a faculdade porque a faculdade tem nome, porque a faculdade tem bons

professores e você não tem aula com esses professores. (...) Na PUC sim, na PUC tem a

quem recorrer e é bem claro, é bem mais acessível. Eles deixam bem claro (...) na UERJ

parece que não tem ninguém tomando conta de nada, parece que os professores estão lá

por si, não tem um coordenador, um diretor realmente vendo o que “tá” sendo feito, o

que não “tá” sendo feito (...) eu senti falta disso da PUC. Eu via as coisas acontecendo

na PUC, sabe? Sendo resolvidas. (Estudante B)

Assim, não seria totalmente impensável que houvesse certo tipo de patrulha ideológica

nessas instituições privadas. O grande elemento aqui é que o curso do direito não é um curso

meramente abstrato, assim como também não é um curso exato. O ensino jurídico é singular

porque, tomando como base disciplinas ligadas ao ser humano, ao pensamento ou aos

acontecimentos que marcaram a humanidade, tem como objeto principal de seus estudos o Estado

e seu funcionamento.

A presença de uma possível patrulha ideológica 2 , que caracterizaria uma vigilância

constante e comumente exacerbada, em relação ao ensino jurídico é particular porque,

naturalmente, ao se tratar o Estado, seu funcionamento e sua atuação como tema focal das

discussões do curso, entram em pauta correntes políticas e ideológicas de justificação ou

deslegitimação de ideologias que algumas formas de governo defendem.

2 Termo atribuído ao cineasta Cacá Diegues.

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E tendo isso sido entendido, é mais fácil de compreender os motivos que levam uma

universidade privada a optar por certas medidas em relação ao método de alguns professores.

Justiça seja feita, não se pode generalizar nenhum tipo de instituição. Amparando-se pela

entrevista da professora D, que passou, por recente episódio, bastante significativo, vê-se que

mesmo em faculdades de direito que são pagas, o exercer acadêmico não é necessariamente

limitado, porque os perfis das instituições também são diferentes.

Não dá para universalizar as privadas, existem vários tipos de privadas (...) uma PUC

que é uma comunitária, é diferente de uma faculdade como a UNIGRANRIO ou outras

nessa mesma dinâmica. (...) Trabalhei muito em 'fábricas de ilusão' (...). Não têm

nenhuma preocupação de formação nem muito técnica nem mais geral muito menos

crítica do profissional do direito, o máximo é a preocupação com o ENADE e com a

prova da OAB, mas muitos não passam nem na OAB. (...) A PUC é uma faculdade

privada comunitária que tem suas diferenças, mas também tem seus limites. Apesar de

existir a liberdade de cátedra, volta e meia, quando você tem uma situação que abale,

que é considerada como uma anormalidade, há alguns questionamentos. Teve um

episódio recente, no ano passado, em que eu fiz um evento, na faculdade, saiu até em

uma revista, e fiquei sabendo que teve desembargador ligando pro reitor, só que o

departamento não deixou que me abalasse, mas existe essa preocupação (...). Se fosse

uma privada, outra, certamente sim, provavelmente eu teria sido demitida. (A professora

D leciona há onze anos, tendo sido professora em nove universidades, cinco privadas e

quatro públicas. Atualmente, é professora da UFRJ, Universidade Federal do Rio de

Janeiro, da UFG, Universidade Federal de Goiás, e da Puc-Rio)

Outro fator ligado ao ensino jurídico é a questão da pluralidade. Em nossas entrevistas,

vimos que é notória a importância de uma turma heterogênea para o ensino jurídico. Estudar o

direito é, muito mais do que ler códigos ou manuais, debater. Estudar o direito é analisar pontos

de vista, é argumentar, é discutir, é se informar sobre o que ocorre no próprio país e em outros.

É desse modo que a pluralidade, destacada como positiva por unanimidade entre os

docentes entrevistados, é extremamente enriquecedora por diversos motivos que favorecem o

aprendizado. O curso do direito trata de assuntos muito delicados em relação à renda, em relação

à igualdade social e, resumidamente, em relação ao modo pelo qual a sociedade se configura.

Assim, uma faculdade que atende a um público altamente variado, sendo uma espécie de espelho

da sociedade, favorece a proliferação do conhecimento. Como destacado pelo professor C, é

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engrandecedor o fato de se estar em uma turma plural, o que ele atribui principalmente ao advento

da política das ações afirmativas, o que é reiterado pela professora D, em uma de suas falas.

Em relação ao sistema de cotas das universidades públicas, é engraçado que eu peguei

esses dois momentos, “né” (...) tem alguns componentes muito subjetivos, “né”, eu tenho

gostado muito, assim, dessas configurações. Primeiro assim, porque as turmas se tornam

mais heterogêneas, ”né”. Então você tinha um curso muito elitizado, mas o fato de você

ter metade das vagas “pra” alunos que vêm de instituições públicas, você percebe que o

curso se tornou mais heterogêneo. Não só heterogêneo no sentido de ter mais negros,

“né”, que isso é visível, mas assim, há uma heterogeneidade maior, de onde vêm as

pessoas, vem gente do país todo, e essa heterogeneidade, do ponto de vista de quem dá

aula, é um contexto muito rico, dessa experiência pedagógica com esse perfil

diferenciado, eu acho isso muito interessante. (O professor C leciona há dezessete anos,

tendo sido professor de três universidades privadas e uma pública. Atualmente, é

professor ativo da UFRJ)

Quando você pega alguns temas, como a questão do movimento da luta pela moradia, a

questão do déficit habitacional, a questão da favela, as pessoas se colocam mais

próximas dessa realidade, quando você fala da questão da desigualdade racial no Brasil,

as pessoas trazem isso na pele e passam a ser protagonistas dessa história (...) era um

dos argumentos que o próprio STF já trazia quando pensava na política de cotas, ligada

à diversidade do conhecimento, esse diálogo de conhecimentos na universidade.

(Professora D)

Além da troca de experiências, que favorece uma ampliação da perspectiva de mundo, ao

se perceber, desta vez de perto, que há pessoas que vivem em outra realidade que não a sua

própria, outro aspecto levantado, desta vez por um dos entrevistados, o professor A, apenas, é o

de que o indivíduo que se propõe a ir estudar fora de seu estado, por exemplo, mostra-se mais

disposto ao estudo, de forma geral, fato este que, em sua concepção, acarreta em pontos positivos

às universidades.

O ENEM fortaleceu muito a universidade pública, porque hoje nós temos alunos de todas

as localidades do Brasil, o que antigamente não havia, e o aluno vindo de fora, ele não

admite não ter aula, ele está fazendo o sacrifício de vir morar no Rio de Janeiro (...) esse

tipo de aluno, ele acaba pressionando no sentido de que tem que ter professor em sala

de aula. (O professor A leciona há quarenta e quatro anos, tendo sido professor em oito

universidades, quatro públicas e quatro privadas, e atuado como pesquisador ou

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conselheiro de outras cinco universidades, todas públicas. Atualmente, é professor

aposentado da UFF, Universidade Federal Fluminense, e professor ativo da UFRJ, da

Puc-Rio e conselheiro da Faculdade de Direito da USP, Universidade de São Paulo)

Essa pluralidade, trazida à tona por consequência da adoção do ENEM, Exame Nacional

do Ensino Médio, pela maioria das universidades públicas federais do país, não é, entretanto, a

única. Além das pluralidades já citadas ou implicitamente abordadas, isto é, dedutíveis, neste

contexto, de cores, classes sociais e crenças, há também a pluralidade de idade, algo muito mais

recorrente nas turmas do período da noite, que também traz benefícios ao andamento das aulas e

à apresentação do conteúdo jurídico em si, o que é extremamente destacado pela professora B e,

depois, endossado pelo professor C.

A turma do noturno, ela reúne dois perfis que são bastante únicos, “né”. Primeiro a turma

do noturno, com maior frequência tem pessoas mais velhas (...) mas você vê na noite

algo diferente não só na questão da idade, mas o aluno da noite é um aluno mais

interessado, mais disciplinado, é uma turma melhor de lecionar (...) o sujeito que vai

ficar à noite, por mais que ele não seja uma pessoa que trabalhou o dia inteiro (...)

ninguém vem para a aula à noite para bagunça, você está aqui à noite, então é um maior

compromisso. (...) O aluno da manhã e o aluno da tarde (...) a aula é meio que um pedaço

do dia dele, então às vezes ele não está a fim, mas o aluno da noite, ele está a fim, porque

se não ele vai para casa. (A professora B leciona há cinco anos, tendo sido professora da

UERJ após conclusão do mestrado. Atualmente, é professora ativa da UFRJ, da EMERJ,

Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, e da FAA, Fundação Educacional

D. André Arcoverde)

Os alunos da noite, eles geralmente são mais amadurecidos ou, às vezes o fato de você

ter uma parte da turma com seus quarenta anos de idade, já dá, às vezes, uma outra

dinâmica ”pra” sala de aula. Então eu percebo uma diferença entre os alunos da noite e

os alunos do turno integral em relação ao interesse, em relação ao próprio curso, com o

comprometimento pessoal em relação ao próprio curso, e eu vejo isso mais forte nos

alunos da noite, o que eu atribuo à questão da maturidade, e lógico que, se você tem

metade da turma com pessoas de trinta, quarenta anos, isso acaba puxando até os alunos

mais novos a ter um comportamento mais amadurecido mesmo. (Professor C)

Em algumas universidades particulares, há ainda uma composição social de estudantes

com poder aquisitivo mais elevado, não há turmas muito heterogêneas. E este fato faz com que

até alguns estudantes se sintam desconfortáveis para o aprendizado do direito. Afinal, se o ensino

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jurídico se volta principalmente ao funcionamento do Estado e como ele se relaciona com a

sociedade, estudar em uma faculdade que não represente essa sociedade não é, pelo menos do

ponto de vista factual, benéfico. Em nossa entrevista com a estudante A, ficou claro como essa

pluralidade (ou a falta dela) influencia no espaço acadêmico, principalmente na contribuição para

que haja uma relação afetiva entre os próprios discentes, fato também destacado pelo professor

A.

Muita gente conhecida, muita gente que vem dos mesmos colégios (...) então a maioria

das pessoas já se conhece, você “tipo”, sabe quem é a maioria das pessoas, está todo

mundo ali no mesmo mundo... Eu conheço alguém que conhece alguém que conhece

ela, então é todo mundo “tipo” bem fechado mesmo (...). Me incomoda, é uma das coisas

que eu não gosto. (A estudante A está no terceiro período de direito na Puc-Rio, tendo

feito os dois primeiros na mesma instituição)

A universidade pública reúne os melhores alunos, isso não acontece com as

universidades particulares (...). Eu vejo na universidade pública muita solidariedade na

medida em que falta recursos, uma série de coisas, um espírito de grupo da turma que

não há na universidade particular. (Professor A)

O fato é que, como sugerem as falas dos entrevistados, quase que por unanimidade, a

maior diferença entre as universidades públicas e privadas está no corpo discente. Por mais que

as universidades públicas ainda não sejam totalmente plurais, tais instituições se mostram muito

mais abertas à pluralidade de ideias apenas pela coexistência da pluralidade de vivências.

6 – O desconhecimento do jurista docente

Durante muito tempo, as pessoas eram formadas para serem professores. O ensino

jurídico, também valorizado, foi gradualmente sendo menos incentivado e reconhecido na medida

em que o país se consolidava em um processo de redemocratização. Pelo menos é o que afirma o

professor A que identifica um processo de desvalorização do magistério desde então, apontando

principalmente a questão salarial, mas, mesmo assim, fazendo um importante contraponto a esta

realidade, o da qualificação profissional.

Eu fui de uma geração, ou sou ainda, que fomos formados para sermos professores. A

partir do processo constitucional de 1988, etc., essa valorização do magistério do direito,

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ela desaparece. (...) O que eu acho que está em curso é uma desvalorização do

magistério. Quem em sã consciência vai assumir o magistério quando hoje há uma

possibilidade de entrar na AGU, em que você vai ter grande salário, acima do teto

constitucional? Então hoje um Advogado Geral da União [sic.] tem auxílio alimentação,

que foi aumentado, auxílio moradia, direito a sucumbência, fora o salário. (...) Agora, se

de um lado a carreira de magistério não vem sendo prestigiada economicamente, de

outro lado nós temos professores preparadíssimos, professores preparados que além de

estarem preparados, altamente profissionais. Agora, não há uma recompensa

remuneratória. (Professor A)

Essa desvalorização do profissional docente é, infelizmente, comum à grande maioria dos

cursos. O ponto a ser tratado aqui é o da comparação: na carreira do direito, como levantado pela

professora D, o salário do profissional que se dedica à academia é imensamente menor do que

outras áreas profissionais que a formação jurídica proporciona.

A desvalorização salarial, a nossa carreira enquanto professor universitário recebe a pior

remuneração quando comparada à titulação de todo servidor público federal, quando a

gente associa a nossa titulação com o nosso salário, a gente percebe que no serviço

público federal a nossa carreira é a que recebe o pior salário, então há uma

desvalorização do professor. (Professora D)

Esse elemento dos benefícios e do salário em si é o maior responsável por reforçar e manter a

concepção de que os concursos relacionados ao direito, sobretudo os públicos, e a advocacia

deveriam ser as duas únicas opções passadas para o aluno durante o curso, ao passo que a

profissão de professor é sequer considerada. Segundo o que foi dito pela professora B, ao se entrar

em uma faculdade de direito, é comum que haja o entendimento de que algumas carreiras em

específico possuam aspectos mais positivos enquanto outras não sejam nem cogitadas. O fato é

que as carreiras ligadas ao direito possuem forte associação, principalmente quando analisamos

em uma perspectiva histórica, com os estratos mais elevados da sociedade, consagrando figuras

como a do famoso doutor advogado, a quem se deve tratar com respeito e por quem deve se ter

um sentimento de admiração, diferentemente de profissionais atuantes na academia, do direito,

inclusive.

Ocorre uma desvalorização quanto ao reconhecimento, inclusive social, do professor. E,

sobretudo no âmbito jurídico, abraçar a profissão de professor é, em regra, apenas uma atividade

complementar, já que o direito é considerado um curso que traz uma gama de possibilidades

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observadas como mais vantajosas financeiramente, por exemplo. A estudante A, quando se refere

à carreira profissional, antecipa o declarado pela professora B em relação a isso.

Eu nunca pensei em ser professora (...) mas pode ser que um dia essa ideia mude. (...)

Sinceramente, eu nunca ouvi uma resposta de ‘quero ser professor’ até agora. Dos

alunos, assim. (Estudante A)

Eu gostava daquilo como um apêndice, achei que fosse um apêndice, ‘o que que eu quero

mesmo? É concurso, é advocacia.’ essas são as únicas opções que nos são passadas no

curso de direito. Sempre perguntavam ‘não, mas sério, o que você quer ser?’ ‘Pensei em

ser professora’. ‘Sim, mas o que mais?’ então a profissão de professor, pelo menos no

curso jurídico é muito considerada um apêndice, eu considerava um apêndice também.

(Professora B)

O curioso é que essa desvalorização, ainda de acordo com a professora B, parece ocorrer

com mais frequência por parte de quem não possui conhecimento sobre o direito e, é claro, sobre

a academia. Além do reconhecimento dos alunos, uma espécie de motor que alimenta os

educadores, dessa vez não só do direito, há, também, um respeito imenso para com os professores

em espaços em que se mostra presente a atuação de profissionais da área jurídica distantes da

realidade do magistério.

Mas só de quem não “tá” dentro, viu? Da situação. Porque eu vou falar uma coisa, lá no

escritório de advocacia onde eu trabalhei, todo mundo me olhava diferente no bom

sentido (...) ‘ela, além de advogada, é professora’ (...) havia um respeito imenso. Já tive

também contato com juízes que já foram professores e falam ‘olha, não sei como vocês

aguentam’, ‘aplausos para vocês porque o ritmo de vida é realmente muito complicado’,

então tem um olhar torto da sociedade, mas eu acho que é de quem não é da área, é do

leigo, é de quem não está ali mesmo não, porque os grandes advogados, os juízes, os

promotores, eles veem com muito bons olhos essa questão de ser professora. (Professora

B)

O reconhecimento buscado pelos professores, entretanto, não é exclusivamente o de fora

da academia. As pessoas que trabalham em uma instituição nem sempre entram em consenso

sobre o entendimento de seu papel ou de seu funcionamento. Além de haver, nas faculdades, uma

série de conflitos decorrentes de elementos políticos, principalmente em se tratando de

universidades públicas, como a discussão sobre uma possível cobrança pelos cursos de

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especialização ou disputas em torno dos processos eletivos para reitor, chefe das unidades, entre

outros, há também disputas entre professores pelo reconhecimento por seus pares. Posições de

protagonismo ou destaque são altamente valorizadas no ambiente de trabalho, reforçando a antiga

ideia de competitividade entre os colegas de profissão, baseada em diversas conquistas simbólicas

que colocam atenção superior a um professor, algo muito mais ligado à reputação e à admiração

que deseja ter por parte de seus iguais do que por parte de outros indivíduos, leigos, ou do próprio

corpo discente.

Você tem todas as disputas em torno daquelas coisas que no dia a dia dos professores

são objeto de disputa, “né”, e aí a gente poderia pensar em muita coisa, poderia pensar

até mesmo na questão do prestígio, da reputação. Quem consegue publicar aonde, quem

tem mais orientandos, quem consegue ter uma bolsa de produtividade (…). Existe uma

série de pequenas coisas que o professor consegue na carreira que vão destacando ele

simbolicamente, e aí é muito mais simbolicamente do que de dinheiro, “né”, que vão

colocando ele numa posição de maior destaque. (...) Um dos objetos de disputa, e aí tem

a ver com a questão da vaidade, é a questão da reputação, “né”, quem é o professor. E é

interessante que essa disputa, ela é muito mais em relação aos pares, quer dizer, você

disputa prestígio, e obviamente você disputa com os seus pares, com os outros

professores, mas quem confere prestígio ao professor, ao pesquisador, são os próprios

pares, concorrentes, diferentemente de um cantor de rock que o prestígio dele não

depende dos pares concorrentes, mas sim de uma plateia cativa e que confere a ele esse

status de prestígio (…). No caso do professor, o prestígio, ele não é conferido pelos

alunos, de um modo geral. O prestígio é conferido pelos pares concorrentes, então para

eu ser um profissional de reputação, eu preciso do reconhecimento dos pares que estão

concorrendo comigo no campo acadêmico (...) Você depende dos próprios adversários

para que você possa conseguir um destaque dentro da carreira acadêmica. (Professor C)

Diversas são as visões que se pode ter em relação a um profissional do direito que se

dedica à carreira acadêmica, sendo um dos definidores de perspectiva a ambientação no meio

jurídico, uma vez que o leigo enxerga o jurista docente de um modo e o operador do direito

enxerga seu par, que além de ser jurista, também é docente, de outro, distinto. Além disso, dentre

os próprios acadêmicos do direito há variações de perspectiva sobre seus pares, o que demonstra

ainda mais essa ramificação de pontos de vista.

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7 – O ambiente universitário

Historicamente, enxergava-se muito a figura do professor como uma autoridade a quem

não se poderia contestar, um indivíduo que, colocado em um pedestal, deveria ser tratado de

forma que não houvesse questionamentos ou colocações opostas a seu pensamento. O curioso é

que, quanto ao ensino jurídico, especificamente, essa ideia era ainda mais reproduzida por uma

série de fatores que não só o tradicional perfil elitista das faculdades de direito.

Não é à toa, por exemplo, que vemos o conceito de temor reverencial, aquela ideia de

imenso respeito ou estima a alguém tutelado pelo direito civil. As faculdades de direito se

caracterizavam e se caracterizam até hoje, inclusive arquitetonicamente, com o objetivo de dar,

mais do que destaque à figura do docente, também uma espécie de importância maior na escala

hierárquica com o objetivo de esclarecer que ali, naquele espaço, ele é o centro das atenções, ele

é quem comanda a dinâmica do espaço, o que é muito bem colocado pelo professor C, em sua

entrevista.

Se vocês forem dar um pulo na faculdade de direito da USP (...) você tem uma

arquibancada, que ela vai subindo, uma arquibancada mesmo, aí você tem um fosso de

dois metros, e você tem um professor que fica com um alto-falante em cima de uma

mesa enorme, então assim, você tem toda um estrutura arquitetônica, desses cursos mais

tradicionais, que tem uns prédios mais antigos, “né”, das faculdades de direito, você tem

toda uma estrutura arquitetônica que ela, por um lado, ela afirma uma diferença

simbólica das posições hierárquicas dentro da instituição, etc.. Tanto posições

hierárquicas na relação professor aluno como na relação hierárquica dos professores com

os demais professores, que você tem uma série de hierarquias, “né”. E a própria

organização arquitetônica, ela produz o que ela retrata. Porque quando você bota o fosso

e bota uma distância física, lógico que você produz efeitos de produzir a distância, “né”.

A própria organização física do espaço, ela mesma é produtora da distância, “né”. Ela

retrata a distância e, ao mesmo tempo que ela retrata, ela produz a distância. Então, ao

retratar, ela também produz, é um pouco como a notícia, “né”. A notícia, ao descrever o

que aconteceu, ela está produzindo o próprio ocorrido. (Professor C)

É importante, a partir desta concepção, que se rompa com a lógica de que o professor é

uma autoridade incontestável para que o debate, o centro do estudo jurídico, pelo menos na lógica

do professor C. Para isso, há que se realizar uma real aproximação entre professor e aluno, para

que ambas as partes possam tirar melhor proveito das situações apresentadas em sala. O

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interessante é que, mesmo defendendo a ideia, o professor pontua como ela é complicada de ser

aplicada aos olhos dos docentes e também do próprio alunado.

Há uma certa, não sei se uma resistência, mas uma certa tradição de reproduzir um

determinado modelo, que às vezes o próprio professor percebe que não funciona. (…)

Como você fazer um aluno pensar juridicamente? Você tem que dar esse protagonismo

“pra” ele e eu acho que a aula expositiva, ela não ajuda nesse sentido, mas por outro

lado, o que significa dar uma aula? Então há um sentido compartilhado entre alunos e

professores de que dar uma aula é isso que a gente está acostumado a fazer, “né”. O

professor fala e o aluno anota, “né”. E talvez, se o professor chegasse em todas as aulas

e fizesse uma atividade de grupo em todas as aulas, talvez o próprio aluno achasse que

aquilo não fosse uma aula de direito, que aquilo fosse algum tipo de enrolação e que o

“cara” não está querendo dar aula. (...) Esse modelo meramente expositivo, ele é muito

ruim, e eu acho que esse é o principal problema. (Professor C)

Essa falta de aproximação, também destacada nas entrevistas das estudantes se mostra

extremamente prejudicial e incômoda, mas, assim como dito pelo professor C, a estudante B

reforça que não é apenas uma questão da relação entre o indivíduo que ensina e o indivíduo que

aprende, não é só uma relação entre educador e educando, mas também há uma forte influência

do funcionamento do sistema como um todo.

Eu acho que é sempre importante você ver a visão do outro e você promover a formação

de um raciocínio, e eu não vejo muito isso em sala de aula. (...) Eu acho muito engessado,

assim. Assim, o sistema como um todo, tanto o das escolas, quanto o das faculdades,

você pega, abre o livro e lê. Aí bota no quadro, vê o slide, aí você bota na prova e tem

que dizer o que está escrito no Caio Mário. (Estudante B)

Os alunos, de modo geral, não se mostram preocupados com concursos públicos durante a

faculdade. Os discentes de direito parecem enxergar o curso de graduação como uma espécie de

barreira que deve ser ultrapassada para que se chegue ao seu objetivo principal, pelo menos é o

que acredita a professora B, que excetua desse perfil alunos que cursam o direito como segunda

graduação.

Professores de cursinho preparatório para concurso, não posso falar em nome de

ninguém, mas é o que eles dizem, veem um total despreparo do aluno já com a carteira

da ordem, parece que passou da faculdade como um degrau ‘deixa eu passar esse degrau

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aqui, mas sem aproveitar nada e deixa eu chegar onde eu quero, que é focar no meu

concurso’, como se a faculdade fosse um obstáculo, não foca no concurso, esse perfil é

de aluno que já está em uma segunda graduação (...) ele quer determinado concurso, e

aí esse concurso precisa de conhecimentos de direito e então o sujeito faz o curso de

direito e aí sim ele está tirando proveito. (Professora B)

Outra dificuldade do ensino jurídico ligada ao papel da universidade é o fato de que projetos fora

de sala de aula não são valorizados, apesar de dispostos no artigo 207 da Constituição Federal,

como defendido pela professora C. O curioso é que, segundo o professor A, o papel da

universidade foi muito discutido décadas atrás, principalmente no processo constituinte

brasileiro. Ele acredita que, por conta de um esquecimento dessa discussão, o prescrito em norma

constitucional, que seria um tripé entre extensão, pesquisa e ensino, não é exatamente o que

acontece na prática, o que acaba por reafirmar as ideias da professora C.

Trinta anos atrás o grande discurso, que hoje não tem mais, era o discurso da

universidade pública, universidade pública gratuita e de qualidade acadêmica, essa era

a grande bandeira dos anos 80. A gente vivia essa questão (...) Hoje nós temos uma outra

geração, uma outra geração que não sabe o que aconteceu, uma outra geração, essa que

está aqui agora, que está muito consciente, não vai ter um futuro de segurança

econômica, por causa dos salários baixíssimos, então a visão da universidade é outra.

(Professor A)

Nova grade programática tem buscado com as disciplinas mais gerais, de formação geral

do estudante, trazer essa preocupação de entender a realidade, com a sociedade com a

complexidade que o profissional vai atuar, mas apesar disso não há uma mudança

substancial de metodologia de forma do estudo. Majoritariamente, nossa carga horária é

de carga horária em sala de aula, a gente tem, por exemplo, uma introdução ainda

incipiente, mas avançando, de pesquisa e extensão (…) muito limitada, no geral o que

tem são os núcleos de prática jurídica, que se pautam muito em atuações individuais

numa lógica assistencial e não numa lógica de pensar em uma assessoria jurídica

pensando nos grandes problemas coletivos também e formas de mobilização dos

institutos mais coletivos (...) necessidade de se explorar essas metodologias como a

própria sala de aula que ainda é muito mais centrada nesse modelo de Coimbra (...) muito

mais repositório de conhecimento, conhecimento bancário, como dizia Paulo freire, do

que uma lógica reflexiva para o estudante problematizar e refletir sobre esses

dispositivos legais. (Professora C)

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É nesse sentido que a ideia de concretizar a universidade, mais do que projetá-la,

apresenta-se como uma grande alternativa para que boa parte das dificuldades do ensino jurídico

ao menos diminua.

Conclusões

Percebe-se, então, com este trabalho, que, com a criação dos cursos de direito no Brasil,

que inicialmente tinham o objetivo de criar profissionais para a elite política e administração do

país e o posterior desenvolvimento das formas de abordar o estudo do ordenamento jurídico, é

possível avaliar a atual situação da forma como é lecionada e aprendida a matéria de acordo com

a visão de diferentes professores e alunos que tiveram contato tanto com instituições públicas

como privadas. Foi possível também, para os alunos, criar uma maior percepção das dificuldades

para se ter acesso aos entrevistados desejados, e desenvolver, ao longo das entrevistas, as

melhores formas e técnicas para abordar as perguntas visando a uma maior extração de

informações relevantes.

Em relação à liberdade de cátedra, conforme se pôde extrair das entrevistas, não existe

uma doutrinação no ensino, que poderia ocorrer devido ao curso envolver questões que abordam

o Estado, entrando em pauta correntes políticas, mas o que ocorre é que nas faculdades privadas

existe um maior controle não apenas na opção metodológica escolhida pelo professor, mas no

funcionamento geral da instituição. E, ainda assim, não é possível universalizar tal situação, pois

as privadas diferem entre si do modo como tratam tais questões, sendo umas mais flexíveis do

que outras.

Sobre a questão da maior heterogeneidade atual encontrada em alguns cursos de direito,

principalmente devido ao ENEM e às políticas de ações afirmativas, todos os entrevistados

docentes a consideram como enriquecedora para o ambiente de ensino, tornando mais interessante

o exercício da profissão. Ainda com relação a essa heterogeneidade, mas dessa vez quanto a uma

abordagem concernente a diferentes faixas etárias, professores alegam que normalmente o horário

do noturno demonstra mais comprometimento e um desses motivos seria o maior número de

alunos com idade mais avançada, mostrando maior amadurecimento. A heterogeneidade não se

faz tão presente nas particulares, já que, em sua maioria, encontram-se alunos com o mesmo poder

aquisitivo e que geralmente fazem parte do mesmo ciclo social.

O reconhecimento do docente na área jurídica, segundo os entrevistados, é menor se

relacionado com outras profissões da área, influenciando também na desvalorização salarial. Esse

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reconhecimento, porém, não está apenas relacionado ao ambiente fora da academia, mas também

entre os professores, sendo as posições de protagonismo altamente valorizadas dentro do

ambiente de trabalho.

Referindo-se agora à situação do professor com relação aos alunos, historicamente, ele é

colocado em uma posição hierarquicamente superior, e apesar de isso estar menos notável

atualmente, ainda é perceptível em algumas situações. Até arquitetonicamente falando, a posição

central do docente é relevante, quando se observa algumas salas de aula como as da faculdade de

direito da USP, por exemplo. Essa distância, segundo os entrevistados, é prejudicial ao ensino,

sendo importante uma maior inteiração entre o corpo discente e o docente.

Outra dificuldade do ensino jurídico ligada ao papel da universidade é o fato de que

projetos fora de sala de aula não são valorizados, não sendo concretizado o tripé entre extensão,

pesquisa e ensino.

Dessa forma, foi possível ter uma visão mais precisa de como ocorrem efetivamente as

dificuldades no ensino jurídico, com profissionais e alunos que vivenciam essa experiência,

podendo oferecer informações úteis para tal finalidade.

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Entrevista com o professor Adityas Matos

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O Professor Andityas Soares de Moura

Costa Matos possui Graduação em Direito

pela Universidade Federal de Minas Gerais,

mestrado em Filosofia do Direito pela

Universidade Federal de Minas Gerais,

Doutorado em Direito e Justiça pela

Universidade Federal de Minas Gerais e

Pós-Doutorado em Filosofia do Direito

pela Facultat de Dret de la Universitat de

Barcelona. Atualmente é Professor Adjunto

IV de Filosofia do Direito e disciplinas

afins na Faculdade de Direito da

Universidade Federal. O professor possui

experiência na área de Direito, com ênfase

em Filosofia do Direito, Teoria do Direito e

Filosofia Antiga e atua com foco no

normativismo, na teoria da justiça, no

decisionismo, no estado de exceção, na

biopolítica, no debate Kelsen e Schmitt, no

autoritarismo e democracia, na

desobediência civil, na filosofia antiga, na

filosofia pré-socrática e no estoicismo.

Equipe Alethes: A temática do dossiê da

próxima edição é “A força da Constituição”,

inspirado nos 30 anos da Constituição

Brasileira de 1988. O título faz referência

ao texto de Konrad Hesse, A força

normativa da Constituição. Em relação a

esse texto, gostaríamos de perguntar: o que

pensa sobre a tese de Hesse relacionada à

força normativa da Constituição e em que

pé estaria a Constituição brasileira nos

termos dessa alegada força?

Andityas Matos: É uma pergunta

complexa porque, na realidade, ela exige a

interpretação da obra de certo autor. Eu vou

dar uma opinião mais geral e ampla, que é

exatamente a ideia de que a força normativa

da Constituição só existe na medida em que

ela se baseia em uma constante constituição,

em uma constituição em estado permanente.

Pensar a constituição enquanto uma

estrutura de poder dado ou constituído, em

que as decisões fundamentais foram dadas

de uma vez para sempre é, na minha

avaliação, construir uma sociedade

autoritária; construir uma sociedade de

separações e de especializações. Eu só

consigo compreender a constituição como

evento constante, e não como momento

originário, como os americanos gostam de

pensar no estilo dos “pais fundadores”. Nós

temos essa dimensão museológica também,

ao dizermos que “a nossa Constituição está

fazendo 30 anos e ainda não foi

implementada”. A constituição, em uma

dimensão de filosofia radical, só pode ser

entendida enquanto prática constante,

enquanto uma vida que se constitui. E aí,

claro, não podemos deixar de fazer uma

crítica ao atual momento dessa constituição

que estamos vivendo, porque nem toda

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Entrevista com o professor Adityas Matos

Alethes | 77

constituição – e eu estou falando de

constituição no sentido de constituir – é

essencialmente libertária ou democrática.

Estamos vivendo um momento da nossa

constituição em que ela está monopolizada

por um grupo de juristas, juízes e políticos

que lhe dão uma leitura constitutiva

essencialmente autoritária, essencialmente

classista e racista, a qual pouco se

comunica com os intentos “originais”,

ainda que não possamos falar de uma

originalidade constitucional em sentido

tradicional. Houve certa aposta de

compromisso social nessa nossa atual

Constituição, e essa aposta vem sendo

constantemente traída por um movimento

constituinte extremamente retrógrado e

autoritário. Para mim é claro que, por

exemplo, nas últimas decisões do STF

surge algo como uma contra constituição,

de natureza antidemocrática. Esse é um dos

perigos da constituição permanente, pois

essa ideia de uma constituição permanente

não é essencialmente democrática nem

essencialmente autoritária, ela sempre

depende das condições sociais específicas

em que é posta, e as atuais são claramente

autoritárias.

E. A.: Após 30 anos da Constituição de

1988, enxergamos que, apesar de terem sim

havido avanços pontuais, estamos muito

longe de concretizar os objetivos elencados

no texto constitucional e, na maior parte do

tempo, andamos por um caminho tortuoso

que não nos leva nessa direção. Você diria

que os problemas que a nossa Constituição

apresenta para efetivar seus objetivos

resultam apenas de sua aplicação ou

também do texto constitucional em si, da

maneira como se encontra disposto?

A. M.: Depois da decisão do STF sobre a

prisão em segunda instância sem trânsito

em julgado, vemos que texto não vale nada,

que qualquer texto pode ser subvertido,

pervertido, relido, pode ser negado. Como

eu estou dizendo, a constituição, no meu

pensamento, jamais é uma coisa escrita.

Claro que é simbolicamente importante, na

nossa tradição, ter uma Constituição escrita.

Nossa atual Constituição é sim importante,

mas a constituição é uma prática

constitutiva e destitutiva, ela é uma prática

de conformação, formação e subversão de

subjetividades. Nesse sentido, os pontuais

avanços a que você faz referência não são

devidos à Constituição, mas sim às lutas

sociais constituintes e destituintes. As lutas

e os movimentos sociais friccionam esse

corpo árido, esse corpo tão

despotencializado que é o corpo do direito,

que nós temos visto sempre funcionar como

uma estrutura de manutenção de poder, de

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Entrevista com o professor Adityas Matos

Alethes | 78

afirmação de privilégios, de controle de

qualquer mínimo intento de democracia.

Dessa maneira, esses pequenos avanços

que tivemos não foram obtidos porque

foram previstos, de alguma forma, na

Constituição de 1988, mas sim porque

movimentos sociais e atores específicos da

sociedade civil lutaram contra um estado de

coisas que é “naturalmente”

antidemocrático; eles lutaram para fazer

valer pretensões de validade que,

simbolicamente, estão encartadas no texto

de 1988, mas que, na realidade, têm

efetividade apenas na medida em que vêm

para o mundo concreto como práticas de

vida, como isso que eu tenho chamado de

constituição em estado permanente ou de

poder constituinte permanente, de

inspiração democrática, evidentemente. É

muito diferente de pensar algo como o STF

ou um Presidente no estilo “pai da pátria”

como poder constituinte permanente.

Trata-se de pensar estratégias constituintes

e destituintes para que a gente possa ocupar

os espaços do poder separado-hierárquico e

vivenciar democraticamente esses espaços,

que também são de constituição, para dar

outros sentidos àquele texto.

E. A.: Em relação ao discurso de defesa

ferrenha dos direitos fundamentais, você

afirmou, no seu livro de 2015, Filosofia

radical e utopias da inapropriabilidade:

uma aposta an-árquica na multidão, que

ele falha ao não compreender que “o

próprio sistema garantidor de direitos –

muitos deles existentes no nível meramente

retórico – é o maior responsável por suas

contínuas e necessárias violações”. Diante

dessa pertinente crítica, mas, ao mesmo

tempo, do cenário de ataques sistemáticos a

esses poucos e imperfeitos direitos que nos

são, em tese, garantidos, perguntamos: até

que ponto cabe criticar os direitos

fundamentais e a partir de que ponto

devemos defendê-los, mesmo tendo críticas

a eles ou à forma como estão dispostos?

A. M.: É uma ótima pergunta. Para mim, os

direitos fundamentais não podem ser

tratados como a priori, não podem ser

tratados como coisas dadas ou marcos de

libertação; eles são muito mais uma

estrutura simbólica, muitas vezes

apontando para uma possibilidade de

diálogo, de compensação entre as classes e

as estruturas de poder. O que eu critico é

essa espécie de fundamentalismo que

entende que a resposta está sempre no

direito, e nos seus “fundamentos”. Para

mim, a resposta não está só no direito;

confiar no direito significa confiar em uma

estrutura que foi criada para manter

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Entrevista com o professor Adityas Matos

Alethes | 79

privilégios, para manter as separações

sociais. Nada na vida, nada no pensamento

tem essa marca de fundamentalidade que o

direito quer imprimir sobre si mesmo,

como se fosse algo perene e imutável.

Podemos dar um novo uso ao direito,

podemos profaná-lo, podemos usar o

direito, mas sem nos apaixonarmos por ele,

usar o direito no sentido de entender que ele

é um dispositivo que pode ter as mais

diversas finalidades. Todavia, ver os

direitos fundamentais como a priori e

pontos incontestáveis me parece um erro

tático, estratégico e existencial. A prática

nos mostra o contrário, nos mostra que eles

não são incontestáveis, não são doações do

Estado, não são um momento necessário

em uma “evolução”, não são um signo de

progresso, mas sim resultados complexos

de lutas contraditórias e não finalizadas.

Por outro lado, é preciso também não os

banalizar, não entender os direitos

fundamentais como mera retórica, já que

eles têm uma dimensão de potência, ou seja,

uma dimensão de ir para além desse

paradigma proprietário que todos nós

conhecemos como “o meu direito”. Eu acho

que, principalmente neste momento de

crise que estamos vivendo, a solução passa

por tentar encontrar essas outras dimensões

da potência, taticamente defendendo os

direitos fundamentais, sem arredar o pé

deles, mas ao mesmo tempo não os

transformando em objetos de culto, não

deixando que sejam vistos como objetos a-

históricos que, pela própria presença

mágica, impediriam qualquer ato arbitrário

do poder político ou do mercado, sendo que

vemos que não é isso que ocorre. Basta uma

canetada do legislador para que os direitos

fundamentais deixem de existir

formalmente, ou seja, como obrigações

impostas ao Estado e limites impostos ao

mercado. É preciso compreender os direitos

fundamentais na sua dinâmica processual,

na sua dinâmica de constante constituição

contraditória, mas ao mesmo tempo

também apontar para o que eles podem vir

a significar. Significa insistir na potência

muito mais do que no ato.

E. A.: Quais as causas você identifica para

a popularização de um discurso tão distante,

num sentido reacionário, do que dispõe

nosso texto constitucional?

A. M.: O medo. O medo social diante da

imprevisibilidade, diante da precariedade

da vida nos leva a pedir cada vez mais

segurança, o que significa cada vez mais

Estado, o que significa – quer queira, quer

não – cada vez mais mercado capitalista

também. Esse círculo de securitização

aponta paradoxalmente para a criação de

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Entrevista com o professor Adityas Matos

Alethes | 80

bolsões de insegurança absolutos e

estruturais. Estamos vivendo um momento

em que há um discurso do medo premente

e urgente: as nossas cidades são

verdadeiros campos de batalha, todos os

políticos são tidos como mentirosos, como

uma classe fechada em si mesma que só

quer se aproveitar, o outro é uma ameaça no

sentido da própria diferença – e não

conseguimos dialogar com a diferença,

temos que negá-la. Bons exemplos disso

são candidatos como Bolsonaro: o discurso

dele é muito simples, ele apela para

emoções muito básicas do ser humano, que

é a necessidade de segurança. O paradoxal

é que o discurso bolsonarista gera mais

insegurança, validando-se assim a si

próprio e exigindo, de modo absurdo e

circular, mais segurança – que gera mais

insegurança etc. É um círculo vicioso

gigantesco que não é característico só do

Brasil, é algo mundial. Estamos vendo um

retroceder de todos os movimentos

progressistas, de todos os movimentos

críticos. Estamos vivendo uma nova guerra

fria, uma guerra fria pós-moderna. É muito

simbólica a reação, por exemplo, do Trump,

primeiramente com a Rússia – revivendo

aquela saudade da guerra fria com a União

Soviética – e agora com o Irã e a Coreia do

Norte. O medo é um elemento fundamental

de securitização e de criação de

subjetividades amedrontadas, que trocam

tudo por segurança; mas, ao trocar tudo por

segurança, constituímos um novo e temível

Leviatã. Vivemos tempos mitológicos hoje,

similares àqueles das guerras religiosas na

Europa que culminaram com a criação dos

Estados absolutistas e com a exploração

colonial nas Américas. Há um livro

fantástico do Michael Hardt e Antonio

Negri que se chama Declaração. Eles

fazem uma análise dos tipos de

subjetividade dos dias atuais, as figuras

subjetivas da crise. Trata-se antes de tudo

de uma subjetividade midiatizada. Não se

consegue pensar nada fora da mídia, ali está

o limite da segurança ou não. Por via de

consequência, é uma subjetividade

securitizada, tudo é perigoso, e nós temos

que encontrar segurança absoluta, plena e

para sempre. Mas não nos envolvemos com

isso, e aí vem uma terceira dimensão, que é

a representação: deixamo-nos representar

por quem nos promete, paternalmente,

segurança, não assumimos a

responsabilidade de agir politicamente de

formas mais efetivas e nos limitamos a

votar em tiranos. Há também uma quarta

dimensão, muito concreta e muito presente

nas nossas vidas: o fato de todos, de uma

forma ou de outra, estarmos endividados,

ou seja, em uma posição de sujeição diante

do poder econômico e do poder em geral.

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Entrevista com o professor Adityas Matos

Alethes | 81

Essa combinação de midiatização,

securitização, representação e

endividamento é fatal. Ela mina qualquer

possibilidade de democracia. A democracia

jamais será representativa; democracia é

uma forma de vivência imediata do poder,

sem separações e sem títulos que

justifiquem que uns mandem e outros

obedeçam; a democracia jamais será

midiática, porque a mídia é uma estrutura

que simplesmente direciona os afetos

sociais para certo nicho de poder separado.

Dívida e democracia jamais estarão juntas,

pois a dívida nega a igualdade fundamental

dos seres, colocando um sob o poder de

mando do outro. Não é à toa que uma das

primeiras medidas da democracia grega

antiga foi o perdão das dívidas dos cidadãos

e a reforma agrária. O medo também não é

um afeto democrático. É a economia dos

afetos hoje que está desequilibrada. O

medo agora se põe como afeto central, e

sabemos para onde isso levou a Europa na

primeira metade do século passado: ao

nazi-fascismo. Contra esse medo

hobbesiano e irracional, temos que

encontrar não simplesmente uma coragem

abstrata, mas a coragem da verdade, como

diz Foucault, o que é muito difícil.

E. A.: Quais possibilidades você identifica

de eclosão de movimentos populares

transformadores na realidade brasileira?

Quais caminhos você enxerga para que o

poder popular tome de volta o espaço que

lhe foi tirado pelos grupos no comando do

Estado e do aparato jurídico?

Eu acho a concepção de desobediência civil

enquanto uma forma de interpretação

popular da Constituição o que há de mais

avançado na teoria constitucional hoje. Não

é algo a ser desprezado, mas deve ser

criticado também, porque essa concepção

ainda se move dentro do terreno do direito

constituído. E envolve um claro paradoxo:

ao se dizer que a desobediência civil é uma

forma de interpretação popular da

Constituição, ainda se exige alguma

autoridade do poder constituído – um juiz,

por exemplo – para chancelar isso, para

dizer que certo ato de desobediência civil

foi, de fato, uma interpretação da

Constituição e não um crime ou “baderna”.

Por isso a minha concepção de

desobediência civil tem muito mais a ver

com a desinstituição. É uma dimensão,

digamos, mais radical da desobediência

civil. Trata-se de uma experiência de

negação do caminho único do constituído,

de suspensão do ato em nome da potência,

de desconstrução do que está aí como óbvio.

A desobediência civil desinstituinte é muito

mais uma estrutura para abrir caminho.

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Entrevista com o professor Adityas Matos

Alethes | 82

Podemos elencar alguns exemplos básicos

para que, de alguma forma, esse

pensamento não fique tão abstrato. Eu acho

que, atualmente, é essencial uma luta pelo

comum, essa dimensão que não é

proprietária. Tal implica fazer uma crítica

radical ao direito de propriedade, no

sentido de entender que existem

experiências vitais importantes do comum,

como a linguagem – dela todos usamos sem

nos apropriarmos –, de modo que o meu

uso não impossibilita o seu uso. Podemos

levar essa percepção a outros momentos,

momentos concretos e práticos, momentos

efetivos de vivência social, já que o

exemplo da linguagem também fica muito

abstrato... O uso comum da terra, dos bens...

Significa substituir a ideia de que tudo gira

em torno do direito de propriedade para

encontrar formas em que não haja domínio

nem privado nem público, porque privado

ou público são formas de propriedade. O

privado e o público são dimensões

proprietárias com lógicas diferentes, mas

são ambas dimensões proprietárias. O

comum, ao contrário, aponta para uma co-

pertença, para um co-uso, para uma co-

instituição de experiências que sejam

portadoras de novas subjetivações,

portadoras de novas possibilidades de viver

o mundo. E aí, como seria pensar um banco

comum? Será que conseguimos pensar

isso? Um estudo do direito que seja comum

e não centrado na ideia de propriedade? Um

uso da minha própria subjetividade,

pensando que eu não sou dono da minha

identidade? Porque a identidade é uma das

propriedades mais arraigadas e preciosas

que nós temos. A ideia de sujeito identitário,

o “eu sou eu” com as minhas próprias

características imutáveis, com as minhas

definições, com a minha história, com a

minha vida e meus desejos... Destituir tudo

isso significaria pensar em si mesmo

enquanto parte do comum mais amplo.

Podemos traduzir essa ideia em pautas bem

concretas, como, por exemplo, o apoio às

lutas ecológicas, que têm a ver com uma

dimensão comum do nosso planeta e que se

não cuidarmos disso, daqui a 50 anos não

teremos mais como voltar atrás. Lutar pelo

comum no trato com a natureza, no trato

conosco mesmo, no trato com os recursos

que temos, no trato com as próprias

palavras, com o próprio pensamento,

criticar o direito autoral, criticar os bancos,

criticar todas essas estruturas de

privatização. É também importante

reafirmar as políticas da diferença, pois o

comum não é um negócio generalizante; as

lutas por reconhecimento de minorias

raciais, de gênero, de sexualidade, de classe

etc. têm seu lugar na economia do comum.

Comum é tentar integrar essa rede de

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Entrevista com o professor Adityas Matos

Alethes | 83

movimentos, que é totalmente diferenciada,

que não tem uma matriz geral, e então, de

alguma maneira, ativar essas

potencialidades do comum em várias

dimensões instituinte e desinstituintes.

E. A.: Por fim, no contexto da realidade em

que vivemos, que você chama de “estado de

exceção econômico permanente”, e de

todos os problemas que ela acarreta, qual é,

na sua opinião, o papel da comunidade

acadêmica e de suas produções no processo

de construir uma sociedade de fato

democrática? Poderia a academia ter uma

atuação revolucionária?

A. M.: A academia hoje é um lugar da mais

completa resignação, é também o lugar da

mais completa tentativa de fundamentar o

sistema desigual e autoritário em que

vivemos. Eu fico absolutamente perplexo

quando vejo colegas, amigos até que

estruturam teorias jurídicas que são meras

justificações do que está aí. Eu acho que o

nome academia já é, inclusive, ruim,

porque “academia” evoca o Hekademia de

Platão, que é aquele lugar fora da cidade em

que ele abriu uma escola só para os

“melhores” atenienses. A academia está

longe da cidade e não é uma simples

coincidência o fato de que a universidade

hoje em dia reproduz essa lógica de

alheamento diante da sociedade. Contudo,

eu entendo que existem potencialidades,

estou sempre reafirmando isso nas minhas

falas. Pensar em termos de atualidade é

muito pouco, temos que pensar em termos

de potencialidades, de aberturas. Eu acho

que a universidade tem um papel

gigantesco nisso, no sentido de que ela tem

potencialidades que não estão sendo

atualizadas. Essa apatia, esse medo, essa

resignação a que já me referi, acabam se

infiltrando na universidade. O papel do

pensador, do filósofo, do professor, do

acadêmico, do pesquisador, do aluno,

enfim, o papel de quem está dentro desse

nicho é criticar, é desvestir o rei, é proceder

a uma crítica rigorosa, consequente e

responsável de todas as situações de

opressão, de hierarquização, de comando

ilegítimo que nós temos vivido. Na

universidade temos um lugar privilegiado

que nos dá a possibilidade de discutir ideias,

mas as ideias têm que se tornar novamente

perigosas, como dizia Guy Debord, um dos

personagens que inspirou o maio de 68 em

Paris. Debord foi um dos maiores filósofos

do séc. XX e era um cara que nunca quis

um título universitário – ele se

autodenominava, ironicamente, “Doutor

em nada” –, mas tinha um poder de análise,

um poder de crítica e de pensamento livre

que eu não encontro atualmente em

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Entrevista com o professor Adityas Matos

Alethes | 84

nenhum acadêmico. Hoje estar na

universidade se tornou, para o professor,

uma profissão, mais uma profissão como

qualquer outra. Nos nossos dias ser

pesquisador, professor ou aluno é mais uma

dimensão, até mesmo tediosa, da “vida” do

capital. Contra isso, temos que entender o

sentido do estudo. Tem um texto de Giorgio

Agamben em que ele diz que o estudo é

uma atividade fundamentalmente sem

objetivos. Nessa perspectiva, não se está na

universidade para ser um grande advogado,

para entrar no mercado de trabalho, ficar

rico ou para servir ao Estado como juiz ou

promotor; o estudo tem uma dimensão

autonomizante, uma dimensão que aponta

para potencialidades outras em que o

estudo aparece como um compromisso

existencial consigo mesmo e com o comum.

Existem essas potencialidades nas

universidades e elas precisam ser

atualizadas. É por meio dessa aposta na

dimensão do estudo enquanto uma prática

de si, um cuidar de si e dos outros, que

podemos criar algumas chances

interessantes de tornar as ideias novamente

perigosas.

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Entrevista com o professor José Luiz Quadros

Alethes | 85

O professor José Luiz Quadros de

Magalhães possui graduação em Direito

pela Universidade Federal de Minas Gerais,

graduação em Língua e Literatura Francesa

pela Universidade Nancy II, mestrado em

Direito pela Universidade Federal de Minas

Gerais e doutorado em Direito pela

Universidade Federal de Minas Gerais.

Atualmente é professor titular da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais,

professor associado da Universidade

Federal de Minas Gerais e Professor dos

Cursos de Graduação e Pós-Graduação da

Universidade Santa Ursula. É Presidente

Nacional da Rede pelo Constitucionalismo

Democrático latino americano e Presidente

da Red Internacional para un

constitucionalismo democrático en

latinoamerica, com sede em Quito,

Equador. Sua experiência na área de Direito

foca em Direito Constitucional,

Internacional, Teoria do Estado e da

Constituição, atuando principalmente nos

seguintes temas: plurinacionalidade,

diversidade, democracia, federalismo,

direitos humanos, poder, ideologia e

constituição.

Equipe Alethes: Em seu blog, o Senhor

afirma que o "sistema moderno afundou" e

que a crise representativa pela qual o país

passa demonstra a incapacidade de nossas

instituições responderem às necessidades

de um mundo em profunda transformação.

No ano do 30° aniversário de nossa

Constituição, é possível afirmar que ela

ainda é um instrumento atual capaz de

absorver todas essas transformações e

promover a efetiva tutela das novas

necessidades sociais? Em que contexto o

Brasil se insere no âmbito das chamadas

constuições “transnacionais” e novas e

mais efetivas formas de participação

popular na concretização da democracia e

dos direitos sociais?

José Quadros: O maior problema que

enfrentamos hoje em nosso Estado

Constitucional é a grave crise por que passa

o Poder Judiciário. Lentamente, muitos

juízes têm se afastado da lei e da

Constituição. Como sabemos, Constituição

não é texto, mas sim a interpretação que se

faz do texto em determinados momentos

históricos e em contextos sociais

específicos. Acredito que são várias as

raízes desta crise, mas, podemos destacar

algumas: a) importamos teorias construídas

em sistemas jurídicos muito distintos do

nosso, tentando copiar o que não tem como

ser copiado, como por exemplo o sistema

de precedentes no direito norte americano e

inglês, construído na história daqueles

países. Não é possível copiar história, e,

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Entrevista com o professor José Luiz Quadros

Alethes | 86

além de não termos nenhuma tradição na

construção deste interessante e importante

sistema, nem teoricamente temos

conhecimento para fazê-lo; b) o judiciário

infelizmente foi envolvido em uma luta

política e incentivado a ir além de sua

função com a invenção do “ativismo

judicial” que tem levado a uma total

insegurança jurídica. Os juízes, não todos,

por óbvio, mas muitos têm sido

incentivados pela mídia e opinião pública a

julgar segundo seus valores morais, para

muito além da lei. Isto representa o fim da

segurança jurídica; c) o STF, órgão de

cúpula e guardião da Constituição vive uma

espécie de delírio coletivo, com juízes se

sentindo “semideuses”, numa vaidade sem

limites e uma desconexão com o real e a

realidade da grande maioria dos brasileiros.

Em várias repúblicas e mesmo em várias

monarquias parlamentares do mundo os

juízes são cidadãos. Andam a pé ou de

ônibus, dirigem seus automóveis, enfim são

pessoas, cidadãos em meio a cidadãos. Não

me parece que pessoas que recebem 70.000,

100.000, ou mais, que vivem e veem o

mundo de um lugar muito distante dos

cidadãos estejam aptas para julgar

problemas, casos, contextos, da vida dessas

pessoas que eles, os juízes, não conhecem.

O problema que se coloca é de ordem

também, psicológica. Portanto, o problema

que se coloca não é apenas com a

Constituição, mas com aqueles que

interpretam a Constituição diante dos casos

concretos. Lembramos ainda que este

sistema de Justiça talvez esteja com os dias

contatos. As questões que envolvem

conflitos horizontais entre grandes

empresas já são levadas majoritariamente a

serem resolvidas pela “arbitragem”. Há

uma aposta crescente, e acredito eu muito

correta, no investimento na “mediação”

como solução dos conflitos horizontais do

dia a dia. Resta pensar nos conflitos

verticais (entre empresas e trabalhadores),

uma vez que estão acabando com a justiça

do trabalho e os sindicatos. O novo

constitucionalismo democrático latino

americano e as Constituições

Plurinacionais são uma revolução jurídica e

podem representar a possibilidade de gerir

os novos e enormes desafios de um mundo

em profunda transformação. Nossa

Constituição poderia ainda responder por

algum tempo, mas não com a atual

realidade de Poder Judiciário e do STF.

E. A.: O Senhor menciona em seu texto “A

crise da democracia representativa. O

paradoxo do fim da modernidade” que o “o

atendimento da opinião pública não é sinal

de democracia, não se confunde com

democracia e pode ser usado contra a

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Entrevista com o professor José Luiz Quadros

Alethes | 87

democracia, enquanto de outro lado a

opinião pública pode forçar a

democratização e limitar o autoritarismo”.

Considerando a necessária influência da

população nos processos de formação da

vontade estatal, como estabelecer e manter

espaços públicos para diálogos

fortalecedores da democracia, capazes de

alimentar uma opinião pública que “force a

democratização e limite o autoritarismo”?

J. Q.: O problema da opinião pública é,

hoje, a existência de uma mídia altamente

concentrada, que manipula, mente, encobre.

É óbvio que não é possível as pessoas

escolherem algo que não conhecem (entre

parlamentarismo e presidencialismo por

exemplo), em uma realidade onde a

esmagadora maioria da população se

informa pela televisão ou pela crescente

presença de mensagens falsas nas redes

sociais. A situação é grave. Não há

democracia possível com uma mídia que

mente e distorce a realidade. A alternativa

é a organização social, os movimentos

sociais, a mídia alternativa, como uma

tentativa de revelar o encoberto e distorcido

pelos grandes meios. A maior inimiga da

democracia hoje é a grande mídia. A

solução é a democracia radical,

descentralizada. A única forma de controle

sobre o poder privado e o poder do Estado

e o poder democrático da população

organizada.

E. A.: O atual momento político já vem, há

algum tempo, criando e potencializando

polarizações de opiniões políticas. Além

disso, parece que há uma dificuldade de a

população entender determinados

movimentos políticos que geram grande

comoção, como tem ocorrido com a atual

“greve dos rodoviários”. Parece haver

potencial para que situações como essa

levem a “opinião pública” a endossar ou

acolher discursos antidemocráticos, bem

como parece haver potencial para que

ocorra o oposto, com o fortalecimento da

democracia popular. Que elementos

influenciam e fazem preponderar

possibilidades tão diversas?

J. Q.: Como dito na resposta anterior, a

mídia, especialmente a Rede Globo vem

investindo, incentivando a divisão da

população brasileira. Isto é perigoso e pode

sair de controle. Talvez já esteja. À

manipulação e a mentira deliberada da

grande mídia, incentivando o ódio, soma-se

a enorme quantidade de fake news e a

desinformação de parte classe média que

não lê, e que alimenta o ódio decorrente de

uma cultura escravagista, racista, machista,

homofóbica e logo, extremamente

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Entrevista com o professor José Luiz Quadros

Alethes | 88

conservadora. A ignorância ultrapassa

qualquer limite. Vemos pessoas

defendendo que a terra é plana, que o

nazismo é de esquerda entre outras loucuras.

Há uma espécie de delírio coletivo de uma

população desinformada. Uma democracia

popular precisa de uma população

informada, politizada, organizada e

mobilizada. Existem muitas pessoas e

muitos movimentos assim no Brasil,

precisamos dar visibilidade e promover

redes de redes, de pessoas e movimentos

que pensam, discutem, se preocupam e

lutam pela construção de uma democracia

efetiva, com justiça, respeito, paz e

diversidade.

E. A.: O Senhor fala da importância de um

federalismo de três níveis no Brasil, que

fizesse avançar a democracia a partir de

elementos mais próximos da população,

especialmente tendo em vista a ausência de

um estado social avançado que crie as bases

de participação consciente. Como as

pessoas poderiam, na prática, se aproximar

dos meios possíveis de resistência aos

desmontes de direitos sociais?

J. Q.: O nosso Estado Federal é ainda muito

centralizado. Precisamos inverter essa

lógica. O poder de decisão, os recursos, os

que decidem e legislam têm que estar entre

o povo, no município. O espaço efetivo da

democracia e do controle social sobe o

poder do estado se encontra na cidade.

Como falamos na pergunta anterior, uma

população informada e participativa tem

foça no município. Não podemos confundir

politização com educação formal ou curso

superior. São muitas as pessoas com curso

superior, mestrado e doutorado que são

completos analfabetos políticos. Acredito

que o povo, na cidade, nos bairros, são os

que têm as respostas para os seus

problemas. As pessoas que estão vivendo o

dia a dia de trabalho, conflito, transporte

público e violência são os que sabem a

solução dos seus problemas. Não um

burocrata encerrado em seu escritório. Isto

é democracia, dar voz e poder para as

pessoas resolverem seus problemas. Só há

um caminho para resgatarmos a

democracia: organização, discussão,

reflexão, crítica e ação popular.

E. A.: Nos últimos anos, o Judiciário

ganhou enorme projeção na mídia nacional

e internacional, sobretudo devido ao

crescente número de casos de corrupção

envolvendo políticos poderosos. Diante

desse cenário, as decisões tomadas pelos

magistrados ganham muita repercussão e o

debate, por vezes, ultrapassa a esfera

jurídica, ocasionando uma profusão de

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Entrevista com o professor José Luiz Quadros

Alethes | 89

pontos de vista na população. Em sua

opinião, quais os aspectos negativos e

positivos e os reflexos dessa exposição do

Poder Judiciário? Essa aproximação do

Judiciário com a opinião pública é benéfica

para a democracia?

J. Q.: Aproximação do Judiciário com a

opinião pública, levando em consideração

o que já disse sobre o Judiciário e a opinião

pública, é fascismo. Um Judiciário que

responde aos apelos de uma opinião pública

inflamada por uma mídia que mente,

encobre e distorce já vimos nos

totalitarismos fascista e nazista. O

Judiciário, especialmente o STF, tem uma

fundamental tarefa no Estado

Constitucional Democrático: a função

contra majoritária. Ou seja, aplicar a

Constituição e proteger os direitos

fundamentais contra as maiorias que

podem se tornar raivosas e preconceituosas.

Ora, as minorias dificilmente teriam

direitos se dependessem da vontade da

maioria. Essa é a missão de uma Corte

Constitucional. Isto está inscrito em nossa

Constituição Federal no artigo 60 parágrafo

4 incisos I a IV. Nenhuma maioria, por

mais expressiva que seja pode aprovar

emendas tendentes a abolir a democracia, a

separação de poderes, o federalismo e os

direitos fundamentais. Quanto a exposição

do Judiciário na mídia, esta tem se

mostrado negativa, diante do despreparo

emocional de muitos magistrados que se

confundem com uma espécie superior de

seres humanos. Acredito que deveria ser

obrigatório um curso de psicanálise para as

pessoas ingressarem em carreiras que

envolvam muito poder. Obviamente que

um curso de psicanálise envolve a

obrigatoriedade da fazer análise.

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Normas de Publicação

Alethes | 93

Normas de Publicação

1. Das Regras Gerais dos artigos

1.1.Todo artigo deve ser de autoria exclusiva de graduandas e/ou graduandos, regularmente

matriculados em curso de graduação, não havendo restrições com relação à área de

conhecimento a ser abordada no trabalho, desde que dialogue com a temática jurídica;

1.2. Os trabalhos poderão ter um máximo de 4 (quatro) autores/as, sendo que somente será

aceito para avaliação 1 (um) trabalho assinado como primeiro autor/a, cabendo aos demais

coautoria;

1.3. Os trabalhos devem conter um mínimo de 15 (quinze) e máximo de 25 (vinte e cinco)

laudas, contando os elementos pré e pós-textuais;

1.4. Para a submissão de trabalhos, o/a autor/a deve enviar 3 (três) arquivos em formato Word

(.doc ou .docx) para o e-mail do periódico ([email protected]): Um arquivo

Word com o texto completo do trabalho; um segundo arquivo Word com o texto completo

do trabalho sem a identificação do/a autor/a; e um terceiro documento Word com apenas

o dados do/a autor/a, sendo essencial informar a área do Direito abordada diretamente no

trabalho, nome completo, instituição de ensino, e-mail e telefone;

1.4.1. O/A autor/a deverá, ainda, atestar por meio de comprovante de matrícula, ou outro meio que couber, que está regularmente matriculado/a em curso de graduação,

como prevê 1.1; 1.4.2. As disposições de 1.4.1 devem vir no terceiro documento Word previsto em 1.4,

trazendo as devidas informações especificadas;

1.5. O trabalho submetido deverá ser inédito, e não estar sob avaliação de nenhuma outra revista. Contudo, obras publicadas em anais de congresso e outros eventos acadêmicos

podem ser submetidas ao periódico, desde que apresentem alterações substanciais;

2. Critérios de Avaliação e aceitação do artigo

2.1. Todo trabalho será submetido à análise do Conselho Editorial, sendo enviados a dois

pareceristas anônimos para avaliação de conteúdo, segundo o método de avaliação duplo-

cego por pares;

2.2. As e os pareceristas serão definidos pelos editores de acordo com a área de

atuação/formação, a qual deverá ser, na máxima medida do possível, coincidente com a

temática do artigo a ser avaliado;

2.3. As e os pareceristas deverão optar por uma das seguintes recomendações: aprovado;

reprovado; aprovado com ressalvas;

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2.4. Os artigos serão submetidos à avaliação técnica (adequação às normas da ABNT e

formatação conforme o disposto neste edital), que poderá pesar no juízo de ponderação;

2.5. Recebidos os pareceres pela editora ou pelo editor, a mesma ou o mesmo definirá a

publicação ou não do trabalho, levando em consideração as avaliações das e dos

pareceristas e as análises do item 2.4;

2.5.1. Caso ocorra no item 2.3 uma aprovação e uma reprovação, o trabalho será analisado

pelas editoras e pelos editores do periódico, que realizarão um juízo de

ponderação;

2.6. Caso o trabalho seja reprovado, serão encaminhadas as devidas justificativas;

2.7. Os pareceres poderão conter indicações bibliográficas, sugestões de mudança na

estrutura do texto, acréscimo ou subtração de informações, críticas, elogios e outras

observações consideradas pertinentes para o aprimoramento do trabalho e para a

adequação aos critérios definidos neste edital;

2.8. Feitas as alterações pelas autoras e pelos autores, caso sejam aprovadas pelo conselho

editorial, o artigo será publicado. A Alethes, no entanto, reserva-se o direito de colocar os

trabalhos para números seguintes conforme conveniência, sendo que será enviado o

informe e a devida justificativa ao/à autor/a;

2.9. O processo de análise dos artigos terá o prazo de 30 a 45 dias, que se iniciará com a

confirmação do recebimento da submissão.

2.10. Serão utilizados como critérios pelos sujeitos envolvidos na avaliação dos trabalhos: a

adequação à metodologia científica, a relevância do tema e a originalidade da abordagem,

o bom delineamento do objeto de pesquisa, a qualidade na seleção e no manejo da

bibliografia pertinente, a utilização da norma padrão da língua portuguesa, a adequação às

normas da ABNT e outros que forem julgados pertinentes;

2.11. A decisão do conselho editorial é final, não sendo passível de recurso.

3. Estrutura e Formatação do artigo

3.1. Os artigos devem ser apresentados digitados em folha A4 (210 x 297mm);

3.2. Editor de texto Word for Windows 6.0 ou posteriores. Times New Roman, tamanho

12;

3.3. Margens 2,5cm X 2,5cm;

3.4. Espaçamento 1,5 entre linhas, com texto justificado. Parágrafo recuado 1,25 da margem

esquerda e sem espaço entre parágrafos;

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3.5. Corpo do Texto

3.5.1. A primeira página do trabalho deve conter título em português e em inglês, com

máximo de 15 (quinze) palavras, alinhamento centralizado; fonte Times New

Roman, Tamanho 14, destacado em negrito; 3.5.2. O nome do/a autor/a deve vir logo abaixo do título, com duplo espaço, fonte Times

New Roman, tamanho 12 e alinhado à direita; 3.5.3. O nome do/a autor/a deve ser acompanhado pela primeira nota de rodapé, contendo

um breve currículo do/a mesmo/a, levando em consideração sua instituição de

ensino e o curso; 3.5.4. Na primeira página deve conter, ainda, resumo em português e inglês. Estes devem

ser antecedidos pela expressão “Resumo:” e “Abstract:”, respectivamente, e

destacadas em negrito, um espaço acima do corpo textual; 3.5.5. Os resumos devem ter máximo de 150 (cento e cinquenta) palavras, fonte Times

New Roman, tamanho 12, espaçamento simples entre linhas;

3.5.6. As palavras-chave devem figurar logo abaixo do resumo, em um número máximo

de 5 (cinco), em português e inglês, antecedidas das expressões

“Palavras-chave:” e “Keywords:”, respectivamente; espaçamento simples;

separação entre elas por ponto e finalizadas também por ponto; 3.5.7. É facultado ao/à autor/a optar pela versão em espanhol do resumo e das palavras-

chave, além da versão em inglês; 3.5.8. O texto, de forma geral, deve ser digitado em fonte Times New Roman, tamanho

12, alinhamento justificado; 3.5.9. Os títulos e os subtítulos das seções do artigo, excetuando-se a introdução e a

conclusão, devem ser numerados e destacados em negrito, fonte Times New Roman, tamanho 12. Devem ser antecedidos e sucedidos por um espaço de uma

linha; 3.5.10. As notas devem ser postas no rodapé do texto, numeradas em sequência, fonte

Times New Roman, tamanho 10, alinhamento justificado. As notas de rodapé não

devem ser usadas para referências, somente em caso de indicação, explicação e/ou

elucidação que se faça necessário remeter; 3.5.11. As citações devem seguir a regra: se menores que 3 (três) linhas, devem estar

inseridas diretamente no texto, entre aspas e com a devida referência, conforme o padrão (AUTOR/DATA). Se maiores que 3 (três) linhas, devem ser destacadas

com recuo à esquerda de 4 cm, fonte Times New Roman, tamanho 10, com a

devida referência no padrão (AUTOR/DATA);

3.6. Referências Bibliográficas:

3.6.1. Todas as referências bibliográficas deverão ser realizadas conforme ABNT 6023;

3.6.2. As referências completas deverão ser trazidas em ordem alfabética e no final do

texto;

3.6.3. Os destaques da referência bibliográfica devem ser feitos em negrito;

3.6.4. As demais composições bibliográficas não discriminadas devem seguir os padrões

estabelecidos pela ABNT (ABNT 6023, 6022, 6028, 10520);

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3.7. Agradecimentos, menções a financiamentos de agências governamentais (CNPq, FAPEMIG etc.), publicações de versões anteriores do artigo e outras observações do

gênero devem ser inseridas na nota de rodapé indicativa de autoria (conforme item

5.5.3), e excluídas da versão sem identificação;

3.8. Pequenas variações no tamanho dos artigos, tanto aquém como além dos limites

definidos neste edital, poderão ser relevadas, a critério do conselho editorial e

considerando-se a fluidez da argumentação e a necessidade do uso dos espaços.

4. Das regras gerais dos Poemas

4.1. Os poemas devem ser de autoria exclusiva de graduandas e graduandos, regularmente

matriculados/as em curso de graduação;

4.2. O texto literário deve ser inédito, não havendo reprodução integral ou de partes de textos anteriormente publicados no formato digital ou impresso; e não tendo sido

submetido a nenhum outro edital;

4.3. Os textos devem prezar pela idoneidade, não possuindo conteúdo que possa constituir

ofensa a liberdade de crença, dados e informações discriminatórias ou quaisquer ofensas

a direitos humanos;

4.4. Os trabalhos não devem conter mais de duas (2) páginas e serão publicados conforme a

formatação adotada pelo Periódico Alethes, resguardadas as características identitárias do

texto literário submetido;

4.4.1. Os autores e as autoras poderão submeter o seu trabalho na forma que julgarem

adequada, cabendo à editoração do periódico Alethes o esclarecimento de

eventuais dúvidas;

4.5. O trabalho literário deverá ser submetido em formato Word (.doc ou .docx) para o email

do periódico ([email protected]): Um arquivo Word com o texto e a devida

identificação do/a autor/a; um segundo documento Word com apenas os dados do/a

autor/a, sendo essencial dizer o nome completo, a instituição de ensino, e-mail e telefone;

4.6. Os trabalhos serão publicados na ordem de recebimento e não serão submetidos a

avaliações de conteúdo, prezando sempre pela liberdade literária e idoneidade de seu/sua

autor/a;

4.6.1. O Periódico Alethes reserva-se no direito de publicar quantos poemas julgar

necessário para o presente número.

5. Das regras gerais dos Ensaios

5.1. Este número receberá ensaios para compor dossiê na seguinte temática: “”.

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5.2. Ensaios de outras temáticas também serão avaliados, sendo dada preferência, entretanto,

aos ensaios que se encaixem na temática do dossiê: “A Força da Constituição;”

5.3. Os Ensaios devem possuir no máximo 2 autores/as, regularmente matriculados/as em

curso de graduação;

5.4. O texto deve ser inédito, não havendo reprodução integral ou de partes de textos

anteriormente publicados no formato digital ou impresso; e não tendo sido submetido a

nenhum outro edital;

5.5. Os trabalhos devem conter um mínimo de 5 (cinco) e máximo de 10 (dez) laudas,

contando os elementos pré e pós-textuais;

5.6. Os trabalhos serão submetidos apenas à avaliação das(es) editoras(es) do próprio

Periódico;

6. Estrutura e Formatação dos Ensaios

6.1. Os artigos devem ser apresentados digitados em folha A4 (210 x 297mm);

6.2. Editor de texto Word for Windows 6.0 ou posteriores;

6.3. Fonte do texto deve ser Times New Roman, tamanho 12;

6.4. Margens 2,5cm X 2,5cm;

6.5. Espaçamento 1,5 entre linhas, com texto justificado. Parágrafo recuado 1,25 da margem

esquerda e sem espaço entre parágrafos;

6.6. Corpo do Texto

6.6.1. A primeira página do trabalho deve conter título em português com máximo de 15 (quinze) palavras, alinhamento centralizado; fonte Times New Roman, Tamanho

14, destacado em negrito;

6.6.2. O nome do/a autor/a deve vir logo abaixo do título, com duplo espaço, fonte Times

New Roman, tamanho 12 e alinhado à direita; 6.6.3. O nome do/a autor/a deve ser acompanhado pela primeira nota de rodapé, contendo

um breve currículo do/a mesmo/a, levando em consideração sua instituição de

ensino e o curso; 6.6.4. As notas devem ser postas no rodapé do texto, numeradas em seqüência, fonte

Times New Roman, tamanho 10, alinhamento justificado. As notas de rodapé não devem ser usadas para referências, somente em caso de indicação, explicação e/ou

elucidação que se faça necessário remeter;

6.6.5. As citações devem seguir a regra: se menores que 3 (três) linhas, devem estar inseridas diretamente no texto, entre aspas e com a devida referência, conforme o padrão (AUTOR/DATA). Se maiores que 3 (três) linhas, devem ser destacadas

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com recuo à esquerda de 4 cm, fonte Times New Roman, tamanho 10, com a

devida referência no padrão (AUTOR/DATA);

6.7. Referências Bibliográficas:

6.7.1. Todas as referências bibliográficas deverão ser realizadas conforme ABNT 6023;

6.7.2. As referências completas deverão ser trazidas em ordem alfabética e no final do

texto;

6.7.3. Os destaques da referência bibliográfica devem ser feitos em negrito;

6.7.4. As demais composições bibliográficas não discriminadas devem seguir os padrões

estabelecidos pela ABNT (ABNT 6023, 6022, 6028, 10520);

6.8. Agradecimentos, menções a financiamentos de agências governamentais (CNPq, FAPEMIG etc.), publicações de versões anteriores do artigo e outras observações do

gênero devem ser inseridas na nota de rodapé indicativa de autoria (conforme item

5.5.3), e excluídas da versão sem identificação;

6.9. Pequenas variações no tamanho dos Ensaios, tanto aquém como além dos limites definidos neste edital, poderão ser relevadas, a critério do conselho editorial e

considerando-se a fluidez da argumentação e a necessidade do uso dos espaços.

7. Das disposições finais

7.1. As opiniões contidas nos trabalhos são de inteira responsabilidade das autoras e dos autores, de modo que o Periódico Alethes não se responsabiliza pelo conteúdo dos textos

que publica;

7.2. A publicação dos artigos não terá por contrapartida qualquer tipo de remuneração às

autoras e aos autores;

7.3. As autoras e os autores, ao concordarem com a publicação de seus trabalhos, estarão cedendo os direitos autorais referentes à primeira publicação ao Periódico Alethes. Ficam autorizados a publicá-los novamente no futuro, aceitando, contudo, citar o nome e a edição

da revista, e fazendo referência ao fato de a publicação original ocorreu na mesma. As constatações de qualquer imoralidade, ilegalidade, fraude ou outra atitude que coloque em

dúvida a lisura da publicação, em especial a prática de plágio, importarão imediata interrupção do processo de avaliação do artigo. Caso este já tenha sido publicado, ele será retirado da base da revista, sendo proibida sua posterior citação vinculada ao nome do

Periódico Alethes. Ainda, no número seguinte da revista, será publicada nota informando

e justificando o cancelamento da publicação.