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IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS. 29 de Julho a 1° de Agosto de 2008. Vitória da Conquista - BA. PATRIMONIO HISTÓRICO, CULTURAL E AMBIENTAL DE PALMAS DE MONTE ALTO - BAHIA: UM OLHAR SOB A LUZ DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Aline da Silva Reis Mestranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Univ. Estadual de Santa Cruz (UESC) E-mail: [email protected]. br Palavras-chave: Patrimônio. Representação. Imagem e meio ambiente . 1 INTRODUÇÃO As pessoas tentam adequar suas vidas ao meio em que vive de forma que suas necessidades individuais e coletivas sejam supridas. Nesse processo de adequação nem sempre há uma relação positiva para ambos e ao se apropriar de recursos que o ambiente oferece acabamos por degradar o meio. O campo da história ambiental é interdisciplinar e sua originalidade está na forma como insere a sociedade no ambiente e no equilíbrio com qu e busca sua interação e influência (DRUMMOND, 1991). “Os seres humanos participam dos ecossistemas tanto como organismos biológicos aparentados com outros organismos quanto como portadores de cultura, embora raramente a distinção entre os dois papéis seja precisa” (WORSTER, 1991). Diante disso torna -se relevante o estudo da relação homem -natureza, bem como seus sentimentos, visões, inquietações e comportamentos perante o meio em que vive. O município de Palmas de Monte Alto está localizado na região do Sud oeste Baiano, inserido na microrregião de Guanambi, situado na mesorregião do centro -sul Baiano. Possui uma área de 2.789,417 km² e uma população de 21.096 habitantes (IBGE, 2000). Possui quatro povoados: Espraiado, Barra do Riacho, Pinga Fogo e Rancho das Mães. Possui um clima quente e seco, com temperatura média anual de 22º C e uma precipitação que varia entre 700 a 9000 mm/ano, com chuvas mais frequentes de novembro a janeiro. A ocupação do município assemelha -se à ocupação do Alto Sertão Baiano, que se deu por volta da metade do século XVII (NEVES, 2002), embora sua origem remonta ao ano de 1742, cuja povoação denominava -se Praia das Palmas de Monte Alto. Desmembrado do município de Macaúbas foi elevado à categoria de vila em 1840 pela Lei Providencial nº 124 de 19 de maio do mesmo ano e somente emancipado em 23 de julho de 1.918, pela Lei Estadual nº 1.253.

Aline da Silva Reis

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IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS.

29 de Julho a 1° de Agosto de 2008. Vitória da Conquista - BA.

PATRIMONIO HISTÓRICO, CULTURAL E AMBIENTAL DE PALMAS DE MONTE ALTO - BAHIA: UM OLHAR SOB A LUZ DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Aline da Silva Reis

Mestranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Univ. Estadual de Santa Cruz (UESC) E-mail: [email protected]. br

Palavras-chave: Patrimônio. Representação. Imagem e meio ambiente .

1 INTRODUÇÃO

As pessoas tentam adequar suas vidas ao meio em que vive de forma que suas

necessidades individuais e coletivas sejam supridas. Nesse processo de adequação nem

sempre há uma relação positiva para ambos e ao se apropriar de recursos que o ambiente

oferece acabamos por degradar o meio.

O campo da história ambiental é interdisciplinar e sua originalidade está na forma

como insere a sociedade no ambiente e no equilíbrio com qu e busca sua interação e influência

(DRUMMOND, 1991). “Os seres humanos participam dos ecossistemas tanto como

organismos biológicos aparentados com outros organismos quanto como portadores de

cultura, embora raramente a distinção entre os dois papéis seja precisa” (WORSTER, 1991).

Diante disso torna -se relevante o estudo da relação homem -natureza, bem como seus

sentimentos, visões, inquietações e comportamentos perante o meio em que vive.

O município de Palmas de Monte Alto está localizado na região do Sud oeste Baiano,

inserido na microrregião de Guanambi, situado na mesorregião do centro -sul Baiano. Possui

uma área de 2.789,417 km² e uma população de 21.096 habitantes (IBGE, 2000). Possui

quatro povoados: Espraiado, Barra do Riacho, Pinga Fogo e Rancho das Mães. Possui um

clima quente e seco, com temperatura média anual de 22º C e uma precipitação que varia

entre 700 a 9000 mm/ano, com chuvas mais frequentes de novembro a janeiro.

A ocupação do município assemelha -se à ocupação do Alto Sertão Baiano, que se deu

por volta da metade do século XVII (NEVES, 2002), embora sua origem remonta ao ano de

1742, cuja povoação denominava -se Praia das Palmas de Monte Alto. Desmembrado do

município de Macaúbas foi elevado à categoria de vila em 1840 pela Lei Providencial nº 124

de 19 de maio do mesmo ano e somente emancipado em 23 de julho de 1.918, pela Lei

Estadual nº 1.253.

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Figura 1 Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Figura 2 Fonte: www.webcarta.net

Os questionamentos acerca da atual prática ambiental e a incessante preocupação de

solucionar os problemas ambientais que a sociedade enfrenta como a destruição de matas

ciliares, o assoream ento nos leitos dos rios, o aquecimento global e a destruição de

ecossistemas completos, como é o caso da fauna e da flora, leva -nos a repensar a prática

cidadã e a avaliar a importância da conservação do patrimônio histórico, cultural e ambiental,

pela sociedade.

Os estudos e debates sobre questões ambientais vêm sendo instigados por vários

educadores, cientistas, pesquisadores, intelectuais e profissionais da área, estudos estes que

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contribuem para a formação de cidadãos críticos e conscientes, capazes d e atuar de forma

responsável em relação ao meio ambiente, comprometidos com o bem -estar sócio-ambiental

da sociedade.

A partir das décadas de 70 e 80, com o desenvolvimento industrial, científico e

tecnológico alcançado durante o século XX, a problemática ambiental atingiu níveis

internacionais e nacionais e juntamente com os movimentos ecológicos, surgiu à necessidade

de repensar a prática cidadã, buscando alternativas para a solução dos problemas ligados à

degradação da natureza, como também a conservaçã o desse meio. A preservação do meio

ambiente, segundo a Política Nacional de Educação Ambiental compreende:

Art. 1º. Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade ( BRASIL, 1999).

A categoria patrimônio se insere numa enorme rede de significados divers ificados,

inserida em tempos e espaços diferenciados. A palavra de origem latina – patrimonium se

relaciona à concepção de “herança paterna”, vincula -se também ás noções de patrimônio

histórico e cultural, onde as lembranças e as memórias caracterizam as i dentidades culturais

de um determinado povo (FUNARI, 2005 apud PELEGRINI, 2006). A memória, segundo Le

Goff (1997 apud PELEGRINI, 2006) consiste no vínculo existente entre as gerações humanas

e seu tempo histórico, levando os indivíduos a se identificarem como sujeitos históricos

conscientes dos problemas sociais existentes no próprio meio onde vivem, sendo esse meio

considerado um espaço de produção e cultura.

Muitos estudos apontam à categoria patrimônio ligado ao processo de constituição do

Estado. Segundo Jardim (1995), em seu estudo sobre A Invenção da Memória nos Arquivos

Públicos, a concepção de patrimônio histórico/cultural surge a partir do século XIX e está

associada à noção de memória e cultura comum à nação, proposto pelo Estado Nacio nal. Esse

patrimônio é visto como uma criação da sociedade, norteados pelas políticas públicas que

atribuem valores aos registros documentais historicamente produzidos (MENEZES, 1992

apud JARDIM, 1995).

A noção de patrimônio também pode estar associada à i déia de propriedade, uma vez

que todo objeto encontrado no cotidiano de uma determinada sociedade pode ser considerado

propriedade, seja ela individual ou coletiva. C anani (2006, p. 163-175) define propriedade

como:

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A terra onde vive um determinado grupo s ocial, qualquer que seja seu meio de vida, é uma propriedade, incluindo ali as árvores, frutos, animais ou a colheita obtida no trabalho com o solo. Os animais criados e mantidos por um grupo ou indivíduo são considerados propriedade, bem como as casas que as pessoas constroem, as roupas com que se vestem, os objetos que utilizam no dia-a-dia para a realização de seus ofícios, as músicas que cantam e tocam, as danças que executam.

Nesse contexto as atribuições, significações e valores de um determinado i ndividuo ou

grupo em relação ao patrimônio constituirão uma produção social e cultural de extrema

importância para a sociedade. Modernas discussões são feitas em relação ao patrimônio

cultural, dando ênfase ao seu caráter construído e inventivo. Gonçalves (2005, p. 15-36) relata

que cada nação, grupo, família ou instituição constroem seu patrimônio no presente

expressando nele sua própria identidade e memória. Ressalta ainda o papel fundamental dessa

categoria na formação de subjetividades individuais e col etivas:

[...] não há patrimônio que não seja ao mesmo tempo condição e efeito de determinadas modalidades de autoconsciência individual ou coletiva. Quero dizer que entre o patrimônio e as formas de autoconsciência individual ou coletiva existe uma relaçã o orgânica e interna e não apenas uma relação externa e emblemática. Em outras palavras, não há subjetividade sem alguma forma de patrimônio.

O conhecimento acerca do que vem a ser patrimônio cultural consiste no conjunto de

elementos naturais ou culturai s, materiais ou imateriais, herdados do passado ou criados no

presente, no qual um determinado grupo de indivíduos reconhece sinais de sua identidade

(ZANIRATO, 2006). A Constituição de 1988 confirma a amplitude da noção do termo em seu

artigo 216:

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais incluem: I- as formas de expressão; II- os modos de criar, fazer e viver; III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV- as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico -culturais; V- os conjuntos urbanos e sítios de valor his tórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Estudos como o da arquiteta e urbanista e Coordenadora do Núcleo de Arquitetura do

Centro Cultural São Paulo, Cecília Rodrigues Santos (2001), em seu artig o Novas fronteiras e

novos pactos para o patrimônio cultural , analisa a abertura conceitual e a crescente

abrangência da definição de cultura e patrimônio cultural que não foram acompanhadas, no

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Brasil, por uma reflexão sobre as formas de proteção e de ges tão do patrimônio. Ressalta

ainda que, as conseqüências – além da destruição e da amnésia – são a incompreensão sobre o

papel dos órgãos de preservação oficiais e a dificuldade de cidades e grupos de indivíduos em

identificar e proteger seu patrimônio. As discussões em torno dessa categoria são primordiais

para a conservação do patrimônio local, como lugar de pertencimento entre o individuo e seu

grupo, e para a garantia da qualidade de vida das gerações futuras, premissas essas para a

construção de uma soc iedade sustentável.

A noção de patrimônio natural deve ser contextualizada historicamente e sempre

atualizada de forma social, econômica e, em especial, ecologicamente. Dentro dessa

amplitude a categoria patrimônio se insere no contexto cultural compreen dendo todos os

elementos materiais e imateriais produzidos culturalmente por uma determinada sociedade

Almeida (2007). Nessa visão antropológica do patrimônio duas dimensões coexistem, tanto a

imaterial como a material, dando assim um caráter transitório, funcional e utilitário ao

patrimônio (GONÇALVES, 2005).

Pelegrini (2006), em seu artigo Cultura e natureza: o desafio das práticas

preservacionistas na esfera do patrimônio cultural e ambiental , trata das práticas

preservacionistas adotadas na América Latina, privilegiando o desafio de associar o

reconhecimento de identidades plurais à preservação do patrimônio cultural, destaca ainda

como as relações entre natureza e cultura têm se manifestado nas concepções do patrimônio e

norteado ações na es fera da reabilitação dos núcleos históricos e no âmbito da educação

patrimonial e ambiental, tomadas como instrumentos para a construção da cidadania e do

desenvolvimento sustentável.

Partindo do pressuposto de que a categoria patrimônio é bastante diversi ficada e está

associada à noção de memória e cultura, a mesma está também interligada à natureza. No

artigo Patrimônio cultural: a percepção da natureza como um bem não renovável

(ZANIRATO; RIBEIRO, 2006), algumas reflexões são apresentadas a respeito do p atrimônio

cultural, destacando os contornos semânticos historicamente construídos em torno dessa

categoria. Enfatiza as discussões de ordem normativa que envolveu e envolvem políticas de

preservação dos bens patrimoniais, sobretudo aquelas que se voltaram para a natureza como

um bem, de modo a mostrar que a emergência do chamado patrimônio natural está

diretamente ligada ao redirecionamento das preocupações de ordem mundial acerca dos

recursos naturais do planeta .

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Mediante a complexidade da def inição da categoria patrimônio, o presente trabalho

pretende analisá -la numa dimensão simbólica e social, enfatizando o seu caráter individual e

coletivo, identificando os patrimônios históricos, culturais e ambientais mais importantes para

a população do município de Palmas de Monte Alto , BA. Visa também analisar de que forma

os mesmos são percebidos e apropriados e elaborar a cronologia de uso e apropriação dos

patrimônios ambientais mais citados. E, por fim, uma vez percebidos e apropriados, analisar

se a população os conservam e os valorizam .

1. 1. REFERENCIAL TEÓRICO

1. 1. 1 O patrimônio histórico, cultural e ambiental

A noção de patrimônio cultural é bastante ampla, compreendendo como todo

conhecimento que uma sociedade tem de si mesma, sobre outras sociedades; abarca também

as maneiras de existir pensar e se expressar; as manifestações simbólicas, artísticas e culturais,

enfim seus saberes, valores e culturas (PELEGRENI, 2006).

O seu conceito vem sendo reformulado desde as primeiras discussões realizadas

mundialmente promovidas pela Organização das Nações Unidas para e Educação, Ciência e

Cultura (Unesco), durante a década de 40, onde a noção de cultura foi ampliada,

considerando-a como as produções artísticas de vários arti stas, músicos, escritores, arquitetos.

Enfatizou como cultura também toda manifestação que representa a alma popular, como por

exemplo, a língua, os ritos, as crenças, os lugares e os monumentos históricos, as obras de

arte.

A partir do século XX e início do século XXI, o patrimônio passa a ser visto como

uma categoria que se relaciona com a cultura e o meio, com vistas à preservação do meio

natural. Como pioneiro nesse processo de conscientização preservacionista, temos a França,

que desde o século XVIII adotou uma política, com apoio do Estado, no tocante a preservação

do patrimônio histórico. Outros países como a Inglaterra, a Itália, os EUA e o Brasil, deram

continuidade a esses questionamentos relacionados ao patrimônio cultural, histórico e

ambiental.

A discussão do patrimônio no Brasil data do ano de 1936, pelo projeto de lei proposto

pelo presidente Getúlio Vargas, com vistas á preservação do patrimônio cultural e artístico no

Brasil. O projeto foi presidido pelo escritor Mário de Andrade e outros intelectuais que faziam

parte do movimento modernista, que ficaram incumbidos de elaborar um projeto de lei com

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características tanto inovadoras e modernas, como também com elementos onde a tradição

teria que permanecer. Desse projeto surgiram vários outro s com o mesmo caráter, como por

exemplo, o decreto lei que deu origem ao Serviço de Patrimônio Histórico e Nacional

(SPHN), hoje denominado Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPNH). Na

década de 70 o Brasil acaba por aderir à Convenção do Patrimônio Mundial, onde a temática

alargou suas discussões, saindo do âmbito somente cultural e alargando suas fronteiras para

outras discussões, num âmbito natural. A partir desse e outros eventos, alguns bens brasileiros

passaram a ser considerados patrimônio mundial, a exemplo temos: A Amazônia, o Pantanal,

a arte e arquitetura barroca do período colonial, a cidade de Brasília, o sítio pré -histórico da

Serra da Capivara, entre outros (CANANI, 2005).

Em relação ao patrimônio cultural, di versos encontros foram responsáveis pela

divulgação dos estudos sobre preservação e conservação do meio ambiente e a relação entre

natureza e cultura. Segundo Z anirato e Ribeiro (2006), tal discussão foi iniciada também pela

Unesco, tomando uma dimensão ma is discursiva a partir de 1968, pela União Internacional

para a Conservação da Natureza e seus Recursos, onde foram elaboradas propostas sobre bens

patrimoniais apresentadas em Estocolmo em 1972 na Conferência das Nações Unidas sobre o

Meio Ambiente Humano . Para tanto, foram definidos como partes integrantes desses

patrimônios, tanto os bens paisagísticos ou urbanísticos, como também os bens históricos.

Nesse contexto, a U nesco, por ocasião da Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Cultural

e Natural, convocada por essa Organização em 1972, define patrimônio natural:

O patrimônio natural, nesse momento, compreendia os monumentos naturais constituídos por formações físicas e biológicas ou por grupos dessas formações que tenham um valor universal excepciona l do ponto de vista estético ou cientifico; as formações geológicas e fisiográficas das zonas estritamente delimitadas que constituam o habitat de espécies animais e vegetais ameaçadas e que tenham valor universal excepcional do ponto de vista estético ou científico; e os lugares ou as zonas naturais estritamente delimitadas que tenham um valor excepcional do ponto de vista da ciência, da conservação e da beleza natural.

Nos anos 90 diante da emblemática situação ambiental, como a degradação dos

recursos naturais, agravamento do efeito estufa, mudanças climáticas e a não conservação da

diversidade biológica, surge a preocupação em preservar o meio ambiente num âmbito

internacional, no Brasil tivemos como experiência dessa prática a Conferência do Rio em

1992.

Enfim, a participação de cada indivíduo no processo de reconhecimento do

patrimônio cultural, histórico e ambiental, é de fundamental importância para que se valorize

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o patrimonial que cada grupo ou individuo atribui, buscando conservá -lo e reconhece -lo como

um bem que faz parte e dar sentido à vida.

1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

A inter-relação existente entre o homem e o meio ambiente pode levar a uma

construção de um sujeito ecológico crítico e participativo, capaz de atuar significativamente

no seu mundo, transformando -o e possibilitando a formação de uma sociedade mais justa,

igualitária e ecologicamente equilibrada (CARVALHO, 2006).

Partindo do pressuposto de que a educação ambiental é uma prática política e sua

dimensão é coletiv a, sua efetivação depende de posicionamentos individuais que possam

intervir na busca de soluções para os problemas ambientais existentes na sociedade e de

possíveis mudanças de atitudes em relação ao seu habitat (CHAPANI, 2003 apud

TALAMONI, 2003). As prá ticas políticas, sociais e ecológicas que devem ser desenvolvidas

pela educação ambiental visam o fortalecimento de uma postura ética que desperte

sensibilidades e valores em cada cidadão, contribuindo assim para a construção de uma

cidadania ambientalment e sustentável.

Ao entrar em contato com a natureza o homem acaba por deixar seus rastros, ora

apropriando-se dela, ora degradando -a. Mediante essa relação homem/natureza é que o

presente estudo pretende-se analisar como o pat rimônio histórico, cultural e ambiental de

Palmas de Monte Alto é compreendido e apropriado pelas populações moradoras, e, uma vez

que há apropriação e compreensão destes, será que haverá conservação e valorização dos

mesmos?

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo Geral

Analisar como o patrimônio histórico, cultural e ambiental do Município de Palmas de

Monte Alto - Bahia é compreendido e apropriado pelas populações moradoras.

1.3.2 Objetivos Específicos

• Identificar os patrimônios históricos, cultura is e culturais mais importantes para a

população do município de Palmas de Monte Alto;

• Analisar de que forma esses patrimônios estão sendo apropriados pela sociedade;

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• Elaborar a cronologia de uso e apropriação dos três principais patrimônios

ambientais mais citados pela população.

2 METODOLOGIA

2. 1 TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E O DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO

A pesquisa constitui em si uma atividade imprescindível ao conhecimento e à vida de

uma forma geral. Somos sujeitos investigadores da realid ade da qual fazemos parte e

responsáveis pelo decurso dela. De acordo com Neto (1998) uma pesquisa qualitativa que

garanta a aproximação com o objeto de pesquisa, requer uma vivência histórico -crítica por

parte do observador e do pesquisador, para que haja um diálogo com a realidade, como é o

caso deste trabalho.

A pesquisa qualitativa difere muito dos modelos experimentais de pesquisas, uma vez

que ela tem como objetivo principal, sendo este também das ciências humanas, o estudo do

comportamento humano e social, com uma abordagem baseada na relação dinâmica e

interdependente entre o mundo real e o sujeito, e o sujeito com o objeto, estabelecendo uma

ligação indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O estudo feito a

partir de uma pesquisa qualitativa, por lidar com percepções, interpretações, emoções, relatos,

experiências vividas e visões de mundo dos sujeitos, não invalida o caráter científico de uma

pesquisa, uma vez que ele depende do tratamento que o pesquisador dará a esses dados

(CHIZZOTTI, 2003).

O presente estudo se baseará no método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), no

qual constitui numa técnica de análise empírica quali -quantitativa, baseada num discurso

individual quantificável e discursivo, uma vez que o sujeito que fala compartilha idéias de um

discurso coletivo de uma determinada sociedade (LEFÈVRE, 2000). A aplicação do DSC

vem sendo utilizada por diversos pesquisadores da área de saúde, como também nas áreas de

ciências humanas como, a s ociologia, a história e a antropologia. Baseado nos pressupostos da

Teoria das Representações Sociais (TRS), o DSC busca por meio de questões abertas, obter

respostas sociais ou opiniões de indivíduos ou grupos sociais de uma determinada sociedade,

transformando tais resultados em representações coletivas.

A origem da TRS surge a partir da definição de “representação coletiva” teorizada

pelo sociólogo Durkheim (1983 apud ALEXANDRE, 2004) , constituindo nas representações

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advindas no seio da sociedade, ou se ja, encontradas nas relações sociais e coletivas, como

exemplo os valores, crenças e conhecimentos herdados do passado. Pensadores como

Moscovici e Denise Jodelet, contrapondo com as idéias de Durkheim, afirmam que as

representações coletivas vão além do q ue se encontra na sociedade, definindo como não só

um conjunto de conhecimentos cognitivos, como também fenômenos sociais que devem ser

entendidos no contexto social, cultural, material, simbólico e ideológico onde são produzidos.

Ressaltam ainda que essas representações formam condutas de um determinado grupo ou

individuo, à luz do que a sociedade reconhecem como conh ecimento consensual

(ALEXANDRE, 2004).

Jodelet (2002 apud ARRUDA, 2002) define as representações sociais como uma

forma de conhecimento soc ialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e

que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social, constituindo

como campo de representações sociais as expressões, imagens, idéias, significados e valores

sobre um objeto, inserido num determinado tempo e espaço.

Assim como o DSC, a TRS apresenta técnicas metodológicas semelhantes, sendo que

a coleta de dados e materiais da pesquisa pode ser adquirida através de entrevistas,

questionários, observações, pesquisa docu mental e tratamento de textos escritos e imagéticos.

Outro aspecto a ser salientado é a forma de organização da representação social, que é feita

por meio de uma rede de significados ancorados num discurso coletivo construído de forma

qualitativa. A propos ta do DSC é categorizar as respostas/depoimentos presentes nos

discursos dos sujeitos dando um sentido para cada um deles, acentuando a dimensão

qualitativa do problema em detrimento da dimensão quantitativa. Essa técnica busca respeitar

a opinião de cada entrevistado, promovendo assim uma categorização não apenas matemática,

mas também discursiva.

Tendo em vista a confiabilidade e respaldo do DSC, uma vez que o discurso é emitido

na primeira pessoa do singular, o mesmo não perde o seu caráter de cientificidade, pois tais

discursos representam uma idéia compartilhada num pensamento coletivo. Nesse contexto,

Lèfevre (2002) apresenta algumas técnicas metodológicas imprescindíveis para a obtenção do

DSC numa pesquisa, como:

• Expressões-chave: trechos literais do discurso, que revelam a essência do depoimento e devem ser destacadas do restante da fala do entrevistado; • Idéias Centrais: expressões que revelam, de maneira sintética, o sentido de cada um dos discursos analisados e de cada conjunto homogê neo de expressões-chave;

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• Ancoragem: manifestação lingüística explícita de dada teoria expressada pelo autor do discurso. Algumas expressões -chave remetem a uma Ancoragem e não a uma Idéia Central;

• Discurso do Sujeito Coletivo: discurso síntese apresentado na primeira pessoa do singular, constituído das várias expressões -chave que contém a mesma Idéia Central ou Ancoragem.

Sendo assim, a reconstrução do DSC se resume na análise das expressões -chaves, que

constituem a essência do discurso, na categorização, na seleção das ancoragens e das idéias

centrais representadas socialmente pelos indivíduos entrevistados. Embora o DSC não

pretenda ser uma metodologia que dê conta de representar a coletividade como um todo, ele

procura apontar os meios metodológicos par a se chegar ao discurso ou interpretaç ão dos

signos presentes neles. Há também elementos cognitivos e sensoriais possibilitadores da

constituição de representações sociais com sentidos, valores e funções pertinentes a certos

tipos de patrimônios. Sendo ass im, o uso da técnica da DSC nesta pesquisa visará reconstituir

a rede local de compreensão dos mesmos no seu cotidiano.

2. 1. 2 Procedimentos metodológicos

Os procedimentos metodológicos serão realizados com bases nos seguintes requisitos:

• Levantamento prévio do patrimônio cultural, histórico e ambiental através de

pesquisas documentais;

• Visita e descrição dos principais patrimônios histórico, culturais e ambientais;

• Definição das a mostras estratificadas da população por faixa etária, segundo os

dados do IBGE (2001), divididas em duas classes, com intuito de verificar a relação

intergeracional existentes entre ambas:

- até 20 anos;

- de 50 ou mais

• Entrevistas semi -abertas em amostra populacional, visando à i dentificação dos

patrimônios considerados mais relevantes pra a população local;

• Em caso de lacunas, usar -se-á fotografias como estratégias nas obtenções de certas

representações sociais que serão reconstituídas via análise das conversações

(TELLES, 2007) e sistematizadas pela análise do DSC.

• Análise dos dados p or freqüência de acordo as seguintes variáveis:

- sexo;

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- tempo de moradia

- renda;

- escolaridade;

• Comparação da freqüência de citações dos patrimônios levantados com o que a

população relatou nas entrevistas;

• Tabulação através da técnica de cognições comparadas dos dados obtidos.

Para a construção da cronologia dos três patrimônios ambientais mais citados pela

população, será feita a coleta e análise de dados secundários, como: mapas, f otos, textos,

documentos de arquivos e órgãos públicos, dissertações e teses sobre o tema em estudo. A

partir das informações e dados coletados, a reconstrução do Discurso do Sujeito Coletivo

(DSC) poderá ser feita, seguindo os critérios metodológicos apon tado nessa metodologia:

expressões-chaves, idéias centrais, ancoragem e por fim, o discurso do sujeito coletivo.

Segue o modelo do roteiro de entrevistas a serem realizadas na pesquisa:

ROTEIRO DE ENTREVEISTAS Título da pesquisa: PATRIMONIO HISTÓRICO, CU LTURAL E AMBIENTAL DE PALMAS DE MONTE ALTO - BAHIA: UM OLHAR SOB A LUZ DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

• O que é Patrimônio?

Patrimônio é uma palavra de origem latina patrimonium relacionada à concepção de “herança paterna”,

ou, um conjunto de bens, materiais ou imateriais, naturais ou culturais pertencente a uma pessoa ou

grupo.

• Dados pessoais do entrevistado: nome, sexo, idade, endereço, profissão, naturalidade.

• Há quanto tempo você reside em Palmas de Monte Alto?

• O que é patrimônio pra você?

• Cite três patrimônios históricos que você conhece?

• Cite três patrimônios culturais que você conhece?

• Cite três patrimônios ambientais que você conhece?

• O que esses patrimônios significam pra você?

• Você já visitou alguns desses lugares, quantas vezes?

• Você conhece a história desses lugares?

• De quando você mora aqui algo foi modificado nesse lugar?

• O que permaneceu?

• Reconhece e valoriza esses patrimônios?

• De que forma os valoriza?

• O que faz para conservá -los?

• O que acha que deve ser feito para conservá -los?

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3 PLANEJAMENTO

3.1 RESULTADOS ESPERADOS

Espera-se que a pesquisa promova um contato dialógico e reflexivo da população local

com a natureza, bem como a valorização dos patrimônios históricos, culturais e ambientais de

Palmas de Monte Alto , BA que cada individuo atribuiu como mais importante, levando a

conservá-los e reconhecê-los como um bem que faz parte e dar sentido à sua vida. A pesquisa

pretende oferecer também subsídios para gestores de órgãos públicos ou não na criação de

políticas em prol da conservação do patrimônio histórico, cultural e ambiental da região.

4 REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Marcos. Representação social: uma genealogia do conceito. Comum, Rio de Janeiro, v. 10, n. 23, p. 122-138, jul./dez. 2004. Disponível em: <http://www.facha.edu.br/publicacoes/comum/comum23/Artigo7 >. Acesso em: 23 jul. 2008.

ALMEIDA, J. P. História e patrimônio ambiental: artifícios naturais do poder público em Londrina. 2007. Disponível em: <http://www.anpuh.uepg.br/historia - hoje/vol1n3/londrina.htm >. Acesso em: 18 jan. 2008.

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