Alfabetização Livro do professor-

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    L I V R O DOP R O F E S S O R

    MINISTRIO DA EDUCAO FUNDESCOLA

    /PROJETO NORDESTE/SECRETARIA DE ENSINO FUNDAMENTALBRASLIA, 2000

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    PresidenteFernando Henrique Cardoso

    Ministro da EducaoPaulo Renato Souza

    Secretria do Ensino FundamentalIara Glria Areias Prado

    Fundo de Fortalecimento da Escola - Direo GeralAntnio Emlio Sendim Marques

    Coordenao Escola AtivaFernando Pizza

    Elaborao: Ana Rosa Abreu, Claudia Rosenberg Aratangy, Eliane Mingues,Marlia Costa Dias, Marta Durante e Telma Weisz.

    Texto final: Denise Oliveira

    Projeto grfico e edio de arte: Alex Furini e Jos Rodolfo de Seixas

    Reviso: Elzira Arantes

    Alfabetizao - Livro do professor 2000 Projeto Nordeste/Fundescola/Secretaria de Ensino Fundamental

    Qualquer parte desta obra poder ser reproduzida desde que atada a fonte.

    Alfabetizao : livro do professor / Ana Rosa Abreu ... [et ai.]. Braslia :

    FUNDESCOLA/SEF-MEC, 2000.

    176p.

    1. Alfabetizao. 2. Ensino fundamental. 3. Escola pblica I. Abreu, Ana Rosa II.

    Aratangy, Claudia Rosenberg III. Mingues, Eliane IV. Dias, Marilia Costa V. Durante,

    Marta VI. Weisz, Telma VII. FUNDESCOLA VIII. MEC-SEF

    CDD 379.24

    Este matenal foi inspirado nos mdulos do projeto Escola de Corpo e Alma" produzidopela equipe pedaggica da Prefeitura de Salvador em 1996.

    Esta obra foi editada para atender a objetivos dos ProgramasProjetos de educao Bsica para oNordesleeFUNDBCOtA,emConformidade com os Acordos de Emprestimos nmeros 3663BR e 4311 BR como Banco Mundial, no mbito do Projeto

    BRA95/013 di PNDU- programa das Noes Unidas para oDesenvolvimento

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    ndice

    Apresentao 5

    O que precisa saber quem alfabetiza 7

    Alfabetizao e letramento 7

    Como se aprende a ler e escrever 10

    O que est escrito e o que se pode ler 24

    Aprender a ler: um pouco de histria 32

    As ideias, concepes e teorias que sustentam a prtica de

    qualquer professor, mesmo quando ele no tem conscinciadelas. 35

    O que propor na sala de aula... 59

    O que so: poemas, canes, cantigas de roda, adivinhas, trava-lnguas, parlendas e quadrinhas 59

    fundamental lembrar 63

    Situaes de aprendizagem 63

    Exemplos de atividades 69O que so: contos de fadas, mitos, lendas e fbulas 75

    fundamental lembrar 80

    Situaes de aprendizagem 80

    Exemplos de atividades 85

    O que so: textos informativos, textosinstrucionais e biografias 92

    fundamental lembrar 96

    Situaes de aprendizagem 97

    Exemplos de atividades 101

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    O que so: listas, cartas e bilhetes 105

    fundamental lembrar 108

    Situaes de aprendizagem 109

    Exemplos de atividades 112 Como planejar as

    atividades de alfabetizao 119

    Bibliografia comentada 151

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    APRESENTAO

    Caro professor,

    Este livro foi feito com o intuito de ajud-lo a planejar boasatividades de alfabetizao. composto de duas partes: aprimeira, "O que precisa saber quem alfabetiza", mais terica,deve ajud-lo a compreender melhor o processo pelo qualpassam seus alunos quando esto aprendendo a ler e escrever. Asegunda, uO que propor em sala de aula", mais prtica, contminformaes, explicaes, exemplos sobre diferentes tipos detextos e suas possibilidades de uso em sala de aula alm de umtexto especfico sobre planejamento e uma bibliografiacomentada.

    Tanto a primeira quanto a segunda no se esgotam aqui, ouseja, interessante que voc procure se aprofundar nos temastratados, estudando a bibliografia indicada. E importante que

    voc amplie, reestruture e invente situaes de aprendizagemem alfabetizao.

    Seus alunos esto recebendo 3 volumes que contm osvrios tipos de textos que esto sendo abordados aqui. Noesquea que cada regio, cada cidade, cada lugar tem suascantigas, canes, lendas etc. Portanto esta coletnea pode serampliada por voc e por eles.

    Esperamos que este material possa contribuir com seutrabalho.

    Mos obra!

    EQUIPE DA SEF

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    O QUE PRECISA

    SABER QUEM ALFABETIZA

    Alfabetizao e letramento da tradio pedaggica brasileira considerar a alfabetizaocomo uma etapa escolar anterior ao ensino da lngua

    portuguesa.Estudos e pesquisas dos ltimos vinte anos1 tm mostrado

    que as prticas que centram a alfabetizao apenas namemorizao das correspondncias entre sons e letras em-pobrecem a aprendizagem da lngua, reduzindo-a a um conjuntode sons a serem representados por letras. Em funo disso, essaviso mais tradicional da alfabetizao vem sendo questionada.Isso no significa que no seja necessrio aprender as letras e ossons correspondentes. Significa que isto apenas uma parte docontedo da alfabetizao. A alfabetizao uma aprendizagemmais ampla e complexa do que o "b-a-b". Esta concepoampliada do contedo da alfabetizao acabou por levar a umaorientao pedaggica na qual, alm de aprender sobre as letras,os alunos aprendem sobre os diversos usos e as formas da lnguaque existem num mundo onde a escrita um meio essencial decomunicao.

    Para ensinar os usos e as formas da lngua para se escreverem portugus, necessrio, sempre que possvel, faz-lo emsituaes comunicativas. Significa ter como unidade de ensino a

    unidade funcional da lngua: o texto.

    Ver bibliografia anexa.

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    Significa tambm trazer para dentro da escola a diversidade textual

    que existe fora dela, abrindo assim, para nossos alunos, as portas do

    mundo letrado.E o que vem a ser isso de "letramento"? Segundo os Parmetros

    Curriculares Nacionais:

    Letramento, aqui, entendido enquanto produto da participaoem prticas sociais que usam a escrita como sistema simblico etecnologia. So prticas discursivas que precisam da escrita paratorn-las significativas, ainda que s vezes no envolvam as ativi-dades especficas de ler ou escrever. Dessa concepo decorre o

    entendimento de que. nas sociedades urbanas modernas, no existegrau zero de letramento pois nelas impossvel no participar, dealguma forma, de algumas dessas prticas.

    Isto significa que as pessoas que vivem e trabalham nas cidades,

    mesmo quando so analfabetas, tm sempre algum conhecimento

    sobre as prticas sociais letradas. Por exemplo: um analfabeto que

    vive na cidade sabe que para descobrir para onde vai um nibus

    preciso ler o nome ou o nmero dele, e apesar de no saber ler acaba

    descobrindo formas de resolver seus problemas de transporte: seja

    pedindo a algum que leia, seja memorizando o nmero. Mas para

    poder participar realmente do mundo letrado, preciso muito mais que

    isso. preciso, por exemplo, poder ler jornais e livros. Tornar-se

    capaz de aprender coisas atravs da leitura. Costumvamos pensar que

    bastava ser capaz de decodificar para poder ler qualquer coisa. Hoje

    sabemos que no bem assim. Para ler jornais ou outros textos de uso

    social preciso conhecer no s as letras. mas tambm o tipo de

    linguagem em que so escritos. Para poder compreender o que se est

    lendo - e no apenas fazer barulho com a boca como um papagaio -

    necessrio

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    construir uma familiaridade com a linguagem que se usa para escrever cada

    gnero.

    Mas o que isso de "gnero"? Segundo os Parmetros CurricularesNacionais:

    Todo texto se organiza dentro de um determinado gnero. Os vrios

    gneros existentes, por sua vez, constituem formas relativamente

    estveis de enunciados (...). Podemos ainda afirmar que a noo de

    gneros refere-se a "famlias" de textos que compartilham algumas

    caractersticas comuns (...).

    Os gneros so determinados historicamente. As intenes

    comunicativas (...) geram usos sociais que determinam os gneros. os

    quais do forma aos textos. por isso que, quando um texto comea

    com "era uma vez", ningum duvida de que est diante de um conto,

    porque todos conhecem esse gnero. Diante da expresso "senhoras e

    senhores", a expectativa ouvir um pronunciamento pblico ou uma

    apresentao de espetculo, pois sabe-se que nesses gneros o texto,

    inequivocamente, tem essa frmula inicial. Do mesmo modo,

    podemos reconhecer outros gneros como: cartas, reportagens,

    anncios, poemas etc.

    Portanto, alm do conhecimento sobre as letras, o professorprecisa ensinar a seus alunos, ao mesmo tempo, a linguagem quese usa para escrever os diferentes gneros. E a forma de ensinarisso trazendo para dentro da sala de aula a diversidade textualque existe fora. lendo para eles - em situaes onde essaleitura faa sentido - os mais variados textos. Principalmentepara os alunos de escolas rurais que, com frequncia, no tmquase nenhum contato com textos e leitores. So exatamenteessas crianas que mais dependem da escola para ter acesso aoconhecimento letrado e com relao a elas que maior a

    responsabilidade do professor.Em funo dessa nova compreenso do que seja a tarefa de

    alfabetizar, este material de apoio inclui um conjunto

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    de textos de diferentes gneros para serem usados com os alunose vrias sugestes de atividades a serem realizadas com esses

    textos. Tanto os textos como as atividades so apenas amostras esua funo dar ao alfabetizador uma ideia das possibilidadesde trabalho.

    Como se aprende a ler e escrever2

    A criana e seu processo de alfabetizaoAs pesquisas sobre o processo de alfabetizao vm mostrandoque, para poder se apropriar do nosso sistema de representaoda escrita, a criana precisa construir respostas para duasquestes:

    1. O que a escrita representa?2. Qual a estrutura do modo de representao da escrita? A

    escola considera evidente que a escrita "um sistema de signosque expressam sons individuais da fala" (Gelb, 1976) e supeque tambm para a criana isso seja dado a priori Mas no . Noincio do processo toda criana supe que a escrita uma outraforma de desenhar as coisas. Vamos dar alguns exemplos que oprofessor pode reconhecer, na sua prtica diria, mas no tinha

    at ento como interpretar.Pediu-se a uma criana, que aprendeu a reproduzir a forma

    escrita do nome de sua me (Dalva), que escrevesse a palavra"mame", cuja forma ela no conhecia. Ela escreveu, comconvico, "Dalva". E, questionada em relao inadequao dasua escrita, ficou perplexa com a incapacidade adulta decompreender uma coisa to evidente, isto , que Dalva e mameso a mesma pessoa e, portanto, a mesma escrita.

    Este texto um fragmento do artigo "Como se aprende a ler e escrever ou, prontido, um

    problema mal colocado", de Telma Weisz, publicado em Ciclo Bsico, CENP/ Secretaria de

    Estado da Educao de So Paulo, 1988.

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    O que a criana no compreende que a escrita representa a fala,

    o som das palavras, e no o objeto a que o nome se refere. De uma

    pesquisa realizada em Recife reproduzimos as seguintes informaesda entrevista ocorrida no incio do ano letivo com uma criana

    cursando pela primeira vez a 1a srie:

    Diante do par de palavras BOI/ARANHA:Experimentador: Nestes cartes esto escritas duas palavras: boie aranha. Onde voc acha que est escrito boi e onde estescrito aranha?Criana: Aqui est escrito boi (apontando para a palavra ARA-NHA) e aqui est escrito aranha (apontando para a palavra BOI).Experimentador: Por que voc acha que aqui (BOI) est escritoaranha e aqui (ARANHA) est escrito boi?Criana: Porque essa daqui t pequena e esse daqui t grande.Tia me ensinou que boi comea com A.

    V-se, portanto, aqui. o divrcio entre o conhecimento da le-tra e as hipteses dessa criana a respeito da escrita. Para ela, aescrita devia conformar-se sua concepo ainda realstica dapalavra, ou seja, coisas grandes tm nomes grandes e coisas pe-quenas tm nomes pequenos.3

    Mas o fato que, em vez de confirmar, a realidade, dentro e fora da

    escola, desmente seguidamente a teoria que a criana construiu sobre

    o que a escrita representa. Desmente e problematiza, obrigando a

    criana a construir uma nova teoria, novas hipteses. Ao comear a se

    dar conta das caractersticas formais da escrita, a criana constri

    ento duas hipteses que vo acompanh-la por algum tempo durante

    o processo de alfabetizao:

    In Aprender pensando: contribuies da Psicologia cognitiva para a educao, SEEPernambuco/1983.

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    a) de que preciso um nmero mnimo de letras - entre2 e 4 - para que esteja escrito alguma coisa4 e

    b) de que preciso um mnimo de variedade decaracteres para que uma srie de letras "sirva para ler".

    De incio, a criana no faz uma diferenciao clara entre osistema de representao do desenho (pictogrfico) e o da escrita(alfabtico), como se pode observar na escrita de Reginaldo, 6anos (22/8/84J.5

    Reginaldo ainda no estabelece uma diferena clara entre o sistema de

    representao da escrita e do desenho. As letras que aparecem so as do seu

    nome, menos em "borboleta", onde usa as do nome de sua irm Sandra.

    REGINALDO, 6 anos

    A ideia de que uma letra sozinha "no serve para ler", "no diz nada", nos d urna

    pista para compreender a dificuldade das crianas, mesmo as mais avanadas, com

    a escrita isolada dos artigos.

    In Repensando a prtica de alfabetizao - as ideias de Emlia Ferreiro na sala de

    aula, Telma Weisz - Cadernos de Pesquisa/1985.

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    O contato, no universo urbano, com os dois sistemas -daescrita e do desenho - permite estabelecer progressivamente essa

    diferenciao. Mas, mesmo quando a criana j tem claro quedesenha-se com figuras" e "escreve-se com letras", a natureza dosistema alfabtico ainda permanece um mistrio a serdesvendado.

    Ainda antes de supor a escrita como representao da fala, acriana faz vrias tentativas de construir um sistema que seassemelhe formalmente escrita adulta, buscando registrar asdiferenas entre as palavras por meio de diferenas naquantidade, posio e variao dos caracteres empregados para

    escrev-las. Veja a escrita da Edinilda(22/8/84).

    Para escrever (qualquer coisa) preciso

    de 7 a 9 letras (o nome dela tem 8 letras).

    Mas no podem ser sempre as mesmas

    letras, nem na mesma posio. Por isso

    ela varia o mximo que pode dentro do seu

    limitado repertrio, o que, s vezes, exige

    que ela invente algumas.

    Edinilda j percebeu que a palavras

    diferentes correspondem escritas

    diferentes, mas no sabe a que atribuir

    essas diferenas, pois no descobriu ainda

    o que que as letras representam.

    Edinilda avanou mais que Reginaldo. Ela

    supe que "escreve-se com letras", mas

    ainda no descobriu que as letras

    representam sons. Sua hiptese - preciso

    uma hiptese para produzir qualquer

    escrita - poderia ser descrita assim:

    EDINILDA, 7 anos

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    Enquanto no encontra respostas satisfatrias para as duasperguntas fundamentais: "o que a escrita representa?" e "qual a

    estrutura do modo de representao da escrita?", a crianacontinua pensando e tentando adequar suas hipteses sinformaes que recebe do mundo. A descoberta de que aescrita representa a fala leva a criana a formular uma hipteseao mesmo tempo falsa e necessria: a hiptese silbica.

    A HIPTESE SILBICA

    A hiptese silbica um salto qualitativo, uma daquelas"grandes reestruturaes globais" de que nos fala Piaget. Um

    salto qualitativo tornado possvel pelo acirramento dascontradies entre as hipteses anteriores da criana e asinformaes que a realidade lhe oferece.

    O que caracteriza a hiptese silbica a crena de que cadaletra representa uma slaba - a menor unidade de emissosonora. Veja, a seguir, trs amostras de escrita silbica.

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    A hiptese com a qual essa menina trabalha a de que cadaletra representa uma emisso sonora, isto , uma slaba oral.

    o tipo de escrita que Emlia Ferreiro chama silbica estrita.Cleonilda demonstra um razovel conhecimento do valor sonoroconvencional das letras que, no entanto, ela adapta snecessidades de sua hiptese conceituai. A vogal "o", porexemplo, vale "to" em gato, "bor" e "bo" em borboleta, "lo" emcavalo e novamente "bo" em boi.

    A escrita desse menino tambm silbica. Mas, no casodele, esta hiptese entra em conflito com outra: a hiptese daquantidade mnima de caracteres para que um conjunto de letraspossa ser considerado uma palavra. (No incio do processo dealfabetizao, as crianas supem que uma nica letra "noserve para ler", o que varia de uma para outra o nmero deletras que tido como mnimo, em geral entre 2 e 4.) OLourivaldo exige trs letras no mnimo, o que cria um problemana escrita dos monosslabos e disslabos. A soluo que eleencontrou foi agregar letras sem valor sonoro s palavras commenos de trs slabas, o que acabou criando, em gato e boi, umadiscrepncia entre a inteno da escrita e a interpretao da

    leitura: na escrita a letra muda era a terceira, mas na hora de lerpreferiu considerar como muda a letra do meio. H tambmpreocupao com o valor sonoro convencional.

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    Essa uma escrita silbica bem mais difcil de reconhecer que as anteriores.

    Um caso em que o conhecimento que a rofessora construiu observando acriana que possibilita a interpretao. Daniel estava vivendo um momento deconflito cognitivo. Vinha testando sua hiptese silbica em todas as palavras aque tinha acesso, isto , todas as que algum lia para ele, e ficava visivelmenteaflito com as letras que sobravam. A forma que encontrou de acomodar asituao foi agregar letras mudas no final, mas esse arranjo no era, de modo al-gum, satisfatrio. Seu desconforto durante a atividade era visvel: recusou-se a

    ler "borboleta" e "boi" e foi preciso insistir muito para que lesse "cavalo" e"gato".

    Dissemos que a hiptese silbica falsa e necessria. Vamos analisar asduas partes dessa afirmao. Em primeiro lugar, a questo da falsidade. Suporque cada letra representa uma slaba falso com relao concepo adulta daescrita, conveno social, que alfabtica. Mas no resta dvida de que muito mais verdadeira que as hipteses anteriores. Ela d uma res-

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    posta verdadeira primeira questo: "O que a escritarepresenta?" O salto qualitativo a descoberta de que a escrita

    representa os sons da fala. Junto com a compreenso da naturezado objeto representado emerge a necessidade de estabelecer umcritrio de correspondncia. No mais possvel crianaatribuir globalmente a palavra falada sua escrita. Impe-se anecessidade de partir tanto a fala quanto a escrita e fazercorresponder as duas sries de fragmentos. Nesse esforo, acriana comete um erro: supe que a menor unidade da lngua a slaba. Um "erro" alis muito lgico se pensarmos naimpossibilidade de emitir o fonema isolado. A hiptese silbica

    , ento, parcialmente falsa, mas necessria. Necessria comoso necessrios "erros construtivos" no caminho em direo aoconhecimento objetivo.

    As pesquisas de Emlia Ferreiro, em 1982, com 900 crianasque cursavam pela primeira vez a 1a srie da escola pblica emvrias cidades do Mxico, mostram que mais ou menos 85% dascrianas estudadas que aprenderam a ler utilizavam a hiptesesilbica em pelo menos uma das quatro entrevistas realizadasdurante o ano. Isto , a maioria das crianas precisou desse "erroconstrutivo" para chegar ao sistema alfabtico. Como o intervalo

    entre as entrevistas era de 60 a 80 dias, fica difcil saber se os15% restantes passaram ou no por esse erro construtivo. Masuma coisa certa: impossvel chegar compreenso dosistema alfabtico da escrita sem descobrir, em algum momento,que o que a escrita representa a fala.

    Mas, no processo de alfabetizao, a hiptese silbica , aomesmo tempo, um grande avano conceituai e uma enormefonte de conflito cognitivo.

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    No entanto, a hiptese silbica cria suas prprias condies de con-

    tradio: contradio entre o controle silbico e a quantidade mnima

    de letras que uma escrita deve possuir para ser interpretvel (por

    exemplo, o monosslabo deveria se escrever com uma nica letra,

    mas quando se coloca uma letra s. o escrito "no pode ser lido", ou

    seja, no interpretvel): alm disso, h contradio entre a interpre-

    tao silbica e as escritas produzidas pelos adultos (que tm sem-

    pre mais letras do que as que a hiptese silbica permite antecipar).

    No mesmo perodo - embora no necessariamente ao mesmo

    tempo - as letras podem comear a adquirir valores sonoros (silbi-

    cos) relativamente estveis, o que leva a uma correspondncia com

    o eixo qualitativo: as partes sonoras semelhantes entre as palavrascomeam a se exprimir por letras semelhantes. E isto tambm gera

    suas formas particulares de conflito. (Emlia Ferreiro)

    Imaginem como fica conflitante para a criana defron-tar-se com o

    fato de que, por exemplo, sua escrita para "pato" (AO) ficou igual

    que ela produziu para "gato".

    Vocs devem estar se perguntando por que isso no foi percebido

    at ento; por que no se tornou observvel antes para ns,

    professores. A resposta que no podamos "ver" a escrita silbica por

    razes semelhantes de que a humanidade no pde rever a ideia de

    uma Terra plana enquanto no admitiu que esta que girava em torno

    do Sol e no o contrrio. Foi necessria uma concepo dialtica do

    processo de aprendizagem, uma concepo que permitisse ver a ao

    do aprendiz construindo o seu conhecimento, onde o professor aparece

    no mais como o que controla a aprendizagem do aluno e sim como

    um mediador entre aquele que aprende e o contedo a ser aprendido.

    S a partir desse novo referencial possvel imaginar que a criana

    aprenda algo que no foi ensinado pelo professor.

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    A CAMINHO DA HIPTESE ALFABTICA

    Vamos recapitular para no perder o fio. Vimos emergir das pesquisas

    uma criana que se esfora para compreender a escrita. Que comea

    diferenciando o sistema de representao da escrita do sistema de

    representao do desenho. Que tenta vrias abordagens globais, numa

    busca consistente da lgica do sistema at descobrir - o que implica

    uma mudana violenta de critrios - que a escrita no representa o

    objeto a que se refere e sim o desenho sonoro do seu nome. Que nesse

    momento costuma aparecer uma hiptese conceituai que atribui a cada

    letra escrita uma slaba oral. Que essa hiptese gera inmeros

    conflitos cognitivos, tanto com as informaes que recebe do mundo

    como com as hipteses de quantidade e variedade mnima decaracteres construdas pela prpria criana. Veja a seguir as amostras

    de escrita da Cleonilda, do Lourivaldo e do Daniel, de 22/8/84, onde

    isso aparece com clareza.

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    Daniel escreve alfabeticamente as palavras, mas regride ao nvel silbico-alfabtico

    (de transio) na frase. E possvel que isso tenha acontecido porque estava

    preocupado com a separao das palavras. Foi o nico que no escreveu tudo junto,como seria normal. O que coerente com seu estilo: muito atento forma adulta de

    escrever, buscando sempre reproduzir suas caractersticas, mesmo sem

    compreender.

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    As escritas silbica e silbico-alfabtica tm sido encaradascomo patolgicas pela escola que no dispe de conhecimento

    para perceber seu carter evolutivo.Se o professor compreende a hiptese com que a criana

    est trabalhando, passa a ser possvel problematiz-la, acirrar -por meio de informaes adequadas - as contradies que vogerar os avanos necessrios para a compreenso do sistemaalfabtico. E foi isso o que aconteceu com Cleonilda,Lourivaldo e Daniel, como se pode ver nas amostras de escritade 30/11/84 (na coluna da direita, em cada um dos exemplosanteriores).

    Cleonilda, que em 90 dias de aula estava alfabetizada, no capaz de articular oralmente nenhum encontro consonantal -nem no seu prprio nome. Apesar disso, ou talvez por issomesmo, das crianas que se alfabetizaram nesse grupo era a quemenos erros de escrita cometia. Ela jamais escrevia "comi" para"come", como o Lourivaldo. que falava corretamente.

    Reginaldo. como se pode ver no quadro seguinte, pelaevoluo da cpia de seu nome, no tem orientao espacial daescrita, "come" letras, espelha letras, tem traado inseguro, incapaz de manter a ordem das letras na cpia (e tinhadificuldade para segurar o lpis)...

    (14/6/84) Diante da recusa e da

    ansiedade da criana, a professora

    sugere o uso do apelido Regi, em

    lugar de Reginaldo, e oferece um

    modelo para cobrir e copiar.

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    (19/6/84) Insiste em

    copiar Reginaldo. Ficamuito infeliz com o

    resultado.

    (25/6/84) Aceita fazer "lio de

    nome", isto , cobrir o modelo e

    copiar embaixo.

    Durante o ms de agosto,

    Reginaldo se esfora para copiar

    todas as letras do seu nome,

    agregando-as aos poucos. A

    conservao da ordem das grafias

    do modelo no tem ainda

    significado, o que importa a

    presena.

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    Em setembro e

    outubro consegue

    garantir a presena de

    todas as letras e

    parece comear a se

    preocupar com a

    ordem.

    (8/8/84)

    (8/8/84)

    (8/8/84)

    (8/8/84)

    Em novembro descobre

    que as letras representam

    sons (ver quadro abaixo) e

    a questo da ordem das

    posicionar corre-tamente

    cada letra

    (assinatura na ausncia de modelo)

    1- tentativa (rejeitada) de escrever mato.Prof. - "Mato se escreve com que slabas?'7 (2

    tentativa)

    (ma - to) Regi - "O ma do macaco." (escreve M)

    "O to do pato." (escreve T)"E a bolinha?" (apaga o T e substitui por O)

    (bo-i)

    Prof. - "Agora escreve boi."Regi - (escreve B) " o i (que falta)?" Prof. -"O que voc acha?"

    Regi - "E." (Escreve A)

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    No entanto, os seus problemas perceptivo-motores de-sapareceram como por encanto, quando ele descobriu o que,

    exatamente, as letras representavam. Pensem bem, que im-portncia tm a posio ou a ordem das letras, se para ns elasso apenas desenhos?

    O que esse texto tentou informar em linhas gerais como que se aprende a ler. Tentamos mostrar que as dificuldadesdesse processo so muito mais de natureza conceituai e muitomenos perceptual, conforme pensvamos antes. E, como nossaprtica se baseava sobre o que sabamos, preciso repens-la,no?

    O que est escrito e oque se pode lerComo vimos anteriormente, as crianas constroem hiptesessobre como se escreve e muitos professores j ouviram falardisso. No entanto, parte importante e pouco conhecida dasinvestigaes sobre a aquisio da escrita se refere ao quepoderamos chamar hipteses de leitura, isto , as ideias que as

    crianas constroem sobre o que est ou no grafado em um textoescrito e o que se pode ler ou no nele. As crianas, antes deaprender a ler e escrever, constroem ideias e distines queparecem estranhas aos nossos olhos alfabetizados.

    Crianas pequenas costumam pensar que qualquer coisa queesteja escrita perto de uma figura deve ser o nome da figura. Porexemplo, elas imaginam que se em uma caixa de remdio halgo escrito deve ser "remdio" ou, quem sabe, "plulas". Ahiptese de que o que est escrito junto de uma imagem deve ser

    seu nome fica evidente quando perguntamos a crianas que nosabem ler o que se v em

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    uma figura e ela responde "uma" bola (ou "uma" boneca ou "uma"

    bicicleta...) e quando perguntamos o que est escrito junto da bola ela

    diz apenas "bola" (ou "boneca", ou "bicicleta", omitindo o artigoindefinido).

    Essa distino sutil sistemtica e caracteriza o que Emilia

    Ferreiro chamou a hiptese do nome Isto , no incio, as crianas

    pensam que o que se escreve so apenas os nomes. Investigando essas

    ideias infantis ela descobriu coisas interessantes.6

    Uma de letras a seguinte: as letras representam o nome dosobjetos. Santiago, um menino de 3 anos pertencente classe

    mdia, a mais jovem das crianas que acompanhamos longi-tudinalmente. foi quem fez explicitamente essa afirmao.Enquanto olhava um novo carrinho de brinquedo, das primeirasideias que as crianas elaboram em relao ao significado deuma sequncia descobriu as letras impressas no objeto e.apontando para estas letras, disse: "Aqui esto as letras. Elasdizem o que ". O texto escrito na verdade dizia MXICO, masSantiago achou que estava escrito "carro". De modo seme-lhante. as crianas acham que as letras impressas em uma latade leite dizem "leite": que as letras em um relgio dizem

    "relgio", e assim por diante. O significado de um texto escrito, portanto, inteiramente dependente do contexto. Se o contextofor um livro com figuras, imagina-se que as letras "digam" onome dos objetos ilustrados. A proximidade espacial entre aescrita e as gravuras a informao relevante que as crianasprocuram para descobrir qual dos textos escritos poderia "dizer"o nome de cada objeto ilustrado.

    Experimento descrito no artigo "A interpretao da escrita antes da leitura convencional", capitulo

    do livro Alfabetizao em Processo, de Emilia Ferreiro, Editora Cortez. Usaremos a seguir vrios

    fragmentos deste artigo para ajudar a explicar as ideias da autora e os resultados dessas

    investigaes.

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    A um grupo de crianas entre 3 e 5 anos, de diferentes origens sociais

    - que a pesquisadora acompanhou durante dois anos, realizando

    entrevistas individuais a cada dois meses -apresentou-se um conjuntode cartes com imagens e um conjunto de carteias com textos escritos.

    Nenhuma das crianas sabia ler ou conhecia de memria a forma do

    que estava escrito nas carteias. Solicitava-se a elas que agrupassem em

    pares as figuras com os escritos que "combinassem" com elas. Depois,

    pedia-se a cada criana que dissesse o que estava escrito em cada uma.

    Emilia Ferreiro classificou as respostas em trs grupos, ou melhor, em

    trs nveis:

    As crianas no nvel 1 deixam evidente que o significado atribu-do ao escrito (texto) depende inteiramente do contexto: o signifi-cado do texto muda tantas vezes quanto varia o contexto. Porexemplo, se um determinado texto tiver sido colocado em relao imagem de uma girafa, "ele diz girafa", mas o mesmo texto es-crito pode "dizer" outros nomes ("leo", "cavalo" etc, se o conjun-to de cartes ilustrados for um conjunto de animais). O mesmotexto escrito pode "dizer" novamente "girafa", se for outra vez co-locado nas proximidades daquela imagem.(...)

    As crianas no nvel 2 j no aceitam que um texto escrito dependa

    to completamente do contexto e, nas entrevistas, explicam:

    Areli (de 4 anos e 7 meses, pertencente classe mdia)argumenta que o texto escrito atribudo ao leo no pode servirpara outro animal, "porque do leo"; o texto escrito pertencente girafa no pode servir para outro animal, "porque diz girafa".

    Victor (de 5 anos e meio, favelado) argumenta que o textoescrito atribudo a uma espiga de milho no adequado para ohomem, porque se o colocarmos perto da figura de um homem"ele vai se chamar milho".

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    O que caracteriza o nvel 3 a possibilidade de considerar algumas

    propriedades do prprio texto escrito em relao imagem. Vejamos um

    exemplo - em outro tipo de experimento - onde a criana considera as pro-priedades quantitativas do texto, sem renunciar ideia de que s os nomes

    esto escritos.

    Ana Teresa (5 anos e 3 meses) procura interpretar um texto de trs

    segmentos que acompanha a imagem de uma cena com vrios

    personagens. O texto : "as galinhas comem" e Ana Teresa pensa que

    est escrito "gato. galinha, menino" um nome para cada um dos

    segmentos, na ordem da esquerda para a direita; trata-se de trs nomes

    de personagens representados na figura. Quando, porm, no mesmo

    dia, a mesma menina procura interpretar outro texto de trs segmentos

    que acompanha uma figura com um nico personagem, suas

    dificuldades se tornam manifestas. A figura um pato na gua. O

    texto "o pato nada". Ana Tereza comea tentando uma silabao do

    nome "pato", a fim de ajustar-se s segmentaes do texto: atribui a

    primeira slaba ("pa") ao primeiro segmento do texto ("o") e a segunda

    slaba ("to") ao resto do texto ("pato nada"). Esta soluo no a

    satisfaz porque deve atribuir uma nica slaba a dois segmentos. Tenta

    ento outra soluo: atribui o nome "pato" a um dos segmentos

    maiores ("nada"), pensa que diz "gua" no outro segmento de quatro

    letras ("pato") e. como no lhe ocorre mais nada porque no h outros

    elementos na figura, atribui o nome "cores" ao segmento restante

    ("o").

    Uma das ideias mais surpreendentes (surpreendentes para nossoolhar alfabetizado, claro) construdas pelas crianas no inciode seu contato com o mundo da escrita a distino entre o queest escrito e o que se pode ler.

    A ideia de que se deve escrever tudo o que se quer dizer no

    compreendida antes que a criana se alfabetize. Pelo

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    contrrio, descobrir que necessrio escrever tudo, sem omitirnada, requer bastante experincia com a lngua escrita. Emilia

    Ferreiro e colaboradores realizaram experimentos com crianasde diferentes pases, diferentes lnguas, diferentes idades eclasses sociais, buscando compreender a natureza e a evoluodessa distino entre "o que est escrito" e "o que se pode ler". Eobservaram que, em torno dos 4 ou 5 anos, crianas urbanascostumam pensar que apenas os substantivos precisam estarescritos para que se possa ler um enunciado. Como quando umacriana desenha, por exemplo, um menino jogando bola: o queaparece no desenho o menino e a bola, tudo o mais inferido

    por quem o interpreta quando olha para o desenho e diz: "omenino est jogando bola".Vejamos um exemplo concreto para ajudar a compreender:7

    Apresentamos e lemos para a criana a orao: "a meninacomprou um caramelo". A criana a repete cor-retamente(repetindo inclusive o assinalar contnuo que acabamos defazer). Se lhe perguntarmos onde est escrito "menina" ou"caramelo", no ter dificuldades em assinalar alguma daspalavras escritas (no importa, no momento, saber se a indicao ou no correta), mas no lhe ocorrer que o verbo, e muito

    menos os artigos, estejam escritos. De acordo com a anliserealizada pelas crianas deste nvel, existem partes escritas emdemasia, e bastaria apenas duas palavras: "menina" e "caramelo"para se poder ler uma orao completa. O que falta no amemria imediata (j que a criana conse-

    Transcrito de "A compreenso do sistema de escrita: Construes originais da criana e

    informao especifica dos adultos", captulo do livro Reflexes sobre a alfabetizao, de Emilia

    Ferreiro, Editora Cortez.

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    gue repetir a orao quando lhe perguntamos: "o que dizia otexto todo?"). um problema de contraste de concepes. Para

    poder utilizar a informao oferecida pelo adulto (quando l otexto para ela), a criana deveria partir das suposies bsicas denosso sistema escrito: que todas as palavras ditas esto escritas,e que a ordem da escrita corresponde ordem da enunciao.

    E interessante observar que as ideias das crianas sobre "oque est escrito" e "o que se pode ler" evoluem em direo correspondncia termo a termo entre o falado e o escrito, nodependendo para isso da decifrao ou do conhecimento dasletras. Esta uma evoluo conceituai e acredita-se que esteja

    relacionada s oportunidades de con-tato com a escrita.Retiramos do mesmo artigo citado acima a transcrio de trsentrevistas que nos parecem muito esclarecedoras. A orao quenos servir de exemplo : "Papai martelou a tbua".

    Entrevistador Erick (6 anos)

    (L a orao.) O que diz? Papai martelou a tbua

    Diz tbua em algum lugar? (Repassa o texto com odedo indicador, repetindo

    para si a orao e logomostra tbua)

    Diz papai em algum lugar? (Mostra papai sem pes-tanejar)

    O que diz aqui? (martelou) (Repassa o texto desde ocomeo, como antes.)Martelou.

    E aqui? (a) (Repete o mesmo proce-

    dimento.) A.

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    Como vemos, Erick consegue atribuir cada parte falada a umaparte escrita, apesar de no saber ler.

    Entrevistador Silvia (6 anos)

    (L a orao.) O que diz? Papai martelou a tbua.

    Onde est escrito papai? Aqui (papai).

    E aqui? (martelou) Martelou

    E aqui? (tbua) Tbua

    E aqui? (a) TEu escrevi: papaimartelou a tbua.

    Sim. papai martelou atbua.

    Ento o que diz aqui?(papai)

    Papai

    Aqui? (tbua) Tbua

    E aqui? (a) T

    Slvia consegue atribuir o verbo (martelou) sua escrita mas lheparece inadmissvel que algo possa estar escrito em umsegmento com apenas uma letra. Imagina ento que esta letrapossa ser um pedao de um dos substantivos, no caso o "ta", detbua.

    Entrevistador Laura (6 anos)

    (L a orao.) O que diz? Papai martelou a tbua.

    Diz papai em algum lugar? Aqui (papai).

    Diz tbua em algum lugar? Aqui (tbua).

    O que diz aqui? (martelou) Martelo

    E aqui? (a)

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    O que diz o texto todo? Papai martelou a tbua.

    Onde est escrito tbua? (Mostra tbua).O que diz a? Tbua

    E aqui? (a)

    Diz algo ou no diz nada? No, no diz nada.

    Por qu? Tem uma letra s.

    Mas para Laura apenas os nomes esto escritos. Tanto que noteve dvidas em transformar o verbo "martelou" no substantivo

    "martelo". Este no foi um procedimento particular de umacriana. No caso desse enunciado, vrias crianas que estavamnesse momento do processo transformaram "martelou" em"martelo", uma soluo engenhosa para resolver a questo ali.naquele momento.

    Esta questo - a distino entre "o que est escrito" e "o quese pode ler" - evolui, evidentemente, na direo inversa daapresentao das entrevistas. Erick mais avanado que Silvia eesta, que Laura. No entanto os trs tm a mesma idade. Estamosenfatizando este fato para marcar que na evoluo das ideiassobre a escrita a idade conta menos que o tempo de participaoem situaes e atividades onde a escrita est direta ou indireta-mente presente. Se a idade fosse a varivel mais importante, noexistiriam adultos analfabetos.

    As ideias infantis que descrevemos aqui so construesoriginais das crianas e do inmeras pistas ao leitor atentosobre por que importante oferecer criana a oportunidade dese defrontar com textos nos quais ela sabe o que est escrito oupode deduzir a partir do contexto. Coloc-la frequentemente

    neste tipo de situa-

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    o oferecer-lhe oportunidades para pensar sobre a escrita,elaborar hipteses, test-las e reconstru-las progressivamente,

    apoiando-a em seu esforo para aprender a ler e escrever.

    Para saber mais sobre este tema leia: "A compreenso dosistema de escrita: construes originais da criana einformao especfica dos adultos", captulo do livroReflexessobre a alfabetizao, de Emilia Ferreiro, Editora Cortez.

    "A interpretao da escrita antes da leitura convencional".captulo do livro Alfabetizao em processo, de EmiliaFerreiro, Editora Cortez.

    "Leitura sem imagem: a interpretao dos fragmentos de umtexto", captulo do livro Psicognese da lngua escrita, deEmilia Ferreiro e Ana Teberosky, Editora Artmed.

    Aprender a ler:um pouco de histriaQuando pensamos em alfabetizao, o que nos vem ime-

    diatamente cabea a sala de aula, a escola. At a recentepublicao de estudos sobre a histria da leitura, todos ns, casonos perguntassem, responderamos que sempre foi na escola quese aprendeu a ler. Investigaes atuais sobre a histria dasprticas sociais de leitura esto mostrando que nem sempre foiassim e essa revelao est ajudando a produzir transformaesmuito interessantes na didtica da alfabetizao.

    O que aparece nas pesquisas dos historiadores que, muitoantes da existncia de escolas tal como as

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    que conhecemos, ampliou-se muito o nmero de pessoas quesabiam ler sem que aparentemente tivessem sido ensinadas.

    Historiadores como Jean Hbrard verificaram que estaalfabetizao, que ningum compreendia muito bem comoacontecia, tinha relao com a instruo religiosa.

    No mesmo perodo histrico em que os livros deixaram deser produzidos a mo, copiados um a um, e passaram a serreproduzidos industrialmente, em tipografias - graas invenode Gutenberg -, a Europa foi sacudida por um movimentoconhecido como a Reforma Protestante. Este movimento foidesencadeado pelo padre alemo Martinho Lutero, que se

    rebelou contra o Papa e estabeleceu as bases doutrinrias quederam origem s Igrejas protestantes. Uma das mudanas maisimportantes era o direito de cada cristo livre interpretao dasEscrituras. Isto , o exerccio da f exigia o acesso pessoal aoque estava escrito na Bblia. Todo cristo tinha o direito e odever de se esforar para buscar a palavra de Deus, tentarcompreender seus desgnios, atravs das Sagradas Escrituras, oque ento estava se tornando possvel, pois as bblias impressascomeavam a estar ao alcance de muitos.

    Na tradio catlica, apenas os religiosos deveriam saberler. O acesso palavra de Deus, para os catlicos, era mediadopelos padres, que a interpretavam. Para os protestantes, noentanto, nenhum intrprete autorizado, nenhuma tradiopoderia se interpor entre o crente ("mesmo se uma miservelfilha de moleiro, ou mesmo uma criana de 9 anos", escreveuLutero) e as Escrituras. Jean Hbrard conta que, no sculo XVII.na Sucia e na Finlndia, pases de forte presena luterana,praticamente toda a populao era alfabetizada sem que exis-

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    tissem escolas elementares. Como possvel uma coisa dessasse hoje, mesmo com escolas, temos tanta dificuldade para

    alfabetizar todas as nossas crianas? Em primeiro lugar, nohavia uma preocupao especfica com a alfabetizao, e simcom a catequese. O que importava era a instruo religiosa.

    Mas no so s os cristos que tm escrituras sagradas.Tambm os judeus e os muulmanos as tm. O estudo da Torapelos judeus e do Alcoro pelos maometanos tambm tem muitoa nos contar sobre prticas no escolarizadas de alfabetizao. E com o estudo dessas prticas que a didtica da alfabetizaotem aprendido coisas importantes.

    Tanto o estudo da Bblia como o da Tora judaica, bem comoo do Alcoro, tinham em comum o fato de que se lia, ou melhor,se recitava o texto sagrado em voz alta at sua memorizao.Saber o texto de cor e procurar no escrito onde est o que se falaparece ter cumprido um papel fundamental na difuso dessaalfabetizao sem escola, uma alfabetizao cujo sucesso eraatribudo a uma espcie de iluminao de origem divina.Quando a alfabetizao passou a ser assunto escolar, a prtica decolocar os que no sabem ler diante de um texto desapareceu.Hoje ns a estamos recuperando, porque podemos compreend-

    la em seus fundamentos psicopedaggicos e adapt-la s nossasatuais necessidades. claro que no estamos propondo obrigaras crianas a decorar enormes textos e recit-los at noaguentar mais. Mas o fato de compreendermos que essa situaoproduzia um excelente espao para a reflexo sobre o modo defuncionamento da escrita tornou possvel adapt-la nossarealidade. Assim, tm sido criadas diversas atividades de leituraapoiadas em textos e

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    dirigidas s crianas que ainda no sabem ler. Algumas delasestaro entre as sugestes de atividades que voc vai encontrar

    mais frente.

    Para os interessados no tema da histria das prticassociais de leitura:

    CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores ebibliotecas na Europa entre os sculos XIV e XVIII.

    Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1994.CHARTIER, Roger (org.). Prticas de leitura. So Paulo:

    Estao Liberdade, 1996.

    CAVALLO, Guglielmo e CHARTIER, Roger. Histria daleitura no mundo ocidental (vols. I e II). So Paulo:Editora tica, 1998.

    HBRARD, Jean. "A escolarizao dos saberes elementaresna poca moderna". Na revista Teoria e Educao, 2,1990. pgs. 65-110.

    As ideias, concepes e teorias quesustentam a prtica de qualquerprofessor, mesmo quando ele notem conscincia delas8

    Quando analisamos a prtica pedaggica de qualquer professorvemos que, por trs de suas aes, h sempre um conjunto deideias que as orienta. Mesmo quando

    Texto extrado dos captulos 4 e 5 do livro O dilogo entre o ensino e a aprendizagemde Telma

    Weisz, Editora tica, 1999.

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    ele no tem conscincia dessas ideias, dessas concepes, dessas teorias, elasesto presentes.

    Para compreender a ao do professor, preciso analis-la com oobjetivo de desvendar os seguintes aspectos:

    qual a concepo que o professor tem, e que se expressa em seus atos,

    do contedo que ele espera que o aluno aprenda;

    qual a concepo que o professor tem, e que se expres-

    sa em seus atos, do processo de aprendizagem, isto , dos caminhos

    pelos quais a aprendizagem acontece;

    qual a concepo que o professor tem, e que se ex

    pressa em seus atos, de como deve ser o ensino.

    A teoria empirista - que historicamente a que mais vem impregnando asrepresentaes sobre o que ensinar, quem o aluno, como ele aprende e oque e como se deve ensinar - se expressa em um modelo da aprendizagemconhecido como de "estmulo-resposta". Este modelo define a aprendizagemcomo ua substituio de respostas erradas por respostas certas".

    A hiptese subjacente a essa concepo que o aluno precisa memorizar

    e fixar informaes - as mais simples e parciais possveis e que devem ir seacumulando com o tempo. O modelo tpico de cartilha est baseado nisso.As cartilhas trabalham com uma concepo de lngua escrita como

    transcrio da fala: elas supem a escrita como espelho da lngua que se fala.Seus "textos" so construdos com a funo de tornar clara (segundo o queelas supem) essa relao de transcrio. Em geral, so palavras-chave efamlias silbicas, usadas exaustivamente - e a encontram-se coisas como o"beb baba na bab", "o boi bebe", "Didi d o dado a Ded". A funo domaterial escrito numa cartilha apenas aju-

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    dar o aluno a desentranhar a regra de gerao do sistemaalfabtico: que "b" com "a" d "ba", e por a afora.

    Centrada nesta abordagem que v a lngua como purafonologia, a cartilha introduz o aluno no mundo da escritaapresentando-lhe um texto que, na verdade, apenas umagregado de frases desconectadas. Esta concepo de "textopara ensinar a ler" est to impregnada no imaginrio doprofessor que, certa vez, uma professora que se esforava paratransformar sua prtica documentou em vdeo uma aula e meenviou, para mostrar como j conseguia trabalhar sem a cartilha.A atividade era uma produo coletiva de texto na lousa. O

    texto produzido pelos alunos e grafado pela professora era oseguinte:

    O SAPO

    O sapo bom.

    O sapo come inseto.

    O sapo feio.

    O sapo vive na gua e na terra.

    Ele solta um lquido pela espinha.

    O sapo verde.

    Como se pode observar, cada enunciado tratado como se fosseum pargrafo independente. Exigncias mnimas de coesotextual, como no repetir "o sapo" em cada enunciado, nemsequer so consideradas. S na quinta frase aparece, pelaprimeira vez, um pronome para substituir "o sapo". E na sextafrase, l est ele de novo. Seria fcil concluir que a professora que no sabe escrever com um mnimo de coerncia e coeso.

    Mas no era esse o caso. Alm de saber escrever, era uma timaprofessora: empenhada e comprometi-

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    da com seu trabalho e seus alunos. Apenas havia interiorizadoem sua prtica o modelo de "texto" que caracteriza a

    metodologia de alfabetizao expressa nas cartilhas. E de talmaneira, que nem sequer tinha conscincia disso: foi precisotematizar sua prtica a partir dessa situao documentada paraque ela pudesse se dar conta.

    COMO A METODOLOGIA DE ENSINO

    EXPRESSA NAS CARTILHAS CONCEBE OS

    CAMINHOS PELOS QUAIS A

    APRENDIZAGEM ACONTECE

    Poderamos dizer, em poucas palavras, que na concepoempirista o conhecimento est "fora" do sujeito e internalizadoatravs dos sentidos, ativados pela ao fsica e perceptual. Osujeito da aprendizagem seria "vazio" na sua origem, sendo"preenchido" pelas experincias que tem com o mundo.Criticando essa ideia de um ensino que se "deposita" na mentedo aluno, Paulo Freire usava uma metfora - "educao banc-ria"- para falar de uma escola em que se pretende "sacar"exatamente aquilo que se "depositou" na cabea do aluno.

    Nessa concepo, o aprendiz algum que vai juntandoinformaes. Ele aprende o "ba, be, bi, bo, bu", depois o "ma,me, mi, mo, mu" e supe-se que em algum momento, ao longodesse processo, tenha uma espcie de "estalo" e comece aperceber o que que o "ma", o "me", o "mi", o "mo" e o "mu"tm em comum. Acredita-se que ele seja capaz de aprenderexatamente o que lhe ensinam e de ultrapassar um pouco isso,fazendo uma sntese a partir de uma determinada

  • 8/9/2019 Alfabetizao Livro do professor-www.blogsdatiaelicenia.blogspot

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    quantidade de informaes. Na verdade, o modelo supe apenasa acumulao. Os professores que, convivendo com alunos

    reais o tempo todo, acabam encontrando na figura do "estalo" aresposta para certas ocorrncias aparentemente inexplicveis.Porque sabem que alguns entendem o sistema logo que apren-dem algumas poucas famlias silbicas, enquanto outros chegamao "Z", de "zabumba", sem compreend-lo. E j que no tmcomo entender essas diferenas, buscam explicaes no que seconvencionou chamar de "estalo". Frequentemente dizem: "Omenino deu o estalo", ou "Ainda no deu o estalo, mas uma horavai dar".

    Para se acomodar a essa teoria, o processo de ensino caracterizado por um investimento na cpia, na escrita sobditado, na memorizao pura e simples, na utilizao damemria de curto prazo para reconhecimento das famliassilbicas quando o professor toma a leitura. Essa forma detrabalhar est relacionada crena de que primeiro os meninostm de aprender a ler e a escrever dentro do sistema alfabtico,fazendo uma leitura mecnica, para depois adquirir uma leituracompreensiva. Ou seja, primeiro eles precisariam aprender afazer barulho com a boca diante das letras, para depois poder

    aprender a ler de verdade e a produzir sentido diante de textosescritos.

    Assim, os trs tipos de concepo a que nos referimos noincio deste captulo se articulam para produzir a prtica doprofessor que trabalha segundo a concepo empirista: a lngua(contedo) vista como transcrio da fala, a aprendizagem sed pelo acmulo de informaes e o ensino deve investir namemorizao. Na verdade, qualquer prtica pedaggi-

  • 8/9/2019 Alfabetizao Livro do professor-www.blogsdatiaelicenia.blogspot

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    ca, qualquer que seja o contedo, em qualquer rea, pode seranalisada a partir deste trio: contedo, aprendizagem e ensino.

    PARA MUDAR PRECISO RECONSTRUIR

    TODA A PRTICA A PARTIR DE UM NOVO

    PARADIGMA TERICO

    Quando se tenta sair de um modelo de aprendizagem empiristapara um modelo construtivista, as dificuldades de entendimentos vezes so graves. De uma perspectiva construtivista, oconhecimento no concebido como uma cpia do real,

    incorporado direta-mente pelo sujeito: pressupe uma atividade,por parte de quem aprende, que organiza e integra os novosconhecimentos aos j existentes. Isso vale tanto para o alunoquanto para o professor em processo de transformao.

    Se o professor procura inovar sua prtica, adotan-do ummodelo de ensino que pressupe a construo de conhecimentosem compreender suficientemente as questes que lhe dosustentao, corre o risco, grave no meu modo de ver. de ficar sedeslocando de um modelo que lhe familiar para o outro, meiodesconhecido, sem muito domnio de sua prpria prtica - "mes-

    clando", como se costuma dizer.O equvoco mais comum pensar que alguns contedos se

    constroem e outros no. O que, nessa viso "mesclada", equivalea dizer que uns precisariam ser ensinados e outros no. Emoutros casos o modelo empirista fica intocado e as ideias que ascrianas constroem em seu processo de aprendizagem sodistorcidas, a ponto de o professor v-las como contedo a serensi-

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    nado. Um exemplo disso so os professores que, encantadoscom o que a psicognese da lngua escrita desvendou sobre o

    que pensam as crianas quando se alfabetizam, passaram aensinar seus alunos a escrever silabi-camente. Que raciocnioleva a uma distoro desse tipo? Se os alunos tm de passar poruma escrita silbica para chegar a uma escrita alfabtica, ensin-los a escrever silabicamente faria chegar mais rpido escritaalfabtica, pensam esses professores. Essa perspectiva s podecaber em um modelo empirista de ensino, cuja lgica intrnseca organizar etapas de apresentao do conhecimento aos alunos.Essa lgica no faz nenhum sentido em um modelo

    construtivista. Outro tipo de entendimento distorcido, mais influenciadopor prticas espontanestas, o seguinte: diante da informaode que quem constri o conhecimento o sujeito, houveprofessores que entenderam que a interveno pedaggica seria,ento, desnecessria. Se o aluno quem vai construir oconhecimento, o que os professores teriam a fazer dentro da salade aula? E passaram a no fazer nada. Como se v, fcil nosperdermos em nossa prtica educativa quando no nos damosconta do que orienta de fato nossas aes. Ou melhor, de quaisso as nossas teorias em ao.

    CONTEDOS ESCOLARES SO OBJETOS DE

    CONHECIMENTO COMPLEXOS, QUE DEVEM

    SER DADOS A CONHECER, AOS ALUNOS, POR

    INTEIRO

    A mudana na concepo dos contedos oferecidos pela escolaprovoca, de imediato, uma transformao enorme na oferta de

    informao aos alunos. Vamos continuar

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    com o exemplo da lngua escrita para tornar mais claro o quequeremos dizer. Se o professor parte do princpio de que a

    lngua escrita complexa, dentro de uma concepoconstrutivista da aprendizagem ela deve ser -mesmo assim e porisso mesmo - oferecida inteira para os alunos. E de formafuncional, isto , tal como usada realmente. Quando algumaprende a escrever, est aprendendo ao mesmo tempo muitosoutros contedos alm do b--b, do sistema de escritaalfabtica - por exemplo, as caractersticas discursivas da lngua,ou seja. a forma que ela assume em diferentes gneros atravsdos quais se realiza socialmente.

    Pensando assim, caber ao professor criar situaes quepermitam aos alunos vivenciar os usos sociais que se faz daescrita, as caractersticas dos diferentes gneros textuais, alinguagem adequada a diferentes contextos comunicativos, almdo sistema pelo qual a lngua grafada, o sistema alfabtico.Para algum ser capaz de ler com autonomia precisocompreender o sistema alfabtico, mas isso apenas lhe confereautonomia. Qualquer um pode aprender muito sobre a lnguaescrita, mesmo sem poder ler e escrever autonomamente. Issodepende de oportunidades de ouvir a leitura de textos, participarde situaes sociais nas quais os textos reais so utilizados,pensar sobre os usos, as caractersticas e o funcionamento dalngua escrita.

    Para os construtivistas - diferentemente dos empiristas, paraquem a informao deveria ser oferecida da forma mais simplespossvel, uma de cada vez, para no confundir aquele queaprende - o aprendiz um sujeito, protagonista do seu prprioprocesso de aprendizagem, algum que vai produzir atransformao que converte informao em conhecimento

    prprio. Essa construo, pelo aprendiz, no se d por si mesma

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    e no vazio, mas a partir de situaes nas quais ele possa agirsobre o que objeto de seu conhecimento, pensar sobre ele,

    recebendo ajuda, sendo desafiado a refletir, interagindo comoutras pessoas.

    Quando se acredita que o motor da aprendizagem oesforo do sujeito para dar sentido informao que estdisponvel, tem-se uma situao bastante diferente daquela emque o aprendiz teria de permanecer tranquilo e com os sentidosabertos para introjetar a informao que lhe oferecida, damaneira como oferecida. Em um modelo empirista ainformao introjetada, ou no. Em um modelo construtivista

    o aprendiz tem de transformar a informao para poderassimil-la. Concepes to diferentes do origem,necessariamente, a prticas pedaggicas muito diferentes.

    AFIRMAR QUE O CONHECIMENTO

    PRVIO BASE DA APRENDIZAGEM NO

    DEFENDER PR-REQUISITOS

    Para aprender alguma coisa preciso j saber alguma coisa - dizo modelo construtivista. Ningum conseguir aprender alguma

    coisa se no tiver como reconhecer aquilo como algo que sepossa apreender. O conhecimento no gerado do nada. umapermanente transformao a partir do conhecimento que jexiste. Essa afirmao - a de que o conhecimento prvio doaprendiz a base de novas aprendizagens - no significa acrena ou defesa de pr-requisitos. Tampouco esse tipo deconhecimento se confunde com a matria ensinadaanteriormente pelo professor.

    Se, por um lado, o que cada um j possui de conhecimento

    que explica as diferentes formas e tempos de aprendizagem dedeterminados contedos que esto

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    sendo tratados, por outro sabemos que a interveno doprofessor determinante nesse processo. Seja nas propostas de

    atividade, seja na forma como encoraja cada um de seus alunosa se lanar na ousadia de aprender, o professor atua o tempointeiro.

    NO INFORMAR NEM CORRIGIR SIGNIFICAABANDONAR O ALUNO PRPRIA SORTE

    Como j vimos, diante de um corpo de ideias to novo como aconcepo construtivista da aprendizagem e o modelo de ensinoatravs da resoluo de problemas, o professor est tambm na

    posio de aprendiz. No entanto, o conhecimento pedaggico produzido coletiva-mente, o que permite aos professores hojeaprender a partir do que outros j aprenderam, tomando cuidadocom erros j cometidos por outros.

    Um erro que precisa ser evitado por suas graves con-sequncias o desvio espontanesta: como o aluno quemconstri o conhecimento, no seria necessrio ensinar-lhe. Apartir dessa crena o professor passa a no informar, a nocorrigir e a se satisfazer com o que o aluno faz "do seu jeito".Essa viso implica abandonar o aluno sua prpria sorte. E muito importante que o professor compreenda o que significa,do ponto de vista da criana, o "vou fazer do meu jeito".

    Vamos usar a alfabetizao novamente para exemplificar.Quando uma criana entra na escola, ainda no-alfabetizada,tanto ela quanto o professor sabem que ela no sabe ler nemescrever. Ao propor que ela se arrisque a escrever do jeito queimagina, o que o professor na verdade est propondo uma ati-vidade baseada na capacidade infantil de jogar, de fazer deconta. Em um contrato desse tipo - que reza

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    que o aluno deve escrever pondo em jogo tudo o que sabe epensa sobre a escrita - o professor deve usar tudo o que sabe

    sobre as hipteses que as crianas constroem sobre a escrita parapoder, interpretando o que o aluno escreveu, ajud-lo a avanar.Dentro desse contrato, quem "faz de conta" a criana. Nesseespao em que a criana escreve "do seu jeito", o papel doprofessor delicado. Mas semelhante ao de algum adulto queparticipa de uma brincadeira de faz de conta sem entrar nela. Aoprofessor cabe organizar a situao de aprendizagem de forma aoferecer informao adequada. Sua funo observar a ao dascrianas, acolher ou problematizar suas produes, intervindo

    sempre que achar que pode fazer a reflexo dos alunos sobre aescrita avanar. O professor funciona ento como uma espciede diretor de cena ou de contra-regra e cabe a ele montar oandaime para apoiar a construo do aprendiz.

    COMO FAZER O CONHECIMENTO

    DO ALUNO AVANAR

    O processo de aprendizagem no responde necessariamente aoprocesso de ensino, como tantos imaginam. Ou seja, no existeum processo nico de "ensino-apren-dizagem", como muitasvezes se diz, mas dois processos distintos: o de aprendizagem,desenvolvido pelo aluno, e o de ensino, pelo professor. So doisprocessos que se comunicam, mas no se confundem: o sujeitodo processo de ensino o professor, enquanto o do processo deaprendizagem o aluno.

    equivocada a expectativa de que o aluno poder receberqualquer ensinamento que o professor lhe transmitir,

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    exatamente como ele lhe transmite. O professor que precisacompreender o caminho de aprendizagem que o aluno est

    percorrendo naquele momento e, em funo disso. identificar asinformaes e as atividades que permitam a ele avanar dopatamar de conhecimento que j conquistou para outro maisevoludo. Ou seja, no o processo de aprendizagem que devese adaptar ao de ensino, mas o processo de ensino que tem dese adaptar ao de aprendizagem. Ou melhor: o processo de ensinodeve dialogar com o de aprendizagem.

    Nesse dilogo entre professor e aprendiz, cabe ao professororganizar situaes de aprendizagem. Mas o que vem a ser isso?

    Elas consistem em atividades planejadas, propostas e dirigidascom a inteno de favorecer a ao do aprendiz sobre umdeterminado objeto de conhecimento, e esta ao est na origemde toda e qualquer aprendizagem. No basta, no entanto, quesejam planejadas, propostas e dirigidas para se constituremautomaticamente em boas situaes de aprendizagem para osalunos. Para terem valor pedaggico, serem boas situaes deaprendizagem, as atividades propostas devem reunir algumascondies, respeitar alguns princpios. Boas situaes deaprendizagem costumam ser aquelas em que:

    os alunos precisam pr em jogo tudo o que sabem e

    pensam sobre o contedo que se quer ensinar;

    os alunos tm problemas a resolver e decises a tomar em

    funo do que se propem a produzir;

    a organizao da tarefa pelo professor garante a mxima

    circulao de informao possvel;

    o contedo trabalhado mantm suas caractersticas

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    de objeto sociocultural real, sem transformar-se em objeto

    escolar vazio de significado social.

    certo que nem sempre possvel organizar as atividadesescolares considerando simultaneamente esses quatro pres-supostos pedaggicos. Isso algo que depende muito do tipo decontedo a ser trabalhado e dos objetivos didticos que orientama atividade proposta. Mas os princpios acima apontam umadireo e esta direo que convm no perder de vista.

    ALUNOS PEM EM JOGO TUDO O QUE

    SABEM, TM PROBLEMAS A RESOLVER

    E DECISES A TOMAR

    Juntos, os dois primeiros pressupostos formam o pano de fundode uma proposta didtica baseada na concepo daaprendizagem como construo. Nesse sentido, "pr em jogo" oconhecimento que se tem no significa simplesmente us-lo,mas arriscar-se: o aprendiz precisa testar suas hipteses eenfrentar contradies, seja entre as prprias hipteses, sejaentre o que consegue produzir sozinho e a produo de seuspares, ou entre o que pode produzir e o resultado tido como

    convencionalmente correto. Ao falar em "problemas a resolver",no se est pensando em problemas matemticos, nem emperguntas para as quais se devem encontrar respostas. De umaperspectiva construtivista, o conhecimento s avana quando oaprendiz tem bons problemas sobre os quais pensar. isso que

    justifica uma proposta de ensino baseada na ideia de que seaprende resolvendo problemas. Construir situaes que seorientem por esses pressupostos exige do professor competnciapara estabelecer os

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    desafios adequados para seus alunos, que so os que ficam nainterseo entre o difcil e o possvel. Se a proposta difcil

    demais e impossvel de realizar, o desafio no se instaura para oaprendiz, pois o que est posto um problema insolvel nomomento. Se a proposta possvel, mas fcil demais, no hnem sequer desafio colocado. Portanto, o desafio do professor armar boas situaes de aprendizagem para os alunos: atividadesque representem possibilidades difceis, mas coloquemdificuldades possveis.

    Para que o aluno possa pr em jogo o que sabe, a escolaprecisa autoriz-lo e incentiv-lo a acionar seus conhecimentos e

    experincias anteriores, fazendo uso deles nas atividadesescolares. Essa autorizao no pode ser apenas verbalizadapelo professor: importante que ele prepare as atividades demaneira que isso seja de fato requisitado.

    Certa vez, uma professora que iniciava um trabalho sobre osplos com seus alunos perguntou a eles o que sabiam sobre ospinguins. Foi um alvoroo, mas um menino que tinha se mudadopara aquela escola naquele ano no falou nada. A professoraento se dirigiu a ele e perguntou:

    Joo, voc conhece pinguim?

    Sim.

    Ento o que sabe sobre ele?

    Nada.

    Como, nada? Algo voc deve saber: como ele , em quetipo de lugar ele mora.

    que a minha professora no deu pinguim no ano

    passado.

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    No tem importncia, aqui ningum ainda estudou

    isso na escola, mas a gente aprende muitas coisas fora

    da escola.

    Eu no, s o que eu sei o que eu vi nos programas

    da TV Cultura e nos desenhos.

    A valorizao dos saberes construdos fora das situaesescolares condio para que os alunos tomem conscinciado que e do quanto sabem. Esses, ou quaisquerconhecimentos que tenham, no so necessariamente

    conscientes, sistematizados ou corre-tos do ponto de vistaadulto. Mas certo que eles "esto em jogo" quando seaprende na escola, principalmente quando as propostas deensino so planejadas para que assim seja.

    Se, em uma situao de aprendizagem da multiplicao,por exemplo, o professor tem como objetivo que seusalunos faam uso dos saberes que possuem que realizemoperaes de forma mais econmica, deve proporatividades em que essas operaes vo se tornando maiscomplexas, levando-os, de fato, a pr em uso o que sabem,

    ao mesmo tempo em que observam outras formas deresoluo que no as prprias. O professor pode agrupar osalunos em duplas para participar de um jogo como odescrito a seguir, de maneira que fiquem juntos um alunoque realiza a operao utilizando procedimentos maiseconmicos e outro que no o faz. Jogos que colocam emquesto a agilidade na resoluo dos clculos requerem,dos que usam estratgias pouco avanadas, um esforo paraaprender outras mais rpidas, que permitam ganhar tempo.

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    JOGO DE CAIXA DE FSFOROS

    Material: 9 (ou 10) caixinhas de fsforo e palitos.

    Participantes: 2 alunos ou 2 grupos.

    Regras: O jogo envolve dois jogadores. Cada um deve pr a mesmaquantidade de palitos em cada caixinha. Pode-se usar 2, 3, 4, at 9caixinhas e s se pode colocar at 9 palitos de fsforo em cada uma.Deve-se preparar escondido a jogada que ser proposta ao oponente ecolocar os palitos nas caixinhas, para que ele diga quantos existem no

    total - este o problema que a ele colocado. Um deles pega, porexemplo, 4 caixinhas e pe 5 palitos em cada. O oponente ter de dizerquantos palitos h ao todo, sem tirar os palitos das caixas para contar.Quem acertar ganha 1 ponto.

    Pontos: ganha pontos quem conseguir dar a resposta correta. Se o queest na posio de dar a resposta errar, o que props o desafio deve sabera resposta, caso contrrio perde um ponto.

    Vencedor: ganha o jogo aquele que tiver mais pontos no final de 10rodadas (ou outra quantidade que se combine previamente).

    Um dos aspectos interessantes desse jogo que o parceiro que prope odesafio tem sempre que saber o resultado, porque se no souber e tiver queconferir o outro vai ver, j que esto um de frente para o outro. Geralmente,as crianas comeam propondo clculos com nmeros baixos: duascaixinhas com 3 palitos cada uma, 3 caixinhas com 2 palitos cada. medidaque vo se soltando, propem coisas cada vez mais complexas. Adoram 9vezes 9 ou 8 vezes 8. Uma das descobertas que fazem que, as-

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    No adianta lamentar que a maioria dos alunos tenha comonico objetivo em sua vida escolar tirar boas notas e passar de

    ano, pois a escola quem lhes ensina isso. Ensina em atos,quando prope tarefas cujo sentido escapa criana e,frequentemente, ao prprio professor. fundamental que osprofessores que tm compromisso poltico compreendam que aalienao que educa para a alienao. Quando falo de tarefascujo sentido escapa criana, no estou me referindo a tarefaschatas, cansativas, e no estou propondo que se transforme aescola em um parque de diverses. Aprender envolve esforo,investimento, e justamente por isso que em cada atividade os

    alunos devem ter objetivos imediatos de realizao para os quaisdirigir o esforo de equacionar problemas e tomar decises.Esses objetivos no precisam emergir do seu interesse, nemdevem ser decididos por eles. Propostos pelo professor,constituem-se em parte da prpria estrutura da atividade, de talforma que os alunos possam se apropriar tanto dos objetivosquanto do produto do seu trabalho.

    Vou dar um exemplo. A produo de texto, ou, como maisconhecida, a redao, uma atividade presente em qualquer tipode proposta pedaggica. O que varia o momento em que se

    considera a criana apta a redigir textos. A discusso sobre se necessrio escrever convencionalmente ou no para comear aproduzir textos envolve questes tanto do campo da lingustica(o que um texto) quanto do campo da pedagogia ( necessrioaprender para poder redigir, ou necessrio redigir para poderaprender?). Mas nossa questo nesse momento no essa e simo sentido do ato de redigir para o aluno.

    Creio que ningum discordaria que escrever para ser lido completamente diferente de escrever para ser corrigido. So dois

    sentidos distintos que tornam o que aparen-

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    temente a mesma atividade, a redao. em duas atividadescompletamente diferentes. A prpria correo, como uma outra

    atividade, ganha sentido quando tratada como um esforo debuscar maior legibilidade e permite ao aluno compreender que necessrio escrever dentro de padres convencionais, no paraagradar ao professor, e sim para poder ser lido com facilidade.

    A ORGANIZAO DA TAREFA GARANTE A MXIMA

    CIRCULAO DE INFORMAO POSSVEL

    Informao tudo o que de fato "acrescenta". Livros e outros

    materiais escritos informam, a interveno do professor informa,a observao de como um colega resolve uma situao-problema informa, as dvidas informam, as dificuldadesinformam, o prprio objeto com o qual os alunos se debatempara aprender informa.

    O conhecimento avana quando o aprendiz enfrentaquestes sobre as quais ainda no havia parado para pensar.Quando observa como os outros a resolvem e tenta entender asoluo que os outros do. Isso o que justifica a exignciapedaggica de garantir a mxima circulao de informao

    possvel na classe. Significa permitir que as perguntas circulem eas respostas tambm, e que cada aluno faa com isso - que informao - o que lhe possvel em cada momento. Parapromover a circulao de informaes, preciso que o professoraceite que seu papel o de um planejador de intervenes quefavoream a ao do aprendiz sobre o que objeto de seuconhecimento. E que abra mo da posio de ser o nicoinformante da classe - posio muitas vezes adotada no porautoritarismo, mas para evitar que os alunos errem, pois, quando

    trocam livremente

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    informaes, expem uns para os outros suas hipteses, muitasvezes erradas. A preocupao em evitar o contato do aluno com

    a resposta errada uma marca do modelo empirista de ensino eest relacionada ideia de que ela vai se fixar em sua memria.

    As crianas frequentemente reproduzem o padro decomportamento que os adultos tm com elas. Em uma classeonde o respeito intelectual com o processo de aprendizagem dosalunos baixo, comum estes se vangloriarem dos seus saberes,gozarem e humilharem os outros quando do respostasinadequadas. Em uma classe onde o professor cultiva acooperao e o respeito intelectual, os alunos costumam fazer o

    mesmo com os colegas. Quando o professor proporcionasituaes de intercmbio e colaborao na sala de aula, elespodem trocar informaes entre si, discutir de maneira produtivae solidria e aprender uns com os outros. Para poder explicarpara o colega que seu jeito de pensar est incorreto, o alunoprecisa formular com preciso e argumentar com clareza - e esta uma situao muito rica para sistematizar seus prpriosconhecimentos. Quando se contradiz e percebe isso, podereorganizar suas ideias e. dessa forma, seu conhecimentoavana.

    Em um ambiente de respeito e solidariedade os alunosaprendem a dar as informaes que julgam importantes para ocolega. Em uma sala de aula onde essa prtica adotada, no raro v-los oferecendo informaes parciais uns para os outros eescutar dilogos do tipo: "Agora pensa, para ver se vocdescobre", "Repare bem, que voc encontra a resposta". comum, tambm, ver uma criana perguntando coisas do tipo"Com que letra comea padaria?" e tendo como resposta " coma mesma letra do nome do Paulo" - uma resposta bastante

    diferente de: "D aqui

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    que eu fao um 'p' para voc", ou "No est vendo que o p'?".E h, claro, a possibilidade de o aluno que perguntou ouvir de

    seu colega: "Padaria? Comea com 'a'"- e se dar por satisfeito. Omedo de que eles aprendam errado, em uma hora dessas, fazcom que muitos professores recuem e bloqueiem a circulao deinformao.

    Uma classe , de certa forma, uma microssociedade. E oprofessor estabelece o seu modo de funcionamento, muitomenos por ter montado um declogo na parede - o que muitointeressante, desde que seja discutido com os alunos - mas.principalmente, por passar, atravs de seus prprios atos, quais

    as atitudes que devem ser valorizadas, quais no, que formas derelao so bem aceitas, quais no. A classe incorpora isso tudoporque o professor est no comando e referncia.

    Os alunos muitas vezes discutem, defendem suas opinies.E a atitude diante do que consideram um no-saber do outro temmuito a ver, tambm, com o temperamento de cada um. Hcrianas que no discutem, mas no arredam p; outras atdiscutem, mas acabam cedendo. A questo central no haverou no discusso, mas sim que cada um consiga formular o seuargumento a favor ou contra uma dada questo. Aprende-se

    muito quando se est exposto a uma argumentao e aprende-semais ainda quando se tem que defender um ponto de vista. Oesforo de comunicar uma ideia sempre faz avanar acompreenso e altamente produtivo do ponto de vista daaprendizagem.

    A interao entre os alunos no necessria s porque ointercmbio condio para o convvio social na escola: ainterao entre os alunos necessria porque informa a todos osenvolvidos e potencializa quase infinitamente a aprendizagem.

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    O CONTEDO TRABALHADO DEVE

    MANTER SUAS CARACTERSTICAS DE

    OBJETO SOCIOCULTURAL REAL

    Ao longo deste sculo, foram sendo criadas prticas que seinstalaram to fortemente no senso comum, a ponto deimaginarmos que sempre existiram, que tudo sempre foi assim.A ideia de que para aprender na escola era necessrio que osmateriais fossem produzidos especialmente para esse usoescolar criou uma espcie de muro, que no deixava entrar naescola nada que fosse do mundo externo. No livro Psicanlise

    da alfabetizao, Bruno Bethelheim mostra, por exemplo, comoaconteceu uma involuo dos textos, atravs dos anos, paraensinar a ler em ingls. Em nome de facilitar a aprendizagem,inventaram-se escritos que apresentam a leitura como umaatividade esvaziada de qualquer sentido.

    No Brasil, esses escritos tambm se constituram em umamarca registrada, principalmente da escolaridade inicial. Issono quer dizer que a descaracterizao dos contedos sejaprivilgio das primeiras sries. Mais adiante pode-se encontraruma outra inveno da escola: a redao escolar, um gnero que

    no existe em nenhum outro lugar alm da escola. Trata-se, emgeral, de um texto sem destinatrio, que nunca ser lido de fato,a no ser pelo professor, com o objetivo exclusivo de corrigi-lo.

    E no apenas o ensino da lngua portuguesa que est cheiode criaes escolares, que em nada coincidem com as prticassociais de uso da lngua, objeto de ensino na escola. As demaisreas tambm possuem suas invenes especficas, todas elas.

    Quando um aluno, como os que eu tinha em 1962,

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    trabalha como vendedor na rua e no consegue resolverproblemas matemticos simples na escola, de se pensar o que

    foi feito do ensino da matemtica que a torna algo to poucofamiliar. Claro que a questo que se coloca para os alunos quevo bem nas contas "de rua" diferente: na escola aprende-se alinguagem matemtica escrita, que pouco usada na rua. Masno se pode deixar de lado esta competncia que o aluno j trazdesenvolvida e sobrepor a escolarizao a ela.

    Toda cincia ou prtica social, quando se converte em objetode ensino escolar, acaba, inevitavelmente, sofrendomodificaes. A arte diferente da Educao Artstica, o esporte

    diferente da Educao Fsica, a linguagem diferente doensino de Lngua Portuguesa, a cincia diferente do ensino deCincias e assim por diante. Mas preciso cuidado para noproduzir invenes pretensamente facilitadoras, que acabamtendo existncia prpria. Cabe escola garantir a aproximaomxima entre o uso social do conhecimento e a forma de trat-lodidaticamente. Pois se o que se pretende que os alunosestabeleam relaes entre o que aprendem e o que vivem, nose pode, com o intuito de facilitar a aprendizagem, introduzirdificuldades. Nesse sentido, o papel da escola criar pontes, e

    no abismos.No momento em que compreendemos que no preciso

    simplificar tudo que se oferece aos alunos, que eles podemenfrentar objetos de conhecimento complexos -desde que oprofessor respeite e apoie a forma pela qual vo penetrandonessa complexidade -, tambm passamos a abrir a escola para omundo e fazer dela um ponto de partida para a aventura doconhecimento. Nunca o ponto de chegada.

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    O QUE PROPOR NASALA DE AULA

    O que so:poemas, canes, cantigas de roda,adivinhas, trava-lnguas, parlendase quadrinhos

    As adivinhas, as cantigas de roda. as parlendas. asquadrinhas e os trava-lnguas so antigas manifestaes dacultura popular, universalmente conhecidas e mantidas vivasatravs da tradio oral.

    So textos que pertencem a uma longa tradio de uso dalinguagem para cantar, recitar e brincar. A maioria deles de

    domnio pblico, ou seja, no se sabe quem os inventou: foramsimplesmente passados de boca a boca, das pessoas mais velhaspara as pessoas mais novas.

    Os poemas servem para divertir, emocionar, fazer pensar.Geralmente tm rimas e apresentam diferentes diagramaes.So textos com autoria, isto , geralmente sabemos quem os fez.

    Todos ns conhecemos poemas, pois so textos de co-nhecimento popular. So parecidos com as canes, s que noso musicados. Alguns so feitos especialmente para crianas.Os poemas, assim como as quadrinhas e os trava-lnguas,

    "brincam" com os sons das palavras e com o seu significado.

  • 8/9/2019 Alfabetizao Livro do professor-www.blogsdatiaelicenia.blogspot

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    A poesia nada mais do que uma brincadeira com as palavras. Nessa

    brincadeira, cada palavra pode e deve significar mais de uma coisa ao

    mesmo tempo: isso a tambm isso ali. Toda poesia tem que ter uma

    surpresa. Se no tiver no poesia: papo furado!

    (J.Paulo Paes)

    Poema de Jos Paulo Paes

    CONVITE

    Poesia

    brincar com palavras

    como se brincacom bola, papagaio, pio

    S que

    bola, papagaio, pio de

    tanto brincar se gastam.

    As palavras no: quanto mais se

    brinca com elas mais novas

    ficam.

    Como a gua do rio que gua

    sempre nova.

    Como cada dia

    que sempre um novo dia.

    Vamos brincar de poesia?

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    Cano de Dominguinhos e Anastcia TENHO

    SEDE

    Traga-me um copo d'gua

    Tenho sede

    E esta sede pode me matar

    Minha garganta pede

    Um pouco d'gua

    E os meus olhos pedem

    Teu olhar

    A planta pede chuvaQuando quer brotar

    O cu logo escurece

    Quando vai chover

    Meu corao s pede

    Teu amor

    Se no me deres

    Posso at morrer.

    As cantigas de roda so textos que servem para brincar edivertir. Com bastante frequncia se encontram associadasa movimentos corporais em brincadeiras infantis.

    CAI BALO

    Cai, cai balo

    cai, cai balo

    aqui na minha mo.

    No cai no, no cai nocai na rua do sabo.

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    As adivinhas servem para divertir e provocar curiosidade. Sotextos curtos, geralmente encontrados na forma de perguntas: O

    que , o que ? Quem sou eu? Qual ? Como? Qual a diferena?

    O que , o que que cai em p e corre deitado?

    Resposta: A chuva.

    Os trava-lnguas brincam com o som, a forma grfica e osignificado das palavras. A sonoridade, a cadncia e o ritmodessas composies encantam adultos e crianas. O grandedesafio recit-los sem tropeos na pronncia das palavras.

    O RATO E A RITA

    O rato roeu a roupa do rei de

    Roma,

    O rato roeu a roupa do rei da

    Rssia,

    O rato roeu a roupa do

    Rodovalho...

    O rato a roer roa.

    E a rosa Rita Ramalho

    do rato a roer se ria.

    As parlendas so conjuntos de palavras com arrumao rtmicaem forma de verso, que podem rimar ou no. Geralmenteenvolvem alguma brincadeira, jogo, ou movimento corporal.

    Boca de forno

    Forno

    Tira um bolo Bolo

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    Se o mestre mandar!

    Faremos todos! E se

    no for? Bolo!

    As quadrinhas so estrofes de quatro versos, tambm chamadasde quartetos. As rimas so simples, assim como as palavras quefazem parte do seu texto.

    Roseira, d-me uma rosa;

    Craveiro, d-me um boto;

    Menina, d-me um abrao, que

    eu te dou meu corao.

    FUNDAMENTAL LEMBRAR...

    A presena desses textos na sala de aula favorece a valorizao ea apreciao da cultura popular, assim como o estabelecimentode um vnculo prazeroso com a leitura e a escrita.

    Quando os alunos ainda no lem e escrevem con-vencionalmente, atividades de leitura e escrita com esses textos,

    que pertencem tradio oral e as crianas conhecem dememria, podem possibilitar avanos nas hipteses dos alunos arespeito da lngua escrita.

    SITUAES DE APRENDIZAGEM

    A seguir voc encontrar uma lista de situaes de sala de aulaque possibilitam a aprendizagem da lngua escrita por meio deatividades de leitura e escrita com textos de tradio oral.

    As sugestes que seguem servem para trabalhar com

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    vrios textos: adivinhas, cantigas de roda, parlendas, quadrinhase trava-lnguas, por isso necessrio que, ao trabalhar cada um

    deles, voc construa uma sequncia de atividades que considerepertinentes para ensinar os seus alunos.

    Tirando dvidasAs sequncias de atividades so planejadas e orientadascom o objetivo de promover uma aprendizagem especfica edefinida. So sequenciadas com inteno de oferecerdesafios com graus diferentes de complexidade, para que osalunos possam ir paulatinamente resolvendo problemas apartir de diferentes proposies.

    Referencial Curricular Nacional para Educao Infantil/MEC.

    Leitura pelo professor - importante que o professor faa aleitura de vrios textos do mesmo gnero (adivinhas, cantigas deroda, parlendas, quadrinhas ou trava-lnguas), de modo que osalunos possam se apropriar de um amplo repertrio do texto emquesto. Essa atividade de leitura pode ser diria (na hora dachegada, na volta do recreio...), ou semanal. O importante queos alunos tenham um contato frequente com os textos, para quepossam conhec-los melhor.

    Leitura compartilhada (professor e alunos) de textos co-nhecidos - Em alguns momentos da rotina de sala de aula, oprofessor pode ler junto com os alunos alguns textos (adivinhas,cantigas de roda, parlendas, quadrinhas ou trava-lnguas) que osalunos conheam bastante, para que possam inferir e anteciparsignificados durante a leitura. Os textos que sero lidos podemestar afixados na sala em forma de cartaz, escritos na lousa ou

    impressos no livro do aluno.

    J

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    Leitura coletiva - Ler, cantar, recitar e brincar com textosconhecidos. fundamental que os alunos possam vivenciar na

    escola situaes em que a leitura esteja vinculada dire-tamenteao desfrute pessoal, descontrao e ao prazer.

    Leitura dirigida - Propor atividades de leitura em que os alunostenham de localizar palavras em um texto conhecido. Porexemplo: o professor l o texto inteiro e depois pede aos alunosque localizem uma palavra determinada (ex.: "piano", naparlenda "L em cima do piano"). A inteno que possamutilizar seus conhecimentos sobre a escrita para localizar e ler as

    palavras selecionadas.

    Leitura individual - Quando os alunos conhecem bastante ostextos, j podem comear a l-los individualmente. E nesse caso importante que tenham objetivos com a atividade de leitura.Por ex