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SEPARATA DO BOLETIM DA SOCIEDADE DE MATEMÁTICA DE S. PAULO Vol. 10.º – Fascículo 1.º e 2.º – Dezembro 1955 Edison Farah ALGUMAS PROPOSIÇÕES EQUIVALENTES AO AXIOMA DA ESCOLHA Tese apresentada no Concurso para provimento efetivo da Cadeira LI – ANÁLISE SUPERIOR – da Facul- dade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em março de 1954. —1958—

ALGUMAS PROPOSIÇÕES EQUIVALENTES AO AXIOMA DA … · Funções contínuas. 23 § 2º. Filtros e ultra-filtros. Espaços compactos. 25 § 3º. ... 61-63). A que apresentamos aqui

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SEPARATA DO BOLETIM DA SOCIEDADE DEMATEMÁTICA DE S. PAULO

Vol. 10.º – Fascículo 1.º e 2.º – Dezembro 1955

Edison Farah

ALGUMAS PROPOSIÇÕES

EQUIVALENTES

AO AXIOMA DA ESCOLHA

Tese apresentada no Concurso para

provimento efetivo da Cadeira LI –

ANÁLISE SUPERIOR – da Facul-

dade de Filosofia, Ciências e Letras

da Universidade de São Paulo, em

março de 1954.

— 1 9 5 8 —

i

Edison Farah

ALGUMAS PROPOSIÇÕES EQUIVALENTES AO AXIOMA DA ESCOLHA

Tese apresentada no Concurso para

provimento efetivo da Cadeira LI –

ANÁLISE SUPERIOR – da Facul-

dade de Filosofia, Ciências e Letras

da Universidade de São Paulo, em

março de 1954.

Nota. Esta é uma segunda redação da tese sob o título acima. Eliminamos

a “errata” que acompanhava a primeira redação, além de mencionarmos,

agora explicitamente, os axiomas de ZERMELO e incluirmos, também, uma

demonstração do Teorema de BERNSTEIN-CANTOR, a que, antes, apenas

nos referimos.

E. F.

Sumário

Introdução 1

Capítulo I. Noções Fundamentais sobre a Teoria dos Conjuntos 5

§ 1º. Conceitos primitivos; nomenclatura e notações. Relações. 5

§ 2º. Funções 13

Capítulo II. Espaços Topológicos 23

§ 1º. Topologia sobre um conjunto. Funções contínuas. 23

§ 2º. Filtros e ultra-filtros. Espaços compactos. 25

§ 3º. Produto de espaços topológicos. 28

Capítulo III. O Axioma da Escolha e certas proposições que lhe são

equivalentes 33

§ 1º. Alguns teoremas sobre os conjuntos bem ordenados 33

§ 2º. Algumas aplicações do Teorema de Zorn e do Axioma dos

Ultra-Filtros. 37

§ 3º. Proposições equivalentes ao Axioma da Escolha. 41

Referências Bibliográficas 51

Índice Remissivo 53

iii

Introdução

O Axioma da Escolha foi introduzido, na Teoria dos Conjuntos, em

1904, por E. ZERMELO [21], reaparecendo, mais tarde, em 1908, no seu

artigo “Untersuchungen über die Grundlagen der Mengenlehre” ([3], págs.

261-281), onde o autor apresenta uma axiomatização para a Teoria dos Con-

juntos, até então considerada mais sob o ponto de vista “ingênuo’.1 Uma das

formulações do referido axioma (precisamente a que se encontra em [3]) é a

seguinte:

“Dado um conjunto F de conjuntos não vazios e dois a dois sem elemen-

tos comuns, existe um conjunto C, contido na reunião dos conjuntos de F, de

modo que todo conjunto pertencente a F possua um e somente um elemento

de C.”

Tal enunciado pode transformar-se facilmente neste outro ([1], pág. 27)

que, em substância, será o adotado aqui:

“Sendo pXiqiPI uma família de partes de um conjunto E, com todos os Xi

não vazios, existe uma aplicação f de I em E verificando fpiq P Xi para todo

i pertencente a I.”

O Axioma da Escolha intervém, explícita ou implicitamente, às vezes sob

formas particulares, em muitas questões da Matemática Pura, sendo mesmo

imprescindível para o desenvolvimento atual da Matemática, em determina-

dos setores. Ele é utilizado, por exemplo, em questões relativas à compaci-

dade nos Espaços Topológicos (como o Teorema de TYCHONOFF); na prova

da existência de base para Espaços Vetoriais em geral, e em certos importan-

tes teoremas de BANACH para os Espaços Vetoriais reais; na demonstração

de que todo anel com elemento unitário contém um ideal maximal, etc..

Ocorre, muitas vezes, que dada a classe F de conjuntos não vazios e dis-

juntos, se tenha um critério de escolha de um elemento de cada conjunto per-

tencente a F; e assim, o referido axioma se torna, naturalmente, dispensável.

1Na realidade, duas teorias axiomáticas apareceram em 1908: a de BERTRAND RUSSELL

([7], págs. 222-262) e a de E. ZERMELO, ambas com o principal objetivo de eliminar certas

antinomias da Teoria dos Conjuntos.

1

2 INTRODUÇÃO

É o que acontece, por exemplo, nos Espaços Topológicos de caráter enume-

rável, se se trata de extrair um elemento de cada conjunto de uma classe de

conjuntos com os interiores não vazios; também no caso do Teorema da Mé-

dia do Cálculo Diferencial pode-se estabelecer um critério de escolha para os

ξ entre x e a satisfazendo fpxq ´ fpaq “ px ´ aqf 1pξq. Entretanto, há casos

em que, mesmo em se tratando de conjuntos formados, digamos assim, “de

maneira hereditária’, a partir, por exemplo, dos números naturais, não se

conhece critério de escolha; assim, não se sabe extrair um sistema de repre-

sentantes das classes de equivalência para a relação de equivalência “x ” y”

que significa: “x ´ y é racional’ sobre o conjunto dos números reais ([10],

pág. 109). Não é de estranhar, pois, o ter-se encarado de maneira toda espe-

cial o Axioma da Escolha que suscitou, mesmo, entre eminentes matemáticos

do princípio deste século, polêmicas em que se discutia não só o significado

do aludido axioma, como também a sua aceitação.2 Todavia, não deseja-

mos entrar em mais pormenores sobre esse aspecto da questão que envolve,

certamente, considerações de ordem estranha aos domínios da Matemática.

Neste trabalho (de que, a seguir, faremos uma descrição resumida) expo-

mos algumas formas (precisamente seis) do Axioma da Escolha. As desig-

nadas por PIII, PIV , PV e PVI, não obstante serem bem conhecidas, foram

tratadas aqui, principalmente por constituírem formas das mais curiosas do

axioma original.

No primeiro capítulo consideramos a parte preliminar da Teoria dos

Conjuntos, introduzindo, no § 1º, as notações e a nomenclatura emprega-

das no texto, depois de nos referirmos ao sistema de axiomas em que se

fundamenta a nossa exposição. Ainda nesse parágrafo (nº 3) introduzimos a

noção de relação, extraindo, daí, o conceito de função, que aparece no § 2º.

Neste parágrafo (nº 11) se encontra a noção de par ordenado como um caso

particular do conceito de família.

A definição “aritmética” de conjunto finito, adotada no texto, nos pa-

receu a mais oportuna uma vez que já admitimos os números naturais; e

quanto à demonstração de que um conjunto finito não pode ser equipotente

a uma sua parte própria, a que apresentamos e, com algumas modificações,

a que se encontra, por exemplo, em [13] (pág. 68). Finalmente, a distribu-

tividade da intersecção relativamente à reunião aparece sob forma adequada

para a generalização, na igualdade (2) do nº 16.

2Ver, por exemplo, ÉMILE BOREL ([9], págs. 135-179) e W. SIERPINSKI ([10], págs.

103-138).

INTRODUÇÃO 3

No capítulo II damos, de maneira sucinta, as noções de Topologia Geral

que serão utilizadas nas demonstrações dos Teoremas 3 e 6 dos números 37

e 44, respectivamente. Tais noções se encontram, sem modificação essencial,

nos livros de Topologia Geral de N. BOURBAKI [2] (ob. cit.) e [16].

No capítulo III começamos por demonstrar uma proposição a respeito

das boas ordens sobre partes de um conjunto; trata-se da Proposição do nº

303, que utilizaremos na prova de que PI acarreta PIV (embora ela não seja

essencial para esse fim). Aliás, essa proposição se aplica em outras questões

relativas à Teoria dos Conjuntos, como por exemplo, na demonstração de

que o conjunto das potências das partes de um conjunto dado é bem orde-

nado pela ordem habitual ([17]). O Teorema 1 do nº 32, devido a CANTOR

([18], págs. 207-246 – Teoremas N e O), é apresentado com o emprego da

aplicação principal várias vezes mencionada em outras partes do texto (ver

[23], pág 35). Quanto ao Teorema 2 do § 1º (nº 33), a demonstração é,

essencialmente, a que se encontra em [19] (págs. 438-443).

No § 2º do capítulo III, nº 34, estabelecemos uma proposição, várias

vezes utilizada nesse capítulo, que nos permite, até certo ponto, tratar de

modo pessoal os Teoremas 1 e 2 dos números 35 e 36, respectivamente,

assim como as implicações PI ñ PV e PI ñ PVI. Quanto ao Teorema 3 do

nº 37, com que termina o parágrafo, a ideia da demonstração se encontra em

[8].

Finalmente, no § 3º do capítulo III especificamos as proposições que pro-

varemos serem equivalentes ao Axioma da Escolha, começando por demons-

trar o Teorema 1 do nº 39, resultado nosso, que estabelece a equivalêntica

entre o Axioma da Escolha e a distributividade generalizada da intersecção

relativamente à reunião4. Nesse teorema nota-se que a equivalência entre

PI e PII se mantém ainda quando se consideram casos particulares (assim,

por exemplo, o Axioma da Escolha para as famílias enumeráveis é equiva-

lente à distributividade enumerável da intersecção relativamente à reunião).

Quanto à equivalência entre PI e PIII (nº 40, Teorema 2), a demonstração

da primeira parte (Teorema de ZORN) é, com alguma simplificação, a que se

encontra em [20].

Entre as demonstrações de que PI acarreta PIV (nº 41) obtidas a partir do

Teorema de ZORN5 encontra-se, por exemplo, a de C. B. LYRA ([24], págs.

3Essa Proposição aparece em [17] como sendo o Lema 1.4Comunicamos esse resultado à Academia Brasileira de Ciências, em sessão realizada no

dia 22 de setembro de 1953.5O fato de que PIV é uma consequência de PI foi provada, pela primeira vez, por E.

ZERMELO ([21], págs. 514-516 e [22], págs. 107-128).

4 INTRODUÇÃO

61-63). A que apresentamos aqui é, em substância, reprodução da que se

acha no trabalho já citado [17].

No Teorema 4 (nº 42), a implicação PIII ñ PV aparece como uma con-

sequência da Proposição do nº 34. Quanto à demonstração de que PV acar-

reta PI, ou seja, PIV , a que reproduzimos aqui é a do artigo já citado ([19])

de HARTOGS, que foi o primeiro a mostrar a equivalência entre PIV e PV .

Passemos agora à equivalência entre PI e PVI (nº 43, Teorema 5). A im-

plicação PIII ñ PVI se obtém, também, com o emprego da Proposição do nº

34. Quanto ao fato algo surpreendente de que PVI implica PI, ou seja, PIV ,

constatado por A. TARSKI em [26] (págs. 148-150), a demonstração não

difere da que ali se encontra a não ser pela circunstância de não utilizarmos

os números cardeais transfinitos.

O Teorema 6 (nº 44), que estabelece a equivalência direta entre PI e PVI

mostra que a equivalência entre o Axioma da Escolha e o dos Ultra-Filtros

está na dependência de poder deduzir-se, de pU q, a existência da família

pτiqiPI de topologias compactas sobre os Ei.

Finalmente, no nº 45, observamos que o Axioma dos Ultra-Filtros (axi-

oma pU q) acarreta PI sob uma forma atenuada, ou seja, o Axioma da Es-

colha para as famílias de conjuntos finitos. (Não nos parece, mesmo, fora

de propósito uma conjectura sobre a não equivalência completa, digamos as-

sim, entre o axioma pU q e PI, mas sim entre o primeiro e um caso particular

do segundo.) Em seguida terminamos chamando a atenção para o fato de

que existe equivalência entre o Teorema de TYCHONOFF e o Axioma dos

Ultra-Filtros.

E. F.

CAPÍTULO I

Noções Fundamentais sobre a Teoria dos Conjuntos

§ 1º. Conceitos primitivos; nomenclatura e notações. Relações.

1. A nomenclatura e as notações sobre a parte da Teoria dos Conjuntos

e da Topologia Geral de que faremos uso neste trabalho se encontram, na

quase totalidade, nos livros “Théorie des Ensembles” (Fascicule des Résul-

tats) [1] e “Topologie Générale” (Chapitre 1) [2] de N. BOURBAKI.

O leitor há de notar que tudo o que aqui se desenvolve poderá funda-

mentar-se num sistema axiomático, como o sistema (Z) sobre o qual nos

pronunciaremos mais adiante. O sistema (Z) é, em substância, o introduzido

por ZERMELO em [3] (naturalmente com a exclusão do Axioma da Escolha),

segundo a apresentação de A. FRAENKEL [4].

A nossa exposição não é formalizada, embora utilizemos, frequente-

mente, certos símbolos lógicos, como o de negação, „, o de conjunção, ^, o

de disjunção, _, o de equivalência ô, e mais os quantificadores D (“existe”)

e @ (“para todo” ou “qualquer que seja”).

As noções primitivas das quais aqui se partem são as de conjunto (ou

classe) e a relação de pertinência entre dois conjuntos. As variáveis a, A, b,

B, . . . , x, X, y, Y, . . . serão consideradas como percorrendo todos os possíveis

conjuntos; e a relação de pertinência entre o conjunto x e o conjunto y será

indicada por x P y (“x é elemento de y” ou “x pertence a y”). A negação de

x P y, isto é, „ px P yq, designar-se-á, mais simplesmente, por x R y.

A partir da relação de pertinência podemos definir a inclusão de um con-

junto em outro, bem como a igualdade entre dois conjuntos. Assim, se todo

o elemento de um conjunto A for elemento de um conjunto B, diremos que

A está contido em B, ou que B contém A, e escrevemos A Ă B (“A contido

em B”). A inclusão A Ă B se exprime também dizendo-se que A é parte

(conjunto parcial ou sub-conjunto) de B. Utilizando-se os símbolos lógicos,

a inclusão A Ă B significará:

p@xq px P A ñ x P Bq.

A negação de A Ă B se indica por A Ć B.

5

6 I. NOÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE A TEORIA DOS CONJUNTOS

Se, agora, tivermos ao mesmo tempo, A Ă B e B Ă A, diremos que o

conjunto A é igual ao conjunto B, e escrevemos, então, A “ B. Em outras

palavras, A “ B é um modo de dizer-se que:

p@xq px P A ô x P Bq.

A negação de A “ B se indica por A ‰ B (“A diferente de B”). Se A Ă B,

porém A ‰ B, então diremos que A é uma parte própria de B, ou ainda,

conjunto parcial (ou sub-conjunto) próprio de B.

Passemos agora ao enunciado dos axiomas do sistema (Z), que serão

designados, abaixo, por ZI, ZII, . . . , ZVII.

ZI. Se o conjunto x for igual ao conjunto y e este pertencer ao conjunto A,

então x pertencerá ao conjunto A. (Em símbolos:

p@xqp@yqp@Aq ppx “ y^ y P Aq ñ x P Aq .q

ZII. Dados os conjuntos x e y, existe um conjunto A cujos elementos são

precisamente x e y. (Em símbolos:

p@xqp@yqpDAq pp@zq rz P A ô pz “ x_ z “ yqsq .q

O conjunto A, que, evidentemente, é univocamente determinado a partir

de x e y, se designa por tx,yu. O conjunto tx, xu se indicará simplesmente

por txu; é o conjunto formado pelo único elemento x.

ZIII. Existe um conjunto, H, sem nenhum elemento, isto é, de tal modo que

p@xq px R Hq.

O conjunto H, obviamente único, é o chamado conjunto vazio.

ZIV . Dada uma classe (conjunto) qualquer, F, existe um conjunto M cujos

elementos são aqueles e somente aqueles que pertencem a pelo menos um dos

conjuntos de F. (Em outras palavras, o conjunto M deve ser tal que

p@xq rx P M ô pDYq pY P F ^ x P Yqs .q

O conjunto M, univocamente determinado a partir de F, se chama reu-

nião dos conjuntos de F, e se designa porď

XPF

X

onde a variável X pode ser substituída por outra qualquer. É claro que se

F “ H, então M “ H. A reunião dos conjuntos A e B, que se designa por

AY B, é a reunião dos conjuntos de tA,Bu.

§ 1º. CONCEITOS PRIMITIVOS; NOMENCLATURA E NOTAÇÕES. RELAÇÕES. 7

ZV . Dado um conjunto qualquer, A, existe um conjunto B cujos elementos

são precisamente os sub-conjuntos de A, isto é:

p@Xq pX P B ô X Ă Aq.

O conjunto B (conjunto das partes de A), que está univocamente associ-

ado a A, se designa por ℘ pAq.

No axioma que se segue (Axioma de Separação) intervêm as chamadas

frases do sistema (Z), algumas das quais já utilizamos em definições e axi-

omas anteriores. Procedendo como em [12] (pág. 8), tais frases podem

definir-se, a partir da relação de pertinência, pela recorrência mútua entre

as condições FI, . . . , FV que se seguem:

FI. Sendo x e y variáveis, “x P y” é uma frase de (Z) em que x e y ocorrem,

cada uma, livremente; e o que resulta da substituição, nessa frase, de x por

outra variável ou por qualquer símbolo que designe um particular conjunto,

e de y por outra variável ou por um símbolo que represente conjunto, é

uma frase de (Z) em que cada uma das novas variáveis ocorre, também,

livremente.

FII. Se ϕ for uma frase de (Z), então „ ϕ será uma frase de (Z) em que as va-

riáveis que ocorrem livremente são precisamente as que ocorrem livremente

em ϕ.

FIII. Se ϕ e ψ forem frases de (Z), então ϕ^ψ será uma frase de (Z) em que

as variáveis que ocorrem livremente são as que ocorrem livremente em pelo

menos uma das frases ϕ e ψ.

FIV . Sendo ϕ uma frase de (Z) em que uma variável, digamos x, ocorre

livremente, então pDxqϕ (“existe x tal que ϕ”) é uma frase de (Z) em que

as variáveis que ocorrem livremente são, excetuando x, exatamente as que

ocorrem livremente em ϕ. Quanto à variável x, ela não ocorre livremente, e

sim vinculadamente em pDxqϕ.

FV . As frases de (Z) são exclusivamente as obtidas por meio de FI, FII, FIIIe FIV .

Observação. Do que precede, resulta que se ϕ e ψ forem frases de (Z), então

ϕ_ ψ e ϕ ñ ψ também serão frases de (Z), pois que significam, respectiva-

mente,

„ pp„ ϕq e „ ψq e „ pϕ^ „ ψq .

Por outro lado, se x ocorrer livremente em ϕ então p@xqϕ (“para todo

x, ϕ”) será uma frase de (Z) (em que x ocorre vinculadamente), pois que

8 I. NOÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE A TEORIA DOS CONJUNTOS

significa

„ ppDxq p„ ϕqq .

Consideremos, agora, um conjunto qualquer, E, e seja ϕ uma frase (do

sistema (Z)) em que só uma variável, digamos, x, ocorre livremente. Então a

frase “ϕ ^ x P E” será o que chamaremos de uma propriedade do elemento

genérico x de E. Posto isto, o Axioma de Separação poderá enunciar-se:

ZVI. Sendo P uma propriedade do elemento genérico x do conjunto E, existe

um conjunto A de tal modo que

p@xq px P A ô Pq .

O conjunto A que, evidentemente é único, está contido em E e se designa

por tx | Pu ou por tx P E | ϕu, onde ϕ é a frase da qual provém P.

Finalmente, vem o chamado Axioma da Infinidade:

ZVII. Existe um conjunto L, ao qual pertence H, e de tal modo que se x P L,

então xY txu P L. (Dito de outra maneira:

pDLq rH P L^ p@xq px P L ñ xY txu P Lqs .q

Pertencem à classe L os conjuntos

H, tHu, tH, tHuu , tH, tHu, tH, tHuuu , . . .

que são, respectivamente, os números naturais 0, 1, 2, 3, . . . . Estes (que

se podem caracterizar por meio de uma conveniente frase do sistema (Z))

formam um conjunto N contido em L.

Escrevendo, para os números naturais m e n (considerados como acima)

m ă n em lugar de m P n, então m ď n, cujo significado é m P n_m “ n,

será a chamada ordem habitual entre os elementos de N, mencionada no nº

5.

Embora possamos prescindir dos números naturais, achamos oportuno

empregá-los em alguns pontos deste trabalho (como, por exemplo, na de-

finição de conjunto finito). Procedemos assim, principalmente porque, pa-

recendo-nos justificável admitir simplesmente tudo o que aqui se utliliza a

respeito de tais números, a nossa exposição se abrevia bastante. Em particu-

lar, lançaremos mão, por mais de uma vaz, do chamado Princípio de Indução

Finita, sob a forma seguinte:

“Seja P uma propriedade do natural genérico n, de modo que:

1º) P é verdadeira para n “ 0 (isto é,

p@nq pn “ 0 ñ Pqq ;

§ 1º. CONCEITOS PRIMITIVOS; NOMENCLATURA E NOTAÇÕES. RELAÇÕES. 9

2º) Se m for um natural qualquer para o qual P é verdadeira, então P

será verdadeira para o natural m` 1. Nessas condições, P é verdadeira para

todo número natural.”

2. Complementar e Intersecção. Dados os conjuntos A e B, com A Ă B,

chama-se complementar de A em relação a B ao conjunto (que certamente

existe e é único) dos elementos de B que não pertencem a A. O complemen-

tar de A em relação a B se designa por ABA ou por B ´ A. E quando se

considera um conjunto suporte E, em relação ao qual se supõem tomados

os complementares de suas partes, escreve-se, mais simplesmente para uma

parte qualquer X de E, AX em lugar de AEX.

Sendo, agora, F uma classe não vazia (de conjuntos, naturalmente), a

intersecção dos conjuntos de F, isto é, o conjunto I dos elementos que per-

tencem a todos os conjuntos da referida classe, existe e é único, pois sendo

M a reunião dos conjuntos de F, tem-se:

I “ tx P M | p@Yq pY P F ô x P Yqu .

A intersecção dos conjuntos de F se indica porč

XPF

X,

onde a variável X pode substituir-se por outra qualquer.

Dados os conjuntos A e B, a intersecção de A e B (ou de A com B), que

se designa por A X B, é a intersecção dos conjuntos de tA,Bu. Diz-se que

A encontra B se A X B ‰ H; quando A não encontra B (isto é, quando

AXB “ H), A e B se dizem mutuamente disjuntos (cada um disjunto com o

outro).

3. Relações. Dados os conjuntos E e F, chama-se relação entre elementos

de E e elementos de F, a toda parte R de ℘ p℘ pEY Fqq formada por conjuntos

ttxu, tx,yuu, com x P E e y P F. Sendo, agora, ϕ uma frase em duas variáveis

livres, digamos x e y, e considerando-se esta outra frase, que chamaremos de

ψ,

ϕ^ px P E^ y P Fq,

determina-se, por meio de ϕ, uma parte R de

℘ p℘ pEY Fqq ,

precisamente a formada pelos conjuntos ttau, ta,buu onde a e b são tais que,

para x “ a e y “ b, ϕ resulte verdadeira (em outras palavras:

p@xqp@yq ppx “ a^ y “ bq ñ ψqq .

10 I. NOÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE A TEORIA DOS CONJUNTOS

Tem-se, com efeito,

R “ tz P ℘ p℘ pEY Fqq | pDxqpDyq pz “ ttxu, tx,yuu ^ψqu .

Então, em vez de dizermos “a relação R entre elementos de E e elementos

de F, determinada pela frase ϕ”, diremos frequentemente (permitindo-nos

uma impropriedade de linguagem): “a relação ϕ ^ px P E ^ y P Fq entre

os elementos genéricos x de E e y de F”, ou, mais simplesmente ainda: “a

relação ϕ^ px P F, y P Fq”.

Considerando, daqui por adiante, “xRy” como um modo de escrever-se

“ttxu,

tx,yuu P R” (que, por sua vez, significa uma certa frase nas variáveis livres x

e y), poderemos também dizer “a relação xRy entre os elementos genéricos

x de E e y de F”, ou, mais simplesmente: “a relação xRy px P E, y P Fq”. Se,

finalmente, E coincidir com F, diremos que R é uma relação sobre E e escre-

veremos, também, para indicá-la: “xRy px,y P Eq” onde x e y são variáveis

livres, e “x,y P E” significa “x P E^ y P E”.

4. Relação de Equivalência. Uma relação R sobre um conjunto E, não

vazio, se dirá uma relação de equivalência sobre E se R for reflexiva, simétrica

e transitiva, isto é, se

p@xq px P E ñ xRxq (reflexividade);

p@xqp@yq pxRy ñ yRxq (simetria);

p@xqp@yqp@zq ppxRy^ yRzq ñ xRzq (transitividade).

Em lugar de xRy, escreve-se, então: x ” y pmod Rq (“x é equivalente a y

segundo R”). Uma parte A de E se diz uma classe de equivalência segundo R

se A é formado pelos elementos de E equivalentes, segundo R, a um mesmo

elemento de E, isto é, se existe, em E, um x de modo que

p@yq py P A ô y ” x pmod Rqq.

O conjunto das classes de equivalência segundo R se denomina conjunto

quociente de E por R e se designa por ER. É claro que os conjuntos perten-

centes a ER são não vazios, têm para reunião E, e são dois a dois disjuntos;

em outras palavras: eles formam uma partição de E.

§ 1º. CONCEITOS PRIMITIVOS; NOMENCLATURA E NOTAÇÕES. RELAÇÕES. 11

Um sistema de representantes das classes de equivalência segundo R é

uma parte S de E para a qual toda classe de equivalência (segundo R) possui

um único elemento pertencente a S.

5. Relação de Ordem. Uma relação ω sobre um conjunto não vazio, E,

se dirá uma relação de ordem sobre E, ou simplesmente, um ordem sobre E,

se forem verificadas as duas seguintes condições:

(1a.) p@xqp@yq rpxωy^ yωxq ñ px “ y^ y P Eqs ;

(2a.) p@xqp@yqp@zq rpxωy^ yωzq ñ xωzs ;

Diremos, então, que E é ordenado pela ordem ω. Se a e b forem dois

elementos de E para os quais se verifique ou aωb ou bωa, então a e b se

dizem mutuamente comparáveis na ordem ω.

Tomando-se, para E, o conjuntoN dos números naturais, a relação x ď y

(com o significado habitual) é uma relação de ordem sobre N; é a ordem

habitual sobreN (ver o final do nº 1). Essa particular ordem sugeriu a leitura

“x inferior ou igual a y” para xωy no caso de uma ordem qualuqer, ω,

sobre um conjunto qualquer E. Abreviaremos ainda essa leitura dizendo

simplesmente: “x inferior a y”, enquanto que: “xωy^ x ‰ y” exprimir-se-á

dizendo-se “x estritamente inferior a y”.

Quando se utilizam as notações x ď y ou x ĺ y para designar-se uma

relação de ordem sobre um conjunto, escreve-se, mais simplesmsente, x ă y

(respect. x ă y) a fim de exprimir-se que x é estritamente inferior a y.

Ordem induzida. Ordem oposta. Sejaω uma relação de ordem sobre um

conjunto E e tomemos uma parte não vazia A de E. Podemos, então, definir

uma relação de ordem, ωA, sobre A, do seguinte modo:

p@xqp@yq pxωAy ô px,y P A^ xωyqq .

A ordem ωA é a ordem induzida por ω sobre A.

Seja, agora, E, um conjunto ordenado pela ordem ω e consideremos a

ordem ω 1, sobre E, definida pela condição:

p@xqp@yqpxω 1y ô yωxq.

Diremos, então, que ω 1 é a ordem oposta de ω. E, uma vez adotada a

leitura, “x inferior a y” para xωy, então xω 1y ler-se-á: “x superior a y”

(acrescentando-se, naturalmente, o advérbio “estritamente” no caso em que

x ‰ y). Quando a relação de ordem for escrita x ď y (ou x ĺ y), sua oposta

se escreve x ě y (respect. x ľ y); e para x estritamente superior a y, ter-se-á,

analogamente, x ą y (respect. x ą y).

12 I. NOÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE A TEORIA DOS CONJUNTOS

Parte totalmente ordenada de um conjunto ordenado. Seja E um con-

junto ordenado pela relação de ordem que designaremos por x ď y. Se uma

parte A de E for constituída de elementos dois a dois mutuamente compa-

ráveis, isto é, p@xqp@yq`

x,y P A ñ px ď y _ y ď xq˘

então diremos que

A é uma parte totalmente ordenada de E. Em particular, se os elementos de

E forem dois a dois (mutuamente) comparáveis, E será totalmente ordenado

pela ordem x ď y, que, por isso, se dirá uma ordem total sobre E.

6. Elementos extremais de uma parte de um conjunto ordenado. Seja E

ordenado por x ď y. Dada, então, uma parte A não vazia de E, diz-se que

um elemento s de E é extremo superior de A e escreve-se: s “ suppAq, se s é

superior a todo elemento pertencente a A, e além disso, todo elemento de E

que supera todos os elementos de A, também supera s. Em outras palavras,

s “ suppAq se forem satisfeitas as duas seguintes condições:

(1a.) p@xq px P A ñ x ď sq;

(2a.) p@yq rpy P E^ p@xq px P A ñ x ď yqq ñ s ď ys .

A definição de extremo inferior deA se obtém simplesmente substituindo-

se, nas condições acima, ď por ě.

É claro que se A admitir extremo superior (inferior) este será único. Se s

for o extremo superior (inferior) de A, e ainda s P A, então diremos que s é o

máximo (mínimo) ou maior (menor) elemento, ou ainda o último (primeiro)

elemento de A.

Elemento maximal. Dada uma parte A de um conjunto ordenado E,

diremos que o elementom de E é um elemento maximal de A sem P A e não

existir, em A, nenhum elemento estritamente superior a m.

7. Conjunto ordenado indutivo. Um conjunto ordenado E se diz indutivo

se toda parte de E, não vazia e totalmente ordenada, admite extremo superior

em E. (Por exemplo, sendo M um conjunto qualquer, o conjunto ℘ pMq,

ordenado por inclusão, isto é, pela ordem X Ă Y (X, Y P ℘ pMq), é indutivo.

Ao invés, o conjunto dos números naturais, ordenado pela ordem habitual,

não é indutivo.)

Admitindo-se o Axioma da Escolha, pode-se demonstrar o seguinte teo-

rema (Teorema de ZORN):

Todo conjunto (não vazio) ordenado indutivo possui pelo menos um ele-

mento maximal.

§ 2º. FUNÇÕES 13

Essa proposição, aliás, é, como veremos no capítulo III, equivalente ao

Axioma da Escolha.

8. Conjunto bem ordenado. Um conjunto E, ordenado por uma ordem

ω, se diz bem ordenado quando toda parte não vazia de E possui primeiro

elemento. Então ω se diz uma boa ordem sobre E.

Dado um conjunto bem ordenado E, e sendo x um elemento qualquer

de E, o conjunto dos elementos de E inferiores a x é o que chamamos de

segmento de E, de extremidade x, e designaremos por Epxq.

Há um teorema, devido a ZERMELO, segundo o qual todo conjunto (não

vazio) pode ser bem ordenado. Esse teorema é equivalente ao Axioma da

Escolha (cap. III, nº 42).

§ 2º. Funções

9. Seja f uma relação entre elementos de um conjunto E (não vazio) e

um conjunto F, de modo que, para cada x P E exista um e somente um y P F

verificando x P E. Então f se diz uma função definida em E, com os valores

em F, ou mais simplesmente: uma aplicação de E em F. O elemento y P F

para o qual xfy, é o valor da função f para o elemento x P E e se designa por

fpxq; diremos, então, que f associa ao elemento x de E o elemento y (igual a

fpxq) de F, elemento esse que se diz, também, correspondente de x pela f.

Dadas as aplicações f, de E em F, e g, de E 1 em F 1, ter-se-á, como facil-

mente se verifica, f “ g, quando e somente quando E “ E 1 e, para todo x P E,

fpxq “ gpxq.

Sendo, agora, A uma parte não vazia de E, e g uma aplicação de A em

F, diremos que g é a restrição da aplicação f de E em F, à parte A de E se

gpxq “ fpxq para todo x P A; a aplicação f se dirá, então, um prolongamento

de g a E.

Dada uma classe F (não vazia) de aplicações de partes de E num certo

conjunto, a relação

f ď g pf,g P Fq,

que significa: “g é um prolongamento de f”, é uma relação de ordem sobre

F; é a ordem por prolongamento sobre F. Evidentemente, ter-se-á f ď g

quando e somente quando f Ă g.

Imagens direta e inversa. Seja f uma aplicação de E em F, e tomemos

uma parte qualquer, A, de E. O conjunto dos fpxq P F para os quais x P A se

chama imagem direta de A pela f, e se designa por fpAq. Temos, portanto,

fpAq “ ty P F | pDxq px P A^ fpxq “ yqu .

14 I. NOÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE A TEORIA DOS CONJUNTOS

Sendo, agora, A 1 uma parte qualquer de F, o conjunto dos x de E para os

quais fpxq P A 1, se denomina imagem inversa (ou recíproca) de A 1 pela f, e

se indica por f´1pA 1q. Tem-se, então:

f´1pA 1q “

x P E | fpxq P A 1(

.

É claro que fpHq “ f´1pHq “ H; e se a parte A de E não for vazia,

também não será a parte fpAq de F. Pode acontecer, porém, que f´1pA 1q seja

vazio sem que o seja A 1. Para que se tenha f´1pA 1q “ H quando e somente

quando A 1 “ H é necessário e suficiente que fpEq coincida com F, ou em

outras palavras, que f seja uma aplicação de E sobre F.

Sendo f uma aplicação biunívoca de E em F, isto é, para a qual a igual-

dade fpxq “ fpx 1q (x, x 1 P E) acarreta sempre x “ x 1, podemos considerar a

aplicação inversa, f´1, de f, como se segue: f´1 é a aplicação de E 1 “ fpEq so-

bre E, que associa a cada y P E 1 o elemento x “ f´1pyq para o qual y “ fpxq.

É óbvio que a aplicação f´1 é também biunívoca. Se f for uma aplicação de E

sobre F, e ainda biunívoca, isto é, uma aplicação biunívoca de E sobre F, es-

tes dois conjuntos dir-se-ão em correspondência biunívoca pela f. Em geral,

quando dissermos simplesmente que dois conjuntos A e B estão em corres-

pondência biunívoca (cara um em correspondência biunívoca com o outro),

ou ainda, que são equipotentes (cara um equipotente ao outro), deveremos

entender que: A e B são vazios, ou existe uma aplicação biunívoca de um

sobre o outro. Neste caso escreveremos, então, A « B (“A equipotente a

B”). Vê-se facilmente que se A « B e C « D, com A X C “ B X D “ H,

então resulta AY C « BYD.

Considerando-se, agora, duas aplicações f e g, respectivamente de E em

F e de F em G, a aplicaçao h de E em G, que associa a cada x P E o elemento

hpxq “ gpfpxqq de G, é a aplicação composta de f e g, e se designa por g ˝ f.

E se f e g forem biunívocas, então h também será biunívoca. Daí resulta que

se E « F e F « G, ter-se-á E « G.

Funções monotônicas. Sejam E e F dois conjuntos ordenados pelas ordens

x ď y e u ĺ v respectivamente, e consideremos uma aplicação f de E em F.

Diremos, então, que f é crescente se fpxq ĺ fpyq sempre que x ď y (x,y P E);

f será estritamente crescente se verificar fpxq ă fpyq sempre que x ă y. A

aplicação f será, ao invés, decrescente (ou estritamente decrescente) se x ď y

tiver sempre como consequência fpyq ĺ fpxq (respect. fpyq ă fpxq).

§ 2º. FUNÇÕES 15

É claro que se o conjunto E for totalmente ordenado, e a aplicação f

estritamente crescente ou estritamente descrescente, então f será biunívoca.

10. Conjuntos finitos, infinitos e enumeráveis. Um conjunto A se dirá

finito se existir um número natural n de tal modo que A seja equipotente ao

conjunto

Nn “ tx P N | x ă nu,

onde, como sempre, N designa o conjunto de todos os números naturais.

(Atendendo à particular maneira de encararmos, aqui, os números naturais,

teremos, obviamente, Nn “ n.)

Uma importante propriedade dos conjuntos finitos é a que se expressa

pelo seguinte

Teorema. Nenhum conjunto finito pode ser equipotente a uma sua parte

própria.

DEMONSTRAÇÃO. Seja P a propriedade do natural genérico n: “ne-

nhum conjunto A « Nn é equipotente a uma sua parte própria; e se B «

Nn`1, então retirando-se um elemento qualquer de B, o conjunto que se ob-

tém será equipotente a Nn”. A propriedade P é, evidentemente, verdadeira

para o natural 0. Supondo-a verdadeira para nmostremos que o é para n`1.

Ora, se um conjunto A 1 for equipotente a Nn`1, então A 1 não poderá estar

em correspondência biunívoca com uma sua parte própria. Com efeiro, se

A 1 fosse equipotente a uma sua parte própria A, digamos, por uma aplicação

biunívoca f de A 1 sobre A, então tomando-se m em A 1 ´ A, teríamos, em

virtude da segunda parte da hipótese de indução:

Nn « A 1 ´ tmu « A´ tfpmqu,

o que é absurdo, visto que A´ tfpmqu é uma parte própria de A 1 ´ tmu. De

outra parte, se B 1 for um conjunto equipotente a Nn`2, por uma aplicação

biunívoca g, digamos, de B 1 sobreNn`2, então, sendo r P B 1, virá: B 1´tru «

Nn`2 ´ tgprqu, donde se deduz que B 1 ´ tru será equipotente a Nn`1, pois

deixando de lado o caso trivial em que gprq “ n` 1, tem-se

B 1 ´ tru « pNn`1 ´ tgprquq Y tn` 1u « Nn Y tnu “ Nn`1.

Então, pelo Princípio da Indução Finita, a propriedade P é verdadeira

para todo natural n, e pois, em particular, nenhum conjunto finito poderá

ser equipotente a uma sua parte própria.

16 I. NOÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE A TEORIA DOS CONJUNTOS

Número de elementos de um conjunto finito. O natural n para o qual o

conjunto finito A é equipotente a Nn, e que, em virtude do teorema anterior,

está univocamente associado a A, é o número de elementos de A.

É importante notar que se A for um conjunto finito, então todo sub-

conjunto de A também será finito. (A demonstração, pelo Princípio de Indu-

ção Finita aplicado ao número de elementos de A, se obtém facilmente com o

auxílio da segunda parte da propriedade P considerada no teorema anterior.)

Conjunto infinito e conjunto enumerável. Um conjunto se diz infinito se

não é finito. Assim, por exemplo, o conjunto dos números naturais é infinito

(pois é equipotente a uma sua parte própria). É claro que todo conjunto que

contenha um conjunto infinito é, também, infinito.

Um conjunto se diz enumerável se é equipotente a uma parte do conjunto

N dos números naturais. Pode-se verificar, então, que todo conjunto infinito

e enumerável é equipotente a N.

11. Famílias. Sejam I um conjunto não vazio e f uma classe, de tal forma

que, para cada i P I exista um e somente um conjunto, que designaremos por

xi, de modo a verificar-se

tiu, ti, xiu(

P f, e ainda, para todo s P f se tenha

s “

tiu, ti,uu(

, com i P I. A classe f será, então, o que chamaremos de

um família (de conjuntos) tendo I para conjunto dos índices. A família f será

designada pelo símbolo pxiqiPI; e, aos xi (i P I), chamaremos de termos da

família f. Sendo E0 a reunião dos conjuntos pertencentes a f, e E a reunião

dos conjuntos de E0, o conjunto dos termos da família f será

A “ ty P E | pDiq pi P I^ y “ xiqu ,

que designaremos, mais simplesmente, por txiuiPI. Se F for um conjunto

qualquer contendo o conjunto A dos termos da família f (e, pois, f será uma

aplicação de I em F), diremos que f é uma família de elementos de F.

Dada uma parte não vazia J Ă I, a família pxiqiPJ se diz uma sub-família

de pxiqiPI.

A família pxiqiPI será finita, infinita, ou enumerável, segundo ocorrer que

o conjunto I dos índices seja, respectivamente, finito, infinito ou enumerável.

E se I for o conjunto dos naturais de 0 a um certo n (isto é, I “ Nn`1) ou o

de todos os naturais (isto é, N), a família pxiqiPI se dirá uma sequência (ou

sucessão); será uma sequência finita no primeiro caso, e infinita, no segundo.

Empregaremos a notação pa,bq para designar a sequência pxiqiPt0,1u, onde:

x0 “ a e x1 “ b; então pa,bq será o que chamaremos de um par ordenado

em que a é o primeiro elemento e b o segundo elemento.

§ 2º. FUNÇÕES 17

Da definição de família segue-se que pxiqiPI “ pyiqiPJ quando e somente

quando I “ J e, para todo i P I, xi “ yi. Em particular, para que pa,bq “

pc,dq é necessário e suficiente que a “ c e b “ d.

Seja, agora, pxiqiPI uma família de elementos de um conjunto ordenado

E, pela ordem que designaremos x ď y. Diremos, então (admitindo uma

impropriedade de linguagem) que a sub-família pxiqiPJ é totalmente ordenada

toda vez que: tomados, em J, dois índices quaisquer, s e t, se verifique ou

xs ď xt ou xt ď xs.

12. Reunião e intersecção de uma família. Seja pXiqiPI uma família de

conjuntos e consideremos o conjunto F “ tXiuiPI dos seus termos. À família

pXiqiPI estão univocamente associados dois conjuntos: a reunião da família

e a intersecção da família, que se designam, respectivamente, porď

iPI

Xi eč

iPI

Xi

e são definidas pelas igualdades:ď

iPI

Xi “ď

YPF

Y eč

iPI

Xi “č

YPF

Y.

Sendo E um conjunto qualquer contendo todos os X P F e considerando-

se os complementares em relação ao suporte E, tem-se a seguinte igualdade:

(1) Aď

iPI

Xi “č

iPI

AXi,

donde (substituindo-se os Xi pelos complementares e tomando-se, depois, os

complementares de ambos os membros) vem:

(1’)ď

iPI

AXi “ Ač

iPI

Xi.

As igualdades (1) e (1’) exprimem a chamada regra de dualidade; cada

uma é a dual da outra.

Imagens da reunião e da intersecção. Seja f uma aplicação de E em F, e

consideremos a família pXiqiPI de partes de E. Verifica-se, então, que

(a) f

˜

ď

iPI

Xi

¸

“ď

iPI

fpXiq;

(b) f

˜

č

iPI

Xi

¸

Ăč

iPI

fpXiq.

18 I. NOÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE A TEORIA DOS CONJUNTOS

Sendo, agora, pYiqiPI uma família de partes de F, tem-se:

(c) f´1

˜

ď

iPI

Yi

¸

“ď

iPI

f´1pYiq;

(d) f´1

˜

č

iPI

Yi

¸

“č

iPI

f´1pYiq.

A igualdade (d) pode deduzir-se de (c), por dualidade, aplicando-se esta

outra, onde Y designa uma parte qualquer de F:

(e) f´1 pAFYq “ AEf´1pYq.

Finalmente, se A Ă B Ă E, e fpAq não encontrar fpB ´ Aq (o que, em

particular, ocorrerá quando f for biunívoca), então

fpB´Aq “ fpBq ´ fpAq.

13. Recobrimentos e partições. Uma família pXiqiPI de conjuntos cuja

reunião contém um certo conjunto A, se diz um recobrimento de A. Se esse

recobrimento tiver para reunião exatamente A, e os Xi forem dois a dois

disjuntos (isto é, Xs X Xt “ H sempre que s ‰ t, com s, t P I) e todos não

vazios (ou seja, Xi ‰ H, para todo i P I), ele será dito uma partição de A.

Dada uma classe não vazia, J, de conjuntos, consideremos a família canô-

nica sobre J, isto é, a família pXiqiPI onde, para cada i P J, Xi “ i. Se, então,

essa família for um recobrimento ou uma partição do conjunto A, diremos

que os conjuntos de J formam um recobrimento, ou, correspondentemente,

uma partição de A.

14. Antes de introduzirmos o produto cartesiano, e formularmos, en-

tão o Axioma da Escolha, vamos demonstrar um importante teorema (de

BERNSTEIN-CANTOR) sobre a equipotência de dois conjuntos, cada um equi-

potente a uma parte do outro. Para a demonstração desse teorema (utilizado

no nº 43, na prova de que PVI acarreta PI), que independe do Axioma da

Escolha, vamos adotar a ideia de ZERMELO, como se pode ver, por exemplo,

em [10] (pág. 92). Provemos, então, o

Teorema. Dados os conjuntos E e F, se E for equipotente a uma parte de F e

este equipotente a uma parte d E, então E será equipotente a F.

DEMONSTRAÇÃO. Deixando de lado o caso trivial em que um dos con-

juntos E e F é vazio, sejam f e g duas aplicações biunívocas, respectivamente,

de E em F e de F em E. Ponhamos

E0 “ E´ gpFq

§ 2º. FUNÇÕES 19

e consideremos a classe F das partes X de E, para as quais se verifique

E0 Y gfpXq Ă X, onde, para maior simplicidade das notações, gfpXq de-

signa gpfpXqq. Ora, é claro que E pertence a F; e indicando-se por E1 a

intersecção de todos os conjuntos de F, ter-se-á, para todo X pertencente a

F: E0 Y gfpE1q Ă X, donde

E0 Y gfpE1q Ă E1.

Desta inclusão tiramos

gf pE0 Y gfpE1qq Ă gfpE1q,

donde se deduz, reduzindo-se E0 a ambos os membros, que E0 Y gfpE1q per-

tence a F e portanto contém E1. Logo

E1 “ E0 Y gfpE1q.

Pondo-se, agora, F “ fpE1q, E2 “ E´ E1 e F2 “ F´ F1, vem, notando-se

que E0 e gpFq são mutuamente disjuntos:

gpF2q “ gpF´ F1q “ gpFq ´ gfpE1q “ pgpFq Y E0q ´ pE0 Y gfpE1qq ,

ou seja: gpE2q “ E´ E1 “ E2.

Em resumo: E1 é equipotente a F1 e E2 equipotente a F2. E como E1 e

E2 são mutuamente disjuntos, assim como F1 e F2, segue-se que E1 Y E2 é

equipotente a F1 Y F2, ou seja, E « F, como se queria provar.

15. Produto cartesiano. Projeções. Dada uma família pXiqiPI de con-

juntos, o produto cartesiano dessa família é, por definição, o conjunto das

famílias pxiqiPI para as quais se tenha xi P Xi, qualquer que seja i P I. Esse

produto cartesiano se designa porź

iPI

Xi,

e os conjuntos Xi se dizem, então, fatores do produto.

Por definição, o produto cartesiano do conjunto A pelo conjunto B, que

se designa por A ˆ B, é o produto cartesiano do par ordenado pA,Bq. O

produto A ˆ B é, pois, o conjunto dos pares ordenados px,yq, com x P A e

y P B. O produto AˆA se escreve, também, A2.

É claro que se algum dos fatores do produto cartesianoź

iPI

Xi

for vazio, o produto também o será; a recíproca, isto é, o fato de queź

iPI

Xi ‰ H

20 I. NOÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE A TEORIA DOS CONJUNTOS

para toda família pXiqiPI em que nenhum dos Xi é vazio, constitui uma das

formas do Axioma da Escolha, justamente a que adotaremos aqui. (Para as

famílias finitas, pode-se demonstrar com o auxílio do princípio de Indução

Finita, que se nenhum dos fatores for vazio, o produto cartesiano também

será não vazio.)

Projeções. No caso em que não é vazio o produto

F “ź

iPI

Xi

da família pXiqiPI, pode-se considerar, para cada t P I, a aplicação prt de F

em Xt, que associa a cada elemento x “ pxiqiPI de F o elemento prtpxq “ xt

de Xt. Essa aplicação prt que é, obviamente, uma aplicação de F sobre Xt, se

denomina projeção de índice t. O valor prtpxq “ xt de prt para o elemento

x P F é a coordenada de índice t de x; e sendo A uma parte qualquer de F,

prtpAq será a projeção de índice t do conjunto A, ou seja: a projeção de A

sobre Xt.

Sendo Yt uma parte de Xt, tem-se

pr´1t pYtq “

ź

iPI

Yi,

onde Yi “ Xi para todo i ‰ t.

16. Distributividade da intersecção relativamente à reunião. Seja pXsqsPS

uma família de famílias de conjuntos, isto é, para cada s P S, Xs é uma família

pYrqrPtsuˆIs , família esta que escreveremos, mais simplesmente: pYs,iqiPIs .

Então, pXsqsPS poderá escrever-se:

`

pYs,iqiPIs

˘

sPS.

Sendo, agora, σ, um elemento genérico do produto cartesiano (que supo-

remos não vazio)ź

sPS

Is, e pondo-se

ď

iPIs

Ys,i “ď

rPtsuˆIs

Yr eč

sPS

Ys,σs“

č

rPŤ

sPStps,σsqu

Yr,

onde, como sempre, σs designa a coordenada de índice s do elemento σ,

pode-se mostrar que, para S finito, subsiste a igualdade

(2)č

sPS

˜

ď

iPIs

Ys,i

¸

“ď

σPś

sPS Is

˜

č

sPS

Ys,σs

¸

.

§ 2º. FUNÇÕES 21

Essa igualdade exprime, para S finito, a distributividade da intersecção

finita relativamente à reunião. Ocorre espontaneamente indagar-se da vali-

dade de (2) para S qualquer, finito ou não. A resposta é afirmativa quando

se admite o Axioma da Escolha; e, mais do que isso, a igualdade (2) para S

qualquer é, como teremos a oportunidade de mostrar, equivalente ao Axioma

da Escolha. Para S qualquer, (2) exprime a distributividade generalizada da

intersecção relativamente à reunião. Sendo E a reunião de todos os Ys,i, ou

seja:

E “ď

sPS

˜

ď

iPIs

Ys,i

¸

,

e substituindo-se, em (2), os Ys,i pelos respectivos complementares em rela-

ção ao suporte E, resulta, depois de se tomarem os complementares de ambos

os membros de (2), a igualdade dual de (2), isto é, a distributividade (finita

ou generalizada, segundo seja S finito ou qualquer) da reunião relativamente

à intersecção.

CAPÍTULO II

Espaços Topológicos

§ 1º. Topologia sobre um conjunto. Funções contínuas.

17. Dado um conjunto E (vazio ou não), consideremos uma classe τ de

partes de E satisfazendo aos dois seguintes axiomas:

τI. A reunião dos conjuntos de uma sub-classe qualquer de τ pertence a τ.

τII. O conjunto E pertence a τ e a intersecção de dois conjuntos quaisquer

de τ pertence a τ.

Dizemos, então, que a classe τ é uma topologia sobre E. O par pE, τq é

o que se chama um espaço topológico de suporte E e topologia τ (ou, com a

topologia τ). Os elementos do suporte E serão denominados, então, pontos

do espaço pE, τq.

Sendo E o suporte de um determinado espaço topológico, admitiremos

a impropriedade de linguagem “espaço topológico E”, que deverá significar

“espaço topológico de suporte E”. Daí advêm outras impropriedades de

linguagem que o leitor poderá facilmente reconhecer e dar-lhe o significado

preciso.

A expressão “seja pEiqiPI uma família de espaços topológicos” que ocorre

no texto deve interpretar-se assim: “são dadas uma família pEiqiPI de con-

juntos e uma família pτiqiPI de partes de ℘ pŤ

iPI Eiq, de modo que, para cada

i P I, τi é uma topologia sobre o conjunto Ei”.

Sendo E um espaço topológico, de topologia τ, os conjuntos pertencen-

tes a τ dizem-se abertos no espaço E. Para conservar uma expressão usual,

diremos, às vezes, “um conjunto aberto na topologia τ”, que significará, sim-

plesmente, “conjunto pertencente a τ”.

Dadas as topologias τ e τ 1 sobre o mesmo suporte E, diremos que τ é

mais fina (ou menos fina) que τ 1 segundo se verifique τ 1 Ă τ (ou, respect.:

τ Ă τ 1). Dentre as topologias sobre E, a menos fina é a em que os únicos

conjuntos abertos são o vazio e E, isto é: τ “ tE, Hu; a mais fina, ou seja,

a topologia discreta sobre E, é a em que todos os sub-conjuntos de E são

abertos, isto é: τ “ ℘ pEq. O espaço E, com a topologia discreta, é o que se

chama um espaço discreto.

23

24 II. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS

Conjuntos fechados. Sendo E um espaço topológico, diremos que uma

parte A de E é um conjunto fechado se o seu complementar for aberto. Por

dualidade, deduzem-se, dos axiomas τI e τII as seguintes propriedades dos

conjuntos fechados:

I. O conjunto E é fechado, e a intersecção dos conjuntos de uma classe não

vazia qualquer de conjuntos fechados é um conjunto fechado;

II. A reunião de dois fechados quaisquer é um conjunto fechado.

18. Vizinhanças. A cada ponto x de um espaço topológico E ‰ H, está

univocamente associado um conjunto V pxq de partes de E, precisamente as

partes V de E que contêm um conjunto aberto ao qual x pertence. Esses

conjuntos V P V pxq são as vizinhanças de x no espaço E (ou na topologia

sobre E). Verifica-se, então, que, para cada x P E, resultam as seguintes

propriedades das vizinhanças de x:

VI. Se V P V pxq e W for uma parte de E contendo V, então W P V pxq;

VII. Se V,W P V pxq, então V XW P V pxq;

VIII. Se V P V pxq, x P V;

VIV . Para cada V pertencente a V pxq existe, em V pxq, um W de tal modo

que V P V pyq qualquer que seja o elemento y de W.

É importante notar que, dado um conjunto E (não vazio), e supondo as-

sociado a cada x de E um único conjunto V pxq ‰ H de partes de E, com as

propriedades VI,. . . ,VIV enunciadas acima, então existe uma única topolo-

gia sobre E, em que, para cada x P E, V pxq é o conjunto (ou sistema) das

vizinhanças de x. Essa topologia é a formada pelas partes de E que são vizi-

nhanças de cada um de seus pontos; em outras palavras: um conjunto A será

aberto se e somente se

p@xq px P A ñ A P V pxqq .

19. Interior e Aderência. Seja E um espaço topológico e consideremos

uma parte A de E. Chama-se interior de A à reunião de todos os conjuntos

abertos contidos em A; chama-se aderência de A à intersecção dos conjuntos

fechados que contêm A. O interior e a aderência de A se designam, respecti-

vamente, por 8A e A. Diz-se que o ponto x de E é interior a A ou aderente a

A segundo se tenha x P 8A ou x P A. Verifica-se, então, que x será interior a

A quando e somente quando A for vizinhança de x; e x será aderente a A se

e somente se toda vizinhança de x encontrar A.

§ 2º. FILTROS E ULTRA-FILTROS. ESPAÇOS COMPACTOS. 25

Da definição de interior e aderência, segue-se que 8A é sempre aberto,

enquanto que A é sempre fechado; além disso, tem-se, evidentemente, H “8H “ H e E “ 8E “ E. Para que se tenha A “ 8A é necessário e suficiente que

A seja aberto, ao passo que A “ A quando e somente quando A é fechado.

20. Funções contínuas. Sejam E e E 1 dois espaços topológicos e consi-

deremos uma aplicação f de E em E 1. Diz-se que f é contínua no ponto x

de E se, qualquer que seja a vizinhança V 1 de fpxq no espaço E 1, a imagem

inversa f´1pVq é vizinhança de x em E. Se f for contínua em cada ponto

de E diremos, simplesmente, que f é uma aplicação contínua de E em E 1.

Verifica-se, então, que f será uma aplicação contínua de E em E 1 quando e

somente quando a imagem inversa, pela f, de todo conjunto aberto em E 1 é

um conjunto aberto em E.

21. Sub-espaços. Seja E um espaço topológico com a topologia τ e consi-

deremos uma parte A de E. Podemos, então, definir uma topologia τA sobre

A, em que os conjuntos abertos são precisamente as intersecções, com A, dos

conjuntos abertos em τ. O espaço A, com a topologia τA, se diz, então, um

sub-espaço de E.

§ 2º. Filtros e ultra-filtros. Espaços compactos.

22. Uma classe não vazia, F, de partes de um conjunto E, se diz um filtro

sobre E se forem verificadas as três seguintes condições:

FI. Se A P F, então todo sub-conjunto B de E que contenha A também

pertence a F;

FII. A intersecção de conjuntos de F, em número finito, pertence a F;

FIII. O conjunto vazio não pertence a F.

Dados os filtros F e F 1 sobre o mesmo conjunto E, diz-se que F é mais

fino que F 1 (e este se dirá, então, menos fino que F) se F 1 Ă F.

Ultra-filtro. Consideremos o conjunto Φ dos filtros sobre um conjunto

dado E. Então, todo elemento maximal de Φ ordenado pela ordem “F é

menos fino que F 1 (F,F 1 P Φ)” é o que se chama um ultra-filtro sobre E; em

outras palavras, um ultra-filtro sobre E é um filtro (sobre o mesmo conjunto)

para o qual não existe nenhum filtro sobre E que lhe seja estritamente mais

fino. (Por exemplo, sendo m um elemento de E, e U o conjunto das partes de

E às quais m pertence, U será um ultra-filtro sobre E.)

23. Bases de filtro. Sendo F um filtro sobre E, e B um sub-conjunto de

F, diz-se que B é uma base de F se todo conjunto pertencente a F contém

26 II. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS

um conjunto pertencente a B (em outros termos, F é o conjunto das partes

de E que contêm algum conjunto de B). Assim, por exemplo, num espaço

topológico E, o conjunto V pxq das vizinhanças de um ponto x P E, que é,

evidentemente, um filtro sobre E (o filtro das vizinhanças de x) possui, para

uma base, o conjunto das vizinhanças abertas de x.

Verifica-se facilmente que um conjunto B ‰ H de partes de E será uma

base de algum filtro sobre E quando e somente quando satisfizer às seguintes

condições:

BI. H não pertence a B;

BII. A intersecção de dois conjuntos quaisquer de B contém um conjunto

pertencente a B.

Geração de um filtro por um conjunto de partes. Dada uma classe não

vazia, G, de partes de E, de modo que a intersecção dos conjuntos de uma

sub-classe finita qualquer (não vazia) de G seja diferente do vazio, verifica-se

que o conjunto B de todas essas intersecções satisfaz BI e BII, e portanto é

uma base de um filtro F sobre E. Dizemos, então, que F é o filtro gerado pela

classe G, a qual, por sua vez, se diz um sistema de geradores de F. O filtro F

é o menos fino de todos os filtros sobre E que contêm a classe G.

24. Seja, agora, f uma aplicação de E em E 1 e consideremos uma base B

de um filtro sobre E. Pondo-se

B 1 “

Y P ℘`

E 1˘

| pDXq ppX P B ^ Y “ fpXqq(

,

verifica-se que B 1 é uma base de filtro sobre E 1, à qual (admitindo mais uma

impropriedade de linguagem) chamaremos de imagem direta de B, pela f,

indicando-a, também, por fpBq.

É importante notar que se B for uma base de um ultra-filtro sobre E,

então fpBq será, também, base de um ultra-filtro sobre E 1. De fato, sendo F 1

o filtro (sobre E 1) de base B 1 “ fpBq, se F2 for um filtro (sobre E 1) mais fino

que F 1, então, quaisquer que sejam Y P F2 e X P B, resultará Y X fpXq ‰ H,

donde se tira f´1pYqXX ‰ H. Isto mostra que f´1pYq encontra todo conjunto

pertencente ao ultra-filtro U sobre E, de base B, e por esse motivo pertencerá

a U, isto é, conterá um certo conjunto A P B. Como Y contém f`

f´1pYq˘

que, por sua vez, contém fpAq, segue-se que Y pertencerá a F, o que prova

que F 1 é um ultra-filtro sobre E 1.

25. Filtros nos espaços topológicos. No caso em que E é um espaço

topológico, definem-se, para as bases de filtro, as noções de ponto aderente e

de limite, como se segue. Assim, o ponto x do espaço topológico E será dito

§ 2º. FILTROS E ULTRA-FILTROS. ESPAÇOS COMPACTOS. 27

um ponto aderente à base de filtro B sobre E, se for aderente a todo conjunto

pertencente a B; e se o filtro sobre E, gerado por B, for mais fino que o

filtro das vizinhanças de x, diremos que x é limite de B, base esta que se dirá,

então, convergente para o ponto x. (Em geral, se uma base de filtro sobre um

espaço topológico converge para algum ponto desse espaço, dizemos que tal

vase é convergente no referido espaço.)

Espaços separados. Pode acontecer que uma base de filtro sobre um

espaço topológico E seja convergente para mais de um ponto de E. Isto,

porém, não ocorrerá se E for um espaço separado (ou, como se costuma

dizer também: “um espaço T2”), ou seja, se satisfizer ao seguinte axioma

(de HAUSDORFF): “Dados dois pontos quaisquer x e y de E, com x ‰ y,

existe uma vizinhança de x e uma vizinhança de y sem pontos comuns”. A

topologia de um espaço separado se diz, também, separada (ou T2).

26. Espaços compactos. Um espaço topológico E se dirá compacto se

satisfizer às seguintes condições:

(c1). E é separado.

(c2). Todo recobrimento aberto de E (isto é, todo recobrimento pΩiqiPI

de E em que Ωi é aberto em E qualquer que seja i P I) contém um sub-

recobrimento finito de E.

A topologia de um espaço compacto se diz compacta. Um espaço dis-

creto, por exemplo, será compacto quando e somente quando for finito.

Da definição de espaço compacto resulta a seguinte

Proposição 1. Para que um espaço topológico E seja compacto é necessário

e suficiente que todo filtro sobre E admita pelo menos um ponto aderente.

DEMONSTRAÇÃO. Observemos primeiramente que a condição (c2) da

definição precedente é equivalente a esta outra, dual de (c2):

(c 12). Toda família de conjuntos fechados em E, cuja intersecção é vazia, con-

tém uma sub-família finita, cuja intersecção é, também, vazia.

Supondo, então, E compacto, e sendo F um filtro qualquer sobre E, mos-

tremos que a intersecção das aderências dos conjuntos pertencentes a F é não

vazia. De fato, do contrário haveria, em virtude de (c 12), uma parte finita F 1

de F de tal modo que a intersecção das aderências dos conjuntos de F 1 fosse

vazia, donde, com maior razão, a intersecção dos conjuntos de F 1 seria vazia,

o que é absurdo, visto que F é um filtro.

28 II. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS

Reciprocamente, se todo filtro sobre E possuir pelo menos um ponto

aderente, E será compacto, pois, sendo pFiqiPI uma família qualquer de

conjuntos fechados em E, cuja intersecção é vazia, tal família conterá uma

sub-família finita cuja intersecção é vazia. Com efeito, se não, pondo-se

G “ tFiuiPI, G geraria um filtro F sem ponto aderente, pois a intersecção das

aderências dos conjuntos de F está contida na intersecção (que é vazia) dos

conjuntos de G.

Provemos finalmente a

Proposição 2. Num espaço compacto E, toda base de ultra-filtro é conver-

gente.

DEMONSTRAÇÃO. Seja, com efeito, B uma base de um ultra-filtro U

sobre E, o qual admitirá, então, um ponto aderente x em E. Como toda

vizinhança de x encontra todo conjunto pertencente a U e este é um ultra-

filtro, U será mais fino que o filtro das vizinhanças de x, isto é, B convergirá

para o ponto x.

Nota. Um espaço compacto, segundo a definição adotada aqui, é o que,

em alguns tratados (por exemplo, em [6]) se chama bi-compacto (separado),

pois, de acordo com esses tratados, um espaço compacto é um espaço topo-

lógico satisfazendo a condição (c2).

§ 3º. Produto de espaços topológicos.

27. Seja pEiqiPI uma família de espaços topológicos, cada Ei com a to-

pologia τi, i P I. Pondo

F “ź

iPI

Ei,

onde os fatores Ei são os suportes dos espaços Ei, consideremos as partes de

F da forma

(3)ź

iPI

Ai

onde cada Ai é um aberto em Ei e, com exceção de um número finito de

índices, Ai “ Ei. É claro que a intersecção de conjuntos da forma (3), em

número finito qualquer, é também um conjunto da forma (3). Seja, então, τ o

conjunto de todas as possíveis reuniões de conjuntos da forma (3). Verifica-

se, sem dificuldade, que τ satisfaz aos axiomas τI e τII, e portanto, é uma

topologia sobre F. Os conjuntos da forma (3), que são particulares abertos

em τ, são os chamados conjuntos abertos elementares de τ.

§ 3º. PRODUTO DE ESPAÇOS TOPOLÓGICOS. 29

O espaço topológico F, com a topologia τ, é o produto topológico da

família pEiqiPI dos espaços topológicos Ei (espaços fatores). Por sua vez, τ é

denominada topologia produto da família pτiqiPI.

Quando F ‰ H, cada projeção pri sobre Ei (i P I) é uma aplicação

contínua de F (com a topologia produto τ) sobre Ei, pois sendoΩi um aberto

qualquer em Ei, o conjunto pr´1i pΩiq será um aberto elementar em F. Além

disso, τ é a menos fina das topologias sobre o conjunto F, para as quais

as projeções pri, i P I, são contínuas, pois se τ 1 for uma tal topologia, os

conjuntos abertos elementares de τ serão abertos em τ 1, e portanto todo

conjunto aberto em τ será aberto em τ 1.

28. Produto topológico de espaços separados. Seja pEiqiPI uma família

de espaços topológicos cujo produto F não é vazio. Tem-se, então, a seguinte

Proposição 3. Para que o produto topológico F seja separado é necessário e

suficiente que cada um dos fatores seja separado.

Com efeito, tomando-se, num qualquer dos fatores, digamos Es, dois

pontos distintos quaisquer, xs e ys, e sendo x “ pxiqiPI e y “ pyiqiPI dois

pontos de F que difiram unicamente pelas coordenadas de índice s (isto é,

xi “ yi para i ‰ s, com i em I), existirão dois abertos elementares

V “ź

iPI

Ai e W “ź

iPI

Bi

que serão vizinhanças de x e y, respectivamente, sem pontos comuns. Como

xs e ys pertencem respectivamente aos abertos As e Bs em Es, e além disso,

As não encontra Bs (pois do contrário, devido à particular escolha de x e y,

verificando prspxq “ xs e prspyq “ ys, V encontraria W), segue-se que Es é

separado.

A condição suficiente é consequência imediata da continuidade das pro-

jeções pri.

29. Compacidade do espaço produto. Sendo pEiqiPI uma família qual-

quer de espaços topológicos, com o produto F “ś

iPI Ei não vazio, pode-se

provar que se o produto topológico F for compacto, o mesmo acontecerá

com cada um dos fatores Ei. A recíproca é verdadeira quando se admite o

seguinte axioma (ao qual chamaremos de Axioma dos Ultra-Filtros):

pU q. Dado um filtro qualquer, F, sobre um conjunto E, existe um ultra-filtro

sobre E mais fino que F.

Pode-se mostrar que esse axioma é uma consequência do Axioma da Es-

colha; porém, não estamos seguros de que exista equivalência entre ambos.

30 II. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS

Restringindo-nos aos axiomas admitidos até agora (isto é, ao sistema (Z))

podemos provar, como já o disssemos, a seguinte

Proposição 4. Seja pEiqiPI uma família qualquer de espaços topológicos cujo

produto F difira do vazio. Então, para que o espaço produto F seja compacto,

é necessário que cada um dos fatores seja compacto.

DEMONSTRAÇÃO. Suponhamos que F seja compacto; então F será sepa-

rado, e, pela proposição 3 do número anterior, sê-lo-á, também, cada um dos

espaços fatores. Por outro lado, sendo pΩjqjPJ um recobrimento aberto qual-

quer do espaço Es, com s P I, e pondo-se pr´1s pΩjq “ Ω 1

j para todo j de J, a

família pΩ 1jqjPJ será um recobrimento de F. Como este é compacto, o recobri-

mento pΩ 1jqjPJ conterá um sub-recobrimento finito pΩ 1

jqjPJ0 de F, e portanto

pΩjqjPJ conterá sub-recobrimento finito pΩjqjPJ0 de Es, o que mostra que o

espaço Es é compacto.

Se, agora, admitirmos o Axioma dos Ultra-Filtros, a condição expressa

na proposição anterior será também suficiente; de modo mais preciso, sub-

sistirá o seguinte

Teorema 1. Para que o produto topológico

F “ź

iPI

Ei

seja compacto é necessário e suficiente que cada um dos espaços fatores seja

compacto.

DEMONSTRAÇÃO. (Condição suficiente). Suponhamos que cada um dos

espaços fatores Ei seja compacto. Dado, então, um filtro qualquer F sobre

F, existirá (pelo Axioma dos Ultra-Filtros) um ultra-filtro U, sobre F, mais

fino que F. Porém, para cada i P I a base de ultra-filtro Bi “ pripUq sobre

Ei converge para um ponto xi P Ei, que é único, em virtude de que Ei é

separado. Provemos que U converge para o ponto x “ pxiqiPI de F. Com

efeito, dada uma vizinhança qualquer, V, de x, conterá um conjunto aberto

elementar

A “ź

iPI

Ai,

ao qual pertence x. Sendo então J a parte finita de I fora da qual Ai “ Ei,

ter-se-á, para J “ H, A “ F, e, para J ‰ H,

A “č

iPJ

pr´1i pAiq.

§ 3º. PRODUTO DE ESPAÇOS TOPOLÓGICOS. 31

Como, para todo i P I, Ai pertence ao ultra-filtro sobre Ei gerado por

Bi, segue-se que pr´1i pAiq pertence ao ultra-filtro U, qualquer que seja i P I.

Portanto A, e consequentemente V, pertence a U, donde se conclui que U

converge para x, e, pois, que x é aderente ao filtro F.

Nota. O teorema que acabamos de demonstrar é o conhecido Teorema de

TYCHONOFF para os espaços compactos. Admitindo-se o Axioma da Esco-

lha, pode-se demonstrar o

Teorema 1’. Para que o produto (não vazio) de uma família qualquer de

espaços topológicos seja um espaço bi-compacto é necessário e suficiente que

cada um dos espaços fatores seja bi-compacto.

Esse teorema, aliás, é equivalente ao Axioma da Escolha, segundo mos-

trou J. L. KELLEY [8]1. O Axioma da Escolha intervém na prova da condição

suficiente, como se pode presumir, tendo-se em conta a demonstração do Te-

orema 1. (No Teorema 1’ os espaços fatores não são necessariamente sepa-

rados. Pode acontecer, então, que as projeções de um ultra-filtro convirjam

para mais de um limite nos espaços fatores.)

1Mais precisamente, KELLEY provou que o Teorema de TYCHONOFF para os espaços

bi-compactos T1 acarreta o Axioma da Escolha. (Diz-se que um espaço topológico E é um

“espaço T1” se, para todo ponto x P E, o conjunto unitário txu é fechado.)

CAPÍTULO III

O Axioma da Escolha e certas proposições que lhe são

equivalentes

§ 1º. Alguns teoremas sobre os conjuntos bem ordenados

30. Neste capítulo, trataremos do assunto propriamente da tese, come-

çando por demonstrar, no presente parágrafo, uma proposição e dois teore-

mas sobre conjuntos bem ordenados, que serão utilizados oportunamente. A

fim de evitar que o enunciado da proposição se torne demasiadamente longo,

vamos fazer algumas considerações iniciais, introduzindo uma particular re-

lação de ordem entre as boas ordens sobre partes de um conjunto dado.

Seja E um conjunto não vazio e consideremos o conjunto Ω de todas as

possíveis boas ordens sobre partes de E. Designando, para cada ω P Ω, por

Eω, a parte de E sobre a qual ω é uma boa ordem, ponhamos ω1 ď ω2

(ω1,ω2 P Ω), como significando

p@xq px P Eω1 ñ px P Eω2 ^ Eω1pxq “ Eω2pxqqq

onde, conforme a notação introduzida no nº 8 (Cap. I, § 1º), Eωpxq, com

ω P Ω, designa o segmento de Eω cuja extremidade é x. Verifica-se, então,

que

“ω1 ď ω2 pω1,ω2 P Ωq”

é uma relação de ordem sobre Ω, e daqui por diante, quando considerarmos

Ω como conjunto ordenado, sê-lo-á, salvo indicação em contrário, por essa

ordem. Posto isto, provemos a

Proposição. Toda parte Ω 1 do conjunto ordenado Ω, não vazia e totalmente

ordenada, possui mínimo.

DEMONSTRAÇÃO. ComoΩ 1 é totalmente ordenado, tem-se Eω1 Ă Eω2 ,

com ω1,ω2 P Ω 1, quando e somente quando ω1 ď ω2. Consequentemente,

o conjunto dos Eω, com ω percorrendo Ω 1, é totalmente ordenado por in-

clusão.

Pondo, agora,

A “č

ωPΩ 1

Eω,

33

34 III. O AX. DA ESCOLHA E CERTAS PROP. QUE LHE SÃO EQUIVALENTES

provemos que A coincide com um certo Eω0 ,ω0 P Ω 1. Com efeito, deixando

de lado o caso trivial em que o conjunto Ω 1 possui um único elemento, seja

ω1 P Ω 1 uma boa ordem para a qual o conjunto Eω1 possua elementos fora

de A, e designemos por m o menor de tais elementos de Eω1 . Sendo, então,

ω0 um elemento de Ω 1 de modo que m R Eω0 , ter-se-á, em virtude do que

se observou no início, Eω0 Ă Eω1 (propriamente); portanto, ω0 ď ω1 (es-

tritamente), isto é, para todo x P Eω0 , resultará Eω0pxq “ Eω1pxq. Como

m não pertence ao segundo membro dessa igualdade (pois não pertence

ao primeiro), então xω1m, estritamente, qualquer que seja x P Eω0 ; logo,

Eω0 Ă A, pois do contrário, m não seria o menor elemento de Eω1 fora de

A. E da óbvia inclusão de A em Eω0 , vem Eω0 “ A. Em resumo, tem-se

Eω0 Ă Eω, ou equivalentemente, ω0 ď ω, para todo ω P Ω 1; me outras

palavras: ω0 é o mínimo de Ω 1.

31. Para os teoremas que se seguem, vamos, primeiramente, fazer as

seguintes observações:

1a.) Sejam E e F dois conjuntos bem ordenados pelas ordens que desig-

naremos por x ď y e u ĺ v, respectivamente, e suponha-se a existência de

uma aplicação estritamente crescente, f, de E em F, que “transforma” todo

segmento de E num segmento de F (isto é, a imagem direta, pela f, de todo

segmento de E é um segmento de F). Então, f será a única aplicação de E em

F sob essas condições.

Suponhamos, com efeito, que houvesse outra, digamos, g, diferente de f.

Sendo, então, x0 o menor dos x de E para os quais fpxq ‰ gpxq, teríamos, por

exemplo, fpx0q ă gpx0q; ora, para o elemento y0 P E (que certamente existe

e é único) satisfazendo gpy0q “ fpx0q, resultaria y0 ă x0, donde fpy0q ă

fpx0q “ gpy0q, o que contradiz a hipótese sobre x0.

Por comodidade de linguagem, convém dar um nome à aplicação f; esta

será, para nós, a aplicação principal de E em F.

2a.) Se existir uma aplicação estritamente crescente do conjunto bem or-

denado E sobre o conjunto bem ordenado F (caso em que E e F se dizem

semelhantes), ela coincidirá com a aplicação principal de E em F.

Com efeito, sendo f uma aplicação estritamente crescente de E sobre F, e

Epxq um segmento qualquer de E, tem-se, evidentemente, fpEpxqq “ Fpfpxqq.

Do que precede, resulta que um conjunto bem ordenado E não pode ser

semelhante a uma sua parte própria E0 que satisfaça à seguinte condição:

p@xq px P E0 ñ Epxq Ă E0q .

§ 1º. ALGUNS TEOREMAS SOBRE OS CONJUNTOS BEM ORDENADOS 35

Com efeito, a aplicação f de E0 em E, para a qual fpxq “ x, x P E0, é a

aplicação principal de E0 em E; e como f não é uma aplicação de E0 sobre

E, pois E0 está contido propriamente em E, este não poderá ser semelhante

a E0. (Supõe-se, naturalmente, E0 bem ordenado pela ordem induzida por

aquela que se considerou sobre E.)

Convém observar, ainda, que se f for a aplicação principal do conjunto

bem ordenado E no conjunto bem ordenado F, então o segmento de extre-

midade x de E terá para imagem, pela f, o segmento de extremidade fpxq de

F, qualquer que seja x P E. Finalmente, se g for a aplicação principal de F no

conjunto bem ordenado G, então g ˝ f será a aplicação principal de E em G.

32. Existência da aplicação principal. Demonstraremos, agora, um im-

portante teorema, relativo à existência da aplicação principal. Trata-se do

Teorema 1. Dados os conjuntos bem ordenados E e F, existe a aplicação

principal, ou de E em F, ou de F em E.

DEMONSTRAÇÃO. Seja E0 o conjunto dos x P E (este bem ordenado pela

ordem x ď y) para os quais existe a aplicação principal fx do segmento Epxq

(bem ordenado pela ordem induzida x ď y) no conjunto F (que suporemos

bem ordenado pela ordem u ĺ v). É claro que E0 ‰ H, pois o primeiro ele-

mento de E pertence a E0. Além disso, se x P E0, então Epxq Ă E0 pois sendo

y um elemento qualquer de E, inferior a x, a restrição de fx ao segmento

Epyq é a aplicação principal de Epyq em F.

Pondo-se, agora, para cada x P E0, fpxq “ fxpxq verifica-se que f é a

aplicação principal de E0 (ordenado pela ordem induzida x ď y) em F. De

fato, f é estritamente crescente, pois se x ă y (y P E0) virá

fpxq “ fxpxq “ fypxq ă fypyq “ fpyq;

e, tendo-se, para todo t ď x, fxptq “ ftptq “ fptq, resultará: fpEpxqq “

fxpEpxqq “ Fpfxpxqq “ Fpfpxqq.

O teorema ficará, então, demonstrado, se provarmos que, ou E0 “ E,

ou fpE0q “ F (neste segundo caso, a função inversa de f será a aplicação

principal de F em A). Ora, se nenhuma dessas hipóteses fosse verificada,

sendom em 1 os mínimos de E´E0 e F´ fpE0q, respectivamente, e pondo-se,

para todo x P E0 hpxq “ fpxq, e hpmq “ m 1, ter-se-ía h “ fm, isto é, m P E0,

o que é absurdo. O teorema fica, pois, demonstrado.

Observação sobre o teorema precedente. Suponhamos que E Ă F e que

a boa ordem x ď y sobre E seja a induzida por u ĺ v. Então existirá,

certamente, a aplicação principal de E em F. De fato, do contrário existiria

36 III. O AX. DA ESCOLHA E CERTAS PROP. QUE LHE SÃO EQUIVALENTES

a aplicação principal f de F em E, e fpFq ‰ E. Ora, indicando também por

x ď y a boa ordem sobre F (o que, agora, não acarretará confusão) tem-se

fptq ě t para todo t P F, pois se assim não fosse, designando por t0 o menor

dos elementos t de F verificando fptq ă t, teríamos também fpfpt0qq ă fpt0q,

o que viria contradizer a condição de mínimo imposta a t0. Sendo, então,

x um elemento de E ´ fpFq, dever-se-ía ter x ď fpxq, donde x P fpFq o que é

absurdo. Logo, existe a aplicação principal de E em F.

33. O teorema que se segue (teorema 2) será, também, precedido de

algumas considerações. Assim, tomemos o conjuntoΩ das boas ordens sobre

partes do conjunto não vazio E, já considerado na Proposição do nº 30 deste

parágrafo, e, conservando as notações ali empregadas, seja R a relação de

equivalência sobre Ω em que

ω1 ” ω2 pmod Rq

quando e somente quanso Eω1 é semelhante a Eω2 . (Para cada ω P Ω,

Eω designa, como sempre, a parte de E sobre a qual ω é uma boa ordem.)

Indicando por H o conjunto quociente ΩR, vamos definir uma relação de

ordem sobre H, da seguinte maneira:

u ĺ v pu, v P Hq,

quando e somente quando, sendo ω1 e ω2 representantes das classes u e v,

respectivamente (isto é, ω1 P u e ω2 P v), existe a aplicação principal de

Eω1 em Eω2 . Essa definição de u ĺ v não depende, é claro, dos particulares

representantes das classes u e v; e, em virtude do Teorema 1, u ĺ v é uma

ordem total sobre H.

Posto isto, demonstremos o

Teorema 2. O conjunto H é bem ordenado pela ordem u ĺ v.

DEMONSTRAÇÃO. Se provarmos que, para cada v P H que não seja

mínimo de H, existe uma aplicação g, estritamente crescente, do conjunto

Hv “ tu P H | u ă vu no conjunto Eω, com ω P v, o teorema ficará de-

monstrado. De fato, admitindo, por um momento, a existência da aplicação

g, seja A uma parte não vazia qualquer de H e tomemos nela um elemento

v. Ora, se v for o primeiro elemento de A, nada teremos que provar; se não,

gpA X Hvq possuirá, em Eω, um menor elemento x0. Então, o elemento u0

para o qual se verifica gpu0q “ x0 será o mínimo de A, pois sendo g estrita-

mente crescente, tem-se u0 ĺ u para todo u P AXHv, e como H é totalmente

ordenado, tem-se u0 ă u para todo u P A X pH ´ Hvq, uma vez que u0 ă v.

Logo, H é bem ordenado pela ordem u ĺ v.

§ 2º. ALGUMAS AP. DO TEO. DE ZORN E DO AX. DOS ULTRA-FILTROS 37

Tudo se reduz, então, a demonstrar a existência da aplicação g. Seja,

pois, u um elemento qualquer de H, estritamente inferior a v, e tomemos um

representanteω 1 de u. Como u ă v, existirá a aplicação principal de Eω 1 em

Eω (ω P v); além disso, sendo ω2 um representante da classe w P H, com

w ĺ u, f 1 e f2 as aplicações principais respectivamente de Eω 1 em Eω e de

Eω2 em Eω, ter-se-á, obviamente,

(4) f2 pEω2q Ă f 1 pEω 1q .

E se w ă u, o primeiro membro de (4) será uma parte própria do segundo.

Finalmente, se w “ u, valerá também a inclusão contrária de (4), e portanto

f2pEω2q “ f 1pEω 1q, isto é, essas imagens diretas não dependerão dos particu-

lares representantes de u. Fica, assim, univocamente determinada, para cada

u ă v, a parte Mu de Eω, imagem de Eω 1 , pela aplicação principal f 1 de

Eω 1 , em Eω, onde ω 1 é um representante qualquer de u. E se w ă u, então

Mw será uma parte própria de Mu. Além disso, se x P Mu, Mu conterá o

segmento Eωpxq de E (imagem, pela f 1, de um segmento de Eω 1).

Estamos, agora, em condições de construir a aplicação g. Ponhamos,

com efeito, para cada u ă v, y “ gpuq, onde y é o menor dos elementos

de Eω que superam estritamente todos os elementos de Mu, e mostremos

que g é estritamente crescente. (Existem, efetivamente, elementos de E que

superam estritamente todos os elementos de Mu, pois do contrário, Mu “

Eω donde u “ v.) Ora, se w ă u, sendo x um elemento de Mu ´Mw, virá:

gpwqωx e xωgpuq, com x diferente de gpuq, donde gpwqωgpuq estritamente.

O teorema, fica, pois, demonstrado.

§ 2º. Algumas aplicações do Teorema de Zorn e do Axioma dosUltra-Filtros.

34. Neste parágrafo demonstraremos uma proposição e dois teoremas

que serão utilizados nos quatro últimos teoremas do parágrafo seguinte. Na

proposição, e naturalmente em suas consequências (como os dois teoremas

que lhe seguem), intervém, de modo direto, o Teorema de ZORN1; o Teorema

3 é consequência do Axioma dos Ultra-Filtros.

Admitindo, então, o Teorema de ZORN, vamos demonstrar a

1Não há, naturalmente, tendo-se em conta a natureza deste trabalho, nenhum motivo

especial para que se chame de “teorema” esta ou aquela proposição dependente do Axioma

da Escolha. Se o fazemos, é somente para conservar certas denominações habituais.

38 III. O AX. DA ESCOLHA E CERTAS PROP. QUE LHE SÃO EQUIVALENTES

Proposição. Dados os conjuntos E e F, seja M uma parte de ℘ pEq ˆ ℘ pFq

satisfazendo às duas seguintes condições:

(a) existe um pA,Bq P M, com A « B;

(b) sendo pXi, YiqiPI uma família qualquer de elementos de M, com

pXiqiPI totalmente ordenada por inclusão, tem-se˜

ď

iPI

Xi,ď

iPI

Yi

¸

P M.

Então, existe, em M, um elemento pE˚, F˚q “privilegiado” no seguinte sen-

tido: E˚ « F˚, e se X e Y forem dois conjuntos equipotentes, não vazios, con-

tidos respectivamente em E´E˚ e F´F˚, resultará sempre pE˚YX, F˚YYq R M.

DEMONSTRAÇÃO. Deixemos de lado o caso trivial em que pH, Hq é o

único par satisfazendo à condição (a), e seja F o conjunto das aplicações

biunívocas de uma parte X de E sobre uma parte Y de F, de modo que pX, Yq P

M. Mostremos que F (certamente não vazio), ordenado por prolongamento,

é indutivo. Ora, para cada f P F, existe um único par pXf, Yfq P M para

o qual f é uma aplicação biunívoca de Xf sobre Yf. Sendo, então, F 1, uma

parte totalmente ordenada não vazia de F, a família pXfqfPF 1 , será totalmente

ordenada por inclusão, donde, em virtude de (b), pondo-se

X0 “ď

fPF 1

Xf e Y0 “ď

fPF 1

Yf, vem

pX0, Y0q P M.

Se pusermos, agora, para cada x P X0, f0pxq “ fpxq sempre que x P

Xf, veremos (em consequência da ordem total) que f0pxq não dependerá do

particular elemento f P F 1 para o qual x P Xf. Além disso, se x ‰ x 1 (x, x 1 P

X0), então f0pxq ‰ f0px 1q, pois sendo f um índice para o qual x e x 1 pertençam

a Xf, virá f0pxq “ fpxq ‰ fpx 1q “ f0px 1q. Por outro lado, sendo y um

elemento de Y0, existirá um f P F 1 de modo que y P Yf, e portanto um

x P Xf, verificando f0pxq “ fpxq “ y. Em resumo, f0 será uma aplicação

biunívoca de X0 sobre Y0. E como f0 é, evidentemente, o extremo superior de

F 1, em F, este último é indutivo. Então, pelo Teorema de ZORN, F possui um

elemento maximal f˚ que será uma aplicação biunívoca de um certo E˚ Ă E

sobre a parte F˚ de F, com pE˚, F˚q P M. Mostremos que pE˚, F˚q é um

elemento privilegiado de M. Ora, em primeiro lugar, E˚ « F˚. Em segundo

lugar, se X e Y forem dois conjuntos não vazios, contidos em E´ E˚ e F´ F˚

respectivamente, e equipotentes por uma aplicação biunívoca, digamos h, de

X sobre Y, dever-se-á ter, necessariamente, pE˚ Y X, F˚ Y Yq R M, pois do

§ 2º. ALGUMAS AP. DO TEO. DE ZORN E DO AX. DOS ULTRA-FILTROS 39

contrário, tomando-se f 1˚ “ f˚ Y h, f 1˚ pertenceria a F e seria estritamente

maior que f˚, o que é absurdo. A proposição fica, pois, demonstrada.

Aplicações da proposição anterior.

35. Como uma primeira aplicação da proposição precedente, vamos de-

monstrar o seguinte

Teorema 1. Todo conjunto infinito contém uma parte equipotente ao con-

junto dos números naturais.

DEMONSTRAÇÃO. Tomemos, na proposição do número anterior, para

E, F e M, respectivamente o conjunto N dos números naturais, o conjunto

infinito em questão, e o conjunto dos pares pX, Yq onde X ou é N ou é um

segmento de N, enquanto que Y é uma parte qualquer de F. As condições

(a) e (b) são, obviamente, verificadas. Sendo, então, pE˚, F˚q um elemento

privilegiado de M, devemos ter E˚ “ N. Com efeito, do contrário, E˚ seria

um segmento de N, de extremidade n, digamos, e F˚ ‰ F, pois F é infinito e

E˚ « F˚; tomando-se, então, b P F´F˚, ter-se-ia pE˚ Ytn`1u, F˚ Ytbuq P M,

o que não é possível. Em resumo: N “ E˚ « F˚ Ă F.

Nota. Pode-se demonstrar que o teorema acima decorre de um caso particu-

lar do Axioma da Escolha, precisamente o seguinte: “O produto cartesiano

de toda família enumerável de conjuntos não vazios é, também, não vazio”.

36. Uma outra aplicação da proposição do nº 34 será feita, agora, para

estabelecermos um conhecido resultado da Teoria dos Conjuntos, que uti-

lizaremos na prova da equivalência entre PI e PVI (§ 3º, nº 43). Trata-se

do

Teorema 2. Se o conjunto E for equipotente a uma parte do conjunto infinito

E 1, então E 1 será equipotente à reunião EY E 1.

DEMONSTRAÇÃO. Suponhamos, primeiramente, E e E 1 disjuntos. Se,

então, E for finito, tomando-se uma parte A 1 de E 1, equipotente ao conjunto

N dos números naturais, virá E Y A 1 « A 1, donde, reunindo-se E 1 ´ A 1 a

esses conjuntos, resultará EY E 1 « E 1. Consideremos, agora, o caso em que

E é infinito e tomemos, na proposição do nº 34, para M e F, respectivamente

o conjunto dos pares ordenados pY, Y ˆ t1, 2uq, com Y Ă E, e o conjunto

E ˆ t1, 2u. As condições (a) e (b) da referida proposição, evidentemente se

verificam. Sendo, então, pE˚,E˚ ˆ t1 2uq um elemento privilegiado de M,

ter-se-á E˚ « E. De fato, se não fosse E˚ « E, o conjunto E ´ E˚ seria

infinito, donde, tomando-se A Ă E ´ E˚, com A equipotente a N, viria A «

40 III. O AX. DA ESCOLHA E CERTAS PROP. QUE LHE SÃO EQUIVALENTES

pAˆ t1, 2uq; disto resultaria não ser pE˚,E˚ ˆ t1, 2uq elemento privilegiado

de M. Tem-se, portanto, E˚ « E, donde E « pE ˆ t1uq Y pE ˆ t2uq. Sendo,

então, E 10 a parte de E 1 equipotente a E, pode-se escrever: E 1

0 « EYE 10, donde,

reunindo-se E 1 ´ E 10 a ambos os conjuntos, resulta E 1 « EY E 1.

Finalmente, se E encontrar E 1, teremos, pelo caso anterior,

E 1 « pE´ EX E 1q Y E 1 “ EY E 1.

37. O resultado que se segue (teorema 3), e que será utilizado na demons-

tração da equivalência entre PI e PVII, é uma consequência do Teorema de

TYCHONOFF e portanto, do Axioma dos Ultra-Filtros. Para estabelecê-lo,

adotaremos a mesma ideia de KELLEY, em [8]. Admitindo-se, então, o Axi-

oma dos Ultra-Filtros, tem-se o

Teorema 3. Se pEiqiPI for uma família de espaços topológicos compactos,

com todos os Ei não vazios, o produtoś

iPI Ei será, também, não vazio.2

DEMONSTRAÇÃO. Tomemos um elemento w fora da reunião dos Ei e

ponhamos E 1i “ Ei Y twu para todo i P I. É claro, então, que o produto

E 1 “ź

iPI

E 1i

é não vazio, pois a ele pertence o elemento em que todas as coordenadas são

iguais a w.

Sendo, agora, para cada i P I, τi a topologia (compacta) do espaço Eiconsideremos, sobre E 1

i, a topologia τ 1i que induz τi sobre Ei, e na qual twu

é ao mesmo tempo aberto e fechado. Essa topologia τ 1i (univocamente de-

terminada para cada i P I) é, como facilmente se verifica, compacta. Como,

para todo i P I, o conjunto Ei é certamente fechado (e aberto) no espaço

E 1i, segue-se que, em E 1, os conjuntos da forma pr´1

i pEiq são todos fechados.

Além disso, para toda parte finita (não vazia) J de I, tem-seč

iPJ

pr´1i pEiq “

ź

iPI

Ai ‰ H,

2Este mesmo resultado aparece numa nota (“Effectiveness of the Representation Theory

for Boolean Algebras”) de J. ŁOS e C. RYLL-NARDZEWSKI em “Fundamenta Mathematicae”

(Tom. XLI, Fasc. L, ano de 1954, pág. 48), apresentada à Sociedade Polonesa de Matemática,

Secção de Varsóvia, em maio de 1950. Entretanto, tivemos conhecimento dessa nota somente

em 1955, ocasião em que o Departamento de Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências

e Letras da Universidade de São Paulo recebeu a citada revista. (A nossa tese foi apresentada

em março de 1954 e defendida em junho do mesmo ano.)

§ 3º. PROPOSIÇÕES EQUIVALENTES AO AXIOMA DA ESCOLHA. 41

onde Ai “ Ei para i P J, e Ai “ E 1i para i P I ´ J. Portanto, em virtude da

compacidade de E 1 (consequência do Axioma dos Ultra-Filtros), a intersecçãoč

iPI

pr´1i pEiq “

ź

iPI

Ei ‰ H

será um conjunto não vazio.

§ 3º. Proposições equivalentes ao Axioma da Escolha.

38. Neste parágrafo, em que trataremos diretamente do assunto da tese,

vamos demonstrar a equivalência entre as sete seguintes proposições:

PI. O produto cartesiano de uma família qualquer de conjuntos será não

vazio desde que cada um dos fatores seja não vazio (Axioma da Escolha).

PII. Dada uma família qualquer´

`

Ys,i˘

iPIs

¯

sPS

de famílias pYs,iqiPIs de conjuntos, com o produto I “ś

sPS Is não vazio,

tem-se

(5)č

sPS

˜

ď

iPIs

Ys,i

¸

“ď

σPś

sPS Is

˜

č

sPS

Ys,σs

¸

(Distributividade generalizada da intersecção relativamente à reunião).

PIII. Todo conjunto ordenado indutivo possui pelo menos um elemento ma-

ximal (Teorema de ZORN).

PIV . Dado um conjunto (não vazio) qualquer, E, existe uma boa ordem sobre

E (Teorema de ZERMELO).

PV . Dados dois conjuntos quaiquer, E e F, ou E é equipotente a uma parte

de F, ou F é equipotente a uma parte de E (Tricotomia da ordem entre as

potências).

PVI. Todo conjunto infinito, E, é equipotente ao seu “quadrado” E2 “ EˆE.

PVII. Todo filtro sobre um conjunto E está contido num ultra-filtro sobre E;

além disso, para cada família de conjuntos não vazios, pEiqiPI, existe uma

família pτiqiPI de topologias compactas, respectivamente sobre os Ei.

39. A fim de destacar as equivalências a serem demonstradas, separêmo-

las em teoremas, começando, então, pelo

Teorema 1. PI é equivalente a PII.

42 III. O AX. DA ESCOLHA E CERTAS PROP. QUE LHE SÃO EQUIVALENTES

DEMONSTRAÇÃO. Provemos que PI ñ PII. Seja x um elemento qual-

quer do primeiro membro de (5); então existe, para cada s P S, um i P Is

de modo que x P Ys,i. Portanto, designando-se por I 1s o conjunto dos i P Is

para os quais x P Ys,i, tem-se I 1s ‰ H qualquer que seja s P S, donde, em

virtude de PI, existe um σ pertencente ao produto cartesianoś

sPS I1s. Como

σ “ pσsqsPS, onde, para cada s P S, σs P I 1s, segue-se que o elemento x per-

tence a Ys,σs, qualquer que seja s P S, e, pois, x pertence ao segundo membro

de (5).

A inclusão em sentido contrário não depende de PI; é apenas uma con-

sequência do fato de que, para todo σ P I, tem-se, qualquer que seja s P S:

Ys,σsĂ

ď

iPIs

Ys,i;

com efeito, tomando-se a intersecção de ambos os membros desta inclusão,

quando s percorre S, vem, qualquer que seja σ P I:

č

sPS

Ys,σsĂ

č

sPS

˜

ď

iPIs

Ys,i

¸

,

donde, tomando-se a reunião do primeiro membro, para σ percorrendo I, re-

sulta a inclusão do segundo membro de (5) no primeiro da mesma igualdade.

Em resumo,

PI ñ PII.

Mostremos, agora, que PII ñ PI. Seja, então, pJsqsPS uma família qual-

quer de conjuntos, com Js ‰ H para todo s P S. Tomando-se um ele-

mento, digamos, w, fora da reunião dos Js,3 e pondo-se, para cada s P S,

Is “ Js Y twu, o produto

I “ź

sPS

Is

será, certamente, não vazio. Ponhamos, agora, Ys,i “ t1u, para

ps, iq P Sˆ

˜

ď

tPS

Jt

¸

e Ys,w “ H para todo s P S. O primeiro membro da igualdade (5) reduzir-

se-á, evidentemente, a t1u, o mesmo acontecendo, portanto (em virtude de

PII), com o segundo membro. Existirá, pois, um σ P I para o qual 1 P Ys,σs

3A existência de um elemento fora de um conjuntoM decorre do fato de que ℘ pMq Ć M.

(Basta notar que o conjunto tX P ℘ pMq | X R Xu não está contido em M.) Eis, porém,

como se pode exibir um elemento fora de M: Seja M 1 a reunião dos conjuntos de M; como

℘ pM 1q Ć M 1, então ℘ pM 1q R M.

§ 3º. PROPOSIÇÕES EQUIVALENTES AO AXIOMA DA ESCOLHA. 43

qualquer que seja s P S; mas então, σs ‰ w para todo s P S, visto que, do

contrário, algum dos Ys,σsseria vazio. Logo, o elemento σ pertence a

ź

sPS

Js

isto é, este produto não é vazio. Portanto, PII ñ PI, ficando, assim, provada

a equivalência entre PI e PII.

Dualmente, a distributividade generalizada da reunião relativamente à

intersecção é equivalente ao Axioma da Escolha.

40. Vejamos, agora, o

Teorema 2. PI é equivalente a PIII.

Para prová-lo, vamos estabelecer um resultado (que é independente do

Axioma da Escolha) expresso pelo seguinte

Lema. Seja E um conjunto ordenado indutivo pela ordem x ď y, e f uma

aplicação de E em E verificando fpxq ě x para todo x de E. Então existe, em

E, um elemento x˚ para o qual fpx˚q “ x˚.

DEMONSTRAÇÃO. Tomemos um elemento m P E e seja C a classe dos

sub-conjuntos X de E que satisfazem às duas seguintes condições:

(a1) m P X;

(a2) para cada parte T de X, não vazia e totalmente ordenada, tem-se

suppTq P X e fpsuppTqq P X.

É claro que E satisfaz (a1) e (a2). Além disso, sendo M a intersecção dos

conjuntos de C, verifica-se queM P C. Por outro lado,m é o menor elemento

de M, pois o conjunto ty P E | y ě mu pertence a C, como facilmente se

verifica.

Se provarmos que M é uma parte totalmente ordenada de E, resultará

o Lema, pois sendo x˚ “ suppMq e atendendo-se a que x˚, fpx˚q P M, virá

fpx˚q ď x˚, donde fpx˚q “ x˚. Ora, a ordem total sobreM poderá assegurar-

se se provarmos que, pondo para cada x P E,

M 1x “ ty P M | y ď xu e M2

x “ ty P M | y ě xu,

resulta

(6) p@xq´

x P M ñ M “ M 1x YM2

fpxq

¯

.

De fato, se (6) for verdadeira, então dados dois elementos quaisquer y e z de

M ter-se-á z ď y ou z ě fpyq ě y, segundo z P M 1y ou z P M2

fpyq.

44 III. O AX. DA ESCOLHA E CERTAS PROP. QUE LHE SÃO EQUIVALENTES

Tudo se reduz, pois, a demonstrar que (6) é verdadeira. Para isso, ponha-

mos

A “ tx P M | p@yq ppy P M^ y ă xq ñ fpyq ď xqu

e mostremos que, escrevendo por comodidade,

Mx “ M 1x YM2

fpxq px P Eq,

então Mx “ M para todo x P A. Com efeito, em primeiro lugar, se x P A,

m P Mx, pois m P M 1x. Por outro lado, se x P A e T for uma parte (não

vazia) totalmente ordenada de Mx então suppTq, que é um elemento de M

(pois Mx Ă M), pertencerá a M 1x ou a M2

fpxq, segundo T esteja, ou não,

contido em M 1x; logo, suppTq P Mx. Além disso, fpsuppTqq P Mx, pois

deixando de lado o caso trivial em que suppTq ě x, resultará suppTq ă x

(visto que suppTq, como elemento de Mx, é comparável com x); como x P A,

fpsuppTqq ď x, donde fpsuppTqq P M 1x Ă Mx. Em resumo: Mx P C para todo

x de A, e portanto M Ă Mx, donde M “ Mx sempre que x P A.

Resta, agora, provar a igualdade A “ M a fim de assegurarmos a vera-

cidade de (6). Para isso é suficiente mostrar que A P C. Ora, o elemento

m pertence, obviamente, a A. Por outro lado, dada uma parte (não vazia)

totalmente ordenada, T , de A, e designando-se por s o extremo superior de

T , virá s P A. Com efeito, s P M, e se y ď s, com y P M, existirá em T , um

elemento estritamente superior a y (pois do contrário, como todo elemento

de A é comparável com todo elemento de T , resultaria t ď y para todo t P T ,

donde s ď y); sendo, então, t um elemento de T verificando t ą y, virá

fpyq ď t ď s, e portanto s P A. Finalmente, fpsq P M, pois se y ă fpsq com

y P M (M coincide com Ms, porque s P A), então y ď s, donde conside-

rando separadamente os casos y “ s e y ă s, resulta fpyq ď fpsq.

Fica, assim, provado que A satisfaz (a1) e (a2) ou seja, que A P C; e como

A Ă M, então A “ M, resultando, pois o Lema.

DEMONSTRAÇÃO DO TEOREMA 2. Mostremos que PI ñ PIII. Para

isso, reconsideremos o conjunto ordenado indutivo E, e ponhamos, para

cada x P E, Ex “ ty P E | y ą xu, se existir, em E, algum y estritamente

superior a x; e Ex “ txu, se não existir um tal y. Tem-se, então, Ex ‰ H

para todo x P E, donde, em virtude de PI, o produtoś

xPE Ex será não vazio,

isto é, existe uma aplicação f de E em E, de modo que fpxq P Ex para todo

x P E. Como p@xqpx P E ñ fpxq ě xq, segue-se, pelo Lema anterior, que

existe, em E, um elemento x˚ para o qual fpx˚q “ x˚; mas isto só é possí-

vel se Ex˚ “ tx˚u, o que significa que não existe, em E, nenhum elemento

estritamente superior a x˚. Em resumo, x˚ é um elemento maximal de E.

§ 3º. PROPOSIÇÕES EQUIVALENTES AO AXIOMA DA ESCOLHA. 45

PIII ñ PI. Seja, com efeito, pXiqiPI uma família qualquer de conjuntos,

todos diferentes do vazio, e consideremos a classe F das famílias pxiqiPJ, em

que J Ă I e xi P Xi qualquer que seja i P J. O conjunto F (que, eviden-

temente, é não vazio), ordenado pela relação “pxiqiPJ é uma sub-família de

pyiqiPK” é indutivo, como facilmente se verifica. Existirá, pois, em virtude de

PIII, um elemento maximal px˚i qiPI˚ , em F. Então, I˚ “ I, pois do contrário,

tomando-se s P I ´ I˚, a família px˚i qiPI˚Ytsu, onde x˚

s P Xs, pertenceria a F

e seria estritamente superior a px˚i qiPI˚ . Logo, px˚

i qiPI pertence ao produtoś

iPI Xi, resultando, pois, o que se queria provar.

41. Demonstremos, agora, o

Teorema 3. PI é equivalente a PIV .

DEMONSTRAÇÃO. Mostremos que PI ñ PIV . Tendo presentes a Propo-

sição do nº 30 (§ 1º) e as notações aí empregadas, assim como os respectivos

significados, se provarmos que o conjunto Ω (das boas ordens sobre partes

de E), ordenado pela relação ω1 ď ω2, é indutivo, Ω possuirá um elemento

maximal ω˚ que será uma boa ordem sobre uma certa parte E˚ de E. Mas,

então E˚ “ E, pois que do contrário, tomando-se um elemento z P E ´ E˚,

poder-se-ía construir, de maneira evidente, uma boa ordem sobre E˚ Y tzu,

estritamente superior a ω˚.

Tudo se reduz, pois, a provar que Ω é indutivo. Seja, então, Ω 1 uma

parte (não vazia) qualquer de Ω, totalmente ordenada, e consideremos sobre

o conjunto

E 1 “ď

ωPΩ 1

Eω,

a relação ω 1 para a qual “xω 1y” significa: “existe ω P Ω 1 de modo que

xωy”. Obviamente ω 1 é uma relação de ordem sobre E 1. Mostremos que

ω 1 é uma boa ordem. Com efeito, tomemos uma parte não vazia, E2 de E 1,

e ponhamos Ω2 “ tω P Ω 1 | E2 X Eω ‰ Hu. Sendo, agora, ω0 o primeiro

elemento deΩ2 (Proposição do nº 30) e x0 o mínimo de E2 XEω0 (na ordem

ω0, naturalmente)4 ter-se-á:

x0ω1x

para todo x P E2. De fato, se x P E2, existirá umω P Ω2 para o qual x P Eω;

e como não pode ser

x P Eω0px0q ^ x ‰ x0,

4A Proposição do nº 30 que, por comodidade, utilizamos aqui, não é essencial, pois,

como se pode verificar diretamente, todos os conjuntos E2 X Eω, com ω P Ω2, possuem o

mesmo primeiro elemento.

46 III. O AX. DA ESCOLHA E CERTAS PROP. QUE LHE SÃO EQUIVALENTES

não se verificará também x P Eωpx0q ^ x ‰ x0, pois Eω0px0q “ Eωpx0q.

Então, x0ωx, donde x0ω1x. Em resumo, ω 1 é uma boa ordem sobre a parte

E 1 “ Eω 1 de E. Enfim, como ω 1 é o extremo superior de Ω 1, em Ω (o que

se pode verificar facilmente), segue-se que Ω é indutivo, e portanto, do que

observamos no início da demonstração, resulta PIII ñ PIV , ou seja, (em

virtude do teorema anterior): PI ñ PIV .

Para a implicação PIV ñ PI, basta considerar uma boa ordem sobre

a reunião da família pXiqiPI em que Xi ‰ H para todo i P I. O resto é

óbvio.

42. Provemos, em seguida, o

Teorema 4. PI é equivalente a PV .

DEMONSTRAÇÃO. Tem-se PIII ñ PV . De fato, tomando-se, na Propo-

sição do nº 34 (§ 2º),

M “ ℘ pEq ˆ ℘ pFq ,

e sendo pE˚, F˚q um elemento privilegiado de M, virá, necessariamente, E˚ “

E _ F˚ “ F, que é, precisamente PIV . Em virtude do Teorema 2 do nº 40,

PI ñ PV .

PROVA DE QUE PV ñ PI. Bastará (em consequência do teorema anterior)

mostrar que PV ñ PIV . Reportando-nos ao Teorema 2 do nº 33 (§ 1º) e

tendo presentes as notações ali empregadas, com os respectivos significados,

se provarmos que E é equipotente a uma parte de H, então existirá uma

boa ordem sobre E. De fato, sendo f uma aplicação biunívoca de E em H,

a relação ω sobre E, em que xωy quando e somente quando fpxq ĺ fpyq,

é uma boa ordem sobre E (pois H é bem ordenado por u ĺ v). Para se

estabelecer, pois, PIV a partir de PV é suficiente mostrar que E é equipotente

a uma parte de H.

Suponhamos, por absurdo, que E não seja equipotente a uma parte de

H. Então, por PV , H será equipotente a uma parte própria de E por uma

aplicação biunívoca, digamos g, de H em E. Ora, a parte gpHq de E será

bem ordenada pela ordem ω definida, assim: xωy (x,y P gpHq) quando e

somente quando g´1pxq ĺ g´1pyq. Tomando-se um elemento z P E ´ Eω

(onde, conservando-se as notações empregadas no nº 33, Eω “ gpHq), a

ordemω 1 sobre EωYtzu, que induzω, e na qual xω 1z para todo x P Eω, será

uma boa ordem; além disso, sendo u e u 1 as classes de H a que pertencem

ω e ω 1, respectivamente, ter-se-á, certamente, u ă u 1. Isto posto, seja f 1

a aplicação de Eω 1 em H, que associa a cada x de Eω 1 a classe de H a

que pertence a ordem induzida por ω 1 sobre o segmento Eω 1pxq de Eω 1 ;

§ 3º. PROPOSIÇÕES EQUIVALENTES AO AXIOMA DA ESCOLHA. 47

como f 1pEω 1q está contido em H, existirá a aplicação principal, digamos h,

de f 1pEω 1q em H (observação sobre o Teorema 1 do nº 32). Como f 1 é,

evidentemente, estritamente crescente, segue-se que a aplicação de Eω 1 em

Eω, que associa a cada x P Eω 1 , o elemento gphpf 1pxqqq de Eω, é a aplicação

principal de Eω 1 em Eω, o que constitui um absurdo uma vez que u ă u 1.

Logo, E é equipotente a uma parte de H, donde se conclui a existência de

uma boa ordem sobre E.

43. Trataremos, agora, do

Teorema 5. PI é equivalente a PVI.

DEMONSTRAÇÃO. Para estabelecermos PI ñ PVI é suficiente provar que

PIII ñ PVI.

Tomemos, na Proposição do nº 34, para M o conjunto dos pares ordena-

dos pY, YˆYq onde Y Ă E, e para F o conjunto EˆE (com o que as condições

(a) e (b) serão obviamente verificadas). Sendo, então, pE˚,E˚ ˆ E˚q um ele-

mento privilegiado de M, dever-se-á ter E˚ « E. Com efeito, como pH, Hq

não poderá ser um elemento privilegiado de M (pois sendo Y uma parte infi-

nita enumerável de E, Y « Yˆ Y), segue-se que E˚ é infinito. Se, pois, E˚ não

fosse equipotente a E, E˚ seria equipotente a uma parte E 1 de E ´ E˚, como

facilmente se deduz de PV e do Teorema do nº 36. Escrevendo-se, então, por

comodidade,

H “ pE˚ ˆ E 1q Y pE 1 ˆ E˚q Y pE 1 ˆ E 1q,

viria, pelo Teorema 2 do nº 36, E 1 « H. Como

pE˚ Y E 1q2 “ pE˚ ˆ E˚q YH,

ter-se-ia pE˚ Y E 1, pE˚ ˆ E˚q YHq P M, contra a hipótese de que o par orde-

nado pE˚,E˚ ˆE˚q é elemento privilegiado de M. Portanto, E˚ é equipotente

a E, e como E˚ « E˚ ˆ E˚, resulta PVI.

PROVA DE QUE PVI ñ PI. Bastará, em virtude do teorema 3, estabele-

cer a implicação PVI ñ PIV , para o que demonstraremos, primeiramente o

seguinte

Lema. Sejam A e B dois conjuntos sem elementos comuns, o primeiro bem

ordenado, verificando A Y B « A ˆ B. Então, ou A é equipotente a uma

parte de B, ou este é equipotente a uma parte de A.

DEMONSTRAÇÃO. Seja f uma aplicação biunívoca de AYB sobre AˆB.

Pondo-seA 1 “ fpAq e B 1 “ fpBq, os conjuntosA 1 e B 1 formarão uma partição

48 III. O AX. DA ESCOLHA E CERTAS PROP. QUE LHE SÃO EQUIVALENTES

de A ˆ B. Teremos, então, dois casos a considerar: ou existe um elemento

b P B para o qual A ˆ tbu Ă B 1, ou para cada b P B existe um a P A de

modo a ter-se pa,bq R B 1, e portanto, pa,bq P A 1. No primeiro caso, A,

que é equipotente a A ˆ tbu Ă B 1, será equipotente a uma parte de B (pois

B 1 “ fpBq). No segundo, designando-se por ab o menor dos elementos x P A

para os quais px,bq P A 1, a aplicação g, de B em A 1, que associa a cada b P B

o elemento pab,bq de A 1 será biunívoca; e como gpBq Ă A 1 « A, segue-se

que B será equipotente a uma parte de A.

PROVA DE QUE PVI ñ PI, OU SEJA, PVI ñ PIV . Consideremos um con-

junto qualquer, E, não vazio e provemos que existe uma boa ordem sobre E.

Deixando de lado o caso trivial em que E é finito, seja H o conjunto bem or-

denado pela ordem u ĺ v, construido a partir de E, no nº 33 (§ 1º, Teorema

2). Ora, o conjunto H também não poderá ser finito, pois do contrário ele

seria equipotente a uma parte própria de E, o que não é possível, conforme

se verificou na demonstração de que PV ñ PIV , no teorema precedente.

Pondo-se, agora, A “ Hˆ t1u e B “ Eˆ t2u, os conjuntos A e B, respec-

tivamente equipotentes a H e a E, serão disjuntos, e A será bem ordenado.

Ora, em virtude de PVI,

AY B « pAY Bq2 “ A2 Y pAˆ Bq Y pBˆAq Y B2,

e, pois, A ˆ B será equipotente a uma parte de A Y B. Se provarmos que

AY B também é equipotente a uma parte de Aˆ B, então, pelo Teorema de

BERNSTEIN-CANTOR (Cap. I, § 2º, nº 14), poderemos concluir que

AY B « Aˆ B

donde, pelo Lema anterior; ou A é equipotente a uma parte de B, ou este é

equipotente a uma parte de A. Como a primeira alternativa deve ser excluída

(conforme observamos acima), segue-se que B será equipotente a uma parte

de A, donde, por ser A bem ordenado, poderemos assegurar a existência de

uma boa ordem sobre B, e, consequentemente, sobre E.

A implicação PIV ñ PI ficará, pois, demonstrada, se provarmos que

A Y B é equipotente a uma parte de A ˆ B. Ora, sendo A bem ordenado

e não finito, podemos concluir (sem o Axioma da Escolha!) que, tomando

um elemento de A, digamos, o primeiro, m, A « A ´ tmu; e sendo b um

elemento de B, teremos também: A « pA´ tmuq ˆ tbu. Como tmu ˆ B « B

e

rpA´ tmuq ˆ tbus Y ptmu ˆ Bq Ă Aˆ B,

segue-se que AY B é equipotente a uma parte de Aˆ B.

§ 3º. PROPOSIÇÕES EQUIVALENTES AO AXIOMA DA ESCOLHA. 49

44. Provemos, finalmente, o

Teorema 6. PI é equivalente a PVII.

DEMONSTRAÇÃO. Seja F um filtro sobre um conjunto E e consideremos

a classe Φ dos filtros sobre E mais finos que F. É claro que Φ, ordenada por

inclusão, é indutiva; portanto, pelo Teorema de ZORN (que é consequência

de PI), Φ possui um filtro maximal U. Este é um ultra-filtro sobre E, pois

todo filtro sobre E, mais fino que F, devendo pertencer a Φ, coincidiria com

U. Fica, pois, verificada a primeira parte de PVII.

Seja, agora, pEiqiPI uma família qualquer de conjuntos, com Ei ‰ H

para todo i P I. Em virtude de PI existirá uma família paiqiPI de elementos

da reunião dos Ei, verificando ai P Ei para cada i P I. Definamos sobre Ei(i P I) a seguinte topologia τi: todo sub-conjunto X de Ei, ao qual ai não

pertença, é aberto em τi; e todo sub-conjunto Y de Ei, ao qual ai pertença,

é aberto quando e somente quando o seu complementar (em relação a Ei) é

finito. É claro, então, que para cada i P I, τi será uma topologia compacta

sobre Ei. Portanto, PI acarreta PVII.

A prova de que PVII ñ PI se obtém facilmente, pelo Teorema 2 do nº

37. De fato, dada uma família qualquer de conjuntos não vazios, pEiqiPI,

existe, em virtude de PVII, uma família pτiqiPI de topologias compactas,

respectivamente sobre os Ei. Ainda em virtude de PVII (primeira parte),

podemos aplicar o Teorema 3 do nº 37, vindo, pois,ś

iPI Ei ‰ H, o que

prova PI.

45. Observações sobre o Axioma dos Ultra-Filtros e o Teorema de TY-

CHONOFF.

É interessante notar que o Axioma dos Ultra-Filtros implica um caso

particular od Axioma da Escolha, precisamente o seguinte:

Dada uma família qualquer, pXiqiPI, de conjuntos finitos não vazios, en-

tão o produto cartesiano dessa família é não vazio. Com efeito, é suficiente

atribuir a cada Xi (i P I) a topologia discreta (que, neste caso, é compacta) e

aplicar o Teorema 3 do nº 37.

Quanto ao Teorema de TYCHONOFF, pode-se demonstrar que ele é equi-

valente ao axioma pU q dos Ultra-Filtros, e portanto se comporta como pU q

relativamente à questão de ser ou não equivalente ao Axioma da Escolha.

Aliás, pode-se mesmo provar que o Axioma pU q é consequência do seguinte

caso (aparentemente particular) do Teorema de TYCHONOFF:

(T’) Dada uma família qualquer pEiqiPI de espaços discretos, com Ei “

t0, 1u para todo i P I, então o espaço produtoś

iPI Ei é compacto.

50 III. O AX. DA ESCOLHA E CERTAS PROP. QUE LHE SÃO EQUIVALENTES

Daí se conclui que (T’) é equivalente ao Teorema de TYCHONOFF sob a

forma geral, isto é, ao Teorema 1 do nº 29.

İİİİİİİİİİ

Referências Bibliográficas

[1] N. BOURBAKI – Théorie des Ensembles (Fascicule des Résultats). (Paris, Hermann &

Cie., éditeurs, 1939).

[2] N. BOURBAKI – Topologie Génerale (Chapitre I – 2e. édition). (Paris, Hermann & Cie.,

éditeurs, 1951.)

[3] E. ZERMELO – Untersuchungen über die Grundlagen der Mengenlehre. (Mathematische

Annalen – vol. 65, 1908.)

[4] A. FRAENKEL – Einleintung in die Mengenlehre (Berlin, Julius Springer, 1928.)

[5] A. TARSKI – Sur les ensembles finis. (Fundamenta Mathematicae – vol. 6, 1924.)

[6] P. ALEXANDROFF und H. HOPF – Topologie. (Berlin, Julius Springer, 1935, vol. I.)

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Journal of Mathematics – vol. 30, 1908.)

[8] J. L. KELLEY – The Tychonoff product theorem implies the axiom of choice. (Funda-

menta Mathematicae – vol. XXXVII, 1950.)

[9] ÉMILE BOREL – Leçons sur la théorie des fonctions (4e. édition). (Gauthier – Villars,

1950.)

[10] W. SIERPINSKI – Leçons sur les nombres transfinis. (Paris, Gauthier – Villars, 1950.)

[11] C. KURATOWSKI – Sur la notion de l’ordre dans la théorie des ensembles. (Fundamenta

Mathematicae – vol. 2, 1921.)

[12] KURT GÖDEL – The consistency of the axiom of choice and of the generalized continuum

hypothesis with the axiom of set theory. (Princeton, “Princeton University Press”, 1940.)

[13] R. L. WILDER – Introduction to the foundations of the mathematics. (New York, John

Wiley & Sons, Inc., 1952.)

[14] P. BERNAYS – System of axiomatic set theory (Part I). (The Journal of Symbolic Logic,

vol. 2, nº 2, june 1937.)

[15] A. A. FRAENKEL – Abstract set theory. (Amsterdam, North-Holland Publishing Com-

pany, 1953.)

[16] N. BOURBAKI – Topologie Générale (Fascicule des résultats). (Paris, Hermann & Cie.,

éditeurs, 1953.)

[17] EDISON FARAH – Sur le bon ordre de l’ensemble des parties d’un ensemble donné.

(Summa Brasiliensis Mathematicae – vol. 3, fasc. 4; maio de 1953.)

[18] G. CANTOR – Beiträge zur Begründung der transfiniten Mengenlehre. (Mathematische

Annalen – vol. 49; 1897.)

[19] F. HARTOGS – Über das Problem der Wohlordnung. (Mathematische Annalen – vol. 76;

1915.)

[20] EDISON FARAH – Teorema de Zorn. (Boletim da Sociedade de Matemática de São Paulo,

vol. 1º; junho de 1946.)

51

52 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[21] E. ZERMELO – Beweis, das jede Menge wohlgeordnet werden kann. (Mathematische

Annalen – vol. 59; 1904.)

[22] E. ZERMELO – Neuer Beweis für die Möglichkeit einer Wohlordnung. (Mathematische

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[23] GARRETT BIRKHOFF – Lattice Theory. (American Mathematical Society, Colloquium

Publications, vol. XXV; 1948.)

[24] C. B. LYRA – A note on Zorn’s theorem. (Boletim da Sociedade de Matemática de São

Paulo, vol. 4; 1951.)

[25] EDISON FARAH – Sobre a ordem total do conjunto das potências das partes de um

conjunto dado. (Boletim da Sociedade de Matemática de São Paulo, vol. 3, fascs. 1 e 2;

dezembro de 1948.)

[26] A. TARSKI – Sur quelques théorèmes que équivalent à l’axiome de choix. (Fundamenta

Mathematicae – vol. 5; 1924.)

[27] A. WEIL – L’integration dans les groupes topologiques et ses applications. (Actualités

Scientifiques et Industrielles. Paris. Hermann & Cie., 1938.)

Índice Remissivo

A

aplicação, 13

aplicação principal, 34

Axioma da Escolha, 1, 13, 20, 21

Axioma da Infinidade, 8

Axioma de Separação, 7, 8

Axioma dos Ultra-Filtros, 29, 49

axiomas do sistema (Z), 6

B

BANACH, S., 1

BOREL, É., 2

BOURBAKI, N., 3, 5

C

CANTOR, G., 3

classe, 5

classe de equivalência, 10

sistema de representantes de, 11

conjunto, 5

de um recobrimento, 18

aberto, 23

aderência de um, 24

bem ordenado, 13

complementar de um em relação a

outro, 9

contido em outro, 5

de índices, 16

disjunto de outro, 9

dos números naturais, 8

ordem habitual sobre o, 8, 11

elemento maximal de um, 12

em correspondência biunívoca com

outro, 14

enumerável, 16

equipotente a outro, 14

extremo inferior de um, 12

extremo superior de um, 12

família de, 16

intersecção de uma, 17

produto cartesiano de uma, 19

reunião de uma, 17

sub-família de uma, 16

termos de uma, 16

fechado, 24

finito, 15

número de elementos de um, 16

igualdade entre dois, 5

infinito, 16

interior de um, 24

intersecção de, 9

máximo de um, 12

ordenado, 11

indutivo, 12

partição de um, 18

quociente, 10

relação de pertinência entre dois, 5

relação entre dois, 9

reunião de, 6

segmento de um, 13

semelhante a outro, 34

suporte de um complementar, 9

totalmente ordenado, 12

vazio, 6

coordenada, 20

D

distributividade da intersecção finita

relativamente à reunião, 21

53

54 ÍNDICE REMISSIVO

distributividade generalizada da

intersecção relativamente à reunião,

21

E

errata, i

espaço topológico, 23

abertos de um, 23

bi-compacto, 28

compacto, 27

discreto, 23

fechados de um, 24

pontos de um, 23

produto de, 29

separado, 27

subespaço de um, 25

T1, 31

T2, 27

vizinhanças de um ponto de um, 24

F

filtro, 25

base de um, 25

convergente, 27

imagem direta de uma, 26

limite de uma, 27

ponto aderente a uma, 27

das vizinhanças de um ponto, 26

gerado por um conjunto de partes, 26

mais fino que outro, 25

menos fino que outro, 25

FRAENKEL, A., 5

frases do sistema (Z), 7

função, 13

biunívoca, 14

composta, 14

contínua, 25

crescente, 14

estritamente, 14

decrescente, 14

estritamente, 14

imagem direta por uma, 13

imagem inversa por uma, 14

inversa, 14

monotônica, 14

ordem por prolongamento de, 13

prolongamneto, 13

restrição de uma, 13

sobre um conjunto, 14

H

HARTOGS, F., 4

K

KELLEY, J., 31

L

ŁOS, J., 40

LYRA, C. B., 3

M

mínimo de um, 12

O

ordem, 11

boa ordem, 13

induzida, 11

oposta, 11

total, 12

P

par ordenado, 16

ponto aderente, 24

ponto interior, 24

Princípio de Indução Finita, 8

produto topológico, 29

projeção, 20

R

regra de dualidade, 17

relação, 9

de equivalência, 10

de ordem, 11

reflexiva, 10

simétrica, 10

transitiva, 10

RUSSELL, B., 1

RYLL-NARDZEWSKI, C., 40

S

sequência, 16

SIERPINSKI, W., 2

sub-conjunto, 5

próprio, 6

ÍNDICE REMISSIVO 55

T

TARSKI, A., 4

Teorema de BERNSTEIN-CANTOR, 18

Teorema de TYCHONOFF, 1, 4, 31, 40,

49

Teorema de ZERMELO, 41

Teorema de ZORN, 3, 12, 37, 41

topologia, 23

compacta, 27

discreta, 23

mais fina, 23

menos fina, 23

produto, 29

separada, 27

T2, 27

U

ultra-filtro, 25

V

vizinhanças de um ponto, 24

Z

ZERMELO, E., 1, 5, 13, 18

ZERMELO, E., 3