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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” ALFABETIZAÇÃO: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA, SOB UMA PERSPECTIVA SOCIOINTERACIONISTA SANDRA IARA ARÊAS DOURADO ORIENTADOR: Prof. Mestre Robson Materko RIO DE JANEIRO AGOSTO/2001

ALFABETIZAÇÃO: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA … IARA AREAS DOURADO.pdf · contribuições de Piaget, Vygotsky, Wallon, Emilia Ferreiro e outros. Um dos entraves principais do desenvolvimento

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

ALFABETIZAÇÃO: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA LINGUAGEM

ESCRITA, SOB UMA PERSPECTIVA SOCIOINTERACIONISTA

SANDRA IARA ARÊAS DOURADO

ORIENTADOR:

Prof. Mestre Robson Materko

RIO DE JANEIRO

AGOSTO/2001

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

ALFABETIZAÇÃO: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA LINGUAGEM

ESCRITA, SOB UMA PERSPECTIVA SOCIOINTERACIONISTA

SANDRA IARA ARÊAS DOURADO

Trabalho monográfico apresentado como

requisito parcial para a obtenção do Grau

de Especialista em Psicopedagogia.

RIO DE JANEIRO

AGOSTO/2001

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Agradeço a Deus que tem me

oferecido o maior dos desafios:

desvendar e fazer a Sua vontade

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Dedico este trabalho a todos os

profissionais que acreditam na

construção de uma sociedade

justa e democrática.

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“Se não posso pintar de azul as

ruas por onde andarei, pintarei

de azul os meus sapatos”.

Autor Desconhecido

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SUMÁRIO

Página

RESUMO........................................................................................................ 6

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 7 1. AS TEORIAS CONSTRUTIVISTA SOCIOINTERACIONISTA NA PRÁTICA PEDAGÓGICA ........................................................................ 9

1.1. Piaget – interação social e trocas ................................................ 9 1.2. O pensamento de Vygotsky ........................................................14 1.3. Emilia Ferreiro e a concepção de construção da escrita ........... 21

2. O PAPEL DO PROFESSOR NA CONSTRUÇÃO DO CONHE- CIMENTO DA CRIANÇA ............................................................................. 30 CONCLUSÃO .............................................................................................. 33 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 35

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RESUMO

Considerando os aspectos abordados, o presente trabalho tem como

proposta evidenciar os elementos fundamentais inerentes à teoria

sociointeracionista, com a intenção de analisar as contribuições desta abordagem,

para a construção da linguagem escrita.

Nessa perspectiva tornou-se imprescindível repensar a prática

pedagógica, que envolve a alfabetização inicial, pois a investigação nos aponta

novas idéias e conceitos, referentes ao desenvolvimento cognitivo,

A construção do conhecimento requer envolvimento dos aspectos

internos e externos do indivíduo, portanto é no âmbito dessas estruturas que a

aprendizagem acontece. Considerando esse pressuposto, para a teoria

sociointeracionista, o conhecimento é construído pelo indivíduo, num processo

contínuo e dinâmico, no decorrer de sua vida, na interação com o meio em que

vive.

Sendo assim, o sujeito é considerado um ser ativo, que age sobre seu

objeto de conhecimento, interagindo dialeticamente em sua realidade social. E é

nessa interação que o conhecimento é construído e que o sujeito torna-se

autônomo em seu processo cognitivo.

Contextualizado nessa dinâmica, o professor assume a tarefa de

propiciar situações que favoreçam a construção dessa relação de troca, visando o

pleno desenvolvimento intelectual do indivíduo, que consequentemente perceber-

se-á, enquanto sujeito histórico.

Este estudo utilizou o método dedutivo, como proposta metodológica,

através de uma pesquisa qualitativa com uma abordagem descritiva. O

levantamento de dados, se deu através de um levantamento bibliográfico.

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INTRODUÇÃO

Nossa pesquisa refere-se ao processo de alfabetização de crianças em

idade de 7 a 8 anos, em escolas públicas que utilizam como método de

intervenção pedagógica, instrumentos da teoria sociointeracionista.

Esta proposta de alfabetização tem como fundamentação teórica as

contribuições de Piaget, Vygotsky, Wallon, Emilia Ferreiro e outros.

Um dos entraves principais do desenvolvimento cognitivo do indivíduo

ainda é a alfabetização. Desta forma, se torna necessário construirmos escolas e

formarmos professores que ensinem a pensar e a aprender.

Aplicar a teoria de Piaget e Vygotsky em sala de aula e, principalmente,

na alfabetização de crianças constitui um verdadeiro desafio para os educadores

que atuam de forma direta ou indireta nas classes de alfabetização. Neste

contexto a descoberta da psicogênese da escrita, realizada pela pesquisadora

Emilia Ferreiro, desempenha papel fundamental no processo de aquisição da

escrita.

Apesar do discurso nacional sobre a necessidade de mudanças no

sistema educacional do país, pouco se tem feito para apresentar alternativas

concretas, principalmente no que diz respeito ao fracasso escolar na

alfabetização.

Nossa proposta é estarmos refletindo sobre a possibilidade de não só

alfabetizar, mas promover o desenvolvimento das potencialidades do aluno

visando sua formação enquanto sujeito capaz de construir seu processo de

aprendizagem, e principalmente se construir enquanto cidadão capaz de se

apropriar do conhecimento desenvolvido socialmente. Assim nos apropriaremos

das contribuições dos pesquisadores citados para que possamos repensar,

desvelar e aprofundar os mistérios da arte de ler e escrever, objetivando o

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desenvolvimento da prática pedagógica, reconhecendo o papel do professor

nesse processo.

Nosso objetivo consiste em tentar mostrar as contribuições da teoria

sociointeracionista para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem,

partindo do pressuposto de que esta teoria procura contribuir, na perspectiva de

formar um sujeito crítico, garantindo assim a autoria da construção de seu

conhecimento e de sua história.

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1. AS TEORIAS CONSTRUTIVISTA SOCIOINTERACIONISTA NA PRÁTICA

PEDAGÓGICA

1.1. Piaget – interação social e trocas

Jean Piaget formado em biologia e psicologia, foi formulador da teoria

do desenvolvimento da inteligência humana e é, hoje, considerado por muitos

como o mais importante teórico da educação. Este cientista descobriu que o

aprendizado é um processo gradual no qual a criança vai se capacitando a níveis

cada vez mais complexos do conhecimento, seguindo uma seqüência lógica de

pensamento. Ele mostra, em seu estruturalismo genético, que todas as crianças

passam por estágios estáveis de estruturação de pensamento em crescente

complexidade psicogenética, que são:

• Estágio sensório-motor – de 0 a 2 anos aproximadamente

• Estágio pré-operatório – de 2 a 7 anos aproximadamente

• Estágio das operações concretas – de 7 a 9/12 anos aproximadamente

• Estágio lógico-formal – a partir de 12 anos aproximadamente

Piaget (1999) explica que entre um estágio e outro existe um

intermediário no qual convivem , em esta do de desequilíbrio, as concepções do

estágio anterior ou posterior. A criança parte de uma posição egocêntrica, aquela

em que ainda não distingue a existência do mundo externo separado de si

própria, vai formando sua inteligência através de processos de adaptações,

assimilações e acomodações, chegando a uma interação com o mundo externo, e

portanto, diminuindo seu egocentrismo.

Seus estudos partiram de uma teoria biológica sobre a construção do

conhecimento humano, ou seja, da epistemologia genética. Ele explica que é no

estágio sensório-motor que se inicia o desenvolvimento da inteligência da

criança. Nessa fase, o conhecimento se dá pelo contato físico do sujeito com o

objeto. No estágio pré-operatório, as crianças entram em contato com o

conhecimento produzido pelas pessoas que as cercam através de atividades de

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representações, como o jogo simbólico, o desenho e a linguagem. Num

intercâmbio mais ativo com o meio ambiente, surgem os primeiros ensaios de

operações abstratas. O pensamento passa a ser elaborado com uma linguagem

interior e um sistema de signos, alcançando, assim o estágio operatório-

concreto. Nesse estágio, a criança é capaz de reconstituir as ações por meio de

imagens e experiências mentais. Gradativamente, vão alcançando também

desenvolvimento nos conhecimentos lógico-matemático e social-arbitrário. A

criança passa, então, a retirar conhecimentos na relação estabelecida entre os

objetos e não diretamente dos objetos. Assim, ela começa a desenvolver os

níveis operatórios de classificação, seriação e conservação. No conhecimento

lógico-matemático e no social-arbitrário torna-se capaz, desde que já tenha

desenvolvido os conhecimentos prévios necessários, de agir sobre as

informações e os símbolos, transformando-os e incorporando-os aos seus

conhecimentos prévios, como por exemplo, as regras de convivência e os fatos

históricos. No estágio operacional formal, a última fase de construção da

inteligência, a criança ou o pré-adolescente já é capaz de fazer uma operação ao

contrário, ou seja, lidar com a reversibilidade, ser capaz de retornar ao seu início.

Só nesse estágio e a partir dele é que o sujeito poderá trabalhar com atividades

mentais mais abstratas, porque começa a desenvolver estrutura mental para

realizar tal tarefa.

Piaget em seus estudos preocupou-se em elaborar uma teoria sobre a

natureza do desenvolvimento de todo conhecimento. Suas pesquisas voltaram-se

para o estudo dos processos de pensamento desde a infância até a idade adulta.

Seus escritos permitiram diferentes interpretações acerca do desenvolvimento.

Embora o objetivo não seja discutir intensamente essas abordagens, torna-se

necessária a citação de alguns pontos importantes, para um melhor entendimento

da prática pedagógica proposta neste trabalho.

A principal questão levantada tanto por teóricos como por professores

refere-se aos mecanismos da aprendizagem. E ao tratar desta questão, uma

interpretação da teoria de Piaget, afirma que a evolução de um estágio de

desenvolvimento a outro não é determinada pelos estímulos e informações do

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estágio mais avançado. Segundo esta corrente a evolução para um novo nível de

desenvolvimento é resultado de um novo equilíbrio que surgiu de um desequilíbrio

produzido pelas ações no próprio nível anterior: “... o desequilíbrio que torna

possível uma mudança evolutiva do indivíduo não é fruto de ações e/ou

informações relativas a um nível superior.” (Silva, 1991, p. 9 )

Para Piaget, o ser social é aquele que consegue se relacionar com

seus semelhantes de forma equilibrada. O equilíbrio de uma troca de pensamento

supõe um sistema comum de signos e definições, uma reciprocidade de

pensamento entre interlocutores e uma mesma operação mental.

Estudos piagetianos apontam para o fato de que o equilíbrio das

relações sociais somente é possível entre sujeitos que tenham atingido o

pensamento operatório, que representa, o grau máximo de socialização do

pensamento. Ou seja, a maneira de ser social de uma criança é diferente da

maneira de ser social de um adolescente. Desta forma, explica que no estágio

sensório motor é impossível esperar da criança uma real socialização da

inteligência. A criança age individualmente, não sendo ainda capaz de realizar

“trocas sociais”. Só a partir da aquisição da linguagem é que a criança inicia uma

troca efetiva de inteligência, assim a compreensão da linguagem infantil envolve,

necessariamente, o entendimento de sua relação com o pensamento.

No estágio pré-operatório as trocas sociais se ampliam, mesmo com

algumas limitações comuns em crianças dessa fase, entre elas estão: a utilização

das mesmas palavras com definições diferentes sem avaliar as diferenças, a

incapacidade de aderir a uma escala comum de referência (no jogo de regras,

cada criança segue as suas próprias regras, não sendo capaz de partir de uma

referência única e comum); a criança na fase pré-operatória não mantém, durante

uma conversa, as definições e afirmações que ela mesma faz; a criança pequena

apresenta dificuldade em colocar-se no ponto de vista do outro. Essas limitações

próprias do estágio interferem na comunicação e afetam o diálogo com crianças

maiores num intercâmbio social.

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As trocas intelectuais entre crianças nessa fase são restritas e refletem

um grau de socialização precário. Só mais tarde, quando ingressarem no estágio

operatório-concreto, é que começam a efetuar trocas intelectuais mais

consistentes e, paralelamente alcançam o que Piaget denomina personalidade –

que é o produto mais refinado da socialização – quando a criança é capaz de

submeter-se voluntariamente às normas de reciprocidade e de universalidade. O

processo de socialização descrito nos estudos de Piaget passa por diversos

graus, partindo do “grau zero” (recém-nascido) para o grau máximo, representado

pelo conceito de personalidade.

As diversas etapas que definem as qualidades diferenciadas do ser

social, acompanham as etapas do desenvolvimento cognitivo, intercaladas pelas

interações sociais. Assim, a lógica representa a forma final do equilíbrio das

ações. Esse caminho em busca do equilíbrio inicia-se no período sensório-motor,

quando a criança constrói esquemas de ação que constituem uma espécie de

lógica e das percepções. Essa primeira organização da inteligência anuncia o

próximo estágio, o pré-operatório, no qual as ações serão interiorizadas, ou seja,

efetuadas mentalmente. Nessa fase, embora a criança já seja capaz de empregar

símbolos e signos, ainda lhe falta a reversibilidade, ou seja, a capacidade de

pensar simultaneamente o estado inicial e o final de alguma transformação

efetuada sobre os objetos. A reversibilidade será construída nos estágios

operatório-concreto e formal. Primeiro, a criança raciocina de forma coerente

desde que possa manipular os objetos ou imaginar-se nessa situação de

manipulação, depois já é capaz de raciocinar sobre simples hipótese (formal-

abstrato). Para Piaget, esse processo em busca do equilíbrio é próprio de todo

sistema vivo e por isso tem bases biológicas.

Neste contexto, as relações individuais exercem um papel onde o

sujeito precisa construir conhecimentos em resposta a uma demanda social de

qualquer tipo e também precisa comunicar seu pensamento, cuja correção e

coerência serão avaliados pelos outros. Piaget distingui dois tipos de relação

social: a coação e a cooperação.

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A coação social é definida como toda relação entre dois ou maios

indivíduos na qual intervém um elemento de autoridade ou de prestígio.

“Isso acontece, por exemplo quando um aluno vê no professor ou em outro adulto, uma pessoa digna de confiança ou um portador de poder, esse aluno passa a tomar tudo que essa pessoa diz como ‘verdade’, acreditando piamente nela.” (Ribeiro, 1999, p. 21)

A coação só possibilita a permanência de crenças e dogmas. Esse tipo

de relação impede o desenvolvimento da inteligência, além de empobrecer as

relações sociais e reforçar o egocentrismo. A cooperação, por sua vez, constitui-

se de relações sociais que propiciam o desenvolvimento da inteligência, através

da discussão, trocas de ponto de vista, controle mútuo dos argumentos e das

provas. A cooperação é o tipo de relação interindividual que representa o mais

alto nível de socialização, possibilitando chegar à verdade. Entretanto, a coação

representa uma etapa obrigatória e necessária para a socialização da criança,

dada a simetria pai/filho ou adulto/criança, que na infância é relação dominante,

Todavia, se somente houvesse coação, não se compreenderia o desenvolvimento

da operações mentais.

Para Piaget, a cooperação necessária a esse desenvolvimento tem seu

início nas relações entre crianças, principalmente nos trabalhos de grupo como

recurso pedagógico. Piaget pensa o social e suas influências sobre os indivíduos

pela perspectiva da ética não remetendo a fatores culturais, ideológicos,

religiosos, socioeconômicos, de riqueza ou pobreza do meio ambiente, entre

outros, como é enfocado por Vygotsky. Para ele ser coercitivo ou cooperativo,

depende de uma atitude moral. O indivíduo deve querer ser cooperativo.

O desenvolvimento cognitivo é condição necessária ao pleno exercício

da cooperação, mas não uma condição suficiente, pois uma postura ética deverá

completar o quadro. A dimensão ética está sempre presente nas relações

interindividuais que pressupõem regras. Por isso, cabe às escolas e instituições

valorizar a igualdade e a democracia. Piaget procura demonstrar, em sua teoria,

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que a democracia é condição necessária ao desenvolvimento cognitivo e à

construção da personalidade dos indivíduos.

1.2. O pensamento de Vygotsky

Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934), habilitado em Direito, Filosofia,

Medicina e psicologia, foi professor de Psicologia e Pedagogia em Moscou, no

período de 1925 a 1934. Iniciou seus estudos buscando uma alternativa dentro do

materialismo histórico dialético para o conflito entre as concepções idealistas e

mecanicistas na Psicologia. Em seus estudos, construiu propostas teóricas

inovadoras no tocante à relação entre pensamento e linguagem, à natureza do

processo de desenvolvimento da criança e ao papel da instrução no

desenvolvimento.

Um pressuposto básico da obra de Vygotsky é que as origens das

formas superiores de comportamento consciente, tais como pensamento,

memória, atenção voluntária e outros; formas essas que diferenciam o homem de

outros animais, devem ser encontradas nas relações sociais que o homem

mantém. Entretanto, o homem não é visto enquanto um ser passivo,

conseqüência dessas relações. Entende-se o homem como um ser ativo, que age

sobre o mundo, sempre em relações sociais e transformando essas ações para

que se constitua o funcionamento de um plano interno.

Desta forma, a teoria defendida por Vygotsky acredita que o ser

humano encontra-se imerso num contexto histórico e cita a pedagogia, enquanto

ciência fundamental para o estudo do desenvolvimento humano, visto que integra

os aspectos biológicos, psicológicos e antropológicos do desenvolvimento infantil,

trata-se de uma síntese de todas as diferentes disciplinas que estudam a criança.

“Para Vygotsky, o sentido de síntese estava ligado à emergência de algo novo para a psicologia, algo que integrasse, numa mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente; enquanto ser biológico e ser social; enquanto

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membro da espécie humana e participante de um processo histórico.” (Ibid., 22)

Neste sentido, o desenvolvimento infantil é visto a partir de três

aspectos: instrumental, cultural e histórico.

O instrumental se refere à natureza basicamente mediadora das

funções psicológicas complexas. Não apenas respondemos aos estímulos

apresentados no ambiente, mas alteramos e usamos suas modificações como um

instrumento de nosso comportamento. Para exemplificar podemos citar o costume

que temos de amarrar uma fita no dedo para lembrar de algo importante. Este

estímulo, representado pela fita no dedo, objetivamente significa apenas que o

dedo está amarrado, entretanto ele adquire sentido, a partir de sua função

mediadora, ou seja, fazer lembrar de algo importante.

O aspecto cultural da teoria envolve os meios socialmente estruturados

pelos quais a sociedade organiza os tipos de tarefa que a criança em crescimento

enfrenta, e os tipos de instrumento, tanto mentais como físicos, de que a criança

dispõe para dominar aquelas tarefas. Um dos instrumentos básicos criados pela

humanidade é a linguagem. Por isso, Vygotsky deu ênfase, em toda sua obra, à

linguagem e sua relação com o pensamento.

O elemento histórico, funde-se com o cultural, pois os instrumentos que

o homem usa para dominar seu ambiente e seu próprio comportamento, foram

criados e modificados ao longo da história social da civilização. Os instrumentos

culturais expandiram os poderes do homem e estruturaram seu pensamento, de

maneira que, se não tivéssemos desenvolvido a linguagem escrita e a aritmética,

por exemplo, não possuiríamos hoje a organização dos processos superiores que

dispomos.

Assim, para Vygotsky, a história da sociedade e o desenvolvimento do

homem caminham juntos e estão de tal forma intrincados, que um não seria o que

é sem o outro. Com essa perspectiva, é que Vygotsky estudou o desenvolvimento

infantil.

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As crianças, desde o nascimento, estão em constante interação com os

adultos, que ativamente procuram incorporá-las a suas relações e sua cultura. No

início, as respostas das crianças são dominadas por processos naturais,

especialmente aqueles proporcionados pela herança biológica. É através da

mediação dos adultos que os processos psicológicos mais complexos tomam

forma. Inicialmente, esses processos são interpsíquicos (partilhados entre

pessoas), isto é, só podem funcionar durante a interação das crianças com os

adultos. À medida que a criança cresce, os processos acabam por ser executados

dentro das próprias crianças, ou seja, processos intrapsíquicos. É através desta

interiorização dos meios de operação das informações, meios estes,

historicamente determinados e culturalmente organizados, que a natureza social

das pessoas tornou-se igualmente sua natureza psicológica.

No estudo feito por Vygotsky (1999), sobre o desenvolvimento da fala,

sua visão fica bastante clara: inicialmente, os aspectos motores e verbais do

comportamento estão misturados. A fala envolve os elementos referenciais, a

conversação orientada pelo objeto, as expressões emocionais e outros tipos de

fala social. Como a criança está cercada por adultos na família, a fala começa a

adquirir traços demonstrativos, e ela começa a indicar o que está fazendo e de

que está precisando. Após algum tempo, a criança, fazendo distinções para os

outros com o auxílio da fala, começa a fazer distinções para si mesma. E a fala

vai deixando de ser um meio para dirigir o comportamento dos outros e vai

adquirindo a função de autodireção.

Fala e ação, que se desenvolvem independentes uma da outra, em

determinado momento do desenvolvimento se convergem, e esse é o momento

de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às

formas puramente humanas da inteligência. Forma-se então um amálgama entre

fala e ação; inicialmente a fala acompanha as ações e, posteriormente dirige,

determina e domina o curso da ação, com sua função planejadora.

O desenvolvimento está fundamentado sobre o plano das interações. O

sujeito faz sua ação que tem inicialmente um significado partilhado. Assim, a

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criança que deseja um objeto inacessível apresenta movimentos de alcançá-lo, e

esses movimentos são interpretados pelo adulto como “desejo de obtê-lo”, e

então lhe dá o objeto. Os movimentos da criança afetam o adulto e não o objeto

diretamente, e a interpretação do movimento pelo adulto permite que a criança

transforme o movimento de agarrar em gesto de apontar. O gesto é criado na

interação, e a criança passa a ter controle de uma forma de sinal, a partir das

relações sociais.

Todos os movimentos e expressões verbais da criança, no início de

sua vida, são importantes, pois afetam o adulto, que os interpreta e os devolve à

criança com ação e/ou com fala. A fala egocêntrica, por exemplo, foi vista por

Vygotsky como uma forma de transição entre a fala exterior e a interior. A fala

inicial da criança tem, portanto, um papel fundamental no desenvolvimento de

suas funções psicológicas.

Para Vygotsky, as funções psicológicas emergem e se consolidam no

plano da ação entre pessoas e tornam-se internalizadas, isto é, transformam-se

para constituir o funcionamento interno. O plano interno não é a reprodução do

plano externo, pois ocorrem transformações ao longo do processo de

internalização. Do plano interpsíquico, as ações passam para o plano

intrapsíquico. Considera, portanto, as relações sociais como constitutivas das

funções psicológicas do homem. Essa visão de Vygotsky justificou o título de

sócio-interacionismo à sua teoria.

Vygotsky deu ênfase, como mecanismo que intervém no

desenvolvimento das funções psicológicas complexas, ao processo de

internalização. Esta é a reconstrução interna de uma operação externa e tem

como base a linguagem. O plano interno, para Vygotsky, não preexiste, mas é

constituído pelo processo de internalização, fundado nas ações, nas interações

sociais e na linguagem.

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O referencial histórico-cultural apresenta, portanto, uma nova maneira

de entender a relação entre sujeito e objeto, no processo de construção do

conhecimento.

Enquanto no referencial construtivista o conhecimento se dá a partir da

ação do sujeito sobre a realidade, sendo o sujeito considerado ativo, para

Vygotsky, esse mesmo sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque constitui

conhecimentos, e se constrói a partir de relações intra e interpessoais. É na troca

com os outros sujeitos e consigo próprio, que vão se internalizando

conhecimentos, papéis, funções sociais, o que permite a constituição do

conhecimento e da própria consciência. Trata-se de um processo que caminha do

plano social – relações interpessoais – para o plano individual interno – relações

intrapessoais.

Desta forma, o sujeito do conhecimento, para Vygotsky, não é apenas

passivo, regulado por forças externas que vão moldando; não é somente ativo,

regulado por forças internas; ele é interativo.

Ao nascer, a criança se integra em uma história e uma cultura, a

história e a cultura de seus antepassados, próximos e distantes, que se

caracterizam como peças importantes na construção de seu desenvolvimento. Ao

longo dessa construção estão presentes: as experiências, os hábitos, as atitudes,

os valores e a própria linguagem daqueles que interagem com a criança, em seu

grupo familiar. Estão, ainda, presentes nesta construção a história e a cultura de

outros indivíduos com quem a criança se relaciona em outras instituições

próximas, como por exemplo a escola.

Mas, não devemos entender este processo como um determinismos

histórico e cultural em que, passivamente, a criança absorve determinados

comportamentos para reproduzi-los, posteriormente. Ela participa ativamente da

construção de sua própria cultura e de sua história, modificando-se e provocando

transformações nos demais sujeitos que com ela interagem.

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Enquanto para Piaget a aprendizagem depende do estágio de

desenvolvimento atingido pelo sujeito, para Vygotsky (1987), a aprendizagem

favorece o desenvolvimento das funções mentais:

“O aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer.” (in: Multieducação, 1996: 53)

Para entender a relação entre desenvolvimento e aprendizagem em

Vygotsky, torna-se necessária a compreensão do conceito de “zona de

desenvolvimento proximal”.

Aprendizado ou aprendizagem é o processo pelo qual o indivíduo

adquire informações, habilidades, atitudes e valores, a partir de seu contato com a

realidade, com o meio ambiente e com as pessoas. Para Vygotsky, a idéia de

aprendizado inclui a interdependência dos indivíduos envolvidos no processo, ou

seja, a relação entre aquele que aprende e aquele que ensina. Isto significa que a

aprendizagem ocorre na interação social. É preciso ainda destacar nesse

processo, a importância ao papel do “outro” no desenvolvimento dos indivíduos,

pois considere-se que um indivíduo só se desenvolve em relação ao ambiente

cultural em que vive com o suporte de seu grupo social.

Vygotsky aponta para o conceito de Zona de Desenvolvimento

Proximal como um conceito básico para compreender as relações entre

desenvolvimento e aprendizado, colocando que é no âmbito dessa zona proximal

que pode ocorrer a aprendizagem, referindo-se principalmente, à construção de

um conhecimento que se dá quando um adulto desafia o aprendiz com

questionamentos levando o mesmo a um desempenho além do que sua estrutura

de pensamento naquele momento, permitiria. Desta maneira é que salienta a

importância da linguagem e da presença do “outro” para essa construção. Nesse

sentido, é que ele afirma que o conhecimento é construído pelo sujeito em

interação com o meio social em que vive, desenvolvendo, ao mesmo tempo, sua

inteligência. É através da própria história de vida, do seu cotidiano, resolvendo

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questões, descobrindo, tentando, fazendo, pensando e representando que o

sujeito chega ao conhecimento, apreendendo.

A partir dessa visão, cabe ao educador o papel de interventor,

desafiador, mediador e provocador de situações que estimulem os alunos a

aprenderem a aprender. O trabalho didático deve, portanto, propiciar a construção

do conceito pelo aluno. Aprender é de certa forma, descobrir por seus próprios

instrumentos de pensamento, conhecimentos institucionalizados socialmente.

Vygotsky atenta para o fato de que, para compreendermos

adequadamente o desenvolvimento de um indivíduo, devemos considerar

também seu nível de desenvolvimento “real” e “potencial”. Caracteriza-se como

Zona de Desenvolvimento Real a capacidade que o indivíduo tem de realizar

tarefas independentemente. Esse nível caracteriza o desenvolvimento decorrente

de etapas já alcançadas, já conquistadas pelo indivíduo. Na escola. Isso é

evidenciado nas tarefas e atividades que o aluno realiza sozinho, corretamente e

sem dificuldades. Já a Zona de Desenvolvimento Potencial é caracterizada como

sendo a capacidade que o indivíduo tem para desempenhar atividades com a

ajuda dos adultos ou de colegas mais capazes. Esse nível de capacidade é

constituído por aspectos do desenvolvimento que num determinada momento,

estão em processo de realização. Ou seja, a partir das intervenções de um colega

ou de um adulto, a criança alcança resultados mais avançados do que aquele que

conseguiria caso realizasse a atividade sozinha. Essa intervenção é fundamental

para que o indivíduo aprenda.

Desta forma, verificamos o quanto a aprendizagem interativa permite

que o desenvolvimento avance. Ressaltando a importância das trocas

interpessoais, na constituição do conhecimento, Vygotsky mostra, através do

conceito de zona proximal, o quanto a aprendizagem influencia no

desenvolvimento.

Este conceito traz uma série de implicações para a prática pedagógica,

porque o processo de constituição de conhecimento passa a ter uma importância

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vital e, portanto, deve ser considerado tão importante quanto o produto. A partir

dessa concepção, muda-se radicalmente o papel do professor, que não é mais

aquele que se coloca no centro do processo, ensinando para que os alunos

aprendam passivamente. Ele passa a ser o agente mediador do processo,

propondo desafios e ajudando a resolvê-los, fazendo com que suas intervenções

contribuam para o fortalecimento de funções ainda não consolidadas ou para a

abertura de zonas de desenvolvimento proximal.

1.3 – Emilia Ferreiro e a concepção da escrita.

Os anos 80 registraram, tanto em solo nacional como em todo

continente latino americano, um crescente interesse pelo tema da alfabetização

inicial. Este interesse pode ser fundamentado pela realização de inúmeros

debates sobre este tema específico, desenvolvendo vários espaços para

aprofundamentos das discussões acerca da alfabetização. Neste contexto, a

difusão das idéias de Emilia Ferreiro dirigiu grande parte das reflexões teóricas e

da discussões sobre o tema em questão, não só entre os pesquisadores

científicos, mas também atraindo grande parte dos professores envolvidos com

esta questão.

Emilia Ferreiro é argentina e formada em psicopedagogia. Doutora pela

Universidade de Genebra, foi orientada por Jean Piaget, de quem se tornou

colaboradora no desenvolvimento de seus estudos. Seu primeiro livro traduzido

no Brasil, foi “Psicogênese da língua escrita”, que representou uma grande

evolução conceitual nas referências teóricas sobre alfabetização, iniciando a

instauração de um novo paradigma para a interpretação da forma como a criança

aprende a ler e a escrever.

O objetivo fundamental de suas pesquisas não é a prescrição de novos

métodos para ensino da leitura e da escrita, mas sim o entendimento da evolução

de idéias construídas pelas crianças a respeito da natureza do objeto social, que

é o sistema de escrita. Assim, sua proposta é estudar o desempenho das

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crianças, com a intenção de elaborar uma teoria sobre suas competências, no

marco da visão construtivista de evolução da escrita, rompendo com o mito de

que a aprendizagem da escrita seria apenas uma técnica dependente dos

métodos de ensino.

“...Ao estudar a gênese psicológica da compreensão da língua escrita da criança, Ferreiro desvenda a “caixa-preta” desta aprendizagem, demonstrando como são os processos existentes nos sujeitos desta aquisição.” (Azenha, 1998:36)

As pesquisas de Emilia Ferreiro articulam-se para demonstrar a

existência de mecanismos do sujeito do conhecimento (sujeito epistêmico), que,

na interação com a linguagem escrita (objeto de conhecimento), explicam a

emergência de formas idiossincráticas de compreender o objeto. Ou seja, as

crianças interpretam o ensino que recebem, transformando a escrita convencional

dos adultos, produzindo escritas estranhas e diferentes. Segundo seus estudos,

essas transformações são exemplos dos esquemas de assimilação descritos por

Piaget. O que Emilia desvenda é o porquê destas transformações e a logicidade

utilizada pela criança, ou os processos psicológicos que produzem tais condutas.

Assim conclui-se que a escrita produzida é resultado da aplicação de esquemas

de assimilação ao objeto de aprendizagem (a escrita), ou seja, formas

encontradas pelo sujeito para interpretar e compreender o objeto. Dentro desta

perspectiva, considerar escritas desviantes do padrão (como PT, AO, PO para

PATO) é entender uma nova concepção do desenvolvimento da escrita infantil.

Esses “erros” passam agora a constituir fases de aquisição da língua escrita.

A interpretação do acesso ao conhecimento da escrita, fundamenta-se

na idéia da existência de um processo evolutivo ao longo do desenvolvimento

infantil, como nos relata Ferreiro & Teberosky:

“(...) Pretendemos demonstrar que a aprendizagem da leitura, entendida como questionamento a respeito da natureza, função e valor desse objeto cultural que é a escrita, inicia-se muito antes do que a escola imagina, transcorrendo por insuspeitados caminhos. Que, além dos métodos, dos manuais,

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dos recursos didáticos, existe um sujeito que busca a aquisição de conhecimento, que se propõe problemas e trata de solucioná-los, segundo sua própria metodologia (...) Insistiremos sobre o que se segue: trata-se de um sujeito que procura adquirir conhecimento, e não simplesmente de um sujeito disposto ou mal disposto a adquirir uma técnica particular. Um sujeito que a psicologia da lecto-escrita esqueceu (...)” (In: Azenha, Construtivismo de Piaget a Emilia Ferreiro,1998: 38)

Nesse enfoque, a aprendizagem converte-se na apropriação de um

novo objeto de conhecimento, ou seja, torna-se uma aprendizagem conceitual.

Sendo assim, alfabetizar é construir conhecimento e considerar as conseqüências

do desenvolvimento psicogenético, significa perceber as crianças, com seus

esquemas de assimilação, no centro do processo de aprendizado.

Emilia Ferreiro identificou níveis na evolução da escrita, sendo que, no

nível mais evoluído, a criança já é capaz de ler e escrever, embora sua escrita

não esteja ainda de acordo com os padrões convencionais. Isto porque, até esse

momento o envolvimento da criança era com o processo de construção. A partir

de então, estará atenta às questões ortográficas, buscando, na maioria das

vezes, por si própria, elaborar a forma convencional da escrita. São eles:

Nível Pré-silábico - é o primeiro dos quatro níveis definidos por Emilia

ferreiro na psicogênese da alfabetização. Existem dois níveis pré-silábicos: pré-

silábico 1 e pré-silábico 2. Isso acontece porque o desenvolvimento do processo

de alfabetização tem dois patamares bem nítidos.

No nível pré-silábico 1, a criança ainda não estabelece uma relação

necessária entre a linguagem falada e as diferentes formas de uma

representação, acreditando que se escreve com desenhos, isto é, a grafia deve

conter os traços figurativos daquilo que se escreve.

No nível pré-silábico 2, a criança já usa sinais gráficos, abandonando

no traçado os aspectos figurativos daquilo que quer escrever. É considerado

como nível intermediário e representa a maneira de passar de um nível a outro de

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maior complexidade. É o momento de tomada de consciência de incoerências

entre suas hipóteses e os dados da realidade. A criança descobre que desenhar

não é escrever, que os adultos não escrevem desenhando objetos e as coisas

que os rodeiam.

Nos níveis intermediários, a criança busca equilibrar-se. Nesta fase, o

comportamento dos alunos, costuma ser de rejeição e recusa Quanto a produzir

algo escrito, afirmando que não sabem escrever e que com desenhos não se

escreve. Quando uma criança faz sinais gráficos com desenho junto a eles, já

superou o conflito. Saiu do impasse, sabe que desenho não é escrita, e

acrescenta-o às letras ou quaisquer outros traçados sem conotação figurativa do

que está sendo escrito com o desenho. Passa então a escrever apenas com

sinais gráficos.

Esse nível considera ainda dois eixos: eixo qualitativo – onde a criança

acredita que para que seja possível ler ou escrever uma palavra, torna-se

necessária uma variedade de caracteres gráficos; eixo quantitativo – onde as

crianças de um modo geral, exigem um mínimo de três letras para ler ou escrever

uma palavra. É importante ressaltar que os critérios de variedade e quantidade

permanecerão durante bastante tempo e concorrerão para o aparecimento de

muitos conflitos para as crianças; entretanto, eles são benéficos por gerarem

situações de incoerência e insatisfação, forçando a busca de novas formas de

interpretação.

O rompimento da criança com um esquema anterior de interpretação,

face aos conflitos que surgem, constitui um momento precioso de evolução dentro

do processo de construção, ou seja, da reinvenção do sistema.

Nível silábico – quando a criança sai do nível pré-silábico e entra no

nível silábico, ela deixa de apoiar-se em idéias de vinculação de aspectos

figurativos do referente à palavra que o representa; superou a visão global da

palavra como um todo para considerá-la formada por segmentos; encontrou um

suporte que garante a estabilidade da escrita das palavras – cada palavra é

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sempre escrita com as mesmas letras e percebe que tudo que se fala se escreve.

Isso significa uma revolução na forma de pensar do sujeito que está investindo

sobre a escrita.

O que leva a criança à estabilidade de escrita é o seu enfrentamento

com um conjunto de problemas referentes a escrita possíveis de ser por ela

trabalhados, que estejam à altura de sua capacidade de compreendê-los e sejam

socioafetivamente ricos de sentido e valor para ela. Para chegar à estabilidade da

escrita das palavras a criança precisa superar a concepção de que cada ente é

representado por escrito de modo individual.

As análises sonoras, tanto sobre as letras iniciais dos nomes como

sobre o desmembramento oral das palavras em sílabas, constituirão a porta de

entrada para a vinculação pronúncia-escrita.

No nível silábico a criança encontra uma nova fórmula para entrar no

mundo da escrita, descobrindo que pode escrever uma letra para cada sílaba da

palavra e uma letra por palavra na frase. É uma solução incompleta para explicar

o sistema que estrutura nossa língua escrita, mas isso satisfaz a criança naquele

momento. À medida que vai escrevendo, ela mesma cai perceber que sua

hipótese não é completa, pois não permite a decodificação, visto que é impossível

ler o que a criança escreve neste nível, nem ela própria consegue ler o que

escreveu.

A criança que evolui no nível silábico vai descobrir que a leitura do que

escreve não é possível porque faltam elementos discriminativos nas sílabas. Não

é preciso que o professor aponte ou marque com quaisquer sinais as letras que

estão faltando. O aluno precisa descobrir as letras que faltam ao seu tempo, pois

só assim poderá perceber a incompletude de sua hipótese. É preciso deixar que o

aluno possa esgotar por si mesmo o desejo de utilizar a hipótese silábica, o que

representa um passo muito significativo no seu processo de aquisição da escrita.

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Essa segunda fase intelectual - silábica - é o que Piaget denomina

fase discursiva, e ela pode ser sustentada, a fim de que se propiciem ajustes das

várias hipóteses sobre os vários aspectos da construção do sistema de escrita.

Nível silábico-alfabético – a passagem da hipótese silábica para a

alfabética constitui-se num momento fundamental da evolução psicogenética da

leitura e da escrita. A criança abandona a hipótese silábica e descobre a

necessidade de fazer uma análise, que aprofunde a questão da construção da

sílaba.

A criança que escreve de acordo com a fase silábica, à medida que vai

verificando a insuficiência de sua hipótese de associar uma letra para cada sílaba

oral, amplia o seu campo de fonetização. Em vez de fonetizar cada palavra,

preocupando-se com as sílabas orais como unidades lingüísticas, ela inicia a

fonetização de cada sílaba, percebendo-a normalmente constituída de mais de

uma letra. A criança vislumbra assim o princípio alfabético da escrita e avança

para o nível silábico-alfabético. Para chegar a esse nível, o aluno percorre um

caminho longo e amplo chamado psicogênese, em que interferem,

simultaneamente, o corpo, a afetividade e a inteligência, assim como o contexto

social e cultural em que o aluno está inserido.

Dois fatos explicam a passagem do nível silábico para o silábico

alfabético:

1 - A impossibilidade de ler o que se escreve silabicamente, que se

situa em dois casos: a) impossibilidade de leitura pela própria criança que

produziu uma certa escrita do tipo silábico; a criança esquece o que quis

escrever, não decodifica a sua própria escrita, porque lhe faltam elementos

discriminatórios; b) impossibilidade da leitura por outras pessoas daquilo que a

criança produziu.

É importante ressaltar que, a não decodificação do que a criança

escreve constitui-se num enorme e doloroso conflito para ela.

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2 – A impossibilidade de ler o que as pessoas já alfabetizadas

escrevem.

Para a criança silábica, é impossível ler o que as pessoas escrevem

convencionalmente, pois acredita que sobram letras no escrito convencional.

Desta forma está gerado o conflito, porque a criança sabe que nos livros ou em

outro portador de texto, a grafia é correta e que as pessoas alfabetizadas têm a

autoridade de saber ler e escrever.

É muito importante para a criança que avança para o nível conceitual

silábico-alfabético conhecer a grafia adequada de algumas palavras através da

autoridade do contexto cultural que a cerca, ou seja, a autoridade dos

alfabetizados. O confronto entre as grafias corretas de palavras e o tipo de escrita

silábica produzida pela criança é fonte de reflexão e ajuda na passagem para o

nível silábico-alfabético, porque a criança percebe a necessidade de acrescentar

mais letras do que as que põe no nível precedente.

No nível silábico-alfabético toma-se como ponto de partida o aspecto

em que a escrita funciona como um sistema de representação da linguagem oral.

Ainda nessa fase a criança escreve, nas palavras, algumas sílabas só com uma

letra e outras sílabas com duas letras, persistindo ainda a dificuldade de

decodificação daquilo que escreveu. É o momento transitório da oralidade para a

escrita. E é no âmbito da oralidade para a escrita que as produções escritas das

crianças, quer enquanto representação dos “pedaços” de sua fala, quer no

contexto de vida para interpretação, ganham significação por menores e mais

fragmentados que sejam.

Nível alfabético – a hipótese silábico alfabética também não satisfaz

completamente a criança, e ela prossegue sua pesquisa em busca de uma

solução mais completa que só será alcançada por intermédio da fonetização da

sílaba, ou seja, a constituição alfabética das sílabas.

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Essa fonetização da sílaba não é instantânea e definitiva. O aluno

começa a escrever alfabeticamente algumas sílabas, enquanto escreve outras na

hipótese silábica. São escritas silábico-alfabéticas, mas já fazem parte do nível

alfabético, mesmo em se tratando do uso de dois tipos de concepções.

O nível alfabético caracteriza-se pelo reconhecimento do som da letra.

Entretanto, a criança não consegue, nesse nível, a solução de todos os

problemas no que se refere à leitura e escrita.

O primeiro problema que a criança enfrenta refere-se aos tipos de

sílabas. As crianças de modo geral, generalizam que todas as sílabas têm sempre

suas letras e dificilmente concluem, automaticamente, que existem sílabas de

uma, duas, três, quatro ou cinco letras.

O segundo problema vivenciados pelas crianças diz respeito à

separação das palavras na produção de textos. Durante a escrita de textos

espontâneos, as crianças ora emendam palavras, ou seja realizam as chamadas

junturas, ora dividem palavras em duas ou três partes, o que podemos chamar de

segmentação. Isso acontece porque, quando a criança escreve, concentra-se na

sílaba, assim, as palavras tendem a desaparecer como um todo. Essa é uma

característica muito comum das crianças ao ingressarem no nível alfabético e já

são trabalhadas visando à construção da base ortográfica.

O terceiro problema refere-se à ênfase sobre a escrita fonética. A

criança ao realizar a adequação fonética do escrito ao sonoro, enfrenta questões

ortográficas. Descobre que uma mesma letra pode ter som de outra, como, por

exemplo o s com som de z.

Por último, a criança enfrenta dificuldades na escrita e na leitura de

sílabas complexas. A compreensão de grupos consonantais é fruto de muito

lógico de raciocínio e não de memorização ou fixação mecânica. A aquisição da

base ortográfica envolve a inter-relação de componentes lógicos, perceptivos

motores, afetivos, sociais e culturas na aprendizagem. É preciso um trabalho

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constante com a construção das sílabas com dígrafos e encontros consonantais

nesse nível de conceitualização.

O nível alfabético constitui o final da evolução construtiva do

aprendizado da leitura e escrita. Uma aprendizagem marcada pela reelaboração

pessoal do aluno e da reflexão lógica.

Analisando a descrição dos processos utilizados pela criança para

compreender a escrita e a leitura, podemos dizer que esta é uma das principais

contribuições de Emilia Ferreiro, demonstrando o papel ativo do sujeito com a

construção do seu próprio conhecimento, ou seja percebemos que a criança ao

se apropriar de leitura e da escrita não estabelece apenas uma relação de

memorização, ao contrária ela age, interage e reflete sobre o objeto de

conhecimento. Portanto, os estudos de Emilia Ferreiro quanto à psicogênese da

leitura e da escrita, constituem uma mudança de paradigmas cognitivos que,

consequentemente exige uma reformulação da prática pedagógica.

Pensando na construção de uma prática pedagógica que se aproprie

dessas novas idéias sobre a alfabetização, no próximo nos aprofundaremos no

papel do professor na construção desse conhecimento produzido pelo aluno.

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2. O PAPEL DO PROFESSOR NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO DA CRIANÇA

Analisando a prática pedagógica de qualquer professor podemos

perceber que, por trás de suas ações, sempre existe um conjunto de idéias, ou

seja, concepções que orientam essas ações, mesmo que não se tenha

consciência delas. Por isso, podemos afirmar que a prática educativa é

essencialmente política, visto que diz respeito a uma determinada concepção de

homem, de mundo e de sociedade que acredito e quero construir com meu aluno.

Para compreendermos a ação do professor é preciso desvelar qual

concepção que ele expressa acerca do conteúdo que espera que o aluno

aprenda; do processo de aprendizagem, ou seja, como acredita que a

aprendizagem acontece; e de como deve ser o ensino. Assim, entendemos que

qualquer prática pedagógica pode ser analisada a partir do trio: conteúdo,

aprendizagem e ensino.

Segundo a teoria empirista, que historicamente vem imprimindo suas

idéias sobre o processo ensino-aprendizagem de forma mais intensa, há três

concepções que se articulam para fundamentar a prática do professor onde, o

processo de aquisição da linguagem investe na transcrição da fala, a

aprendizagem acontece pelo acúmulo de informações e o ensino caracteriza-se

pela memorização.

Na teoria sociointeracionista, os estudos da psicogênese, no que se

refere ao conceito da escrita, oferecem informações importantes para o professor

desenvolver suas atividades de modo mais coerente. As pesquisas mostram a

necessidade de mudança conceitual da prática pedagógica, neste sentido é

preciso também uma transformação total na concepção do objetivo da

aprendizagem, do sujeito que aprende e consequentemente do professor.

Entretanto, é preciso ressaltar que romper com antigos e enraizados paradigmas

constitui-se em uma tarefa árdua e difícil, exigindo do professor dedicação e

empenho no estudo e compreensão desse novo paradigma teórico, de forma a

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buscar a reconstrução de uma nova prática pedagógica. Se o professor procura

inovar sua prática, considerando que o ensino é algo construído pelo sujeito

epistêmico sem compreender as fundamentações dessa teoria, pode equivocar-

se metodologicamente, como nos confirma Telma Weisz:

“Quando se tenta sair de um modelo de aprendizagem empirista para um modelo construtivista, as dificuldades de entendimento às vezes são graves. De uma perspectiva construtivista, o conhecimento não é concebido como uma cópia do real, incorporado diretamente pelo sujeito: pressupõe uma atividade, por parte de quem aprende, que organiza e integra os novos conhecimentos aos já existentes. Isso vale para o aluno quanto para o professor em processo de transformação” (Weisz, 2001: 58)

A partir do conhecimento de uma série de fatos vinculados à evolução

psicológica, é necessário pensar outros termos na intervenção pedagógica e em

todos os elementos presentes nessa intervenção, considerando que o importante

é compreender o desenvolvimento das idéias da criança sobre a escrita como um

processo evolutivo.

Assim, sabemos que na prática empirista, a desenvolvimento da

criança é “medido” a partir daquilo que ela sabe ou não, o que torna muito difícil

compreender, o que ela apresenta enquanto evolução cognitiva e que certos

elementos presentes em sua escrita são normais dentro desse conceito de

evolução, mesmo que seja considerado “erro” em relação à escrita convencional

do adulto.

Portanto, o professor deve sempre interpretar a produção gráfica dos

alunos de maneira positiva, respeitado-o enquanto produtor de seu próprio

conhecimento, de forma a valorizar seu esforço para compreender o sistema

alfabético da escrita. Essa perspectiva aponta o sujeito como autor do

conhecimento, o que não significa que a intervenção pedagógica seja

desnecessária, ao contrário, o papel do professor no processo de construção do

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conhecimento consiste em facilitar o intercâmbio entre o sujeito e o objeto desse

processo.

Partindo do pressuposto, de que para a teoria sociointeracionista o

aprendiz é o protagonista do seu próprio processo de aprendizagem, logo, é

aquele que irá transformar as informações em conhecimento. Entretanto, essa

construção não acontece por si só, é preciso que seja propiciada situações em

que o sujeito possa interagir, agir e refletir sobre seu objeto de conhecimento.

É nesse contexto que a presença do professor e sua intervenção torna-

se determinante, pois ele será o agente mediador dessa relação cognitiva, como

podemos compreender pelas palavras de Paulo Freire (2000: 52) que revela sua

arte mais singela e autêntica: “Saber ensinar não é transferir conhecimento, mas

criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.

Essa postura que o professor tem que assumir diante dos outros, é

exigente e difícil, principalmente pelo exercício permanente de ser fazer

instrumento desafiador e estimulador, em busca da autonomia do aluno enquanto

sujeito do processo de aprendizagem. Esse exercício constante requer que o

professor se perceba, também, enquanto um ser em processo, ou seja,

inacabado, predisposto ao novo, ao diferente e à mudança.

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CONCLUSÃO

Tendo em vista os aspectos observados, podemos analisar a

contribuição da teoria sociointeracionista, a partir de uma perspectiva dialética

que propõe como essencial estarmos atentos para o processo de

desenvolvimento da criança e paralelamente para o nosso próprio processo,

considerando que estamos imersos e em interação com a realidade social, e

portanto, estamos em permanente construir e reconstruir.

Dentro deste debate, é importante ressaltar a contribuição deste

estudo para o trabalho cotidiano do profissional de educação, que necessita

estimular, desafiar e instigar constantemente seus alunos, para que estes se

interessem pela a aprendizagem, de forma a desejar a busca incessante do

conhecimento. Esta é uma tarefa árdua e cheia de obstáculos, sejam eles

administrativos, pedagógicos, econômicos, sociais ou até mesmo pessoais.

A concepção de aprendizagem, segundo a teoria sociointeracionista,

se estrutura a partir de uma abordagem global, articulada e coerente de como os

alunos aprendem em situação escolares, e de como os professores podem

contribuir para que seus alunos aprendam mais e melhor. Esse é exatamente o

nó da questão, pois ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar as

possibilidades para sua própria produção.

Reconhecer esta verdade, é reconhecer que a prática educativa é

ideológica e política, diz respeito à concepção do homem e do mundo que se quer

construir. Neste processo o papel do educador é de formador do sujeito que será

capaz de fazer suas escolhas, de construir sua própria história, de ser autônomo.

A educação escolar cumpre múltiplas funções, entre outras, a de ser

instrumento para contribuir para o desenvolvimento e para a socialização de

novas gerações. Através dela, é necessário que a sociedade se esforce em

colocar ao alcance de TODOS, os conhecimentos fundamentais para que possam

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se construírem enquanto cidadãos. Nesta concepção o educando é responsável

último por sua aprendizagem. Porém, reconhece-se que o aluno não constrói o

conhecimento sozinho, mas na sua relação com o outro. O aluno está imerso em

um meio cultural e o professor é o guia que o auxilia a explorá-lo, reconstruí-lo e a

situar-se nele. Por isso aprender não é apenas construir, mas também

COMPARTILHAR.

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