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49207/2017 – ASJCIV/SAJ/PGR Mandado de Segurança 34.371 – DF Relator: Ministro Alexandre de Moraes Impetrante: Dilma Vana Rousseff Impetrado: Presidente do Supremo Tribunal Federal na qualidade de Presidente do Senado Federal MANDADO DE SEGURANÇA. IMPEACHMENT . RELATÓRIO. SENADO FEDERAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE. PRESI- DENTE DA REPÚBLICA. NÃO RECEPÇÃO. CONSTITUIÇÃO. LEI 1.079/1950. ARTS. 10, ITEM 4, E 11. ABOLITIO CRIMINIS. TIPO PENAL GENÉRICO. INFRAÇÃO. LEI ORÇAMENTÁRIA. NORMA PENAL SUBSIDIÁRIA. MUTATIO LIBELLI. IMPU- TAÇÃO. NOVOS FATOS. ACRÉSCIMO. ART. 10, ITENS 6 E 7. PEDIDOS INSUBSISTENTES. 1 – No modelo presidencialista, é reconhecida a via do im- peachment para expurgar da chefia do Poder Executivo pessoa inidônea e descompromissada com o exercício vir- tuoso da primeira magistratura da nação. 2 – O procedimento político-jurídico do impedimento in- sere-se como instrumento de concretização da representa- ção política. A escolha de líderes governamentais, para além de ser a exteriorização de senso de confiança, suscita, de imediato, efeito consubstanciado na submissão do patri- mônio nacional e na espera de que o mandatário gerencie da forma mais competente os meios estatais, de modo a fa- zer cumprir o ordenamento jurídico previamente instalado. 3 – O primado do modelo republicano, ao deferir o poder popular a um governante, dele exige a devida prestação de contas e a conduta impoluta no trato da coisa pública, o que evidencia a presença incontestável de cláusula de res- ponsabilidade política ínsita ao mandato eletivo, a ser aci- Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 13/09/2017 18:54. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave E1BFE9F7.676FDED6.AE22B760.F7A5D111

Alexandre de Moraes...Nº 49207/2017 – ASJCIV/SAJ/PGR Mandado de Segurança 34.371 – DF Relator: Ministro Alexandre de Moraes Impetrante: Dilma Vana Rousseff Impetrado: Presidente

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  • Nº 49207/2017 – ASJCIV/SAJ/PGR

    Mandado de Segurança 34.371 – DFRelator: Ministro Alexandre de MoraesImpetrante: Dilma Vana RousseffImpetrado: Presidente do Supremo Tribunal Federal na

    qualidade de Presidente do Senado Federal

    MANDADO DE SEGURANÇA. IMPEACHMENT. RELATÓRIO.SENADO FEDERAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE. PRESI-DENTE DA REPÚBLICA. NÃO RECEPÇÃO. CONSTITUIÇÃO.LEI 1.079/1950. ARTS. 10, ITEM 4, E 11. ABOLITIO CRIMINIS.TIPO PENAL GENÉRICO. INFRAÇÃO. LEI ORÇAMENTÁRIA.NORMA PENAL SUBSIDIÁRIA. MUTATIO LIBELLI. IMPU-TAÇÃO. NOVOS FATOS. ACRÉSCIMO. ART. 10, ITENS 6 E 7.PEDIDOS INSUBSISTENTES.

    1 – No modelo presidencialista, é reconhecida a via do im-peachment para expurgar da chefia do Poder Executivopessoa inidônea e descompromissada com o exercício vir-tuoso da primeira magistratura da nação.

    2 – O procedimento político-jurídico do impedimento in-sere-se como instrumento de concretização da representa-ção política. A escolha de líderes governamentais, paraalém de ser a exteriorização de senso de confiança, suscita,de imediato, efeito consubstanciado na submissão do patri-mônio nacional e na espera de que o mandatário gerencieda forma mais competente os meios estatais, de modo a fa-zer cumprir o ordenamento jurídico previamente instalado.

    3 – O primado do modelo republicano, ao deferir o poderpopular a um governante, dele exige a devida prestação decontas e a conduta impoluta no trato da coisa pública, oque evidencia a presença incontestável de cláusula de res-ponsabilidade política ínsita ao mandato eletivo, a ser aci-

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    onada sempre que o mandatário agir contra os interessesdo povo que o alçou a tal posição.

    4 – É no espírito republicano que se sustenta a criação deespécies legislativas diferenciadas dos crimes comuns parao enquadramento de comportamentos do Presidente da Re-pública ou de seus auxiliares diretos considerados ilícitos.Dessa forma, completo estaria o círculo lógico que en-volve a premissa inicial de que o bem nacional pertence aopovo e somente ao povo; a existência de uma diretriz deampla representatividade com a consequente regra de res-ponsabilidade; um processo específico no qual são subme-tidas as falhas graves do chefe do Poder Executivo e, porfim, a listagem de condutas consideradas nocivas para anação e cuja prática leva à sua defenestração do exercíciodo cargo público. Cumpre, internamente, esse último re-quisito a Lei 1.079/1950.

    5 – Sindicabilidade dos temas relacionados ao impeach-ment pelo Poder Judiciário: destacado o formato polí-tico-jurídico de impeachment adotado no Brasil e comsupedâneo nas premissas daí decorrentes [(a) o escopo doprocesso de impeachment é político, (b) sua institucionali-zação é constitucional e legal, e (c) seu processamento éjurídico e deve submeter-se aos parâmetros constitucional-mente definidos e legalmente fixados, incidindo sobre siprincípios de direito constitucional e de direito processual,em conjunto com regras jurídicas previamente estabeleci-das], conclui-se pelo entendimento de que os atos pratica-dos pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal noâmbito de procedimento de impeachment são, sim, sindi-cáveis pelo Poder Judiciário, desde que se alegue violaçãoa direitos e garantias procedimentais e formais assegura-dos pela Constituição da República e lei especial vigentes.

    6 – Alegação de não ter sido recepcionado o art. 11 da Lei1.079/1950 pela Constituição Federal de 1988: a ausência

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    de prescrição constitucional acerca dos crimes relaciona-dos à guarda e ao emprego dos dinheiros públicos, porcerto, não leva à conclusão de que as condutas a eles liga-das deixaram de receber a censura constitucional. A Cons-tituição Federal, embora não discorra expressamente noart. 85 de condutas ilícitas em relação ao dinheiro públicoe ao patrimônio público, não deixou o assunto sem o ne-cessário regramento. Há inúmeras passagens nos assentosconstitucionais que tratam dos bens públicos, e, em espe-cial, a criação de sistema irrestrito de fiscalização contábil,financeira e orçamentária, operacional e patrimonial daUnião. Como conclusão desse ponto, a exclusão de cláu-sula constitucional relativamente à proteção de dinheiropúblico como substrato fático a ser regulado pelo legisla-dor infraconstitucional não é causa de abolitio criminis.

    7 – Alegada não recepção do item 4 do art. 10 da Lei1.079/1950: por constituir listagem de prescrições ilícitaspassíveis de serem praticadas somente por agentes políti-cos com acesso estrito aos elevados instrumentos do poderinstitucional, os crimes de responsabilidade constituemcláusulas mais abertas, tendo em vista o amplo espectro deliberdade gerencial de que goza o mandatário da Repú-blica. Diferem, portanto, dos tipos penais estrito senso, namedida em que esses se enclausuram em sistema de sub-sunção às elementares descritas na conduta tipificada emlei, enquanto os denominados crimes de responsabilidadese dirigem por uma abertura hermenêutica que se reflete nadescrição das infrações, de modo a englobar ofensas quese traduzam em dano à Administração Pública ou queconstituam burla a princípios e valores diretivos da práticaadministrativa.

    8 – O tipo penal do art. 10 possui como objetividade jurí-dica a proteção à lei orçamentária e à execução orçamentá-ria, logo, prevê condutas que criminalizam a turbação dos

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    mecanismos orçamentários. A amplitude desse tipo penal,longe de ser considerada inconstitucional ou violadora dedireitos processuais do agente político, é cláusula protetivalegítima, válida e apta a ser elemento de incriminação doPresidente da República.

    9 – Alegada incidência de mutatio libelli: os fatos que de-ram origem à decisão pela admissibilidade da Câmara dosDeputados também inspiraram a redação do relatório vo-tado no Senado Federal, havendo duas únicas diferenças, oacréscimo de dois tipos penais inscritos nos itens 6 e 7 doart. 10 da Lei 1.079/1950. Trata-se de mera reclassificaçãojurídica dos fatos exaustivamente discutidos em ambas asCasas Legislativas e em nada acrescentados, quer seja pelaCâmara dos Deputados, quer seja pelo Senado Federal.

    9 – Parecer pela denegação da ordem.

    1. RELATÓRIO

    1.1. Síntese dos fatos

    Trata-se de mandado de segurança impetrado por Dilma Vana

    Rousseff em face da Resolução 35/2016 que, nos termos do art.

    52, parágrafo único, da Constituição Federal, aplicou a sanção de

    perda do cargo de Presidente da República, de acordo com a sen-

    tença lavrada no dia 31 de agosto de 2016, nos autos da Denúncia

    1/2016, com trâmite no Senado Federal.

    Relata a impetrante que, após extenuante processo político,

    primeiramente na Câmara dos Deputados, que concluiu pela ad-

    missibilidade do pleito de condenação por cometimento de crime

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    de responsabilidade, e, em seguida, pelas inúmeras sessões deli-

    berativas do Senado Federal para a instrução do processo e o jul-

    gamento da ré, concluiu-se por sua efetiva participação nas

    condutas proibidas da Lei 1.079/1950 e, ao final, pela condena-

    ção às penas reservadas aos crimes de responsabilidade.

    Contudo, a impetrante, insatisfeita com o procedimento ado-

    tado pelo Senado Federal e com a inclusão de crimes arrolados

    na Lei 1.079/1950 alegadamente não recepcionados pela Consti-

    tuição Federal de 1988, busca, inicialmente, a suspensão do ato

    coator e, após a análise do mérito, a inexorável anulação da Re-

    solução 35/2016 e a cominação do dever ao Senado Federal de

    rejulgamento da impetrante.

    1.2. Teses da impetrante

    De início, a impetrante contextualiza o modelo de impeach-

    ment adotado no Brasil, de cunho marcadamente misto, com fei-

    ções políticas e jurídicas, e conduz a um paralelo com o sistema

    americano, de modo a perquirir quanto aos parâmetros constitu-

    cionais para a destituição do chefe do Poder Executivo, sob pena

    de desvirtuamento de sua finalidade maior: a correta averiguação

    do cometimento de crime de responsabilidade como condição

    sine qua non para o afastamento do Presidente da República. Ad-

    verte ainda que o sistema presidencialista brasileiro ressente-se

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    ainda das abruptas trocas de gestores públicos, sobretudo quando

    o último rearranjo político estrutural da nação ocorreu há menos

    de trinta anos e, no curso desse modelo de democracia, já é o se-

    gundo processo de impedimento vivenciado no país.

    Aduz que “se o impeachment puder ser decretado fora dos

    limites jurídicos estabelecidos pela Constituição Federal, ao arre-

    pio do direito de quem se encontra sob julgamento, a tendência é

    de que se converta em grave elemento de desestabilização institu-

    cional. Poderá se reproduzir nos estados, convertendo-se em ins-

    trumento ordinário de disputa política. Considerando a redução

    da arrecadação que ocorrerá em inúmeros estados, decorrência da

    crise econômica e fiscal ora em curso, a tendência é que os pro-

    blemas orçamentários se proliferem. Em todos os estados em que

    o Governador não tiver uma maioria expressiva, haverá o risco

    de desestabilização do governo. A perspectiva é de que o impea-

    chment se torne epidêmico no Brasil. Ou o direito se impõe sobre

    o poder, ou deixaremos de ser um estado de direito”.

    Logo, “apenas a limitação do impeachment às hipóteses

    constitucionais é capaz de evitar que isso ocorra. A participação do

    Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal, no diálogo

    institucional a propósito da interpretação das cláusulas constituci-

    onais sobre o impeachment é fundamental para delimitar a mol-

    dura dentro da qual deverá se situar o juízo simultaneamente

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    político e jurídico do Senado Federal. A simples observância das

    normas procedimentais não é suficiente para garantir a juridici-

    dade do julgamento do impeachment. O processo e o julgamento

    podem acabar por se converter em mera cerimônia formal: um

    jogo de cartas marcadas, desprovido de seriedade, em que já se

    sabe de antemão o resultado”. E, “para se garantir um mínimo de

    juridicidade, como determina a Constituição Federal, foram defi-

    nidas as hipóteses em que o impeachment se justificaria. E nada

    impede que o Judiciário, pelo menos, determine quais desses limi-

    tes constitucionais permanecem em vigor e quais foram revogados

    pela Constituição Federal de 1988”.

    Após o breve introito, a impetrante esmiúça as razões que

    motivaram a presente impetração.

    De forma a embasar a nulidade da decisão coatora, cita, em

    primeiro lugar, a não recepção do art. 11 da Lei 1.079/1950 pela

    atual Constituição Federal, ante a discrepância com a redação do

    art. 85 do texto constitucional.

    O julgamento do Senado Federal, concordando com a acu-

    sação de abertura ilegal de créditos suplementares sem a devida

    autorização do Congresso Nacional, condenou a impetrante às

    penas do citado art. 11 da Lei 1.079/1950, cuja objetividade penal

    é a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos.

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  • PGR Mandado de Segurança 34.371 – DF

    A sustentar sua tese, afirma a impetrante que o art. 11 não

    guarda nenhuma correspondência com o rol veiculado pelo art.

    85 da Constituição Federal, cuja listagem se denota como escolha

    do legislador constituinte dentre os elementos materiais que dire-

    cionam a formação dos tipos penais próprios do crime de respon-

    sabilidade. Valendo dizer que, fora dessa lista, o tipo legal é

    eivado de inconstitucionalidade.

    Acrescenta ainda, a remarcar sua posição pela não recepção,

    ser a norma do art. 11 o único item que diferencia a listagem

    constitucional do art. 85 da infraconstitucional do art. 4º da Lei

    1.079/1950, segundo a qual:

    Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presi-dente da República que atentarem contra a Constituição Fe-deral, e, especialmente, contra:

    I – a existência da União;

    II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judici-ário e dos poderes constitucionais dos Estados;

    III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

    IV – a segurança interna do país;

    V – a probidade na administração;

    VI – a lei orçamentária;

    VII – a guarda e o legal emprego dos dinheiros públi-cos;

    VIII – o cumprimento das decisões judiciárias (Constitui-ção, artigo 89). [O destaque não consta no original.]

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    Afirma que “a guarda e o legal emprego dos dinheiros pú-

    blicos” é cláusula inserida no corpo da lei pelo art. 89 da Consti-

    tuição de 1946. Entretanto, as Constituições posteriores não mais

    repetiram esse substrato fático para tipificá-lo como crime de res-

    ponsabilidade1, tendo-o por superado, não mais vigorando atual-

    mente.

    A impetrante explica que a Constituição da República é o

    instrumento que explicita as causas determinantes para os crimes

    de responsabilidade e pelo qual o legislador ordinário deve

    pautar-se para a criação dos respectivos tipos penais, não de-

    vendo desbordar de seu figurino originário. Desse modo, “o le-

    gislador não pode definir crimes de responsabilidade fora dos

    âmbitos materiais constantes do texto constitucional”.

    Assim sendo, o silêncio da presente Constituição em relação

    a essa hipótese material de crime de responsabilidade, circunstân-

    cia que não poderia ser negada pelo legislador ordinário ao dar

    concretude ao art. 85, parágrafo único, do texto constitucional,

    conduziria a uma verdadeira abolitio criminis, na medida em que

    essa conduta, sob a moldura constitucional, seria atípica.

    A conclusão proposta pela impetração, diante dessa pre-

    missa, é a inconstitucionalidade da abertura do processo de impe-

    1 Vide art. 84 da Constituição de 1967.

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    achment e do afastamento presidencial com fundamento em hi-

    pótese não recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

    Em segundo lugar, a impetrante defende a não recepção do

    item 4 do art. 10 da Lei 1.079/1950, que está definido nos seguin-

    tes termos:

    Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orça-mentária: […]

    4 – infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivoda lei orçamentária.

    A autora parte da tese de que o art. 85 da Constituição Fede-

    ral, dentre os possíveis comportamentos irregulares de um Presi-

    dente da República, elegeu as condutas que atentassem

    frontalmente contra as normas constitucionais. “Dessa dicção,

    deduz-se claramente que não são quaisquer condutas, ainda que

    ilegais, que podem ser classificadas como crime de responsabili-

    dade, mas aquelas graves o suficiente a ponto de representarem

    um atentado contra o texto constitucional”, já que, “dentre as con-

    dutas capazes de violar as leis orçamentárias, há meras irregulari-

    dades sanáveis, irregularidades insanáveis, ilegalidades,

    inconstitucionalidades e, por fim, ‘atentados contra a Constitui-

    ção’. As violações a leis orçamentárias perpetradas pelos gover-

    nantes podem ser reprimidas pelos órgãos internos de controle,

    pelos tribunais de contas, pelo Judiciário, pelo Legislativo. Apenas

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    as violações a leis orçamentárias que configurem ‘atentado contra

    a Constituição’ devem ser reprimidas pelo Senado Federal, por

    meio do impeachment do Presidente da República”.

    Diante dessa gradação de comportamentos, é imperioso, se-

    gundo a petição inicial, que o tipo penal descrito na norma legal

    contenha elementos mínimos que possam dar a mínima segu-

    rança ao intérprete da lei quanto à sua aplicabilidade. Tipos pe-

    nais excessivamente abrangentes, que confiram grande

    discricionariedade ao julgador e não definem com a necessária

    precisão as condutas materiais elementares dos crimes de respon-

    sabilidade, são gravemente inconstitucionais, por violarem a le-

    galidade penal e as garantias protetivas dos litigantes em

    processo penal.

    Na linha da petição inicial, a redação do tipo penal em foco

    foi construída com termos excessivamente genéricos, o que dá ao

    julgador vasto espaço interpretativo e ampla discricionariedade

    para acolher ou não os termos da acusação, permitindo ao Con-

    gresso, “sempre que considerar conveniente e oportuno sob o

    prisma político, promover o impeachment do Presidente da Repú-

    blica”. Dessa forma, “para evitar que o processo de impeachment

    se converta em instrumento de usurpação de mandatos concedi-

    dos ao povo, é necessário que o Senado Federal realize o julga-

    mento aplicando hipóteses previamente definidas no texto legal,

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    e definidas com clareza, de modo que as esferas do proibido e do

    permitido possam efetivamente ser conhecidas previamente”,

    uma vez que “a Constituição, enfaticamente, afastou a possibili-

    dade de julgamentos simplesmente políticos”.

    Busca comprovar a construção excessivamente genérica do

    tipo do art. 10, item 4, da lei do impeachment a partir da promul-

    gação da Lei 10.028/2000, que, ao introduzir as figuras penais

    dos itens 5 a 12 do art. 10, especificou novas condutas a partir de

    novos elementos descritivos do tipo.

    Ademais, alega que o esmiuçamento das condutas infratoras

    à lei orçamentária pela citada Lei 10.028/2000 retirou do apon-

    tado item 4 qualquer sentido em existir, já que a prescrição de

    condutas mais específicas e pontuais tornaria ilógica a permanên-

    cia de um tipo penal tão vasto e abrangente. Ou ainda, em sentido

    inverso, caso se mantivesse eficaz tal norma, nenhuma outra,

    nem aquelas introduzidas pela Lei 10.028/2000, poderiam incidir

    por serem consideravelmente restritivas, ante a abrangência do

    alcance da norma impugnada.

    Diante dessa antinomia interpretativa, a impetrante conclui

    pela insubsistência do tipo penal referido. E, continua, mesmo

    que prevalecente, seus termos abraçariam um sem-número de

    comportamentos aptos a acionar os mecanismos do impedimento,

    a ponto de enfraquecer gravemente o mandato presidencial, agra-

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    var as disfunções do presidencialismo de coalizão e retirar a im-

    portância do momento mais fundamental da democracia brasi-

    leira: a eleição direta do Presidente da República pelo povo. Em

    outras palavras, a ausência de definição inequívoca das práticas

    presidenciais reprováveis equivaleria à moção de desconfiança,

    segundo a impetração.

    Antevê ainda, nesse ambiente de grave instabilidade polí-

    tica, repercussões negativas nos estados e nos municípios, dado

    que, mantida a redação do item 4 do art. 10, “o impeachment se

    converterá em instrumento de política ordinária, não da política

    constitucional, produzindo efeitos sistêmicos de máxima gravi-

    dade no sentido da desestabilização dos governos”.

    Além das inconstitucionalidades originárias, a petição ini-

    cial, por fim, arrola as incongruências entre o relatório votado

    pela Câmara dos Deputados, de autoria do Deputado Federal Jo-

    vair Arantes, que ensejou a admissibilidade da acusação contra a

    impetrante, e o relatório submetido à apreciação do Senado Fede-

    ral, da lavra do Senador Antonio Anastasia, que, sob a ótica da

    defesa, fizeram por introduzir fatos novos à peça acusatória, im-

    plicando, por conseguinte, ofensa aos princípios do devido pro-

    cesso legal, do contraditório e da ampla defesa. Afirma, portanto,

    a impetrante, ter havido verdadeira mutatio libelli por parte do re-

    lator do processo de impedimento no Senado Federal.

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  • PGR Mandado de Segurança 34.371 – DF

    Destaca que a inserção de novos fatos se consubstancia na

    alteração do tipo penal incriminador descrito no item 6 do art. 10

    da lei do impeachment, cuja redação está assim disposta:

    Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orça-mentária: […] 6) ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desa-cordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal,sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adici-onal ou com inobservância de prescrição legal; (Incluídopela Lei nº 10.028, de 2000). [Destaque acrescido].

    Defende que “a descrição legal da suposta conduta da Sra.

    Presidenta emprega os verbos ordenar ou autorizar a abertura de

    crédito […]” e “[…] que os verbos destacados são relacionados à

    ação ou omissão incidente na atividade bancária. Trata-se de

    ‘abertura de crédito’, ato próprio da instituição financeira: não da

    União, que, segundo as imputações constantes da inicial, seria to-

    madora do crédito! Quem abre o crédito é a instituição finan-

    ceira. Ocorre que, de acordo com os relatórios aprovados e com a

    própria instrução probatória, a União, em tese, teria tomado irre-

    gularmente o crédito: hipótese da qual a impetrante se defendeu

    durante o processo”.

    O fato novo, portanto, seria a acusação que pesaria sobre a

    impetrante de ter autorizado ou ordenado a abertura de crédito

    para a própria União, o que, segundo dicção da defesa, não teria

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  • PGR Mandado de Segurança 34.371 – DF

    sido objeto, em momento algum, da instrução processual no par-

    lamento. Ao revés, a acusação, em todas as oportunidades, reite-

    rou as imputações ligadas à realização de operação de crédito,

    sob o enfoque dos atrasos de pagamento da União à instituição fi-

    nanceira federal.

    Em sua ótica, insiste em que a alteração promovida no âm-

    bito da Casa julgadora do mérito do impeachment não é de menor

    importância, já que implicou subtração de diversas oportunidades

    para a produção probatória, restando violados o art. 383 do Có-

    digo de Processo Penal2 e os arts. 103 e 1414, ambos do Código

    de Processo Civil em vigor, e, por via de consequência, modifi-

    cou os parâmetros fáticos incluídos no relatório produzido pelo

    Deputado Jovair Arantes, que circunscreveu as acusações a dois

    fatos principais: a abertura de créditos sem autorização do Con-

    gresso Nacional e a contratação ilegal de operações de crédito

    com instituição financeira controlada pela União.

    2 Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúnciaou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, emconsequência, tenha de aplicar pena mais grave. (Redação dada pela Leinº 11.719, de 2008).

    3 Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com baseem fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportuni-dade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva deci-dir de ofício.

    4 Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes,sendo--lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a leiexige iniciativa da parte.

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    A defesa da impetrante também não se conforma com o

    acréscimo de alegadas novas imputações delituosas, que foram re-

    cepcionadas pelo relatório do Senador Antonio Anastasia a partir

    da capitulação penal fornecida pelo art. 10, item 7, da Lei

    1.079/1950. Nas palavras da defesa da requerente:

    Os denunciantes, em sua inicial, imputaram à Impetrante apretensa “contratação” de operações de crédito vedadaspela Lei de Responsabilidade Fiscal ao longo do ano de2015. Valendo-se da opinião do Tribunal de Contas daUnião, sustentam que o suposto atraso no pagamento desubvenções devidas pela União ao Banco do Brasil, no âm-bito do Plano Safra, teria se transformado em um “contratode mútuo” ou “assemelhado”, proibido pela legislação emvigor. São estes os pretensos fatos jurídicos delituosos quegeram a imputação no caso das impropriamente denomina-das “pedaladas fiscais”. É o que se verifica na denúnciaparcialmente recebida pelo então Presidente da Câmara,Eduardo Cunha […].Ao ver dos denunciantes, o fato de ter ocorrido um supostoatraso de pagamentos das subvenções devidas no âmbito doPlano Safra, a partir do momento em que se configurou estenão adimplemento obrigacional, passou a qualificar juridi-camente o nascimento de “operação de crédito”, no ano de2015, entre a União e uma instituição bancária por ela con-trolada (Banco do Brasil). Esta “operação de crédito”,sendo vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, teriaconfigurado a hipotética prática de crime de responsabili-dade fiscal, justamente por ter sido “contraída” ao longo doprimeiro ano do mandato em curso da ora Impetrante. […]Por força do art. 86, § 4º, da Constituição Federal, e do de-cidido pelo Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, a den-úncia por crime de responsabilidade apenas abarcou fatosocorridos no ano de 2015. Foi, aliás, por esta razão que ou-

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    tros atrasos de pagamento de subvenções (“pedaladas fis-cais”) verificados antes do início desse ano (2015), apesarde também caracterizarem operações de crédito ao ver dosdenunciantes, não puderam integrar o objeto deste processode impeachment. Os fatos denunciados dizem respeito ex-clusivamente a supostas “operações de crédito” aperfeiçoa-das ou nascidas no ano de 2015. As alegadas operações decrédito cujo nascimento jurídico se deu em momento ante-rior ao dia 1º de janeiro de 2015, portanto, foram excluídas,em qualquer perspectiva, das acusações discutidas nestesautos.Essa conclusão foi integralmente encampada e reproduzidapelo relatório do Deputado Jovair Arantes, aprovado pelaComissão e pelo Plenário da Câmara dos Deputados. A Im-petrante deveria ser responsabilizada exclusivamente pelofato de ter contraído (contratado) “operações de crédito” aolongo do ano de 2015. Foi exatamente por circunscrevereste objeto da denúncia que o relatório do Deputado JovairArantes optou por imputar à Sra. Presidenta da República,exclusivamente, a tipificação estabelecida no art. 11, item3, da Lei n. 1.079, de 1950. O relatório ignorou todas as ou-tras tipificações legais suscitadas pelos denunciantes para ocaso das denominadas “pedaladas fiscais”.No relatório aprovado pela Câmara dos Deputados, a exem-plo do ocorrido no despacho de recebimento parcial da den-úncia, não se mencionou absolutamente nada acerca desupostas operações de crédito contraídas em anos anterio-res, cujo saldo permanecia em aberto durante o ano de2015. O delito imputado foi unicamente o de “contrair”,por meio de atrasos de pagamento verificados exclusiva-mente ao longo daquele ano, estas pretensas “operações decrédito”. O corte temporal feito por este relatório foi, comose pode constatar pela sua simples leitura, o ano de 2015.[…] Portanto, nunca houve nenhuma dúvida acerca da imputa-ção dirigida contra a Sra. Presidenta da República no casodas supostas “pedaladas fiscais”. Atribuía-se a esta autori-

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    dade presidencial, unicamente, o crime de responsabilidadepor ter a União “contratado” supostas operações de créditoao longo do ano de 2015, com o Banco do Brasil, tipifi-cando-se o delito nos exclusivos termos do art. 11, item 3,da Lei n. 1.079, de 1950. Esta “contratação”, observemos,teria se “aperfeiçoado”, juridicamente, no exato momentoem que teria se verificado o não pagamento, ou mesmo o“atraso” de pagamento, em repasses do Tesouro Nacionalao Banco do Brasil, no que concerne à equalização de taxasde juros relativas ao Plano Safra, atinentes unicamente aoexercício de 2015.Todavia, nas suas alegações finais, buscaram os denuncian-tes introduzir no objeto do processo novas imputações deli-tuosas. Sustentaram que seria dever da Presidente daRepública, logo no início de 2015, saldar as dívidas contra-ídas em anos anteriores. Ao não fazê-lo no início de 2015,estaria incorrendo na hipótese prevista no artigo 10, VII, daLei 1.079/50. Além de ter a União “contraído” indevida-mente empréstimos com o Banco do Brasil durante o anode 2015 (atraso no pagamento de subvenções exigidosneste ano), a Sra. Presidenta da República ainda seria res-ponsável:a) pelo fato da União não ter pago, em 2015, “operações decrédito contraídas em anos anteriores”. Isto, agora, haveriade implicar em nova tipificação da sua conduta, em face doaprovado pelos Plenários da Câmara e do Senado Federal.A imputação deveria se dar, de acordo com o sustentado,com base no delito previsto no art. 10, item 8, da Lei n.1.079/1950;b) pelo fato da União ter pago de forma ilegal as subven-ções ao Banco do Brasil (pagamento parcial), em decorrên-cia de ter procedido a uma desvinculação ilícita de recursospor meio da Medida Provisória n. 704/2015. Isto implicariatambém em conduta passível de ser tipificada com base nomesmo art. 10, item 8, da Lei n. 1.079/1950.Esses hipotéticos fatos delituosos e essa tipificação nuncasustentaram a pretensão punitiva deduzida neste processo,

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    até o momento da pronúncia e do posterior julgamento.Trata-se, na verdade, de uma nova imputação dirigida con-tra a chefe do Executivo, e não de uma nova valoração jurí-dica feita a partir dos mesmos fatos. Nada obstante, foirecepcionada pelo relator, Senador Anastasia, que incluiu anova imputação em seu relatório: “Além disso, existemparcelas do montante indicado na primeira linha da tabelacujo atraso remonta na realidade a dezembro de 2008(DOC 57, p. 185). Em síntese, se por um lado falamos deatraso mínimo de seis meses, por outro é possível apontarque, no conjunto de parcelas devidas e não pagas, incluem-se algumas com prazos muito mais longos, superiores a seisanos”.Em síntese: o que vinha sendo sustentado com absoluta cla-reza na denúncia autorizada pela Câmara dos Deputados eadmitida pelo Senado Federal, era apenas a acusação deque o pretenso atraso no pagamento das subvenções doPlano Safra, devidas durante o exercício de 2015, teriadado origem a “contratação, naquele mesmo ano, de umaoperação de crédito entre a União e o Banco do Brasil”,proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Nada mais.Como, porém, o artigo 11 da Lei n. 1.079 não foi recepcio-nado pela Constituição Federal de 1988, os denunciantes,para poder sustentar a pertinência da aplicação de outropreceito legal (o artigo 10, VII, da Lei 1.079), agregaramesse fato novo. Cuida-se, também, de evidente mutatio li-belli. […]Claro, assim, que a partir da modificação dos fatos que in-tegravam o objeto da acusação pertinente às denominadas“pedaladas fiscais”, veio a propor o Sr. Relator AntônioAnastasia também a nova tipificação (art. 10, item 7, da Lein. 1.079, de 1950). A mutatio libelli jamais poderá ter omesmo tratamento processual de uma simples emendatiolibelli, por força do princípio processual penal que exige acorrelação entre a acusação e a sentença. E esta exigêncianão se dá por mero apego à forma, em detrimento do conte-údo. Se dá por ser uma inexorável decorrência dos princí-

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    pios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art.5º, LV, da Constituição Federal). Se não há alteração nosfatos que formam o objeto da acusação, a qualificação jurí-dica é livre, posto que é em relação a eles que o acusadoapresenta a sua defesa (emendatio libelli). Mas se os fatossão alterados (mutatio libelli), o acusado tem o direito deofertar sua defesa em relação a eles, apresentando a suacontrariedade e as provas que entender cabíveis.

    Ao final, veicula pedido liminar para que seja determinada

    “a suspensão, de imediato, dos efeitos da decisão do Senado Fe-

    deral que condenou por crime de responsabilidade a Presidenta

    da República, ora Impetrante, com o consequente restabeleci-

    mento da situação de interinidade do Vice-Presidente da Repú-

    blica, até o julgamento final do mérito do presente mandado de

    segurança enquanto não transitar em julgado o presente manda-

    mus”.

    Quanto ao mérito, pede “a) a confirmação da ordem liminar

    deferida e a anulação do ato coator, de modo que seja invalidada

    a decisão do Senado Federal que condenou a Impetrante Dilma

    Vana Rousseff no bojo do processo de impeachment, bem como

    todos os atos posteriores dele decorrentes; b) a declaração, inci-

    denter tantum, de não recepção (ilegitimidade constitucional) do

    art. 10, item 4, e art. 11 da Lei nº 1.079, de 1950; c) a realização

    de novo julgamento da Impetrante pelo Senado Federal, excluí-

    dos dessa vez (1) os dispositivos da Lei n. 1.079/50 não recepcio-

    nados pela Constituição Federal (art. 11 e art. 10, item 6); bem

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    como (2) os fatos novos acrescidos posteriormente ao recebi-

    mento da denúncia e à instauração do processo no Senado, a sa-

    ber: (2.1) a imputação de que a Impetrante seria responsável, em

    nome da União, não só por contrair empréstimos de bancos pú-

    blicos, mas também por determinar aos bancos públicos a aber-

    tura dos respectivos créditos ou por deixar de impedir que o

    fizessem; (2.2) a imputação de que a impetrante seria responsável

    por não saldar dívidas contraídas anteriormente a 2015; d) a inti-

    mação da autoridade coatora para que convoque nova sessão do

    Senado Federal em que será realizado novo julgamento da Impe-

    trante, sanadas as inconstitucionalidades e ilegalidades aponta-

    das”.

    Note-se que houve a distribuição de petição avulsa que noti-

    cia erro no protocolo da primeira petição inicial (datada de

    1º/9/2016, às 00:40:38) e apresenta aditamento à petição inicial

    (datada de 1º/9/2016, às 11:29:15).

    Distribuídos os autos, o Ministro Relator, TEORI ZAVASCKI, à

    falta de plausibilidade jurídica aos fundamentos apresentados na

    impetração, indeferiu o pedido liminar, solicitando as informa-

    ções da autoridade coatora e concedendo vista ao Procu-

    rador-Geral da República.

    Apresenta pedido de ingresso nos autos como amici curiae

    o Deputado Federal Jean Wyllys de Matos Santos e o Partido da

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    Causa Operária (PCO). O parlamentar defendeu em sua peça de

    ingresso os seguintes pontos: (I) a sua legitimidade para figurar

    como amigo da Corte, ante a relevância do tema e a transcendên-

    cia de interesses meramente subjetivos5; (II) o reconhecimento do

    STF em relação à natureza penal dos crimes de responsabilidade,

    o que impõe, como nos demais tipos penais, a aplicação do prin-

    cípio da taxatividade (lex certa) e o da tipicidade estrita; (III) a

    possibilidade jurídica de declaração de inconstitucionalidade do

    impeachment decretado sem a presença de crimes de responsabi-

    lidade; (IV) a atipicidade das denominadas “pedaladas fiscais”, já

    que mora obrigacional não constituiria operação de crédito e (V)

    não recepção do tipo penal ligado à infração da lei orçamentária

    pelo atual texto constitucional.

    A agremiação partidária, por sua vez, deduziu as seguintes

    teses: (I) a legitimidade e a representatividade adequada do par-

    5 Argumenta que “[…] ao passo que as minorias e grupos vulneráveis têmnecessitado, e muito, da jurisdição constitucional para garantia de seusdireitos em um Estado Democrático de Direito. Provam isto os históricosjulgamentos da ADPF 132/ADI 4277 (união estável homoafetiva), ADPF187 (cotas raciais e sociais), ADPF 54 (interrupção da gravidez de fetosanencéfalos), ADI 5357 (não discriminação de pessoas com deficiêncianas mensalidades escolares) etc. Nesse sentido, um parlamentar atuantena defesa de tais grupos tem total interesse e representatividade para seopor à verdadeira quebra da legalidade constitucional perpetrada por esteprocesso de ‘impeachment’. Senão pelos demais fundamentos supra,sendo a defesa do Estado Democrático de Direito indispensável à defesade minorias e grupos vulneráveis na atualidade, um parlamentar engajadonessa pauta à toda evidência tem representatividade adequada para atuarno presente caso por esse viés”.

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    tido político para participar do debate estabelecido nos presentes

    autos; (II) a configuração dos crimes de responsabilidade como

    inseridos no ramo do Direito Penal; (III) a não recepção dos cri-

    mes de responsabilidade em razão da abolitio criminis promo-

    vida pela Constituição Federal de 1988 e pela violação do

    princípio da taxatividade; (IV) o equívoco do ex-Deputado Fede-

    ral Eduardo Cunha quanto à recepção da denúncia; (V) a possibi-

    lidade jurídica de declaração de inconstitucionalidade de

    impeachment decretado sem a presença de crimes de responsabi-

    lidade; (VI) a atipicidade penal das denominadas “pedaladas fis-

    cais”; (VII) a não recepção do tipo penal referente à infração da lei

    orçamentária e (VIII) a perda do objeto quanto à acusação de vio-

    lação da lei orçamentária.

    1.3. Informações da autoridade coatora

    As informações da autoridade coatora, em síntese, apontam

    as seguintes premissas em defesa do ato: (I) a ilegitimidade da

    impetração, dado o fato de que o impeachment integra o processo

    legislativo, tornando o controle judicial possível somente em si-

    tuações excepcionais; (II) a ilegitimidade da apontada autoridade

    coatora, Presidente do Senado Federal, uma vez que o julga-

    mento foi presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Fede-

    ral, tal como demonstra a jurisprudência do Supremo Tribunal

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    Federal citada; (III) a inexistência de direito líquido e certo à revi-

    são do julgamento senatorial; (IV) a insindicabilidade da delibera-

    ção levada a efeito pelo Senado Federal em julgamento de crimes

    de responsabilidade de autoria do Presidente da República, tendo

    em conta o caráter de ato interna corporis; (V) a decadência do

    direito à via mandamental diante do fato de que a admissão da

    acusação da Câmara contendo as irregularidades apontadas na

    presente peça ocorreu no dia 17 de abril e o mandamus foi ajui-

    zado apenas no dia 1º de setembro de 2016, superando, assim, o

    prazo legal que faculta a utilização do instrumento mandamental;

    (VI) a constitucionalidade do art. 10, item 4, e do art. 11, ambos

    da Lei 1.079/1950 e (VII) a inocorrência de qualquer mutatio li-

    belli no âmbito do processo de impedimento.

    Esses, em síntese, os fatos de interesse. Os autos vieram à

    Procuradoria-Geral da República para a confecção de parecer.

    2. PRELIMINAR

    Preliminarmente, importa tecer alguns comentários sobre o

    ingresso do Deputado Federal Jean Wyllys de Matos Santos e do

    Partido da Causa Operária como amici curiae nos presentes au-

    tos, com o auxílio da jurisprudência do Supremo Tribunal Fede-

    ral, que, a contento, já respondeu a situações semelhantes.

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    Há registros acerca do descabimento dessa espécie de inter-

    venção em mandado de segurança, tal como reafirmado nos se-

    guintes julgados: MS 33.802, Relator Ministro DIAS TOFFOLI, DJe

    5 abr. 2016; MS 29.192, Primeira Turma, Relator Ministro DIAS

    TOFFOLI, DJe 9 out. 2014; SS 3.273 AgR-segundo, Tribunal

    Pleno, Relatora Ministra ELLEN GRACIE (Presidente), DJe 16 abr.

    2008; MS 29.129, Relator Ministro TEORI ZAVASCKI, DJe 10 abr.

    2012.

    O fundamento consagrado da orientação é que, nos termos

    do art. 19 da Lei 1.533/1951, no procedimento revogado do man-

    dado de segurança, a intervenção de terceiros limitava-se ao ins-

    tituto do litisconsórcio, não sendo admitida a assistência6. Na

    mesma linha, o art. 10, § 2º, da Lei 12.016/2009, atual diploma

    de regência do mandado de segurança individual e coletivo,

    dispõe que o ingresso de litisconsorte ativo não será admitido

    após o despacho da petição inicial. Argumenta-se, ademais, que a

    Lei 9.868/1999 se refere apenas a processos de índole eminente-

    mente objetiva, como os de controle normativo abstrato, não aos

    de natureza subjetiva, como o mandado de segurança7.

    6 Nesse sentido: RE 575.093, Tribunal Pleno, Relator Ministro MARCOAURÉLIO, DJe 2 fev. 2011.

    7 Já houve, contudo, decisão admitindo a intervenção de amicus curiæ emrecurso extraordinário. Nesse sentido: RE 415.454, Relator MinistroGILMAR MENDES, DJ 26 out. 2007.

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    A própria descrição do verbete amicus curiae apresentada

    no Glossário Jurídico8 do Supremo Tribunal Federal define-o

    como modalidade de intervenção assistencial, cabível em proces-

    sos de controle de constitucionalidade, reforçando-se, assim, o

    entendimento perfilhado pela Corte. Confira-se:

    Amicus Curiæ Descrição do Verbete: “Amigo da Corte”. Intervenção as-sistencial em processos de controle de constitucionalidadepor parte de entidades que tenham representatividade ade-quada para se manifestar nos autos sobre questão de direitopertinente à controvérsia constitucional. Não são partes dosprocessos; atuam apenas como interessados na causa. Plu-ral: amici curiae (amigos da Corte).

    Essa orientação deve permanecer mesmo diante do Código

    de Processo Civil atualmente em vigor, que assim disciplina a in-

    tervenção do amicus curiae:

    Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância damatéria, a especificidade do tema objeto da demanda oua repercussão social da controvérsia, poderá, por decisãoirrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou dequem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a partici-pação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade es-pecializada, com representatividade adequada, no prazode 15 (quinze) dias de sua intimação.

    § 1º A intervenção de que trata o caput não implica altera-ção de competência nem autoriza a interposição de recur-

    8 Disponível em: . Acesso em: 24 abr. 2017.

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  • PGR Mandado de Segurança 34.371 – DF

    sos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e ahipótese do § 3º.§ 2º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ouadmitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae.

    § 3º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar oincidente de resolução de demandas repetitivas. [Destaquesacrescidos.]

    De fato, o art. 138, ao tratar da intervenção de terceiros, dis-

    ciplinou a figura do amicus curiae, levando a crer que, a partir de

    então, o instituto deixou de ser uma exclusividade das ações de

    controle concentrado e do procedimento de edição, revisão ou

    cancelamento de enunciado da súmula vinculante, da análise da

    existência da repercussão geral e do julgamento do recurso espe-

    cial representativo da controvérsia9. Contudo, cabe aqui a ponde-

    ração de Paulo Cézar Pinheiro Carneiro:

    […] a partir da vigência do novo Código de Processo Civil,o terceiro só poderá ser admitido como amicus curiae porforça de legislação extravagante se guardar as característi-cas estabelecidas no novo CPC, como examinadas anterior-mente. Caso contrário, esse terceiro interveniente não teráessa qualidade, podendo ser enquadrado como assistente,litisconsorte ou mesmo em outra categoria de intervençãode terceiros, mas não como amicus curiae. Enfim, é umaquestão de opção legislativa que pode ou não agradar, e en-quanto não modificada deve ser observada, tal como preco-nizada no novo CPC.10

    9 Art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/1999; art. 3º, § 2º, da Lei 11.417/2006; arts. 543-A, § 6º, 543-C, § 4º, do Código de Processo Civil de 1973, respectiva-mente.

    10 CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao

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    Antes mesmo do novo Código de Processo Civil, a figura do

    amicus curiae gozava de regulamentação na legislação pátria11,

    que já prescrevia os requisitos da “relevância da matéria” e da

    “representatividade dos postulantes”, e tal previsão convivia per-

    feitamente com a vedação da admissibilidade do amigo da Corte

    em mandados de segurança. A título de ilustração, o art. 7º, § 2º,

    da Lei 9.868/1999, que regula a Ação Direta de Inconstitucionali-

    dade e a Ação Declaratória de Constitucionalidade, dispõe que:

    Art. 7º Não se admitirá intervenção de terceiros no pro-cesso de ação direta de inconstitucionalidade. […] § 2º O relator, considerando a relevância da matéria e arepresentatividade dos postulantes, poderá, por despachoirrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafoanterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.[Destaque acrescido.]

    Por conseguinte, o CPC não tem, per se, o condão de alterar

    o entendimento predominante, no sentido de se vedar o ingresso

    do amicus curiae na via mandamental.

    novo Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016,p. 248.

    11 Está disciplinado no art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/1999, que regula a AçãoDireta de Inconstitucionalidade e a Ação Declaratória de Constitucionali-dade no processo de controle de constitucionalidade; no art. 14, § 7º, daLei 10.259/2001 (Lei dos Juizados Especiais Federais), ao tratar do inci-dente de uniformização de Jurisprudência; e no art. 3º, § 2º, da Lei11.417/2006, que regulamenta a edição, revisão e cancelamento das sú-mulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal.

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    É bem verdade que o rigor do entendimento jurisprudencial

    que veda o ingresso de amicus curiae no mandado de segurança

    já havia sido abrandado em casos de eficácia transubjetiva da

    impetração, ou seja, em situação na qual a concessão da ordem

    tinha o condão de obstar o processo legislativo, cujo resultado se-

    ria a aprovação de lei geral e abstrata, portanto, aplicável a todos

    (MS 32.033, Relator Ministro GILMAR MENDES, DJe 3 jun. 2013),

    ou naquela em que discutida a equivalência salarial e os reajustes

    nos proventos de juízes classistas (RMS 25.841, Relator Ministro

    GILMAR MENDES, DJe 14 jan. 2011).

    Ainda que se reconhecesse apta a intervenção de amicus cu-

    riae no mandado de segurança, não implicaria, todavia, admiti-la

    em toda e qualquer situação. Seria necessário verificar, casuisti-

    camente, a conveniência de tal intervenção, mediante o atendi-

    mento dos requisitos processuais.

    No presente caso, em que pese estar em discussão suposto

    direito líquido e certo da Presidente da República, são indubitá-

    veis “a relevância da matéria”, “a especificidade do tema objeto

    da demanda” e “a repercussão social da controvérsia”, porquanto

    a impetração trata do impeachment da Chefe do Executivo Fede-

    ral. Não está demonstrada, contudo, a “representatividade ade-

    quada” (adequacy of representation) dos requerentes.

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    A respeito daquele requisito no direito processual brasileiro,

    leciona FREDIE DIDIER JR.:

    O amicus curiae pode ser pessoa natural, pessoa jurídica ouórgão ou entidade especializado. A opção legislativa éclara: ampliar o rol de entes aptos a ser amicus curiae.Exige-se, porém, que tenha representatividade adequada(art. 138, caput, CPC). Ou seja, o amicus curiae precisa teralgum vínculo com a questão litigiosa, de modo a quepossa contribuir para a sua solução.A adequação da representação será avaliada a partir da rela-ção entre o amicus curiae e a relação jurídica litigiosa.Uma associação científica possui representatividade ade-quada para a discussão de temas relacionados à atividadecientífica que patrocina; um antropólogo renomado podecolaborar, por exemplo, com questões relacionadas aos po-vos indígenas; uma entidade de classe pode ajudar na solu-ção de questão que diga respeito à atividade profissionalque ela representa etc.A propósito, o enunciado n. 127 do Fórum Permanente deProcessualistas Civis: “A representatividade adequada exi-gida do amicus curiae não pressupõe a concordância unâ-nime daqueles a quem representa”12.

    Não se nega a relevância dos parlamentares nem dos parti-

    dos políticos no sistema político brasileiro. Os deputados federais

    são representantes populares, democraticamente eleitos em seus

    Estados. Integram a Câmara dos Deputados, Casa Legislativa a

    quem incumbe, nos termos do art. 86 da Constituição Federal, a

    admissão da acusação contra o Presidente da República. Os parti-

    12 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: Jus-podivm, 2015, v. 1, p. 523.

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    dos políticos, por sua vez, são entidades cuja razão de existir é

    contribuir para a representatividade política do cidadão e dar voz

    aos diversos estamentos da sociedade, seja por sua atuação no

    conjunto dos representantes eleitos, seja por sua capacidade de

    congregar vontades e interesses comuns no constante exercício

    de sufrágio e da cidadania.

    Ocorre que, mesmo possuindo, em decorrência das funções

    exercidas, relação com a matéria em debate no writ e mesmo inte-

    resse no tema em pauta, não está demonstrada a efetiva possibili-

    dade de colaboração dos requerentes para o deslinde do feito,

    requisito também imprescindível para a admissão do amicus cu-

    riae.

    O escopo precípuo da intervenção do amicus curiae consiste

    “na pluralização do debate constitucional, com vistas a municiar

    a Suprema Corte dos elementos informativos possíveis e necessá-

    rios ou mesmo trazer novos argumentos para o deslinde da con-

    trovérsia, superando, ou senão amainando, as críticas

    concernentes à suposta ausência de legitimidade democrática de

    suas decisões” (ADI 4.300, Relator Ministro LUIZ FUX, DJe 3 set.

    2013).

    É relevante essa reflexão sobre a funcionalidade para o caso

    concreto do possível auxílio a ser fornecido, porquanto o acata-

    mento do ingresso sem um balizamento sério acabará por permi-

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    tir a transformação do presente processo judicial em procedi-

    mento multitudinário, inutilizando o esforço do legislador do

    CPC em permitir a influência da expertise de particulares com o

    exclusivo fim de municiar o julgador de dados e informações que

    efetivamente auxiliem no desempenho da função jurisdicional.

    Ausente o nexo de causalidade entre as finalidades instituci-

    onais dos postulantes e o objeto do mandado de segurança, deve

    ser indeferido o pedido de ingresso como amicus curiae.

    Nesse sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Fede-

    ral, conforme se extrai do seguinte julgado:

    CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AMICUS CURIAE. PEDIDO DEHABILITAÇÃO NÃO APRECIADO ANTES DO JULGAMENTO. AUSÊNCIA DENULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO. NATUREZA INSTRUTÓRIA DAPARTICIPAÇÃO DE AMICUS CURIAE, CUJA EVENTUAL DISPENSA NÃOACARRETA PREJUÍZO AO POSTULANTE, NEM LHE DÁ DIREITO ARECURSO. 1. O amicus curiae é um colaborador da Justiçaque, embora possa deter algum interesse no desfecho dademanda, não se vincula processualmente ao resultadodo seu julgamento. É que sua participação no processoocorre e se justifica, não como defensor de interesses pró-prios, mas como agente habilitado a agregar subsídios quepossam contribuir para a qualificação da decisão a ser to-mada pelo Tribunal. A presença de amicus curiae no pro-cesso se dá, portanto, em benefício da jurisdição, nãoconfigurando, consequentemente, um direito subjetivoprocessual do interessado. 2. A participação do amicuscuriae em ações diretas de inconstitucionalidade no Supre-mo Tribunal Federal possui, nos termos da disciplina legale regimental hoje vigentes, natureza predominantementeinstrutória, a ser deferida segundo juízo do Relator. A deci-

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    são que recusa pedido de habilitação de amicus curiaenão compromete qualquer direito subjetivo, nem acar-reta qualquer espécie de prejuízo ou de sucumbência aorequerente, circunstância por si só suficiente para justi-ficar a jurisprudência do Tribunal, que nega legitimida-de recursal ao preterido. 3. Embargos de declaração nãoconhecidos (ADI 3460 ED, Relator Ministro TEORIZAVASCKI, Tribunal Pleno, DJe 12 mar. 2015). [Destaquesacrescidos.]13

    Feitas essas considerações, recomenda-se o indeferimento

    de ambos os pedidos de ingresso como amici curiae.

    3. MÉRITO

    3.1. Delineamento do instituto do impeachment

    Ultrapassada a análise sobre a admissão da intervenção anô-

    mala, importa lançar olhar sobre o ato coator e o contexto em que

    foi produzido no parlamento.

    No modelo presidencialista, é reconhecida a via do impea-

    chment para expurgar da chefia do Poder Executivo pessoa inidô-

    nea e descompromissada com o exercício virtuoso da liderança

    da nação. Suas raízes firmaram-se na monarquia britânica. A par-

    tir daquela experiência insular é que foi acolhido pela Constitui-

    ção norte-americana, conforme seu artigo II, seção 414.

    13 No mesmo sentido: ADI 5022 Agr, Relator Ministro CELSO DE MELLO, Tri-bunal Pleno, DJe 18 dez. 2014.

    14 Artigo II, Seção 4: “O Presidente, o Vice-Presidente e todos os funcioná-rios civis dos Estados Unidos serão afastados de suas funções quando

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    No Reino Unido, o julgamento de Lorde William Latimer,

    pela Casa dos Comuns, em 1376, delineou a competência do par-

    lamento e a atuação de cada uma das suas casas no processo, bem

    como sua natureza política15. O impeachment servia então como

    meio de limitar a autoridade do rei, mediante a sindicabilidade

    dos seus ministros e outros dignitários. À medida que o parla-

    mentarismo se consolidava, e com ele o uso do voto de desconfi-

    ança, o impeachment passou a ser considerado obsoleto em terras

    britânicas, e o último caso foi julgado em 1806, ocasião em que o

    parlamento britânico declarou a responsabilidade de Henry Dun-

    das, 1º Visconde de Melville, por corrupção.

    Em meticuloso artigo sobre o tema, MARCUS FAVER16 delineou

    as reentrâncias históricas do impeachment e trouxe à luz as cir-

    cunstâncias em que foram transplantadas de um sistema jurídico

    para outro, até a sua adoção pelo ordenamento brasileiro:

    Assim, é necessário acentuar-se que, embora originário do di-reito público inglês, são marcantes as diferenças entre o impe-achment inglês que se alastrou por toda a Europa, e o institutoimplantado nos Estados Unidos e dali transportado para oBrasil, Argentina e toda a América Latina.

    acusados e condenados por traição, suborno ou outros delitos ou crimesgraves”.

    15 Disponível em: .Acesso em: 14 jun. 2016.

    16 Impeachment: evolução histórica, natureza jurídica e sugestões para apli-cação. Revista de Direito Administrativo, v. 271, p. 319-343, jan./abr.2016.

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    Pelo sistema europeu, vinculado à tradição jurídica britâ-nica, além das penas de caráter político-administrativo,ocorre também aplicação de penalidades civis e criminais,razão pela qual é ele reputado por DUGUIT como um pro-cesso de natureza mista, isto é, político-penal. Como citado por PAULO BROSSARD: “STRORY já ensinava queo impeachment é um processo de natureza puramente polí-tica”. LAWRENCE, tantas vezes citado pelas maiores autorida-des, faz suas as palavras de BAYARD, no julgamento deBLOUNT: “o impeachment, sob a Constituição dos EstadosUnidos, é um processo exclusivamente político. Não visapunir delinquentes, mas proteger o Estado. Não atinge nema pessoa nem seus bens, mas simplesmente desveste a auto-ridade de sua capacidade política”. LIEBER não é menos in-cisivo ao distinguir o impeachment nos dois lados doAtlântico, dizendo que “o impeachment inglês é um julga-mento penal”, o que não ocorre nos Estados Unidos, onde oinstituto é político e não criminal. VON HOLST não diverge:“o impeachment é um processo político”. É semelhante alinguagem de TUCKER: “o impeachment é um processo polí-tico contra o acusado como membro do governo, para pro-teger o governo no presente ou futuro”. É conhecida apassagem em que BLACK sintetiza numa frase a lição que,desde o século XVIII, vem sendo repetida nos Estados Uni-dos: “é somente política a natureza deste julgamento”. Ou,como escreveu TOCQUEVILLE, num trecho que correu mundo:o fim principal do julgamento político nos Estados Unidosé retirar o poder das mãos do que fez mau uso dele, e deimpedir que tal cidadão possa ser reinvestido de poder nofuturo. Como se vê, é um ato administrativo ao qual se deua solenidade de uma sentença.Na Argentina, que, antes do Brasil, adotou instituições seme-lhantes às americanas, outra não é a lição dos constituciona-listas. Lá, como aqui, o impeachment tem por objeto separar aautoridade do cargo por ela ocupado, independentemente deconsiderações de ordem criminal. “O objetivo do juízo polí-tico não é o castigo da pessoa delinquente, senão a proteção

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    dos interesses públicos contra o perigo ou ofensa pelo abusodo poder oficial, negligência no cumprimento do dever ouconduta incompatível com a dignidade do cargo.” (GONÇALVESCALDERON. Derecho constitucional argentino. 3. ed. BuenosAires, 1923.)É também interessante acentuar que, política por excelên-cia, essa vertente foi perdendo, gradativamente, o seu ob-jeto, particularmente nos sistemas parlamentares,principalmente em relação aos Ministros, em face dos pro-cessos e da técnica peculiar a esse sistema, que permite adestituição dos ministros e dos ministérios por um processomuito mais rápido e eficaz, qual seja, o voto de censura.Cresce, no entanto, em contrapartida, a sua importância nossistemas presidencialistas, como fórmula jurídica adequadaà responsabilização dos agentes políticos (veja-se o voto doMin. CASTRO NUNES, in Rev. Forense n. 125, p. 151, no jul-gamento da Representação nº 96 — Supremo Tribunal Fe-deral). Como afirmou com a precisão costumeira, o Min.CÉLIO BORJA (Rev. Época, 26/10/2015) o “impeachment” éum instrumento democrático.Ganham nesse ponto importância as observações deEDUARDO DUVIVIER, Defesa do ex-Presidente WASHINGTONLUIZ, no caso de Petrópolis 1931, p. 72 a 75, verbis:

    “É interessante observar que, transpondo o Atlântico, o impe-achment, que, como instituição política, se originara na In-glaterra do princípio da irresponsabilidade do Executivo eque, politicamente, se extinguira com o estabelecimento dasua responsabilidade, sendo substituído pelo voto de cen-sura ou desconfiança, justifica-se, na América do Norte enos países da América do Sul, que lhe seguiram o exemplo,exatamente pelo princípio da responsabilidade do Execu-tivo, como uma sanção política de certos crimes ou delitos,ou de simples falta de cumprimento de deveres funcionaisdos órgãos desse Poder; decorrendo do princípio da respon-sabilidade, o impeachment investe-se de efeito semelhanteao do voto de censura ou desconfiança, restringe-se à perda

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    do cargo, acidentalmente, apenas, podendo acarretar a ina-bilitação para outro; no país de origem, ele guarda em teo-ria, pois que caiu em completo desuso, o caráter punitivodesses crimes ou delitos; no país para onde foi transplan-tado, perde esse caráter, passando a função punitiva dos cri-mes ou delitos para tribunais comuns; corresponde, pois, aovoto de censura, com maior alcance, porque pode trazer ainabilitação para outro cargo público, mas, também, comomaior garantia para o acusado, porque não basta que estecontrarie a política do Congresso, que, também não podederrubar por uma maioria ocasional, mas preciso é que eleofenda a lei e que essa ofensa seja verificada na forma ecom as garantias de um processo judicial e por um tribunal,que somente poderá condená-lo por dois terços dos seusvotos... Adotando o impeachment, como um meio de tornarefetiva a responsabilidade do Presidente, seus Ministros, eoutros funcionários, tomaram-no, da constituição inglesa,com as garantias, de natureza judicial, do seu processo ori-ginário, mas com o efeito político, muito aproximando, doseu último estado de evolução, ao voto de censura – evolu-ção que fora, certamente, o resultado ao princípio desenvol-vido, na Inglaterra, na última parte do século XVIII, daindependência do judiciário, como elemento particular-mente garantidor da liberdade civil. […]Já a Constituição do Império, de 1824, previa o processo deimpeachment, firmado e aproximado ao instituto britânico.A Lei de 15 de outubro de 1827, elaborada nos termos doart. 134 da Constituição de 25 de março, dispunha sobre aresponsabilidade dos Ministros e Secretários de Estado edos Conselheiros, sendo de natureza criminal as sançõesque o Senado tinha competência para aplicar. Seu escopo,di-lo PAULO BROSSARD, “não era apenas afastar do cargo aautoridade com ele incompatibilizada, como veio a ser noimpeachment republicano, há um tempo atingia a autori-dade e o homem, em sua liberdade e bens”.

    A Constituição de 1891 se orientou pela sistemática norte-americana.

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    A monarquia foi substituída pela República. A federaçãosucedeu ao Estado unitário. O sistema presidencial relegoua tradição parlamentar do Império. A pessoa do Imperador,legalmente inviolável e sagrada, deu lugar ao Presidente daRepública, legalmente responsável. O impeachment deixoude ser criminal, passando a ser de natureza política.A Constituição de 1934 estabeleceu um sistema complexode impeachment, inclusive com um tribunal especial com-posto de nove juízes, 3 senadores, 3 deputados e 3 minis-tros da Corte Suprema, que daria a decisão final.A Lei Maior de 34 pouco durou, eis que substituída pelaCarta Outorgada de 37, que previa o impedimento, mas quenão teve qualquer significado ante a dissolução do Con-gresso.A Constituição de 1946, bem como as de 67, 69 e 88, regu-lou o impeachment, vinculando-o aos chamados crimes deresponsabilidade do Presidente da República. Anote-se queem qualquer dos textos constitucionais após a redemocrati-zação, foi utilizada a palavra “impedimento” ou impeach-ment. Todos eles mencionaram a suspensão do Presidentede suas funções, uma vez declarada procedente a acusaçãopelo voto de 2/3 da Câmara dos Deputados.

    Do apanhado histórico, ainda que patente os diferentes vie-

    ses políticos e jurídicos conferidos ao procedimento, extrai-se,

    em primeiro lugar, a necessidade, comprovada tantas vezes pela

    história, de se implantar um meio juridicamente viável para tor-

    nar possível a responsabilização de chefes de Estado e de seus

    auxiliares diretos.

    Insere-se, por conseguinte, o procedimento político-jurídico

    do impedimento como instrumento de concretização de um dos

    valores mais caros ao sistema republicano, do qual é o Brasil fiel

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    partidário: a representação política. Isso porque a escolha de líde-

    res governamentais, para além de ser a exteriorização de um senso

    de confiança ou estima, suscita, de imediato, um de seus principais

    efeitos, consubstanciado na submissão do patrimônio nacional e

    na espera de que o mandatário gerencie da forma mais competente

    os meios estatais, de modo a fazer cumprir o ordenamento jurídico

    previamente instalado.

    Esse panorama não pode prescindir de fator inerente à gravi-

    dade do cargo e que constitui um dos pilares do republicanismo: a

    consequente responsabilização do governante pelos danos decor-

    rentes ao Estado em virtude de comportamento considerado crimi-

    noso17.

    A conclusão a que se chega, sob o primado do modelo repu-

    blicano, que defere o poder popular a um governante e dele exige

    a devida prestação de contas e uma conduta impoluta no trato da

    coisa pública, é a presença incontestável de cláusula de responsa-

    bilidade política ínsita ao mandato eletivo, a ser acionada sempre

    17 LUIZ REGIS PRADO, acerca do tema, afirma: “em oposição à monarquia, arepública exige a liberdade com a qual é dotada cada pessoa, e justa-mente esta última característica torna a responsabilidade do governante amais importante de todas, pois visa o bem comum. Ao acentuar o inte-resse comum e a conformidade à lei (juris consensu) como elementosdistintivos da república, erige-se o direito como instrumento de justiça.Assim, é antes de tudo e desde sempre a legitimação popular do poder degovernar” (Infração (crime) de responsabilidade e impeachment. Revistade Direito Constitucional e Internacional, v. 95, p. 61-80, abr./jun. 2016).

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    que o mandatário agir traiçoeiramente contra os interesses do povo

    que o alçou a tal posição em simplória confiança. A derivação do

    raciocínio é, portanto, no pensamento de Rui Barbosa: “A respon-

    sabilidade tem por objetivo privar o réu do exercício do emprego

    que exerce”18 e 19.

    3.2. Compreensão contemporânea do processo deimpeachment

    É no espírito republicano que se sustenta a criação de espé-

    cies legislativas diferenciadas dos crimes comuns para o enqua-

    dramento de comportamentos do Presidente da República ou de

    seus auxiliares diretos considerados ilícitos. Dessa forma, com-

    pleto estaria o círculo lógico que envolve a premissa inicial de

    que o bem nacional pertence ao povo e somente ao povo, a exis-

    tência de uma diretriz de ampla representatividade com a conse-

    quente regra de responsabilidade, um processo específico ao qual

    são submetidas as falhas graves do chefe do Poder Executivo e,

    por fim, a listagem de condutas consideradas nocivas para a na-

    18 Apud ALMEIDA, Agassiz de. A nação e o impeachment. Revista dos Tribu-nais, v. 686, p. 423-434, dez. 1992.

    19 Não é por outro motivo que desde a Constituição de 1891, a carta inauguraldo sistema republicano brasileiro, foi construído um modelo repressivo deatos ilícitos promovidos por governantes (art. 54 da Constituição de 1891,art. 57 da Constituição de 1934, art. 85 da Constituição de 1937, art. 89 daConstituição de 1946, art. 84 da Constituição de 1967, art. 82 da Constitui-ção de 1967, com a Emenda Constitucional 1/1969, e art. 85 da Constituiçãode 1988.

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    ção e cuja prática leva à sua defenestração do exercício do cargo

    público. Cumpre, internamente, esse último requisito a Lei

    1.079/1950.

    O sistema brasileiro de impeachment, por ter suas normas

    explicitadas, tanto na Constituição, como na citada Lei

    1.079/1950, é, em síntese, um arquétipo garantista, no sentido em

    que permite ao agente político conhecer a acusação e os fatos da

    causa. O processo é direcionado de forma objetiva, de modo se-

    melhante a um processo judicial, e o julgamento torna-se infenso

    às subjetividades de um rito exclusivamente direcionado por an-

    seios políticos, possibilitando ser controlado e fiscalizado pela

    defesa do réu, na medida do que dispuser a lei.

    No Brasil, como condição para a deflagração do processo po-

    lítico de julgamento, adotou-se um sistema expresso de condutas

    ilegais, a partir da incorporação inequívoca do princípio da legali-

    dade e seus desdobramentos (lex praevia, lex scripta, lex stricta et

    lex certa) no ordenamento brasileiro. Desse modo, o direito consti-

    tucional brasileiro consagrou o dogma de que “não há crime sem lei

    anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art.

    5º, XXXIX).

    Como já assinalado no Parecer 269015/2015-ASJConst/

    SAJ/PGR, apresentado pela Procuradoria-Geral da República nos

    autos da ADPF 378, as Constituições do Brasil, a partir da Carta de

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    1891, consagraram o processo de crime de responsabilidade, do

    qual resulta perda do cargo como um dos mecanismos de limitação

    do poder outorgado ao chefe do Executivo: a consequência é seu

    impedimento para exercício dessa função e, em geral, inabilitação

    para outras.

    Não obstante a tradição constitucional brasileira20 enxergasse

    no impeachment um instrumento simbólico, que não assegurava

    efetivamente a responsabilidade do Presidente da República, o pro-

    cesso contra Fernando Collor de Mello mudou essa perspectiva e

    trouxe renovado interesse ao estudo do instituto.

    O entendimento atual do Supremo Tribunal Federal sobre o

    desenrolar prático do impeachment está definido no já citado acór-

    dão da ADPF 378, o qual detalhou os aspectos de seu rito na Câ-

    mara dos Deputados e no Senado Federal, bem como a aplicação

    20 Nesse sentido, PINTO, Paulo Brossard de Souza. O “impeachment”: as-pectos da responsabilidade política do Presidente da República. 3. ed.ampl. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 201; e BARBOSA, Rui. Escritos e dis-cursos seletos. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995, p. 1038. A propósito,opinou Brossard sobre o tema: “Incapaz de solucionar as crises instituci-onais, o ‘impeachment’, paradoxalmente, contribui para o agravamentodelas. O instituto que, pela sua rigidez, não funciona a tempo e a hora,chega a pôr em risco as instituições, e não poucas vezes elas se estilha-çam. Representadas as forças em conflito, a dinâmica dos fatos terminapor fender as linhas do instituto envelhecido e, transbordando do leitoconstitucional, a revolução passa a ser o rude sucedâneo do remédio tãominuciosa e cautelosamente disciplinado na lei. Desta realidade são teste-munho as incursões armadas que pontilham, aqui e ali, os pleitos institu-cionais”.

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    subsidiária dos respectivos regimentos internos, o exercício do di-

    reito de defesa e o momento do interrogatório no processo, entre

    outros detalhes específicos do procedimento. O fundamental, como

    se vê do caput da ementa, é o reconhecimento da legitimidade

    constitucional da maior parte do rito previsto na Lei 1.079/1950 e

    das regras observadas na época do impeachment de 1992:

    DIREITO CONSTITUCIONAL. MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DEDESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. PROCESSO DEIMPEACHMENT. DEFINIÇÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO RITOPREVISTO NA LEI Nº 1.079/1950. ADOÇÃO, COMO LINHA GERAL,DAS MESMAS REGRAS SEGUIDAS EM 1992. CABIMENTO DA AÇÃO ECONCESSÃO PARCIAL DE MEDIDAS CAUTELARES. CONVERSÃO EMJULGAMENTO DEFINITIVO. […] (Relator Ministro EDSON FACHIN,Relator para o acórdão Ministro ROBERTO BARROSO Pleno,unânime, DJe 1º abr. 2016).

    O produto final de longo e desgastante processo gerou o ato

    coator em tela, reconhecido como Resolução 35/2016 do Senado

    Federal, cujo texto ficou assim fixado:

    Faço saber que o Senado Federal julgou, nos termos do art.86, in fine, da Constituição Federal, e eu, Renan Calheiros,Presidente, promulgo a seguinte

    RESOLUÇÃO Nº 35, DE 2016Dispõe sobre sanções no Processo de Impeachment contra aPresidente da República, Dilma Vana Rousseff, e dá outrasprovidências.O Senado Federal resolve:Art. 1º É julgada procedente a denúncia por crimes de res-ponsabilidade, previstos nos art. 85, inciso VI, e art. 167,

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    inciso V, da Constituição Federal, art. 10, itens 4, 6 e 7, eart. 11, itens 2 e 3, da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950.Art. 2º Em consequência do disposto no artigo anterior, éimposta à Senhora Dilma Vana Rousseff, nos termos do art.52, parágrafo único, da Constituição Federal, a sanção deperda do cargo de Presidente da República, sem prejuízodas demais sanções judiciais cabíveis, nos termos da sen-tença lavrada nos autos da Denúncia nº 1, de 2016, quepassa a fazer parte desta Resolução.Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publi-cação.

    Senado Federal, em 31 de agosto de 2016.SENADOR RENAN CALHEIROS

    Presidente do Senado Federal

    Segue-se ao documento o teor da sentença, prolatada em

    formato de decisão judiciária, constando relatório, fundamenta-

    ção e dispositivo:

    SENTENÇA

    I – Relatório

    No dia 02 de dezembro de 2015, a Presidência da Câmarados Deputados recebeu e autuou a Denúncia por Crime deResponsabilidade (DCR) nº 1, de 2015, oferecida por Mi-guel Reale Júnior, Hélio Pereira Bicudo e Janaína Concei-ção Paschoal, subscrita pelo Advogado Flávio HenriqueCosta Pereira contra a Excelentíssima Senhora Presidenteda República, Dilma Vana Rousseff, atribuindo-lhe a prá-tica, em tese, dos crimes de responsabilidade tipificados noart. 85, V, VI e VII, da Constituição Federal, e art. 4º, V eVI, art. 9º, itens 3 e 7, art. 10, itens 6 a 9 e art. 11, item 3,todos da Lei 1.079/1950.Na sequência, em 11 de abril de 2016, a Comissão Especialdestinada a apresentar parecer sobre a matéria na Câmara

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    dos Deputados opinou pela “admissibilidade da acusação ea consequente autorizaç�