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ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO ESTADO DO PARANÁ: 1904-1940. Profª. Dra. Ângela Mara de Barros Lara 1 UEM/PPE/DFE Este texto procura discutir os aspectos que deram origem à educação infantil no Estado do Paraná, bem como a relação do contexto econômico-político-social brasileiro no período e suas implicações. O objeto de investigação é a origem da educação infantil no estado do Paraná. A busca dos aspectos contextuais do período possibilita a compreensão de que a questão da assistência foi uma preocupação da família Moncorvo: pai e filho, médicos sanitaristas, assim como profissionais de outras áreas, naquele período, se preocupavam com esta questão. Estes respondem por esse problema que sempre esteve relegado a um plano secundário pelo governo federal. Sob a responsabilidade do Dr. Moncorvo Filho esteve o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro, instalado em 14.07.1901. Após essa data ocorreram algumas manifestações em favor das crianças com idade superior a sete anos, mas somente em 1909 é que foi inaugurado o Jardim de Infância Campos Salles, o segundo no país, pois o Paraná desde 1904 já possuía o seu primeiro. A educação, neste momento no país, é proposta como moralizadora, ou seja, estes estão imbuídos em proteger as crianças para salvá-las, pois elas eram consideradas perigosas, e aqueles tinham com intuito de salvar o país. A filantropia, neste modelo assistencialista, propunha uma assistência científica que viabilizaria pela medicina os cuidados necessários a uma raça vigorosa, porém adestrada. Os moralistas apresentavam as famílias como indignas e o objetivo era a reeducação do indivíduo através de uma educação de caráter repressor e punitivo. A proteção e a assistência possuem uma certa ambigüidade, pois procuravam proteger as crianças e a sociedade através de políticas excludentes. A preocupação do Brasil no início do século XX era transformar-se numa nação culta e civilizada, neste sentido buscamos 1 [email protected]

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ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO ESTADO DO PARANÁ: 1904-1940.

Profª. Dra. Ângela Mara de Barros Lara1 UEM/PPE/DFE

Este texto procura discutir os aspectos que deram origem à educação infantil no

Estado do Paraná, bem como a relação do contexto econômico-político-social

brasileiro no período e suas implicações. O objeto de investigação é a origem da

educação infantil no estado do Paraná. A busca dos aspectos contextuais do período

possibilita a compreensão de que a questão da assistência foi uma preocupação da

família Moncorvo: pai e filho, médicos sanitaristas, assim como profissionais de

outras áreas, naquele período, se preocupavam com esta questão.

Estes respondem por esse problema que sempre esteve relegado a um plano

secundário pelo governo federal. Sob a responsabilidade do Dr. Moncorvo Filho

esteve o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro, instalado em

14.07.1901. Após essa data ocorreram algumas manifestações em favor das crianças

com idade superior a sete anos, mas somente em 1909 é que foi inaugurado o Jardim

de Infância Campos Salles, o segundo no país, pois o Paraná desde 1904 já possuía o

seu primeiro.

A educação, neste momento no país, é proposta como moralizadora, ou seja, estes

estão imbuídos em proteger as crianças para salvá-las, pois elas eram consideradas

perigosas, e aqueles tinham com intuito de salvar o país. A filantropia, neste modelo

assistencialista, propunha uma assistência científica que viabilizaria pela medicina os

cuidados necessários a uma raça vigorosa, porém adestrada.

Os moralistas apresentavam as famílias como indignas e o objetivo era a reeducação

do indivíduo através de uma educação de caráter repressor e punitivo. A proteção e a

assistência possuem uma certa ambigüidade, pois procuravam proteger as crianças e a

sociedade através de políticas excludentes. A preocupação do Brasil no início do

século XX era transformar-se numa nação culta e civilizada, neste sentido buscamos

1 [email protected]

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perceber através dos relatórios dos inspetores da província do Paraná estes aspectos na

sociedade brasileira.

Procura-se discutir os percursos que efetivaram a educação infantil no Paraná de 1904

a 1940. Num primeiro momento, discute a relação entre o estado do Paraná e o Brasil

procurando entender os condicionantes econômicos, políticos e sociais; o processo de

viabilização da instrução pública no estado neste período, bem como os métodos

propostos para os jardins de infância. No segundo momento do texto procura

apresentar as propostas educacionais e as instalações provenientes desta segunda

década; a Reforma pedagógica como uma mudança na legislação; a proposta de

instituir uma educação da infância que as preparasse para o ensino primário; a

importância da I Conferência Nacional de Educação, sediada em Curitiba, bem como

a estratégia disciplinar, suave e sutil de educar as crianças.

Os aspectos fundamentais discutidos nos anos 30 serão: crise do sistema educacional,

educação do povo, Escola Nova, a Conferência Internacional de Instrução Pública,

Projeto do Serviço Social e nos anos 40: processo de imigração, expansão do ensino

no Estado, proposta disciplinadora dos programas de educação, administração

centralizada da educação, crítica a educação infantil do período, a contribuição de

Erasmo Pilloto na educação infantil do Paraná, nestes termos acreditamos poder

partilhar com outros teóricos e profissionais da educação infantil algumas questões

que merecem ser discutidas no tempo presente para entender melhor o tempo passado.

A questão da assistência à infância no Brasil é aqui discutida na busca de

compreensão dos parâmetros que orientaram a trajetória da educação infantil no

Paraná. A contribuição desta discussão possibilita aos educadores da infância perceber

os acontecimentos e os condicionantes da sociedade brasileira na política pública da

educação naquele período da história.

• A Educação Infantil No Paraná: Dos Primeiros Tempos Até Meados De

1910.

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A discussão sobre a história da educação infantil iniciou-se quando o Paraná deixou

de pertencer à 5ª Comarca de São Paulo para se transformar num estado gerador de

seus próprios recursos. Neste sentido, a história da educação infantil está, assim,

ligada às questões políticas, econômicas e sociais do Paraná. Após a independência, o

sistema político e econômico procurou no Estado se reestruturar; assim também

ocorreria com a instrução. “O Paraná, enquanto Comarca de São Paulo, estava

subordinado às determinações legais dessa Província, inclusive o ensino, que era

regulamentado segundo as disposições das leis paulistas” (OLIVEIRA, 1986, p.43).

As reformas que ocorriam em São Paulo atingiram, mais cedo ou mais tarde, o ensino

no Paraná provincial. As principais idéias contidas na reforma repercutiam no

regulamento de ensino na província do Paraná, aprovado e posto em execução a partir

de 1857, segundo Oliveira (1986). A reforma Couto Ferraz aprovou a Lei nº 21, de 2 de

março de 1857, dando origem, portanto, aos primeiros regulamentos da instrução

pública na província do Paraná para o Ensino Primário e Secundário e para a inspeção

do ensino, como salienta Ribeiro (1979).

As transformações ocorridas na metade do século introduziram modificações na

estrutura econômica e social do país, segundo Ribeiro (1979), afetando não somente o

mercado interno e estimulando o processo de urbanização dos centros mais expressivos

do império, mas também, agitando o mundo intelectual. No início do século XIX, todas

as idéias pedagógicas que influenciavam a Europa, Pestalozzi (1746-1827), Herbart

(1776-1841), Froebel (1782-1852) repercutiam na organização do ensino elementar

francês e do ensino público americano, procurando atender a massa popular. Esse

progresso todo não passou imune às vistas dos intelectuais brasileiros que procuraram, a

seu modo, a incorporação dessas idéias no sistema educacional do país2.

Com base num Decreto de nº 93, de 11 de março de 1901, que regulamentou a instrução

pública do Estado, governado por Francisco Xavier da Silva, podia-se descrever como

se apresentava a situação do ensino nos jardins de infância “Par. Único. Não serão

2 Assim o projeto de Leôncio de Carvalho, caracterizado por idéias inovadoras, dizia respeito à liberdade de ensino, à

incompatibilidade do professorado com os cargos públicos e administrativos, à obrigatoriedade do ensino e à liberdade de crença religiosa. Além de outras disposições, como a Criação de Jardins de Infância, escolas mistas e escolas normais, o projeto tratava do currículo escolar, adicionando atividades práticas que alteravam aquele proposto em 1854 [...] (OLIVEIRA, 1986, p.46-7).

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admitidos a matrícula: 3. As crianças menores de cinco anos de idade, excepção feita

quanto a Escola Maternal Modelo [...]” (RELATÓRIO, 1905, p. 33).

Havia a preocupação do presidente do estado, Dr. Francisco Xavier da Silva3 em reduzir

o índice de analfabetismo, segundo Ratacheski (1953), pois tal dado sugeria um

aumento assustador do índice de analfabetismo, desde a implantação da República, ou

seja: em 1889, 64,5% e em 1903, 71%.

Em 19044 assumia a presidência do estado o Dr. Vicente Machado que ocupava várias

funções públicas. Nesse governo foi inaugurado o primeiro jardim de infância do

Paraná, o “Maria de Miranda”, sendo adotado o método Froebel, tal como ocorria nos

jardins de infância paulistas e nos Estados Unidos, conforme argumento de Alir

Ratacheski (1953).

Cabe lembrar que a implantação dos jardins de infância impulsionaram a educação no

sentido mais geral, proporcionando uma ampliação do ensino público. Mas, mesmo

sendo fundamental a implantação dos jardins de infância, aos professores devia-se

toda a responsabilidade pela obtenção de seu salário. Nessa época, para que o

pagamento dos professores acontecesse, era necessário cobrar das famílias um

imposto: a taxa escolar. Se não se conseguisse o imposto, não havia pagamento. Era

responsabilidade do professor cativar seus alunos para que freqüentassem a escola

sem que os pais se opusessem.

O relatório seguinte que apresento foi oferecido a Bento José Lamenha Lins, secretário

do Interior, Justiça e Instrução Pública, por Arthur Pedreira de Cerqueira, diretor geral

da instrução Pública, em 31 de dezembro de 1905. No ano seguinte, com a implantação

3 Citado como o maior disseminador de escolas pelo interior. 4 S.Ex.ª o Sr. Dr. Presidente do Estado, agradavelmente impressionado com os jardins de infância, que teve occasião

de observar em suas repetidas viagens no estabelecimentos de educação infantil. Será mais paiz e no estrangeiro, cogita em installar aqui um desses um assignalado serviço prestado à infância d'esta terra. Em toda parte em que o methodo intuitivo de Froebel em sido executado, extraordinários são os resultados obtidos. Poderia citar exemplos numerosos a respeito e valiosas opiniões favoráveis a esses institutos de ensino. Como a organização de um estabelecimento dessa natureza exige preparo especial, o governo resolveu mandar a S. Paulo a conhecida professora D. Maria Francisca Correia de Miranda, commissionada para estudar ali no Jardim da Infância o methodo de Froebel, adquirindo as necessárias habilitações para installar o Jardim da Infância em Coritiba. Esta directoria de accordo com o que solicitastes em ofício forneceu à mesma professora as instrucções para o bom desempenho de sua commissão. (RELATÓRIO, 1904, p.51-2)

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do jardim de infância, procurou-se melhorar suas instalações, assim como aumentar o

número de crianças nesse estágio escolar. Com relação à saúde no ano de 1905,

Moncorvo Filho (1922) apresenta um dado muito importante para essa discussão, a

criação do Instituto de Proteção à Infância em Curitiba. O intuito desse Instituto era o de

difundir, entre as famílias pobres e proletárias, noções elementares de higiene infantil

verbais e por meio de conselhos ministrados em linguagem ao alcance do público. O

Instituto de Proteção à Infância procurou fomentar a criação de pequenos asilos de

maternidade para atender as mães nos últimos meses de gestação e creches para receber

e alimentar durante o dia as crianças menores de dois anos, enquanto suas mães

trabalhassem. Também fomentou a criação de jardins de infância e outros, segundo

Moncorvo Filho nos relatos de 1905.

O relatório apresentado a Bento José Lamenha Lins, Secretário do Interior, Justiça e

Instrução Pública, pelo Dr. Arthur Pedreira de Cerqueira, diretor geral da Instrução

Pública, em 31 de dezembro de 19065. Os relatórios apenas enfatizam a inoperância dos

pais, ou seja, os pais pobres não conseguiam proporcionar a seus filhos: saúde,

alimentação ou educação. No relatório de 1907 está ressaltado o programa utilizado no

jardim de infância, apresentado por Laurentido de Azambuja, delegado fiscal da 1ª

Circunscrição Escolar, a Arthur Pedreira Cerqueira, diretor geral da Instrução Pública

do Estado, em 27 de dezembro de 19076.

Neste programa de ensino vem enfatizado o formal, como o ensino do alfabeto,

algarismos, leitura e cópia. Mesmo baseando-se nas discussões de Froebel que propõe

atividades lúdicas o lado formal é o mais importante. O método deste já subsidiava as

discussões no Estado de São Paulo na implantação dos jardins de infância. “[...] o

ensino público mantido oficialmente pelo Estado divide-se em: 1º ensino infantil,

ministrado no jardim de infância da capital e nos que venham a ser criados; [...] o

5 O grupo escolar da Lapa, cujas obras terminaram no fim do anno passado, está provido do necessario mobiliario, e

nelle funccionam desde o principio do anno todas as salas daquella cidade. A Escola Jardim da Infância foi solemnemente inaugurada no dia 2 de Fevereiro pelo Ex.mo. Sr. Dr. Presidente do Estado, com a matrícula de 60 allumnos. [...] Venham mais e mais jardins da infancia, sobretudo para os filhos, dos rusticos e dos operarios, o que mais precisam alijar os defeitos de educação recebidos no lar. (RELATÓRIO, 1906, p.4-5,23 – grifo nosso)

6 Se o programma de ensino comprehende: Gymnastica racional de movimentos dos musculos, troncos, cabeça,

pescoço, marchas, canticos aprendidos exclusivamente por audição, trabalhos manuaes variados. Ensino das lettras do Alphabeto, Algarismos Arabicos, Leitura, Copia de Palavras, variedades de desenhos e elementos de educação civica. [...] Em summa, esta utilitaria instituição infantil, em vista de seus elevados intuitos, baseados nos methodos de Froebel, e digna de mais lato desenvolvimento. (RELATÓRIO, 1907, p.68)6

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ensino infantil será dado [...] segundo o methodo e os processos de Froebel”

(PILOTTO, 1954, p.50).

Como uma educação infantil voltada às propostas froebelianas poderia enfatizar apenas

o formal? Nos relatórios anteriores, como lemos, é totalmente racional apresentar às

crianças de idade inferior a sete anos o ensino das letras, algarismos, leitura, cópia. É o

retrato da educação infantil dessa década.

O relatório apresentado ao Arthur Pedreira de Cerqueira, diretor geral da Instrução

Pública do Paraná, por Laurentino de Azambuja, delegado fiscal da 1ª Circunscrição

Escolar, em 2 de dezembro de 19087, cuja preocupação central eram as faculdades

físicas, morais e intelectuais da criança descartando as tarefas e livros cansativos,

propunham um ensino intuitivo.

Além de intuitivo8, o ensino provido por jardins de infância e creches, deveria atender

as crianças, filhos da classe trabalhadora. Podemos observar que, ao voltar ao ensino

intuitivo, a educação do Paraná está mais próxima do método de Froebel. No ano de

1909, a lei que reorganizou o ensino público no estado como é demonstrada abaixo,

mantém a obrigatoriedade do ensino e freqüência escolar dos 7 aos 14 anos de idade.

Outros de seus artigos exigiam, entretanto, para sua implantação, condições financeiras

melhores do que as que o estado apresentava, sendo suspensa a de 1909, e fazendo valer

provisoriamente a lei de 1901. O relatório apresentado por Arthur Pedreira de

Cerqueira, diretor geral efetivo da Instrução Pública, em 31 de dezembro de 1909,

acrescentava a importância da criação de mais jardins de infância na capital e no interior

do estado.

7 É uma instituição digna de aplausos pois que representa um traço de união entre a família e a escola e cujos fins

consistem em desenvolver gradualmente as faculdades physycas, moraes e intellectuaes da criança, sem a preocupação dos livros e tarefas fastidiosas. Nesse estabelecimento o ensino é todo intuitivo; [...] Nos Jardins da Infância, admiravel creação de Froebel, a criança educa-se por meio de brinquedos ou dons apropriados, cuja collecção bem combinada, indica o esforço ingente deste insigne pedagogo em prol da educação infantil. [...] Então os Jardins da Infância e as Creches se tornarão para as classes laboriosas verdadeiros asylos, onde debeis creaturinhas encontrarão o amparo, o conforto relativo e a garantia de subsistencia, que as proprias mães não lhes poderão dispensar em sua labuta continua pela vida. [...] Em vista pois da aceitação que tem tido este estabelecimento, conviria amplial-o, bastando para isso mobiliar um salão que alli se acha desoccupado e reformar o seo respectivo programma na parte relativa a matricula e pessoal. (RELATÓRIO,1908, p.65-66)

8 O ensino intuitivo foi utilizado pelas propostas da educação no Estado do Paraná nesse período. Entende-se o

emprego dos órgãos do sentido para o conhecimento dos conteúdos oferecidos pelos professores.

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Nesta unidade do texto pudemos perceber quais os caminhos percorridos pela educação

da infância no estado do Paraná, desde 1904 até 1910. A relação estabelecida entre os

acontecimentos econômicos, políticos e sociais no Brasil refletiram em grande parte aos

acontecimentos neste estado. A instrução pública foi proposta na perspectiva de

viabilizar os jardins da infância e os métodos sugeridos foram a ênfase do ensino para

esta faixa etária no período. Estes acontecimentos propuseram os caminhos a serem

percorridos na outra década.

• A Educação Infantil No Paraná: De 1911 Até Os Anos 20.

Alir Ratacheski, o autor de Cem Anos de Ensino no Estado do Paraná: 1853 – 1953,

apresentou a informação, no que diz respeito à “outra” escola (jardim da infância) a que

se refere o diretor geral da Instrução, qual seja o mais importante dos jardins foi o

“Emilia Eriksen”, inaugurado em janeiro de 1911, na Rua Silva Jardim, em Curitiba.

Para dirigi-lo foi designada a professora Joana Falce Scalco, que havia se destacado no

curso de professores da escola normal com a obra de Maria Montessori “o maior

educador deste e do século passado”, segundo o autor anteriormente citado (p. 25)9:

[...] a professora Joana Falce Scalco, muito jovem ainda, trazendo n'alma o desejo incoercível da juventude, que sempre se inclina pelas inovações, mesmo revolucionárias como as de Montessori, empolgou-se com o movimento levando para o “Emília Ericksen” todo seu idealismo e juventude que consagrou ao novo método. Por isso esse jardim é o marco de u'a nova era no ensino paranaense. Dali se irradiou para, todo o Estado a nova orientação.

Pode-se perceber que, após sete anos de educação infantil voltada à proposta

educacional de Froebel, tomou-se conhecimento de um outro método: o método

montessoriano. Este, diferentemente do primeiro, não aceitava o jogo ou o lúdico como

possibilidade de conhecimento.

No ano de 1914 o relatório apresentado a Cláudio Dagoberto F. dos Santos, Secretário

d'Estado nos negócios do Interior, Justiça e Instrução Pública, por Francisco Ribeiro de

Azevedo Machado, diretor geral da Instrução Pública, procurava discutir, entre outras

9 Grifo nosso.

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coisas, a reforma pedagógica do regulamento ainda utilizado desde 1901. Alegava que

tal regulamento não satisfazia e o mal maior estava em relação aos programas, pois eles

eram programas fixados em forma de lei ou de regulamentos. O programa sugeria que

as matérias eram essencialmente pedagógicas e deveriam ser de fácil modificação ou

alteração, acompanhando as necessidades instáveis decorrentes da evolução social.

O Relatório de 1914 10 sugere, ainda, que se realize uma reforma pedagógica:

“Realizemos já, independente da lei ou de regulamento, a REFORMA PEDAGÓGICA

com base na Reforma Geral que se fizer depois por meio da lei”. Em se tratando do

jardim de infância o tom da discussão é de oportunizar as crianças freqüentar a escola

primária.

O objetivo da educação infantil é propiciar o caminho à escola primária. No ano de

1915, a professora Joana Falce Scalco foi escolhida pelo governo para integrar o

Supremo Conselho do Ensino Primário do Estado do Paraná. Data dessa época o

primeiro programa de jardins elaborado por ela. Nessa mesma época são criados

jardins de infância em Paranaguá e Ponta Grossa, cidades do Estado .

Ainda neste ano saía a Lei Reformadora da Educação, e, logo após, o Código de Ensino,

tendo como autor Azevedo Machado, que não contava mais com a direção da educação

no estado. Erasmo Pilloto (1954) assim descreve o seu dispositivo sobre o ensino

elementar: “[...] em 1917, no Paraná tradicional, a mudança do significado da função da

escola se manifesta, ou seja, é sua valorização técnica, pelo contingente de alunos que

integram o ensino público”.

O jardim de infância, o ensino secundário e a própria universidade são resultantes da

modernização, mas como soluções pelo alto, inexpressivas quantitativamente,

atendendo a interesses particulares, segundo comenta Wachowicz (1984). Segundo a

10 É certo que o Jardim de Infância orienta o espírito das crianças, de forma a abrir-lhes caminho franco para a escola

primária na qual não encontram difficuldade alguma. [...] Isso, porem, não é possível, porque a sua organização é muito dispendiosa. A meu ver, pode-se, até certo ponto, supprir essa falta no programma geral das escolas primarias, dividindo-se o ensino em séries e cogitando-se em 1º logar, na 1ª série, de preparar o espirito das creanças para que ellas tirem do ensino primário o máximo de proveito. (RELATÓRIO, 1914, p.24)

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autora, em 1920, a Inspetoria Geral de Ensino pretendia priorizar a aplicação das verbas

com a instrução. Os argumentos contra os jardins de infância eram de que sua

freqüência era pequena, sendo dispensável esse tipo de escolas, pois as crianças que as

freqüentam são filhas de pais ricos ou remediados que podem mandar seus filhos para

escolas particulares. O inspetor propunha a supressão de um jardim e a remoção da

professora, pois com a economia será possível abrir três escolas regidas por

normalistas.

Nessa época, um fato importante ocorreu no país. Esse acontecimento influenciou

diretamente a discussão sobre a assistência à infância: a criação do Departamento da

Criança no Brasil, fundado em 1919, reconhecido como de utilidade pública municipal

apenas em 18.10.1920. Moncorvo F.º coloca (1922) que este Departamento teve como

finalidade cuidar interessadamente de problemas da infância em todas as faces. Propôs

um trabalho sistemático, metódico e organizado para proporcionar à sociedade e aos

poderes públicos os elementos eficazes para uma ação decisiva e permanente em prol da

sociedade.

No ano seguinte, 1921, no Estado do Paraná, no dia 11 de abril foi instalado o

Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Paraná, pelo esforço do cívico Garcez

Nascimento, como comenta Moncorvo. Em 1922 o número de matriculados nos

quatro jardins de infância do Estado (dois em Curitiba, um em Paranaguá e um em

Ponta Grossa) foi de 340 alunos. Observamos que o número de alunos matriculados

nos jardins de infância aumentou consideravelmente desde sua implantação.

O governo de Caetano Munhoz da Rocha, no ano de 1924, preocupou-se com os jardins

de infância do Estado. Estes receberam da Itália o material Montessoriano. O número de

jardins continuou o mesmo (quatro), segundo informações de Ratacheski (1953). O

material recebido proporcionaria a implementação dos jardins de infância no Paraná,

pois além do método eles poderiam contar com a divulgação do material.

O professor Suetonio Bittencourt Júnior, sub-inspetor do Estado, relata ao Inspetor

Geral de Ensino do Estado que, no Grupo Escolar Senador Correia em Ponta Grossa, o

jardim de infância enfrentou problemas durante o ano, tais como: falta de professora, de

material escolar etc., tendo permanecido sem aulas durante todo o primeiro semestre só

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regularizando essa situação no semestre posterior. Os jardins de infância enfrentavam

dificuldades para que continuem seus trabalhos, mas mesmo assim, no ano de 1925, a

matrícula dos alunos do jardim de infância subiu para 490.

Os anos tumultuados que se seguiram no país nesta década refletem no estado do

Paraná. O governo federal considerou as muitas realizações do governo estadual, no

setor do ensino em 1926, elevando para 10 o número de jardins de infância, sendo 5

mantidos pelo estado (491 alunos matriculados) e 5 por colégios particulares (265

alunos matriculados). Pela Lei nº 2403, de 23 de março de 1926, foi criada a Escola

Maternal de Curitiba, instituição que Ratacheski (1953) considerou prestadora de

relevantes serviços à coletividade.

O Estado do Paraná no ano de 1927 sediou a I Conferência Nacional de Educação, na

cidade de Curitiba, de 19 a 23 de dezembro11. O objetivo fundamental da I Conferência

foi encontrar soluções para os problemas educacionais da época, tendo como propósito

observar a insatisfação dos profissionais através dos vários serviços do Estado,

especialmente, a saúde e o ensino. Na década de 20 os assuntos educacionais estavam

afetos ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Não havia, assim, preocupação

específica por parte do Estado com o assunto: o número de professores e educadores.

Nos vários Estados, os professores entre outros assumiam cargos sem experiência

profissional dificultando o trabalho da educação daquele período, conforme apresenta

Ferreira (1988, p. 33). “A idéia da criação das Conferências como propulsoras de um

movimento de renovação educacional deve-se a Fernando Magalhães”. A Conferência

contou, inicialmente, como organizador do evento, o Professor Lysimaco Ferreira da

Costa, as sessões realizaram-se no Theatro Guayra e no Palácio Rio Branco, então sede

da Assembléia Legislativa Estadual.

A mesa que dirigiu os trabalhos foi presidida pelo professor Barbosa de Oliveira, em

substituição ao médico Fernando Magalhães, que fora eleito, mas que não pôde

comparecer. Os outros constituintes foram: Professor Lourenço Filho, Dr. Nestor de

Lima e Dr. Oswaldo Orico (Vice-presidente); Professor Dr. Lysimaco Ferreira da Costa,

11. Coincidindo com a data da emancipação política do Estado.

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11

Dr. Jayme Junqueira Ayres, Professora Dona Celina Padilha e Dr. Victor Lacombe

(secretários), como argumenta Ferreira (1988).

De acordo com o presidente da Conferência, Prof. Barbosa de Oliveira, foram centro e

treze teses (113) apresentadas no evento. Mas, na listagem do Prof. Lysimacio Ferreira

da Costa, Ferreira podem ser encontradas apenas centro e onze (111) teses com os

respectivos pareceres. Os organizadores da Conferência propuseram quatro teses

oficiais para serem debatidas pelas comissões, como salienta Ferreira (1988):

1ª) A unidade nacional (pela cultura literária, pela cultura cívica e pela cultura moral);

2ª) A uniformização do ensino primário nas suas idéias capitais, mantida a liberdade de

programas;

3ª) A criação de escolas normais superiores, em diferentes pontos do país, para o

preparo pedagógico; e

4ª) A organização dos quadros nacionais, corporações de aperfeiçoamento técnico,

científico e literário.

Os grupos temáticos definidos pela autora foram: a unidade nacional; organização do

ensino, política e voto; educação e questões femininas; higiene e educação sexual e

pedagogia. Desta Iª Conferência, destacamos para discussão neste texto o tema

“Infância”. Do segundo grupo temático - Organização do Ensino, discuto em

Organização e Difusão a tese nº 35, que tratou da uniformização do ensino primário do

Dr. Helvêncio Andrade, propondo uma divisão do Ensino Primário em fases

“concatenadas”:

1ª) Escolas maternais para crianças de 5 a 7 anos - fase preparatória onde se corrigiam os vícios familiares do andar, atitudes e gestos e onde se “imprimiam” princípios morais e econômicos - os fatos da vida, o amor e o gosto pelo trabalho e as primeiras noções de dever para com Deus, a pátria e os semelhantes (...) (PARECER TESE nº 43 Apud FERREIRA, 1988, p.143).

E prossegue...

A escola pública primária tem sua rota, seu método, os seus fins, claramente, inconfundivelmente delineados, pretender transformá-las em Montessori, ou em tantas Montessori quantas são ou vierem a ser em número, [...] e desvirtuar os seus fins, é torná-las inexeqüíveis as forças econômicas do Estado senão também a nação. (TESE nº 80, Apud FERREIRA, 1988, p.179)

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Segundo Ferreira a comissão do ensino primário não tomou conhecimento da tese do

Dr. Helvêncio, por tratar de um assunto diverso do enunciado.12

Do quarto grupo temático, Higiene e Educação Sexual, pode ser destacada a tese nº 80,

a da assistência médica à infância escolar, do Dr. João Maurício Muniz Aragão, que

propôs a caderneta sanitária, “[...] a vigilância e observação proveitosa das crianças,

dando-lhes uma assistência perfeita e adequada”. Considera o Dr. João M. M. Aragão

em suas intervenções nesta conferência que, para colaborar no ganho do sustento

familiar, a mãe acabava por abandonar as crianças, por um tempo mais ou menos longo,

fora do domicílio, para executar outras tarefas.

Merhy (Apud Ferreira, 1988, p.184) é analisado pela autora nas teses desse grupo reflete

a minha opinião sobre as questões de higiene postas na conferência:

[...] os problemas da higiene vistos como questões sociais determinadas pela formação e reprodução da força de trabalho para o capital refletem práticas sanitárias estruturadas de acordo com o movimento infra e supra estrutural do capital, pois é este que imprime aos agentes sociais e ao meio o seu sentido as suas finalidade.

No sexto grupo temático, Pedagogia, foram discutidos em Diretrizes Pedagógicas

Gerais as teses de nº 100: A Escola Nova, de Deodato de Morais; a de nº 04, As

Antagonias da Didática da Unilateralidade do Ensino, de Renato de Alencar. Da tese

nº 100, A Escola Nova: “1) a escola científica e prática das necessidades atuais: - fazer

para aprender, mas não fazer só, e sim assistido, acompanhado, estimulado pelo

professor, e o seu processo.” (TESE nº 100 D.M. Apud FERREIRA, 1988, p.208)

Ferreira (1988) preconiza o falar, o cantar, o correr. Esse novo processo possibilitaria à

criança ver, perscrutar, raciocinar, conhecer, enfim, tornar-se ativa para superar hábitos

de indolência e apatia que o regime tradicional ocasionara. E ainda, na escola nova, para

Deodato Moraes, todas as aulas dariam a impressão de vida e felicidade, programas e

horários não seriam fixos e a ordem das matérias teria a mínima importância. O

professor se preocuparia mais com a qualidade dos ensinamentos do que com a sua

quantidade.

12. Grifo nosso.

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A Escola Nova é a Escola Social. Para Deodato de Moraes, também conferencista, a

escola bem orientada e bem dirigida poderia, harmonizar ordem com progresso,

liberdade com autoridade, dever com direito, igualdade com heterogeneidade e com a

diversidade orgânica, física e social dos indivíduos, podendo chegar à formação de um

espírito social e de uma cultura geral comum para todos. Citando a escola primária

obrigatória da Alemanha (Grundschule), de 6 a 9 anos, o autor dizia ser necessário fazer

a criança compreender que os homens, para viver, teriam necessidade do concurso de

todos os outros.

Da tese nº 4, Educação Urbana - Educação Rural: o professor Renato Alencar aconselha

para escolas rurais um período pré-escolar baseado no método Montessori. O parecer do

relator Jayme Junqueira Ayres traz a aceitação da tese, mas com algumas restrições. E a

que mais nos interesse nessa discussão é a primeira, que diz respeito ao período pré-

escolar a ser moldado sob o método montessoriano, como salienta Ferreira (1988).

Após apresentar as teses referentes à infância da I Conferência Nacional de Educação,

devo tratar da escolha do Paraná – Curitiba - para o evento. Ferreira (1988) mostra

existirem certas afinidades com o pensamento liberal13 presente entre os conferencistas.

A temida imigração diferenciada imprimia localizadamente características européias na

economia, na urbanização e nos costumes. Impulsionado a garantir a escolarização

nacionalizante.

No momento de crise entre os liberais práticos e os teóricos, fim da Primeira República,

tanto a influência positivista quanto o tradicionalismo católico se confundiam no

fascínio pragmatista. Segundo Ferreira (1988), no panorama dos antagonismos entre

grupos e estratos sociais, o segmento representado pelos participantes da I Conferencia

Nacional de Educação, que se percebeu com alguns prestígios nas funções educacionais,

procurava o caminho para uma reconstrução social. Tal caminho, via retidão dos

padrões éticos, proporcionaria à referida camada a conquista de um espaço social

satisfatório e “merecido”, sem contaminar as classes no poder, ou poder, ou provocar

alterações mais profundas na ordenação social. A ambigüidade do projeto liberal vazava

para as teses, em termos de contradição estrutural, na proporção em que as correntes

13 Importante dizer que o momento era o final da República Velha.

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católicas, positivistas e “[...] neutras, indistintamente, reivindicavam uma atuação mais

direta do Estado que desejava limitar”(FERREIRA, 1988, p. 268).

Em 1928 foram inaugurados os jardins de infância de União da Vitória e de Jacarezinho

e uma escola maternal anexa à sociedade Socorro aos Necessitados, esta composta de

creche, jardim de infância e curso doméstico. O jardim de infância D. Pedro II de

Curitiba e o de Guarapuava também começaram a funcionar nesse ano. A iniciativa

particular acompanhava com interesse o progresso dos jardins no Estado e os

estabelecimentos de melhor situação financeira passaram a instalá-los nos seus colégios.

Apareceram em Curitiba mais o Clara Frank, o Colégio Batista e o São José. Castro,

Paranaguá e Prudentópolis, cada uma dessas cidades foi contemplada, nesse ano, com

um jardim da infância, obra da iniciativa particular. A matrícula nos jardins mantidos

pelo Estado foi de 830 alunos e nos particulares 337, segundo Ratacheski (1953).

Em 1929 Maria Montessori dirige, da Itália, generoso convite ao governo do Estado

para mandar uma de suas educadoras àquele país para aperfeiçoar-se, em

reconhecimento ao esforço que o Paraná vinha fazendo na divulgação do seu método.

Foi escolhida para esta tarefa a professora Joana Falce Scalco. Como escreve o

Ratacheski (1953), quando a educadora se apresentava para embarcar, foi deflagrada a

revolução de 1930 impedindo sua viagem.

É necessário salientar que os relatórios dos Secretários e inspetores nestas primeiras

décadas do século XX, são repetitivos sugerindo apenas que deveriam existir os jardins

de infância por sua utilidade. Não discutem seu efetivo papel. Tanto que, no ano de

1920, foi sugerida, por um desses institucionais, a extinção do ensino pré-primário, pois

ele servia apenas para onerar os cofres públicos. No entanto a educação elementar a

partir da década de 20 mostra-se numa perspectiva de expansão que será acelerada na

década de 3014. É interessante aqui apontar o papel assumido pela medicina com relação

à compreensão da criança no país. Criam-se saberes científicos que sugeriam a melhor

compreensão do ser infantil (PEDIATRIA BRASIL, 1890).

14. Período de que trataremos posteriormente.

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Rago (1985) apresenta a questão do destino das crianças, em seu livro Do Cabaré ao

Lar, sugere que desde o final do século XIX, a preocupação com os destinos da criança,

rica ou pobre, ocupa cada vez mais os horizontes dos médicos higienistas, pedagogos e

governantes. A tarefa de recuperação da infância abandonada justifica a crescente

intervenção da medicina no campo da política e sua interferência no domínio privado da

família.

A estratégia disciplinar suave e sutil de adestramento dos corpos e do espírito e a terapia

do trabalho visavam manter os menores ocupados o tempo todo: no interior das escolas

particulares ou na esfera do lar, para os ricos; nas instituições assistenciais ou nos

patronatos e orfanatos, no caso dos pobres. Tratava-se de fixar as crianças e,

conseqüentemente, toda a família no interior da habitação e impedir que se

organizassem atividades fora da intimidade doméstica, no espaço público e

incontrolável das ruas. A preocupação em retirar os menores da rua, integrando-os em

instituições disciplinares ou dentro de casa, recaiu inicialmente sobre a criança pobre

das cidades, sobre os órfãos, mendigos, pequenos vagabundos, que aparecem para os

médicos e especialistas em geral como possíveis criminosos do futuro, como salienta

Tratenberg apud Rago (1985).

Se as crianças não estavam nos lugares em que deveriam estar, o lugar mais apropriado

não seria a escola? E essa preocupação não se dá somente em função da inquietação

com relação ao lugar da infância, que possibilitava mão-de-obra barata, mas em

devolver ao seu antigo lugar o trabalhador. A criança, por ser frágil, inocente, deveria

ser moldada e preparada gradualmente para a vida adulta. Rago (1985) trata, também,

da escola moderna, da pedagogia libertária15.

A preocupação deste era superar a dicotomia entre o trabalho manual e o trabalho

intelectual já na escola. Nela o aluno deveria tornar-se um sujeito ativo no processo

pedagógico em todos os sentidos. Desde a década de 20, a preocupação do pensamento

anarquista sobre educação é discutir a melhor forma de transformar o homem num

“homem novo”, capaz de decidir, criticar, solucionar, dar respostas aos problemas

postos socialmente. Sabe-se, entretanto, da resistência a essas idéias, e da opressão que

o país sofreria com a revolução de 30.

15 Buscar a discussão da Pedagogia Libertária em Ferrer y Guardia.

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• A Educação Infantil No Paraná: Os Anos 30.

A educação infantil no Paraná trouxe consigo resquícios das influências que atingem o

Brasil nos anos trinta do século XX, neste sentido estão implícitas nesta modalidade

educacional, as questões políticas, econômicas e sociais que atingiram o país neste

período. Usamos os anos trinta como um limite dos acontecimentos que ocorreram no

país vinculados aos de nível internacional e que perpassaram pela educação. É preciso

entender as relações entre o global e o local ou o universal e o particular se quisermos

compreender porque as políticas educacionais daquela época demandavam a educação

infantil posta naquele momento.

Como sugere Kramer (1987, p.58-59), o aprofundamento do contexto histórico dessa

época nos afastaria do tema central proposto; assim sendo, dada a complexidade das

forças atuantes no momento, apontaremos as determinantes das mudanças políticas e

econômicas, tais como:

a) O modelo econômico adotado - substituição de importações - em lugar da monocultura latifundiária. A opção por esse modelo decorreu da crise cafeeira provocada pela crise mundial de 1929. b) A diversificação da produção com o conseqüente fortalecimento de novos grupos econômicos (nova burguesia urbano-industrial). De uma estrutura de poder baseada no coronelismo, passava-se, assim, para a política dos Estados ("café com leite"), provocando essa situação a reorganização dos aparelhos do Estado. c) A mudança na estrutura da sociedade brasileira com o crescimento do setor industrial, a ampliação da classe média, o fenômeno da urbanização e, enfim, o advento de um proletariado industrial proveniente da zona rural, que vinha se empregar nas atividades emergentes. (Idem, p. 58-59)

Estas modificações se iniciaram na década de 20, culminando em 1930, com traços

centralizadores, em seguida ditatoriais (Estado Novo), segundo Kramer (1987). A crise

do sistema educacional, a contar de 1930, está centralizada num jogo de forças que

obedeceu às regras do capitalismo. Nessa crise se manifesta, principalmente, a

incapacidade das camadas dominantes reorganizarem o sistema educacional, de forma

que atendesse, harmonicamente, tanto à demanda social de educação quanto às novas

necessidades de formação de recursos humanos exigidos pela economia em

transformação, como sugere Romanelli (1983).

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Ainda na década de 20 Miguel Couto manifestava a prioridade que deveria ser dada a

educação do povo brasileiro. Esta década terminou sem que fosse solucionado o

problema que se perpetuava até aquele momento: a educação do povo16.

Ao tratarmos da década de 30, faz-se necessário chamar para a discussão Getúlio

Vargas e seu governo. Vargas procurou, através dos Conselhos Técnicos de Educação

Integrada, cooptar técnicos em todas as áreas (trabalhista, educacional, jurídica, etc.),

para que apresentem ao executivo soluções tecnicamente viáveis, para que este

escolha as mais convenientes, segundo argumentos do Rodrigues (1988). Com relação

à política educacional e trabalhista, há realmente um grande avanço proposto por esses

técnicos. Foi proposto no âmbito educacional, pelos formuladores da Escola Nova,

Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernando Azevedo, Joaquim Pimenta, Evaristo de

Morais, etc., que propunham substituir o ensino academicista por uma formação da

consciência do cidadão. Logo após, essas mudanças abrandam-se, devido ao Estado

intervencionista e autoritário que se estabelece, tornando a educação apenas mais uma

engrenagem a serviço do Estado.

Nas primeiras décadas, mantém um discurso ético que não atinge a população, passa

depois pelo problema da qualificação do professor, por um Estado administrador do

ensino como um sistema institucional, propiciando a consciência modernizadora da

sociedade em relação à instrução pública, como argumenta Wachowicz (1984).

Fernando de Azevedo e mais 26 educadores brasileiros, líderes do movimento de

Renovação Educacional, elaboram o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,

publicado em 1932, segundo Romanelli (1983). Do manifesto todo, o item VIII - que

trata do "[...] desenvolvimento das instituições de educação e de assistência física e

psíquica à criança na idade pré-escolar (creches, escolas maternais, jardins de infância e

todas as instituições complementares peri-escolares e pós-escolares)”, e o item X - que

trata da

[...] reconstrução do sistema educacional em bases que possam contribuir para a interpenetração das classes sociais e formação de uma sociedade humana mais justa e que tenha por objeto a organização da escola unificada, desde o Jardim da Infância à Universidade, 'em vista da seleção dos melhores' e, portanto, o

16 Ver esta discussão em Couto (1927) citado por Niskier (1995).

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máximo desenvolvimento dos normais (escola comum) como o tratamento especial de anormais, sub-normais (classes diferenciais e escolas especiais) (AZEVEDO apud RIBEIRO, 1979, p. 103)

estas dizem respeito ao assunto por nós tratado especificamente.

Sonia Kramer (1987) afirma, que se percebem duas tendências que até a década de 80

caracterizam o atendimento da criança em idade de educação infantil: o governo

proclama(va) a sua importância e mostra(va) a impossibilidade de resolvê-lo, dadas as

dificuldades financeiras em que se encontra(va), enquanto imprimia uma tendência

assistencialista e paternalista à proteção da infância brasileira, em que o atendimento

não se constituía em direito, mas em favor.

Em 1935, no Estado do Paraná, ocupava a Diretoria da Educação o Dr. Gaspar Duarte

Veloso, auxiliando o governo Ribas. Existiam no Estado 14 jardins de infância

mantidos pelo Estado e 19 por particulares e escola maternal. Durante o "Estado Novo"

os jardins de infância começaram a desagregar-se e o governo a perder interesse por

eles, segundo Ratacheski (1953).

Esta questão posta pelo autor anteriormente citado se justifica pelas colocações

referentes ao "Estado Novo", "Manifesto dos Pioneiros", “Constituição de 1934”, "A

Reforma", etc., que juntos justificam esse desinteresse pela educação infantil, e o

primeiro grau ganha para si a obrigatoriedade e a gratuidade, além de o ensino religioso

tornar-se facultativo. Apenas o secundário técnico e a universidade são adequados ao

interesse das perspectivas sociais do momento.

No ano de 1939, as unidades escolares do ensino pré-primário são em número de 40,

contando com um corpo docente de 86 professores. Com relação à matrícula geral, foi

de 2643 alunos; efetivaram 1991 alunos; a freqüência foi de 1418 alunos; as aprovações

foram de 837 alunos; concluíram 429 alunos. (BRASIL, 1945, p. 610-612).

No final dos anos 30 uma ocorrência importante que atingiu todos os Estados, inclusive

o Paraná, foi criado no Ministério da Educação e Saúde, pelo Decreto-Lei nº 868, a

Comissão Nacional do Ensino Primário. Este tinha como atribuição: “[...] organizar o

plano de uma campanha nacional de controle do analfabetismo, mediante cooperação de

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esforços do governo federal com os governos estaduais e municipais e ainda com o

aproveitamento das iniciativas de ordem particular” (Art. 2.) (NISKIER, 1995, 276).

Uma questão importante a salientar neste período, ano de 1935 mais especificamente, é

o interesse do país com o desenvolvimento da criação do projeto do Serviço Social. A

grande preocupação é com o atendimento das crianças que deveriam ser assistidas, a

infância protegida, significava a proteção do país... Neste sentido, cabe salientar a

criação do Departamento da Assistência Social seguido a do Serviço Social, no qual a

legislação determinava, “A maior parte dos artigos da lei é [...] dedicada à assistência ao

menor – sua organização científica em relação aos aspectos social, médico e pedagógico

– e à fiscalização das instituições públicas e particulares que a ela se dedicam”.

(IAMAMOTO; CARVALHO, 1982 apud CORRÊA, 1997, p.84)

• A Educação Infantil No Paraná: Os Anos 40.

Na década de 40, no Paraná, migrantes predominantemente mineiros e paulistas

dirigiram-se para as terras no norte e noroeste na qualidade de proprietários ou

assalariados na produção do café, segundo argumentos de Machado (1983). A

imigração no Estado é responsável pela demanda de crescimento, tão brusca nesse

período, obrigando o mesmo a se manifestar com relação à expansão escolar. Nesse ano,

a Diretoria Geral da Educação organizou um regimento interno e programa para os

grupos escolares do Estado.

Discute a autora a questão do Governo Federal como participante na expansão do

ensino no Estado, pouca participação tanto deste Governo como de escolas particulares,

ficando esse papel com o próprio Estado, que acaba por repetir o comportamento federal

dando prioridade a escolas dos níveis superior e médio, satisfazendo interesses. A

participação estadual no primário, em termos absolutos, arcou com grande rede escolar;

mas logo que se criaram condições, o Estado passou a incentivar os municípios a

gradualmente assumirem o atendimento das demandas.

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Como discute Pilloto (1954), esse regimento é a tradução legal do que era a vida real

das escolas primárias, sendo um instrumento disciplinar e fixador assumindo esse papel,

sem considerar, todavia que este tenha levado o organismo educacional para frente no

sentido de implantação de idéias novas ou novos planos, pois não se propôs a isso. A

sua rigidez disciplinadora mostra-se excessiva em certos momentos. Citamos como

exemplo: "Ao professor é proibido: saltear, inverter e suprimir a ordem de colocação

dos pontos das diferentes matérias consignadas no programa oficializado". Essa

diretoria fechava-se numa atitude conservadora.

No que toca à área da instrução pública, acentuou-se ainda mais a competência da União não só através do controle direto exercido pelo Ministério da Educação e Saúde, como pelos atos dos próprios interventores dos Estados, simples delegados do governo federal, obrigados a cumprir as determinações emanadas dos órgãos presidenciais sediados na capital da República. A ideologia do Estado Novo, bastante influenciada pelos princípios, normas e métodos típicos dos países totalitários, marcou profundamente a educação do país. (NISKIER, 1995, p. 278)

É importante apresentar alguns dados da educação infantil, no Paraná, no início da

década de 40, pois estes dados mostram algumas questões que sugerem o esforço do

Estado em avançar na proposta de atendimento a infância. Dentre os dados tratados um

deles em particular levou a preocupação do setor educacional do Paraná, que foi o dos

“concluintes”17, houve um decréscimo considerável nestes primeiros anos das crianças

que terminaram a educação infantil. Deve-se considerar que neste período a grande

preocupação era o ensino fundamental e, portanto a educação infantil não era prioridade

para o governo, o que não se pode dizer das famílias que precisavam deste benefício e

que muitas vezes não podiam gozá-lo, tendo em vista que as mães não podiam

comprovar o vínculo empregatício tão necessário.

Com o final da guerra, em 1945, mudanças nacionais e internacionais se efetivam. A

política educacional vai se caracterizar pela ambivalência dos grupos no poder. Essa

política se reduzirá praticamente à luta em torno da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional e a Campanha da Escola Pública.

17 De 541 alunos em 1940 para 326 em 1942 (BRASIL, 1945, p. 638-639; 1946, p. 644-645; 1947, p. 734-735).

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Após a queda de Getúlio Vargas e durante o governo provisório, respondendo pela

Presidência da República José Linhares e pelo Ministério da Educação Raul Leitão da

Cunha, no ano de 1946, foi baixado o Decreto-Lei nº 8529, tratando do ensino primário.

Neste período a educação vivia ainda uma administração centralizada, que na

Constituição sugeria: “[...] Art. 15 – Compete privativamente a União: IX – Fixar as

bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que deve

obedecer a formação física, intelectual e moral da infância e da juventude”. (BRASIL,

1937 apud NISKIER, 1995, p. 310).

Esta educação centralizada caracteriza-se pela intenção que o governo possuía quanto

ao seu projeto educacional, momentos de mudança muito peculiares como os que

ocorreram neste período, afetam a educação que se queria. As palavras de Lourenço

Filho sugerem

[...] o projeto educacional do governo tinha como “fito capital homogeneizar a população, dando a cada nova geração o instrumento do idioma, os rudimentos da geografia e da história pátria, os elementos da arte popular e do folclore, as bases da formação cívica e moral, a feição dos sentimentos e idéias coletivos, em que afinal o senso de unidade e de comunhão nacional repousam”. [...] O “abrasileiramento” destes núcleos de imigrantes era visto como um dos elementos cruciais do grande projeto cívico a ser cumprido através da educação, tarefa que acabou se exercendo de forma muito mais repressiva do que propriamente pedagógica, mas na qual o Ministério da Educação se empenharia a fundo (LOURENÇO FILHO, 1939 apud SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, P. 93).

Em se tratando do Estado do Paraná, com a revolução de 1930 a classe proprietária de

terras torna-se a classe dominante, afastando do poder a burguesia industrial e

comercial. Em 1946, com a organização dos partidos, o PDS congrega os proprietários

de terras. Quem se elegeu governador pelo PDS, nesse ano, foi Moisés Lupion,

assumindo em 1947 o seu mandado, segundo Machado (1983).

No que tange à educação, no Estado, o governo Lupion entende que "[...] a educação é

uma das aspirações mais vivas do povo" e "[...] o Estado deve atender às necessidades

da população". Machado (1983) sugere que se trata de uma população necessitada,

carente, desejosa de educação, de um Estado propiciador, ou melhor, de um Estado

outorgador, e de uma educação outorgada que atende às necessidades da população.

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A autora comenta que, nesse Governo, a crítica ao governo anterior está centrada na

falta de critérios pedagógicos no ensino e no baixo rendimento escolar. A crítica ao

passado é crucial para que realize um diagnóstico no qual, necessariamente, se revelam

as condições a corrigir ou transformar que se constituirão nas atividades a serem

desempenhadas pelo governo. Feito desta forma, o diagnóstico tem condições de não

qualificar negativamente o novo governo e de legitimar sua atuação corretiva ou

transformadora. Assim, é que a crítica ao passado é realizada em detrimento da

continuidade da hegemonia política.

Assume em 1948, a Secretaria de Educação e Cultura do Estado, o professor Erasmo

Pilloto (1954), e apresentando suas idéias é que trataremos desse período. Elaborou

novos programas para as escolas primárias e os jardins de infância como salienta

Ratacheski (1953, p. 54-55). Para confirmar essas colocações do Pilloto, o ator

anteriormente citado complementa:

Foram convocadas em 1948 as professoras de jardins de infância do Estado para um curso relacionado com o serviço das creches, curso que produziu efeitos notáveis. [...] Foi preconizado um programa de experiências a proporcionar, diariamente, às crianças, experiências relacionadas com o mundo da natureza, com a vida social, com a linguagem, com a estética, com habilidades manuais, com o sentido da responsabilidade, etc., experiências organizadas dentro de um plano rigorosamente adequado às exigências bio-psicológicas da infância. Em seguida, [...] para que fosse iniciado um trabalho científico nos jardins da infância, de verdadeira educação diferencial, foi instituído, no Instituto de Educação do Estado, um curso destinado a formar com urgência os primeiros elementos para o indispensável estudo do escolar naquelas unidades de educação. Nascia, no Paraná, a "ESCOLA NOVA", a qual Erasmo Pilloto tem consagrado sua vida.

• Considerações Finais...

As questões tratadas, neste texto, buscaram mostrar as repercussões que a proposta

jurídico-assistencialista causou ao procurar atender as crianças no país. A ação

concebida, naquele momento, tinha como intuito priorizar a reeducação, a regeneração

e a reabilitação dos menores, tendo como meta civilizar o Brasil.

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Na ordem liberal capitalista, a criança é entendida como elemento servil posicionada

sob dois pontos de vista: o da esperança e o da salvação como chave para o futuro18.

Baseados na proposição da construção nacional, a partir das idéias dos médicos, dos

juristas, entre outros, entendiam que ao dar assistência e proteção, através da cruzada

pela infância, poderiam ao mesmo tempo atender o povo-criança para sanear, civilizar e

moralizar o país.

Ao olhar para o Estado do Paraná, naqueles períodos, pode-se perceber que os

problemas apresentados pelos inspetores, diretores gerais e tantos outros que pensavam

a educação da criança, tinham a preocupação de deixar claro algumas questões: a

inoperância dos pais em cuidar de seus filhos; a proposta de um ensino intuitivo,

salientando dois aspectos, um moral e o outro estético; um método novo, o

montessoriano, que foi assumido pelo Estado como aquele que possibilitaria a entrada

das crianças na escola primária; a Lei que reformou a Educação, buscando modernizar,

valorizando a técnica, com a instalação do Instituto de Proteção e Assistência à Infância

do Paraná, em 1921.

Percebe-se aqui que, os aspectos salientados no cuidado com os menores no país

acabam por aportar neste território. Ao subsidiar a I Conferência Nacional da Educação,

em 1927, o Estado possibilitou discutir algumas questões específicas da infância, tais

como: a divisão do Ensino Primário em fases concatenadas; a assistência médica à

infância escolar com a proposta da caderneta sanitária; a preconização do falar, cantar e

correr na nova escola; a proposição de um período pré-escolar nas escolas rurais

baseado no método Montessori.

É importante salientar que os antagonismos entre grupos e estratos sociais que

participaram da I Conferência procuravam um caminho para a reconstrução nacional.

Esse caminho deveria ser trilhado a partir dos padrões éticos, buscando oportunizar as

camadas pobres um espaço social satisfatório e merecido; sem, contudo, contaminar as

classes no poder ou provocar alterações profundas na ordenação social já constituída.

18 Rizzini, 1997, p. 252.

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Os relatórios tratados, neste texto, procuraram demonstrar o percurso pelo qual a criança

foi pensada no início do Século XX no estado do Paraná. Os saberes científicos

propostos buscavam a compreensão do ser infantil; mas, o que importava apenas era

assistir e proteger. A educação básica sugerida, nesse período, como salienta Rizzini

(1997, p. 242) é que diferentes vozes defenderam este investimento:

[...] Tal fato se deve a dois fatores principais: (a) a instrução, com sua conotação prática de fornecer apenas elementos considerados necessários para formar um “bom trabalhador”, era o quanto se entendia bastar para os menores; portanto, a educação não constituía de fato bandeira a ser defendida para este grupo; (b) somente a partir de 1930 é que parece ter se enraizado a crença no uso ideológico da educação para, por um lado moldar a sociedade, e, por outro, abrir novos espaços de participação social.

O que se pode perceber é que no final da República Velha, as transformações políticas

e sociais que ocorreram na esfera jurídica, levaram o problema do menor a ter uma

nova configuração. Neste sentido, as ações permaneceram vinculadas aos setores da

caridade e filantropia interligados pela justiça e assistência. A criança pobre cuja

família não sabia cuidar passa a ser tutelada pelo Estado e somente em 1927, com o

Decreto nº 17.943, é que se consolidam as Leis de Assistência e Proteção aos Menores

no país, o que marca o domínio da ação jurídica sobre a infância.

É preciso concluir o texto tratando de um período que se aproxima do seu fim, o Estado

Novo, tendo em vista que o projeto educacional do Ministério da Educação havia

exaurido seu conteúdo ético e mobilizador, segundo sugerem Schwartzman; Bomeny;

Costa (2000), pois este deixa em seu lugar um amontoado de leis, instituições e rotinas

que haviam sido postas nos anos anteriores. O destino da educação brasileira que se

reinicia depois deste momento enfrentou um confronto entre os defensores da escola

pública e os da escola livre, isto é, confessional, como apresentam os autores

anteriormente citados. Este debate como sabemos se arrastou até os anos 60 com a

instauração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Neste texto procuramos entender os caminhos trilhados pela educação infantil no

Paraná, num período histórico influenciado por acontecimentos econômicos, sociais e

políticas que conturbaram as propostas educacionais que foram sugeridas pelo Estado.

Muitas foram às ocorrências que engendraram mudanças e transformações que

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ocasionaram interferência no processo de desenvolvimento da educação, tais como a

Revolução (1930-34), a Guerra (1937-45), a Ditadura (1940-45). As questões

educacionais podem até mesmo ter surgido como inovadoras em alguns momentos, para

depois se prender, no final do período, às relações políticas, com interesses específicos a

poderes hegemônicos, colocando-se como sempre a serviço de uma classe.

Referência

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