Alice Coutinho

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TESE DE DOUTORADO

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    MESTRADO EM EDUCAO

    ALICE COUTINHO DA TRINDADE

    A

    MOVIMENTOS SOCIAIS E A LUTA PELO PBLICO NA EDUCAO:

    ESCOLAS ITINERANTES NO BRASIL E BACHARELADOS POPULARES

    NA ARGENTINA

    RIO DE JANEIRO

    2011

  • 2011

    ALICE COUTINHO DA TRINDADE

    MOVIMENTOS SOCIAIS E A LUTA PELO PBLICO NA EDUCAO:

    ESCOLAS ITINERANTES NO BRASIL E BACHARELADOS POPULARES

    NA ARGENTINA

    DDiisssseerrttaaoo ddee mmeessttrraaddoo aapprreesseennttaaddaa aaoo PPrrooggrraammaa ddee PPss--

    GGrraadduuaaoo eemm EEdduuccaaoo ddaa FFaaccuullddaaddee ddee EEdduuccaaoo ddaa

    UUnniivveerrssiiddaaddee FFeeddeerraall ddoo RRiioo ddee JJaanneeiirroo -- UUFFRRJJ,, ccoommoo rreeqquuiissiittoo

    ppaarrcciiaall ppaarraa oobbtteennoo ddoo ttttuulloo ddee MMeessttrree eemm EEdduuccaaoo.. CCaammppoo

    ddee CCoonnfflluunncciiaa PPoollttiiccaass PPbblliiccaass..

    Orientador: Prof Dr. Roberto Leher

  • 2011

    FICHA CATALOGRFICA T833 Trindade, Alice Coutinho da.

    Movimentos sociais e a luta pelo pblico na educao: escolas

    itinerantes no Brasil e bacharelados populares na Argentina / Alice

    Coutinho da Trindade. Rio de Janeiro: UFRJ, 2011.

    112f.

    Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Educao, 2011.

    Orientador: Roberto Leher.

    1. Movimento dos trabalhadores rurais sem-terra. 2. Educao \rural.

    3. Trabalhadores Rurais Educao Brasil. 4. Movimento Nacional de Empresas Recuperadas (Argentina). 5.Educao Argentina. I. Leher, Roberto. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade

    de Educao.

    CDD: 370.1934

  • ALICE COUTINHO DA TRINDADE

    MOVIMENTOS SOCIAIS E A LUTA PELO PBLICO NA EDUCAO:

    ESCOLAS ITINERANTES NO BRASIL E BACHARELADOS POPULARES

    NA ARGENTINA

    DDiisssseerrttaaoo ddee mmeessttrraaddoo aapprreesseennttaaddaa aaoo PPrrooggrraammaa ddee PPss--

    GGrraadduuaaoo eemm EEdduuccaaoo ddaa FFaaccuullddaaddee ddee EEdduuccaaoo ddaa

    UUnniivveerrssiiddaaddee FFeeddeerraall ddoo RRiioo ddee JJaanneeiirroo -- UUFFRRJJ,, ccoommoo rreeqquuiissiittoo

    ppaarrcciiaall ppaarraa oobbtteennoo ddoo ttttuulloo ddee MMeessttrree eemm EEdduuccaaoo.. CCaammppoo

    ddee CCoonnfflluunncciiaa PPoollttiiccaass PPbblliiccaass..

    Aprovada:

    BANCA EXAMINADORA

    ______________________________________________________________________

    Prof Dr. Roberto Leher (UFRJ)

    ______________________________________________________________________

    Prof Dr. Gaudncio Frigotto (UERJ)

    ______________________________________________________________________

    Prof Dr. Carlos Frederico B. Loureiro (UFRJ)

  • Aos companheiros e companheiras que seguem na luta

    no Brasil e na Argentina

  • AGRADECIMENTOS

    Ao meu pai, funcionrio pblico que me ensinou o prazer de ler, de aprender e o valor da

    honestidade.

    Ao Professor Roberto Leher que foi muito mais que um orientador, foi um amigo e um

    companheiro sempre disposto a ler meus textos, fazer sugestes e mostrar o verdadeiro

    significado de ser um educador.

    Ao Professor Roberto Elisalde que foi praticamente um orientador na Argentina. Ajudou em

    todo o trabalho de campo em Buenos Aires e ainda esclareceu minhas dvidas e inquietaes

    com pacincia e carinho.

    Ao companheiro Pincel, que me recebeu em Porto Alegre de braos abertos, me levou

    entrevista com Olvio Dutra e me ajudou a realizar todos os contatos naquele estado.

    s companheiras do MST no Rio Grande do Sul em especial Isabela, Bianca e Bruna.

    A todos os companheiros do Projeto Outro Brasil e da turma de mestrado 2009 que ouviram

    com ateno minhas idias e minhas dvidas e que me ajudaram a construir metodolgica e

    praticamente este estudo.

    Aos meus familiares que acreditaram neste trabalho mesmo quando tudo parecia que no

    sairia do papel.

    s minhas amigas e amigos queridos que ouviram minhas lamrias, angstias e dores nos

    momentos mais delicados. Em especial aquelas que me acompanharam mais de perto durante

    este percurso: Gabriela Mendona, Luisa Prochnick, Patrcia Bustamante S e Isabela Fortes.

    Aos amigos Leandro Moura e Gabriele Wong que me ajudaram a trabalhar a ansiedade, me

    ouviram com ateno nos momentos mais nostlgicos e tristes e me mostram na prtica que o

    amor ainda existe

    Obrigada por vocs existirem.

  • RESUMO

    TRINDADE, Alice Coutinho. Movimentos sociais e a luta pelo pblico na educao:

    escolas itinerantes no Brasil e bacharelados populares na Argentina. Rio de Janeiro, 2011.

    Dissertao (Mestrado em educao). Faculdade de Educao - Universidade Federal do Rio

    de Janeiro (UFRJ), 2011.

    O presente estudo investiga as experincias educativas das escolas itinerantes do Movimento

    dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Brasil e dos Bacharelados Populares,

    organizados pelo Movimento Nacional de Empresas Recuperadas (MNER) e outros

    movimentos na Argentina. O Estudo analisa o conceito de pblico, presente na tradio do

    pensamento crtico latino-americano, particularizando a concepo dos referidos movimentos.

    O projeto indaga como os referidos movimentos de trabalhadores se apropriam e

    ressignificam a noo de pblico a partir da organizao e luta pela educao em um Estado

    particularista. Para analisar a concepo de pblico que permeia a relao contraditria entre

    os movimentos sociais e o Estado no mbito da luta pela educao pblica, gratuita e de

    qualidade, o presente projeto pretende encontrar os nexos entre as duas experincias no que se

    refere relao entre as experincias e o Estado em termos de conquista de recursos e de

    certificao. A presente proposta ainda busca apontar aspectos referentes luta pela educao

    pblica e seus reflexos nas propostas pedaggicas. Neste sentido, fundamental compreender

    como vem sendo pensada a mediao entre a formao poltica e a educao formal.

    Palavras-chave: Movimentos sociais; educao; Bacharelados Populares; escolas Itinerantes.

  • ABSTRACT

    TRINDADE, Alice Coutinho. Social movements and the fight for public in education:

    itinerant schools in Brazil and popular baccalaureate in Argentina. Rio de Janeiro, 2011.

    Thesis (Masters degree in Education). School of Education Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ), 2011.

    The current study aims to investigate the educational experiences of the Brazils Landless

    Rural Workers Movement (MST) and of the Popular Graduates, organized by the National

    Movement of Recovered Factories (MNER) and other movements in Argentina. The study

    analyzes the concept of public, present within the traditional Latin American critical thought,

    focusing in the conception of the above mentioned movements. The project questions how the

    previous mentioned workers movements take over and reframe the notion of public

    throughout their association and their fight for education against a particularistic State. In

    order to analyze the conception of public, which permeates the contradictory relationship

    between social movements and the State within the sphere of the fight for public education,

    free and of high quality, this project intends to find the connection between the two

    experiences with regards to their relationship with the State in terms of the achievement of

    resources and certification. The present proposal also seeks to identify the aspects concerning

    the fight for public education and its reflexes in the pedagogic proposals. Therefore it is

    fundamental to understand how the measurement between the political formation and the

    formal education is being performed.

    Key-words: Social movements; education; popular baccalaureate; itinerant schools

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    BID Banco Interamericano de Desenvolvimento CEIP Cooperativa de Educadores e Investigadores Populares CEPAL - Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe

    CPT Comisso Pastoral da Terra CUT Central nica dos Trabalhadores ECA Estatuto da Criana e do Adolescente EJA Educao de Jovens e Adultos FMI Fundo Monetrio Internacional GATT - Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comrcio

    MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MNER Movimento Nacional de Empresas Recuperadas OEA Organizao dos Estados Americanos OMC - Organizao Mundial do Comrcio

    Prouni - Programa Universidade para Todos

    PT Partido dos Trabalhadores Reuni - Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades

    Federais

    TAC Termo de Ajustamento de Conduta

  • SUMRIO

    INTRODUO ...................................................................................................................... 11

    CAPTULO 1 A PESQUISA .............................................................................................. 18

    1.1 Problemtica ................................................................................................................ 18

    1.2 Objetivos Gerais .......................................................................................................... 21

    1.3 Objetivos especficos ................................................................................................. 21

    1.4 Relevncia ................................................................................................................... 22

    1.5 Metodologia ................................................................................................................ 27

    1.5.1 Base emprica para anlise dos Bacharelados Populares ......................................... 31

    1.5.2 Base emprica para anlise das Escolas Itinerantes .................................................. 32

    1.5.3 Eixos de anlise e questes para empiria ................................................................. 33

    CAPTULO 2 REFERNCIAS TERICAS ................................................................... 35

    2.1 Estado e Sociedade civil.............................................................................................. 37

    2.2 Pblicos e Privado ....................................................................................................... 45

    2.3 Classe social e Movimentos sociais ............................................................................ 53

    2.4 Educao e Movimentos sociais ................................................................................. 57

    CAPTULO 3 MOVIMENTOS SOCIAIS E A LUTA PELA EDUCAO PBLICA: O CASO DOS BACHARELADOS POPULARES NA ARGENTINA ............................. 60

    3.1 Antecedentes histricos da conjuntura ........................................................................ 62

    3.2 Os sujeitos sociais Coletivos ....................................................................................... 68

    3.3 Organizao da experincia propriamente dita e o contexto scio histrico .............. 71

    3.4 Os Bacharelados Populares: surgimento e relao com o Estado ............................... 74

    3.5 A proposta pedaggica e o processo educativo........................................................... 78

    3.6 Algumas reflexes a ttulo de sntese .......................................................................... 82

    CAPTULO 4 A LUTA DO MST NO BRASIL PELA EDUCAO PBLICA: O CASO DAS ESCOLAS ITINERANTES .............................................................................. 85

    4.1 Contexto scio histrico ............................................................................................. 87

    4.2 Construo histrica do MST no Brasil, da luta pela terra luta pela escola ............. 90

    4.3 O dilogo com o Estado: a conquista .......................................................................... 95

    4.4 Relaes com o Estado, conflitos e lutas .................................................................. 102

    4.5 Processo poltico e pedaggico: a escola diferente ............................................... 105 4.6 Sntese: tenses entre o pblico e o privado na luta pelas escola itinerantes ............ 111

    CAPTULO 5 CONCLUSES PROVISRIAS FINAIS ............................................. 114

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................... 116

  • INTRODUO

    Na perspectiva adotada neste trabalho analtico, a questo do mtodo complexa e

    envolve alm de uma forma de fazer cincia, uma postura, uma forma de atuao frente ao

    mundo em sua atual configurao. Neste sentido, nos parece honesto esclarecer que, para

    alm da influncia intelectual de autores como Marx, Gramsci, Anderson, Mzsros que em

    grande parte embasam este captulo, uma trajetria acadmica e de vida perpassam estas

    linhas e a escolha deste objeto.

    A questo da classe permeia no apenas o objeto de anlise, mas tambm a vida real

    dos indivduos logo, a vida do pesquisador.

    Tentando manter o rigor que a temtica merece, as linhas a seguir pretendem dar conta

    desta especificidade do mtodo descrito por Marx, que atribui importncia fundamental a ao

    percurso histrico. No se trata apenas dos fatos histricos que envolvem, complexificam e

    enriquecem a anlise necessria da conjuntura mais ampla, se trata tambm, de compreender o

    olhar do pesquisador, suas escolhas, suas estratgias e para tal, a histria que o envolve

    contribui para elucidar sobre o tratamento e a abordagem do tema e principalmente, a escolha

    do problema.

    Tendo como mtodo o materialismo histrico e dialtico, esboar as condies

    materiais que condicionaram o desenvolvimento de uma determinada conscincia nos parece

    importante para que o leitor no apenas compreenda a opo metodolgica, mas a forma de

    abordagem do problema analisado e, como este se relaciona com a prtica e a histria do

    pesquisador.

    Como nos diz Mszros sobre Marx:

    As Teses sobre Feuerbach defendendo a unidade entre teoria e prtica tornou-se absolutamente claro que a prtica revolucionria, no sentido mais

    bvio dos seus termos de referncia, teria de assumir o papel central na

    concepo marxiana de cincia. por isso que pela primeira vez na histria

    uma teoria cientfica de mudana estrutural foi articulada e diretamente

    vinculada por seu fundador realizao necessria da tarefa histrica de

    criar um movimento revolucionrio consciente capaz de instituir a

    propugnada estratgia de transformao global. (2009, p. 214)

  • O percurso acadmico, a trajetria traada, o contato com os movimentos sociais, com

    os militantes as discusses e debates com alguns dos mais importantes intelectuais de

    esquerda da Amrica Latina1 so alguns dos aspectos que clarificam a influncia do

    pensamento marxista no mtodo e na prtica poltica em que se encontra imerso este trabalho.

    Vale com isso destacar que a entrada em 2005, como bolsista de iniciao cientfica

    PIBIC/UFRJ no projeto Outro Brasil atuando inicialmente no Observatrio Social da Amrica

    Latina (OSAL)2 e em seguida tambm no curso de extenso, Movimentos Sociais, Polticas

    Pblicas e Emancipaes3 foram fundamentais neste processo. importante destacar ainda, o

    trabalho e o contato com o presente orientador, que construiu em conjunto este trabalho e que

    muito educou, no sentido mais amplo que se pode atribuir teoria e a prtica educativa, sobre

    a teoria e a prtica poltica da educao popular comprometida com a transformao da

    realidade.

    Muitos foram os elementos fundamentais para a construo deste trabalho e de uma

    prtica, mas relevante tambm ressaltar que o processo envolveu, contudo dvidas,

    incertezas, medos, sonhos e quiz uma cultura mais vinculada a um outro setor da classe

    trabalhadora uma pequena burguesia, que no afetada de forma to brutal pelas intempries

    do capitalismo. Um grupo que vive em uma sombra, em meio ao sol escaldante que, muitas

    vezes tem que mudar de posio para no ser afetado, mas que dificilmente fica totalmente

    exposto.

    Alertando quanto a isso, o esforo tem sido de constantemente desconstruir e rever,

    certezas e dvidas, prticas e posturas.

    Aludir em termos de uma crise estrutural do capital e uma necessria transformao da

    realidade parece, para muitos, uma insanidade infantil, adolescente. Uma utopia ligada a um

    certo perodo da vida, algo que deixa de existir depois de algumas dcadas.

    1 Para citar alguns; Hugo Aboites (UAM, Mxico), Mirta Antonelli (Universidade de Crdoba Argentina),

    Nstor Correa (UBA Argentina), Roberto Elisalde (UBA-Argentina) e Claudia Korol. 2 O OSAL um projeto desenvolvido pelo Conselho Latino Americano de Cincias sociais (CLACSO) que

    promove a cronologia dos conflitos sociais em diversos pases da Amrica latina e Caribe. 3 O curso de extenso registrado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) teve incio em 2006 e at o

    momento segue com suas atividades. A proposta promover a formao poltica de militantes de movimentos

    sociais, sindicatos e outras organizaes de trabalhadores do Rio de Janeiro. Para isso o curso conta com uma

    Comisso Poltico Pedaggica (CPP) composta por lideranas e representantes de movimentos sociais e

    integrantes dos setores crticos da universidade.

  • Parece que esquecemos a histria e passamos a acreditar que este o nico mundo

    possvel. Agindo como se sempre fora assim, com a presuno de sua poca, os sujeitos tm

    esquecido outros momento, que nos dizem, que um dia fora diferente e que h um movimento

    no curso na realidade. Este parece ser um importante elemento de contribuio do mtodo:

    entender o movimento histrico que envolve os sujeitos e que os constri. Compreender que

    no fora sempre assim e que a histria feita de alternativas, pois se encontra sempre em

    aberto, como perspectiva bsica, nos parece um dos aspectos fundamentais para compreender

    a anlise.

    Pensar e agir desta forma, no Rio de Janeiro, Zona Sul, onde se pode ver, em alguns

    recantos, estilos e formas de vida encontradas entre as principais economias do mundo, tem

    sido difcil e solitrio. Declarar este elemento faz parte do processo de construo desta

    anlise e compe o mtodo na medida em que, como nos diz Mzros:

    O escopo original para a autocrtica na fase ascendente do desenvolvimento

    histrico do sistema do capital foi muito importante, apesar das bvias

    limitaes de classe. A relevncia dessa conexo est longe de ser

    negligencivel porque, em termos de exigncias do desenvolvimento

    cientfico em geral sem o qual as conquistas da economia poltica clssica seriam impensveis um elemento de autocrtica condio necessria para uma compreenso crtica do objeto. (2009, p. 234)

    Fazer uma autocrtica como prope Mszros e assumir o local de onde falamos

    parece ser algo justo com o leitor que pretende adentrar o texto, nas nuances do trabalho de

    campo e nas dificuldades estruturais e concretas de realizao da pesquisa. Parte deste

    movimento envolve a trajetria do pesquisador que se prope a faz-la e que assume a

    fragilidade e o risco de tambm se expor.

    Anunciar o dilogo com o mtodo marxista no apenas trabalhar com um

    determinado escopo terico, mas antes, assumir uma determinada posio frente ao mundo.

    Como de forma brilhante escreve Jos Paulo Neto (1992):

    (...) uma parcela considervel das polmicas em torno do pensamento de

    Marx parte menos de suas motivaes cientficas e mais de recusas

    ideolgicas afinal, Marx nunca foi um obediente servidor da ordem burguesa: foi um pensador que colocou, na sua vida e na sua obra, a pesquisa

    da verdade a servio dos trabalhadores e da revoluo socialista. (1992, p.

    668)

  • Compreender o olhar que se volta para determinado objeto tambm de certo,

    entender em que momento na trajetria do pesquisador, aquele tema se transforma em

    problema a ser analisado e estudado.

    Na tentativa de elucidar este momento, relevante destacar que o trabalho com os

    conflitos sociais no OSAL, a anlise das mdias nacionais da grande imprensa e das mdias

    ligadas aos movimentos sociais foi o primeiro passo. Em seguida a articulao com os

    movimentos sociais para a construo de um curso de formao poltica para militantes foi

    fundamental.

    A euforia desencadeada por toda essa gama de experincia em educao popular, de

    luta e organizao foi acompanhada por outro sentimento, fruto das vivncias: a conjuntura

    no a mais favorvel. Inicivamos uma turma com 150 militantes e, ao final tnhamos cerca

    de 40. Uma evaso considervel. Ao mesmo tempo, as avaliaes sobre as atividades e a

    organizao sempre foram positivas e reivindicavam a continuidade do trabalho.

    Chegando a quinta edio no ano de 2010, o curso promoveu a vivncia com diversas

    propostas de educao popular realizadas atualmente pelos movimentos sociais no Rio de

    Janeiro. Como balano, podemos apontar avanos e retrocessos na articulao com os

    movimentos sociais e na formao poltica no estado. Enfrentamos problemas de articulao,

    recursos, espao, mas acumulamos muito em termos de experincias e vivncias na educao

    popular. O que de fato podemos destacar neste momento que, nesta pesquisadora, fez toda a

    diferena.

    Ao mesmo tempo, a vida concreta, se choca com a realidade da maioria chamada

    minoria. O trabalho, desarticulado da vida real vivida cotidianamente, desanima e

    encharcado pela visualizao e vivncia em espaos e tempos de um outro Rio de Janeiro,

    rico, limpo e seguro. Dvidas sobre como esse trabalho pode ser observado em outros espaos

    que no o espao acadmico ainda democrtico, assombram.

    Que utilidade pode ter para o mercado? No se pretende que tenha, mas o medo do

    futuro est presente. um trabalho construdo em anos de convivncia e tentativa de

    compreenso das conscincias que lutam, que buscam ainda seus coletivos, seus pares, para

    uma ao prtica coletiva, mesmo que aparentemente mais terica.

    Assumindo os riscos destas escolhas, o materialismo histrico dialtico como mtodo

    o mais apropriado para lidar com a complexa realidade do dilogo entre o Estado e

  • determinados setores sociais no Brasil e na Argentina. Em termos de educacionais, podemos

    dizer que:

    Falar da existncia de um processo educativo no interior de processos que se

    desenvolvem fora dos canais institucionais escolares implica em ter como

    pressuposto bsico, uma concepo de educao que no se restringe ao

    aprendizado de contedos especficos transmitidos atravs de tcnicas e

    instrumentos do processo pedaggico. (GOHN, 2009, p. 17)

    A educao um campo de disputa. O processo educativo vem sendo entendido

    historicamente pelos movimentos sociais como um processo para alm dos contedos

    escolares, estreitamente ligado luta concreta cotidiana dos sujeitos e construo de uma

    outra perspectiva, outro olhar sobre a realidade. Utilizamos a citao de Gohn para destacar a

    importncia de estudos que tm sido desenvolvidos nesta rea pedaggica, mas assumimos a

    impossibilidade de analisar este elemento mais a fundo, neste momento. O objetivo destas

    linhas se desenhou em torno de outras questes.

    A proposta estudar como os movimentos sociais tm ressignificado e

    institucionalizado a relao entre a escola pblica e o Estado. Como os movimentos sociais,

    com suas demandas e lutas conseguem conquistar e promover junto ao Estado, polticas

    pblicas na educao. Neste sentido que os processos educativos que esto alm dos muros

    da escola aparecem de forma candente e pulsante. No como parte central na anlise mas

    como um dos pressupostos fundamentais.

    A anlise busca reconhecer os nexos entre a experincia das Escolas Itinerantes do

    MST no Brasil e dos Bacharelados Populares, na Argentina e os seus respectivos Estados. Os

    dois casos abrangem pblicos distintos, pertencem a movimentos sociais distintos, com

    diferentes origens reivindicatrias e histricas, mas que mantm uma relao entre a classe

    trabalhadora organizada e o Estado, no que se refere escola, muito semelhante. Entre lutas e

    disputas que travam com o Estado, estas experincias desenvolvem um processo de dilogo

    de forma peculiar: o Estado garante a certificao - o reconhecimento oficial e em alguns

    casos algum recurso e o movimento social realiza a gesto e a organizao da educao.

    Mesmo reconhecendo os limites em termos de reconhecimento e recursos para as

    experincias como veremos adiante, podemos dizer que, no campo pedaggica h um avano

    importante pois, ao assumir a educao, o movimento social educa de acordo com suas

  • concepes de mundo e sua histria de luta e o faz, por meio de uma poltica pblica, de um

    direito social.

    neste ponto que os casos parecem convergir para uma anlise que tambm

    conjuntural. Que contradies no Estado garantem que experincias como essas existam? Que

    enfrentamentos foram necessrios para essa conquista? Por que se configuram como polticas

    pblicas? O que buscam os movimentos sociais na educao? De que forma uma determinada

    concepo de pblico embasa e justifica essas experincias?

    Estes so alguns questionamentos que iro nortear os captulos que se seguem.

    No momento, importante situar conjunturalmente a busca da compreenso do

    problema. Para isso citamos novamente Gohn (2009) que afirma:

    Reformas e propostas educacionais, particularmente na rea escolar, no so

    novidades histricas no Brasil do sculo XX. Porm se observarmos

    atentamente o ciclo destes acontecimentos eles so datados e correspondem

    a perodos de crises na economia, de redefinio do modelo de acumulao

    vigente e de constituio de novos atores sociais como sujeitos da cena

    poltica. (p. 7)

    Estes apontamentos nos ajudam a situar a complexa conjuntura de organizao da luta

    em torno da educao e da constituio destes movimentos sociais. Com isso destacamos dois

    momentos importantes. O primeiro est vinculado ao surgimento destes movimentos e de suas

    experincias educativas. O segundo, mais atrelado metodologia que estamos tratando agora,

    o momento atual em que a pesquisa e o pesquisador historicamente se encontram. Trataremos

    da trajetria das organizaes nos estudos de caso, por hora situaremos a pesquisa e o mtodo.

    Para tanto algumas palavras sobre a conjuntura parecem necessrias.

    A primeira dcada de dois mil foi marcada por momentos de crise do capital. Na

    Argentina o auge da crise eclode no ano de 2001. No Brasil, aps as crises de 1998, 2001 e

    aquilo que o presidente Lula da Silva chamou de marolinha, em meados de 2008 e 2009

    causou desemprego, enorme renuncia fiscal para diversos setores, ajudas milionrias aos

    bancos - que atingem novamente lucros recordes - e ainda uma ampliao das polticas sociais

    de alvio pobreza, tambm conhecidas como bolsas. A situao atual ainda tem sido

    constantemente agravada por catstrofes naturais de um sistema insustentvel

    ambientalmente. As grandes chuvas que ocorreram no Sul, Sudeste e Nordeste do pas

  • causaram comoo e denunciaram mais uma vez que o sistema tem se tornado cada vez mais

    desigual.

    Do outro lado do pas, no Par (regio Norte) o leilo para construo da Usina

    Hidreltrica de Belo Monte foi realizado mesmo sob protesto dos movimentos sociais e

    indgenas que tentaram por diversas vezes barrar o processo licitatrio inclusive por meios

    institucionais. Estes elementos somados a forma como a classe trabalhadora tem tido seus

    direitos flexibilizados e suas lideranas cooptadas e assassinadas, tem construdo um quadro

    complexo para a anlise. Na dcada de dois mil no houve um refluxo em termos numricos

    das lutas no pas no entanto, o governo Lula da Silva:

    (...) que ao mesmo tempo manteve e reformou o neoliberalismo, contribuiu

    para que estas lutas se mantivessem confinadas no nvel reivindicativo e

    localizado, desviando-se do objetivo de uma luta poltica geral contra o

    prprio modelo neoliberal. (BOITO, A.; GALVO, A. y MARCELINO, P.,

    2009, p. 3)

    Na anlise destes autores, o que parece importante no atual cenrio dos movimentos

    sociais so as lutas econmico coorporativas dos sindicatos e a luta por moradia e o direito

    cidade - que tem crescido e se expandido no territrio, principalmente nas reas atingidas

    pelas chuvas. Na contramo deste processo, a distribuio de bolsas desvinculadas do direito

    ao trabalho com dignidade para sem-tetos e sem-terras parece ter provocado uma ainda maior

    desarticulao e refluxo na organizao da classe. O importante para ns neste momento que

    ainda h tentativas e formas de reorganizao em meio ao refluxo - para fazer aluso ao

    ttulo do livro do professor Marcelo Badar Mattos (2009) sobre a classe trabalhadora no

    Brasil.

    neste contexto que esta pesquisa se insere: em um momento de fragmentao da

    classe e de esvaziamento da prpria categoria classe. Um momento de dvidas e certezas em

    diferentes dimenses da vida.

  • CAPTULO 1 - A PESQUISA

    1.1 PROBLEMTICA

    Tendo em vista que a luta pela educao parte da estratgica poltica dos

    movimentos sociais da Amrica Latina, o presente estudo pretende investigar como estes

    movimentos tm reivindicado e se apropriado da educao pblica, para promover e garantir a

    (auto) formao da classe trabalhadora. Como salientado, o objetivo deste projeto examinar

    duas experincias distintas: uma no Brasil, outra na Argentina, nas quais movimentos de

    trabalhadores se apropriam e ressignificam a noo de pblico a partir da organizao e da

    luta pela educao. O estudo no pretende estabelecer analogias, nem comparaes entre

    dinmicas sociais que possuem particularidades, mas pretende compreender como os

    movimentos estudados buscam forjar o pblico frente a contextos econmicos e sociais que

    possuem fortes similaridades: os dois pases viveram pesadas conseqncias da crise da

    dvida de 1982, passaram por profundas mudanas na sociedade e no Estado em decorrncia

    do ajuste estrutural nos anos 1990 e, posteriormente, passaram a ser dirigidos por governos

    social-liberais, mantendo o modelo do Ps-Consenso de Washington, juntando o social em

    uma perspectiva de polticas focalizadas com a ortodoxia econmica de base neoliberal.

    Para analisar a concepo de pblico que permeia a relao contraditria entre os

    movimentos sociais e o Estado no mbito da luta pela educao pblica, gratuita e de

    qualidade, o presente estudo investiga como, no Brasil, o Movimento dos Trabalhadores

    Rurais Sem Terra (MST) atravs de suas Escolas Itinerantes e, na Argentina, a Cooperativa de

    Educadores e Investigadores Populares (CEIP) aglutinando posteriormente com movimentos

    sociais, atravs dos Bacharelados Populares, organizam determinadas experincias educativas.

    O estudo pretende investigar se estas experincias retomam o conceito de pblico presente na

    tradio do pensamento crtico latino-americano4, na perspectiva de outros movimentos

    sociais antissistmicos5 e na tradio da esquerda socialista inspirada nas lutas da Comuna de

    Paris (1871)6.

    4 Quijano (2005), Fernandes, (1973), Maritegui (2008), Retamar (2006), Sader (2005).

    5 Conaie, Equador; Zapatistas, Mxico, entre outros

    6 Para saber mais sobre a Comuna indicamos a leitura de Vladimir Ilitch Lennin, O Estado e a revoluo: O que

    ensina o marxismo sobre o Estado e o papel do proletariado na revoluo, So Paulo: Centauro, 2007 e

  • A relevncia dessa problemtica, como pode ser visto adiante, justificada em um

    contexto em que o pblico foi ressignificado como esfera corrupta, ineficiente e onerosa,

    enquanto que a esfera privada apresentada, pelos setores dominantes, como eficiente,

    dinmica, moderna. Esta concepo vem sendo amplamente difundida com a ideologia da

    globalizao7.

    Especialmente no que se refere educao, a influncia dos organismos internacionais

    (Banco Mundial, UNESCO, BID, Cepal, OMC) tm contribudo conceitual e politicamente

    para o esvaziamento da noo de pblico na Amrica Latina, principalmente a partir da

    Rodada Uruguai em 1994 - que inclui a educao no setor de servios. Estes elementos

    tambm fornecem importantes aspectos para situar o objeto no cenrio internacional nos dois

    pases, visto que o bloco de poder dominante dos mesmos incorporou recontextualizando,

    muitos elementos da agenda dos referidos organismos (LEHER, 2009).

    O presente estudo trabalha com a hiptese de que as experincias das Escolas

    Itinerantes do MST (Brasil) e dos Bacharelados Populares (Argentina) remetem tradio de

    pblico fundada na experincia da Comuna de Paris ao reivindicarem em suas lutas, que o

    pblico seja realmente pblico (expressando um real universalismo, distinto do falso

    universalismo liberal) e que no se confunda com a esfera governamental e com o controle

    particularista do Estado. Ambas experincias so iluminaes (BENJAMIN, 1994)

    importantes em um contexto de hegemonia neoliberal e que, por isso, precisam ser

    compreendidas e socializadas.

    Para investigar a hiptese, o estudo pretende examinar como estas experincias de

    Educao Popular interagem com o Estado particularista (em que as principais fraes

    Roberto Leher, Educao Popular como Estratgia Poltica. In: Edineide Jezine; Maria de Lourdes Pinto de

    Almeida. (Org.). Educao e Movimentos Sociais: novos olhares. 1 ed. So Paulo: Alnea, 2007 . 7 A globalizao neste sentido se refere a uma ideia difundida para justificar os ajustes estruturais do capital. Com a queda das taxas de lucro nas dcadas de 1960 e 1970, o capital teve que buscar outros mercados para

    poder se expandir e, nesse perodo a ideia de globalizao passa a ser difundida. Nas palavras de Leher:

    Atualmente a configurao do processo de expanso do capital, moldada pela globalizao, feita sob medida para preservar os interesses do capital s custas dos direitos do trabalho. Neste sentido, a chamada globalizao uma ideologia exageradamente reacionria. De fato, a afirmao de que os salrios e os empregos ganhariam

    com a liberalizao generalizada cnica. Com a expanso do capital rentista, a situao outra: o desemprego

    estrutural avana em toda parte, mesmo que sob a roupagem da terceirizao e de outras modalidades de

    precarizao do trabalho. (LEHER, 1998 p. 128). Para saber mais indicamos a leitura completa do artigo: "A ideologia da globalizao na poltica de formao profissional brasileira". Revista Trabalho & Educao.

    NETE/UFMG, n.4, p.119-134, ago.1998.

  • burguesas logram excepcional influncia nos centros decisrios do Estado) para garantir a

    infraestrutura dos espaos e tempos, pessoal docente e a certificao das propostas para que os

    estudantes possam ter sua escolarizao reconhecida. A educao popular historicamente

    vinculada a uma educao dita no formal passa a integrar o sistema formal, a partir das

    experincias estudadas, na medida em que conquistam junto ao Estado a certificao e, em

    alguns casos, algum recurso necessrios para sua existncia concreta.

    Este estudo, atravs de uma abordagem histrica, examina como se estabeleceu esse

    dilogo destacando em especial os principais embates que definiram os critrios que

    normatizam a relao com o Estado. Cabe destacar a importncia de compreender como se

    configura a interveno e o controle do Estado frente a essas iniciativas. No caso das Escolas

    Itinerantes do MST no Brasil, cabe ainda destacar que, no final de 2008, o Estado do Rio

    Grande do Sul as descredenciou como parte da ofensiva contra a autonomia de classe do

    MST.

    Em uma ao violenta e autoritria, o governo do Estado alegou que a educao era

    dogmtica a comparando a formao de terroristas.

    No relatrio elaborado pelos promotores Luciano de Faria Brasil e Fbio

    Roque Sbardeloto, onde a interveno nas escolas foi sugerida inicialmente,

    a referncia bsicas a revista VEJA que compara as escolas do movimento

    aos Madraais do Isl e as acusa de ensinar as crianas a defender o socialismo e desenvolver a conscincia revolucionria. Os promotores afirmam que o objetivo da interveno nas escolas colocar as crianas e adolescentes que residem nos acampamentos a salvo da ideologizao

    agressiva. (fls. 79) 8

    Tentar compreender o processo que criminaliza as escolas, junto s investidas contra o

    prprio MST, tambm nos parece uma questo fundamental. Em que momento e, com que

    argumentos o governo do estado do Rio Grande do Sul empreendeu as medidas que

    objetivaram encerrar as iniciativas educacionais negociadas pelo MST? Com mais vagar

    8 A informao pode ser acessada na pgina do MST em artigo de Leandro Scalabrin, membro da comisso de

    direitos humanos OAB - Passo Fundo RS. MP e governo Yeda voltam a criminalizar MST. Disponvel em: http://www.mst.org.br/node/6489. Acessado em 2 de outubro de 2010.

  • apresentaremos esta relao no estudo do caso das escolas Itinerantes. Por hora, vale lembrar

    que as aes parecem estar articuladas.

    A presente proposta no pode deixar de apontar aspectos referentes luta pela

    educao pblica e seus reflexos nas propostas pedaggicas. Para os objetivos desta

    investigao fundamental compreender como vem sendo pensada a mediao entre a

    formao poltica e a educao formal. Para isso no adentraremos demasiado na metodologia

    pedaggica ou os eixos programticos e sim tentaremos encontrar vestgios de uma educao

    que vislumbra uma outra forma de organizao da sociedade.

    1.2 OBJETIVOS GERAIS

    A partir dos elementos centrais apresentados na problemtica que motiva o presente

    projeto, a pesquisa busca investigar os nexos entre luta social, Estado e sociedade civil, na

    garantia de polticas pblicas de educao, e tem como base emprica dois casos: (i) a

    constituio dos Bacharelados Populares na Argentina e (ii) das Escolas Itinerantes do MST

    no Rio Grande do Sul; enfocando a histria de luta pela educao destacando a categoria

    pblico dos referidos movimentos sociais, a concepo de educao praticada pelos mesmos

    e o dilogo/ confrontos que estabelecem com os respectivos Estados.

    1.3 OBJETIVOS ESPECFICOS

    Este trabalho busca compreender:

    a) As relaes contraditrias entre os movimentos sociais e o Estado na luta

    pela educao, particularizando o estudo do MST e dos trabalhadores

    organizados em torno da luta da Metalrgica IMPA - que organiza o

    primeiro os Bacharelado Popular reconhecido na cidade de Buenos Aires -

    enfatizando o estudo das estratgias adotadas pelos referidos movimentos

    para assegurar o carter pblico de suas escolas e a autonomia (tanto do

    movimento, como do projeto educativo) frente ao Estado e aos governos.

  • b) Como a educao e o conceito de pblico so concebidos no projeto

    educativo dos respectivos movimentos e a relao destes com a formao

    poltica no mbito da histria da luta e da constituio das Escolas

    Itinerantes do MST e dos Bacharelados Populares e;

    c) O processo de constituio do pblico na educao como parte dos embates

    por projetos sociais alternativos.

    1.4 RELEVNCIA

    A crescente mercantilizao da educao e sua entrada no setor de servios tm

    deslocado a noo de pblico forjada pela Comuna de Paris que constituiu uma das mais

    inspiradoras experincias de pblico reivindicada pelos movimentos proletrios do Sculo XX

    e, que segue sendo uma inspirao para as lutas sociais do presente.

    A partir da dcada de 1990 o sistema capitalista parece passar por uma grande

    reformulao (MSZROS, 2009). Com a ampliao da globalizao - tida neste trabalho

    como ideologia que refora e amplia a explorao e a expanso do capital9 - e as chamadas

    reformas do Estado, o sistema se reorganiza para reconfigurar o papel das polticas sociais.

    Como esclarece Gohn (2001) acerca dos anos 1990:

    O Estado passou a patrocinar polticas de insero social para os indivduos

    excludos do acesso ao mercado de trabalho, ou destitudos de seus direitos

    sociais por meio de polticas compensatrias (bolsas/empregos, frentes de

    trabalho etc.), visando atenuar os impactos da diminuio de suas atividades

    em setores estratgicos do social como nas reas de educao e sade. As

    polticas de ajustes estruturais tm sido apresentadas como modernas,

    inevitveis e de largo alcance. (p. 91)

    No final da dcada de dois mil, a situao no apresentava grandes mudanas, no

    entanto, as polticas sociais de auxlio pobreza se expandiam e abandonavam de certo

    qualquer perspectiva de frente de trabalho/emprego. No final desta primeira dcada do

    milnio, a desigualdade parece estar impregnada a tal ponto que se tornou algo irreversvel,

    prprio deste sistema - o que no deixa de ser verdadeiro. Avaliao verdadeira que,

    9 Ver nota 8.

  • acompanhada pela queda do socialismo, a influncia da grande mdia e a expanso das

    grandes corporaes, compe um cenrio complexo para aqueles que ainda acreditam na

    transformao da realidade.

    Estas referncias conjunturais histricas nos ajudam a compreender o cenrio que

    comeou a ser desenhado na dcada de 1990 e que segue atual nos dias de hoje. No entanto,

    este no representa o foco da anlise que se seguir. O que nos parece importante neste

    cenrio complexo de reformulao do papel do Estado na economia e nas polticas sociais,

    so os novos atores sociais que emergiram nesse processo. importante destacar o

    surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT), da Central nica dos Trabalhadores (CUT) e

    do MST na dcada de 1980 no Brasil e, do Movimento de Piqueteiro e do Movimento

    Nacional de Empresas Recuperadas (MNER) na Argentina. A organizao destes novos

    atores sociais em luta contra as reformas neoliberais representam os sujeitos que pretendemos

    analisar.

    Neste recorte mais amplo e amplamente estudado por pesquisadores engajados,

    faremos outro, que nos parece de suma importncia: organizaes de trabalhadores em luta

    que tomam a educao como um setor estratgico para a mobilizao e para a transformao

    da realidade.

    A anlise dos sujeitos em luta que reivindicam a educao, em seu sentido ampliado -

    se tratando no apenas de contedos escolares, mas tambm da pedagogia advinda das lutas e

    das experincias vivenciadas pelos sujeitos nessas prticas sociais, como sublinhou E. P.

    Thompson (1997) - representa um esforo de tentar compreender como algumas destas

    polticas sociais, fruto das reformas do Estado iniciadas principalmente na dcada de 1990,

    so entendidas pelos movimentos sociais e combatidas por eles. Neste contexto a anlise mais

    especfica trata de entender como estes movimentos sociais operam as contradies nos

    Estados, a correlao de foras, para promover uma educao pblica de qualidade e para

    todos a partir, de certo, de polticas pblicas.

    Ao analisar o percurso histrico das polticas pblicas logradas, observamos que estas,

    foram conquistadas a partir da mobilizao e da luta social e muitas vezes, como nos diz

    GOHN (2009) em momentos de crise. As polticas pblicas de cunho social so forjadas nos

    momentos em que a correlao de foras se encontra a favor dos trabalhadores. Tendo isso

    como norte, nos questionamos: como setores sociais em luta, tm se mobilizado e logrado

    garantir a educao de fraes da classe trabalhadora? Que significado histrico isso pode

  • possuir? Que tipo de resistncia frente ao modelo atual, estas iniciativas representam? O que

    essa pedagogia da (auto) formao nos processos de luta social pode contribuir para a

    formao da conscincia poltica dos sujeitos?

    O capital sempre atuou de algum modo, na disputa da formao intelectual e moral do

    conjunto dos trabalhadores. As organizaes empresariais no esto inertes frente aos

    processos educativos dos trabalhadores e a forma mais profunda de atuao do capital na

    educao a sua ressignificao como servio a ser ofertado no mercado. Com efeito, a

    comodificao que coisifica a educao e a converte em um lucrativo nicho do mercado tem

    levado a privatizaes e ressignificaes do espao pblico. A aprovao do Programa de

    Reestruturao e Expanso das Universidades Federais (Reuni) revelia das organizaes

    estudantis e docentes, a expanso dos cursos - servios mercantis - dentro das universidades

    pblicas e o Programa Universidade para Todos (Prouni) so alguns dos exemplos das

    polticas privatizantes ampliadas no governo Lula da Silva.

    O Prouni, como poltica pblica de educao superior que repassa verbas pblicas

    para as organizaes empresariais com fins lucrativos emblemtico. Com o nfimo

    percentual de vagas gratuitas, o subsdio do Estado garante o repasse - ou no recolhimento

    por meio de impostos de recursos pblicos para o setor privado10. Alm disso, as vagas nas

    universidades federais foram ampliadas s custas do aumento da relao professores/alunos,

    da no ampliao dos espaos e dos laboratrios. Algumas vagas para docentes e funcionrios

    tm sido abertas, o que certamente importante, mas de fato, no parecem acompanhar o

    ritmo de uma expanso decretada.

    Ao mesmo tempo em que espaos pblicos fundamentais tm sido paulatinamente

    privatizados e sucateados, outros, tm sido forjados pelos movimentos sociais que concebem

    a educao como parte da estratgia poltica. Vale lembrar que para alm da educao das

    Escolas Itinerantes, o MST tem dialogado com universidades para promover cursos de

    10 No caso da compra de vagas no setor privado, previsto no referido Programa Universidade para Todos, essas vagas adquiridas nas privadas sero contabilizadas como vagas pblicas (atendem ao interesse pblico),

    entretanto, o estudante poder ter gratuidade integral ou no, conforme a sua renda, isso , sero vagas pblicas,

    mas no gratuitas. Uma questo imediata: por isonomia, se as vagas pblicas adquiridas nas particulares no , necessariamente, gratuita, por que as pblicas estatais teriam de prosseguir sendo gratuitas? (SADER e LEHER, 2006, p. 13) Publicado no site Frgoa, da Universidade de Santiago de Compostela , em 19.06.2006. Encontrado

    no endereo eletrnico: http://firgoa.usc.es/drupal/node/30051. Acessado em 25 de julho de 2010.

  • Pedagogia da Terra, alm de cursos de formao poltica por todo o pas e que, na Argentina,

    os movimentos sociais possuem uma larga histria de educao popular e de universidades

    populares.

    Dialogar com os protagonistas que vm empreendendo a resistncia a essa tendncia

    do sistema capitalista e que realizam experincias alternativas de educao, uma importante

    funo da universidade pblica. Dar a voz aos lutadores que vem empreendendo esta disputa,

    fazer o registro histrico e tentar compreender os sujeitos em luta um grande objetivo para

    um trabalho to restrito, porm uma tentativa de princpio, de aproximao.

    Na recusa a qualquer idia de neutralidade o tema, sobre o conflito entre as classes

    como motor da histria, esta presente no contexto da pesquisa.

    A situao dos pases perifricos, sistematizada por Florestan Fernandes no conceito

    de "capitalismo dependente (FERNANDES, 1973) na tentativa de explicitar a relao

    internacional do avano do capital, nos mostra que a educao, assim como outros setores

    (sade, moradia, trabalho) vivem um processo global de privatizaes, terceirizaes e

    rupturas com uma determinada concepo de pblico gestada durante a Comuna de Paris e

    incorporadas nas cartas constitucionais de vrios pases. A flexibilizao das leis trabalhistas,

    o aumento da idade para aposentadoria e a privatizao de polticas sociais so o reflexo deste

    processo que no apenas local, mas internacional. Apesar de viver este contexto, os

    protagonistas a que nos referimos parecem apontar, mesmo que de forma residual, em uma

    outra direo possvel.

    Apontar indicaes de estratgias para garantir polticas pblicas com gesto e

    organizao popular, parece ser um dos eixos fundamentais desta anlise. No bojo desta

    escolha de recorte, nos parece importante destacar a relao deste aspecto com o mtodo:

    existe uma mudana possvel, nem sempre fora assim e uma transformao pode ser pensada,

    construda e realizada. A educao neste sentido no um aspecto isolado em sua grande

    misso, mas uma ferramenta fundamental, sem a qual, a mudana no parece possvel. Os

    movimentos sociais em sua histria tm percebido esta questo de forma peculiar.

    A forma como os movimentos sociais dialogam e enfrentam o Estado para garantir a

    educao de seus militantes, filhos de trabalhadores, jovens e adultos, coloca em destaque o

    protagonismo dessas organizaes na garantia do direito dos trabalhadores e em especial, do

    direito a educao.

  • Os Bacharelados Populares e as Escolas Itinerantes do MST a partir de uma histria de

    lutas e embates com o Estado conquistam o direito de promover o processo educativo levando

    em considerao as condies de luta das organizaes e uma determinada viso de mundo.

    Alm disso, lembram que a educao dever do Estado que deve reconhecer, incentivar e

    promover a educao da populao. Como experincia inicial de autogesto, a questo dos

    recursos ainda representa um impasse, mas a certificao um fato em alguns Bacharelados

    Populares e, durante cerca de 12 anos, tambm o foi nas Escolas Itinerantes do Rio Grande do

    Sul.

    As tenses so inevitveis na disputa do conceito de pblico, tratam-se de conflitos

    entre um universalismo em que caibam todos os povos e um universalismo que, por definio,

    no pode ser concreto, pois incapaz de assegurar os direitos para todos os que possuem um

    rosto humano, diferenciando, negativamente, a educao conforme as classes, etnias, regies,

    no no sentido de valorizar as cosmovises e a epistemologia de produo do conhecimento

    dos povos, mas de distingui-las para oferecer uma educao minimalista e hierarquizada que

    mantm a desigualdade social. Na histria das lutas proletrias e dos movimentos

    encontramos um conceito universal de homem como ser genrico, nos termos de Marx,

    conforme sustentado por Losurdo (1996).

    Podemos destacar com estes primeiros apontamentos que, a relevncia deste trabalho

    de pesquisa, est vinculada a dois eixos principais: a produo de um conhecimento crtico,

    vinculado e embasado nas lutas sociais do presente e preocupado com as estratgias

    empreendidas pelos movimentos sociais para garantir que polticas pblicas de educao

    sejam gestadas no interior deste Estado particularista e; a questo da autonomia universitria e

    seu papel na anlise dos problemas da sociedade brasileira como contribuio daquele

    pesquisador que tem acesso s polticas pblicas e possui um compromisso tico e social com

    as mazelas da sociedade.

    Sabemos contudo que, iniciativas isoladas como estas no faro a transformao da

    realidade a curto e quem sabe nem, a longo prazo. No entanto se tratam de experincias, de

    tentativas de assegurar o que at este momento um direito, mas que um dia, pode se tornar

    obsoleto.

    Assim como podemos crer que a transformao possvel, no descartamos que o

    endurecimento, a flexibilizao e a precarizao avanaro ainda mais. Saber que garantir o

    que ainda temos pode ser mais efetivo do que buscar conquistar novamente o que perdemos

  • pode ser um argumento, mas preferimos destacar que este processo educativo que vem sendo

    empreendido pelos movimentos sociais tem um significado um pouco mais denso, pois

    refunda e retoma uma determinada concepo de pblico.

    Nosso enfoque esta diretamente ligado a questo do acesso a educao pblica de

    qualidade para todos - por meio de polticas pblicas, isto , da luta das organizaes de

    trabalhadores mas o reflexo deste processo em um processo de transformao mais amplo

    ainda no mensurvel. A histria nos dir se um dia ser.

    Por hora vale lembrar que o estudo desinteressado no faz parte deste projeto. A

    problematizaro envolve escolhas e prioridades e a crescente privatizao tem sido um

    importante estmulo para o estudo que busca a justificao do pblico.

    Entender e destacar movimentos sociais e suas experincias como protagonistas de um

    processo histrico de retomada do pblico como aquilo que de todo o povo, faz parte da

    construo de uma outra hegemonia. Ao investigar essa problemtica em articulao com os

    movimentos, a universidade pblica, pode retomar a sua funo social que passa pelo

    enfrentamento dos grandes problemas dos povos e, neste sentido, a educao do conjunto dos

    trabalhadores do campo e da cidade seguramente um dos temas centrais posto o apartheid

    educacional (LEHER, 1998) planetrio vigente ainda no sculo XXI.

    1.5 METODOLOGIA

    Podemos encontrar indicaes do mtodo utilizado para esta anlise desde a primeira

    pgina. Na introduo trazemos elementos fundamentais para compreender a escolha do

    objeto pelo pesquisador, sua trajetria de vida e sua trajetria acadmica. Elementos

    fundamentais que situam o sujeito pesquisador e a pesquisa. O problema em sua histria de

    vida. O materialismo histrico e dialtico nas mais diversas dimenses da vida de

    pesquisadores e pesquisados.

    Nesta seo trataremos do mtodo de forma mais explcita e analtica tentando

    apresentar suas contribuies e elucidaes.

    O mtodo utilizado para a construo do objeto deste trabalho o Materialismo

    Histrico e Dialtico de Marx e de autores que seguem essa perspectiva como Limoeiro

    Cardoso, (1978), Kosik, (1976) e Sanfelice (2005). O materialismo histrico dialtico de

  • Marx um mtodo que dentre outros aspectos, ressalta a importncia de se considerar o

    homem como um ser social historicamente construdo e constitudo que, ao mesmo tempo em

    que se determina historicamente ele constri e modifica a histria. Neste sentido vale

    destacar:

    A dialtica no considera os produtos fixados, as configuraes e os objetos,

    todo o conjunto do mundo material reificado como algo originrio e

    independente. Do mesmo modo como assim no considera o mundo das

    representaes e do pensamento comum, no os aceita sob o seu aspecto

    imediato: submete-os a um exame em que as formas reificadas do mundo

    objetivo e ideal se diluem, perdem a sua fixidez, naturalidade e pretensa

    originalidade para se mostrarem como fenmenos derivados e mediatos,

    como sedimentos e produtos da prxis social da humanidade. (KOSIK, 1976,

    p. 16)

    O mtodo dialtico se configura como uma forma de observar e agir crtico sobre um

    determinado objeto. Objeto este, em constante mudana, movimento e que contm

    contradies. A realidade, como diria Paulo Freire no , est sendo (1996, p. 76). Situar

    historicamente os sujeitos, os fatos histricos nos ajuda a compreender de forma concreta que,

    no fora sempre assim e no ser. A histria nos mostra que sim, outro mundo possvel.

    Com isso, podemos dizer que o mtodo, para alm das ferramentas analticas que

    fornece, ele atribui ao pesquisador uma determinada posio frente ao mundo, uma

    determinada forma de encarar e visualizar a realidade que no se assemelha em nada ao

    imobilismo contemplatrio que a ideologia da globalizao traz.

    Em termos de conhecimento e sistematizao do objeto, o mtodo dialtico considera

    que a realidade de um determinado fenmeno ou de um objeto nunca se encontra na superfcie

    deste objeto ou deste fenmeno, busca ento cindir: aparncia e essncia, na perspectiva de

    pontuar o que realmente essencial para a construo e a demonstrao de sua coerncia

    interna.

    Com isso, preciso considerar que a dialtica no atinge o pensamento de fora para

    dentro, nem de imediato, nem tampouco constitui uma de suas qualidades; o conhecimento

    que a prpria dialtica em uma de suas formas; o conhecimento a decomposio do todo.

    (KOSIK, 1976, p. 14). O pensamento contraditrio reflete tambm as contradies da

    realidade j que, como diria o prprio Marx, so as condies objetivas que movem e

    constroem as idias e no o contrrio.

  • Neste sentido, no se trata de dividir e isolar as partes para entend-las e sim de

    determinar recortes que no percam a dimenso do todo. A luta de classe como motor da

    histria (MARX, K; ENGELS, F. 1998) parece apontar neste sentido, se a tomamos como um

    eixo norteador, analisar qualquer fato histrico ou sujeito histrico no nos deixa perder de

    vista que h um processo de explorao e luta mais amplo que envolve classes antagnicas e

    blocos histricos no poder.

    Analisar isoladamente as particularidades que compem um problema no sentido

    marxista representa um esforo de compreender as determinaes do mundo fenomnico,

    examinando os nexos entre as dimenses particulares e, assim, construir a totalidade, a

    conjuntura maior em seu movimento. Somente quando inserido no contexto histrico, na

    conjuntura poltica que as partes fazem sentido. Tentaremos realizar este movimento

    complexo na anlise que pretendemos, mas alertamos desde j os riscos e a complexidade que

    este elemento do mtodo representa.

    No que se refere relao entre o investigador e seu objeto de estudo, ou melhor,

    entre o sujeito e a realidade objetiva (SANFELICE, 2005 p. 83), os marxistas sinalizam a

    necessidade de o investigador estar vinculado realidade concreta que ele investiga. Neste

    sentido a prxis est relacionada no apenas prtica na realidade concreta, mas sim da

    prtica e da teoria na composio e transformao da realidade.

    Por crermos que este elemento j fora bastante trabalhado e explicitado na seo

    introdutria quando tratamos de explicitar as escolhas e a trajetria do pesquisador, e que ser

    trabalhado nas sees que viro, no abordaremos este aspecto novamente neste momento.

    Levando em considerao que a metodologia no esta presente apenas na seo metodolgica,

    mas se encontra em todo o trabalho de pesquisa (terico e prtico), cuidamos de trazer nesta

    seo elementos centrais mais especficos com relao a forma de abordagem e a concepo

    de mundo que o mtodo pressupe.

    Este trabalho busca caminhar no sentido de produzir um conhecimento que esteja

    no somente vinculado realidade concreta dos sujeitos em luta, mas que, esteja

    comprometido com um novo projeto de pas. Cabe ento ressaltar as clebres palavras de

    Freire no livro Pedagogia da Autonomia:

    O mundo no . O mundo est sendo. Como subjetividade curiosa,

    inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me

    relaciono, meu papel no mundo no s o de quem constata o que ocorre,

  • mas tambm o de quem intervm como sujeito de ocorrncias . No sou

    apenas objeto da histria, mas seu sujeito igualmente. No mundo da histria,

    da cultura, da poltica, constato no para me adaptar, mas para mudar. (1996,

    p. 76)

    Os movimentos investigados por suas particularidades incorporam, em suas prxis,

    dimenses provenientes de tradies intelectuais que foram recontextualizadas em suas lutas.

    Em especial, no caso do MST, a tradio proveniente da Teologia da Libertao (LOWY,

    2000) e, em comum com o Movimento Nacional de Empresas Recuperadas (MNER), de

    aportes do pensamento crtico latino-americano mencionados por Retamar (2006). Desse

    modo, na construo do objeto, o projeto no pode deixar de considerar centralmente a

    proposio de Maritegui de que o pensamento latino-americano no pode ser nem decalque,

    nem cpia do conhecimento produzido nos pases centrais. H caractersticas peculiares

    comuns na tradio do pensamento crtico latino-americano que tentaremos considerar. Existe

    nos movimentos analisados, uma leitura caracterstica sobre os intelectuais, o ato pedaggico,

    a concepo de movimento e de bem viver que exige um dilogo aberto entre o marxismo e

    as referidas tradies.

    A educao, como elemento fundamental para a construo de uma outra perspectiva

    assume no mtodo um papel importante j que ao mesmo tempo que reproduz um

    determinado modus operandi tem as condies para contest-lo.

    O conceito de hegemonia nos parece importante na medida em que tomado pelas

    organizaes de trabalhadores como uma construo histrica que envolve a conscincia, a

    viso de mundo de uma classe. Viso esta que ganha corpo e assume o discurso do senso

    comum da sociedade como um todo. A hegemonia da classe dominante se expressa no senso

    comum do conjunto das classes que acabam por assumir o discurso dominante como seu. Este

    conceito se encontra estritamente ligado a questo histrica que um dos elemento

    fundamentais do mtodo. Ao assumir como posio, de que o mundo: e no, est sendo,

    como apontava Freire (1997), se adquire uma posio que de imobilidade indiscutvel e

    mobilidade improvvel quando no impossvel. A contribuio de Gramsci sobre o conceito

    de hegemonia, para a compreenso do mtodo de suma importncia. Em se tratando de um

    conceito extremamente complexo, fluido (que recebeu vrias atribuies durante a histria),

    utilizaremos a breve conceituao de hegemonia de Mochcovitch em que:

  • Hegemonia o conjunto de funes de domnio e direo exercida por uma

    classe social dominante, no decurso de um perodo histrico, sobre outra

    classe social e at sobre o conjunto das classes sociais. A hegemonia

    composta de duas funes: funo de domnio e funo de direo

    intelectual e moral, ou funo prpria da hegemonia (...) (1992, p. 20)

    Mesmo assumindo os riscos de definies como esta em que hegemonia ,

    elegemos este argumento que, apesar de simplificar o conceito e sua trajetria, expe uma

    clara e resumida idia do conceito. O conceito de hegemonia que remete ao conceito de

    ideologia elucida a compreenso de escola, de educao e de luta para as organizaes sociais

    e por isso no poderamos deix-lo de fora. Porm, devido ao curto tempo e a densa e

    trabalhosa coleta de dados nos dois pases, um trabalho mais especfico sobre o conceito de

    hegemonia no foi possvel.

    Mais adiante, na seo sobre as referncias bibliogrficas, o mtodo e a metodologia

    estaro novamente presentes na escolha das categorias chaves de anlise e na interpretao

    que se tem delas. Neste momento vale destacar novamente que a questo metodolgica

    representa no apenas um mtodo cientfico e sim uma viso de mundo. Uma viso de

    movimento, processo e de transformao possvel.

    Na seo seguinte trataremos das ferramentas e estratgias de coleta de dados. Como

    instrumentos metodolgicos utilizamos a entrevista semi estruturada, a observao das

    experincias e a anlise de documentos oficiais (no sentido de estarem situadas no mbito do

    Estado e das organizaes).

    1.5.1 Base emprica para anlise dos Bacharelados Populares

    Fontes primrias

    Documentos em discusso relativos certificao e ao Projeto Poltico Pedaggico da

    experincia.

    Planos de aula.

    Documentos e atas de encontros, seminrios e reunies com os sujeitos que tem

    empreendido as experincias.

  • Notas e panfletos

    Fontes secundrias

    Livros que relatam a experincia e seu contexto histrico como Seoane (2004) e

    Elisalde, R e Ampudia, M (2008)

    Artigos acadmicos:

    SVERDLICK, I.; COSTAS, P.. 4. Bachilleratos Populares en Empresas

    Recuperadas y Organizaciones Sociales en Buenos Aires-Argentina. En publicacion:

    Referencias, ao 5, no. 24. Movimientos sociales y derecho a la educacin: cuatro estudios.

    Pablo Gentili e Ingrid Sverdlick (compiladores). LPP, Laboratorio de Polticas Pblicas:

    Argentina. Diciembre. 2008 1850-3683. Disponvel em: http://www.foro-

    latino.org/flape/boletines/boletin_referencias/boletin_24/documentos/MovSociales/mov_soc_

    der_educ.pdf .Acessado em 19 de julho de 2009, 08:20:10.

    NORA, G.; BURGOS, A.; KAROLINSKI, M. Movimientos sociales, educacin

    popular y escolarizacin "oficial". La autonoma "en cuestin". En publicacion:

    Referencias, ao 5, no. 24. LPP, Laboratorio de Polticas Pblicas: Argentina. Diciembre.

    2008 1850-3683. Disponvel em:

    http://www.forolatino.org/flape/boletines/boletin_referencias/boletin_24/documentos/MovSoc

    iales/Simposio_Gluz_Burgos_Karolinski.pdf Acessado em 15 de julho de 2009, 17:30:10

    Alm destas fontes foram feitas, entrevistas com Roberto Elisalde e Marcelo Castillo e

    visitas iniciativa em Buenos Aires.

    1.5.2 Base emprica para anlise das escolas Itinerantes

    Fontes primrias

    Notas, abaixo assinados referentes a luta pela continuao do trabalho das Escolas

    Itinerantes.

    Cronologias do Observatrio Social da Amrica Latina sobre o fechamento das

    escolas no Rio Grande do Sul.

    Documento do Ministrio Pblico Estadual anunciando a criminalizao do

    Movimento.

  • O convnio das escolas com o Estado e posteriormente o Termo de Ajustamento de

    Conduta (TAC) de fechamento das escolas.

    Fontes secundrias

    Livros de Roseli Caldart (2004) e Camini (2009)

    Dissertaes sobre as escolas:

    Caroline Bahniuk, Educao, trabalho e emancipao humana: um estudo sobre as

    escolas itinerantes do MST, (Dissertao de Mestrado, Universidade Federal de Santa

    Catarina, 2008), p. 170.

    Raquel Puhl, O movimento da escola na educao do campo, (Dissertao de

    Mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, 2008), p. 98.

    Alm disso, a base emprica contou ainda com uma entrevista com Isabela Braga, do

    setor de formao do MST no Estado do Rio Grande do Sul.

    1.5.3 Eixos de anlises e questes para empiria

    Tendo em vista que so muitas as questes que envolvem estas experincias

    educativas, decidimos fazer um recorte mais sistemtico. Com isso, elegemos cinco eixos

    principais de anlise:

    1) Conjuntura histrica tentativas de encontrar os antecedentes e situar as

    experincias.

    2) Trajetria de constituio das experincias educativas.

    3) Embates e dilogo com o Estado. Garantia de reconhecimento e recurso para as

    iniciativas

    4) O pblico e a luta no currculo e na prtica

    5) A situao atual e a criminalizao das escolas Itinerantes no Brasil

  • Nos eixos 1 e 2, sero investigados os antecedentes histricos, as articulaes polticas

    e a constituio das iniciativas. Em que contexto histrico estes movimentos surgem? Em que

    momento passam a reivindicar o direito de realizar a educao? Como surge a idia dos

    Bacharelados Populares e das Escolas Itinerantes? Como a luta pela educao se torna

    estratgica para a luta dos referidos movimentos sociais?

    No eixo seguinte (3) analisaremos o dilogo com o Estado. A luta pelo

    reconhecimento, financiamento e gesto. Como se d a autogesto? Que estratgias

    asseguram um real protagonismo dos sujeitos envolvidos nas experincias? Como feita a

    coordenao e como a luta pela educao pblica se insere nas discusses? Como se d o

    financiamento dessas iniciativas? O Estado participa de que forma? Quais as formas utilizadas

    pelos movimentos para assegurar a autonomia dos movimentos frente ao Estado?

    No eixo 4 trabalharemos com a questo da luta pelo pblico e a conquista de uma

    determinada autonomia curricular e de gesto. Como o currculo definido? Que idias esto

    presentes nos projetos polticos pedaggicos construdos pelas organizaes em luta? Onde

    uma educao emancipa tria aparece na prtica? Qual o lugar da luta social nessas

    pedagogias? Que valores e tica, para a construo de uma sociedade para o socialismo e no

    socialismo, estas experincias tem germinado? Esta formao busca uma educao que supere

    o modo de produo capitalista atravs da construo de uma outra hegemonia? Alm disso,

    analisaremos ainda neste eixo, os atores sociais: quem trabalha nas escolas? Que tipo de

    formao tiveram esses educadores? Como se tem pensado o trabalho dos formadores, dos

    intelectuais envolvidos nas experincias? Como se organiza a escola?

    No quinto e ltimo eixo, analisaremos a situao atual de ambas as iniciativas e

    tentaremos compreender, os aspectos que legitimam as experincias na Argentina e aqueles

    que levaram a sua criminalizao no Brasil.

  • CAPTULO 2 REFERNCIAS TERICAS

    Para entender estas experincias organizadas e gestadas nos movimentos sociais ser

    importante elucidar algumas categorias, forjadas historicamente e que nos ajudam a

    compreender o objeto de estudo e nos fornece ferramentas de anlise. Como trabalho inicial,

    quatro eixos de pares categricos parecem ser fundamentais: Estado e sociedade civil, pblico

    e privado, movimentos sociais e classes sociais e, educao e movimentos sociais.

    Trataremos de cada categoria abstrata em sees subsequentes, por hora basta destacar

    que, para compreender as relaes entre os movimentos sociais latino americanos j

    brevemente descritos, e o Estado, no que se refere a garantia da escola pblica para um

    determinado setor da classe trabalhadora, uma anlise inicial sobre estes Estados parece

    importante. Que atores esto imbricados nele? Que processos ele vem empreendendo

    historicamente? A que classe, na atual correlao de foras - para utilizar a terminologia de

    Gramsci - ele est mais diretamente relacionado e favorecendo?

    A partir de uma primeira observao sobre este Estado, encontramos uma diversidade

    de sujeitos sociais mergulhados em uma pantanosa e heterognea sociedade civil. Estes

    sujeitos, supostamente neutros e desinteressados, parecem j ter percebido a importncia

    estratgica da educao.

    Setores empresariais tm se articulado em organizaes como Ita Cultural,

    Movimento todos pela educao (que engloba diferentes setores privados), Fundao

    Bradesco, Fundao Roberto Marinho, entre outras buscando parcerias com o setor pblico e

    privatizando pouco a pouco a poltica pblica educacional no Brasil. A rodada Uruguai de

    1994 e outras polticas de privatizao que vem transformando a educao em mercadoria

    contribuem fartamente para isso.

    Conhecer e compreender um pouco este Estado e a sociedade civil que o compe,

    parece nos fazer caminhar para uma questo de suma relevncia na atual conjuntura: a

    flexibilizao das fronteiras entre o pblico e o privado. Com uma maior participao desta

    sociedade civil heterognea e amplamente relacionada aos empresrios, o pblico tem se

    tornado cada vez menos pblico. Como esse processo acontece na educao? Que setores esta

    mercantilizao da educao favorece?

    Outro par conceitual que nos parece fundamental para compreenso dos protagonistas

    em luta so as categorias de classe social e movimento social. Compreender o que estamos

  • chamando de movimentos sociais e a que conceito de classe social nos referimos nos ajuda a

    compreender o enfoque e clarifica o mtodo de anlise j exposto em seo anterior.

    Por ltimo, o conceito de educao e movimentos sociais fundamental na medida em

    que nos ajuda a compreender: que escola vem sendo pleiteada pelos movimentos sociais; que

    idia de educao tem sido gestada no interior dessas organizaes; que tericos so

    reivindicados e que noo de educao pblica permeia estas experincias. Para isso,

    trataremos brevemente da histria da educao popular e de porque importante ter educao

    pblica de qualidade como poltica pblica de Estado. Com isso, abordaremos algumas

    perspectivas que buscam uma escola pblica para o bem viver e no para produzir capital

    humano para o mercado. Uma educao que fortalece as relaes entre a educao e o

    trabalho sem que um tenha que se subjugar ao outro.

    Na coleta de dados analisaremos como este fazer escolar dirio, nas experincias

    estudadas, tem praticado e buscado a construo de uma forma alternativa de sociedade. As

    experincias tm empreendido a conscincia crtica atravs de uma pedagogia especfica e

    uma prtica poltica? Que tipo de sociedade elas vislumbram para seus educandos?

    Entende-se desta forma que para transformar, revolucionar a realidade preciso

    conhec-la. Para transformar o capitalismo em uma outra formao econmica e social

    precisamos conhecer e analisar criticamente suas contradies tanto no plano das relaes

    sociais de produo como no plano ideolgico. O materialismo dialtico nos fornece

    importantes elementos tericos para o cumprimento desta tarefa intelectual e prtica, de luta.

    Como diria Florestan Fernandes, a compreenso da realidade nunca se encontra na superfcie

    da realidade, preciso um esforo muito grande para que essa anlise seja feita de forma

    crtica. Com isso, preciso esforo terico para se compreender e buscar transformar esta

    realidade.

    Adiante trataremos com mais detalhe cada par categrico para somente depois adentrar

    o material emprico das experincias.

  • 2.1 Estado e sociedade civil

    Para compreender o Estado no atual estgio do modo de produo capitalista,

    utilizamos como categoria chave, a idia de Estado Ampliado desenvolvido por Gramsci e

    Buci-Glucksman (1980). O que a autora destaca em seu belo estudo sobre a obra de Gramsci

    no que se refere ao Estado que, este elemento, que aparece como amorfo, independente,

    neutro na ideologia dominante, envolve uma gama de sujeitos e organizaes por demais

    heterogneas.

    Ao analisar as relaes diretas entre a sociedade civil e o Estado, Gramsci desenvolve

    a idia de Estado integral, muito bem chamado pela autora de Estado Ampliado.

    Analisando o contexto de surgimento do Estado na obra de Lnin, Estado e revoluo (2007)

    j encontramos apontamentos sobre essa anlise. Nos diz ele, o Estado o produto e a

    manifestao do antagonismo inconcilivel das classes. O Estado aparece onde e na medida

    em que os antagonismos de classes no podem objetivamente ser conciliados (LNIN, 2007,

    p. 25).

    Podemos considerar com isso, que o Estado, no algo que est fora da sociedade,

    um elemento neutro que prope e realiza polticas e sim, um setor - formado pelos mais

    diversos atores sociais - que atua de forma a favorecer uma determinada classe ou frao de

    classe. Mandel em sua obra O Capitalismo Tardio, parece apontar na mesma direo ao

    afirmar que toda deciso estatal relativa a tarifas, impostos, ferrovias ou distribuio do

    oramento afeta a concorrncia e influencia a redistribuio social global da mais valia, com

    vantagens pra um ou outro grupo de capitalistas (MANDEL, 1982, p. 337).

    Mandel est caracterizando um Estado que passou do capitalismo concorrencial para o

    capitalismo monopolista. Onde esta suposta autonomizao do Estado em relao ao mercado

    e sua neutralidade em relao s classes sociais brutalmente ampliada. Sob o escopo e a

    carapua da chamada sociedade civil organizada, amplamente aclamada pela mdia e pelo

    senso comum, o Estado se fantasia de uma certa autonomia para defender e garantir interesses

    de determinados setores.

    Com isso, retomando a anlise de Lnin sobre a obra de Marx que inevitavelmente

    tambm dialoga com a obra de Gramsci: Para Marx, o Estado um rgo de dominao de

    classe, um rgo de submisso de uma classe por outra; a criao de uma ordem que

  • legalize e consolide essa submisso, amortecendo a coliso das classes (LNIN, 2007, p.

    26).

    Mesmo que Marx coloque a sociedade civil na estrutura e Gramsci na superestrutura a

    anlise dos dois autores parece concordar com a ideia de que a sociedade civil no neutra e

    que atua dentro do Estado.

    Na obra de Mandel, o autor faz uma anlise minuciosa de como o Estado favorece

    amplamente um determinado setor e tem sua ao corroborada pela ideologia burguesa que se

    mantm hegemnica pelo consenso e pela coero. Pelo consenso podemos destacar o poder

    da educao e da mdia no estabelecimento de uma determinada viso de mundo; pela coero

    destacamos a polcia e o poder legislativo que criminaliza a pobreza e os movimentos sociais.

    O governo do capital se distingue de todas as formas pr capitalistas de

    governo pelo fato de no se basear em relaes extra-econmicas de coero

    e dependncia, mas em relaes livres de troca que dissimulam a dependncia e a sujeio econmica do proletariado. (MANDEL, 1982, p.

    337)

    A coero e o consenso disfarados de liberdade esto muito presentes no modo de

    produo capitalistas em seu estgio atual. A sociedade civil organizada aliada a uma

    ideologia que camufla o papel particularista do Estado, nos parece ser um elemento

    fundamental para compreender a anlise das experincias educativas a que se pretende com

    este estudo.

    A neutralidade proposta pelos positivistas e ainda adotada por muitos racionalistas

    principalmente nas cincias exatas - que ao menos conseguem isolar um fenmeno em um

    laboratrio e repetir o experimento quantas vezes durarem os exemplares h muito fora

    desmistificada e abandonada pelas cincias sociais, principalmente aps os estudos crticos e

    ps crticos.

    Neste sentido, a noo de Estado ampliado (BUCI GLUCKSMANN, 1980) se

    insere: para esmiuar as relaes entre a sociedade poltica e a sociedade civil e desmistificar

    o Estado como uma entidade autnoma a servio da sociedade.

    Imbricado com a sociedade civil, o Estado particularista, no atual estado de

    desenvolvimento do modo de produo capitalista, atua em favor de uma classe, a classe que

  • o compe e o sustenta econmica e ideologicamente. Este Estado composto por elementos

    diversos e difusos e, por seu carter de classe, no pode ser universal.

    A falsa impresso de que a participao poltica nas eleies pode mudar a orientao

    do Estado nos parece bastante elucidativa. A ideologia burguesa insiste em adotar a idia de

    que a participao nas urnas pode alterar a correlao de foras no Estado. Concordamos com

    as palavras de Lnin que insiste que:

    Os democratas pequenos-burgueses, do gnero dos nossos socialistas

    revolucionrios e mencheviques, e os seus irmos, os social patriotas e

    oportunistas da Europa Ocidental, esperam precisamente, Mais alguma coisa do sufrgio universal. Partilham e fazem o povo partilhar a falsa concepo de que o sufrgio universal, no Estado atual, capaz de manifestar verdadeiramente e impor a vontade da maioria dos trabalhadores.

    (2007, p. 35)

    A clareza com que Lnin debate o tema no incio do sculo XX no parece deixar

    dvidas: mudanas de governo no provocam necessariamente mudanas no Estado. Uma

    nova forma de organizao de Estado no depende do sufrgio e sim da correlao de foras.

    Neste sentido, a conjuntura e a mobilizao das massas no interior da sociedade que

    parecem ser elementos fundamentais para uma mudana mais profunda. No entanto preciso

    recuperar na histria que, em tempos de forte mobilizao social o Estado tambm capaz de

    abrir concesses classe mobilizada de forma a abrandar o clamor da luta. Nestes momentos

    de crise de legitimidade, o Estado faz concesses desempenhando seu papel integrador

    (MANDEL, 1982, p. 338) para difundir uma aparncia de igualdade e democracia.

    As polticas sociais, em sua maioria, so elaboradas e conquistadas em contextos de

    mobilizaes sociais, mas o que se pode observar que, esta forma de concesso sobretudo

    uma forma de conter as crises do sistema e no uma manifestao legtima do direito da classe

    subalterna. Com isso, concordamos com Neto (1992):

    No h dvida de que as polticas sociais decorrem fundamentalmente da

    capacidade de mobilizao e organizao da classe operria e do conjunto

    dos trabalhadores, a que o Estado, por vezes, responde com antecipaes

    estratgicas. Entretanto, a dinmica das polticas sociais esta longe de

    esgotar-se numa tenso bipolar segmentos da sociedade/Estado burgus no capitalismo monopolista. (p. 29)

  • Neste sentido, a educao pode aparecer como instrumento de barganha do Estado. O

    que nos parece esclarecedor, pois os Bacharelados Populares, surgidos em meio crise de

    2001 na Argentina foram rapidamente aceitos pelo Estado. O Estado concede aos

    trabalhadores em luta, alguns direitos sociais e em troca, consegue que as principais estruturas

    do capital e do Estado continuem intocveis.

    Um exemplo bastante emblemtico tem sido a distribuio de bolsas pelo governo

    brasileiro para os trabalhadores em situao de desemprego e misria. Ao mesmo tempo em

    que o Estado atua, para melhorar as condies - mesmo que vegetativas - da vida do

    trabalhador, ele abre espao para que o setor bancrio, por onde passa o recurso para chegar

    aos trabalhadores, use o capital das polticas sociais para especulaes, emprstimos e compra

    de ttulos da dvida pblica. Em uma mesma poltica, o Estado garante a satisfao do grande

    capital bancrio - que passa a ter acesso a um grande volume de recursos do oramento

    pblico que circula no sistema monetrio - e dos trabalhadores que alm de ganharem algum

    recurso ainda conquistam muitas vezes o direito ao crdito, emprstimos e outros

    benefcios oferecidos pelos bancos. As polticas sociais monetarizadas possuem essa

    caracterstica.

    Mas o que nos parece mais candente com relao educao e as parcerias entre os

    Estados e a iniciativa privada que esta tida, como mais um nicho de mercado que focaliza

    e promove aes pontuais muitas vezes com recursos pblico, mas uma gesto privada. A

    privatizao em prol do desenvolvimento o antigo mito ainda to presente - um brinde a

    eficcia do discurso neoliberal.

    Mandel parece concordar com Gramsci ao afirmar que

    No apenas a organizao hierrquica11

    que determina a funo do Estado

    capitalista enquanto instrumento de dominao burguesa. sua estrutura

    global que assegura ao Estado mesmo ao mais democrtico a possibilidade de desempenhar esse papel, porque essa estrutura duplamente

    determinada pela classe burguesa. (MANDEL, 1982, p. 346)

    11

    O autor neste momento trata da questo dos especialistas: os mais bem preparados, os filhos das classes

    dominantes que acabam por assumir cargos e funes no Estado. Esta seria por si s, uma forma de dominao

    de uma classe sobre a outra. Questo bem desenvolvida por Bourdieu em A Reproduo (1975).

  • Relacionando com a obra de Gramsci, podemos supor novamente que, mesmo sem

    utilizar o conceito de Estado Ampliado, Mandel utiliza essa noo de Gramsci. Ao supor uma

    dupla dominao burguesa, Mandel est tratando da composio burguesa tanto da sociedade

    poltica (que domina os cargos pblicos graas ao seu acesso a cultura e a educao) quanto

    da sociedade civil (parceira do Estado em empreendimentos privados e pblicos) que juntas

    compe o Estado Ampliado.

    Aps esta breve caracterizao de Estado podemos iniciar uma maior aproximao

    com o objeto. Entendendo que o Estado composto por uma determinada correlao de foras

    que favorece determinadas fraes da burguesia que o compe e que, a sociedade civil

    organizada tambm parte deste aparato estabelecendo e concretizando uma determinada

    hegemonia, em que lugar se encontra a educao pblica como poltica pblica e como direito

    social?

    Marx, na Crtica ao Programa de Gotha (1985), e Gramsci posteriormente, defendem

    que o Estado no deve ser educador do povo e sim ao contrrio, o povo deve conter e educar o

    Estado de acordo com suas necessidades e aspiraes.

    Uma coisa determinar por meio de uma lei geral, os recursos para a escola

    pblica, as condies de capacitao do pessoal docente, as matrias de

    ensino e etc, e velar pelo cumprimento destas prescries (...) e outra coisa

    completamente diferente designar o Estado como educador do povo. Longe

    disso o que deve ser feito subtrair da escola a toda influncia por parte do

    governo e da igreja. (MARX, 1985, p. 33)

    Marx trata brevemente do tema educativo. Sua preocupao principal em termos

    educacionais a autonomia da classe trabalhadora, na garantia de uma formao que no seja

    feita exclusivamente pelo Estado particularista. A educao neste sentido, deve ser garantida

    em termos estruturais pelo Estado, mas jamais ser direcionada pelos interesses deste, pois

    como j dito anteriormente, estes no so os interesses e anseios da classe subalterna. No

    sentido exposto por Marx e trabalhado amplamente por Gramsci posteriormente, o Estado

    como Estado educador, educa para o consenso, mas tambm pode educar para o

    estabelecimento do Bom Senso. Uma educao que no naturalize o modo de produo

    atual - que degrada a maioria da populao mundial e o meio ambiente - e que pode

    vislumbrar outras formas de socializao possveis, no deve ser direcionada pelo Estado.

  • As experincias analisadas parecem caminhar nesta direo. Ao reivindicar e atuar

    junto ao Estado, as Escolas Itinerantes e os Bacharelados Populares ressignificam esse Estado

    e seu papel no que se refere escola pblica. Ao compor a sociedade civil, estes sujeitos

    ressignificam ainda ela prpria como terreno de lutas e disputas.

    Ao tratar das contradies do modo de produo capitalista como inerentes forma

    humana, abstrai-se o ser social e cultural que este reflete. Abstraindo sua construo no

    processo histrico, esquecemos tambm de destacar momentos de resistncia e momentos de

    relaes concretas distintas das atuais.

    Apesar das acusaes de utopia a Marx e Lnin, ambos parecem deixar claro que o

    Estado capitalista no seria destrudo por inteiro de uma s vez e que seria necessrio que a

    classe trabalhadora se organizasse e fosse tomando espao no