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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ALINE DA SILVA FREITAS O DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL E O PROBLEMA DO SEU FINANCIAMENTO SÃO PAULO 2009

ALINE DA SILVA FREITAS - dominiopublico.mec.gov.brdominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp107592.pdf · que nunca esteve em uma sala de aula... não aprendeu a ler e escrever

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  • UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

    ALINE DA SILVA FREITAS

    O DIREITO EDUCAO BSICA NO BRASIL E O

    PROBLEMA DO SEU FINANCIAMENTO

    SO PAULO

    2009

  • UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

    ALINE DA SILVA FREITAS

    O DIREITO EDUCAO BSICA NO BRASIL E O

    PROBLEMA DO SEU FINANCIAMENTO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao stricto sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie,

    como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Direito Poltico e

    Econmico. Orientadora: Prof. Dr. Patrcia Tuma

    Martins Bertolin

    SO PAULO

    2009

  • F866d FREITAS, Aline da Silva.

    O Direito Educao Bsica e o Problema do seu

    Financiamento. Aline da Silva Freitas. 2009. 183 f.; 30 cm.

    Dissertao (Mestrado em Direito Poltico e Econmico) Universidade Presbiteriana Mackenzie, So Paulo, 2009.

    Bibliografia: f. 143 154.

    1. Direito Constitucional. 2. Direito Educao. 3.

    Educao Bsica. 4. Financiamento. 5. Fundeb. I Ttulo.

    CDD 341.2

  • ALINE DA SILVA FREITAS

    O DIREITO EDUCAO BSICA NO BRASIL E O

    PROBLEMA DO SEU FINANCIAMENTO

    Dissertao apresentada ao Programa de

    Ps-Graduao stricto sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obteno do

    ttulo de Mestre em Direito Poltico e Econmico.

    Aprovada em: 26 de agosto de 2009.

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Patrcia Tuma Martins Bertolin - Orientadora Universidade Presbiteriana Mackenzie

    Prof. Dr. Clarice Seixas Duarte

    Universidade Presbiteriana Mackenzie

    Prof. Dr. Roberto Moreira Faculdades Metropolitanas Unidas

  • Dedico esta Dissertao aos meus pais,

    Adelaide e Benjamin, pela dedicao

    integral, pela amizade generosa e pelo

    imenso amor...

  • 5

    ... dedico tambm minha amada av

    Durvalina Maria da Silva, em memria,

    que nunca esteve em uma sala de aula...

    no aprendeu a ler e escrever. Para ela

    que, ciente da importncia dos estudos,

    em todas as vezes que conversava

    comigo perguntava se eu estava indo

    bem e completava eu oro toda noite

    para que voc v bem. Quando acabar

    seu estudo, me avise para eu ficar

    tranquila.

  • Agradecimentos

    Aos meus pais e Professores do cotidiano, Adelaide e Benjamin, e minha irm,

    Andreia, meus mais queridos amigos, por viabilizarem, cada um ao seu modo, a

    experincia singular de cursar o Mestrado e por tudo o que s poderia caber em

    uma palavra: amor.

    minha sempre presente orientadora, Professora Doutora Patrcia Tuma Martins

    Bertolin, exemplo de amor e dedicao para com seus alunos, por todas as lies e

    experincias trocadas, pelo incentivo e oportunidades concedidas e pela amizade

    que simboliza tudo o que vivemos juntas nesses ltimos anos...

    Aos Professores Doutores Clarice Seixas Duarte e Roberto Moreira, tambm

    componentes de minha Banca de Qualificao, pelos preciosos conhecimentos

    partilhados, por todas as sugestes que gentilmente deram para que esta

    Dissertao fosse possvel e, em especial, pelo amor pela educao, que se mostra

    ntido e admirvel. Professora Clarice, agradeo ainda por me integrar ao Grupo

    de Pesquisa CNPq Direitos Polticos Econmicos e Sociais na Jurisprudncia dos

    Tribunais Superiores e pela possibilidade de secretari-lo.

    Ao Professor Ricardo Bitun, por ajudar a desenhar as primeiras linhas desta

    Dissertao e pela bibliografia inicial que se fez indispensvel. Ao meu pai,

    Benjamin, pela disposio integral em revisar cada uma das verses que foram

    elaboradas at que a via definitiva ficasse o mais impecvel possvel. Ester Zuzo,

    pela reviso cuidadosa e pela amizade.

    Ao Professor Doutor Jos Francisco Siqueira Neto, Coordenador do Programa de

    Ps-Graduao, por seu notrio comprometimento em fazer deste, a partir dos

    Professores e alunos, referncia de qualidade em ensino, pesquisa e extenso, por

    seu rigor metodolgico e por seus ensinamentos. Aos demais Professores que tive

    no Mestrado, Doutores Ari Marcelo Slon, Alysson Leandro Barbate Mascaro,

    Gianpaolo Poggio Smanio, Gilberto Bercovici, Hlcio Ribeiro, Jos Carlos Francisco,

  • 7

    por todas as aulas e atividades elaboradas que contriburam grandiosamente para

    minha formao acadmica.

    Ao Professor Gianpaolo Poggio Smanio agradeo tambm por seu excelente

    trabalho de liderana do Grupo de Pesquisa CNPq Novos Direitos e a Proteo da

    Cidadania, do qual tenho a honra de participar desde 2007, pelo seu incentivo

    constante para que cada membro do Grupo desenvolva todas as suas

    potencialidades. Professora Snia Tanaka, que coordena o Grupo com o

    Professor Smanio, pela ateno e apoio pesquisa.

    Aos demais Professores do Programa, em especial Professora Susana Mesquita

    Barbosa, e funcionrios da Universidade Presbiteriana Mackenzie, sobretudo ao

    Senhor Miro, Senhor Renato e Senhora Jucelei, pela disponibilidade constante.

    Aos Professores da querida Faculdade de Direito da Universidade Presbieteriana

    Mackenzie, principalmente ao Professor Wilson Gianulo, meu orientador no Trabalho

    de Graduao Interdisciplinar, por sua ateno, por indicaes bibliogrficas que

    foram valiosas tambm no Mestrado e pelo incentivo pesquisa continuada.

    Professora Doutora Lia Felberg, por todo carinho e confiana depositada, pela

    oportunidade de participar de processo seletivo que me tornou alm de aluna,

    funcionria da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pela preocupao em ver

    cada um de ns, advogados do Juizado Especial Cvel, sempre bem profissional e

    academicamente.

    Aos meus colegas de trabalho, pela preocupao e carinho.

    A Alessandra, Eugnia, Izabel, Julia, Patrcia, Roseli e Vivian, queridas amigas do

    curso e para a vida toda, pelo companheirismo.

    A Cnthia Midori, irm de corao, Marlene e Matilde, por suas oraes. A Dbora,

    Jcely e Karina, tambm irms de corao, por todo apoio que sempre me deram.

  • 8

    Ao Senhor Mauro e Senhora Sonria, casal de amigos Profissionais da Educao,

    pela honra de trocar ideias e ideais, pelas conversas sobre as experincias

    respectivas com os alunos da rede pblica bsica de ensino .

    Aos alunos que tive, pela contribuio em consolidar o meu amor pela pesquisa em

    sede do direito educao.

    E o mais importante: agradeo a Deus, meu zeloso guardador e nosso Criador, por

    ter colocado todas essas pessoas em meu caminho e pela proteo que tornou

    possvel eu viver o Mestrado intensamente. Agradeo tambm por me mostrar, a

    cada dia, que o caminho em busca do conhecimento extenso e poder levar a vida

    inteira para ser percorrido, ou mesmo no ter fim, e ainda assim ser gratificante,

    pois um dos maiores tesouros que algum pode desejar.

    Continuarei caminhando...

  • ... a evoluo do sistema educacional, a

    expanso do ensino e os rumos que esta

    tomou s podem ser compreendidos a partir

    da realidade concreta criada por nossa

    histria cultural, evoluo econmica e

    estruturao do poder poltico (Otaza de

    Oliveira Romanelli).

    ... as leis que regulam o uso dos recursos

    canalizam intenes e prioridades polticas,

    enquanto os recursos financeiros assim

    aplicados as consolidam (Vital Didonet).

  • Resumo

    A histria do direito educao bsica no Brasil e a anlise do ordenamento jurdico

    vigente demonstram evoluo positiva quanto a sua tutela e efetivao. Isto

    importante, pois este nvel de ensino direcionado para a formao comum

    indispensvel para o exerccio da cidadania, para o desenvolvimento pessoal e dos

    meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. Entretanto, h barreiras

    para a sua efetivao, em que se destaca principalmente a questo do

    financiamento, sem o qual no h como se assegurar a concretizao do direito

    educao bsica. A Constituio da Repblica de 1988 direcionou percentuais da

    receita de impostos manuteno e ao desenvolvimento do ensino, com nfase no

    ensino fundamental. Porm, as sucessivas polticas de aplicao dos recursos

    apresentam-se insuficientes e sem o imperativo condo da continuidade. A

    expectativa que por meio do Fundeb, fundo de natureza contbil voltado

    manuteno e desenvolvimento do ensino bsico e valorizao do magistrio, que

    vigora desde 2007 e est previsto para perdurar at 2020, mudanas substanciais

    ocorram, em especial com a diminuio das desigualdades regionais, estabelecendo

    patamares mnimos para universalizao de qualidade do nvel de ensino em

    estudo. Contudo, ainda falta transparncia pblica na divulgao de dados quanto

    sua implementao e os cidados carecem de mecanismos para controlar esta

    diretamente. O Estado no pode se eximir de sua responsabilidade, mesmo porque,

    a educao bsica est inserida na ideia do mnimo existencial.

    Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito Educao. Educao Bsica.

    Financiamento. Fundeb.

  • Abstract

    The history of the right to basic education in Brazil and the analysis of the legal

    ordenament in force demonstrate positive evolution in its protection and

    effectiveness. It is important because this is the education level is directed to the

    commom formation indispensable to the citizenship, to the self development and the

    improvement of ways to progress in labor and in subsequent studies. Despite that,

    there are barriers for this happen, in special the financial, without there is not how to

    assure the effectiveness of the basic education right. The Republic Constitution of

    1988 determined percentage of the tax income to the maintenance and development

    of education, with emphasis on the fundamental education. However, the successive

    politics of resources application are yet insufficient and do not have the imperative

    characteristic of continuity. The expectative is that with the Fundeb, fund of

    countable nature to the maintenance and development of the basic education and

    the teaching valorization, implemented in 2007 and to be apply until 2020, changes

    will occur, in special the diminution of the regional inequality, establishing the

    minimum level to the universalization with quality of the education object of this

    study. The problem is that there is not public transparency on divulging data about its

    implementation yet and the citizens do not have mechanism to control it directly. The

    State cannot exempt from its responsibility, in truth, the basic education is included

    on the minimum existential idea.

    Keywords: Constitucional Law. Right to Education. Basic Education. Financial.

    Funbeb.

  • Lista de Tabelas

    Tabela 1 Quadro Direito Constitucional Anterior .............................................. 101

    Tabela 2 Quadro de controle das entregas dos relatrios referentes a

    receitas e despesas com os Fundos, Fundef e Fundeb, nos anos de

    2005 a 2008, pelos Estados..........................................................

    126

    Tabela 3 Quadro Totais de UF's transmitidas por Situao e Perodo........... 126

    Tabela 4 Quadro Demonstrativo do Rio Grande do Sul das Receitas e

    Despesas com o Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da

    Educao Bsica e de Valorizao dos Profissionais da Educao

    FUNDEB - Perodo de Referncia 2008......................................

    127

    Tabela 5 Quadro 2 de controle das entregas dos relatrios referentes a

    receitas e despesas com os Fundos, Fundef e Fundeb, nos anos

    de 2005 a 2008, pelos Estados.........................................................

    128

    Tabela 6 Quadro Totais 2 de UF's transmitidas por Situao e

    Perodo..........................................................................................

    128

  • Lista de Siglas

    ADCT Ato das Disposies Constitucionais Transitrias

    ANEB Avaliao Nacional da Educao Bsica

    ANRESC Avaliao Nacional do Rendimento Escolar

    CGU Controladoria Geral da Unio

    DIEESE Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos

    ECA Estatuto da Criana e do Adolescente

    ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio

    FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao

    FPE Fundo de Participao dos Estados

    FPM Fundo de Participao dos Municpios

    FUNDEB Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de

    Valorizao dos Profissionais da Educao

    FUNDEF Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

    Valorizao do Magistrio

    IBED ndice Brasileiro de Desenvolvimento da Educao

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    ICMS Imposto sobre Operaes Relativas Circulao de Mercadorias e

    sobre Prestaes de Servios de Transporte Interestadual e

    Intermunicipal e de Comunicao

    IDH ndice de Desenvolvimento Humano

    IE Imposto sobre Exportao, para o exterior, de produtos nacionais ou

    nacionalizados

    II Imposto sobre Importao de Produtos Estrangeiros

    INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

    IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    IPTU Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana

    IPVA Imposto sobre Propriedade de Veculos Automotores

    IR Imposto sobre Renda e Proventos de qualquer Natureza

    ISS Imposto sobre Servios de qualquer Natureza

    ITBI Imposto sobre Trasmisso inter vivos, a qualquer Ttulo, por Ato

    Oneroso, de Bens Imveis, por Natureza ou Acesso Fsica, e de

  • Direitos Reais sobre Imveis, Exceto os de Garantia, bem como

    Cesso de Direitos a sua Aquisio

    ITCMD Imposto sobre Transmisso causa mortis e doao, de quaisquer Bens

    ou Direitos

    ITR Imposto sobre Propriedade Territorial Rural

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    MEC Ministrio da Educao

    OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    PDE Plano de Desenvolvimento da Educao

    PME Pesquisa Mensal do Emprego

    PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio

    PNE Plano Nacional da Educao

    PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    SAEB Sistema de Avaliao da Educao Bsica

    SIOPE Sistema de Informao sobre Oramentos Pblicos em Educao

    UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia (do ingls United Nations

    Childrens Fund)

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cultura e o

    Desporto (do ingls United Nations Education, Science and Culture

    Organization)

    USAID United States Agency for International Development

  • Sumrio

    INTRODUO......................................................................................... 16

    1 EDUCAO BSICA NO CONSTITUCIONALISMO

    BRASILEIRO............................................................................................

    20

    1.1 Consideraes Preliminares.................................................................... 20

    1.2 Direito Educao nas Constituies Brasileiras.................................... 32

    1.2.1 A Educao na Carta do Imprio, 1824............................................................. 32

    1.2.2 A Educao na Constituio de 1891................................................................ 37

    1.2.3 A Educao na Constituio de 1934................................................................ 41

    1.2.4 A Educao na Carta de 1937........................................................................... 43

    1.2.5 A Educao na Constituio de 1946................................................................ 44

    1.2.6 A Educao na Carta de 1967 e na Emenda n 1, de 1969............................... 49

    1.3 Nomenclaturas dos Nveis da Educao na Histria Nacional................ 51

    2 TUTELA JURDICA DO DIREITO EDUCAO BSICA VIGENTE

    NO BRASIL..............................................................................................

    54

    2.1 A Educao na Constituio de 1988...................................................... 54

    2.1.1 Conceito e Finalidades do Direito Educao na Constituio de 1988.......... 53

    2.1.2 Princpios Bsicos da Educao........................................................................ 60

    2.1.3 A Responsabilidade pela Concretizao do Direito Educao....................... 68

    2.1.4 Educao como Direito Fundamental Social...................................................... 72

    2.1.5 A Interdependncia entre Educao e Cidadania.............................................. 76

    2.1.6 Educao e Democracia.................................................................................... 81

    2.2 A Educao na Legislao Infraconstitucional......................................... 83

    2.3 Consideraes sobre a Tutela Jurdica do Direito Educao Bsica... 87

    2.4 Aplicao das Ideias de Paulo Freire ao Direito Educao................. . 90

    3 O FINANCIAMENTO DA EDUCAO BSICA...................................... 93

    3.1 A Indispensabilidade de Recursos para a Efetivao do Direito

    Educao Bsica......................................................................................

    93

    3.1.1 O Financiamento da Educao Bsica no Ordenamento Jurdico Brasileiro e

    a Poltica dos Fundos.........................................................................................

    99

  • 3.2 O Fundeb: o Modelo Vigente para o Financiamento da Educao

    Bsica.......................................................................................................

    113

    3.2.1 Principais Aspectos do Fundeb.......................................................................... 113

    3.2.1.1 O Controle de Implementao do Fundeb............................................................... 120

    3.2.2 Anlise dos Dois Primeiros Anos do Fundeb e a Insuficincia de Mecanismos

    de Controle Diretos pelos Cidados...................................................................

    123

    3.3 Perspectivas sobre o Cenrio Atual do Financiamento da Educao

    Bsica: a Cidadania Modelando o Estado...............................................

    130

    CONCLUSES........................................................................................ 136

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................ 143

    Obras Citadas.......................................................................................... 143

    Documentos Eletrnicos.......................................................................... 150

    Obra Consultada...................................................................................... 154

    ANEXO: O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO NOVA

    (1932).......................................................................................................

    155

  • 16

    Introduo

    O tema desta Dissertao no foi concebido como ora se apresenta. A primeira ideia

    era estabelecer qual a importncia da educao para a construo da cidadania, j

    que diversos textos analisados para as disciplinas do Mestrado ressaltavam, ainda

    que indiretamente, a relao entre os institutos. Posteriormente, pensou-se em

    realizar o levantamento dos elementos internos e externos ao sistema educacional

    brasileiro que o prejudicam e/ou inviabilizam a prestao do servio educacional

    com equidade e qualidade.

    A partir dessas ideias, foram realizados diversos cortes epistemolgicos para

    viabilizar uma pesquisa que de fato pudesse resultar em uma contribuio maior

    para a academia e, em especial, para a questo da Educao no Brasil, sem que se

    perdesse em elementos j estudados em diversas obras.

    Desse modo, definiu-se o horizonte terico a ser desvendado: a tutela conferida ao

    direito educao bsica no ordenamento jurdico brasileiro, em especial no mbito

    constitucional, e a anlise do elemento que se destaca como o principal obstculo

    para a sua concretizao, qual seja o seu financiamento pblico. A nfase ser,

    como no poderia deixar de ser, na educao pblica, pois os dados estatsticos

    revelam que a rede pblica atende a maioria dos estudantes e tambm pelo fato,

    como ser estudado, da importncia do Estado em assegurar a concretizao do

    direito educao para todos.

    Trata-se de tema que perpassa diversas reas do saber: a cincia jurdica, que

    estabelece os parmetros necessrios para a efetivao do direito educao; a

    pedagogia, que auxilia na compreenso de conceitos e na comprovao da

    importncia do processo educacional na vida de todos; e a sociologia, que torna

    evidente o modo como se d a relao entre a legislao e a realidade social.

    No se pode olvidar ainda da importncia da cincia poltica e da economia para o

    tema, tendo em vista que as questes atinentes a aplicao de recursos estatais

    para a materializao de direitos por meio de polticas pblicas, depende, em grande

  • 17

    parte, das decises polticas governamentais e de questes econmicas. possvel,

    inclusive, identificar no bojo da sociedade caractersticas de poltica e de economia

    educacionais.

    Isso posto, constata-se que o tema objeto de pesquisa atende s exigncias do

    Programa de Ps-Graduao em Direito Poltico e Econmico da Universidade

    Presbiteriana Mackenzie, ao qual neste momento apresentado. Esse Programa

    considera a importncia do estudo profundo e cientfico acerca de temas relevantes

    na sociedade contempornea e, para tanto, se subdivide em duas linhas de

    pesquisa: A Cidadania Modelando o Estado e Poder Econmico e seus Limites

    Jurdicos.

    O direito educao bsica e o problema do seu financiamento vincula-se, em

    especial, com a primeira linha de pesquisa. A vertente A Cidadania Modelando o

    Estado tem por escopo compreender o conceito de cidadania, os direitos

    englobados neste conceito e seu elo com os direitos fundamentais, alm da busca

    de mecanismos prticos para a sua promoo. Aborda tambm questionamentos

    sobre o prprio papel do Estado Democrtico de Direito no sentido de concretizar

    estes institutos.

    O direito educao considerado como um dos elementos centrais na construo

    deste Estado. Trata-se de direito compreendido ainda como um dos mecanismos de

    maior potencial de transformao individual e coletivo, em especial os primeiros

    anos de estudo. Seu elo com a cidadania e a democracia intenso e, por todos

    esses motivos, sua materializao deve ser meta de Estado.

    A justificativa social da pesquisa proveniente do fato de que no Brasil a efetivao

    deste direito encontra, de maneira comprovada e de extrema clareza, dificuldades

    quantitativas e, principalmente, qualitativas, o que no pode ser aceito, mesmo

    porque o ordenamento jurdico tutela o direito educao bsica como prioridade.

    Para a sociedade, relevante que seja identificado o motivo central do

    descompasso entre lei e realidade. Ainda mais quando este diagnstico pode voltar-

  • 18

    se para a elaborao ou reviso das medidas necessrias para superar o problema,

    em prol da concretizao do direito educao bsica para todos.

    Assim, tem-se formulado o problema de pesquisa: como se d o financiamento da

    educao bsica? Este problema decorre dos seguintes questionamentos: se h a

    previso do direito educao bsica, qual o principal obstculo para a sua

    concretizao? Em outras palavras, por que apesar da tutela jurdica, o Brasil ainda

    no apresenta por meio de estatsticas e dados resultados satisfatrios quanto

    efetivao desse direito? Ou ainda: por que as crianas e adolescentes de hoje ao

    serem avaliados, demonstram que a maioria deles no aprende nas escolas e no

    se sente motivada? O que falta para que no haja repetncia e evaso escolar?

    Seriam recursos?

    A hiptese volta-se, como evidencia o tema anteriormente proposto, insuficincia

    do financiamento da educao bsica. Aparentemente a poltica e a economia

    educacionais no tm sido capazes de proporcionar a efetivao desse direito.

    inquestionvel que a materializao dos direitos sociais, como o caso do direito

    educao, passa pela necessidade de recursos.

    Para verificar se esta hiptese verdadeira, algumas questes devem ser

    consideradas. A principal a forma pela qual o direito educao bsica e seu

    respectivo financiamento foram delineados na histria do constitucionalismo

    nacional. Esta anlise constitui o objetivo geral desta Dissertao.

    So decorrentes desse objetivo geral, trs objetivos especficos. O primeiro

    levantar os principais aspectos histricos que poderiam justificar a situao da

    concretizao (ou sua falta) do direito educao bsica no Brasil, bem como que

    possibilitem evidenciar as diversas formas de concepo deste direito e as variaes

    de nomenclatura na linha do tempo. Trata-se da matria do primeiro captulo.

    O segundo estudar a tutela jurdica do direito educao bsica em vigor,

    sobretudo na Constituio da Repblica Federativa de 1988 e na Lei de Diretrizes e

    Bases da Educao Nacional, Lei n 9394/96. Este objetivo espec fico tambm

    compreende trazer tona o vnculo entre o instituto em apreo e a cidadania e a

  • 19

    democracia, demonstrando-se desta maneira ainda mais o seu valor social e a

    consequente necessidade de sua concretizao. Trata -se do objeto do segundo

    captulo.

    A partir dessas abordagens, pretende-se atingir, no captulo final, a terceira meta:

    identificar o vigente modelo de financiamento da educao bsica, traar seus

    principais contornos e verificar quais os mecanismos disponveis para que o cidado

    fiscalize diretamente sua implementao.

    aqui que se encontra destacada a justificativa cientfica da pesquisa, pois, como

    ser assinalado, o modelo atual de financiamento da educao bsica data de 2007,

    existindo poucas obras sobre o mesmo, de modo a conduzir a pesquisa ao plano da

    legislao sobre o tema e das informaes oficiais divulgadas em rede eletrnica.

    Reconhecida a importncia do direito educao, estudos sobre tema de tamanha

    atualidade podem contribuir para a compreenso deste mecanismo de

    financiamento e, qui, se for o caso, seu aprimoramento e reviso ainda no perodo

    de sua implementao.

    Por fim, insta ressaltar a metodologia de pesquisa que ser desenvolvida para

    buscar atender esta expectativa, as finalidades suscitadas e para responder o

    problema exposto. Ela compreende tanto o levantamento orientado de referncias

    bibliogrficas dos diversos campos apontados, quanto consulta a pginas e

    documentos eletrnicos.

    Neste aspecto, sobreleva a importncia das mencionadas referncias eletrnicas

    oficiais disponibilizadas pelo Estado, tais como os dados encontrados na pgina do

    Ministrio da Educao e do Desporto e na pgina do Fundo Nacional do

    Desenvolvimento da Educao, abordadas segundo perspectiva crtica.

  • 20

    1 Educao Bsica no Constitucionalismo Brasileiro

    1.1 Consideraes Preliminares

    Se por um lado o Brasil est entre os pases considerados de Alto Desenvolvimento

    Humano1, por outro apresenta elevados ndices de desigualdade social que se

    expressam em diversos fatores, como na educao.

    Precariedade, este talvez seja um dos adjetivos mais adequados para assinalar a

    questo da efetivao2 do direito educao no Brasil. Essa afirmao

    preocupante, pois este direito fundamental e sua insuficincia se reflete em

    diversas mazelas da sociedade. A precariedade educacional est na raiz de muitos

    outros problemas sociais que envolvem a juventude.3

    1 Em 2007, o Brasil ficou na posio de nmero 70 no rank ing entre os 177 pases e territrios

    analisados pelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento. No ano de 2008 foram analisados 179 pases e territrios e o pas manteve-se na mesma posio. (Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento. Disponvel em: http://www.pnud.org.br/arquivos/release_idh.pdf.

    Acesso em: 28 maio 2008; e IDH do Brasil cresce; pas 70 no rank ing. Disponvel em: http://www.pnud.org.br/pobreza_desigualdade/reportagens/index.php?id01=3119&lay=pde. Acesso em: 11 abr. 2009). O ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) calculado com base na expectativa

    de vida, na taxa de alfabetizao de adultos, no nmero de matrculas e no PIB per capita. O IDH varia de 0 a 1 e, nos anos indicados, o pas atingiu 0,800 e 0,807, respectivamente. Comparados os dados do perodo compreendido entre 1990 e 2007, observa-se evoluo positiva, apesar dos

    elementos avaliados no serem suficientes para indicar a melhoria na qualidade de vida das pessoas e do fato do pas ser um dos que possui maiores patamares de desigualdade socia l, conforme afirmado. Neste sentido, h tambm quem critique a situao brasileira quando em comparao com

    outros pases da Amrica Latina: ao ingressar no grupo de pases de alto desenvolvimento humano, o Brasil marca o incio, mesmo que simblico, de uma nova trajetria e de um novo conjunto de aspiraes. O olhar deve voltar-se ao desempenho do conjunto de pases latino-americanos que tm

    um desenvolvimento superior ao brasileiro, incluindo Argentina, Chile, Uruguai, Costa Rica, Cuba e Mxico. O Brasil possui indicadores de desenvolvimento humano inferiores em quase todas as dimenses. (Brasil entra no grupo de pases de alto IDH: com ndice de Desenvolvimento Humano

    em alta desde 1975, pas fica entre os 70 que tm nvel mnimo para integrar o topo do rank ing. Disponvel em: http://www.pnud.org.br/pobrezadesigualdade/reportagens/index.php?id01= 2823&lay =pde. Acesso em: 13 nov. 2008). 2 A doutrina distingue eficcia e efetividade das normas. A primeira entendida como a eficcia

    jurdica, isto , a aplicabilidade, a exigibilidade e executoriedade das normas. Efetividade , por sua vez, a eficcia social, a materializao das normas. Entretanto, com o Ingo Wolfgang Sarlet, h

    doutrinadores que entendem que estes so fenmenos complementares: ... uma norma somente ser eficaz (no sentido jurdico) por ser aplicvel e na medida de sua aplicabilidade. Assim, sempre que fizermos referncia ao termo eficcia jurdica, f-lo-emos abrangendo a noo de aplicabilidade

    que lhe inerente e dele no pode ser dissociada. (A Eficcia dos Direitos Fundamentais . 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 246). 3 Os limites da nossa linguagem so os limites do nosso mundo. In Revista Mackenzie, So Paulo,

    ano IX, n. 41, p. 22-24, 2008. p. 23.

    http://www.pnud.org.br/arquivos/release_idh.pdfhttp://www.pnud.org.br/pobreza_desigualdade/reportagens/index.php?id01=3119&lay=pdehttp://www.pnud.org.br/pobrezadesigualdade/reportagens/index.php?id01=%202823&lay%20=pdehttp://www.pnud.org.br/pobrezadesigualdade/reportagens/index.php?id01=%202823&lay%20=pde

  • 21

    O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP)

    desenvolve anualmente o Censo Escolar da Educao Bsica. So levantados

    dados sobre nmero de matrculas, professores, estabelecimentos, transporte

    escolar, movimento e rendimento em todas as etapas da educao bsica. O INEP

    considera tambm taxas de aprovao, reprovao e abandono escolar.4

    Os dados mais recentes foram publicados em janeiro de 2009, tendo como

    referncia o ano de 2008. O resultado da pesquisa registrou o elevado nmero de

    crianas e jovens que se encontram matriculados nas escolas pblicas e privadas.

    Houve, inclusive, um aumento quando comparados aos ndices de 2008; ano

    referncia 2007.

    O Censo Escolar da Educao Bsica de 2008 constatou que estavam matriculados

    53.232.868 estudantes na Educao Bsica, dos quais 46.131.825 em escolas

    pblicas (86,7% do total de alunos) e 7.101.043 em escolas privadas

    (correspondendo a 13,3%). A maior parte dos alunos estava vinculada s redes

    municipais de ensino, totalizando 24.500.852 matrculas (46%).5

    Mas essa quantidade, que indica a quase universalizao do ensino bsico, no

    suficiente. A maior parte da populao possui poucos anos de estudo, h srios

    problemas de analfabetismo e, ainda, pssima qualidade no servio educacional.

    No bastasse, quando considerados elementos como a incluso das minorias, os

    resultados so ainda mais alarmantes.

    Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD) de 2007,

    realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) e analisada pelo

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA), entre as pessoas com quinze

    anos ou mais, o nmero mdio de anos de estudo foi de apenas 7,3 anos. Esse

    nmero entre a populao urbana possui a mdia de 8,5 anos e entre a populao

    4 Os dados coletados pelo Instituto so a base que o Ministrio da Educao possui para definir a

    destinao de recursos do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e dos

    Profissionais da Educao, Fundeb, e dos programas educacionais do Fundo Nacional da Educao, FNDE. A questo do financiamento ser abordada especificamente no terceiro captulo. 5 Censo 2008 mostra estabilidade na matrcula. Disponvel em: http://www.inep.gov.br/imprensa/

    noticias/censo/escolar/news09_01.htm. Acesso em: 14 abr. 2009.

    http://www/

  • 22

    rural a mdia cai para 4,5 anos6. Conforme indicadores sociais de 2006, no Brasil

    ainda existem 14,9 milhes de analfabetos e 23,6 milhes de analfabetos

    funcionais.7

    A dificuldade em aprender e o baixo rendimento dos alunos matriculados na rede de

    ensino tambm so notrios, em especial nas escolas pblicas. Dados divulgados

    pelo Ministrio da Educao, e por outros rgos de pesquisa, atestam a falta de

    qualidade do ensino bsico no pas.

    Neste sentido, por exemplo, os resultados do Sistema de Avaliao da Educao

    Bsica (SAEB), do ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica (IDEB),

    indicador criado em 2007 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

    Educacionais (INEP), e do Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM).

    O SAEB compreende duas perspectivas, a Avaliao Nacional da Educao Bsica

    (ANEB) e a Avaliao Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC). O primeiro

    realiza diagnstico desse nvel de ensino em toda a rede pblica e denominado

    genericamente de SAEB nas publicaes oficiais. O segundo mais detalhado, pois

    divulga resultados de cada unidade escolar, sendo conhecido tambm como Prova

    Brasil. J o IDEB analisa o fluxo escolar e o desempenho nas avaliaes, tomando

    por base o Censo Escolar e os dados do SAEB, alm de avaliaes gerais do INEP.

    Divulgado em 09 de junho de 2009 pelo Fundo das Naes Unidas para as Crianas

    (UNICEF), o estudo O Direito de Aprender: Potencializar Avanos e Reduzir

    Desigualdades8 considerou estes indicadores educacionais e os comparou com

    referente internacional, concluindo que, nas ltimas duas dcadas, o Brasil quase

    atingiu a universalizao da educao bsica e h melhoras, entretanto:

    6 Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada. Comunicado da Presidncia. PNAD 2007: Primeiras

    Anlises. Educao, Juventude, Raa/Cor. v. 4. n. 12. Disponvel em: http://www.ipea.gov.br. Acesso em: 17 out. 2008. 7 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio.

    Disponvel em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2006/ comentarios2006.pdf. Acesso em: 22 maio 2008. Analfabeto a pessoa que no sabe ler e escrever. Por analfabeto funcional, entende-se a pessoa que l e escreve, mas com limitaes, posto que sua

    capacidade de entendimento restrita aos textos atrelados sua profisso. 8 SILVA, Maria de Salete; ALCNTARA, Pedro Ivo (coords.). O Direito de Aprender: Potencializar

    avanos e reduzir desigualdades. Braslia, DF: UNICEF, 2009. Disponvel em:

    http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_14927.htm. Acesso em: 11 jun. 2009.

    http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2006/%20comentarios2006.pdfhttp://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2006/%20comentarios2006.pdfhttp://www.unicef.org/brazil/pt/resources_14927.htm

  • 23

    Os resultados das avaliaes realizadas, em especial os revelados pelo Ideb, apontam deficincias e desigualdades de aprendizagem tanto entre comunidades, municpios, estados e regies brasileiras, quanto em relao a outros pases. Os resultados do Pisa, programa internacional de avaliao comparada mantido pela OCDE, que mede o conhecimento de alunos na faixa dos 15 anos para avaliar a efetividade dos sistemas educacionais, colocam o Brasil entre os pases com os mais baixos ndices de desempenho em Leitura, Matemtica e Cincias. De acordo com os resultados da avaliao de 2006, mais de 40% dos estudantes brasileiros tiveram desempenho igual ou inferior ao nvel 1, o mais baixo do Pisa. 9

    O ENEM , por sua vez, uma prova anual para estudantes que esto concluindo ou

    concluram o ensino mdio. Apesar de ser voluntrio, a adeso ao mesmo cada

    vez maior, mesmo porque diversas instituies de ensino superior aceitam seu

    resultado como critrio de avaliao para ingresso em seus cursos.10

    9 SILVA, Maria de Salete; ALCNTARA, P edro Ivo (coords.). O Direito de Aprender: Potencializar

    avanos e reduzir desigualdades. Braslia, DF: UNICEF, 2009. Disponvel em: http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_14927.htm. Acesso em: 11 jun. 2009. p. 33. 10

    A tendncia aumentar a adeso ao Enem, pois o Ministrio da Educao apresentou em 2009

    uma proposta a instituies de ensino superior, pblicas e privadas, para usar o novo Enem como parte de seu processo seletivo ou aderir ao Sistema de Seleo Unificada, em que o exame seria utilizado como fase nica. A inteno oferecer um sistema de avaliao que privilegie a capacidade

    crtica e analtica dos estudantes em detrimento dos atuais modelos de vestibulares que valorizam sobremaneira a memorizao de contedos do ensino mdio. O novo Enem combinar a forma de abordagem do atual Enem com a abrangncia dos contedos cobrados pelo vestibular, explicou

    Haddad. Para o ministro, a seleo pelo novo Enem permitir reformular os contedos ensinados no ensino mdio, que hoje esto pautados pelas provas dos vestibulares. (MACHADO, Maria Clara. Processo seletivo unificado deve comear em outubro. Disponvel em: http://portal.mec.gov.br

    /index.php?option=comcontent&view=article&id=index.php?option=comcontent&view=article&id=310 processo-seletivo-unificado-deve-comecar-em-outubro&catid=212&Itemid=8 6. Acesso em: 11 abr. 2009). Enquanto o projeto ainda estava em discusso, segundo pesquisa realizada pela Revista Veja

    com 55 reitores das Universidades Federais, 51 destes pretendem aplicar o modelo. Ainda de acordo com a pesquisa, destes reitores que aprovam o novo Enem 25 querem que a adoo se d ainda em 2009. Entre as faculdades particulares, pelo menos 500 tambm vo aderir j. Isso 25% do total.

    (PEREIRA, Camila; WEINBERG, Monica; BETTI, Renata. Vestibular: vai mudar tudo, menos o mrito. In Revista Veja. ed. 2108. ano. 42. n. 15. So Paulo: Abril, 15 abr. 2009. p. 70-79. p. 72). De fato, em maio de 2009 foi aprovado o novo ENEM, mediante Portaria (Portaria ENEM 2009, publicada em 28

    de maio de 2009). O modelo novo traduz exatamente o ideal supra mencionado de transformar a prova em processo seletivo. Segundo dados oficiais: O novo Enem manter a caracterstica de ser um exame voluntrio. Alunos concluintes do ensino mdio e pessoas que terminaram este nvel de

    ensino em anos anteriores, os chamados egressos, ainda podem realizar a prova. A novidade que a prova vai valer tambm para certificao de concluso do ensino mdio, o que torna o Enem tambm uma oportunidade para cidados sem diploma nesse nvel de ensino, desde que na data de

    realizao da prova tenham 18 anos, no mnimo. As mdias do Enem podero ser usadas no vestibular das instituies federais de ensino e tambm em processos seletivos de cursos profissionalizantes ps-mdios. A partir do ano que vem, a avaliao vai medir ainda o desempenho

    acadmico dos estudantes ingressantes nas instituies de ensino superior. (BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira. Definida toda a logstica do Enem 2009. Disponvel em: http://www.inep.gov.br/imprensa/noticias/enem/news09_ 05.htm. Acesso em: 11

    jun. 2009).

    http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_14927.htmhttp://www.inep.gov.br/imprensa/noticias/enem/news09_%2005.htm

  • 24

    Segundo dados oficiais:

    Seu objetivo principal possibilitar uma referncia para auto-avaliao, a partir das competncias e habilidades que estruturam o Exame. O modelo de avaliao adotado pelo Enem foi desenvolvido com nfase na aferio das estruturas mentais com as quais construmos continuamente o conhecimento e no apenas na memria, que, mesmo tendo importncia fundamental, no pode ser o nico elemento de compreenso do mundo. Diferentemente dos modelos e processos avaliativos tradicionais, a prova do Enem interdisciplinar e contextualizada. Enquanto os vestibulares promovem uma excessiva valorizao da memria e dos contedos em si, o Enem coloca o estudante diante de situaes-problemas e pede que mais do que saber conceitos, ele saiba aplic-los. O Enem no mede a capacidade do estudante de assimilar e acumular informaes, e sim o incentiva a aprender a pensar, a refletir e a saber como fazer. Valoriza, portanto, a autonomia do jovem na hora de fazer escolhas e tomar decises.11

    A prova tem, deste modo, a meta de avaliar como o conhecimento aprendido pelo

    aluno em sua formao bsica o auxilia para solucionar problemas prticos,

    observada, portanto, a capacidade de raciocnio dos examinados. Isto porque

    aprender a aplicar os tpicos do currculo escolar um elemento de educao de

    qualidade.

    Ocorre que os resultados referentes ao ano de 2007 revelaram que a mdia nacional

    no atinge ndices aceitveis de aprendizado e raciocnio. Em uma escala que vai de

    zero at cem, a mdia nacional, consideradas prova objetiva e redao, de 51,265.

    Este ndice cai para 48,081 quando se trata apenas das escolas pblicas. O Estado

    de So Paulo apresenta os ndices de 52,711 e 48,337, respectivamente.12

    Desse modo, o sistema educacional brasileiro no viabiliza para cerca de 50% dos

    alunos da educao bsica os conhecimentos mnimos indispensveis para a

    soluo de problemas simples.

    11

    Enem: um Exame Diferente. Disponvel em: http://www.enem.inep.gov.br/index.php?Option=com

    _content&task=view&id=12&Itemid=34. Acesso em: 31 maio 2008. 12

    Dados disponveis em: http://www.enem.inep.gov. br. Acesso em: 31 maio 2008. Os ndices consolidados referentes ao ano 2008 ainda no foram disponibilizados na ntegra na pgina oficial do

    exame.

    http://www.enem.inep.gov.br/index.php?Option=com%20_content&task=view&id=12&Itemid=34http://www.enem.inep.gov.br/index.php?Option=com%20_content&task=view&id=12&Itemid=34

  • 25

    Alm disso, vale ressaltar que, em 2008, pela primeira vez, o Banco Mundial13

    calculou o ndice de Oportunidades Humanas, uma medida para a desigualdade de

    oportunidades nos servios bsicos para as crianas.

    Os resultados foram divulgados em um relatrio denominado: Medindo a

    Desigualdade de Oportunidades na Amrica Latina e no Caribe14 e tiveram como

    base dados coletados em dezenove pases da Amrica Latina e no Caribe durante o

    perodo compreendido entre 1995 e 2005.

    O ndice considera quantas oportunidades bsicas esto disponveis e com que grau

    de equidade elas esto distribudas para as pessoas mais vulnerveis da sociedade:

    as crianas. Por oportunidades bsicas, entende-se:

    um subgrupo de bens e servios para as crianas, como o acesso educao, gua potvel, vacinas, que so primordiais para determinar as oportunidades para o avano econmico na vida. (...) As cinco variveis de oportunidades bsicas consideradas foram: completar a sexta srie no tempo devido, permanncia na escola entre 10 e 14 anos, acesso a gua, eletricidade e saneamento. 15

    No Brasil, os dados revelaram que a disponibilidade e a equidade na distribuio de

    oportunidades esto abaixo de 50%. O acesso ao estudo no pas um dos piores

    13

    Diversas estatsticas so veiculadas relacionando educao e economia. Em muitos casos h uma viso reducionista: estabelece-se a importncia da educao na medida em que esta promove

    benefcios estritamente individuais de ascenso social. No este o entendimento abordado neste trabalho. Deve-se sempre valorizar o contedo humanstico da educao, que representa um dos direitos que, concretizado, beneficia o indivduo, lhe proporcionando o desenvolvimento de suas

    potencialidades, a incluso na sociedade e no mercado, alm contribuir para a que a sociedade evolua positivamente. Trata-se assim, como ser explorado adiante, de direito de cunho individual e coletivo. Diante dessas afirmaes importante registrar o fato de ter sido o Banco Mundial o

    responsvel pela pesquisa em apreo, pois adiante o relatrio especificar que as oportunidades so diretamente vinculadas ao avano econmico na vida. A este deve ser cumulado, segundo o contedo humanstico mencionado, a possibilidade de avano nos demais setores da vida. 14

    O relatrio em espanhol localizado na pgina eletrnica do Banco Mundial. BARROS, Ricardo Paes de; FERREIRAS, Francisco H. G. Francisco; VEJA, Jose R. Molinas; CHANDUVI, Jaime Saavedra. Midiendo da Desigualdade de Oportunidades en Amrica Latina y el Caribe. Washington,

    DC, EEUU: Banco Mundial, 2008. Disponvel em: www.bancomundial.org/alc. Acesso em: 4 out. 2008. 15

    Ibid., p. 17 e 21. Texto original: un sub-grupo de bienes y servicios para nios, como el acceso a la

    educacin, agua potable, o vacunaciones, que son primordiales para determinar las oportunidades para el avance econmico en la vida. (...) Las cinco variables de oportunidades bsicas consideradas fueron: completar el sexto grado en el tiempo debido, asistencia a la escuela entre 10 y 14 aos,

    acceso a agua, electricidad y saneamiento... (traduo livre).

    http://www.bancomundial.org/alc

  • 26

    aspectos quando comparado aos ndices das outras localidades analisadas. Na

    escala que varia entre zero e cem, o Brasil obteve 67 pontos.

    Com isso, ficou com a dcima quinta posio no ranking dos pases no Chile,

    primeiro colocado da lista, o ndice obtido foi de 90 pontos.16

    Assim, perante pases da Amrica Latina, o Brasil apresenta ndices muito baixos.

    Estes so agravados, quando consideradas as desigualdades regionais internas e

    as parcelas mais vulnerveis da sociedade relacionadas com as questes tnico-

    raciais e as necessidades especiais de muitas pessoas.17

    Ademais, no Brasil, h muitas crianas e jovens que ainda esto fora da escola, seja

    pela falta de professores ou de estabelecimentos de ensino, seja por necessidade

    de trabalhar. Sobre este aspecto insta observar que apesar de a legislao

    estabelecer idade mnima de quatorze anos para o acesso ao mercado de trabalho e

    na condio de aprendiz, o trabalho infantil uma realidade nacional.

    De acordo com Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD) do ano de

    2007, so 2.500.842 de crianas e jovens de 5 a 15 anos trabalhando, o que

    corresponde a 6,6% do total nessa faixa etria. Quando considerados as crianas e

    adolescentes de 5 a 17 anos, o incide sobe para 11%. E mais:

    A maioria das crianas no recebe rendimento pelo seu trabalho: 65% das crianas trabalhadoras que estudam e 45% das que no estudam tm rendimento zero. Das crianas de 7 a 15 anos que trabalham e recebem salrio, o salrio mensal mdio das que estudam de R$ 151, enquanto o das que no freqentam a escola de R$ 226.18

    16

    BARROS, Ricardo Paes de; FERREIRAS, Francisco H. G. Francisco; VEJA, Jose R. Molinas; CHANDUVI, Jaime Saavedra. Midiendo da Desigualdade de Oportunidades en Amrica Latina y el

    Caribe. Washington, DC, EEUU: Banco Mundial, 2008. Disponvel em: www.bancomundial.org/alc. Acesso em: 4 out. 2008. p. 24. 17

    Neste sentido, vide: SILVA, Maria de Salete; ALCNTARA, Pedro Ivo (coords.). O Direito de

    Aprender: Potencializar avanos e reduzir desigualdades. Braslia, DF: UNICEF, 2009. Disponvel em: http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_14927.htm. Acesso em: 11 jun. 2009. Apesar da importncia inquestionvel, no sero feitas muitas consideraes sobre essas questes, tendo em vista a

    delimitao temtica desta Dissertao. 18

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada. Comunicado da Previdncia. Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio. Primeiras Anlises: Mercado de Trabalho, Trabalho Infantil e Previdncia. v. 2.

    n. 10. 30 setembro 2008. Disponvel em: http://www.ipea.gov.br/default.jsp. Acesso em: 30 set. 2008.

    http://www.bancomundial.org/alchttp://www.unicef.org/brazil/pt/resources_14927.htm

  • 27

    As causas desses problemas no so atuais. Razes histricas conduziram s

    dificuldades, em especial as qualitativas, que a educao enfrenta no Brasil. Isto

    porque a educao est inserida no contexto maior da prpria formao do Estado

    brasileiro, e, portanto, a poltica educacional reflexo das decises polticas e

    econmicas tomadas neste processo.

    Para Florestan Fernandes, os problemas educacionais no so neutros diante dos

    demais problemas sociais nacionais. Entrosam-se com les e so, com freqncia, o

    ponto de partida para o seu reconhecimento e a sua soluo.19

    Nota-se que a histria nacional marcada por anos de submisso ao colonizador e,

    depois, por uma independncia que se fez acompanhar pela fragilidade das

    instituies e por uma democracia e cidadania que, alm de recentes, ainda so

    muito mais formais do que materiais.

    Neste contexto, a educao apenas recentemente passou a ser considerada como

    um problema nacional, j que outras questes foram consideradas como prioridade,

    como poder poltico e fatores econmicos; o elo entre poltica, economia e educao

    extremamente tnue. Conforme Otaza de Oliveira Romanelli:

    Assim como acontece com a cultura letrada e com a ordem econmica, a forma como se origina e evolui o poder poltico tem implicaes para a evoluo da educao escolar, uma vez que esta se organiza e se desenvolve, quer espontaneamente, quer deliberadamente, para atender aos interesses das camadas representadas na estrutura do poder. Dessa forma, ainda que os objetivos verbalizados do sistema de ensino visem a atender aos interesses da sociedade como um todo, sempre inevitvel que as diretrizes realmente assumidas pela educao escolar favoream mais as camadas sociais detentoras de maior representao poltica nessa estrutura. Afinal, quem legisla, sempre o faz segundo uma escala de valores prprios da camada a que pertence, ou seja, segundo uma forma de encarar o contexto e a educao, forma que dificilmente consegue ultrapassar os limites dos valores inerentes posio ocupada pelo legislador na estrutura social. Da por que o poder poltico, vale dizer, a composio de foras nele representadas, tem atuao e responsabilidade direta na organizao formal do ensino. 20

    19

    Educao e Sociedade no Brasil. So Paulo: Dominus, 1966. p. 43. 20

    Histria da Educao no Brasil (1930/1973). 22. ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 1999. p. 29.

  • 28

    Segundo Jos Mario Pires Azanha, a conscientizao da educao como um

    desafio nacional provavelmente mais recente que a Repblica, pois antes desta as

    questes educacionais limitavam-se apenas ... formao dos filhos das famlias

    abastadas e ao recrutamento de funcionrios nas administraes colonial e imperial.

    Problemas esses no nacionais, mas bem localizados e a reclamarem solues

    especficas.21

    Com isso, necessrio se faz verificar qual o tratamento e recursos dispensados

    educao desde a colonizao. Durante este perodo, o trabalho educacional foi

    realizado pelos jesutas, primeiro por missionrios e clrigos, depois pel Companhia

    de Jesus e seus colgios voltados para os filhos de ndios e de portugueses; para os

    negros escravos no era destinada educao, pois que trazidos apenas para suprir

    as necessidades de mo-de-obra para o desenvolvimento das lavouras.

    A Igreja era extremamente interligada ao governo, apadrinhando o imperador, e com

    isso teve foras para manter o formato de educao por ela proposto entre 1549,

    ano em que os jesutas chegaram ao Brasil, e 1759. Catequizavam, alm de ensinar

    a ler, escrever e a realizar algumas atividades, tais como o servio de carpintaria.

    Apesar de os jesutas serem bem preparados e terem sua disposio bibliotecas,

    suas dificuldades eram mltiplas e geradas pela diversidade de lnguas e culturas,

    muitas destas frequentemente desrespeitadas. A educao atuava como um meio

    de controle dos nativos para a explorao econmica da colnia sem resistncias.

    Os jesutas objetivavam a catequese e, em especial, a formao de futuros

    missionrios, lderes religiosos e elite intelectual22, objetivo este que foi conquistando

    cada vez mais espao conferindo a educao certo status. Diante do pouco nmero

    de escolas, tal modelo atingiu nfima parcela da populao, tanto que:

    21

    Planos e Polticas de Educao no Brasil: alguns pontos para reflexo. In MENESES, Joo Gualberto de Carvalho (et all). Estrutura e Funcionamento da Educao Bsica. So Paulo: Pioneira, 1998. p. 102. 22

    Assim, os padres acabaram ministrando, em princpio, educao elementar para a populao ndia e branca em geral (salvo as mulheres), educao mdia para os homens da classe dominante, parte da qual continuou nos colgios preparando-se par ao ingresso na classe sacerdotal, e educao

    superior religiosa s para esta ltima. A parte da populao escolar que no seguia a carreira eclesistica encaminhava-se para a Europa, a fim de completar os estudos, principalmente na Universidade de Coimbra, de onde deviam voltar os letrados. (ROMANELLI, Otaza de Oliveira.

    Histria da Educao no Brasil (1930/1973). 22. ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 1999. p. 35).

  • 29

    Se fizermos um exerccio conjectural com nmeros provveis, de um lado a populao estimada em 1759 e, de outro, o nmero de alunos dos colgios e seminrios dos jesutas lembrando que os padres no atendiam em seus colgios: as mulheres (50% da populao); os escravos (cerca de 40%); os pardos e os negros livres, os filhos ilegtimos e as crianas abandonadas (estes dois ltimos somando mais de 50%) , concluiremos que mesmo entre os jovens brancos, homens, filhos legtimos e livres e os ndios aldeados, os alunos dos colgios jesuticos no passavam de 0,1% da populao da poca.23

    Em uma segunda fase, de 1759 at 1824, expulsos os jesutas pelo Marqus de

    Pombal, ministro do Rei Dom Jos I, o governo assumiu a atividade educacional,

    para torn-la laica e voltada para seus interesses polticos. Leigos comearam a ser

    introduzidos no ensino e o Estado assumiu, pela primeira vez, os encargos da

    educao.24

    A tentativa frutfera era de minimizar os efeitos da atuao daqueles que estavam a

    impedir escravizao indgena e a defender as aldeias formadas impossibilitando a

    livre demarcao de terras pelo governo. Este atuou, neste sentido, sob a influncia

    das ideias do Iluminismo e, em suma, pelo objetivo de diminuir o poder da Igreja.

    Entendia o governo ser esta uma medida necessria para controlar todos e tambm

    para evitar focos que levassem emancipao da populao, tendo criado, para

    tanto, um novo modelo educacional.25 Entretanto,

    23

    MARCLIO, Maria Luiza. Histria da Escola em So Paulo e no Brasil. So Paulo: Imprensa Oficial

    do Estado de So Paulo: Instituto Fernand Braudel, 2005. p. 3. 24

    ROMANELLI, Otaza de Oliveira. Histria da Educao no Brasil (1930/1973). 22. ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 1999. p. 36. 25

    Conforme Clvis Roberto dos Santos, consequncia deste novo modelo foi: a instituio das Aulas Rgias avulsas, com professores contratados por concurso e pagos pelo Errio Rgio (dinheiro da Coroa Portuguesa). Para isso foi criado o imposto sobre a carne e a pinga, o Subsdio Literrio, por

    uma lei de 10/11/1772. (Direito Educao: a LDB de A a Z. So Paulo: Avercamp, 2008. p. 88.). Nas palavras de Pinto Ferreira o imposto tinha a finalidade de remunerar os professores pblicos, que, alis, recebiam seus vencimentos sempre com atraso. (Comentrios Constituio Brasileira.

    So Paulo: Saraiva, 1995. v. 7. p. 67). Ainda segundo Clvis Roberto dos Santos O imposto foi mal cobrado e muito sonegado, e os professores, mal remunerados (...) o imposto consistia em cobrar 1 real para cada arrtel (429 g) de carne verde cortada e vendida nos aougues e 1 0 ris para cada

    Canada (2,622 litros) de pinga nos engenhos; a nova metodologia: a gramtica latina enfatiza a cultura clssica anterior aos jesutas, simplificando o ensino. Estudo de gramtica portuguesa, a proibio, no Brasil, de falar a lngua tupi e a incluso de novos livros substituindo os clssicos.

    (Direito Educao: a LDB de A a Z. So Paulo: Avercamp, 2008. p. 88.). Arrtel uma unidade de medida de peso que corresponde a 495g. Carne verde a carne fresca, que no foi salgada. Canada, por sua vez, uma unidade antiga de medida utilizada para lquidos e que equivalia a quatro

    quartilhos (cada quartilho valia cerca de 0,665l).

  • 30

    ... o sistema educacional criado para substituir aquele implantado pelos padres da Companhia de Jesus no passou de um arremedo do ensino. Cadeiras avulsas que chamavam pomposamente de escolas , com um professor nico e sem preparo, sem casas apropriadas, sem mobilirio, sem material didtico, sem livros, compunham o cenrio do ensino de ler, escrever, contar e de recitaes de doutrina crist. As aulas rgias (ou seja, o ensino primrio) assim se mantiveram praticamente ao longo do sculo XIX e em todo o pas.26

    As melhoras so verificadas nesse perodo apenas no mbito do ensino superior,

    com alguns cursos fundados no incio do sculo XIX, pois era interessante ao

    governo formar especialistas.27

    Vale ressaltar que, em 1808, com a chegada da famlia real portuguesa no Brasil

    mudanas ocorreram, dentre as quais as substancialmente econmicas, como a

    abertura de portos, e outras, como criao de Biblioteca Pblica e da Imprensa,

    fatos que contribuiriam para difundir cultura.

    Em 1822, com proclamao da Independncia por D. Pedro, resultante do embate

    ao movimento recolonizador e a oposio do pas, houve o incio de outra fase no

    Brasil. Nesta etapa inaugura-se uma nova poltica no campo da instruo popular,

    reivindicada em nome dos mesmos princpios liberais e democrticos que

    consagraram o regime constitucional e o governo representativo.28

    26

    MARCLIO, Maria Luiza. Histria da Escola em So Paulo e no Brasil. So Paulo: Imprensa Oficial

    do Estado de So Paulo: Instituto Fernand Braudel, 2005. p. 83. 27

    Para Maria de Lourdes Mariotto Haidar e Leonor Maria Tanuri: Norteada por diretrizes at certo ponto semelhantes, a administrao de D. Joo, com o objetivo de formar o pessoal especializado de

    que necessitava, foi frtil em realizaes no campo do ensino tcnico e superior, cobrindo a lacuna cujo vazio, antes oportuno, prejudicava agora os interesses do governo sediado no Brasil. Para prover defesa militar do Reino, criaram-se, em 1808, a Academia de Marinha e, em 1810, a

    Academia Militar; para atender necessidade de mdicos e cirurgies para o exrcito, fundou-se em 1808, na Bahia, um curso de Cirurgia e se instalaram no Rio de Janeiro aulas de Anatomia, Cirurgia e Medicina (1808-1809). Outras instituies viriam ainda atender necessidade premente de

    especialistas. Na Bahia, aulas e cursos de Comrcio (1809), Agricultura (1812), Qumica (1817) e Desenho Tcnico (1818). No Rio de Janeiro, alm da aula de Qumica (1812) e do Curso de Agricultura (1814), a Escola Real de Cincias, Artes e Ofcios (1816), transformada em outubro de

    1820 na Real Academia de Pintura, Escultura e Arquitetura Civil e reorganizada, logo no ms seguinte, como Academia de Artes (Educao Bsica no Brasil. In MENESES, Joo Gualberto de Carvalho (et all). Estrutura e Funcionamento da Educao Bsica. So Paulo: Pioneira, 1998. p. 60-

    61). 28

    HAIDAR, Maria de Lourdes Mariotto; TANURI, Leonor Maria. Educao Bsica no Brasil. In MENESES, Joo Gualberto de Carvalho (et all). Estrutura e Funcionamento da Educao Bsica.

    So Paulo: Pioneira, 1998. p. 61.

  • 31

    Assim ocorreu a tentativa de organizao de liceus, escolas pblicas secundrias

    baseadas em modelo francs, e colgios. Em 1835, foi criada a primeira Escola

    Normal brasileira, em Niteri, Rio de Janeiro e, criado em 1837 na capital do pas, o

    Colgio Pedro II passou a ser referncia por seu modelo de estudo seriado, em

    formato de inspirao francesa. Mas esses foram pontos isolados.

    Nas palavras de Antonio Joaquim Severino, com a Independncia:

    ... nada de significativo ocorreu no plano da poltica educacional. Era precrio o atendimento escolar, ainda que o sistema fosse voltado quase que exclusivamente elite. Desarticulado em nvel nacional, o sistema de ensino falho em quantidade e qualidade, continuando fundado sobre um contedo literrio, de inspirao europia, sendo os estudos bsicos desde j voltados para o ensino superior, visto como via de ascenso social.29

    Mais adiante afirma o mesmo autor que tanto no Brasil Colnia, quanto no Brasil

    Imprio, no se contava com a educao para a implementao de um projeto

    histrico de desenvolvimento do pas.30

    Observa Pinto Ferreira que a Repblica recebeu o problema deixado pelo Imprio,

    pois de conformidade com uma estatstica de 1890, existiam oitocentos e cinquenta

    analfabetos em cada grupo de mil brasileiros, e, ainda em 1907, existiam apenas

    seis escolas e sete professores para cada grupo de dez mil brasileiros.31

    Essas quantidades incompatveis entre oferta e demanda potencial revelam

    exatamente que a educao no era considerada relevante para a sociedade.

    Desde 1824, entretanto, a educao definida como um direito, o que no pode ser

    desconsiderado.

    29

    Educao, Ideologia e contra-ideologia. So Paulo: EPU, 1986. p. 68. Explica o autor que, de 1500

    at 1889, a classe dominante era a aristocracia agrria. Da por que atriburam pouca importncia organizao do ensino e poltica educacional do pas, tanto mais porque a educao se destinava a segmentos restritos da populao. No havia necessidade de uma contribuio maior da educao,

    que ficava adstrita formao da elite dirigente. Por isso, o carter literrio, acadmico de seu contedo, sua preocupao com os modelos europeus e o total desinteresse pela profissionalizao e formao da maioria da populao privada de qualquer educao formal. Ademais, no havia

    tambm necessidade de aprofundamento dessa educao, uma vez que os integrantes dessa elite poderiam ir completar seus estudos na Europa. (Ibid., p. 72). 30

    Ibid., p. 68. 31

    Comentrios Constituio Brasileira. So Paulo: Saraiva, 1995. p. 67.

  • 32

    Deste modo, o estudo da tutela jurdica conferida educao bsica no Brasil em

    seus textos constitucionais essencial. Ela demonstra a constante dicotomia entre o

    previsto na lei e a realidade social: h, na histria do constitucionalismo brasileiro, a

    crescente incorporao de direitos sem a sua correlata materializao em plenitude.

    1.2 Direito Educao nas Constituies Brasileiras

    1.2.1 A Educao na Carta do Imprio, 1824

    Em 1823, instalou-se no Brasil a sua primeira Constituinte, tendo-se evidenciado a

    necessidade da formao de instituies independentes de Portugal. Na ocasio, foi

    dada a palavra para D. Pedro I que deixou transparecer em seu discurso as

    prioridades do governo: embarcaes, obras de estrutura em geral (como pontes) e

    a formao de um corpo militar, bem como, pode-se verificar, sua autopromoo.

    Quanto educao, afirmou que:

    Tenho promovido os estudos pblicos, quanto possvel, porm necessita-se para isto de uma legislao particular. Fez-se o seguinte: comprou-se para engrandecimento da Biblioteca Pblica uma grande coleo de livros de melhor escolha; aumentou-se o nmero de escolas, e algum tanto o ordenado de seus mestres, permitindo-se, alm disto, haver uns cem nmeros delas particulares; conhecendo a vantagem do ensino mtuo tambm fiz abrir uma escola pelo mtodo lancasteriano.32

    32

    O discurso est disponvel em: BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. Histria Constitucional do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. p. 23. Dermeval Saviani observa que Dom Pedro I chamou a ateno para a necessidade de legislao especfica sobre a educao. Por ocasio da

    Constituinte foi instaurada uma Comisso de Instruo Pblica e a anlise de dois projetos, um, o Tratado de Educao para a Mocidade Brasileira, foi objeto de muitos debates e emendas, sendo deixado para posterior votao, que culminou em seu esquecime nto; o segundo, Criao de

    Universidades, foi tratado como de urgncia e assim rapidamente aprovado. Para Dermeval Saviani isso ocorreu porque ... os parlamentares eram, via de regra, bacharis e representantes dos senhores de terra. Nessas circunstncias, compreendem-se os inmeros discursos acompanhados

    de desinteresse real pela questo da instruo popular e, por outro lado, o interesse real, bastante gil e prtico, pela criao de universidades. (Poltica e educao no Brasil: o papel do Congresso Nacional na legislao do ensino. 6. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2006. p. 26). Reflexo da

    mudana legislativa, em 1827 foram criados os cursos jurdicos de So Paulo e Olinda. J em 1832 no Rio de Janeiro e na Bahia foram disponibilizadas Faculdades de Medicina. Em 1827 foi aprovada mediante decreto imperial a primeira Lei nacional sobre instruo pblica, alm de se constituir na

    nica lei geral sobre o ensino primrio at 1946. (Ibid., p. 28).

  • 33

    A principal preocupao de Dom Pedro I era, porm, a manuteno de sua

    supremacia, inclusive sobre a Constituinte, que encontrou em seu discurso

    importante limitador.

    Tanto assim que, no mesmo ano, 1823, aquela foi dissolvida e Dom Pedro I acabou

    por outorgar, em 25 de maro de 1824, a Carta do Imprio, elaborada por comisso

    composta por dez membros no eleitos pelo povo, mas sim indicados por Dom

    Pedro. Sobre a Carta pode-se dizer que:

    Colocada ao lado de uma realidade que praticamente a ignorava, pelo menos quando se tratava de reger os destinos do Pas, a Constituio outorgada e formal de 1824 se confrontava com outra lei maior sub-reptcia, vontade mais alta que a ofuscava por inteiro: o poder concreto e ativista do monarca. sombra desse poder pessoal, que ignorava os cnones expressos do texto bsico, medrou a originalssima realidade de um parlamentarismo consentido, fora dos moldes constitucionais, criao do fato poltico, refratrio a teorizaes abstratas. O perodo constitucional do Imprio portanto aquela quadra de nossa histria em que o poder mais se apartou talvez da Constituio formal, e em que essa logrou o mais baixo grau de eficcia e presena na conscincia de quantos, dirigindo a vida pblica, guiavam o Pas para a soluo das questes nacionais da poca. (...) A verdadeira Constituio imperial no estava no texto outorgado, mas no pacto selado entre a monarquia e a escravido.33

    Os artigos 98 e 99 do texto constitucional revelavam a importncia atribuda ao

    Imperador, que exercia o Poder Moderador:

    Art. 98. O Poder Moderador a chave de toda a organizao Poltica, e delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nao, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manuteno da Independncia, equilbrio, e harmonia dos mais Poderes Polticos. Art. 99. A Pessoa do Imperador inviolvel, e Sagrada: Elle no est sujeito a responsabilidade alguma.

    No que se refere especificamente educao, houve a previso da descentralizao

    da educao primria e secundria e a obrigatoriedade da instruo primria (quatro

    primeiros anos de estudo) para todos, salvo aos ndios e escravos. Pela primeira

    vez, imps-se a necessidade de oferecer um mnimo de anos de estudo, o que

    33

    BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. Histria Constitucional do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro:

    Paz e Terra, 1991. p. 7.

  • 34

    exigiria muito de um governo ainda em fase de formao e que no contemplava a

    educao como um de seus deveres.

    De fato, a educao primria foi considerada, expressamente, como direito bsico

    dos cidados34 no artigo 179, XXXII da Constituio, que deve ser cumulado com o

    inciso XXXIII que apontava a existncia de colgios e Universidades, onde seriam

    ensinadas cincias, belas letras e artes. Pelo teor destes dispositivos, ... j

    possvel divisar a estreita vinculao entre a instruo primria e a concreo de

    outros direitos de natureza constitucional, como os direitos polticos e a liberdade. 35

    Ocorre que, contemplada em normas programticas, essa obrigao no foi

    efetivada. Para a educao popular, os recursos no eram bem destinados e o

    ensino ainda era considerado mais como de responsabilidade das famlias e Igrejas.

    Tanto assim, que o governo central posicionou-se no sentido de deixar o ensino sob

    os cuidados das provncias, que, por sua vez, no tinham condies para isto. Como

    observa Maria Luiza Marclio:

    A descentralizao do ensino primrio e secundrio estabelecida pela Constituio de 1824 e confirmada pelo Ato Adicional de 1834 colocou nas mos dos presidentes de cada provncia e de suas assemblias provinciais a responsabilidade integral do sistema educacional de base. A maioria dessas autoridades no tinha preparo algum para estabelecer um sistema de educao de base mais estruturado. Gastavam muito, para resultados medocres. Na imensido de um territrio mal povoado e debilmente urbanizado, com uma populao dispersa por fazendas, stios, roas de subsistncia, a escola no constitua ainda um bem de primeira

    34

    A legislao educacional no Brasil como nao independente tem seu incio na Constituio Imperial de 1824, que continha um artigo sobre educao escolar gratuita reservada exclusivame nte aos considerados cidados. O carter tardio dessa referncia, expressamente limitada, pode ser

    encontrado no fato do Brasil ter sido colonizado por uma potncia contra-reformista para a qual os ndios eram brbaros e os negros propriedade do outro; para eles a educao escolar no era objeto de cogitao. Para control-los seria suficiente escutar a palavra dos outros pela doutrinao

    ou pela catequese. Ao contrrio dos pases onde a Reforma foi objeto de lutas e discusses, e o ler e o escrever se tornaram condio mesma da leitura da Escritura, aqui se postulou um caminho que conduziria a um forte acento na cultura da oralidade. Certamente, h que se considerar o pas agrrio

    e o modo como se deu a explorao agrria para se compreender as razes do carter dispensvel da educao. Um pas imenso como o nosso, despovoado, com enormes distncias parece justificar a dificuldade de um acesso educao. (CURY, Carlos Roberto Jamil. A educao como desafio na

    ordem jurdica. In LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia (orgs.). 500 anos de Educao no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Autntica, 2007. p. 571). 35

    GARCIA, Emerson. O Direito Educao e suas perspectivas de efetividade. In Garcia, Emerson

    (coord). A Efetividade dos Direitos Sociais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 165.

  • 35

    necessidade para imensa maioria da sociedade. Os filhos deviam servir em casa ou nas lavouras, nas fazendas de criao, nas pescas ou se embrenhando pelas matas, com seus pais, em atividades de extrao natural, para ajudar na sobrevivncia do grupo domstico. Logo que dominavam as primeiras letras, mal alfabetizados, os pais da zona rural (onde estavam dispersos mais de 90% da populao brasileira) tiravam seus filhos das aulas de primeiras letras para ajud-los nas lides dirias.36

    Assim, as escolas comearam a se proliferar apenas precariamente: no eram tidas

    como necessidade bsica. Poucos eram os professores, com baixo preparo e muitas

    faltas; geralmente os melhores alunos eram contratados para lecionar como

    monitores e depois como substitutos.37 Prioridade era a manuteno do Imprio.

    Vale ressaltar, como assinalam Maria de Lourdes Mariotto Haidar e Leonor Maria

    Tanuri, que em adendo constitucional de 1834, reflexo da Abdicao, ocorrida em

    1831, e de movimento de teor liberal, foi regulado, dentre outros, o direito de fixar

    despesas municipais e provinciais, bem como impostos para a instruo pblica,

    desde que no fossem prejudicadas as imposies gerais do Estado. Era preciso,

    portanto, fixar com preciso os impostos gerais para que pudessem, por sua vez, as

    provncias determinar as fontes da prpria receita.38 Porm, isto era muito complexo

    para as provncias.

    36

    MARCLIO, Maria Luiza. Histria da Escola em So Paulo e no Brasil. So Paulo: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo: Instituto Fernand Braudel, 2005. p. 89. Complementa essa informao Carlos Roberto Jamil Cury: O Ato Adicional de 1834 descentraliza para as provncias, pobres em

    recursos e escassas em autonomia, o encargo das primeiras let ras. Ora, como construir a riqueza da nao em bases diferentes das do regime colonial se so os elos mais pobres da nao (provncias) que deveriam se ocupar com o que era, no discurso, considerado importante? Claro sinal do carter

    desimportante que nossas elites atribuam oferta da educao escolar. Alis nasce a o jogo de empurra-empurra entre provncia e Imprio e, aps a Repblica, poder federal e poder estatal e/ou municipal, na distribuio das competncias relativas ao atendimento dos diferentes nveis de ensino.

    (...) Uma coisa certa: o ensino superior, por estar voltado s elites, era claramente atribudo ao poder central, fosse imperial ou republicano. Um sinal de que a organizao da educao nacional nasceu de cima para baixo, em vrios sentidos. (A Educao como Desafio na Ordem Jurdica. In

    LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia (orgs.). 500 anos de Educao no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Autntica, 2007. p. 572). 37

    Na primeira metade do sculo XIX houve a tentativa de instituir escolas destinadas formao de

    professores, mas a tentativa foi frustrada: A primeira Escola Normal paulista acabou sendo instalada, em 1846, em bases muito precrias. Exclusiva para o sexo masculino, com um professor nico, tirado da escola de preparatrios da Faculdade de Direito, sem preparo para a funo, no pde ele

    preparar melhor o mestre-escola. Deu-lhe uns lampejos superficiais de melhor cultura. Com a aposentadoria desse Professor, a Escola Normal fechou (1867). Em seus 21 anos de existncia, a primeira Escola Normal paulista formou apenas 40 normalistas. (MARCLIO, Maria Luiza. Histria da

    Escola em So Paulo e no Brasil. So Paulo: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo: Instituto Fernand Braudel, 2005. p. 85). 38

    Educao Bsica no Brasil. In MENESES, Joo Gualberto de Carvalho (et all). Estrutura e

    Funcionamento da Educao Bsica. So Paulo: Pioneira, 1998. p. 64.

  • 36

    As elites no se preocupavam com isso, tinham a possibilidade proporcionada pela

    sua condio financeira de mandar seus filhos estudarem na Europa ou

    contratavam professores particulares provenientes daquele Continente. Aps a

    formao inicial, os jovens cursariam o nvel superior fora do pas.

    Os diferentes nveis de ensino tambm revelavam disparidade, como observa Luiz

    Antnio Cunha:

    O sistema de ensino primrio e profissional e o sistema de ensino secundrio e superior teriam diferentes objetivos culturais e sociais, constituindo-se, por isso mesmo, em instrumentos de estratificao social. A escola primria e a profissional serviriam classe popular, enquanto que a secundria e a superior, burguesia.39

    No entanto, at mesmo as tentativas de ensino profissional foram insatisfatrias,

    bem como a tentativa de implementao dos liceus. As provncias reclamavam

    auxlio financeiro e havia defensores da liberdade da iniciativa particular e a

    obrigatoriedade da instruo elementar.

    Mesmo assim, aos poucos a ideia de que a educao era essencial foi sendo

    firmada. Para Maria Luiza Marclio ... foi-se entranhando devagar na conscincia

    coletiva e das elites do poder a necessidade da presena da escola com professores

    preparados, pelo menos para deixar a barbrie e entrar na civilizao.40

    A partir de 1889, quando da Proclamao da Repblica, a classe mdia formou-se

    na sociedade brasileira e passou a exigir mudanas no mbito educacional. Este era

    considerado como a forma de ascender socialmente41, o que era compreendido

    como essencial no contexto da consolidao das ideias liberais.

    39

    TEIXEIRA, Ansio. Educao para a Democracia: Introduo administrao educacional. Apresentao de Luiz Antnio Cunha. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. p. 13. 40

    Histria da Escola em So Paulo e no Brasil. So Paulo: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo:

    Instituto Fernand Braudel, 2005. p. 89. 41

    Como explica Otaza de Oliveira Romanelli era mais ativa, comprometida com a poltica e buscou a educao escolarizada: ... o perodo que se seguiu Independncia poltica viu tambm diversificar-

    se um pouco a demanda escolar: a parte da populao que ento procurava a escola j no era apenas pertencente classe oligrquico-rural. A esta, aos poucos, se somava a pequena camada intermediria, que, desde cedo, percebeu o valor da escola como instrumento de ascenso social.

    (Histria da Educao no Brasil (1930/1973). 22. ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 1999. p. 37).

  • 37

    1.2.2 A Educao na Constituio de 1891

    Com o incio da Repblica, ocorreram algumas importantes alteraes, decorrentes

    do princpio federativo e das ideias liberais. Toda a mudana fez-se sob bases

    republicana e positivista no sentido de nacionalizar o sistema de leis e organizar a

    sociedade civil.42 O Governo Provisrio e o ento institudo Congresso Nacional se

    responsabilizaram pela elaborao de um novo texto constitucional, que veio a ser

    promulgado em 24 de fevereiro de 1891. Para Paulo Bonavides e Paes de Andrade,

    a Primeira Repblica foi expresso poltica de um pacto liberal-oligrquico, na:

    ... linha de distribuio de competncia dos poderes polticos, a Constituio da Primeira Repblica foi inexcedvel: a finalidade consistia em neutralizar teoricamente o poder pessoal dos governadores e distanciar, tanto quanto possvel, o Estado da Sociedade, como era axioma do liberalismo no Brasil.

    43

    A Constituio de 1891 no contemplou o direito instruo primria gratuita e

    trouxe poucas disposies sobre a questo educacional, basicamente o artigo 35

    que dispunha: Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas no privativamente: (...) 3

    Crear instituies de ensino superior e secundario nos Estados; 4 Prover

    instruco secundaria no Districto Federal; e o artigo 72, 6: Ser leigo o ensino

    ministrado nos estabelecimentos publicos.

    42

    Segundo Florestan Fernandes: sob a presso de condies desfavorveis, mas tambm por falta de coerncia ideolgica e de inspiraes revolucionrias definidas politicamente, criou -se uma antinomia, que logo se iria revelar um dos focos mais ativos da instabilidade do regime republicano.

    De um lado, impunha-se naturalmente a necessidade de educar as massas populares, egressas da antiga ordem escravocata e senhorial sem nenhum preparo para que pudessem participar de uma ordem social legalmente igualitria. De outro, fez-se sentir a incapacidade dos governos em atender

    efetivamente a essa necessidade. Os efeitos dessa antinomia se exprimem vigorosamente em sucessos recentes, da implantao do Estado Novo s inseguranas do atual regime, na inconsistncia dos partidos e das instituies polticas, na anarquia que entorpece a vida poltica

    nacional e abre um campo sem fronteiras para o xito de oportunismo poltico, fenmenos para os quais muito contribuiu a falta de um elevado padro de educao popular no Brasil. ( Mudanas Sociais no Brasil: Aspectos do desenvolvimento da sociedade brasileira. 3. ed. So Paulo; Rio de

    Janeiro: DIFEL/Difuso Editorial S/A, 1979. p. 109). 43

    Histria Constitucional do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. p. 249. Comentando o Decreto que antecedeu a Constituio, os autores observaram: As novas instituies formuladas

    pelo Decreto n1, do Governo Provisrio, aps o golpe de Estado de 1889, que derrubou a realeza e fez nascer a repblica imperial, foram traadas no papel e portanto extradas menos na realidade que da cabea dos juristas, e logo sancionadas pela manifestao da vontade constituinte do Congresso

    ao elaborar a Constituio de 1891. (Ibid., p. 8).

  • 38

    Apesar das poucas vezes que abordou a questo, na prtica, houve um significativo

    aumento do nmero de escolas, mas de maneira totalmente desigual no territrio, j

    que os Estados eram dotados de autonomia. Em outras palavras,

    Como um no interferia na jurisdio do outro, as aes eram completamente independentes e, o que era natural, dispares, em muitos casos. Isso acabou gerando uma desorganizao completa na construo do sistema educacional, ou melhor, dos sistemas educacionais brasileiros.

    44

    Nota-se que o federalismo e a descentralizao no se fizeram acompanhar por um

    planejamento nacional.

    Houve ainda a incluso da mulher no processo educacional. Esta passou cada vez

    mais a ocupar as escolas, como alunas e depois no magistrio45, que, durante muito

    tempo, foi tarefa predominantemente masculina.

    Na dcada de 20, sob a influncia do nacionalismo e de modelos europeus e norte-

    americano, iniciaram-se debates muito amplos entre os educadores. A questo do

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    ROMANELLI, Otaza de Oliveira. Histria da Educao no Brasil (1930/1973). 22. ed. Petrpolis,

    RJ: Vozes, 1999. p. 37). 45

    Maria Izilda Santos de Matos e Gisele Alves estudam a situao da incluso das mulheres na educao no perodo de 1850-1900, observando que quando a educao comea a ser reconhecida

    como importante e a profisso de professor tambm, as mulheres surgiram como boa alternat iva: ... a misso na educao projetava o professor/professora como modelo para a conduo no processo de transformao e de construo da sociedade moderna. Subentendendo que o magistrio exigia

    qualidades como abnegao, despojamento, sacrifcio, elementos fortemente associados ao feminino, em particular s mes, a identificao das caractersticas das professoras com a maternidade sugeria a relao da escola como extenso do lar e a responsabilidade das mes e

    professoras na formao das novas geraes. (As Mulheres: Educao e Progresso So Paulo. In Revista Mackenzie: educao, arte e histria da cultura. So Paulo: Mackenzie, v. 3-4, n. 3-4, 2003-2004. Disponvel em: http://www.mackenzie.com.br/fileadmin/Editora/Revista_Arte_Historia_Cultura/

    Revista_20Mack._20Arte_20maria_20izilda_20santos_2018.pdf . Acesso em: 10 set. 2009. p. 151). A diminuio das possibilidades de concesso de dotes tambm fez com que os pais investissem na educao das filhas, para compensar aqueles e torn -las mais atraentes: ... os pais deveriam buscar

    uma educao com base em valores como: disciplina de comportamentos, controle das emoes, tica e moral, capacidade de diferenciar o bem do mal. Enfim, que concorresse ao bem-estar familiar e social, afastando males sociais, como a falta de instruo, e projetando a sociedade que e queria.

    (Idem, p. 152). A incluso no colocou a mulher em posio de igualdade em relao ao homem, at disciplinas especficas foram criadas para ela e culminaram na centralizao da mulher no espao privado: Destacando que a mulher tinha por natureza aptides para os cuidados com a infncia e

    que era responsvel pela famlia, levou-a a uma valorizao positiva dentro do lar, ampliando os poderes femininos no mbito privado, tornando-a mais operante e delegando-lhe outro estatuto, procurando fazer com que as mulheres se reconhecessem nessa esfera e s e esforassem dentro da

    unidade familiar e no fora dela. Entretanto, ao posicionar as mulheres no centro da famlia, privilegiava-se aos homens o espao pblico. (Idem, p. 156). Em 1910 foi criada uma nova Escola Normal em So Paulo, somente para as mulheres. Mais tarde o nmero de Escolas Normais cresceu

    e voltou-se tanto aos homens quanto s mulheres.

    http://www.mackenzie.com.br/fileadmin/Editora/Revista_Arte_Historia_Cultura/%20Revista_20Mack._20Arte_20maria_20izilda_20santos_2018.pdfhttp://www.mackenzie.com.br/fileadmin/Editora/Revista_Arte_Historia_Cultura/%20Revista_20Mack._20Arte_20maria_20izilda_20santos_2018.pdf

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    ensino religioso ou laico e a da dicotomia da existncia de um ensino popular e outro

    destinado burguesia estiveram no cerne das discusses.

    Muitos defendiam a indispensabilidade de um novo modelo de escola, ao lado de um

    novo projeto educacional. Assim, foi organizado, por exemplo, o ensino em nveis:

    primrio, secundrio (ginasial e colegial) e superior46, anteriormente designados

    como fundamental, complementar e superior, respectivamente.

    Atravs de conferncias, cursos, debates e inquritos, os profissionais da educao divulgavam as idias de uma escola renovada, contribuindo para a formao de uma nova conscincia educacional, relativa ao papel do Estado na educao, necessidade de expanso da escola pblica, ao direito de todos educao, exigncia de uma poltica nacional de educao, na qual a Unio exercesse o papel coordenador, orientador e supletivo no desenvolvimento do ensino em todo o Pas.47

    O resultado desses debates, dos quais participaram grandes nomes da educao

    nacional, como Ansio Teixeira, Fernando Azevedo e Francisco Campos, foi

    registrado no Manifesto dos Pioneiros da Educao, de 1932,48 que apresentava

    uma srie de objetivos para o sistema educacional, dentre eles: ... a laicidade do