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Alfabetização e Letramento Alfabetização e Letramento Objetivo: Possibilitar que os participantes do grupo reflitam sobre os conceitos de letramento e alfabetização, articulando-os com sua prática. OFICINAS OBJETIVOS TEMPO PREVISTO 1. Resgate das lembranças de alfabetização e letramento. Possibilitar que o participante reflita sobre seu próprio processo de alfabetização e letramento, diferenciando a aprendizagem da base alfabética da aprendizagem de outros usos e funções sociais da leitura e da escrita. 1h 2. Leitura do texto Foram muitos os professores de Bartolomeu C. de Queiroz. - Possibilitar que o participante reflita sobre como o letramento se dá na e pela interação com pessoas que exercem atividades de leitura e escrita no cotidiano, inclusive no cotidiano escolar. - Refletir sobre o que motiva o aluno a aprender a ler e a escrever e a importância do afeto na relação ensino e aprendizagem. 1h 3. Leitura e discussão da entrevista de Magda Soares - Letrar é mais que alfabetizar. Possibilitar que o participante reflita e se aproprie teoricamente dos conceitos de letramento e alfabetização. 2h 4. Análise da Oficina - Coletores de Poemas Analisar as atividades propostas na oficina, identificando em que medida promovem o letramento dos alunos. 1h 5. Análise de textos produzidos por alunos em relação à Analisar dois textos produzidos por crianças, identificando os processos de letramento e alfabetização de cada uma delas. 1h

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ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

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Alfabetização e Letramento

Alfabetização e Letramento

Objetivo: Possibilitar que os participantes do grupo reflitam sobre os conceitos de letramento e alfabetização, articulando-os com sua prática.

OFICINAS OBJETIVOS TEMPOPREVISTO

1. Resgate das lembranças de alfabetização e letramento.

Possibilitar que o participante reflita sobre seu próprio processo de alfabetização e letramento, diferenciando a aprendizagem da base alfabética da aprendizagem de outros usos e funções sociais da leitura e da escrita.

1h

2. Leitura do texto Foram muitos os professores de Bartolomeu C. de Queiroz.

- Possibilitar que o participante reflita sobre como o letramento se dá na e pela interação com pessoas que exercem atividades de leitura e escrita no cotidiano, inclusive no cotidiano escolar. - Refletir sobre o que motiva o aluno a aprender a ler e a escrever e a importância do afeto na relação ensino e aprendizagem.

1h

3. Leitura e discussão da entrevista de Magda Soares - Letrar é mais que alfabetizar.

Possibilitar que o participante reflita e se aproprie teoricamente dos conceitos de letramento e alfabetização.

2h

4. Análise da Oficina - Coletores de Poemas

Analisar as atividades propostas na oficina, identificando em que medida promovem o letramento dos alunos.

1h

5. Análise de textos produzidos por alunos em relação à alfabetização e o letramento.

Analisar dois textos produzidos por crianças, identificando os processos de letramento e alfabetização de cada uma delas.

1h

6. Relato da experiência vivida.

Relato em grupo da experiência vivida na Oficina Pedagógica, redigido pelo coordenador do grupo, apresentando as impressões, contribuições e conclusões de todos os envolvidos.

2h

Tempo total previsto 8h

Resgate das lembranças de alfabetização e letramento

Registro das conclusões do grupo

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A tabela abaixo sintetiza e exemplifica as respostas de diferentes professores que contaram suas primeiras experiências. Você pode construir uma tabela semelhante com as conclusões do seu grupo. Para tanto faça o esquema da tabela no chão ou na lousa e preencha as linhas e colunas com a fala dos participantes ou até mesmo com os desenhos que produziram.

Situações centradas no código

Situações centradas nos usos e funções sociais

da escrita

Escola · Exercícios de coordenação motora· " A pata nada"· " Cartilha da Lili, Caminho Suave· a a a a a a a a a a · Leitura em voz alta· Escrever na lousa· Medo do erro, da repreensão, autoritarismo da professora· Carinho, atenção, dedicação, firmeza, autoridade da professora

· Biblioteca / ler histórias· Leitura de histórias pela professora

Cotidiano · Traçar letras· Alfabetização no contexto familiar (pais ou irmãos mais velhos)· Desejo e empenho da família para que aprendesse a ler e a escrever

· Leitura de histórias pelo pai, mãe, ou outro familiar· Ler e escrever cartas para o avô· Ganhar livros, coleções, enciclopédias dos familiares· Ler placas ou outdoors nas ruas· Ler livros, revistas ou jornais· Ajudar a fazer listas· Desejo de aprender, de entrar na escola· Valorização do conhecimento, dos livros, da leitura pela família

Fonte: Comunidade Virtual Escrevendo o Futurohttp://escrevendo.cenpec.org.br

A importância de superar antigas concepções A escola, por muito tempo, preocupou-se em ensinar primeiro as letras, depois as sílabas e as frases, acreditando que essas aprendizagens eram pré-requisitos para se aprender a ler e a escrever.

Atualmente as pesquisas e nossa experiência enquanto educadores mostram que, quanto mais familiaridade com os usos sociais da leitura e da escrita, maior a possibilidade da criança aprender o

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código, ou seja, ler e escrever textos que circulam socialmente não é conseqüência da alfabetização, mas condição para que ela aconteça.

No entanto, não é fácil superar concepções que embasaram por tanto tempo as práticas de sala de aula e muitas vezes até mesmo a própria formação do professor. Por isso, ainda hoje, encontramos em muitas salas de aula práticas mais centradas na aprendizagem do código do que nos usos e funções sociais da leitura e da escrita.

Por outro lado, atualmente as condições sócio-culturais da maioria da população brasileira não permitem que as crianças vivam fora da escola interações em quantidade e qualidade suficientes para que se apropriem dos usos e funções sociais da escrita, isto só ocorre com uma pequena minoria.

Sendo assim, se queremos que nossos alunos possam ler e escrever a maior parte dos textos que circulam na sociedade em que vivem, e não só saibam, mas exerçam as práticas de leitura e escrita importantes para seu papel de cidadão — como ler jornais, revistas, livros, tabelas, quadros, formulários, documentos pessoais, contas de água, luz e telefone, bilhetes, telegramas e escrever cartas, relatórios, bilhetes, telegramas etc. —, precisamos na escola propor simultaneamente situações e atividades de aprendizagem do código e dos usos e funções sociais da escrita.

"LETRAR É MAIS QUE ALFABETIZAR" Entrevista com Magda Becker Soares.

Nos dias de hoje, em que as sociedades do mundo inteiro estão cada vez mais centradas na escrita, ser alfabetizado, isto é, saber ler eescrever, tem se revelado condição insuficiente para responder adequadamente às demandas contemporâneas. É preciso ir além da simples aquisição do código escrito, é preciso fazer uso da leitura e da escrita no cotidiano, apropriar-se da função social dessas duas práticas; é preciso letrar-se. O conceito de letramento, embora ainda não registrado nos dicionários brasileiros, tem seu aflorar devido à insuficiência reconhecida do conceito de alfabetização. E, ainda que não mencionado, já está presente na escola, traduzido em ações pedagógicas de reorganização do ensino e reformulação dos modos de ensinar, como constata a professora Magda Becker Soares, que, há anos, vem se debruçando sobre esse conceito e sua prática.

"A cada momento, multiplicam-se as demandas por práticas de leitura e de escrita, não só na chamada cultura do papel, mas também na nova cultura da tela, com os meios eletrônicos", diz Magda, professora emérita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "Se uma criança sabe ler, mas não é capaz de ler um livro, uma revista, um jornal, se sabe escrever palavras e frases, mas não é capaz de escrever uma carta, é alfabetizada, mas não é letrada", explica. Para ela, em sociedades grafocêntricas como a nossa, tanto crianças de camadas favorecidas quanto crianças das camadas populares convivem com a escrita e com práticas de leitura e escrita cotidianamente, ou seja, vivem em ambientes de letramento.

"A diferença é que crianças das camadas favorecidas têm um convívio inegavelmente mais freqüente e mais intenso com material escrito e com práticas de leitura e de escrita", diz. "É prioritário propiciar igualmente a todos o acesso ao letramento, um processo de toda a vida".

(ELIANE BARDANACHVILI)

- O que levou os pesquisadores ao conceito de "letramento", em lugar do de alfabetização?

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- A palavra letramento e, portanto, o conceito que ela nomeia entraram recentemente no nosso vocabulário. Basta dizer que, embora apareça com freqüência na bibliografia acadêmica, a palavra não está ainda nos dicionários. Há, mesmo, vários livros que trazem essa palavra no título. Mas ela não foi ainda incluída, por exemplo, no recente Michaelis, Moderno Dicionário da Língua Portuguesa , de 1998, nem na nova edição do Aurélio, o Aurélio Século XXI , publicado em 1999. É preciso reconhecer também que a palavra não foi incorporada pela mídia ou mesmo pelas escolas e professores. É ainda uma palavra quase só dos "pesquisadores", como bem diz a pergunta. O mesmo não acontece com o conceito que a palavra nomeia, porque ele surge como conseqüência do reconhecimento de que o conceito de alfabetização tornou-se insatisfatório.

- Por quê?

- A preocupação com um analfabetismo funcional [terminologia que a Unesco recomendara nos anos 70, e que o Brasil passou usar somente a partir de 1990, segundo a qual a pessoa apenas sabe ler e escrever, sem saber fazer uso da leitura e da escrita], ou com o iletrismo, que seria o contrário de letramento, é um fenômeno contemporâneo, presente até no Primeiro Mundo.

- E como isso ocorre?

- É que as sociedades, no mundo inteiro, tornaram-se cada vez mais centradas na escrita. A cada momento, multiplicam-se as demandas por práticas de leitura e de escrita, não só na chamada cultura do papel, mas também na nova cultura da tela, com os meios eletrônicos, que, ao contrário do que se costuma pensar, utilizam-se fundamentalmente da escrita, são novos suportes da escrita. Assim, nas sociedades letradas, ser alfabetizado é insuficiente para vivenciar plenamente a cultura escrita e responder às demandas de hoje.

- Qual tem sido a reação a esse fenômeno lá fora?

- Nos Estados Unidos e na Inglaterra, há grande preocupação com o que consideram um baixo nível de literacy da população, e, periodicamente, realizam-se testes nacionais para avaliar as habilidades de leitura e de escrita da população adulta e orientar políticas de superação do problema. Outro exemplo é a França. Os franceses diferenciam illettrisme muito claramente illettrisme de analphabétisme . Este último é considerado problema já vencido, com exceção para imigrantes analfabetos em língua francesa. Já illettrisme surge como problema recente da população francesa. Basta dizer que a palavra illettrisme só entrou no dicionário, na França, nos anos 80. Em Portugal é recente a preocupação com a questão do letramento, que lá ganhou a denominação de literacia, numa tradução mais ao pé da letra do inglês literacy .

- O que explica o aparecimento do conceito de letramento entre nós?

- Não se trata propriamente do aparecimento de um novo conceito, mas do reconhecimento de um fenômeno que, por não ter, até então, significado social, permanecia submerso. Desde os tempos do Brasil Colônia, e até muito recentemente, o problema que enfrentávamos em relação à cultura escrita era o analfabetismo, o grande número de pessoas que não sabiam ler e escrever. Assim, a palavra de ordem era alfabetizar. Esse problema foi, nas últimas décadas, relativamente superado, vencido de forma pelo menos razoável. Mas a preocupação com o letramento passou a ter grande presença na escola, ainda que sem o reconhecimento e o uso da palavra, traduzido em ações pedagógicas de reorganização do ensino e reformulação dos modos de ensinar.

- Como o conceito de letramento, mesmo sem que se utilize este termo, vem sendo levado à prática?

- No início dos anos 90, começaram a surgir os ciclos básicos de alfabetização, em vários estados; mais recentemente, a própria lei [Lei de Diretrizes e Bases, de 1996] criou os ciclos na organização do ensino. Isso significa que, pelo menos no que se refere ao ciclo inicial, o sistema de ensino e as escolas passam a reconhecer que alfabetização, entendida apenas como a aprendizagem da mecânica do ler e do escrever e que se pretendia que fosse feito em um ano de escolaridade, nas chamadas classes de alfabetização, é insuficiente. Além de aprender a ler e a escrever, a criança deve ser levada ao domínio das práticas sociais de leitura e de escrita. Também os procedimentos didáticos de alfabetização acompanham essa nova concepção: os antigos métodos e as antigas cartilhas, baseados no ensino de uma mecânica transposição da forma sonora da fala à forma gráfica da escrita, são substituídos por

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procedimentos que levam as crianças a conviver, experimentar e dominar as práticas de leitura e de escrita que circulam na nossa sociedade tão centrada na escrita.

- Como se poderia, então, definir letramento?

- Letramento é, de certa forma, o contrário de analfabetismo. Aliás, houve um momento em que as palavras letramento e alfabetismo se alternavam, para nomear o mesmo conceito. Ainda hoje há quem prefira a palavra alfabetismo à palavra letramento - eu mesma acho alfabetismo uma palavra mais vernácula que letramento, que é uma tentativa de tradução da palavra inglesa literacy , mas curvo-me ao poder das tendências lingüísticas, que estão dando preferência a letramento. Analfabetismo é definido como o estado de quem não sabe ler e escrever; seu contrário, alfabetismo ou letramento, é o estado de quem sabe ler e escrever. Ou seja: letramento é o estado em que vive o indivíduo que não só sabe ler e escrever, mas exerce as práticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade em que vive: sabe ler e lê jornais, revistas, livros; sabe ler e interpretar tabelas, quadros, formulários, sua carteira de trabalho, suas contas de água, luz, telefone; sabe escrever e escreve cartas, bilhetes, telegramas sem dificuldade, sabe preencher um formulário, sabe redigir um ofício, um requerimento. São exemplos das práticas mais comuns e cotidianas de leitura e escrita; muitas outras poderiam ser citadas.

- Ler e escrever puramente tem algum valor, afinal?

- Alfabetização e letramento se somam. Ou melhor, a alfabetização é um componente do letramento. Considero que é um risco o que se vinha fazendo, ou se vem fazendo, repetindo-se que alfabetização não é apenas ensinar a ler e a escrever, desmerecendo assim, de certa forma, a importância de ensinar a ler e a escrever. É verdade que esta é uma maneira de reconhecer que não basta saber ler e escrever, mas, ao mesmo tempo, pode levar também a perder-se a especificidade do processo de aprender a ler e a escrever, entendido como aquisição do sistema de codificação de fonemas e decodificação de grafemas, apropriação do sistema alfabético e ortográfico da língua, aquisição que é necessária, mais que isso, é imprescindível para a entrada no mundo da escrita. Um processo complexo, difícil de ensinar e difícil de aprender, por isso é importante que seja considerado em sua especificidade. Mas isso não quer dizer que os dois processos, alfabetização e letramento, sejam processos distintos; na verdade, não se distinguem, deve-se alfabetizar letrando .

- De que forma?

- Se alfabetizar significa orientar a criança para o domínio da tecnologia da escrita, letrar significa levá-la ao exercício das práticas sociais de leitura e de escrita. Uma criança alfabetizada é uma criança que sabe ler e escrever; uma criança letrada (tomando este adjetivo no campo semântico de letramento e de letrar, e não com o sentido que tem tradicionalmente na língua, este dicionarizado) é uma criança que tem o hábito, as habilidades e até mesmo o prazer de leitura e de escrita de diferentes gêneros de textos, em diferentes suportes ou portadores, em diferentes contextos e circunstâncias. Se a criança não sabe ler, mas pede que leiam histórias para ela, ou finge estar lendo um livro, se não sabe escrever, mas faz rabiscos dizendo que aquilo é uma carta que escreveu para alguém, é letrada, embora analfabeta, porque conhece e tenta exercer, no limite de suas possibilidades, práticas de leitura e de escrita. Alfabetizar letrando significa orientar a criança para que aprenda a ler e a escrever levando-a a conviver com práticas reais de leitura e de escrita: substituindo as tradicionais e artificiais cartilhas por livros, por revistas, por jornais, enfim, pelo material de leitura que circula na escola e na sociedade, e criando situações que tornem necessárias e significativas práticas de produção de textos.

- O processo de letramento ocorre, então, mesmo entre crianças bem pequenas...

- Pode-se dizer que o processo começa bem antes de seu processo de alfabetização: a criança começa a "letrar-se" a partir do momento em que nasce numa sociedade letrada. Rodeada de material escrito e de pessoas que usam a leitura e a escrita - e isto tanto vale para a criança das camadas favorecidas como para a das camadas populares, pois a escrita está presente no contexto de ambas -, as crianças, desde cedo, vão conhecendo e reconhecendo práticas de leitura e de escrita. Nesse processo, vão também conhecendo e reconhecendo o sistema de escrita, diferenciando-o de outros sistemas gráficos (de sistemas icônicos, por exemplo), descobrindo o sistema alfabético, o sistema ortográfico. Quando chega à escola, cabe à

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educação formal orientar metodicamente esses processos, e, nesse sentido, a Educação Infantil é apenas o momento inicial dessa orientação.

- O processo de letramento ocorre durante toda a vida escolar?

- A alfabetização, no sentido que atribuí a essa palavra, é que se concentra nos primeiros anos de escolaridade. Concentra-se aí, mas não ocorre só aí: por toda a vida escolar os alunos estão avançando em seu domínio do sistema ortográfico. Aliás, um adulto escolarizado, quando vai ao dicionário, resolver dúvida sobre a escrita de uma palavra está retomando seu processo de alfabetização. Mas esses procedimentos de alfabetização tardia são esporádicos e eventuais, ao contrário do letramento, que é um processo que se estende por todos os anos de escolaridade e, mais que isso, por toda a vida. Eu diria mesmo que o processo de escolarização é, fundamentalmente, um processo de letramento.

- Em qualquer disciplina?

- Em todas as áreas de conhecimento, em todas as disciplinas, os alunos aprendem através de práticas de leitura e de escrita: em História, em Geografia, em Ciências, mesmo na Matemática, enfim, em todas as disciplinas, os alunos aprendem lendo e escrevendo. É um engano pensar que o processo de letramento é um problema apenas do professor de Português: letrar é função e obrigação de todos os professores. Mesmo porque em cada área de conhecimento a escrita tem peculiaridades, que os professores que nela atuam é que conhecem e dominam. A quantidade de informações, conceitos, princípios, em cada área de conhecimento, no mundo atual, e a velocidade com que essas informações, conceitos, princípios são ampliados, reformulados, substituídos, faz com que o estudo e a aprendizagem devam ser, fundamentalmente, a identificação de ferramentas de busca de informação e de habilidades de usá-las, através de leitura, interpretação, relacionamento de conhecimentos. E isso é letramento, atribuição, portanto, de todos os professores, de toda a escola.

- Mas seria maior a responsabilidade do professor de Português?

- É claro que o professor de Português tem uma responsabilidade bem mais específica com relação ao letramento: enquanto este é um "instrumento" de aprendizagem para os professores das outras áreas, para o professor de Português ele é o próprio objeto de aprendizagem, o conteúdo mesmo de seu ensino.

- Muitos pais reclamam do fato de, hoje, os grandes textos de literatura, nos livros didáticos, darem lugar a letras de música, rótulos de produtos, bulas de remédio. O que essa ênfase nos textos do dia-a-dia tem de positivo e o que teria de negativo?

- É verdade que o conceito de letramento, bem como a nova concepção de alfabetização que decorre dele e também das teorias do construtivismo que chegaram ao campo da educação e do ensino nos anos 80, trouxeram um certo exagero na utilização de diferentes gêneros e diferentes portadores de texto na sala de aula. É realmente lamentável que os textos literários, até pouco tempo atrás exclusivos nas aulas de Português, tenham perdido espaço. É preciso não esquecer que, exatamente porque a literatura tem, lamentavelmente, no contexto brasileiro, pouca presença na vida cotidiana dos alunos, cabe à escola dar a eles a oportunidade de conhecê-la e dela usufruir. Por outro lado, tem talvez faltado critério na seleção dos gêneros. Por exemplo: parece-me equivocado o trabalho com letras de música, que perdem grande parte de seu significado e valor se desvinculadas da melodia: é difícil apreciar plenamente uma canção de Chico Buarque ou de Caetano Veloso lendo a letra da canção como se fosse um poema, desligada ela da música que é quem lhe dá o verdadeiro sentido e a plena expressividade. Parece óbvio que devem ser priorizados, para as atividades de leitura, os gêneros que mais freqüentemente ou mais necessariamente são lidos, nas práticas sociais, e, para as atividades de produção de texto, os gêneros mais freqüentes ou mais necessários nas práticas sociais de escrita. Estes não coincidem inteiramente com aqueles, já que há gêneros que as pessoas lêem, mas nunca ou raramente escrevem, e há gêneros que as pessoas não só lêem, mas também escrevem. Por exemplo: rótulos de produtos são textos que devemos aprender a ler, mas certamente não precisaremos aprender a escrever. Assim, a adoção de critérios bem fundamentados para selecionar quais gêneros devem ser trabalhados em sala de aula, para a leitura e para a produção de textos, afastará os aspectos negativos que uma invasão excessiva e indiscriminada de gêneros e portadores sem dúvida tem.

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- A condução do processo de letramento difere, no caso de se lidar com uma criança de classe mais favorecida ou com uma de classe popular?

- Em sociedades grafocêntricas como a nossa, tanto crianças de camadas favorecidas quanto crianças das camadas populares convivem com a escrita e com práticas de leitura e escrita cotidianamente, ou seja, umas e outras vivem em ambientes de letramento. A diferença é que crianças das camadas favorecidas têm um convívio inegavelmente mais freqüente e mais intenso com material escrito e com práticas de leitura e de escrita do que as crianças das camadas populares, e, o que é mais importante, essas crianças, porque inseridas na cultura dominante, convivem com o material escrito e as práticas que a escola valoriza, usa e quer ver utilizados. Dois aspectos precisam, então, ser considerados: de um lado, a escola deve aprender a valorizar também o material escrito e as práticas de leitura e de escrita com que as crianças das camadas populares convivem; de outro lado, a escola deve dar oportunidade a essas crianças de ter acesso ao material escrito e às práticas da cultura dominante. Da mesma forma, a escola que serve às camadas dominantes deve dar oportunidade às crianças dessas camadas de conhecer e usufruir da cultura popular, tendo acesso ao material escrito e às práticas dessa cultura.

- Como deve ser a preparação do professor para que ele "letre"? Em que esse preparo difere daquele que o professor recebe hoje?

- Entendendo a função do professor, de qualquer nível de escolaridade, da Educação Infantil à educação pós-graduada, como uma função de letramento dos alunos em sua área específica, o professor precisa, em primeiro lugar, ser ele mesmo letrado na sua área de conhecimento: precisa dominar a produção escrita de sua área, as ferramentas de busca de informação em sua área, e ser um bom leitor e um bom produtor de textos na sua área. Isso se refere mais particularmente à formação que o professor deve ter no conteúdo da área de conhecimento que elegeu. Mas é preciso, para completar uma formação que o torne capaz de letrar seus alunos, que conheça o processo de letramento, que reconheça as características e peculiaridades dos gêneros de escrita próprios de sua área de conhecimento. Penso que os cursos de formação de professores, em qualquer área de conhecimento, deveriam centrar seus esforços na formação de bons leitores e bons produtores de texto naquela área, e na formação de indivíduos capazes de formar bons leitores e bons produtores de textos naquela área.

(Jornal do Brasil - 26/11/2000)

Magda Soares é membro do Ceale - Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Faculdade de Educação da UFMG e uma das mai respeitadas pesquisadoras da área de linguagem e educação do país. É autora, entre outros, do livro "Letramento: um tema em três gêneros", da Autêntica Editora Comunicação & Marketing.

"Alfabetização e letramento se somam" Atualmente, para exercer plenamente o seu papel de cidadão, o indivíduo precisa saber não só como decifrar palavras, mas também fazer usos progressivamente mais amplos e complexos da leitura e da escrita. Cada vez mais, as situações de comunicação envolvem as sutilezas da intertextualidade, por exemplo. Ao ler um texto, se o leitor não relaciona o que lê com outros textos a ele ligados, tem uma apropriação muito reduzida de seus significados mais profundos.

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Neste contexto de amplas e complexas exigências, o trabalho com a alfabetização, entendido como aprendizagem mecânica da transposição da forma sonora da fala à forma gráfica da escrita – um mero "código" — tornou-se insatisfatório e levou à elaboração, pelos estudiosos, do conceito de letramento.

É importante lembrar que o conceito de letramento, tal como é entendido por Magda Soares e outros, não elimina o conceito de alfabetização; ao contrário, o inclui. Mas, nessa inclusão, está implícita a mudança da compreensão do que é língua. Para os pesquisadores que adotam o conceito de letramento, língua não é apenas código de transposição da fala para a escrita, nem é apenas sistema de representação da fala na escrita, nem apenas sistema de normas e regras para bem escrever. Língua é principalmente discurso, isto é, o conjunto de nossos diferentes modos de dizer, de nos comunicarmos. Esses diferentes modos de dizer o que pensamos formam o conjunto de infinitos gêneros textuais que usamos para nos comunicar em todos os momentos da vida, sem exclusão de nenhum deles.

É importante ressaltar que Magda Soares não opõe o conceito de letramento ao de alfabetização. Como afirma a autora, “Alfabetização e letramento se somam. Ou melhor, a alfabetização é um componente do letramento. Considero que é um risco o que se vinha fazendo, ou se vem fazendo, repetindo-se que alfabetização não é apenas ensinar a ler e a escrever, desmerecendo assim, de certa forma, a importância de ensinar a ler e a escrever. É verdade que esta é uma maneira de reconhecer que não basta saber ler e escrever, mas, ao mesmo tempo, pode levar também a perder-se a especificidade do processo de aprender a ler e a escrever, entendido como aquisição do sistema de codificação de fonemas e decodificação de grafemas, apropriação do sistema alfabético e ortográfico da língua, aquisição que é necessária, mais que isso, é imprescindível para a entrada no mundo da escrita.”.

A história de Bartolomeu Campos de Queirós, lida na oficina anterior, nos mostra que o processo de letramento é iniciado bem antes do processo de alfabetização escolar: a criança começa seu processo de letramento a partir do momento em que nasce em uma sociedade letrada, rodeada de material escrito e de pessoas que usam a leitura e a escrita, mesmo que seus familiares não dêem muita importância a isso. Por esse motivo, nenhuma criança que nasce numa sociedade letrada chega à escola com “grau zero” de conhecimento da escrita. Assim, as aulas ganharão eficiência se partirem do que as crianças sabem para o que elas não sabem. Por exemplo, muitos professores usam rótulos de embalagem que as crianças já sabem ler para refletir com elas sobre a base alfabética usada na composição das palavras da embalagem. Essa é uma boa estratégia, porque considera conhecimentos apropriados de forma não escolar como ponto de partida para a construção de conhecimentos a partir das práticas escolares.

É importante considerar, além disso, que o letramento não acontece apenas nos primeiros anos de vida, nem nos primeiros anos da escola. É um processo que se estende por todos os anos de escolaridade, na escola e fora dela, e, mais que isso, por toda a vida.

Sendo assim, promover a ampliação do grau de letramento do aluno é uma tarefa não só dos professores das séries iniciais ou do professores de Língua Portuguesa. Como nos lembra a entrevistada, “letrar é função e obrigação de todos os professores. Mesmo porque, em cada área de conhecimento, a escrita tem peculiaridades que os professores que nela atuam é que conhecem e dominam”.

Partindo desse princípio, é fundamental que todos os educadores comprometidos com a aprendizagem de seus alunos considerem que o letramento deles também é sua responsabilidade.

Para saber mais Sugerimos a leitura de outros textos de Magda Soares, nos quais a autora discute mais detalhadamente a diferença entre letramento e alfabetização e aprofunda a reflexão sobre o estado e a condição de sociedades e sujeitos letrados. Para acessar, clique nos links abaixo.

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Letramento e Alfabetização: as muitas facetas Letramento: um tema em três gêneros

Letramento e Alfabetização: as muitas facetas

Autora: Magda Becker Soares Professora titular emérita da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autora de diversos livros sobre o ensino de Português

Onde encontrar: Portal da ANPED

RESENHA Letramento é um termo cada vez mais corrente no Brasil. Mas em que difere de alfabetização? Nesse artigo, a professora Magda Soares defende que, embora sejam conceitos diferentes, letramento e alfabetização são dois processos que devem ser trabalhados simultaneamente na escola.

Primeiramente, a autora explica que esses dois conceitos apresentam diferenças fundamentais, pois estão relacionados com concepções distintas de ensino de língua.

Letramento aparece sempre ligado à compreensão de leitura e escrita como práticas sociais, que privilegia a visão de língua que usamos a todo instante quando nos comunicamos. Alfabetização está ligada à concepção de escrita como sistema ordenado pelas regras gramaticais, ou mesmo de escrita como código, que é preciso decifrar.

A autora afirma que, no Brasil, há um progressivo uso do conceito de letramento para denominar os processos que levam as pessoas a terem um domínio adequado da leitura e da escrita. Como exemplo, ela cita as matérias publicadas na mídia, nas quais se considera que ser alfabetizado é mais do que saber ler e escrever um simples bilhete, condição que até algum tempo tida como satisfatória para tirar uma pessoa da lista dos analfabetos.

Apesar de considerar essas diferenças, a autora defende a indissociabilidade de alfabetização e letramento. Ou seja, a escola deve trabalhar com os dois processos simultaneamente para evitar o fracasso escolar. Não basta apenas alfabetizar, isto é, ensinar os aspectos da língua como código, também é preciso trabalhar a língua em seus usos sociais.

Ela explica que, anteriormente, o fracasso escolar estava relacionado ao fato de a escola privilegiar apenas o processo de alfabetização. O ensino de língua tinha como base a relação entre o sistema fonológico e o gráfico, ou seja, entre os sons que pronunciamos e as letras que usamos para registrar esses sons.

Por outro lado, atualmente, muitas vezes o ensino da língua como sistema fonológico e gráfico é deixado de lado, causando da mesma forma o fracasso escolar, ainda que por motivos diferentes.

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01/06/2005

O que é letramento e alfabetização

Neste texto, vamos discutir conceitos e, portanto, palavras, ou, se quiserem, vamos discutir palavras e, portanto, conceitos: os conceitos alfabetização e letramento, as palavras alfabetização e letramento.

Em um primeiro momento, gostaria de fazer um "passeio" pelo campo semântico em que se inserem essas palavras, esses conceitos. São palavras de uso comum, conhecidas, exceto talvez letramento, palavra ainda desconhecida ou mal entendida, ou ainda não plenamente compreendida pela maioria das pessoas, porque é palavra que entrou na nossa língua há muito pouco tempo.

ALFABETIZAÇÃO

ALFABETIZAR ALFABETIZADO

ANALFABETISMO ANALFABETO

LETRAMENTO

LETRADO ILETRADO

ALFABETISMO

Não precisamos definir essas palavras, porque estamos familiarizados com elas, talvez com exceção apenas da palavra letramento. Mas vou me deter nelas para conduzir nossa reflexão em direção ao sentido de letramento.

Vejamos as definições que aparecem no dicionário Aurélio:

analfabetismo: estado ou condição de analfabeto

a(n) + alfabet + ismo

-izar:

sufixo,

indica: tornar, fazer com que.

Exemplos:

suavizar: tornar suave;

industrializar: tornar industrial

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Alfabetizar é tornar o indivíduo capaz de ler e escrever.

Alfabetização: ação de alfabetizar

Alfabet + iza(r) + ção

-ção:sufixo que forma substantivos

indica: ação

Exemplos:

traição: ação de trair

nomeação: ação de nomear

Alfabetização é a ação de alfabetizar, de tornar "alfabeto".

Causa estranheza o uso desa palavra "alfabeto", na expressão "tornar alfabeto". É que dispomos da palavra analfabeto, mas

não temos o contrário dela: temos a palavra negativa, mas não temos a palavra positiva.

É no campo semântico dessas palavras que conhecemos bem - analfabetismo, analfabeto, alfabetização, alfabetizar - que surge a palavra letramento. Como surgiu essa palavra e o que quer ela dizer?

LETRAMENTO?

Conhecemos as palavras letrado e iletrado:

Letrado: versado em letras, eruditoiletrado: que não tem conhecimentos literários

uma pessoa letrada = uma pessoa erudita, versada em letras (letras significando literatura, línguas)

uma pessoa iletrada = uma pessoa que não tem conhecimentos literários, que não é erudita; analfabeta, ou quase analfabeta.

O sentido que temos atribuído aos adjetivos letrado e iletrado não está relacionado com o sentido da palavra letramento.

A palavra letramento ainda não está dicionarizada, porque foi introduzida muito recentemente na língua portuguesa, tanto que quase podemos datar com precisão sua entrada na nossa língua, identificar quando e onde essa palavra foi usada pela primeira vez.

Parece que a palavra letramento apareceu pela primeira vez no livro de Mary Kato: No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística, de 1986.

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A palavra letramento não é, como se vê, definida pela autora e, depois dessa referência, é usada várias vezes no livro; foi, provavelmente, essa a primeira vez que a palavra letramento apareceu na língua portuguesa - 1986.

Depois da referência de Mary Kato, em 1986, a palavra letramento aparece em 1988, no livro que, pode-se dizer, lançou a palavra no mundo da educação, dedica páginas à definição de letramento e busca distinguir letramento de alfabetização: é o livro Adultos não alfabetizados - o avesso do avesso, de Leda Verdiani Tfouni (São Paulo, Pontes, 1988, Coleção Linguagem/Perspectivas) um estudo sobre o modo de falar e de pensar de adultos analfabetos.

Mais recentemente, a palavra tornou-se bastante corrente, aparecendo até mesmo em título de livros, por exemplo: Os significados do letramento, coletânea de textos organizada por Ângela Kleiman, (Campinas, Mercado das Letras, 1995) e Alfabetização e letramento, da mesma Leda Verdiani Tfouni, anteriormente mencionada (São Paulo, Cortez, 1995, Coleção Questões de nossa época).

Na busca de esclarecer o que seja letramento, talvez seja interessante refletirmos sobre o seguinte: vivemos séculos sem precisar da palavra letramento; a partir dos anos 80, começamos a precisar dessa palavra, inventamos essa palavra - por quê, para quê?

Por que aparecem palavras novas na língua?

Resposta:

Na língua sempre aparecem palavras novas quando fenômenos novos ocorrem, quando uma nova idéia, um novo fato, um novo objeto surgem, são inventados, e então é necessário ter um nome para aquilo, porque o ser humano não sabe viver sem nomear as coisas: enquanto nós não as nomeamos, as coisas parecem não existir.

Um exemplo:

hoje em dia se usa com muita freqüência a palavra globalização, abrimos o jornal e lá está a palavra globalização; poucos anos

atrás, ninguém usava essa palavra, não no sentido com que a estamos usando

atualmente. Por que surgiu a palavra globalização( Porque surgiu um fenômeno novo na economia mundial, e foi preciso

dar um nome a esse fenômeno novo -surge assim a palavra nova.

Portanto: o termo letramento surgiu porque apareceu um fato novo para o qual precisávamos de um nome, um fenômeno que não existia antes, ou, se existia, não nos dávamos conta dele e, como não nos dávamos conta dele, não tínhamos um nome para ele.

Três perguntas precisam agora ser respondidas:

Qual é o significado dessa palavra letramento?

Por que surgiu essa nova palavra, letramento?

Onde fomos buscar essa nova palavra, letramento?

Comecemos por responder à última pergunta.

Onde fomos buscar a palavra letramento?

Na verdade, a palavra letramento é uma tradução para o Português da palavra inglesa literacy; os dicionários definem assim essa palavra:

literacy = the condition of being literate

littera + cy

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palavra latina = letra-cy: sufixo, indica qualidade, condição, estado. Exemplo: innocency: condição de inocente.

Traduzindo a definição acima, literacy é "a condição de ser letrado" - dando à palavra letrado" sentido diferente daquele que vem tendo em português. Em inglês, o sentido de literate é:

literate: educated; especially able to read and write (educado; especificamente, que tem a habilidade de ler e escrever)

Literate é, pois, o adjetivo que caracteriza a pessoa que domina a leitura e a escrita, e literacy designa o estado ou condição daquele que é literate, daquele que não só sabe ler e escrever, mas também faz uso competente e freqüente da leitura e da escrita.

Há, assim, uma diferença entre saber ler e escrever, ser alfabetizado, e viver na condição ou estado de quem sabe ler e escrever, ser letrado (atribuindo a essa palavra o sentido que tem literate em inglês). Ou seja: a pessoa que aprende a ler e a escrever - que se torna alfabetizada - e que passa a fazer uso da leitura e da escrita, a envolver-se nas práticas sociais de leitura e de escrita - que se torna letrada - é diferente de uma pessoa que ou não sabe ler e escrever - é analfabeta - ou, sabendo ler e escrever, não faz uso da leitura e da escrita - é alfabetizada, mas não é letrada, não vive no estado ou condição de quem sabe ler e escrever e pratica a leitura e a escrita.

O adjetivo letrado, e seu feminino letrada serão usados no restante deste texto com um significado que não é o que têm (por enquanto) nos dicionários: serão usados para caracterizar a pessoa que, além de saber ler e escrever, faz uso freqüente e competente da leitura e da escrita. Serão usados também os adjetivos iletrado/iletrada como seus antônimos.

Estado ou condição: essas palavras são importantes para que se compreendam as diferenças entre analfabeto, alfabetizado e letrado; o pressuposto é que quem aprende a ler e a escrever e passa a usar a leitura e a escrita, a envolver-se em práticas de leitura e de escrita, torna-se uma pessoa diferente, adquire um outro estado, uma outra condição.

Socialmente e culturalmente, a pessoa letrada já não é a mesma que era quando analfabeta ou iletrada, ela passa a ter uma outra condição social e cultural - não se trata propriamente de mudar de nível ou de classe social, cultural, mas de mudar seu lugar social, seu modo de viver na sociedade, sua inserção na cultura - sua relação com os outros, com o contexto, com os bens culturais torna-se diferente.

Há a hipótese de que tornar-se letrado é também tornar-se cognitivamente diferente: a pessoa passa a ter uma forma de pensar diferente da forma de pensar de uma pessoa analfabeta ou iletrada.

Tornar-se letrado traz, também, conseqüências lingüísticas: alguns estudos têm mostrado que o letrado fala de forma diferente do iletrado e do analfabeto; por exemplo: pesquisas que caracterizaram a língua oral de adultos antes de serem alfabetizados, e a compararam com a língua oral que usavam depois de alfabetizados, concluíram que, após aprender a ler e a escrever, esses adultos passaram a falar de forma diferente, evidenciando que o

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convívio com a língua escrita teve como conseqüências mudanças no uso da língua oral, nas estruturas lingüísticas e no vocabulário.

Enfim: a hipótese é que aprender a ler e a escrever e, além disso, fazer uso da leitura e da escrita transformam o indivíduo, levam o indivíduo a um outro estado ou condição sob vários aspectos: social, cultural, cognitivo, lingüístico, entre outros.

Tentamos responder, até aqui, a uma das três perguntas anterior. Busquemos, agora, a resposta à primeira pergunta.

Finalmente, uma definição de letramento

Chegamos finalmente à palavra e ao conceito letramento:

letra + mento

forma portuguesa da palavra latina littera

-mento: sufixo, indica resultado de uma ação. Exemplo: ferimento = resultado da ação de ferir.

Portanto: letramento é o resultado da ação de "letrar-se", se dermos ao verbo "letrar-se" o sentido de "tornar-se letrado".

Por que surgiu a palavra letramento?

A palavra analfabetismo nos é familiar, usamos essa palavra há séculos, ela já está presente em textos do tempo em que éramos Colônia de Portugal. É um fenômeno interessante: usamos, há séculos, o substantivo que nega (recorde a análise da palavra analfabetismo na página 2: a(n) + alfabetismo = privação de alfabetismo), e não sentíamos necessidade do substantivo que afirmasse: alfabetismo ou letramento. Por que só agora, no fim do século XX, a palavra letramento se tornou necessária?

Palavras novas aparecem quando novas idéias ou novos fenômenos surgem. Convivemos com o fato de existirem pessoas que não sabem ler e escrever, pessoas analfabetas, desde o Brasil Colônia, e ao longo dos séculos temos enfrentado o problema de alfabetizar, de ensinar as pessoas a ler e escrever; portanto: o fenômeno do estado ou condição de analfabeto nós o tínhamos (e ainda temos...), e por isso sempre tivemos um nome para ele: analfabetismo.

À medida que o analfabetismo vai sendo superado, que um número cada vez maior de pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que, concomitantemente, a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na escrita (cada vez mais grafocêntrica), um novo fenômeno se evidencia: não basta apenas aprender a ler e a escrever. As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não ncessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita: não lêem livros, jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma declaração, não sabem preencher um formulário, sentem dificuldade para escrever um simples telegrama, uma carta, não conseguem encontrar informações num catálogo telefônico, num contrato de trabalho, numa conta de luz, numa bula de remédio... Esse novo fenômeno só ganha visibilidade

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depois que é minimamente resolvido o problema do analfabetismo e que o desenvolvimento social, cultural, econômico e político traz novas, intensas e variadas práticas de leitura e e de escrita, fazendo emergirem novas necessidades, além de novas alternativas de lazer. Aflorando o novo fenômeno, foi preciso dar um nome a ele: quando uma nova palavra surge na língua, é que um novo fenômeno surgiu e teve de ser nomeado. Por isso, e para nomear esse novo fenômeno, surgiu a palavra letramento.

Compreendido o que é letramento, por que surgiu a palavra letramento, qual a origem da palavra letramento, pode-se voltar à diferença entre letramento e alfabetização:

Alfabetização = ação de ensinar/aprender a ler e a escrever

Letramento = estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita

cultiva = dedica-se a atividades de leitura e escrita

exerce = responde às demandas sociais de leitura e escrita

Precisaríamos de um verbo "letrar" para nomear a ação de levar os indivíduos ao letramento... Assim, teríamos alfabetizar e letrar como duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado.

Alfabetizado e/ou letrado - uma nova pergunta se impõe.

Como diferenciar o apenas alfabetizado do letrado?

Eacute; difícil a resposta a essa pergunta, porque letramento envolve dois fenômenos bastante diferentes, a leitura e a escrita, cada um deles muito complexo, pois constituído de uma multiplicidade de habilidades, comportamentos, conhecimentos:

Ler

É um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente decodificar sílabas ou palavras até ler Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa... uma pessoa pode ser capaz de ler um bilhete, ou uma história em quadrinhos, e não ser capaz de ler um romance, um editorial de jornal... Assim: ler é um conjunto de habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum: em que ponto desse continuum uma pessoa deve estar, para ser considerada alfabetizada, no que se refere à leitura? A partir de que ponto desse continuum uma pessoa pode ser considerada letrada, no que se refere à leitura?

Escrever

É também um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente escrever o próprio nome até escrever uma tese de doutorado... uma pessoa pode ser capaz de escrever um bilhete, uma carta, mas não ser capaz de escrever uma argumentação defendendo um ponto de

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vista, escrever um ensaio sobre determinado assunto... Assim: escrever é também um conjunto de habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum: em que ponto desse continuum uma pessoa deve estar, para ser considerada alfabetizada, no que se refere à escrita? A partir de que ponto desse continuum uma pessoa pode ser considerada letrada, no que se refere à escrita?

Conclui-se que há diferentes tipos e níveis de letramento, dependendo das necessidades, das demandas do indivíduo e de seu meio, do contexto social e cultural.

analfabeto e alfabetizado, alfabetizado e letrado:

conceitos imprecisos

Eleições de 1996. O jornal Folha de S.Paulo em 19 de julho de 1996 publica a seguinte notícia:

Candidaturas são impugnadas após teste de alfabetização

O juiz eleitoral de Itapetininga, Jairo Sampaio Incane Filho, 38, impugnou 20 dos 80 candidatos a prefeito e vereador das cidades de Itapetininga, Sarapuí e Alambari, na região de Sorocaba (87 km a oeste de São Paulo).

A impugnação foi motivada pelo fato de os candidatos terem sido reprovados em um teste de alfabetização realizado pelo juiz, no Fórum de Itapetininga.

Incane Filho disse que fez o texto com base na exigência contida na Lei Complementar nº 64/90, de 1992, do TRE (Tribunal Regional Eleitoral), que proíbe analfabetos de serem candidatos a cargos eletivos.

O juiz afirmou que convocou os 80 candidatos que disseram ter o 1º grau completo e nistraram dificuldades no preenchimento dos documentos para o registro de suas candidaturas.

Os testes com os candidatos foram feitos individualmente. Seus nomes são mantidos em sigilo. "Pedi a todos que lessem e interpretassem um texto de um jornal infantil. Em seguida, pedi que cada um redigisse um texto expondo sua lógica", disse.

Segundo incane Filho, erros gramaticais não foram levados em conta. "Apenas observei se o candidato tem condições de entender um texto, pois uma vez eleito, ele vai ter de trabalhar com leis e documentos."

A assessoria de imprensa do TRE informou que o tribunal transmitiu uma recomendação aos juízes para que "em caso de dúvida", façam "um teste de alfabetização" nos candidatos.

Baseado numa lei que "proíbe analfabetos de serem candidatos a cargos eletivos", o juiz submeteu candidatos a prefeito e a vereador a "um teste de alfabetização".

Que razões levaram o juiz a supor que 80 candidatos eram analfabetos?

Duas razões:

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1ª) tinham 1° grau incompleto

2ª) mostraram dificuldades no preenchimento dos documentos para o registro de suas candidaturas

Portanto: para o juiz, um alfabetizado seria alguém que tivesse o 1° grau completo e preenchesse formulários sem dificuldades.

Letramento, uma tarefa de toda a escola São muitas as possibilidades de desenvolver práticas de letramento no dia-a-dia da sala de aula. É possível pensarmos em várias atividades neste sentido, contudo, é fundamental reconhecer o letramento enquanto processo e como tarefa e responsabilidade de toda a equipe escolar, ou seja, não devemos pensar apenas em algumas atividades isoladas e sem continuidade, mas é preciso incluir práticas de letramento nos planejamentos de todas as séries e como diretriz do projeto pedagógico da escola.

O grau de significação de uma atividade de alfabetização ou letramento é maior quando essas atividades estão associadas a algum projeto. Por exemplo, se as crianças estiverem aprendendo sobre animais, é muito interessante ler verbetes de enciclopédia com elas. Elas verão que o que desejam saber está escrito e, portanto, precisam ler. Organizar o nome dos animais pesquisados em uma lista, por ordem alfabética, e depois decifrar cada um dos nomes, levantando com as crianças as regularidades alfabéticas e silábicas presentes neles, é um interessante exercício de alfabetização.

Propor a escrita de pequenos verbetes sobre animais ao final do projeto e levar uma turma para ler para outras os verbetes produzidos dá grande significação aos atos de ler e escrever.

Concluindo, se oferecermos contato com gêneros não escolares na escola, precisamos sempre associá-los com atividades de aprendizagem mais amplas, para que ganhem significado. No caso das séries iniciais, muitas das atividades com gêneros textuais, escolares ou não, precisam incluir atividades de alfabetização.

Para saber mais Os textos abaixo, publicados em nossa Comunidade Virtual, podem ampliar e complementar esta discussão. Lia Scholze, coordenadora do Programa Escola de Gestores do Inep/MEC, convida seus leitores a refletir sobre letramento como ferramenta fundamental para o desenvolvimento do país e relata diversas experiências interessantes neste sentido. Letramento e Desenvolvimento Nacional

Texto A

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Texto B

Estes textos foram elaborados pela nossa equipe como exemplos de textos produzidos por crianças de 1ª série. Para produzi-los, lemos e analisamos diversas produções, selecionamos as mais interessantes para esta nossa discussão e elaboramos os textos exemplos.

Etapa 2 - Exposição das análises de cada subgrupo e elaboração de uma síntese do grupo (tempo previsto: 20’)

Peça que, inicialmente, cada subgrupo exponha as considerações sobre cada um dos textos. Levante com o grupo os pontos que coincidem e os que não coincidem nas análises feitas, promovendo uma troca de idéias.

Conhecimentos revelados O autor do texto A revela que possui vários conhecimentos sobre a leitura e a escrita. Já está alfabetizado, ou seja, sabe utilizar as letras levando em conta também a ortografia e a pontuação, de acordo com as regras do sistema (embora ainda não as domine completamente). Ele domina bem o gênero composição escolar para crianças em início de alfabetização, um texto cujo modelo está presente em inúmeras cartilhas escolares. Isso pode revelar que esta criança tem pouca experiência com textos que circulam fora da escola (reportagens, contos, notícias etc.). Mas, por outro lado, o texto analisado pode revelar que a criança sabe que, nas práticas de letramento da escola que freqüenta, esse é o tipo de texto valorizado, e que o escreveu de acordo com as orientações e expectativas de sua professora. Muitos de nós tivemos contatos com diferentes gêneros textuais antes da escolarização, mas sabíamos que na escola tínhamos que escrever de acordo com a expectativa dos professores. Afinal, ao escrever, o autor do texto sempre escreve para leitores muito específicos e organiza seu texto para atrair esses leitores.

O autor do texto B também revela que já tem muitos conhecimentos, embora não os mesmos demonstrados pela criança A, pois ainda não domina totalmente o modo de passar para a escrita o que ouve, desconhece a relação correta entre fonemas e grafemas e ainda não conhece muitas regras

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de ortografia, mas revela alguns conhecimentos do gênero textual que escreve, o que é indício de contato com outros gêneros textuais escritos não escolares.

Esta criança já sabe que o texto é um conto popular e elabora seu texto de acordo com marcas desse gênero, como o uso do “Era uma vez...", da descrição da aparência da personagem, de algum vocabulário típico do gênero, da quebra da situação inicial de tranqüilidade comum a esse tipo de conto, assim como da fórmula final do gênero “E todos foram felizes para sempre”. A criança autora do texto B conhece, embora ainda não domine completamente, um gênero que circula não só na escola, mas também fora dela. Porém, a rigor, não podemos afirmar que esse conhecimento foi constituído apenas em casa ou apenas na escola.

Evidentemente, para chegarmos a uma conclusão mais definitiva, além das evidências mais objetivas que os textos trazem, seria preciso conhecer melhor estas crianças e analisar várias de suas produções. Mas, como dissemos ao propor a tarefa, este é apenas um exercício para nos ajudar a pensar que é preciso alfabetizar letrando, ou seja, ensinar a criança a ler e a escrever para além dos modelos “cartilhescos” que utilizam uma linguagem que pouco circula fora da escola e que pode ter pouca significação para quem aprende, por não estar ligada a experiências anteriores e paralelas de leitura e escrita que a criança possui.

É importante lembrar, nesse caso, que ir ao supermercado, tomar ônibus, ouvir leituras da Bíblia num culto, ver propagandas na TV, ler textos de cartilha ou outros textos escolares, tudo isso se constitui em eventos de letramento. O importante é associar atividades de leitura e escrita escolares, especialmente aquelas de alfabetização (tão necessárias no início da escolarização, mesmo para crianças cujas famílias tenham maior grau de letramento), com outros gêneros não escolares significativos para as crianças.