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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE DIREITO ALINE FREY COLUSSI ALIMENTOS E MAIORIDADE DO ALIMENTADO Porto Alegre 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE DIREITO

ALINE FREY COLUSSI

ALIMENTOS E MAIORIDADE DO ALIMENTADO

Porto Alegre

2010

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RESUMO

A presente pesquisa apresenta uma análise geral do instituto dos alimentos, seu

conceito, sua natureza, sua finalidade e a obrigação alimentar, tendo como

embasamento legal o Código Civil Brasileiro de 2002. Este trabalho de pesquisa versa,

de maneira mais específica, sobre a obrigação alimentar dos pais para com os filhos

que atingiram a maioridade civil.

Posteriormente a estas análises, serão apresentadas as hipóteses em que os

filhos maiores têm direito ao recebimento da verba alimentar paga pelos seus genitores,

analisando, também, os aspectos procedimentais da ação de alimentos movida pelos

filhos maiores. Por fim, o trabalho analisa a ação de exoneração de alimentos proposta

pelos pais e examina, ainda, o posicionamento do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul nos casos concretos.

Esta pesquisa tem como objetivo sanar as possíveis dúvidas existentes com

relação ao direito dos filhos que atingiram a maioridade de receberem ou não alimentos

de seus pais.

Palavras-chave: Alimentos. Obrigação alimentar. Maioridade civil. Necessidade.

Possibilidade.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão de curso tem por objetivo mostrar a

importância dos alimentos no ordenamento jurídico brasileiro, especificamente no

Direito de Família, restringindo-se ao estudo da obrigação alimentar dos pais na

maioridade dos filhos.

Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, ocorreu uma crescente

importância do tema para o Direito de Família, visto que houve um aumento no número

de dispositivos referindo-se aos alimentos, em comparação com a antiga legislação. A

necessidade de uma pesquisa jurídica é necessária, diante das modificações trazidas,

principalmente no que tange aos alimentos devidos aos filhos maiores de idade, pois

com a vigência do Código Civil de 2002 houve a redução da maioridade civil de 21 anos

para 18 anos, o que, certamente, contribuiu para que novas dúvidas a respeito do tema

tenham surgido.

Paralelamente a tais considerações de ordem legal, o tema alimentos sempre

está em evidência, pois, apesar de ter havido uma redução no número de casamentos,

em virtude de que as pessoas estão preferindo viver em uniões informais, não houve

abandono ou esquecimento da instituição matrimônio. Com isso, as relações de

parentesco, o poder familiar, continuam a gerar a obrigação alimentar. Assim, observa-

se a importância do tema na esfera social e jurídica e tem-se, dessa maneira, a

pretensão de que a presente pesquisa seja útil para orientar e esclarecer dúvidas

referentes ao tema.

 

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1 ALIMENTOS

De acordo com as diretrizes constitucionais que determinam uma vida digna à

pessoa humana, os alimentos consubstanciam um instituto do Direito de Família que

visa a dar suporte material a quem não tem meios de arcar com a própria subsistência.

Os alimentos não se relacionam apenas com o direito à vida e à integridade física da

pessoa, mas, principalmente, à realização da dignidade humana, proporcionando ao

necessitando condições materiais de manter sua subsistência. Segundo Francisco José

Cahali1,seu conteúdo está expressamente atrelado à tutela da pessoa e à satisfação de

suas necessidades fundamentais.

Diante da importância dos fatos é que, neste capítulo, abordar-se-á uma noção

geral dos alimentos, abrangendo seu conceito, sua finalidade, sua natureza jurídica,

suas características e os pressupostos da obrigação alimentar.

1.1 CONCEITO, FINALIDADE E NATUREZA DOS ALIMENTOS

O conceito mais amplo da palavra alimentos, para o Direito, designa o conteúdo

de uma prestação ou de uma obrigação. Significa tudo o que é necessário para

satisfazer as necessidades vitais de quem não pode provê-las por si, mais amplamente,

os alimentos não devem ser considerados só os necessários ao sustento, mas,

também, devem atender aos demais meios indispensáveis para as necessidades da

vida, dentro do contexto social de cada um.

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Do ponto de vista jurídico, alimentos são tudo o que for necessário ao sustento

do ser humano, para o suprimento de suas necessidades vitais e sociais. Como

exemplo de alimentos tem-se os gêneros alimentícios: o vestuário, a habitação, a

saúde, a educação, o lazer. Os alimentos não se referem apenas à subsistência

material do alimentado, mas, também, à sua formação intelectual. Eles visam a

satisfazer as necessidades de quem não pode provê-las integralmente por si só2.

Segundo Ricardo Rodrigues Gama,

por alimentos entenda-se a obrigação de dar um montante, em dinheiro ou não, a outra pessoa, para a sua subsistência. Subentende-se, incluso em alimentos, o vestuário, a habitação, a educação, o lazer, a assistência médica e os medicamentos.3

Yussef Said Cahali define: “[...] alimentos no seu significado vulgar: tudo aquilo

que é necessário à conservação do ser humano com vida”.4

O Código Civil de 2002, assim como o antigo Código Civil de 1916, não definiu o

conceito de alimentos. Conforme entendimento de Rolf Madaleno,

a expressão alimentos engloba o sustento, a cura, o vestuário e a casa, reza o artigo 1.920 do Código Civil brasileiro, e, se o alimentando for menor, também tem o direito à educação, tudo dentro do orçamento daquele que deve prestar estes alimentos, num equilíbrio dos ingressos da pessoa obrigada com as necessidades do destinatário da pensão alimentícia.5

Assim, é possível observar que, embora alguns autores utilizem expressões

diversificadas, não há divergência de entendimentos entre eles quanto ao conceito de

alimentos.

Hoje não mais existe qualquer divergência quanto a conotação técnico-jurídica do conceito de alimentos, pois a doutrina de muito firmou o entendimento de que em tal acepção devemos considerar não só os alimentos necessários para o sustento, mas também os demais meios indispensáveis para as necessidades

                                                                                                                                                                                                 1 CAHALI, Francisco José. Alimentos no Código Civil. São Paulo. Saraiva, 2005, p. 2 2 GOMES, Orlando. Direito Civil: Direito de Família. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 427. 3 GAMA, Ricardo Rodrigues. Alimentos. 1 ed. São Paulo: Bookseller, 2000, p. 11. 4 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 15. 5 MADALENO, Rolf. Direito de família em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 127.

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da vida no conceito social de cada um. Nessa linha, vale observar que o que vinha sendo recomendado pela doutrina, agora, como novo sistema, vem expressamente consagrado no artigo 1.694 do Código Civil, haja vista que este estabelece que os alimentos devam atender também a compatibilidade com a condição social. 6

O instituto dos alimentos apresenta destaque no meio jurídico pela sua

importância com relação ao direito à vida, pois todos sabem que o direito primordial

para todo ser humano é o de sobreviver com dignidade.

Além do conceito de alimentos, é necessário distinguir os termos alimentado e

alimentante, sendo estes os sujeitos da ação de alimentos. Alimentado é aquele a

quem se paga, a quem são fornecidos os alimentos, é o sujeito ativo da obrigação

alimentar, o credor. Alimentante, também conhecido como alimentador, é aquele que

paga, que fornece alimentos, é o sujeito passivo da obrigação alimentar, o devedor.

O direito alimentar também se destaca por ser de ordem pública, prevalecendo

na proteção da família e da vida o interesse social. O Estado fiscaliza e instrui normas

que regem as relações sociais, em especial, no tocante ao direito de família, pois não

há quase liberdade na autonomia de vontade, sendo o direito alimentar limitado à

ordem pública.

Desse modo, Rolf Madaleno ensina que

o direito alimentar é de ordem pública, por prevalecer o interesse social na proteção e preservação da vida e da família, cometendo associar sua ordem pública com o princípio constitucional do artigo terceiro inciso I, da Carta Federal de 1988, quando aponta ser objetivo fundamental da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária.7

É importante ressaltar que o conceito de alimentos e sua finalidade estão

interligados, visto que, entendido o conceito de alimentos, pode-se demonstrar a sua

finalidade, ou seja, para que o alimento serve e qual é o seu propósito.

                                                            6 PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e Prática dos alimentos. 3 ed. Rio de Janeiro. Revista dos Tribunais, 2003, p. 17. 7 MADALENO, Op. Cit., p. 197-198.

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Nesse sentido, mesmo que os alimentos tenham diversos fundamentos e

normas, todos apresentam a mesma finalidade, que é a de evitar a miserabilidade.8

Sendo assim, resta evidente a importância dos alimentos no nosso ordenamento

jurídico, visto que esse instituto tem como finalidade garantir o direito à vida de quem

não tem meios para manter a própria subsistência. Os alimentos visam, então, a manter

o alimentado com uma vida digna.

1.2 PRINCÍPIOS CARACTERIZADORES DA OBRIGAÇÃO LEGAL DE ALIMENTOS

A obrigação alimentar segue as disposições do Código Civil e da Lei de

Alimentos e deve também observar os princípios que a regem. A doutrina9 cita vários

princípios, dentre os quais cabe destacar: o caráter personalíssimo da obrigação, o

princípio da reciprocidade, o princípio da impenhorabilidade, o princípio da

irrenunciabilidade, o princípio da irrepetibilidade, e por fim, o princípio da

transmissibilidade.

Os alimentos consubstanciam-se em um direito personalíssimo, sob a

compreensão de que a titularidade desse direito não pode ser repassada a outra

pessoa. Se inexistir a necessidade de receber alimentos, não pode haver a

transferência de tal direito a outra pessoa, vez que tal obrigação foi fixada com o

objetivo de preservar o direito de determinada pessoa a ter uma vida de forma digna.

Nessa linha, Francisco José Cahali10 conclui que se trata de um direito de

personalidade, visto que imanente ao direito à vida, sem o qual ela não se torna

                                                            8 PORTO. Op. Cit., p. 20. 9 Ibid., p. 28. 10 CAHALI, Francisco José. Alimentos no Código Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p. 5.

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materialmente possível.

A reciprocidade é uma característica marcante da obrigação alimentar

expressamente imposta no artigo 1.696 do Código Civil, onde consta que o direito à

prestação de alimentos é algo recíproco entre pais e filhos e estende-se a todos os

ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

Nesse dispositivo é possível observar que a obrigação alimentar não está restrita

a pais e filhos, os alimentos são, assim, devidos entre parentes ligados pelo jure

sanguinis. Vale ressaltar, conforme Orlando Gomes,11 que o direito dos obrigados não é

o mesmo, mas, sim, é distinto, pois há, apenas, a possibilidade de inversão dos sujeitos

da relação jurídica, diante dos acontecimentos fáticos.

O direito de alimentos, sejam eles naturais, sejam eles civis, não pode ser

cedido, penhorado nem, tampouco, compensado com outros créditos, conforme

previsto no artigo 1.707 do Código Civil de 2002. Justifica-se tal vedação de

transferência desse direito pelo fato de que, quando é fixada a quantia, estão presentes

as peculiaridades do caso concreto, tais como a necessidade de quem os pleiteia e a

possibilidade financeira do pleiteado.

A vedação de compensar o crédito vem da peculiaridade da dívida alimentar,

pois caso se tratasse de uma dívida comum, não haveria problema de compensação,

no entanto, versa sobre o sustento dos alimentados, o que justifica, por si só, as

vedações impostas pelo referido artigo.

Segundo Yussef Said Cahali,12 como se trata de direito personalíssimo,

destinado o respectivo crédito à subsistência da pessoa alimentada, que não dispõe de

recursos para viver, nem pode prover as suas necessidades pelo próprio trabalho, não

se compreende possam ser as prestações alimentícias penhoradas, sendo

inadmissível, assim, que qualquer credor do alimentando possa privá-lo do que é

estritamente necessário à sua subsistência.

                                                            11 GOMES, Orlando. Direito de família. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999, p. 108. 12 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 101.

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Nessa mesma linha, tem-se o princípio da irrenunciabilidade, previsto no artigo

1.707 do Código Civil. Versa este artigo que “pode o credor não exercer, porém lhe é

vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de

cessão, compensação ou penhora”13. Com esta orientação o legislador elevou a

impossibilidade de renúncia do direito a alimentos, conforme refere Sérgio Gilberto

Porto.14

Se por um lado não é possível a renúncia ao direito a alimentos, por outro lado

não é possível obrigar o beneficiário que exerça esse direito. Em consonância com isso,

vem a afirmação de Carvalho Santos15: “embora não possa ser renunciado o direito a

alimentos, o seu exercício, todavia, não é obrigatório”. Nesta seara, tem pertinência

renunciar à disposição do direito, isto é, não mais lançar mão do direito de pleitear

alimentos. Na dispensa, a pessoa continua titular do direito, porém, sem exercê-lo

naquele momento, mas nada impede que o exerça posteriormente, caso apareça a

necessidade de uma pensão alimentícia.

A irrepetibilidade, por sua vez, é uma característica tradicional no que diz

respeito aos alimentos, e, também, uma das mais discutidas no momento. Os

alimentos, quer sejam eles provisionais, quer sejam eles definitivos, uma vez tendo sido

fixados judicialmente, não são restituíveis. Este é o princípio consagrado no Direito

brasileiro, embora existam algumas observações sobre a possibilidade de repetição dos

alimentos indevidos.16

Por esta razão, e pelo princípio que veda o ilícito enriquecimento sem causa, é

que vem sendo repensada esta característica. A ilicitude do enriquecimento surge do

recebimento da prestação alimentícia quando inexiste a necessidade desta, ou seja,

                                                            13 BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 2002. 14 PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e Prática dos Alimentos. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 33 15 SANTOS, Carvalho. Código Civil Brasileiro interpretado. Vol 6, 2008, p. 201. 16 Edgard de Moura Bittencourt sustenta que “a irrepetibilidade deve levar por suporte o fato de não ser possível se pretender a restituição de prestação fundada no fato de vir o alimentando obter recursos com o que possa devolver o que recebeu, todavia estabelece como viável a repetição nos casos em que se admite que os alimentos provisionais sejam computados na partilha, fato este que representaria uma espécie de repetição, além dessa hipótese se arrola também a possibilidade de ocorrência de erro no

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quando o credor tem possibilidade de arcar com seu próprio sustento, mas, conquanto

isto, recebe a pensão alimentícia.

É exemplo disso o ensinamento de Rolf Madaleno:

O enriquecimento ilícito gera a obrigação de restituir o acréscimo patrimonial indevido no acervo de alguém à custa do sacrifício de outrem. Decorre o dever de restituir, àquele que recebeu o que não lhe era devido, ou, se existente a dívida, esta se tornou extinta, tal qual sucede na exoneração alimentar pela maioridade civil ausente de qualquer das suas exceções [...].17

Belmiro Pedro Welter18 dá um passo adiante nesta teoria. Segundo o autor,

apenas são irrepetíveis os alimentos pagos em virtude do dever de sustento, ou seja,

pagos a menores ou incapazes.

Os alimentos pagos a filhos maiores e capazes, incluindo cônjuges ou

companheiros, devem ser devolvidos ou mesmo compensados nas prestações

vincendas, com o objetivo de evitar o enriquecimento ilícito do credor.

Diante disso, não existe óbice jurídico no sentido de rever esta tradicional

característica, para tornar os alimentos repetíveis. O que há são entendimentos, não há

nada de solidificado para que isto possa ser aplicável no nosso ordenamento, sendo

assim, prevalece o entendimento de que os alimentos ainda são irrepetíveis.

No Código Civil de 1916, em seu artigo 402, a obrigação de prestar alimentos

não se transmitia aos herdeiros do devedor, a doutrina dessa época era, então, maciça

em afirmar a intransmissibilidade da obrigação alimentar. Com a chegada do Código

Civil de 2002, houve modificação, porque há expressa determinação legal no sentido da

transmissibilidade dos alimentos, conforme se vê no artigo 1.700: “A obrigação de

prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do artigo 1.694”.19

                                                                                                                                                                                                 pagamento da quantia devida. (BITTENCOURT, 1979, p. 16). 17 Alimentos e sua restituição judicial, publicada na RJ 211/5. 18 WELTER. Belmiro Pedro. Alimentos no Código Civil. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 37. 19 Artigo 1.694 do Código Civil de 2002. “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender as necessidades de sua educação”.

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Pelo Código Civil de 2002, não apenas os alimentos vencidos, como também os

vincendos, poderão ser cobrados da sucessão ou de cada herdeiro, mas sempre no

limite da herança, conforme prevê o artigo 1.997: “A herança responde pelo pagamento

das dívidas do falecido, mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em

proporção da parte que na herança lhe couber”20.

Portanto, a obrigação alimentar transmite-se aos herdeiros do devedor, sejam os

alimentos decorrentes de parentesco, sejam decorrentes das relações de afinidade.

1.3 PRESSUPOSTOS DA OBRIGAÇÃO

1.3.1 Diferença entre dever de sustento e obrigação alimentar

Cabe aos pais, sozinhos ou conjuntamente, sustentar os filhos, provendo a

subsistência material e moral de que necessitam, como alimentação, vestuário,

educação, enfim, tudo aquilo que se mostre necessário à manutenção e sobrevivência

dos mesmos.

A doutrina, baseada na lei, identifica duas categorias de obrigação alimentar dos

pais: uma resultante do poder familiar, consubstanciada na obrigação de sustento dos

filhos durante a menoridade, e outra, mais ampla, fora do poder familiar, vinculada à

relação de parentesco. Importante ressaltar que nem sempre foi assim: durante a

                                                            20 BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 2002. 

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vigência do Código Civil de 1916, no lugar do poder familiar, tínhamos o pátrio poder.21

Somente com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 pode-se identificar

essas duas categorias de obrigação alimentar.

A obrigação de sustento tem a sua causa no poder familiar, que representa uma

instituição destinada a proteger os filhos. Desse modo, certas prerrogativas são

atribuídas aos pais, para facilitar o cumprimento desses deveres. Quanto aos filhos,

sendo eles menores, e, por vezes, submetidos ao poder familiar, não lhes é gerado um

direito autônomo de alimentos, mas, sim, uma obrigação genérica e ampla de

assistência dos pais. A obrigação existe enquanto menores os filhos, independente da

necessidade deles.

No entendimento de Yussef Said Cahali, a obrigação alimentar, resultante do

poder familiar,

[...] não se altera diante da precariedade da condição econômica do genitor. O pai, ainda que pobre, não se isenta por esse motivo, da obrigação de prestar alimentos ao filho menor, do pouco que ganhar, alguma coisa deverá dar ao filho, a alegada impossibilidade material não pode constituir motivo de isenção do dever dos pais de contribuir para a manutenção, eventualmente, a prestação ficaria descumprida, pois ao impossível, ninguém está obrigado, a obrigação, no entanto, sempre subsistirá.22

Portanto, o dever de sustento vinculado ao poder familiar só se encerra com a

                                                            21 “Poder familiar é um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor, não emancipado, exercido em igualdade de condições por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e proteção do filho”. (DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2002, p. 439). O poder familiar tem o objetivo de proteger o ser humano que, desde a infância, precisa de alguém que o crie, eduque, ampare, defenda, guarde, e cuide de seus interesses pessoais e materiais. Os sujeitos ativos do poder familiar são os pais (inclusive os adotivos), conforme o exposto no artigo 1.631 do Código Civil. Hoje, o poder familiar, de acordo com a Constituição Federal de 1988, é exercido em igualdade de condições por ambos os pais, casados ou não, enquanto os sujeitos passivos são os filhos menores. O Pátrio poder, regulamentado nos artigos 379 a 395 do CC de 1916, era exercido apenas pelo pai com a colaboração da mãe. Antigamente, o pater tinha o poder sobre todo o clã e este poder estendia-se até sobre a vida ou morte do filho. O filho fazia parte do patrimônio do pai. Antes, o Pátrio poder pertencia apenas ao pai, só seria da mãe na falta do pai, pois ele tinha todos os poderes sobre os bens do filho.Com a Constituição Federal de 1988, o Pátrio poder passou a ser exercido por ambos os pais, em igualdade de condições. Logo, havendo divergências, quem resolve a questão é o Judiciário, segundo o art. 1.690, caput, e § único do CC/2002. 22 CAHALI, Op. Cit., p. 526.

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maioridade. Mesmo quando atingida a maioridade, os filhos podem pedir alimentos aos

pais: após a cessação da menoridade, pode surgir a obrigação alimentar dos pais em

relação aos filhos adultos, porém com natureza diferente, fundada no artigo 1.694 do

Código Civil. Tal obrigação é denominada de obrigação de alimentos oriundos do

parentesco e esta obrigação pode durar por toda a vida do alimentando ou, pelo menos,

por uma parte dela.

A obrigação alimentar é recíproca, nasce depois de encerrada a menoridade e

sujeita-se aos pressupostos de necessidade do alimentando e das possibilidades do

alimentante.

Yussef Said Cahali, falando sobre o assunto, conclui:

Ademais, a obrigação de sustento não terá atendido seu fim, se os pais não tiverem assegurado in natura a satisfação das necessidades do filho sob o poder familiar, situa-se aqui, a diferença capital entre o dever de sustento e a obrigação alimentar propriamente dita, que se executa, em princípio, através de prestações periódicas geralmente em dinheiro. Tecnicamente, assim, a obrigação de sustento, define-se como obrigação de fazer, enquanto a obrigação alimentar consubstancia uma obrigação de dar. 23

Por meio das idéias em apreço é possível identificar os dois encargos

alimentares: o dever de sustento e a obrigação alimentar decorrente do parentesco em

relação aos pais e filhos. Também foram identificadas as diferenças desses dois

encargos legais, suas características e suas finalidades. É possível concluir, então, que

a obrigação alimentar decorrente do parentesco é o encargo legal entre os pais e os

filhos maiores e que dependendo do caso concreto, os genitores são obrigados a dar

assistência aos filhos mesmo quando estes já atingiram a maioridade.

                                                            23 Ibid., p. 530.

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1.3.2 A regra fundamental e os parâmetros da obrigação alimentar

Na regra fundamental do artigo 1.695 do Código Civil são devidos os alimentos

quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover através do seu

trabalho, à própria subsistência, e aquele, de quem se reclama os alimentos, pode

fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.

As duas regras fundamentais da teoria dos alimentos são as que o Código Civil

exprime neste artigo e no seguinte, pois aquele que possui bens ou que está em

condições de prover à sua subsistência por seu trabalho não terá o direito de viver a

custa dos outros.

Segundo o entendimento de Yussef Said Cahali:

O instituto dos alimentos foi criado para socorrer os necessitados, e não para fomentar ociosidade ou estimular o parasitismo. Aquele que apenas tem com que se manter não pode ser obrigado a sustentar outrem. Há obrigações alimentares mais imperiosas umas que as outras. Assim, se do sustento das pessoas, que o parente já tem a seu cargo, não restam sobras, não se lhe pode exigir que abra mais espaço à sua parca mesa, em detrimento dos que já se sentam em torno dela.24

Esclarecida a questão dentro desses limites, observa-se, também, o que

preceitua o parágrafo primeiro do artigo 1.694 do Código Civil: “os alimentos devem ser

fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa

obrigada”25. Como podemos perceber com a transcrição do referido artigo, na hora da

fixação dos alimentos são levados dois fatores em consideração: a possibilidade do

obrigado e a necessidade do beneficiado.

Sérgio Gilberto Porto conclui:

A jurisprudência vem sinalizando, em certas hipóteses, que um critério razoável para a fixação de alimentos seria aquele que atribui um terço dos rendimentos líquidos do devedor ao credor. Todavia, importante que se registre, nada obsta

                                                            24 Ibid., p. 717. 25 BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 2002.

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que os valores a serem pagos fiquem aquém ou ultrapassem o percentual referido, pois a lei não quer o perecimento do alimentado, mas também não deseja o sacrifício do alimentante. Deve, pois, haver uma adequação ao binômio, necessidade-possibilidade.26

É necessário, no entanto, ressaltar que, antes de chegar a ser feita a análise do

binômio referido assim, temos que constatar a existência do vínculo jurídico, que diz

respeito à legitimidade das partes. ou seja, a existência de determinado vínculo de

família entre o alimentante e o alimentado. Isso ocorre devido ao fato de que não são

todos os familiares que podem fazer parte dessa relação jurídica, mas somente os

ascendentes, os descendentes, os irmãos (germanos e unilaterais) e os cônjuges, ou

seja, todos os parentes em linha reta, limitando-se aos colaterais de segundo grau,

conforme os termos do artigo 1.694 do Código Civil de 2002.

É possível concluir que é preciso, para constituir a obrigação dos alimentos, a

presença do binômio necessidade-possibilidade e o vínculo jurídico, sendo que, na falta

de qualquer um deles, a prestação alimentar não se concretiza. O julgador deve, sendo

assim, utilizar sempre a proporcionalidade desses três institutos.

                                                            26PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e Prática dos alimentos. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 23.

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2 ALIMENTOS E MAIORIDADE

Com a mudança da maioridade civil, trazida pelo Código Civil de 2002, surgiram

diversas dúvidas com relação ao alcance de tal alteração, sendo que uma delas diz

respeito aos efeitos que tal medida terá, em virtude da antecipação da extinção do

poder familiar e a conseqüente cessação do dever de sustento que gera a obrigação

alimentar decorrente de tal poder.

Como é sabido, quando termina a obrigação alimentar decorrente do poder

familiar, ainda se consegue pleitear alimentos devido à relação de parentesco, como é

o caso dos filhos maiores que ainda necessitam do auxílio financeiro dos pais. Por esta

razão é que neste capítulo serão analisadas as conseqüências que a redução da

maioridade civil trouxe para os alimentos e as hipóteses em que essa verba alimentar é

devida aos jovens que atingiram a maioridade.

2.1 REDUÇÃO DA MAIORIDADE E SUA INFLUÊNCIA NOS ALIMENTOS.

O presente estudo está direcionado ao campo dos alimentos, sendo assim, a

redução da maioridade civil vem causando conseqüências jurídicas no ordenamento

civil, pois, com a redução do termo aquisitivo da capacidade civil plena, também foi

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reduzido o tempo em que persiste a obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos,

decorrentes do antigo pátrio poder, hoje denominado poder familiar. Na legislação

anterior, a obrigação alimentar encontrava-se prevista nos artigos 396 a 405, estando

agora disciplinada pelos artigos 1.694 a 1.710 do Código Civil de 2002.

O Novo Código Civil, repetindo a mesma regra constante no Código revogado,

estabelece, em seu artigo 1.696, a reciprocidade da prestação de alimentos entre pais e

filhos, que também se estende a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais

próximos em grau, uns em falta de outros27.

Ocorre, todavia, que nem a codificação revogada, nem a que está em vigor, traz

expresso o termo de idade no qual a obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos

venha a cessar. Entretanto, a obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos

decorrente do poder familiar cessa, ordinariamente, quando estes atingem a maioridade

civil.

O que se levanta, neste contexto, é o dever de assistência e solidariedade que,

mesmo após o fim da menoridade, persiste no que diz respeito ao vínculo familiar.

Todavia, já não mais se trata de prestação alimentícia decorrente do poder familiar, e,

sim, da conexão havida entre parentes, ou seja, da relação de parentesco.

2.2 HIPÓTESES EM QUE SÃO DEVIDOS ALIMENTOS A MAIORES.

A maioridade, conforme analisou-se, por si só não é causa de cessação

automática da prestação alimentar. Mesmo atingindo a maioridade civil, o filho, em

determinadas situações, continuará com o direito de receber alimentos de seus pais. A

obrigação paterna, nesses casos, é pelo vinculo de parentesco e não mais pelo dever

de sustento. No que concerne a esse aspecto, é importante a análise de cada uma

                                                            27 BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 2002.

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dessas situações.

Belmiro Pedro Welter28 afirma que os filhos com maioridade civil podem

pensionar alimentos de seus genitores em três situações: filho maior de idade e

incapaz, filho maior e capaz que cursa escola profissionalizante ou faculdade e,

finalmente, filho maior capaz e indigente.

Não resta dúvida da importância que o direito de alimentos tem para o filho maior

e que possui alguma incapacidade. Cuida-se que, em determinadas situações, essa

obrigação alimentar pode durar ao longo da vida.

Consta em nosso ordenamento jurídico, no artigo 16 da Lei n 6.515-77, que “as

disposições relativas à guarda e à prestação de alimentos aos filhos menores estende-

se aos filhos maiores inválidos”.

Os mesmos termos estão contidos no artigo 1.590 do Código Civil de 2002: “As

disposições relativas à guarda e prestação de alimentos aos filhos menores estendem-

se aos filhos maiores incapazes”29, sendo assim, a maioridade faz cessar o poder

familiar (antigo pátrio poder), mas não extingue a obrigação alimentar se o alimentando

é pessoa doente, incapaz de prover a sua subsistência e de gerir os atos da vida civil.

Cumpre salientar que essa necessidade alimentar vem da incapacidade e não da

faixa etária, dessa forma, embora extinto o poder familiar com a maioridade, os pais não

se exoneram da obrigação alimentar com relação ao filho maior e incapaz.

Afirma Yussef Said Cahali:

É que, tratando-se de filho acometido de grave enfermidade, não propicia a exoneração do encargo alimentar a extinção do pátrio poder pela aquisição da maioridade, eis que a necessidade de recebimento dos alimentos não deriva mais da faixa etária e sim de seu precário estado de saúde.30

Assim, observa-se que a obrigação alimentar ao maior incapaz faz-se presente

                                                            28WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no Código Civil. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 122. 29 BRASIL. Op. Cit. 30CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 664.

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pelo vínculo de parentesco (solidariedade familiar) e também pela prorrogação do dever

de sustento pela presunção absoluta de necessidade desse filho.

A segunda hipótese, por sua vez, trata do filho que vem a receber pensão

alimentícia por ser maior e estudante, logo, tem seu direito reservado, dado o grande

número de casos em que os pais deixam de prestar auxílio financeiro aos filhos, uma

realidade que cada vez fica mais evidente em nosso meio. Nos dias atuais, tornou-se

mais complicado conciliar a faculdade e o trabalho, pois os horários na maioria dos

casos são, de fato, incompatíveis. Sendo assim, os estudantes realizam estágio

voluntário, mas, mesmo assim, o valor recebido é bem inferior ao gasto que se tem para

estudar em uma faculdade particular, por exemplo.

Para essa situação, a legislação não apresenta regra específica, porém, os

julgadores, cientes da situação relatada acima e também do dano irreparável que

causariam a esses universitários se não fosse possível fornecer a eles um estudo

digno, firmaram o entendimento que favorece a tese de prorrogação do dever alimentar

mesmo na fase adulta do filho maior.

É de todos conhecida a dificuldade em se conseguir uma colocação no mercado de trabalho. Pouco importa que o filho se encontre habilitado a exercer uma profissão se não lhe são abertas às portas para desempenhar uma profissão. Quem ignora o número excedente de pessoas aptas para toda a espécie de trabalho que exige alguma habilitação? Ademais, longos anos de tentativa e prática se exigem antes de conseguir qualquer profissional liberal alguma solidez econômica na carreira escolhida. De sorte que, nos tempos que correm, persiste a obrigação enquanto não se concretizarem as perspectivas de segurança econômica.31

A maioridade civil, atingida com os 18 anos de idade completos, só será uma

causa de exclusão do auxílio paterno quando ficar comprovado que os filhos possuem

meios próprios para se manter, caso contrário, o entendimento do Tribunal de Justiça

do Rio Grande do Sul32 vem sendo no sentido de que a obrigação alimentar seja

                                                            31RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 2 ed. Rio de Janeiro. Forense, 2004, p. 761-762. 32RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. Família. Alimentos. Exoneração. Apelação provida. Maioridade Civil. Apelação cível n 70037582244. Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. 25 de agosto de 2010. In. Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, 2010. Disponível em <www.tj.rs.gov.br>.

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prorrogada ao filho maior e estudante até os 24 anos de idade, ou, dependendo do

caso, até a conclusão da faculdade ou ensino profissionalizante.

Posiciona-se nessa mesma linha Yussef Said Cahali:

A maioridade do filho estudante que não trabalha, a exemplo do que acontece com as famílias abastadas, não justifica a exclusão da responsabilidade do pai quanto a seu amparo financeiro para o sustento e os estudos.33

No mesmo entendimento, completa Belmiro Pedro Welter:

Significa que os filhos, embora maiores de idade e capazes, mas incapazes de se auto sustentar, estejam estudando em escola técnica ou curso superior, os pais continuam responsáveis pelo pagamento de alimentos até os 24 anos de idade. 34

Do mesmo teor, segue abaixo entendimento do Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul a respeito da matéria.

ALIMENTOS. EXONERAÇÃO. MAIORIDADE. ESTUDANTE. O poder familiar cessa quando atingida a maioridade, mas não desaparece o dever de solidariedade decorrente da relação parental, necessitando a filha de alimentos para garantir a freqüência a estabelecimento de ensino superior, como complemento de sua educação, que é dever residual do poder familiar, está o pai obrigado a auxiliá-la. Não restando demonstrada a alteração da capacidade financeira do alimentante, mostra-se descabido o pleito de exoneração.35

Neste julgado, referente a pedido de exoneração do encargo alimentar por parte

do pai da alimentada, alegando já ter ela alcançado a maioridade, constata-se que a

mesma não foi fator determinante para a cessação do dever de alimentar do pai para

com a filha, pois, mesmo ela já tendo atingido 24 anos de idade, ainda cursa ensino

superior e depende da pensão alimentícia para manter seu estudo. O relator Sérgio

                                                            33CAHALI. Yussef Said. Dos Alimentos. 4 ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2002, p. 665. 34WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no Código Civil. Porto Alegre. Síntese, 2003, p. 123-124. 35RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. Família. Alimentos. Exoneração. Apelação provida. Maioridade Civil. Apelação cível n 70037582244. Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. 25 de agosto de 2010. In. Diário de Justiça do Rio Grande do Sul,

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Fernando de Vasconcellos Chaves, através de seu voto, revelou descabido o pedido de

exoneração, visto que a alimentada ainda não concluiu os estudos, não tendo ela meios

de continuar cursando a faculdade sem a verba alimentar fornecida pelo pai até então.

O relator concluiu ressaltando que o alimentante não sofreu alteração na sua

capacidade econômica que justificasse sequer em uma redução dos alimentos.

Importante ressaltar que a concessão de alimentos aos maiores estudantes não

fica limitada somente ao estudante de curso superior, é devido também aos filhos que

ainda estão no ensino médio, bem como para aqueles que cursam escola

profissionalizante, e, até mesmo, para aqueles que, já formados, necessitam fazer uma

pós-graduação.

Tratando-se de alimentos a filhos maiores de idade, é fundamental que se tenha

o cuidado de analisar cada caso concreto, para que fique realmente de forma concisa a

comprovação da necessidade do alimentado em receber a pensão alimentícia e

também a possibilidade do alimentante de prover alimentos a seu filho. Isso se faz

necessário para evitar que o filho maior e com plenas capacidades para o trabalho fique

ocioso e acabe gerando a sua acomodação.

Yussef Said Cahali acredita que “em regra toda pessoa maior e capaz de

trabalhar deve fazê-lo para seu próprio sustento, o instituto dos alimentos visa a

socorrer os necessitados e não a fomentar a ociosidade”.36

A terceira hipótese, por sua vez, vem tratar dos alimentos devidos aos filhos

maiores, capazes e indigentes. Logo, a obrigação alimentar não se restringe aos filhos

menores, aos maiores e estudantes, mas abrange, também, os maiores e não

estudantes.

Belmiro Pedro Welter37 faz uma análise da redação do artigo 399 do antigo

Código Civil, que reza: “são devidos os alimentos quando o parente, que os pretende,

não tem bens, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e o de quem se

                                                                                                                                                                                                 2010. Disponível em <www.tj.rs.gov.br>. 36CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4 ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2002, p. 640. 37WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no Código Civil. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 126.

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reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”. E

compara, posteriormente, ao então artigo 1.695 do Código Civil de 2002, onde “são

devidos alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode

prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode

fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”.

Doutrinando também sobre o artigo 399 do Código Civil de 1916, Yussef Said

Cahali 38esclarece que esse artigo não informa a que ponto a indigência do alimentando

justificaria o pedido de alimentos, mas, mesmo assim, deixa claro o autor que alguns

requisitos devem ser preenchidos pelo parente alimentando, que deve procurar por si

só, através de seu esforço, manter a sua subsistência.

Assim, para o maior de idade obter o direito a receber alimentos, deve preencher

os requisitos: idade avançada ou doença, inabilitação para o trabalho ou incapacidade

de qualquer outra espécie. Alguns pressupostos, nesse mesmo sentido, são apontados

por Arnaldo Rizzardo, nos seguintes termos:

Se a pessoa tem capacidade para desenvolver uma atividade rendosa, e não a exerce, não recebe amparo da lei. Obviamente, os alimentos não podem estimular as pessoas a se manterem desocupadas, ou a não terem a iniciativa de buscar o exercício de um trabalho. O artigo 399 é expresso a respeito, estando inserida a condição básica para postular alimentos: aquele que não tem bens, nem pode, pelo seu trabalho, prover à própria mantença. 39

Se o filho, mesmo sendo maior de idade e capaz, necessitar de alimentos por

motivo de grave doença, invalidez, pobreza, falta de bens e de trabalho, os pais estarão

obrigados a fornecê-los.

É possível concluir que a maioridade, por si só, não é causa suficiente para o

cancelamento da obrigação alimentar, desde que os filhos maiores comprovem a

necessidade de recebê-los. Os pais, dessa forma, não poderão exonerar-se do encargo

alimentar. Sendo assim, para o maior receber alimento de seus pais, deverá ser

caracterizado o binômio necessidade do alimentado e possibilidade do alimentante.

                                                            38CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 642.

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Assim, resta claro que o maior incapaz tem direito aos alimentos, bem como o maior e

capaz estudante e o maior indigente, desde que comprovada a necessidade dos

alimentos.

Consta que os filhos possuem legitimidade para receber alimentos quando

alcançada a maioridade, no entanto, verificou-se com a pesquisa jurisprudencial

realizada que não há certeza quanto à fixação de uma idade limite para o filho que

ainda está estudando receber alimentos do seu genitor, se seria ou não até os vinte e

quatro anos de idade, momento este em que normalmente já se concluiu a faculdade.

Logo, fez-se a necessidade de chegar a um esclarecimento a respeito da idade limite

para a obrigação alimentar.

Essa idade foi estabelecida em virtude e por analogia à Lei do Imposto de

Renda, pois, segundo Rodrigo da Cunha Pereira40, cabe ao contribuinte informar, em

sua declaração de imposto de renda, seus dependentes, até quando atingem essa

idade limite de vinte e quatro anos. Na realidade é difícil se fixar uma idade limite, pois a

finalidade da verba alimentar é atender as necessidades do filho, e, quanto a isso, não

temos como prever com que idade o filho não necessitará mais da ajuda financeira dos

pais.

Logo, existem situações em que mesmo com vinte e quatro anos de idade, o filho

ainda não encontra meios para prover a sua própria mantença. Por isso, alguns

doutrinadores afirmam que seriam devidos alimentos ao filho até o momento em que o

respectivo curso terminasse.

A respeito disso, Rolf Madaleno afirma:

[...] também se admite como válida a assertiva de ser regra dentre determinadas classes sociais os filhos não trabalharem enquanto cursam a universidade, até a sua conclusão, quando, então, cessaria a alimentação, e não aos vinte e quatro anos, como muitos pensam, por analogia irrestrita à legislação do imposto de renda.41

                                                                                                                                                                                                 39RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 740. 40PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Teoria geral dos Alimentos. In CAHALI, Francisco José, PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coordenador). Alimentos no Código Civil – Aspectos Civil, Constitucional, Processual e Penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 40. 41MADALENO, Rolf. Aspectos Polêmicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 57.

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Conclui-se que não existe um limite rígido para a duração do encargo alimentar

concedido aos filhos maiores por seus pais, pois alguns doutrinadores e legisladores

entendem que os filhos maiores e estudantes devem receber alimentos até os vinte e

quatro anos de idade, outros acham que essa obrigação deve perdurar até a conclusão

do curso universitário, em outras situações durará a vida toda, como no caso dos

maiores incapazes. Mas o certo é que isso dependerá do caso concreto, devendo ser

analisado o já mencionado binômio necessidade-possibilidade, as circunstâncias e os

objetivos peculiares de cada processo, para que nenhuma das partes (alimentante e

alimentado) saia prejudicada.

3 MAIORIDADE CIVIL E EXONERAÇÃO DOS ALIMENTOS

Com a cessação do poder familiar, depois da entrada em vigor do Código Civil

de 2002, ocorreu a diminuição da idade do alimentado, que agora atinge a maioridade

quando completa seus 18 anos, e não mais 21 anos. Este fato acarretou diversos

entendimentos doutrinários sobre a questão referente à exoneração desses alimentos.

Tais diferentes entendimentos é que serão objeto de estudo neste capítulo, para que, a

partir deles, seja possível nos posicionarmos quanto ao ponto tratado.

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3.1 AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS PROPOSTA PELOS PAIS

Conforme análise anterior, o dever de sustento cessa quando atingida a

maioridade civil, sendo extinto, assim, o poder familiar, ou seja, os pais não exercem

mais as mesmas atribuições sobre os filhos que completaram dezoito anos. No artigo

1.635, inciso III, do Código Civil, é extinto o poder familiar pela maioridade civil,

cessando também o dever alimentar. Os filhos maiores poderão pleitear alimentos dos

seus genitores pela relação de parentesco e não mais pelo dever de sustento, ainda

que sujeitos com os pressupostos da obrigação alimentar.

A partir desse fato, surge a discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a

exigibilidade, ou não, de os pais ingressarem com uma ação de exoneração de

alimentos, isto é, se a maioridade civil é causa ou não de cessação automática da

obrigação alimentar. Analisar-se-á, a partir de agora, o posicionamento de alguns

autores a respeito da questão.

No entendimento de Yussef Said Cahali,

“a orientação mais acertada é aquela no sentido de que, cessada a menoridade, cessa ipso jure a causa jurídica da obrigação de sustento adimplida sobre a forma de prestação alimentar, sem que se faça necessário o ajuizamento, pelo devedor, de uma ação exoneratória”.42

No mesmo sentido, Arnaldo Rizzardo argumenta que: “ no tocante aos filhos

maiores, a rigor, com a aquisição civil cessa o encargo de prestar alimentos, não se

fazendo necessária a manifestação judicial. A extinção ocorre com simples ato de

alcançar a maioridade”.43

Com isso, o entendimento direciona-se no sentido de que os pais não precisam

impetrar uma ação exoneratória no momento em que o filho tenha atingido a

                                                            42CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 660. 43RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 660.

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maioridade.

Para Luis Costa Beber44, o número de demandas no judiciário tem aumentado

notoriamente. Para minimizar o trabalho do poder judiciário, é necessário facilitar a

forma de atendimento e abreviar ao máximo os procedimentos processuais, mas sem

ferir o princípio do contraditório. Portanto, para o autor, não é necessária a instauração

de uma ação exoneratória, mas se faz imperioso que o filho maior ingresse com uma

nova ação de alimentos.

[...] Estimo que o ideal é inverte-se este estado de coisas, extinguindo-se liminarmente os alimentos com a maioridade dos filhos, com a lei substantiva autoriza, obrigando estes últimos, caso amparados com provas convincentes das suas necessidades, a ingressar com novo pedido alimentar. Não vejo qualquer prejuízo por força da exoneração imediata decorrente da maioridade, pois na eventualidade do filho maior possuir provas das suas necessidades, seja por estudo, seja por doença, seja por qualquer outro motivo plausível, haverá de obter, ao limiar da nova ação de alimentos, a concessão da verba provisória, consoante previsão contida na Lei 5.478-68. 45

O autor também entende que, ao exigir uma ação de exoneração, além da

demora para processar a demanda, irá acarretar uma inversão do ônus da prova, ou

seja, seria exigida a prova do devedor de alimentos (pais) e não do alimentado (filho

maior), como seria o correto.

Na verdade, o que se tem observado é que o alimentante, compelido a pedir a exoneração da sua obrigação após a maioridade do filho, além de obrigar-se a produção de provas acerca da desnecessidade dos alimentos por parte do beneficiário (quando o correto seria o contrário), conta, ainda com a morosidade da demanda, na maior parte das vezes fomenta um crédito que sabe indevido.46

Importante deixar claro que, com a maioridade civil, o dever da prova é do

alimentado e não mais do alimentante como era no dever de sustento, já que é o filho

que deverá provar que realmente necessita e precisa dos alimentos. A presunção da

necessidade é relativa ao maior, devendo este se enquadrar nos pressupostos da

                                                            44BEBER, Jorge Luis Costa. A maioridade dos filhos e a exoneração liminar dos alimentos. Revista da Ajuris. Porto Alegre: Sintese, p. 163. 45Ibid, p. 170.

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necessidade-possibilidade (binômio alimentar), para a concessão dos alimentos.

Seguindo a linha do dito acima, Sérgio Gilberto Porto frisa que

[...] tal situação, contudo, se de um lado não altera a possibilidade jurídica do maior postular alimentos, de outro induz a uma nova distribuição do ônus da prova, para os efeitos de manutenção ou postulação de alimentos, pois a presunção que outrora militava a favor do filho menor, dando conta de sua necessidade, com o advento da maioridade, desaparece, invertendo-se o ônus probandi. Caberá assim, ao alimentado, fazer prova de sua condição de estudante ou de sua saúde debilitada, vale dizer: da causa que lhe impede subsistir por seus próprios meios aos efeitos de manter ou obter verba de cunho alimentar”.47

Outro problema, que os autores afirmam existir com a propositura da ação de

exoneração de alimentos, diz respeito à continuidade do pagamento da pensão

alimentícia aos filhos maiores quando estes não mais necessitam da ajuda financeira. O

alimentante continuará pagando a pensão até o trânsito em julgado procedente da ação

exoneratória, e, somente depois desse procedimento, o devedor de alimentos poderá

parar de pagar.

Sobre isso, afirma Rolf Madaleno:

[...] Reside o temor da justiça, motivado pela circunstância de onerar a um dos pólos com o prosseguimento de uma obrigação que já não mais lhe compete, porque compelido a seguir pagando alimentos quiça indevidos, enquanto ainda sobrecarregado pela obrigatoriedade de promover uma ação exoneratória, da qual deverá aguardar toda a sua tramitação, para, somente com seu final e procedente trânsito em julgado, ver cessada sua obrigação alimentar”.48

Apesar do exposto acima, é comum encontrar-se decisões nas ações de

exoneração, vindas da cessação da obrigação alimentar em razão da maioridade do

filho, em que se segue a linha de que, por completar dezoito anos, não há motivo

suficiente para cessar automaticamente o encargo alimentar dos pais. Encontram-se,

na doutrina, autores como Sérgio Gilberto Porto49 e Rodrigo da Cunha Pereira, que

                                                                                                                                                                                                 46Ibid, p. 169. 47PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e Prática dos Alimentos. 3 ed: São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 45. 48MADALENO, Rolf. Direito de Família: Aspectos Polêmicos. Porto Alegre, 1998, p. 53 49PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e Prática dos Alimentos. 3 ed: Revista dos Tribunais, 2003, p. 45.

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sustentam esse posicionamento, ao afirmarem que “é imprescindível a propositura da

ação de exoneração de alimentos, com o fito de que seja reconhecida, no caso

concreto, a desnecessidade da prestação alimentícia”.50

Ainda, Rolf Madaleno salienta:

“Existem duas correntes que autorizam com a maioridade civil a exoneração automática do vínculo familiar, em ser requerida em simples petitório entranhado no próprio feito processual que cuidou de acordar primitivamente os alimentos, ou decretá-los judicialmente, em tendo se tratado de processo litigioso. Do outro lado oposto há aqueles que vêem a obrigatoriedade do desdobramento de uma ação específica de exoneração de alimentos movida pelo devedor, sob o argumento do advento da capacidade civil como causa extintiva do pátrio poder, e por evidente, do liame alimentar.51

A partir do exposto, não resta dúvida sobre a polêmica quanto ao uso ou não de

uma ação de exoneração de alimentos. Para alguns dos autores referidos ao longo do

texto, uma simples petição, no próprio processo de alimentos, bastaria para resolver o

problema da cessação do encargo alimentar quando atingida a maioridade, mas, para

outros, a ação de exoneração faz-se de suma importância para garantir o contraditório,

quando, neste momento, o filho maior irá demonstrar a necessidade de permanecer a

receber os alimentos.

Sendo assim, é necessária a análise do caso concreto, na qual o julgador

apreciará cada situação que venha a surgir e decidirá com proporcionalidade, buscando

atender a necessidade de um (filhos) e a possibilidade de outro (pais), sem causar

prejuízos às partes. Em suma, se faz presente novamente o binômio necessidade-

possibilidade, que esteve presente nos capítulos anteriores, mostrando ser assim a

regra mais correta e de fundamental importância a ser utilizada para a solução dessas

situações referentes ao direito alimentar aos maiores.

                                                            50PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Teoria Geral dos Alimentos. In. CAHALI, Francisco José. Alimentos no Código Civil: aspecto civil, constitucional, processual e penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 37 51MADALENO, Rolf. Direito de Família: Aspectos Polêmicos. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1998, p. 53.

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3.2 SÚMULA 358 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Nas ações de alimentos envolvendo menores, temos como marco final da

obrigação alimentar o momento em que se atinge a maioridade civil, enquanto que,

quando se trata de pensão alimentícia devida a filhos maiores de idade, ficou

convencionado por analogia à Lei do Imposto de Renda que cessaria a obrigação

alimentar decorrente do parentesco quando atingido vinte e quatro anos de idade, data

aproximada de quando um jovem também concluiria o ensino superior. No entanto, os

pais ingressam em juízo para pedir a exoneração da obrigação alimentar, pois a

mesma, decorrente do dever de sustento, termina quando os filhos atingem a

maioridade.

A segunda sessão do Superior Tribunal de Justiça aprovou a súmula 358, que

tem o seguinte texto: “O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a

maioridade está sujeito a decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos

próprios autos”.

A Súmula 358 aplica-se nos casos em que a maioridade do alimentado (filho) é,

no entender do alimentante (pai), causa para a cessação do direito ao recebimento da

verba alimentar, visto que existem situações em que o acordo ou a decisão que

estabelece os alimentos não fixa o termo final para esta obrigação. De acordo com a

Súmula, portanto, o simples alcance da maioridade civil, por si só, não gera a

exoneração automática da referida obrigação ao alimentante, sendo necessária assim,

a provocação do Poder Judiciário para tal atitude.

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Este pedido de exoneração poderia ser feito tanto nos próprios autos onde foi

fixada a verba alimentar como em autos próprios, onde a pretensão seria a revisão ou a

exoneração da obrigação fixada anteriormente.

De modo geral, os responsáveis requerem, nos próprios autos da ação que

concedeu a pensão alimentícia, o cancelamento ou a redução da mesma. Os juízes

aceitam o procedimento e determinam a intimação do interessado. Se houver

concordância por parte do filho no cancelamento da pensão, o requerimento é deferido,

caso o filho alegue que ainda necessita da verba alimentar, o devedor é encaminhado a

uma ação de revisão, ou é instaurada, nos próprios autos da ação de alimentos, uma

espécie de contraditório, no qual o juiz irá proferir a sentença.

A redação da Súmula 358 vem, então, reafirmar as alterações havidas na esfera

do direito de família com relação à ação de exoneração, mas principalmente no que diz

respeito ao princípio do contraditório. A redução ou a exoneração do dever alimentar

deve ser precedida do direito do alimentado de se manifestar sobre suas condições de

prover o seu próprio sustento.

Seguindo a linha de raciocínio, nota-se que a decisão deve ser proferida sempre

dentro do contexto de cada família, não tendo com fixar uma regra a ser usada por

todos. A análise deve ser feita de acordo com o caso concreto, fazendo-se com que o

contraditório seja essencial para a decisão, pois é a forma que se encontrou de ouvir

sempre os dois lados da situação.

Nas claras palavras de Alexandre de Moraes52, temos que o contraditório se

consubstancia no direito de ação e no direito de defesa, impondo respeito à igualdade

entre as partes, sendo ele a própria exteriorização da ampla defesa, pois a todo ato

produzido pela acusação, cabe a esse mesmo ato a defesa.

                                                            52MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 8 ed. São Paulo, p. 117.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa realizada teve por objetivo a análise da obrigação alimentar dos pais

para com seus filhos com maioridade civil. De acordo com as informações trazidas pela

pesquisa, foi possível dirimir algumas dúvidas quanto ao direito do filho maior em

perceber alimentos de seus genitores.

Não pode deixar de ser registrado que, como visto no decorrer do trabalho, a

maioridade civil, por si só, não é fator determinante para desobrigar os pais de arcar

com a verba alimentar, devendo ser avaliado, a cada caso concreto, o binômio

alimentar necessidade-possibilidade, ou seja, a necessidade do alimentado em receber

os alimentos e a possibilidade do alimentante em fornecê-los.

Foi verificado, no entanto, que os alimentos aos filhos maiores somente são

devidos de fato em certas circunstâncias, sendo elas quando o filho for maior e incapaz,

quando for maior, capaz e estudante, ou, ainda, maior indigente. Conforme examinado

no trabalho, aos filhos maiores e incapazes a obrigação alimentar poderá, em certos

casos, perdurar por toda a vida do alimentado. No caso de filhos maiores, capazes e

estudantes, ou no de maiores indigentes, deverá ser feita a análise do binômio

necessidade-possibilidade para a concessão dos alimentos, ou seja, a necessidade e a

possibilidade deverão ser verificadas de acordo com cada caso concreto.

É possível entender, então, que os filhos, apenas por alcançarem a maioridade

civil, não perdem o direito de pleitear possíveis alimentos de seus pais. Tal pretensão,

no entanto, deve ser fundada na relação de parentesco, ficando o pedido sujeito aos

pressupostos de prova de necessidade e possibilidade, ou seja, o binômio alimentar.

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