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A ALGUMAS OBSERVAÇOES SOBREA OBRA DE G. ELTON MA YO CARLOS OSMAR BERTERO "Se nossas habilidades sociais tivessem aumentado na medida de nossas habilidades técnicas, não te- riemos assistido a uma nova Ruerra européia." G. ELTON MAYO. GEORGEELTONMAYO,que durante vários anosocupou o cargo de professor de Pesquisa Industrial da Escola Gra- duada de Administração de Emprêsas da Universidade de Harvard, tornou-se mundialmente conhecido por suas contribuições não apenas à teoria e à prática administra- tivas, mas também pelo estímulo que suas reflexões exer- ceram sôbre os cientistas comportamentais que desde en- tão se têm dedicado à pesquisa e ao estudo dos problemas organizacionais. MAYOestá ligado ao Movimento ou Escola das Relações Humanas que a êle deve o seu início e do qual foi o prin- cipal teórico. As posições fundamentais das Relações Hu- manas têm sido freqüentemente exageradas ou mal enten- didas. O que de mais lamentável pode ser dito a respeito da obra de E. MAYOé que ela foi vulgarizada ao nível da prática, de tal forma que por "habilidades das relações humanas" se subentende uma série de atitudes, palavras, atos e omissões que o executivo hábil sabe usar nos mo- mentos adequados e para com as pessoas-chave a fim de CARLOS OSMAR BERTERO - Professor-Adjunto do Departamento de Admi- nistração Geral e Relações Industriais da Escola de Administração de Emprê- sas de São Paulo da Fundação Getúlio VarRas e Redator-Chefe da Revista de Administração de Emprêsas.

ALGUMAS OBSERVAÇOES SOBREA OBRA DEG. ELTON MAYO

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A ALGUMAS OBSERVAÇOESSOBREA OBRA DE G. ELTON MA YO

CARLOS OSMAR BERTERO

"Se nossas habilidades sociais tivessem aumentadona medida de nossas habilidades técnicas, não te-riemos assistido a uma nova Ruerra européia."G. ELTON MAYO.

GEORGEELTONMAYO,que durante vários anos ocupou ocargo de professor de Pesquisa Industrial da Escola Gra-duada de Administração de Emprêsas da Universidade deHarvard, tornou-se mundialmente conhecido por suascontribuições não apenas à teoria e à prática administra-tivas, mas também pelo estímulo que suas reflexões exer-ceram sôbre os cientistas comportamentais que desde en-tão se têm dedicado à pesquisa e ao estudo dos problemasorganizacionais.

MAYOestá ligado ao Movimento ou Escola das RelaçõesHumanas que a êle deve o seu início e do qual foi o prin-cipal teórico. As posições fundamentais das Relações Hu-manas têm sido freqüentemente exageradas ou mal enten-didas. O que de mais lamentável pode ser dito a respeitoda obra de E. MAYOé que ela foi vulgarizada ao nível daprática, de tal forma que por "habilidades das relaçõeshumanas" se subentende uma série de atitudes, palavras,atos e omissões que o executivo hábil sabe usar nos mo-mentos adequados e para com as pessoas-chave a fim de

CARLOS OSMAR BERTERO - Professor-Adjunto do Departamento de Admi-nistração Geral e Relações Industriais da Escola de Administração de Emprê-sas de São Paulo da Fundação Getúlio VarRas e Redator-Chefe da Revistade Administração de Emprêsas.

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fazer prevalecer os seus pontos de vista ou os da adminis-tração em geral, de tal forma que sejam aceitas, mesmoque a aceitação seja prejudicial àqueles que acederam. Asrelações humanas passam conseqüentemente a envolveras habilidades do lôgro elegante e servem aos objetivos dooportunismo sofisticado ou à manutenção das posições deprivilégio, só que suficientemente disfarçadas.

A leitura das obras de G . ELTONMAYOsão indiscutivel-mente ofendidas por tal tipo de interpretação e o pensadorjamais cogitou que tais usos pudessem ser feitos de suasidéias e teses fundamentais.

Sob um outro aspecto o pensamento de MAYO,entre osestudiosos da teoria de organização, foi freqüentementedistorcido, e acabaram por encontrar em seus livros e lheatribuírem coisas que nunca sustentou. Um dêstes aspec-tos é o da oposição total entre as Relações Humanas e aEscola Clássica ou Tradicional de Administração. O con-junto de idéias da Escola Clássica ou Tradicional foi apre-sentado por homens como FREDERICK TAYLOR, H.FAYOL,o casal GILBRETH,URWICKdentre outros. Eramhomens interessados bàsicamente na produtividade indus-trial, lutavam por ela, e suas medidas de racionalização esimplificação do trabalho objetivavam o aumento da pro-dutividade e como conseqüência, o aumento de lucros, di-videndos, salários, e de maneira mais ampla a expansão dosistema industrial e econômico. Para tanto, apoiavam-sena disciplina, expressa na unidade de comando e num cer-to mecanismo organizacional e nos incentivos de naturezapecuniária.

A G. ELTON MAYOesquemàticamente passou-se a atri-buir a negação de todo o sistema erigido pela Escola Clás-sica, e no mesmo impulso iconoclasta, o menosprêzo pelaorganização formal e pelos incentivos de natureza finan-ceira. Os problemas industriais seriam solucionados pelosmecanismos da satisfação individual, que se obteria pelainteração no interior dos pequenos grupos, e pouca im-portância deveria ser dada à compensação pecuniária. Ela

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era irrelevante e, muitas vêzes, prejudicial à eficácia geraldo sistema.

Acreditamos que E. MAYO nunca se apresentou revestidocom a auréola de furor sagrado contra os Clássicos e nemtampouco sugeriu o oportunismo elegante que lhe atri-buem ainda com freqüência os praticantes das relaçõeshumanas.

FUNDAMENTOS TEÓRICOS

As idéias básicas que norteiam as principais objeções deMA YO à Escola Clássica estão sintetizadas no seu livroThe Social Problems of an Industrial Civilization publi-cado em 1945, onde se encontra sua célebre Rabble Hy-pothesis, que já se vem traduzindo habitualmente por Hi-póteses do Populacho, que poderia ser vista como a inter-pretação de MA YO sôbre os fundamentos teóricos da Es-cola Clássica.

A Hipótese do Populacho é um misto de idéias oriundasdo liberalismo econômico do século XIX e das idéias polí-ticas do século XVII, particularmente de THOMAS HOB-

BES. No que diz respeito' à fundamentação política, elapode ser entendida da seguinte maneira. Antes do Estadoe da Sociedade Civil existia o Estado Natural. Sôbre ascaracterísticas do Estado Natural as divergências sãograndes. Um pólo é J.J. ROUSSEAU, com a condição qua-se idílica do homem em estado natural, e o oposto seriaencontrado em T. HOBBES que via no estado natural ocaos, a violência, a morte e a destruição, numa palavra, a"guerra de todos contra todos". Foi a visão hobbesiana doEstado Natural que mais influenciou os princípios da Hi-pótese do Populacho. Os homens em estado de naturezanão são mais do que uma horda, onde todos procuram adestruição de todos e onde o indivíduo se auto-afirma portodos os meios, lançando mão com freqüência da violên-cia. O Estado Natural e a Sociedade, as artes, a filosofia, aatividade econômica constituem uma contradição em têr-mos. O Estado Natural só termina pela vitória do instinto

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de conservação. pois cada indivíduo compreende que suamanutenção seria uma luta sem vencedores, mas apenasde vencidos, porque, por mais forte e poderoso que umindivíduo pudesse ser, jamais poderia sobreviver à vio-lência de qualquer outro indivíduo, mesmo o mais fracoe menos poderoso, que sempre poderia pôr têrmo à suaexistência de maneira violenta.' Desta forma, surge o Co-venant e, com êle, o fim do Estado Natural e o apareci-mento do Estado, único depositário do exercício da vio-lência que se legitima pela abdicação da liberdade de to-dos, em favor da liberdade absoluta do Estado. Êsse passaa ser o único autorizado a exercer a violência e o faz a fimde permitir o aparecimento e o desenvolvimento da So-ciedade Civil. O que distingue o pensamento de T. HOB-BES dos demais contratualistas é a preeminência do Es-tado sôbre a Sociedade Civil, a ponto de antecedê-la cro-nologicamente. Se não fôra o Estado a custodiá-la, a So-ciedade Civil jamais poderia surgir do Estado de Nature-za. Apenas a violência absoluta e exclusiva do Estado per-mite o florescimento da Civilização.

Esta hipertrofia do Estado é que permite a utilização dopensamento hobbesiano como instrumento eficaz para de-fesa de posições anti-revolucionárias. O direito de revolu-ção está automàticamente extinto, porque o pior govêrnoé preferível ao risco do desgovêrno, do colapso do Estadoque levaria inevitàvelmente ao retôrno do Estado Natu-ral que constituiria a reimplantação do caos e da negaçãode tudo o que pudesse assemelhar-se à civilização.

A afirmação de que "a sociedade natural constitui umahorda de indivíduos desorganizados'" encontra sua apli-cação na Teoria Clássica na medida em que se aplicampadrões rígidos de autoridade e liderança, tendo-se comoótima uma organização onde os administradores decidem,ordenam e controlam, e onde os subordinados, por sua

1) HOBBES,Thomas, Leviathan, Nova Iorque, Collier Books, 1962, págs.98/102 e 130/132.

2) MA,yO, G. Elton, The Social Ptoblems of an Industrial Civilization,Cambridge, Harvard University Press, 1945, pág. 40.

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vez, obedecem mecânicamente. A administração incorpo-ra na organização industrial as mesmas funções que o Es-tado exerce na Sociedade Global. Sua justificativa é a pró-pria eficácia do sistema, que seria totalmente destruído,se fôsse outorgada à base sequer la possibilidade de discor-dar. Nas emprêsas, apenas a administração pode exercera violência legítima e desta forma controlar a satisfaçãode tôdas -as necessidades dos subordinados na organiza-ção. Portanto, a interferência de qualquer outro elementoou instituição, como, por exemplo, o Estado ou o Sindi-cato, entre administradores e administrados constitui umaquebra da ordem natural das coisas e a introdução de sé-rio risco para a própria estabilidade e sobrevivência orga-nizacionais.

Um segundo ponto da Hipótese do Populacho era a afir-mação de que "... todo indivíduo age de maneiracalculada a fim de assegurar sua preservação e seus pró-prios interêsses''." O terceiro fundamento da Hipótese éque ". . . todo indivíduo pensa logicamente, utilizando aomáximo suas faculdades, para a consecução de seus obje-tivos"!

Se o primeiro fundamento deve sua origem ao contratua-lismo político do século XVII, especialmente a TROMAS.HOBBES, os dois princípios seguintes são herdeiros incon-fundíveis do liberalismo econômico e especialmente deDAVID RICARDO. As categorias acima refletem a existên-cia do Homo economicus enquanto comportamento. O in-divíduo agirá racionalmente, exercendo plenamente tôdasas suas capacidades a fim de maximizar os resultados desuas ações. O mesmo esquema de otimização encontradiçona teoria econômica clássica é aqui adotada como cons-tituinte fundamental do comportamento individual. O in-divíduo tentará obter o máximo de vantagens com os es-forços utilizados, ou tentará obter as maiores vantagenscom um mínimo de esforços. Portanto, justifica-se a hi-pótese de trabalho da Escola Clássica, segundo a qual os

3) Idem, Ibidem.4) Idem, Ibidem.

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padrões de autoridade e os sistemas de incentivo deve-riam ser cuidadosamente estudados e aplicados com gran-de rigidez porque os operários, agindo como maximizado-res, tentariam obter os seus salários com o menor esfôrçopossível, chegando ao ponto de tentar obter a respectivacompensação financeira sem nenhum trabalho. Isto por-que o homo economicus é um hedonista que, da maneiramais esquemática possível, comporta-se buscando o prazere evitando a dor e o sofrimento. Não é necessário dizer quea maioria dos homens detestam o trabalho e são pregui-çosos congênitos. Só o fazem porque devem assegurar a so-brevivência e quando se aplicam com maior afinco aosseus afazeres o fazem por temor imediato ou remoto dodesemprêgo. Não esquecer que nos encontrávamos no sé-culo XIX onde a ameaça de desemprêgo era um coatorimportante para o comportamento do trabalhador e oexército de reserva uma realidade palpável.

Outro dado importante a ser apresentado é o fato de quea teoria clássica de administração estabelecia dois quadrosde referência para julgar o comportamento das pessoasdentro das organizações empresariais. Um que se aplicavaaos operários, e que acabamos de resumir, e o outro, apli-cado ao pessoal administrativo, que continha juízos de va-lor inteiramente diversos. No momento em que a TeoriaClássica foi elaborada, o administrador e o empresário, ouseja, o proprietário dos fatôres de produção, constituíamuma única pessoa ou um único grupamento social. Os queadministram não o fazem por profissionalização, mas porserem os proprietários, e em grande maioria são fundado-res dos impérios industriais que lideram. O ser adminis-trador carrega a conotação de honestidade, trabalho, aus-teridade, ou seja, tôdas as virtudes menores de uma éticacristã, tão bem descritas por MAX WEBER e por R. H.TAWNEY em suas clássicas obras A ética protestante e oespírito do capitalistno e Religion and the Rise 01 Capi-talism, respectivamente. Tal formulação permitiria, inclu-sive, que se visse a Teoria Clássica de Administração en-quanto manifestação ideológica do capitalismo industrial

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dos fins do século passado." Portanto a Hipótese do Popu-lacho aglutinava idéias próprias do pensamento convencio-nal do século XIX e que se prestavam muito bem parajustificação de um tipo de situação empresarial e de fun-damento às práticas administrativas.

AS BASES EMPÍRICAS

Acreditamos esteja o leitor suficientemente familiarizadocom os experimentos de Hawthorne para que sejamos dis-pensados de repeti-los neste artigo. O que julgaríamos ne-cessário observar é que MAYO foi levado a condenar várioserros básicos da Escola Clássica a partir dos resultados desuas pesquisas na referida fábrica da Western Electric.Num primeiro momento, o que mais chama a atenção éo ceticismo que se desenvolve com relação à estrutura for-mal da organização. MA YO acreditou ter descoberto nasrelações informais, especialmente no pequeno grupo, ascondicionantes da ação grupal que tinha lugar na estruturáformal da organização. O pequeno grupo, enquanto opo-sição à estrutura formal, expressa no organograma e nomanual de administração, repetia no ambiente da fábricaas funções desempenhadas socialmente por aquilo que osociólogochamaria de grupo primário. O que passava entãoa importar era o entendimento do pequeno grupo, de suaimportância enquanto instrumento de satisfação de neces-sidades individuais, e de que como os recursos e energiaslatentes poderiam ser canalizadas pela administração paraa consecução dos objetivos da organização formal.

MA YO considera como de primordial importância para oindivíduo o ser aceito pelo pequeno grupo e, para tanto,estará disposto a desempenhar as funções que o grupo viera exigir. Se o indivíduo trabalha, êle não o fará primordial-mente pela obtenção de um salário, mas para oferecer ao

5) Os que se interessarem por tal tipo de abordagem poderão ler comgrande proveito o livro de BENDlX, Reinhard, Work anta Authority inTndustry : ldeologies oi Management in the Course oi Industrialization,Nova Iorque, Harper & Row Publishers, 1963. Atentar particularmentepara os capítulos quarto e quinto.

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grupo algo que seja pelo grupo sancionado positivamentee que possa ser utilizado como seu instrumento de ingressoe aceitação. Se o grupo não der importância ao trabalhoe ao elevado desempenho profissional, como condições deingresso e aceitação, o indivíduo não hesitará em aquiescerpara com os valores grupais, mesmo que sejam frontal-mente opostos aos valores propostos pela organização for-mal e pela sociedade em geral. Tal afirmação encontrariasustentação empírica nas observações feitas com as equi-pes de montagem de equipamentos PBX, onde os operáriospreferiam ter seus salários diminuídos a cumprir com ospadrões de produtividade impostos pela administração daernprêsa. O cumprimento das tarefas com a rapidez pres-crita pela administração equivalia a trair o grupo e identi-ficar-se com a administração. A necessidade individual deser aceito pelo pequeno grupo responderia pela baixa pro-dutividade da seção.

As recomendações práticas de MAYO, consubstanciados noPrograma de Entrevistas e no Programa de Treinamentode Supervisores, constituiriam os meios para estender atôda a organização o clima favorável e a integração entreos valores do pequeno grupo e os objetivos da organiza-ção formal. Ou, em outros têrmos, para reconciliar o tra-balhador com seu trabalho.

A constatação de que o trabalho industrial, pela sua mono-tonia e pelas condições sociais da fábrica, acaba por geraruma série de anomalias e de distúrbios tanto sociais comoindividuais, era tema recorrente das Ciências Sociais, aofinal do século passado.

O Conflito Industrial era uma destas manifestações a nívelsocial, enquanto os mecanismos de ansiedade e compulsãode neuroses e psicoses constituiriam suas manifestações onível individual. KARL MARX chamou a esta situação deAlienação, e a solução proposta inseria-se no plano político,ou seja, quando por via revolucionária se conseguisse eli-minar a propriedade privada dos meios de produção, e otrabalhador deixasse de alienar em favor do capitalista amais valia, ou seja, a parte não paga de seu trabalho, tôdas

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as demais alienações desapareceriam. A alienação social epolítica tinham suas causas e eram conseqüência da alie-nação econômica, resultante da propriedade privada dosmeios de produção. Eliminada a alienação econômica asdemais desapareceriam ato contínuo. Portanto, o sistemade produção industrial em si nada tinha de alienador. EL-TONMAYOtem uma visão mais pessimista do processo.Para êle a alienação está no cerne do modo industrial deprodução, e pouco adiantaria a socialização dos meios deprodução para que se terminasse com a alienação. Suacausa não reside na posse dos fatôres de produção, masnas relações de autoridade que se desenvolvem no interiordo mundo industrial.

o têrmo alienação nunca foi utilizado por ELTONMAYO,mas acreditamos poder aplicá-lo ao conjunto de situaçõesdescritas por MAYOcomo constituintes da patologia in-dustrial de sua época. O Conflito Industrial, o baixo moral,o elevado turn-over, o desinterêsse generalizado dos operá-rios pelo trabalho, as greves, boicotes e sabotagens, sãomanifestações que MAYOclassificou de anômicas e que se'identificam com o encadeamento de situações que MARXclassificou como manifestações da alienação econômica,social e política do proletariado.

O que MAYOpretendia como o Programa de Entrevistase com o Programa de Treinamento de Supervisores eraeliminar a alienação, ou seja, a patologia do mundo indus-trial, pela modificação das relações de autoridade vigenteno mundo industrial. As soluções propostas por MAYOeque deveriam estender a todo o sistema industrial as con-dições favoráveis de relacionamento encontradas duranteos Experimentos de Western Electric visavam a um pro-jeto muito ambicioso que seria nada mais nada menos doque a reconciliação do operário com o seu trabalho, quesó poderia ser feito através dos valores do pequeno gruIJO.e de sua respectiva aceitação pela organização formal atra-vés de supervisores adequadamente treinados nas habili-dades das Relações Humanas.

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o Programa de Treinamento de Supervisores e a tentativade universalização dos resultados obtidos com os pequenosgrupos baseava-se na hipótese de que " ... a produção dotrabalho é uma função do grau de satisfação no trabalho, aqual, por sua vez, depende do padrão social não-conven-cional do grupo de trabalho." 6 Tal afirmação também im-plica na inexistência de conflitos entre o indivíduo e ogrupo. A tese de MA YO repete aqui a velha teoria do ho-cmem animal político, onde o grupo constitui a tendêncianormal do indivíduo e a crença de que o indivíduo só serealiza inteiramente no grupo. A idéia fazia parte dos me-lhores ideais helênicos e PLATÃO e ARISTÓTELES, embora,por caminhos diversos, não mais fizeram do que reafir-má-la, dando-lhe formulação majestosa na República e naPolítica. O homem só é inteiramente homem quando fazparte da Polis.A dicotomia indivíduo-organização aborrecia profunda-mente ELTON MAYO que só poderia reconhecê-la comoparte de uma situação anômica. Se fôssem eliminadas asanomalias da vida das organizações - o que seria possíveldesde que suas idéias fôssem aceitas e implementadas -o conflito desapareceria simplesmente porque êle não faziaparte da natureza das coisas, ou seja, da relação indivíduo-organização.

HABILIDADES TÉCNICAS E HABILIDADES SOCIAIS

Esta oposição seria explicável por uma situação especialdo mundo industrial no momento em que MA YO teorizava;ou seja, utilizando sua própria terminologia, o desequilíbrioentre as habilidades técnicas (technical skills) e as habili-dades sociais (social skills), No mundo industrial as habi-lidades técnicas estão muito mais desenvolvidas do queas sociais e as causas são encontráveis no próprio sistemade educação formal e nos desentendimentos surgidos aolongo do processo econômico e social. O que se tornava

6) BENDIX, Reinhard & FISHERM, Lloyd H., As Perspectivas de MAYOElton, In: ETZIONI, Amitai, Organizações Complexas, São Paulo, Edi-tôra Atlas S. A., 1967, pág. 125.

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necessario era o desenvolvimento de habilidades sociais,e, para tanto, deveríamos contar com a reformulação detodo o sistema educacional e, no plano da indústria, comas modificações da própria classe dirigente, ou seja, os pró-prios administradores. A ênfase de MAYO no treinamentode supervisores explica-se pelo fato de o supervisor ser umadministrador, e no seu entender o mais importante, poisé o que tem contacto direto com o operário, e, como con-seqüência, de nada adiantaria para implementação dasmodificações convencer apenas os administradores de altonível das novas idéias, se os homens que estão em contactopermanente e direto com os operários continuassem ado-tando as velhas práticas e persistindo nas antigas atitudes.

As habilidades técnicas e sociais são definidas por MAYOno seu livro The Social Problems of an Industrial Civili-zation e merecerão especial atenção de nossa parte nos pró-ximos parágrafos. "A habilidade técnica manifesta-se comoa capacidade para manipulação das coisas para consecuçãodos objetivos humanos." 7 E as " ... habilidades sociaismanifestam-se como a capacidade para receber comunica-ções de outrem 'é responder às atitudes e idéias de outremde forma a promover a participação natural numa tarefacomum.t' " ,

As habilidades técnicas constituem as virtudes econômicasda tradicional economia política, ou seja, da economia clàs-sicamente definida como a disciplina que cuida dos bensescassos a fim de colocá-los a serviço da comodidade hu-mana. Pertencem às virtudes econômicas neste sentido tô-das as técnicas que levem ao contrôle e domínio da natu-reza física, eliminando a hostilidade que as fôrças da natu-reza manifestam para com o homem e utilizando com amais alta eficácia possível os fatôres escassos. O desenvol-vimento tecnológico, que se tem manifestado no ocidenteao longo dos últimos quatro séculos e mais marcadamentecom a Revolução Industrial, é prova definitiva do alto ní-

7) MAYO, Elton, op, cit., pág. 13.

8) Idem, Ibidem.

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vel de desenvolvimento das habilidades técnicas em nossacivilização. Foram tão grandes que, no entender de MAYO,.acabaram por condicionar todo o modo de pensamentodos administradores e empresários. Quando se refere aosadministradores, MAYO sempre os vê como pessoas quesão dotadas de grande habilidade técnica, mas de poucashabilidades sociais. A maneira de tratar os problemas em-presariais, ou seja, a sua redução a têrmos de eficiênciatécnica e financeira, demonstra que as habilidades técni-cas venceram enquanto categorias moldadoras da menta-lidade administrativa.Se formos indagar das causas de um tão grande desenvol-vimento de habilidades técnicas e de tão modesto cresci-mento de habilidades sociais em nossa sociedade indus-trial, tema recorrente na fase final do pensamento deMAYO, acreditamos poder encontrá-la na adesão não clara-mente explícita nos textos, à concepção de ciência encon-tradiça entre os pragmáticos americanos e inglêses dos finsdo século passado e do início de nosso século. Pragmàtica-mente, o conhecimento só se valida na ação, ou seja, pelos:seus resultados práticos. Nesse sentido, podemos afirmarda correção das ciências da natureza, na medida em queelas foram capazes de prover o homem de instrumentosque levaram à dominação da natureza e ao desenvolvi-mento de uma tecnologia. Poderemos falar da correção deuma doutrina ética na medida em que fôr capaz de forne-cer normas de conduta que levem a uma ação social har-mônica e eficaz, ou seja, sempre implicando. em certa dosede conformismo ou de adesão produtiva ao comportamento'Socialvigente e, portanto, convencional. Nesta perspectiva-pragmática, MAYO não poderia deixar de ver no sucessodas ciências da natureza a grande explicação para o de-senvolvimento das habilidades técnicas e no fracasso dasciências sociais a grande explicação para a carência dehabilidades sociais em nossa sociedade industrial. Êle pró--prio nos fala em ciências bem sucedidas (química, física,:fisiologia) e ciências mal sucedidas (sociologia, psicologia,.ciência política)." A explicação para o sucesso de umas

\9) MAYO, op, cit., pág. 19.

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e o fracasso de outras seria, em nosso entender, o fatode que as ciências da natureza adotaram uma atitudepragmática com relação aos seus respectivos objetos deconhecimento, o mesmo não tendo ocorrido com as ciên-cias sociais, pelo menos na época de MAYO. No seu enten-der, não há cientistas sociais, mas filósofos sociais, car-regando aqui a palavra filósofo a pesada herança que opragmatismo e o positivismo do século XIX lhes impunha.A conclusão segue com lógica cristalina e silogística, istoé, que os cientistas sociais desenvolvam suas respectivasciências de modo a criar as habilidades sociais, da mesmamaneira que os cientistas da natureza o fizeram a fim delograr o florescimento das habilidades técnicas.

A esta altura, MA YO é crítico e ao mesmo tempo vítimade um sistema de pensamento. Partilha da ilusão de suaépoca com relação aos fins e ao alcance das ciências so-ciais. Não esquecer que vivia na época do bebeviorismo,onde o comportamento humano deixaria em breve de seralgo imprevisível e objeto tratado com exclusividade porromancistas e dramaturgos, para reduzir-se a uma equa-ção simples cuja chave seria o princípio do estímulo-res-posta. A ingenuidade foi suficientemente poderosa paraatravessar oceanos e podemos encontrá-la na União So-viética dos Planos Qüinqüenais, onde se pensou nas ciên-cias sociais como instrumentos para conhecimento e con-trôle do comportamento individual e social que permitisseinclusive a implementação das metas econômicas, políticase sociais postuladas pelos teóricos do marxismo-leninismo.

A concepção de MAYO sôbre o problema do conhecimentoé intuitivamente pragmática e isto se depreende da críticaàs ciências, classificadas anteriormente como bem sucedi-das, ou seja, as mal sucedidas foram aquelas que não lo-graram nenhuma aplicação na esfera da práxis e, em opo-sição, as bem sucedidas foram exatamente as ciências danatureza que levaram ao desenvolvimento tecnológico.

As demais explicações sôbre o fracasso das ciências sociaispode ser encontrada na problemática pessoal dos cientis-

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tas sociais. A análise de MAYOda patologia dos cientistassociais apóia-se no estudo de PIERREJANET,Les Névroses,publicado em 1915, que permite a MAYOo diagnóstico docientista social como um neurótico, por definição despro-vido de habilidades sociais e conseqüentemente incapazde entendê-las, criá-las e transmiti-las. Como conseqüên-cia de sua personalidade patológica, o cientista social élevado a divagar sôbre questões genéricas, nunca abor-dando problemas específicos e capazes de levar ao desen-volvimento de habilidades sociais. Como prova de sua afir-mação, MAYOrefere-se aos currículos de ciência políticadas universidades americanas e européias na década dosquarenta, que ainda incluíam a leitura de textos' antiquís-simos e "desprovidos de interêsse" como O Contrato Socialde JEANJACQUESROUSSEAU,O Príncipe de MAQUIAVEL,A República de PLATÃO,A Cidade de Deus de SANTOAGOSTINHOe outros textos de desinterêsse geral. A estaaltura o silêncio se impõe para que não se .perturbe o re-pouso eterno do mestre de Harvard a quem muita coisa sedeve no campo da administração. Além disso, MAYOpoucacoisa avança com relação a um tema específico a ser desen-volvido de maneira adequada pelos cientistas sociais e quepermitissem uma real contribuição das ciências sociais, ouseja, a criação de habilidades sociais. Afirma que tal pode-ria ser encontrado no estudo do processo da comunicaçãohumana, pois êste desempenharia um papel fundamentalpara a eliminação do conflito organizacional e de tôda apatologia das organizações. Todavia, não. são fornecidospormenores de como tal estudo deveria desenvolver-se.

No momento em que se trata de universalizar suas idéiase recomendações, ou seja, de estender as experiências reali-zadas em pequenos grupos na Western Electric a tôda afábrica e, posteriormente, a todo o sistema industrial, MAYOterá de encontrar um instrumento de modificação, e acre-dita tê-lo achado entre os próprios administradores. Naverdade, êle mesmo se pergunta no Social Problems sedeveria cogitar da preparação de uma nova elite, uma vezque a existente, isto é, os administradores que atual e pre-sentemente exercem posições administrativas, haviam sido

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acerbadamente criticados pelo seu unilateralismo, pelo fatode possuírem apenas habilidades técnicas e pràticamentenenhuma habilidade social. A sua resposta é negativa, poisnão era necessário buscar uma nova elite, isto é, formaruma nova classe de dirigentes industriais, pelo simples fatode que já existe uma. O que se deveria buscar, então, erasimplesmente o apoio dêste grupo e transmitir-lhes as ex-plicações dos problemas organizacionais e as respectivasrecomendações para que êles próprios aceitassem, se con-vencessem e, uma vez convertidos, se transformassem emapóstolos das Relações Humanas. Quanto à possibilidadede que os administradores não aceitassem ou simplesmentenão pudessem aceitar as idéias propostas, não entra nascogitações de MAYOque parecia preferir ater-se ao refrãoescolástico de que bonum eifusivum sui. Aqui a originali-dade faz falta a MAYo,porque há alguns séculos já se pen-sou que os reis deveriam filosofar, sem todavia terem ja-mais outorgado aos intelectuais o privilégio de ter idéiasnos limites de seus reinos. Mais freqüentemente, o opostoé que teve lugar.

Todavia, um dos vícios mais profundos do pensamento deMAYO,e que indiscutivelmente se encontra no fundamentode tôdas as suas recomendações, é a tentativa de conciliaro inconciliável. Acreditava que nada opunha administra-ção e operários no interior do sistema industrial, reduzindotudo a um mal-entendido fundamental sôbre o problema,mas que fàcilmente se esclareceria mediante o abandonodos pressupostos apontados na hipótese do populacho. E,no seu desejo de conciliar o inconciliável, queria a elimina-ção do próprio conflito do seio da sociedade industrial. Naverdade, pretendia aplicar à sociedade dinâmica caracte-rísticas só encontradiças no modêlo da sociedade estática.Os dois modêlos não constituem uma criação de MAYO,sendo já um patrimônio comum das ciências sociais porvolta da década dos trinta.

A Sociedade Estática é aquela onde as classes sociais, ospapéis e as funções são plena e claramente definidos. Talsociedade está prêsa a um modo agrícola de atividade eco-

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nômica, e nela a mobilidade social inexiste. Como conse-qüência, a simples nomeação da classe a que um indivíduopertence permite que se descrevam suas funções, seus pa-péis, suas origens sociais, bem como o seu futuro. Haveráum código de ética que se impõe a cada indivíduo em fun-ção de sua classe social, pois não se espera que a virtudedo escravo seja o destemor, ou a obediência, virtude con-sentânea com a cidadania. Num tal tipo de sociedade, en-contrar-se-á muito provàvelmente uma fundamentação denatureza teológica para tudo o que existe e se pratica. Asituação imutável não é obra do acaso, mas é a própriaordem natural das coisas, desejada, elaborada e mantidapelos próprios deuses. As expectativas, nesta sociedade, se-rão perfeitamente claras, e inexistirá o risco de as aspira-ções superarem os objetivos alcançados, fatôres de ordemsocial que eliminam do sistema a possibilidade da ansie-dade, da angústia e das tensões individuais. Os valoreséticos, como tudo o mais, se mantêm indefinidamente, e oprocesso de socialização, conduzido primordialmente pelafamília, constitui um instrumento infalível e único para opreparo dos novos membros da sociedade. O processo edu-cacional tem como objetivo exclusivo a transmissão datradição, legitimando o consenso, a ordem social e os valo-res éticos vigentes. A inovação está excluída, porque nãose pode aprimorar o que é perfeito.

A Sociedade Dinâmica é aquela onde o dado fundamentalé a mobilidade social, vista como a capacidade individualde escolha da classe social a que se queira pertencer. Oque resta, a fim de que a posição almejada seja obtida, éapenas uma questão de poder, mas nunca um impedimentoimposto pela própria estrutura social e pela sua legislação.Nada impede que qualquer membro da sociedade dinâ-mica aspire ao pôsto de mandatário supremo. A possibili-dade lhe está teórica e pràticamente aberta, sendo ques-tionável apenas a sua capacidade individual de arregimen-tação de influência e de recursos, quiçá de desempenhoque o levem à posição almejada. Esta sociedáde surge in-discutivelmente sob um modo de produção, que é o capita-

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lismo industrial, e tende a enfatizar o valor e o desem-penho pessoal mais do que a tradição. O valor individualsobrepujará as origens sociais, e a ascensão social estarávinculada ao sucesso e ao desempenho pessoal. Tal de-sempenho será medido pela capacidade individual de con-tribuir para o cumprimento e aperfeiçoamento da própriaracionalidade do processo econômico e social. Não apenasa ascensão, mas a descida de um estrato superior para oinferior serão possíveis, criando-se assim a possibilidadede circulação das elites. Nesta sociedade, haverá umagrande fluidez na conceituação dos papéis e na delimita-ção das funções. Os códigos de conduta e a moral serãoextremamente flexíveis e a perenidade, quando proposta,estará se sujeitando ao imediato questionamento. A pos-sibilidade de uma perenidade ética, ou de uma moral abso-luta, é.afastada pelas próprias modificações que o sistemaeconômico e a mobilidade social acabam por impor. Ouniverso de conhecimento da sociedade dinâmica é igual-mente móvel, criando-se a possibilidade de opor-se ver-dade à verdade e· ter-se de viver simplesmente com o ve-rossímel. Os conhecimentos não são simplesmente acumu-lados, mas poderão ser totalmente rejeitados por novossistemas explicativos que venham adequar-se melhor à ra-cionalidade nova que é proposta, e que será medida pelamaior ou menor eficácia que trouxer ao funcionamento dosistema econômico e social. À instabilidade especulativasegue-se a relativização ética, e desaparece a possibilidadede fundamentação teológica do existente. Se a sociedadeestática é sagrada, a dinâmica será profana e ao relaciona-mento de tipo simpático que prevalecia no modêlo está-tico substituir-se-á o relacionamento formal, frio e cal-culista do modêlo dinâmico.

As expectativas neste tipo de sociedade são ilimitadas e,.conseqüentemente, as aspirações correm o risco de ficaraquém das realizações, o que abre a perspectiva da frus-tração. da angústia, numa palavra, da ansiedade que passaa assaltar o indivíduo. O processo de socialização passainevitàvelmente a uma posição secundária, enquanto pre-parador de indivíduos adaptados à ordem social, uma vez.

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que o processo de socialização só pode transmitir a expe-riência do socializador que não mais servirá plenamenteao socializado, porque estará vivendo uma realidade di-versa daquela que foi experimentada pelos dirigentes doprocesso. Cria-se, por essa via, a possibilidade da educaçãoinadequada e da necessidade constante de revisão do quefoi apreendido.O elemento mítico que permeia grande parte das mani-festações e das ações, tanto coletivas como individuais, detal tipo de sociedade é a idéia de progresso, ou seja, acrença de que tôdas as manifestações culturais humanasseguem um ritmo ascensional, indo sempre em direção aomelhor, eliminando-se paulatinamente tudo o que de im-perfeito possa existir. Não há lugar para o pessimismo oupara uma visão sombria das coisas, uma vez que tudo sesolucionará e o melhor dos mundos é simplesmente umaquestão de tempo e de capacidade para que se possa cons-truí-lo. Se o ethos estático é agrário, o dinâmico será ur-bano. Concluindo, poderíamos afirmar que enquanto a so-ciedade estática é ordenada, harmoniosa e pacífica, a dinâ-mica será fatalmente do conflito, que faz parte de sua pró-pria estrutura. O conflito na sociedade dinâmica será nãoapenas tolerado, mas até estimulado, na medida em quese acredita mais na dialética do que na lógica.

COOPERAÇÃO E CONFLITO

A partir dos modelos expostos, MAYOadota a posição deconciliar posições opostas, ou seja, o dinamismo e a mobi-lidade industriais como a harmonia e as tradições encon-tradiças apenas na sociedade estática. Em sua última obra,afirmou que o seu ideal de bem estar social, que se carac-teriza por uma unidade de propósitos, poderia ser encon-trado apenas na Idade Média, onde tôdas as pessoas einstituições se caracterizavam pela posse de ideais comuns,sob o denominador do catolicismo romano e sob a direçãoda Igreja.lO Deveria ainda ser observado que a unidade de

10) MAYO, Elton, The Politicel Problem of Industrial Civilizetion; Cam-brigde, Harvard University Press, 1947, pâg, 23.

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propósito imputada por MAYOà Idade Média, em suaépoca, já era assunto aberto ao debate e, hoje em dia, nãomais se pode sustentar a tese da harmonia medieval, defi-nitivamente identificada como o movimento de idealiza-ção da Idade Média e partilhada por muitos homens deciência e filósofos dos fins do século passado e princípiosde nosso século.Ainda poderíamos observar a insensibilidade de MAYOaoproblema político, tanto ao nível da sociedade global, comoao nível da emprêsa. Pode ser depreendido de sua obraa sua falta de percepção para os fenômenos políticos, namedida em que êstes estão relacionados, a partir dos prin-cípios dos tempos modernos, com o crescimento da impor-tância do Estado, que se afirmou absorvendo o poder deoutras instituições ou grupos. Inicialmente, o Estado seopõe ao regionalismo e ao localismo feudal e, após se terconsolidado nos limites nacionais, absorve parte das fun-ções outrora da esfera eclesiástica. Todavia, não parou aío poder do Estado, acabando por se introduzir no interiorda própria família, onde o patriarca vê sua autoridade sô-bre mulher e descendentes diminuída e, inclusive, a possede seus bens legitimada pelo Estado, com sua transmissãoaos descendentes regulada também pela autoridade estatal.O último setor que a ideologia dos séculos XVIII e XIXtentou preservar da hipertrofia estatal foi a atividade eco-nômica, graças à crença nos mecanismos auto-reguladores.Em todos os setores e através de tôdas as suas manifesta-ções, o Estado Nacional moderno surge como o único auto-rizado ao exercício da violência legítima e, portanto, capazde estender sua influência compulsoriamente a todos quese encontrem dentro do espaço geográfico recoberto porseu poder. MAYO,desde os primeiros momentos de sua ati-vidade acadêmica, rejeitou a idéia do Estado Poder, pro-pondo a cooperação espontânea como a única alternativaválida e possível para que se atingisse a harmonia.O Estado e o Govêrno passam a ser maus por definição, namedida em que atualmente não podem deixar de represen-tar a compulsão a partir da autoridade central, que jamaispoderá substituir a excelência da cooperação espontânea.

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" ... Os líderes políticos de muitos países introdu-ziram outra complicação infeliz, recaindo na antigaidéia da compulsão através da autoridade central.Isto afetou mesmo os países que nominalmente man-têm a forma de govêrno democrático ( ... ).

A compulsão jamais estimulou a cooperação interes-sada e espontânea; (sob compulsão) o desejo popu-lar de cooperar desaparece progressivamente ( ... ).

O desejo de sobreviver terá de originar-se dedentro."!'

E a essência da maldade da intervenção estatal é exata-mente o fato de ela ter de assumir uma feição autoritáriaque, para MAYO, simboliza a inibição da espontaneidadepara a consecução de uma tarefa e de objetivos comuns.A cooperação espontânea não é um ato de vontade, masdeve brotar de necessidades inerentes ao próprio indiví-duo, uma vez que a natureza humana no seu entender énaturalmente participante. Os indivíduos não podem per-manecer isolados e, conseqüentemente, não cabe ato devontade para iniciar e manter o processo de cooperação.Uma cooperação que resulte de um esfôrço de vontade,com vistas à adesão a determinado conjunto de objetivos,passa a ser uma contradição em têrmos, de acôrdo com asidéias de MAYO.

A miopia para os aspectos políticos da realidade socialnão para com as condenações ao intervencionismo estatale ao uso da violência legítima por parte do Estado emqualquer esfera da atividade social, mas estende-se ao en-tendimento da própria organização industrial. Ao afirmarque o conflito é em última instância o resultado de umafalsa filosofia organizacional, consubstanciada na hipótesedo populacho, e que o desenvolvimento de habilidades so-ciais seria capaz de eliminar, MA YO não reconhece a pos-sibilidade de interêsses realmente antagônicos no interiorda emprêsa. Para êle, administradores bem como admi-nistrados têm um objetivo comum, e julgam-se lutando em

11) Idem, Ibidem, pág. 24.

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campos opostos simplesmente porque não foram suficien-temente esclarecidos para tomar consciência do êrro emque laboram. A tese da identidade de objetivos entre osvários grupos dentro da emprêsa é algo que ainda estápor ser provado, e autores mais recentes, com dados fun-damentados em pesquisa de campo, bem como a própriaobservação da vida empresarial demonstram que freqüen-temente o conflito existe, não por carência no processo decomuaicações, ou por falta de habilidades sociais, mas porreal oposição de interêsses, A êste respeito seria interes-sante consultar CLARK KERR, cuja sensibilidade para osproblemas do conflito industrial são inegáveis ao afirmarque:

"Uns administram e outros são dirigidos. Isto resultaem uma permanente oposição de interêsses, que podeser tolerável mas nunca eliminada em uma sociedadeindustrial complexa. Quanto maior a unidade produ-tiva básica, maior será provàvelmente a oposição deinterêsses." 12

CONCLUSÃO

Restaria observar que a ênfase sôbre as limitações dascompensações de natureza pecuniária e da capacidade fi-siológica, enquanto elementos-chave para aumento da pro-dutividade industrial, foram em grande parte desmentidaspela própria experiência organizacional dos últimos trintaanos. À afirmação de MAYO de que os vários sistemas deincentivo elaborados pelos clássicos pouco efeito surtirampara aumento de produtividade e diminuição da tensãoindustrial, caberia lembrar que, embora não sejam exclu-sivas, as recompensas pecuniárias, ou os vários tipos debenefícios que pedem ser oferecidos pela administração,constituem o elemento decisivo para aumento da satisfa-ção no trabalho, não abandonados, evidentemente, os ou-tros fatôres que devem levar à promoção de um clima

12) KERR, Clark, o Conflito Industrial; seu Objetivo e sua Solução. In Re-vista de Administração de Emprêsas, Rio de Janeiro, GB, FundaçãoGetúlio Vargas, n.? 8, pág. 126.

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aberto, favorável ao desenvolvimento profissional e pessoaldentro da emprêsa. Uma amostra de 514 fábricas norte-americanas, onde haviam sido introduzidos planos de in-centivo, demonstraram que a produção aumentou 38,99%,e as despesas com mão-de-obra diminuíram 11,58%.1;3Além dos vários tipos de benefícios e compensações finan-ceiras, uma possibilidade concreta, bem definida e abertade carreira, constitui outro fator decisivo para diminuiçâodo conflito, motivação ao elevado desempenho, numa pa-lavra no elevado moral que MAYO queria ver presente nasemprêsas. E a ascensão através de uma carreira razoável-mente estruturada implica não só em aumento de prestí-gio e de status, mas deverá vir acompanhada de remune-rações mais elevadas, à medida que se ascende na hierar-quia organizacional.

Outra limitação séria de ELTON MAYO, que seus sucessoresforam obrigados a rever, foi o da importância da organi-zação formal. A crença de que a satisfação psicológica narealização do trabalho deveria ser derivada a partir dopequeno grupo, e o fato de estar implícito em sua teori-zação que a organização formal era a manifestação nãodesejável de um autoritarismo condenável, fêz com que asrelações formais de autoridade, mormente as lineares, fôs-sem passadas a segundo plano. Atualmente, os partidáriosdas Relações Humanas penitenciam-se pelo menosprêzoà organização formal e começam a reconhecer-lhe um pa-pel importante para a consecução dos objetivos organiza-cionais.14

O pensamento de ELTON MAYO padeceu das contradiçõesinevitáveis de sua época, transição entre um período deotimismo vitoriano e de triunfo do liberalismo, seguidosde uma grande catástrofe econômica, a crise de 1929 e as

13) ETZIONI, Amitai, Modem Or~zations, Englewood Cliffs, Prentice RaU,1965, pág. 48.

14) Vide WHYTE, William F., Relações Humanas - um Relatório sôbre oProgresso. In: ETZIONI, Amitai, Organizações Complexas, São Paulo,Editôra Atlas S. A., 1967, pág. 117.

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duas guerras mundiais que vieram questionar seriamentetôdas as verdades até então vigentes. Naquelas circunstân-cias, apresentou-se como crítico do sistema e reconhecemosvalidade à maior parte das condenações que proferiu. To-davia, ao passar à esfera concreta das recomendações,MAYO não conseguiu libertar-se do seu próprio passado li-beral, o que esperamos ter demonstrado pelo caráter ingê-nuo de parte de seu pensamento. Fica preservado o seumérito de ter aberto novas perspectivas à teoria e à prá-tica administrativas.