Alexandria-Revista de Educação

ALEXANDRIA Revista de Educao em Cincia e Tecnologia, v.1, n.1, p. 27-49, mar.2008 ISSN 1982-5153

Do Estado da Arte da Pesquisa em Educao em Cincias: Linhas de

Pesquisa e o Caso Cincia-Tecnologia-Sociedade

ANTNIO CACHAPUZ1, FTIMA PAIXO

2, J. BERNARDINO LOPES3 e CECLIA GUERRA

4 1Departamento de Didctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal ([email protected]);

2Escola Superior de Educao, Instituto Politcnico de Castelo Branco, Castelo Branco, Portugal

([email protected]); 3Departamento de Fsica, Universidade de Trs-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal

([email protected]); 4Departamento de Didctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal

([email protected])

Resumo. Neste artigo apresenta-se parte de um estudo mais amplo que pretende contribuir para uma melhor

compreenso do estado da arte da pesquisa em Educao em Cincia atravs da anlise crtica dos artigos mais citados,

publicados ao longo de uma dcada (1993-2002), em trs das revistas de maior circulao internacional. Evidencia-se

como evoluram as principais linhas de pesquisa, sendo possvel realar uma tendncia para o enfraquecimento de

linhas centradas na Psicologia da Educao, como a aprendizagem de conceitos, e para o fortalecimento de linhas

centradas na Filosofia e Sociologia da Cincia e em abordagens multidisciplinares. O caso da linha CTS disso um

bom exemplo, pelo que induziu uma anlise mais pormenorizada.

Abstract. In this paper we present part of a wider study aiming to improve our comprehension about the state of the art

in Science Education research through the critical analysis of the most influential papers published during a recent

decade (1993-2002) in three of the most important research journals. The analysis of the evolution of the main research

lines indicates that studies centred in the Educational Psychology tends to give room to studies emphasising the role of

the Philosophy and Sociology of Science as well as multidisciplinary studies. The case of STS studies is a good

example of the latter and a more in deep analysis is presented.

Palavras-chave: pesquisa em educao em cincia; linhas de pesquisa; cincia-tecnologia-sociedade; orientaes da

pesquisa; perspectivas CTS

Keywords: research in science education; research lines; science-technology-society; research orientations; STS

perspectives

1. Introduo

Nos ltimos anos patente o interesse em analisar o estado da arte da Pesquisa em Educao

em Cincia (PEC) (por exemplo, HORTON, et al., 1993; GILBERT, 1995; GIL-PEREZ, 1996;

MILLAR e OSBORNE, 1998; JENKINS, 2000; 2001; WHITE, 2001; FENSHAM, 2004). Este

estudo insere-se numa pesquisa de mbito mais alargado conduzido pelos autores desde 2002

(CACHAPUZ et al, 2005) e, tal como estudos anteriores, o seu interesse ajudar a uma melhor

caracterizao da rea e sugerir pontos de reflexo que permitam uma maior e melhor compreenso

da natureza do conhecimento que a PEC produz ao mesmo tempo que pode contribuir para

impulsionar reorientaes e prioridades a adoptar pela mesma.

ANTNIO CACHAPUZ, FTIMA PAIXO; J. BERNARDINO LOPES e CECLIA E GUERRA

28

O objecto central de estudo neste artigo a anlise da evoluo das linhas de pesquisa em

Educao em Cincia e, de modo incidente, pelo seu destaque na anlise realizada, a linha de

estudos CTS.

2. Enquadramento terico

2.1. Linhas de Pesquisa em Educao em Cincia

O estudo apoia-se no conceito central de linha de pesquisa, ou seja o que os pesquisadores

fazem efectivamente, inseridos numa comunidade bem definida, i.e., o foco especfico de interesse

dos pesquisadores da rea. Cada linha representa tentativas da comunidade para alcanar mais e

melhor conhecimento, com base num conjunto de questes e num dado enquadramento terico

aceite (por vezes cruzamento de vrios), procurando evidncias, seguindo uma metodologia

projectada para responder o mais claramente possvel s questes de pesquisa. Tal significa ainda

que o trabalho efectivamente desenvolvido est centrado em tpicos de pesquisa especficos (TSAI

e WEN, 2005) bem definidos que representam para os pesquisadores um motivo de preocupao e

em relao ao qual esto convencidos de que possvel obter resultados e/ou concluses com valor

educacional. Por razes de natureza epistemolgica e pragmtica, a anlise da evoluo das linhas

de pesquisa em educao em cincia traduz o foco de interesse da comunidade cientfica e permite

fazer um exerccio de reflexo til no sentido de, prospectivamente, identificar problemas e

prioridades num sentido estrategicamente relevante para o desenvolvimento da rea.

Uma das linhas de pesquisa que tem merecido bastante ateno nos ltimos tempos a dos

estudos de Cincia-Tecnologia-Sociedade (CTS). A relevncia social e cultural da cincia numa

sociedade sustentada na cincia e na tecnologia converge, necessariamente, para uma resultante

scio-cvica (HLEBOWITSH e HUDSON, 1991), ou responsabilidade social como lhe chama

Ramsey (1993), e so estes vectores que tm vindo a orientar de modo mais ou menos explcito a

grande maioria das reformas educativas desde os anos 80 e 90 do sculo XX.

A relevncia de tais orientaes tem vindo a receber ateno crescente e a implicar o conceito

de literacia cientfica como um novo slogan e finalidade da educao contempornea

(LAUGKSCH, 2000). De facto, nos anos mais recentes, os posicionamentos das polticas

educativas apresentam-se repletos de referncias literacia cientfica como finalidade da educao

em cincia (ATKIN e HELMS, 1993). Tal ateno, associada s tentativas de aco atravs do

desenvolvimento na escola e nas prticas de ensino das propostas curriculares, tem crescido e, na

mesma proporo, aumentado a polmica na definio do conceito que, por vezes, se apresenta

PESQUISA EM EDUCAO EM CINCIAS E O CASO CTS

29

altamente politizado (por exemplo, CHASSOT, 2000).

O termo literacia cientfica, de origem norte americana e provavelmente introduzido no

domnio da educao em cincia por Paul Hurd em 1958 (referido em DEBOER, 1991), estendeu-

se, praticamente, com maior ou menor incidncia, a todos os pases. Surge, contudo, principalmente

com os sinnimos alfabetizao cientfica (pases francfonos e, nomeadamente, em Portugal,

Brasil e Espanha), compreenso pblica da cincia (originrio e comum no Reino Unido) e

cultura cientfica, sendo esta ltima a designao adoptada pela UNESCO. Algumas das

identificaes da literacia cientfica evidenciam-se como stands for what the general public ought

to know about science (DURANT, 1993, p.129, in LAUGKSCH, 2000) ou some understanding

of the more important scientific ideas (JENKINS, 1994, p. 5345).

O que seguro, so as ideias de Morin e Le Moigne (1999, p. 33) de que hoje em dia a cincia

est no centro da sociedade, o conhecimento cientfico e o conhecimento tcnico se estimulam

reciprocamente, de que preciso distingui-los mas no dissoci-los e de que o verdadeiro problema

moral nasce da enormidade de poderes vindos da cincia. Como referem Cachapuz et al. (2002, p.

33), temos de rever e aprofundar o dilogo entre as vrias cincias que o cartesianismo separou e,

principalmente, entre as cincias da natureza e as cincias sociais e humanas onde quase tudo est

por fazer. O quadro CTS aponta exactamente para essa direco de posicionamento face ao

conhecimento e aco que a cincia e a tecnologia proporcionam e implicam, necessariamente,

num invlucro epistemolgico externalista.

De acordo com Garcia et al. (1996), a perspectiva CTS apresenta-se globalmente em duas

facetas distintas: a norte-americana, que coloca maior nfase na abordagem das consequncias

sociais das inovaes tecnolgicas e nas influncias sobre a forma de vida dos cidados e das

instituies e a europeia que coloca a nfase na dimenso social antecedente aos desenvolvimentos

cientficos e tecnolgicos, evidenciando a diversidade de factores econmicos, polticos e culturais

que participam na gnese e aceitao das teorias cientficas. Contudo, para alm destas facetas

apontadas no poderem ser disjuntas, o que muitos autores tm vindo a sobrepor a importncia

social do conhecimento proporcionado pela cincia e tecnologia que, ao mesmo tempo que

proporciona melhor compreenso do mundo natural, representa um instrumento essencial para o

transformar.

Numa perspectiva recente, apoiada na problemtica da complexidade e da controvrsia scio

ambiental (COLLUCCI-GRAY et al., 2006), aponta-se para um quadro ecolgico e pretende-se

fazer uma passagem da literacia cientfica para uma literacia para a sustentabilidade. Os autores


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advogam uma complexidade do contedo, do contexto e da metodologia, para a compreenso de

problemas actuais. Os modelos de currculo e de aprendizagem conexos incluem perspectivas e

abordagens interdisciplinares e profundas reflexes dialgicas.

2.2. Questes e Objectivos do Estudo

O nosso objectivo evidenciar a evoluo da Pesquisa em Educao em Cincia (PEC), ao

longo de uma dcada (1993-2002), no que respeita s suas principais linhas de pesquisa e analisar,

de modo particular, a linha de estudos CTS pela sua demarcada ascenso ao longo da dcada

considerada. A pesquisa conduzida um estudo meta-interpretativo baseado na anlise de contedo

dos artigos da PEC com maior impacto, publicados em trs das revistas da rea de maior circulao

internacional, na dcada 1993-2002, sendo as seguintes, as questes de pesquisa:

Como evoluram as principais linhas da PEC durante a dcada 1993-2002? Em particular, o

que se passou com a linha de pesquisa sobre inter-relaes cincia-tecnologia-sociedade (CTS)?

Quais as orientao da pesquisa (para a teoria, prticas ou polticas) evidenciadas nos artigos

analisados? Que perspectivas CTS so a apontadas? Quais as principais concluses, reflexes e/ou

implicaes apresentadas?

3. Metodologia

O corpus sobre o qual recaiu a anlise formado pelos 152 artigos mais influentes na PEC,

em termos internacionais, publicados no perodo 1993-2002 (LOPES et al., 2005). Foram utilizados

dois critrios principais para seleccionar os artigos: i) artigos publicados em trs das revistas mais

influentes na comunidade internacional (SE - Science Education, JRST - Journal of Research in

Science Teaching and IJSE - International Journal of Science Education); ii) artigos mais citados,

em cada ano.

Para o primeiro critrio considerou-se o factor de impacto de cada revista usado pelo Scientific

Citation Index do ISI. Com este critrio obtiveram-se 1898 artigos (459 da SE, 724 do JRST e 715

do IJSE). Com o segundo critrio, para no sobrevalorizar o eventual maior nmero de citaes dos

artigos mais antigos, seleccionmos em cada ano e em cada revista os artigos mais citados at se

atingir a mesma percentagem de artigos (cerca de 10%, ponderada pelo factor de impacto de cada

revista).

Os artigos foram listados por revista e ano em ordem decrescente do nmero de vezes citado e

foram seleccionados at se atingir o nmero de ordem cujo valor dado pela seguinte frmula:


31

Nanoi.revistaA 0,1*fA*nAi,

onde Nanoi.revistaA representa o nmero de artigos da revista A no ano i numa percentagem 0,1*fA

dos artigos mais citados; nAi nmero total de artigos da revista A no ano i; fA factor de impacto

mdio da revista A. Portanto, o nmero dos artigos seleccionados para a revista A (NrevistaA) dado

por:

2002

1993

.

i

revistaAanoirevistaA NN

Como resultado obtivemos os 152 artigos que considermos como os mais influentes na PEC,

na dcada a que reportam: 43 de SE; 73 de JRST; e 36 de IJSE. No assumimos que o nosso corpus

seja representativo de toda a PEC, mas que tem um significado importante na medida em que

remete para a influncia que os artigos tiveram na comunidade de pesquisadores em educao em

cincia (EC).

O contedo de cada artigo foi analisado separadamente por dois pesquisadores, at saturao

dos dados para identificar a orientao dominante e a linha de pesquisa, o contexto de pesquisa, a

sntese dos resultados e as concluses ou as implicaes.

Fez-se um estudo piloto (trs artigos foram analisados independentemente por todos os

pesquisadores da equipa para testar a consistncia da anlise), aps o que foram entregues artigos,

aleatoriamente, a cada investigador. Cada artigo foi analisado independentemente por dois

pesquisadores. Foram cruzados os resultados obtidos e foram analisados e discutidos para alcanar

uma deciso consensual. Neste primeiro passo obteve-se uma concordncia de 95%. Os restantes

casos foram re-analisados por um terceiro pesquisador, de modo a tomar uma deciso final, de

incluso (ou no), no corpus final.

4. Resultados e Discusso

4.1. Linhas de Pesquisa

Identificmos onze linhas de pesquisa diferentes, com base numa hiptese inicial e reajustadas

em dilogo recorrente com o corpus analisado. Como pretendamos evidenciar a forma como

progrediram as principais linhas de pesquisa em educao em cincia num perodo temporal

definido, a diviso da dcada analisada em dois quinqunios revelou-se mais eficaz, sem prejudicar


32

a tendncia geral dos resultados. As frequncias e percentagens das principais linhas de pesquisa

obtidas atravs da anlise de contedo efectuada so explicitadas no quadro (Quadro 1).

Quadro 1 - Linhas de pesquisa em Educao em Cincia

Principais linhas de

pesquisa em Educao em

Cincia

Total

f

%

Primeiro Quinqunio

(1993-1997)

Segundo Quinqunio

(1998-2002)

Filosofia da cincia

33

19,5%

16 17

Aprendizagem de conceitos

39

23,1%

26 13

Resoluo de problemas

3

1,8%

2 1

Cincia-Tecnologia-

Sociedade

9

5,3%

2 7

Trabalho prtico

7

4,1%

4 3

Linguagem 21

12,4%

10 11

Tecnologias de informao

e comunicao

5

3,0%

2 3

Avaliao

7

4,1%

2 5

Aprendizagem em

contextos no formais

5

3,0%

2 3

Multiculturalismo e gnero

19

11,2%

11 8

Estudos de currculo e

pedaggicos

16

8,9%

5 10

Outros (por exemplo,

comunidades de prtica)

6

3,6%

2 4

Total de ocorrncias

169

84

85

Apesar da disperso de resultados possvel identificar algumas tendncias que devem ser


33

evidenciadas. Em primeiro lugar, e considerando a dcada completa, foram identificadas como

linhas dominantes a aprendizagem de conceitos (23,1%), a filosofia da cincia (19,5) e a linguagem

(12,4%). As linhas que na dcada considerada apresentam ocorrncias mais baixas so o trabalho

prtico, a resoluo de problemas ou os estudos que focam as tecnologias de informao e

comunicao. A nfase na linha da aprendizagem de conceitos diminui de modo significativo ao

longo do tempo; as outras duas praticamente mantm a sua estabilidade. igualmente relevante que

os estudos no mbito do currculo e pedagogia duplicam o nmero de ocorrncias de um para o

outro quinqunio e que a linha de pesquisa identificada com estudos do domnio da Cincia-

Tecnologia-Sociedade mais do que triplica o seu nmero de ocorrncias; um tal salto quantitativo

de um para o outro quinqunio no ocorreu em nenhuma outra linha. A aprendizagem em contextos

no formais, apesar de apresentar nmeros sempre baixos ao longo da dcada, revela-se como uma

linha emergente.

A anlise de resultados refora a convico de que a educao em cincia actualmente uma

rea de natureza interdisciplinar que integra contributos provenientes de reas como a prpria

Cincia, a Psicologia Educacional, a Histria e Filosofia da Cincia, a Sociologia da Cincia e

outros estudos sobre cincia (CACHAPUZ et al., 2002). Em particular, a taxa de crescimento dos

estudos CTS conduziu-nos a isolar os artigos correspondentes a tal linha e a analis-los como um

caso.

4.2. O Caso da Linha de Pesquisa Estudos de Cincia-Tecnologia-Sociedade

A linha de estudos Cincia-Tecnologia-Sociedade (CTS) mostrou ser uma linha dinmica, em

evoluo notria ao longo da dcada considerada, em especial do primeiro para o segundo

quinqunio, passando de dois para sete artigos, em igual perodo de tempo. Considermos que na

linha de pesquisa CTS se enquadram os estudos incidentes na dimenso social e cultural da cincia

e da tecnologia e estudos que evidenciam como se relaciona tal dimenso com a literacia cientfica e

com a compreenso pblica da cincia (HURD, 1998; HAND et al., 1999; DEBOER 2000, entre

outros).

Deste modo, foi o prprio estudo que desenvolvemos que sugeriu que se desse uma ateno

especial a esta linha de pesquisa que, de emergente no incio da dcada de 90, se lanou num rpido

crescimento. Assim se justifica que tenhamos sujeitado os nove artigos seleccionados a uma anlise

mais pormenorizada com vista descrio e interpretao dos seus traos essenciais, de acordo com

as seguintes categorias:


34

(i) Principal orientao da PEC em que se enquadram os estudos CTS. A orientao

dominante da PEC uma dimenso de anlise da pesquisa implcita em numerosas investigaes

(por exemplo: HOGAN, 1999; CLEMENTS, 2007) tendo a ver, no essencial, com a relevncia de

estudos para o desenvolvimento da teoria, para ajuda aos prticos ou para anlise de polticas.

Uma contribuio orientada para prtica se o foco da pesquisa so as prticas da EC, em

ambiente formal ou no, e tem como finalidade ajudar os prticos proporcionando-lhes

fundamentao, alternativas ou meios de compreender e melhorar as suas prticas. As suas aces

dirigem-se para o avano do conhecimento da PEC em termos de prticas de educao em cincia;

uma contribuio orientada para a teoria se tem como finalidade contribuir para o

desenvolvimento da teoria da EC atravs da anlise (conceptual ou emprica) e/ou da produo de

novas teorias, ou seja, a pesquisa deve conduzir ao avano do conhecimento terico, incluindo em

novas interfaces que se apresentem como frutferas; uma contribuio orientada para as polticas

se o foco da pesquisa so as polticas implementadas e ou previstas e se tem como finalidade ajudar

os decisores polticos, proporcionando-lhes fundamentao, alternativas ou meios de compreender,

melhorar ou apoiar as suas decises, avaliar polticas actuais ou dar apoio emprico ou terico a

decises polticas que se pretendam adoptar.

(ii) Perspectiva CTS evidenciada, isto , conforme argumentao apresentada em 2.1:

articulao com o conceito de literacia cientfica; diferentes propsitos para a defesa da linha CTS:

influncia e consequncias sociais das inovaes cientficas e tecnolgicas ou nfase na dimenso

social antecedente aos desenvolvimentos cientficos e tecnolgicos, ou seja, como participam na

gnese e aceitao das teorias cientficas uma diversidade de factores econmicos, polticos,

culturais; valorizao de um enquadramento ecolgico focando a controvrsia scio-ambiental.

(iii) Principais concluses, reflexes ou implicaes apontadas.

Bingle and Gaskell (1994)

(i) Os autores analisam dois posicionamentos acerca da construo e avaliao do

conhecimento cientfico, a positivista e a scio-construtivista, e avaliam as pretenses de

conhecimento no projecto galileu [evaluating knowledge claims in the galileo project] nessas duas

abordagens, propondo-se a partir dessa anlise explanar quais so as implicaes para o ensino

acerca das problemticas da cincia-tecnologia-sociedade, na escola. O artigo evidencia uma

orientao para a teoria.

(ii) O estudo dirige-se educao em cincia de modo geral, sem incidncia em qualquer


35

nvel de ensino particular. Situa-se numa perspectiva que assume que existe um consenso alargado,

nas comunidades cientfica e de educao em cincia, acerca da necessidade de aumentar a literacia

cientfica dos estudantes e da populao em geral, em particular nos aspectos que desenvolvem o

conhecimento e as capacidades necessrias para tomar decises e resolver problemas da interface

cincia, tecnologia e sociedade. Como os autores clarificam, quando se toma uma deciso no

contexto de uma disputa sciocientfica implica integrar conhecimento cientfico com outras formas

de conhecimento e clarificar os valores inerentes s vrias alternativas.

Aikenhead (1997)

(i) No essencial fundamenta a sua argumentao em estudos empricos, guiada por uma

reconceptualizao do ensino da cincia como transmisso cultural, e pela ideia de um currculo de

cincia e tecnologia de natureza CTS inter-cultural (cross-cultural STS), e apoiada em vrios tipos

de conhecimento (senso comum, tecnologia e cincia), explora a educao em cincia para os

alunos nativos do continente americano, no mbito de uma perspectiva cultural. Pretende extrair

implicaes para o ensino da cincia, numa orientao principalmente para a teoria.

(ii) O estudo atravessa toda a educao em cincias. A perspectiva cultural sobre a educao

em cincia trata a cincia ocidental como uma subcultura da cultura Euro-Americana. Considera

que tal cincia tende a tornar-se um icon cultural de prestgio, poder e progresso e que premeia a

cultura dos que nela se envolvem. Esta aculturao esmaga as culturas indgenas, cujos

conhecimentos acerca do mundo natural contrastam com tal perspectiva. nesta linha que

questiona que conhecimento da educao em cincia pode ajudar a atingir finalidades prticas

como desenvolvimento econmico, responsabilidade ambiental, e sobrevivncia cultural? (p. 226)

e argumenta que apesar da retrica poltica contrria, o desenvolvimento nos pases industrializados

depende de factores como a populao cientificamente literata e factores para alm da influncia da

educao em cincia para o pblico. A educao formal baseada no modelo curricular da cincia

escolar em geral no se transforma em desenvolvimento econmico ou em responsabilidade

ambiental, pelo que advoga que os professores das naes indgenas deveriam rejeitar o currculo da

educao em cincia convencional. A sua perspectiva inclui a necessidade de negociar as fronteiras

culturais entre o mundo do quotidiano e a subcultura da cincia para reestruturar ou transformar o

conhecimento cientfico.

Hurd (1998)

(i) Explana e fundamenta argumentos que ao longo da histria da modernidade tentaram

ultrapassar o fosso entre a cincia acadmica e a cincia para o cidado num artigo de orientao


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para a teoria e intencionalmente dirigido para polticas curriculares.

(ii) H referncias directas aos currculos desde a escola infantil at ao pr-universitrio (K-

12), por um lado e, noutra situao, refere-se aos currculos do ensino universitrio. Trata-se de um

artigo de posicionamento e reflexo abrangente, no que respeita aos currculos CTS. Considera o

autor que mudanas revolucionrias na natureza, ethos e prticas das cincias revelam uma

necessidade de reexaminar os tradicionais propsitos da educao em cincia e aponta para a

recomendao da National Science Foundation que j em 1970 recomendava que a abordagem

tradicional precisava de ser repensada no sentido de colocar maior nfase na compreenso da

cincia e tecnologia pelos que no tinham expectativas profissionais nas reas cientfica e

tecnolgica. O autor associa ao movimento CTS o acesso literacia cientfica e esta s capacidades

cognitivas para utilizar a informao em cincia e tecnologia nos aspectos da vida humana, para o

progresso social e econmico (p. 411).

Dori and Herscovitz (1999)

(i) Orientam o estudo para as prticas, descrevendo no artigo pesquisa sobre estratgias para

desenvolver capacidades de colocar problemas usando problemas do mundo real sobre a qualidade

do ar.

(ii) Desenvolvem o seu estudo com alunos do nvel 10, correspondendo ao secundrio

avanado. Os autores assumem que a principal finalidade da educao em cincia enfatizar o

desenvolvimento da compreenso, pensamento e capacidades de resoluo de problemas cientficos

pelos alunos, contrariamente posio tradicional que assenta no conhecimento (factos e

princpios). Consideram que mudanas nas finalidades da instruo em cincia nas escolas

induziram novas orientaes na educao em cincia por todo o mundo e valorizam a abordagem

CTSA, resultante da fuso da abordagem CTS e Ambiente (p. 413). feita a apologia do paradigma

CTSA que permite actuar no sentido do desenvolvimento da capacidade de integrar conceitos de

vrios domnios num sistema interdisciplinar. A perspectiva CTS destes autores exalta que ligar a

cincia aos fenmenos sociais e aplicar a tecnologia na vida quotidiana assumido como tornar a

cincia mais relevante e significativa para os estudantes (p. 414).

Jenkins (1999)

(i) Tem uma orientao para as polticas; quer as questes sociais da cincia cidad quer

as interrelacionadas questes curriculares, constituem o cerne do artigo.

(ii) Dirige-se educao em cincia de modo geral. Considera que a educao em cincia

escolar, a cidadania e a compreenso pblica da cincia esto ligadas num grande nmero de


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aspectos (p. 703) e para o autor claro que uma das funes da escolarizao o desenvolvimento

de uma cidadania informada, o que requer que todos os estudantes recebam educao em cincia.

Considerando, embora, que as reformas nos currculos de cincia em muitos pases tm sido mais

impulsionadas por motivos econmicos do que democrticos, elas implicam e exigem que os

cidados sejam cientificamente literatos de modo a tornarem-se capazes de contribuir como

decisores acerca de aspectos de dimenso cientfica, sejam aspectos pessoais sejam polticos. Na

perspectiva do autor, no contexto de uma cidadania cientificamente literata, o pensamento de

cidadania est intimamente relacionado com a noo de cincia cidad, isto , com a cincia que

se relaciona em termos de reflexo, com as preocupaes, interesses e actividades dos cidados tais

como se apresentam na actividade do seu dia a dia (p. 704).

Hand et al. (1999)

(i) Orientam o seu estudo para as prticas. This broad definition of science literacy has

various implications for the aims, readerships and diverse kinds of writing students should practise

in the science classroom (p. 1022) e apresentam mesmo uma situao de ensino.

(ii) Focam o ensino secundrio e apresentam um exemplo de uma unidade de ensino

referenciado ao 11 nvel de escolaridade (idades de 16-17 anos) na rea de Educao Ambiental.

As tarefas apresentadas, referem os autores, criam oportunidades de envolver os estudantes

em vrias dimenses, nomeadamente uma melhor compreenso da natureza e do processo de

construo do conhecimento cientfico: natureza da cincia, modos de conhecimento, padres de

argumentao, pensamento, grandes ideias da cincia, comunicao e evidncia. Os autores

assumem que a literacia cientfica contempornea envolve as competncias e as dimenses

emocionais para construir a compreenso cientfica. Para estes autores, trata-se de uma definio

alargada que assume as dimenses interdependentes da natureza da cincia e da pesquisa cientfica,

o pensamento cientfico e as concepes epistemolgicas na construo, disseminao e aplicao

do conhecimento cientfico. Precisa de uma disposio positiva para a participao no debate

pblico sobre as questes cientficas. Ancoram as suas posies nas perspectivas curriculares

subjacentes ao National Science Education Standards (NRC, 1996).

Laugksch (2000)

(i) Apresenta um artigo de reviso (mais de 330 referncias pesquisadas na base de dados

ERIC entre 1974 e 1990) sendo que a maioria das publicaes aparece depois de 1980. A inteno

deste autor obter uma melhor compreenso do conceito de literacia cientfica e as dificuldades que

lhe esto associadas. Enquadra-se, assim, este artigo, numa orientao dirigida para a teoria e com


38

posicionamentos dirigidos para as polticas educativas.

(ii) Dirige-se educao em cincia, num sentido lato, como objecto investigvel e objecto

social. Deste modo, o seu artigo transversal e no se centra no ensino como mera prtica.

Considera que h um grande nmero de diferentes factores que podem influenciar interpretaes do

termo literacia cientfica e, por isso mesmo, como um conceito controverso.

Considera o autor que estes incluem grupos de interesses que se mostram preocupados com

a literacia cientfica, diferentes definies conceptuais do termo, a natureza relativa ou absoluta da

literacia cientfica como um conceito, diferentes intenes para a defender e os diversos meios e

formas de a medir.

DeBoer (2000)

(i) Apresenta um artigo de reviso incidindo na histria da educao em cincia, que lhe

permitiu encontrar nove distintas finalidades no que respeita ao que o autor considera o abrangente

objectivo da literacia cientfica. Deseja o autor que a reviso possa ajudar a compreender a confuso

que cerca o conceito e permitir, produtivamente, reorientar o nosso pensamento acerca dele (p.

583). Trata-se de um artigo de natureza argumentativa e de orientao intencional para polticas

educativas de incidncia curricular.

(ii) Dirige-se educao em cincia de modo geral. Considera a literacia cientfica como um

conceito que pretende descrever uma desejvel familiaridade com a cincia, por parte do pblico

em geral. Admite que falar de literacia cientfica , simplesmente, falar da prpria educao em

cincia. Tal identificao reforada quando afirma que a literacia cientfica [quando o conceito

surgiu no anos 50, produzido pela conscincia da emergncia de uma nova era tecnolgica] era

possibilitar uma ampla compreenso da cincia e do rpido desenvolvimento cientfico, quer para os

que viessem a ser cientistas, ou no (p.586). O autor refere particularmente a posio crtica de

Shamos (1995) que argumenta que os esforos para alcanar a literacia cientfica como apontada

pelos National Science Education Standards (National Research Council, 1996) so fteis e um

desperdcio de recursos valiosos e que representam uma posio nave pensar que os estudantes

podem aprender e pensar como cientistas e que o mais importante to give people acess to

responsible, expert advice on such issues e prope no seu programa de cincia que o contedo

deve incidir na tecnologia porque esta mais til, e mais fcil de atingir que as abstraces da

cincia e que o ensino da cincia deve incluir a natureza da cincia e os processos da cincia, mas

pouco contedo de cincia; o que Shamos aponta a via da literacia funcional (p. 591). DeBoer

considera esta proposta como radical, em particular por retirar nfase ao conhecimento cientfico


39

em favor da tecnologia, no currculo, e na forma como remove a responsabilidade de tomada de

decises no que respeita a questes de base cientfica pelo pblico em geral a favor dos especialistas

em cincia.

Kolsto (2001)

(i) Apresenta um artigo de orientao para a teoria; recorrente a ideia de que o autor prope

um quadro terico para analisar a dimenso de cincia em aspectos sociocientificamente

controversos.

(ii) Dirige-se educao em cincia de modo geral. Considera a cincia para a cidadania

uma finalidade educacional importante nas sociedades democrticas e encara a necessidade de

compreender aspectos relacionados com a cincia do ponto de vista de cidados decisores em

aspectos sociocientficos. Considera que com a tradio CTS na educao em cincia a nfase nas

interconexes entre a cincia e a sociedade iniciou um interesse particular sobre as questes sociais

relacionadas com a cincia. O autor considera o argumento de que melhorar o desempenho dos

estudantes como cidados necessita enfatizar a cincia e os processos de produo de conhecimento

cientfico como instituio, porque o conhecimento das caractersticas humanas da cincia, dos

valores e dos limites da cincia e das suas tcticas de tomadas de deciso, so pr requisitos para o

conhecimento dos decisores de aspectos cientficos. Considera que algumas respostas curriculares

tm sido dadas acerca da cincia e cidadania embora aponte que muitos modelos de ensino sofrem

de falta de discusso e incluso de conhecimento relativo natureza da cincia e do conhecimento

cientfico.

(iii) Principais reflexes, concluses ou implicaes apontadas

Bingle and Gaskell (1994) argumentam que o posicionamento scio-construtivista

potencialmente mais til do que um posicionamento positivista para analisar criticamente o

conhecimento cientfico, no contexto da tomada de decises que envolve uma disputa scio-

cientfica. Consideram que a discrepncia dessa utilidade est relacionada com o modo como cada

uma dessas posies percepciona a natureza do conhecimento cientfico, servindo-se das metforas

de Latour (1987) da ready-made-science e da science-in-the-making. A primeira aplicada a

um conhecimento tomado como no controverso e no relacionado com os contextos especficos do

seu desenvolvimento e a segunda adapta-se a um conhecimento cientfico contestvel e passvel de

ser revisto (p. 187). Consideram os autores que a primeira forma de conhecimento cientfico a dos

manuais escolares e da cincia escolar enquanto que a segunda a que vai sendo desenvolvida no


40

quotidiano da pesquisa e debatida pelos cidados. A finalidade com que os autores fizeram a anlise

dos dois diferentes posicionamentos foi mostrar que o conhecimento cientfico relevante para uma

disputa sociocientfica real pode ser construdo e, desde logo, afectado por valores contextuais, e

que este processo influencia uma avaliao das propostas cientficas, pelos cidados.

nesta sequncia que Bingle e Gaskell referem implicaes para o ensino de questes CTS na

escola. Apontam que tem havido duas principais abordagens, uma com foco nas problemticas

sociais e outra com foco nos estudos sociais da cincia, sendo a primeira mais forte mas apenas a

segunda discutindo explicitamente a construo social do conhecimento cientfico (p.195-196). A

adopo de um posicionamento scio-construtivista do conhecimento cientfico e as questes

referentes sua avaliao tm implicaes para futuras abordagens na educao CTS; contudo, os

professores tm resistido a todas as tentativas de incluir os contextos sociais da cincia nas suas

aulas. Da que os autores apontem para a necessidade de uma reorganizao mais drstica do

currculo (p.197).

A concluso que s adoptando um posicionamento scio-construtivista do conhecimento

cientfico e a sua inerente abordagem atravs da avaliao crtica das problemticas do

conhecimento cientfico podemos ter o potencial para apetrechar os estudantes e os cidados com o

conhecimento e as capacidades que caracterizam a literacia cientfica para a tomada de decises

(p.198).

Aikenhead (1997) aponta que os especialistas em currculo e os professores precisam de

desenvolver um currculo de cincia que explicitamente renuncie a aculturao indesejada, o que

implica desenvolver materiais instrucionais que: estabeleam cruzamentos de fronteira das

subculturas, explcitos para os estudantes; facilitem o cruzamento das fronteiras; substanciem a

validade das formas de conhecimento dos estudantes, pessoalmente e culturalmente construdas; e

ensinem o conhecimento, capacidades e valores da cincia e tecnologia ocidental no contexto de

papis sociais (social, poltico, econmico, etc.). Refere explicitamente que um currculo cross-

cultural CTS facilita esses cruzamentos na fronteira das subculturas atravs das vivncias do dia a

dia, pelo confronto das duas subculturas com uma anlise crtica da subcultura da cincia (as suas

normas, valores, crenas, expectativas e aces convencionais) e sem submeter uma outra

subcultura.

Quanto a concluses, o autor mostra-se optimista, acerca da possibilidade de desenvolver um

currculo de cincia e tecnologia que no subjugue as naes aborgenes, orientado para o

desenvolvimento econmico, a responsabilidade ambiental e a sobrevivncia cultural. Considera


41

igualmente que deu um contributo para clarificar e conceptualizar um caminho cujo horizonte

combinar o conhecimento dos povos para caminharem em conjunto (p. 228-233).

Para Hurd (1998) o desenvolvimento de um currculo vivo em cincia e tecnologia requer

esforos cooperativos que implicam tambm especialistas em cincias sociais e humanidades bem

como em campos como a tica, cincias judiciais e polticas. O autor coloca a questo central em o

que que realmente conta nas cincias para viver nestes novos e desafiadores tempos em que

estamos a viver? e considera que nos anos 80 e 90 muitos esforos concertados comearam a ser

feitos para identificar competncias de pensamento elaborado associadas literacia cientfica e

tecnolgica que pudessem servir como um quadro de referncia para desenvolver um currculo

vivo. Nessa perspectiva sugere, no seu artigo, uma amostra de conceitos pessoais, sociais e

cognitivos que os estudantes precisam de adquirir (p. 412) e uma lista de atributos que, de entre

outros possveis, capacitam os estudantes a adaptar-se ao mundo da cincia e tecnologia em

mudana e aos seus impactos nas questes pessoais, sociais e econmicas a lista pretende ser

definidora do que uma pessoa cientificamente literata (p. 413). Por fim, a recomendao dirige-se

aos professores, que necessitam de reconhecer constantemente que a compreenso pblica da

cincia conceptualmente diferente das formas tradicionais envolvidas na estrutura das disciplinas

de cincias.

Dori and Herscovitz (1999) iniciam a discusso dos resultados e as recomendaes

emergentes do seu estudo repetindo a ideia de que ligando a cincia aos fenmenos sociais e

aplicar tecnologia na vida quotidiana assumido como tornando a cincia mais relevante e

significativa para os estudantes (p. 426). Os autores consideram que a pesquisa conduzida

aumentou a capacidade de resoluo de problemas e de colocar problemas, melhorando a literacia

cientfica e tecnolgica dos estudantes relativamente ao seu ponto de partida, e que o uso de

mtodos de avaliao alternativa contribuiu para esse facto.

Na sequncia dos resultados obtidos, recomendam a incorporao da anlise da capacidade de

colocar questes como um mtodo de avaliao alternativo. Para isso, encorajar a colocao de

questes a estratgia de ensino/aprendizagem preferida, em particular quando aspectos ambientais

esto envolvidos. Sugerem que mais pesquisa necessria para determinar e analisar o potencial

dos estudantes para responder s questes que eles prprios colocam como resultado de se

envolverem no mtodo de aprendizagem de estudo de casos (p. 428).

Jenkins (1999) na reflexo em torno do que denomina cincia cidad, a do dia a dia,

enumera exemplos que ilustram diferentes relacionamentos com a cincia, que considera sempre


42

dependentes dos contextos. Da que lhe parea claro que faa pouco sentido tratar os cidados

pensando que eles so um grupo homogneo ou olhar a cincia como um campo de actividade

indiferenciada (p. 706), o que faz da cincia cidad um quadro muito complexo.

Para Jenkins, qualquer caracterizao do empreendimento cientfico do novo milnio deve ter

em conta que a cincia est agora intimamente relacionada com a produo do conhecimento

caracterizado por, entre outros aspectos, transdisciplinaridade, novos critrios de controlo de

qualidade e de produo de conhecimento nos contextos da sua aplicao. , como diz, este novo

sistema que tem feito muito para transformar o contexto social da educao em cincia e

confrontar cidados e especialistas com problemas complexos e difceis que marcam a interface da

cincia e da sociedade. Portanto, a educao em cincia precisa de dar resposta a este contexto

social alterado e ajudar a preparar a gente jovem para contribuir como cidados para moldar o

mundo no qual vivero.

Na construo de currculos de cincias, o autor considera que se deve ter em conta que eles

devem permitir aos jovens participarem na reflexo sobre aspectos relacionados com a cincia que

realmente os interessem e que lhes digam respeito. Evidencia, tambm, a necessidade de os

professores de cincias desenvolverem competncias mais comummente associadas a professores

de outros domnios do currculo escolar, nos quais a controvrsia constitui um territrio mais

familiar (p. 707). Outra implicao da reflexo conduzida que como nem todos os assuntos

relacionados com a cincia so globais e se o currculo escolar pretende ser sensvel aos interesses

dos estudantes, ento variaes regionais ou nacionais devem ser integradas (p. 708). Uma terceira

consequncia que o contributo que a cincia pode dar para a educao, e portanto para a

cidadania, deve ser reavaliado.

Para Jenkins, nem todos os cursos includos no que designado por CTS parecem poder

colmatar as dificuldades curriculares sentidas, em parte pela falta de base terica legtima. E

considera que, no sendo exclusiva, as dimenses do modelo da cincia cidad oferecem os

rudimentos de uma tal base terica. O autor tambm considera importante reconhecer que essa

noo tem implicaes na agenda de pesquisa no que diz respeito compreenso pblica da cincia.

Hand et al. (1999) consideram que a literacia cientfica contempornea envolve vrias

dimenses interdependentes, incluindo a compreenso da natureza da cincia e da pesquisa

cientfica, o papel do pensamento e a influncia das concepes epistemolgicas, centrais para a

construo, disseminao e aplicao do conhecimento cientfico e que cada dimenso precisa de

ser compreendida e usada explicitamente num contexto global de ensino e aprendizagem da cincia.


43

O artigo deixa sugestes de pesquisa, centradas na sala de aula, sobre o valor e o papel da

escrita para desenvolver a literacia cientfica. necessrio identificar quais as tarefas que so mais

efectivas na promoo de competncias, conhecimentos e atitudes particulares, que integram os

aspectos interdependentes da literacia cientfica. Alm disso, os autores apontam que h

necessidade de pesquisa para explorar os efeitos das diferenas dos alunos no background cultural,

nos atributos cognitivos e nas concepes epistemolgicas sobre a efectividade da escrita para

aprender cincia.

O estudo de Laugksch (2000), Reviso do conceito de literacia cientfica, emergiu, no da

perspectiva da comunidade de profissionais de educao em cincia mas do ponto de vista da

importncia do conceito na comunidade de pesquisadores. Releva a diversidade de posies,

descries e interpretaes, o que evidencia a importncia a conceder a este conceito. A principal

chamada de ateno vai para a importncia de compreender os vrios factores que contribuem para

o conceito e de tornar claro as interrelaes entre esses factores, no sentido de refinar e focalizar a

conceptualizao de literacia cientfica.

O autor conclui que a sua reviso mostra claramente que o termo literacia cientfica tem,

talvez intencionalmente, um grande nmero de diferentes assunes, interpretaes, concepes e

perspectivas do que o termo significa. Por isso, no se surpreende que o termo seja olhado como

difuso, deficientemente definido e que seja difcil de medir. Assim sendo, sugere, porque lhe parece

prudente para os pesquisadores, que clarifiquem a sua posio em relao aos factores da literacia

cientfica quando discutem este conceito.

DeBoer (2000) apresenta, no seu artigo de reviso, um sumrio alargado referente s

finalidades do ensino da cincia. Para o autor, claramente, a histria da educao em cincia

sugere uma variedade de finalidades do ensino da cincia e um largo espectro de significados de

literacia cientfica e sistematiza-os em nove posicionamentos (p. 591 e seguintes). Como principais

implicaes, o autor questiona o que podemos aprender com a histria das finalidades da educao

em cincia e se ela pode ajudar a definir literacia cientfica e a compreender o actual movimento de

reforma para a atingir. Outras questes dirigem-se para a possibilidade de um programa de

educao em cincia dar cumprimento a todas essas finalidades e, se no, quem deve decidir quais

as que devem ser perseguidas.

De vrios caminhos para a literacia cientfica o autor considera que o seu artigo mostra que o

mais importante que os estudantes aprendam alguma coisa que eles considerem interessante de

modo a continuarem a estudar cincia, seja de modo formal ou informal, no seu futuro, de modo a


44

ter oportunidade de aprender o suficiente para no se sentir excludos desta dimenso da experincia

moderna (p. 598).

Outra dimenso evidenciada pelo autor sobre quanto contedo ensinar e clarifica que, com

poucas excepes, o contedo da cincia tem formado o backbone do currculo de cincia desde

sempre e assim ter que continuar desde que as finalidades da cincia requeiram uma compreenso

bsica do mundo natural. O desafio encontrar um balano razovel entre o contedo cientfico e

outras importantes finalidades do ensino da cincia. Os problemas advm da presso dos standards,

benchemarks e testes, que perpetuam atitudes de sobrevalorizao da informao centrada nos

contedos (p. 598).

Como concluso, aponta que a influncia da educao baseada nos standards no deve ser

inibidora da autonomia e criatividade do professor, mas que deve ser positiva e ajudar a tornar mais

claro o que importante e a guiar o desenvolvimento do currculo, num sentido positivo (p. 599).

Kolsto (2001) considera, como concluso, que linhas de orientao para ordenar diferentes

aspectos do conhecimento tm sido omitidas na concepo de modelos de ensino para incluso da

cincia em contextos sociais (p. 307). Na resposta ao o que deve ser includo, o autor responde

que as suas propostas de tpicos servem como pontos fulcrais no desenvolvimento de materiais

curriculares com vista a ensinar cincia para a cidadania. Argumenta ainda que isso implica que

aspectos controversos devem ser includos na cincia escolar mas refora o foco na anlise das

dimenses da cincia nos aspectos sociocientficos abordados e que os materiais de ensino devem

ser desenvolvidos e avaliados de forma detalhada antes de serem usados.

Deixa como recomendao que sejam avaliadas as concepes sobre a natureza da cincia de

estudantes e de professores, o que pode fornecer informao importante. O autor alerta ainda para a

necessidade de este tipo de concepes ser avaliado de modo dependente dos contextos sociais.

4.3. Sntese do Caso CTS

A evoluo, do primeiro quinqunio para o segundo, evidencia que a orientao para as

prticas surge apenas mais recentemente (ambos os artigos so de 1999). Tambm no segundo

quinqunio (em 2000) que surgem dois artigos de reviso. No primeiro quinqunio h maior

incidncia nas implicaes curriculares, um assunto no resolvido na educao em cincia. Dada a

conotao poltica e social destes estudos, os artigos esto muito centrados na clarificao dos

conceitos que utilizam, nomeadamente o de cidadania e o de literacia cientfica. Os artigos

analisados evoluem para o aumento da discusso sobre polticas educativas, curriculares, sociais e


45

culturais. Dominam os estudos dirigidos Educao em Cincia de modo transversal; apenas dois

deles se dirigem ao ensino secundrio (nveis 10-12 de escolarizao).

Dois dos artigos referem-se ao paradigma scio-ambiental. Contudo, a perspectiva CTS mais

evidenciada a que d predomnio cultura cientfica, s interconexes entre a cincia e a

sociedade, que aponta a necessidade de aumentar a literacia cientfica dos estudantes e da populao

em geral, advogando que a educao em cincia deve ajudar os cidados a compreenderem o

mundo em que vivem e que est imerso na cincia mas tambm a compreender que existem muitos

factores no cientficos, nomeadamente no contexto das aplicaes cientficas, que contribuem para

as tomadas de posio e decises dos cidados, nas matrias cientficas e tecnolgicas. A

necessidade de compreender a natureza e o processo de construo do conhecimento cientfico

tambm apontado como necessrio para o desenvolvimento da literacia cientfica.

Sobressai a reflexo sobre o valor do posicionamento scio-construtivista e das influncias

contextuais na avaliao das propostas cientficas, pelos cidados. As reflexes e posicionamentos

dirigem-se particularmente para o currculo e para as finalidades da educao em cincia e apelam a

uma maior coerncia epistemolgica. Ou seja, que pela adopo de um posicionamento scio-

construtivista do conhecimento cientfico e a sua inerente abordagem atravs de problematizao

contextualizada, que se podem apetrechar os cidados com o conhecimento, as capacidades e os

valores da cincia e tecnologia para tomarem decises mais informadas, nos contextos sociais e

humanos.

So tambm de realar recomendaes dirigidas aos professores no sentido de estes

reconhecerem constantemente que a compreenso pblica da cincia conceptualmente diferente

das formas tradicionais envolvidas na estrutura das disciplinas de cincias. evidenciada a

importncia de linhas orientadoras para a concepo de modelos e de materiais de ensino para a

incluso da cincia em contextos sociais. ainda deixada a recomendao de que sejam avaliadas

as concepes sobre a natureza da cincia, de alunos e professores, mas de modo dependente dos

contextos.

5. Concluses

O estudo aqui apresentado reala a disperso de linhas de pesquisa na amostra analisada, o

que pode ajudar a compreender por que razo ainda no existe na educao em cincia um corpo de

conhecimentos especfico e coerente que ligue as vrias peas fragmentadas de conhecimento.


46

Contudo, possvel identificar linhas bem estabelecidas que reflectem a maturidade da rea de

pesquisa e linhas emergentes.

Um aspecto digno de referncia a estabilidade da relevncia da Filosofia da Cincia ao longo

de toda a dcada, a inverso de sentido de algumas linhas, nomeadamente no mbito da

Psicologia Educacional, particularmente a Aprendizagem de Conceitos, a favor de linhas cujo

quadro de referncia de natureza multidisciplinar, tendente para a considerao da Filosofia e da

Sociologia da Cincia, como por exemplo os estudos CTS.

No conjunto dos artigos analisados, em todos os tipos de orientao da pesquisa (para a teoria,

para as prticas, ou para as polticas) predominam pesquisas do tipo emprico. Contudo, no

subconjunto dos nove estudos CTS, patente o predomnio de estudos orientados para a teoria e

para as polticas. Seria interessante, em estudos envolvendo investigaes a partir de 2003, verificar

se esta tendncia consistente. Por outro lado, nota-se que apenas um pequeno grupo de

pesquisadores visa identificar e explicitar as bases actuais de referncia da educao em cincia

(isto , o que consensualmente j sabemos) assim como pontos de polmica. Um bom ponto de

partida seria caracterizar adequadamente as bases de referncia da educao em cincia, identificar

os problemas e controvrsias que persistem bem como novos problemas a enfrentar. No que diz

respeito linha de estudos CTS, seria desejvel continuar a tentar obter uma melhor compreenso

das suas caractersticas e evoluo, tendo em conta a nfase que lhe agora dada pelos

pesquisadores.

Fica o desafio de uma profunda e continuada reflexo da comunidade de pesquisadores em

educao em cincia para acompanhar a evoluo das principais linhas de trabalho, tendo em vista

saber onde estamos, corrigir trajectrias e formular de modo sustentvel prioridades de pesquisa a

mdio prazo. Parafraseando o conhecido dramaturgo Samuel Beckett: Tenta outra vez. Falha outra

vez. Falha melhor.

Agradecimentos: Fundao para a Cincia e Tecnologia/Portugal; Projecto POCTI POCTI/CED

45497/2002.

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ANTNIO F. CACHAPUZ: Professor catedrtico da Universidade de Aveiro (UA), Portugal; graduao e

ps-graduao em Qumica (Frana) e PhD em Educao em Qumica (Reino Unido, 1984); coordenador do

centro de pesquisa CIDTFF/UA (desde 1995); parecerista de projectos da Unio Europeia, de projectos

nacionais e de cooperao internacional (incluindo FAPESP e CAPES); interesses em Didctica das

Cincias/Qumica e Filosofia da Cincia; membro do Conselho Nacional de Educao de Portugal (desde

2002).

FTIMA PAIXO: Professora coordenadora da Escola Superior de Educao do Instituto Politcnico de

Castelo Branco, Portugal; doutorada em Didctica das Cincias (1999); interesses em Didctica das Cincias

e tambm Histria e Filosofia da Cincia; membro do CIDTFF/UA.

BERNARDINO LOPES: Professor associado da Universidade de Trs-os-Montes e Alto Douro (UTAD);

doutorado em Didctica da Fsica 1999; Coordenador da Ps-graduao em Cincias Fsicas/UTAD;

interesses em Cincias Fsicas; membro do CIDTFF/UA.

CECLIA GUERRA: Doutoranda na Universidade de Aveiro; licenciada em Biologia e Geologia e mestre

em Comunicao e Educao em Cincia; membro do CIDTFF/UA.

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