Upload
dangxuyen
View
223
Download
1
Embed Size (px)
Citation preview
IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS.
29 de Julho a 1° de Agosto de 2008. Vitória da Conquista - BA.
PATRIMONIO HISTÓRICO, CULTURAL E AMBIENTAL DE PALMAS DE MONTE ALTO - BAHIA: UM OLHAR SOB A LUZ DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Aline da Silva Reis
Mestranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Univ. Estadual de Santa Cruz (UESC) E-mail: [email protected]. br
Palavras-chave: Patrimônio. Representação. Imagem e meio ambiente .
1 INTRODUÇÃO
As pessoas tentam adequar suas vidas ao meio em que vive de forma que suas
necessidades individuais e coletivas sejam supridas. Nesse processo de adequação nem
sempre há uma relação positiva para ambos e ao se apropriar de recursos que o ambiente
oferece acabamos por degradar o meio.
O campo da história ambiental é interdisciplinar e sua originalidade está na forma
como insere a sociedade no ambiente e no equilíbrio com qu e busca sua interação e influência
(DRUMMOND, 1991). “Os seres humanos participam dos ecossistemas tanto como
organismos biológicos aparentados com outros organismos quanto como portadores de
cultura, embora raramente a distinção entre os dois papéis seja precisa” (WORSTER, 1991).
Diante disso torna -se relevante o estudo da relação homem -natureza, bem como seus
sentimentos, visões, inquietações e comportamentos perante o meio em que vive.
O município de Palmas de Monte Alto está localizado na região do Sud oeste Baiano,
inserido na microrregião de Guanambi, situado na mesorregião do centro -sul Baiano. Possui
uma área de 2.789,417 km² e uma população de 21.096 habitantes (IBGE, 2000). Possui
quatro povoados: Espraiado, Barra do Riacho, Pinga Fogo e Rancho das Mães. Possui um
clima quente e seco, com temperatura média anual de 22º C e uma precipitação que varia
entre 700 a 9000 mm/ano, com chuvas mais frequentes de novembro a janeiro.
A ocupação do município assemelha -se à ocupação do Alto Sertão Baiano, que se deu
por volta da metade do século XVII (NEVES, 2002), embora sua origem remonta ao ano de
1742, cuja povoação denominava -se Praia das Palmas de Monte Alto. Desmembrado do
município de Macaúbas foi elevado à categoria de vila em 1840 pela Lei Providencial nº 124
de 19 de maio do mesmo ano e somente emancipado em 23 de julho de 1.918, pela Lei
Estadual nº 1.253.
2
Figura 1 Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Figura 2 Fonte: www.webcarta.net
Os questionamentos acerca da atual prática ambiental e a incessante preocupação de
solucionar os problemas ambientais que a sociedade enfrenta como a destruição de matas
ciliares, o assoream ento nos leitos dos rios, o aquecimento global e a destruição de
ecossistemas completos, como é o caso da fauna e da flora, leva -nos a repensar a prática
cidadã e a avaliar a importância da conservação do patrimônio histórico, cultural e ambiental,
pela sociedade.
Os estudos e debates sobre questões ambientais vêm sendo instigados por vários
educadores, cientistas, pesquisadores, intelectuais e profissionais da área, estudos estes que
3
contribuem para a formação de cidadãos críticos e conscientes, capazes d e atuar de forma
responsável em relação ao meio ambiente, comprometidos com o bem -estar sócio-ambiental
da sociedade.
A partir das décadas de 70 e 80, com o desenvolvimento industrial, científico e
tecnológico alcançado durante o século XX, a problemática ambiental atingiu níveis
internacionais e nacionais e juntamente com os movimentos ecológicos, surgiu à necessidade
de repensar a prática cidadã, buscando alternativas para a solução dos problemas ligados à
degradação da natureza, como também a conservaçã o desse meio. A preservação do meio
ambiente, segundo a Política Nacional de Educação Ambiental compreende:
Art. 1º. Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade ( BRASIL, 1999).
A categoria patrimônio se insere numa enorme rede de significados divers ificados,
inserida em tempos e espaços diferenciados. A palavra de origem latina – patrimonium se
relaciona à concepção de “herança paterna”, vincula -se também ás noções de patrimônio
histórico e cultural, onde as lembranças e as memórias caracterizam as i dentidades culturais
de um determinado povo (FUNARI, 2005 apud PELEGRINI, 2006). A memória, segundo Le
Goff (1997 apud PELEGRINI, 2006) consiste no vínculo existente entre as gerações humanas
e seu tempo histórico, levando os indivíduos a se identificarem como sujeitos históricos
conscientes dos problemas sociais existentes no próprio meio onde vivem, sendo esse meio
considerado um espaço de produção e cultura.
Muitos estudos apontam à categoria patrimônio ligado ao processo de constituição do
Estado. Segundo Jardim (1995), em seu estudo sobre A Invenção da Memória nos Arquivos
Públicos, a concepção de patrimônio histórico/cultural surge a partir do século XIX e está
associada à noção de memória e cultura comum à nação, proposto pelo Estado Nacio nal. Esse
patrimônio é visto como uma criação da sociedade, norteados pelas políticas públicas que
atribuem valores aos registros documentais historicamente produzidos (MENEZES, 1992
apud JARDIM, 1995).
A noção de patrimônio também pode estar associada à i déia de propriedade, uma vez
que todo objeto encontrado no cotidiano de uma determinada sociedade pode ser considerado
propriedade, seja ela individual ou coletiva. C anani (2006, p. 163-175) define propriedade
como:
4
A terra onde vive um determinado grupo s ocial, qualquer que seja seu meio de vida, é uma propriedade, incluindo ali as árvores, frutos, animais ou a colheita obtida no trabalho com o solo. Os animais criados e mantidos por um grupo ou indivíduo são considerados propriedade, bem como as casas que as pessoas constroem, as roupas com que se vestem, os objetos que utilizam no dia-a-dia para a realização de seus ofícios, as músicas que cantam e tocam, as danças que executam.
Nesse contexto as atribuições, significações e valores de um determinado i ndividuo ou
grupo em relação ao patrimônio constituirão uma produção social e cultural de extrema
importância para a sociedade. Modernas discussões são feitas em relação ao patrimônio
cultural, dando ênfase ao seu caráter construído e inventivo. Gonçalves (2005, p. 15-36) relata
que cada nação, grupo, família ou instituição constroem seu patrimônio no presente
expressando nele sua própria identidade e memória. Ressalta ainda o papel fundamental dessa
categoria na formação de subjetividades individuais e col etivas:
[...] não há patrimônio que não seja ao mesmo tempo condição e efeito de determinadas modalidades de autoconsciência individual ou coletiva. Quero dizer que entre o patrimônio e as formas de autoconsciência individual ou coletiva existe uma relaçã o orgânica e interna e não apenas uma relação externa e emblemática. Em outras palavras, não há subjetividade sem alguma forma de patrimônio.
O conhecimento acerca do que vem a ser patrimônio cultural consiste no conjunto de
elementos naturais ou culturai s, materiais ou imateriais, herdados do passado ou criados no
presente, no qual um determinado grupo de indivíduos reconhece sinais de sua identidade
(ZANIRATO, 2006). A Constituição de 1988 confirma a amplitude da noção do termo em seu
artigo 216:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais incluem: I- as formas de expressão; II- os modos de criar, fazer e viver; III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV- as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico -culturais; V- os conjuntos urbanos e sítios de valor his tórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Estudos como o da arquiteta e urbanista e Coordenadora do Núcleo de Arquitetura do
Centro Cultural São Paulo, Cecília Rodrigues Santos (2001), em seu artig o Novas fronteiras e
novos pactos para o patrimônio cultural , analisa a abertura conceitual e a crescente
abrangência da definição de cultura e patrimônio cultural que não foram acompanhadas, no
5
Brasil, por uma reflexão sobre as formas de proteção e de ges tão do patrimônio. Ressalta
ainda que, as conseqüências – além da destruição e da amnésia – são a incompreensão sobre o
papel dos órgãos de preservação oficiais e a dificuldade de cidades e grupos de indivíduos em
identificar e proteger seu patrimônio. As discussões em torno dessa categoria são primordiais
para a conservação do patrimônio local, como lugar de pertencimento entre o individuo e seu
grupo, e para a garantia da qualidade de vida das gerações futuras, premissas essas para a
construção de uma soc iedade sustentável.
A noção de patrimônio natural deve ser contextualizada historicamente e sempre
atualizada de forma social, econômica e, em especial, ecologicamente. Dentro dessa
amplitude a categoria patrimônio se insere no contexto cultural compreen dendo todos os
elementos materiais e imateriais produzidos culturalmente por uma determinada sociedade
Almeida (2007). Nessa visão antropológica do patrimônio duas dimensões coexistem, tanto a
imaterial como a material, dando assim um caráter transitório, funcional e utilitário ao
patrimônio (GONÇALVES, 2005).
Pelegrini (2006), em seu artigo Cultura e natureza: o desafio das práticas
preservacionistas na esfera do patrimônio cultural e ambiental , trata das práticas
preservacionistas adotadas na América Latina, privilegiando o desafio de associar o
reconhecimento de identidades plurais à preservação do patrimônio cultural, destaca ainda
como as relações entre natureza e cultura têm se manifestado nas concepções do patrimônio e
norteado ações na es fera da reabilitação dos núcleos históricos e no âmbito da educação
patrimonial e ambiental, tomadas como instrumentos para a construção da cidadania e do
desenvolvimento sustentável.
Partindo do pressuposto de que a categoria patrimônio é bastante diversi ficada e está
associada à noção de memória e cultura, a mesma está também interligada à natureza. No
artigo Patrimônio cultural: a percepção da natureza como um bem não renovável
(ZANIRATO; RIBEIRO, 2006), algumas reflexões são apresentadas a respeito do p atrimônio
cultural, destacando os contornos semânticos historicamente construídos em torno dessa
categoria. Enfatiza as discussões de ordem normativa que envolveu e envolvem políticas de
preservação dos bens patrimoniais, sobretudo aquelas que se voltaram para a natureza como
um bem, de modo a mostrar que a emergência do chamado patrimônio natural está
diretamente ligada ao redirecionamento das preocupações de ordem mundial acerca dos
recursos naturais do planeta .
6
Mediante a complexidade da def inição da categoria patrimônio, o presente trabalho
pretende analisá -la numa dimensão simbólica e social, enfatizando o seu caráter individual e
coletivo, identificando os patrimônios históricos, culturais e ambientais mais importantes para
a população do município de Palmas de Monte Alto , BA. Visa também analisar de que forma
os mesmos são percebidos e apropriados e elaborar a cronologia de uso e apropriação dos
patrimônios ambientais mais citados. E, por fim, uma vez percebidos e apropriados, analisar
se a população os conservam e os valorizam .
1. 1. REFERENCIAL TEÓRICO
1. 1. 1 O patrimônio histórico, cultural e ambiental
A noção de patrimônio cultural é bastante ampla, compreendendo como todo
conhecimento que uma sociedade tem de si mesma, sobre outras sociedades; abarca também
as maneiras de existir pensar e se expressar; as manifestações simbólicas, artísticas e culturais,
enfim seus saberes, valores e culturas (PELEGRENI, 2006).
O seu conceito vem sendo reformulado desde as primeiras discussões realizadas
mundialmente promovidas pela Organização das Nações Unidas para e Educação, Ciência e
Cultura (Unesco), durante a década de 40, onde a noção de cultura foi ampliada,
considerando-a como as produções artísticas de vários arti stas, músicos, escritores, arquitetos.
Enfatizou como cultura também toda manifestação que representa a alma popular, como por
exemplo, a língua, os ritos, as crenças, os lugares e os monumentos históricos, as obras de
arte.
A partir do século XX e início do século XXI, o patrimônio passa a ser visto como
uma categoria que se relaciona com a cultura e o meio, com vistas à preservação do meio
natural. Como pioneiro nesse processo de conscientização preservacionista, temos a França,
que desde o século XVIII adotou uma política, com apoio do Estado, no tocante a preservação
do patrimônio histórico. Outros países como a Inglaterra, a Itália, os EUA e o Brasil, deram
continuidade a esses questionamentos relacionados ao patrimônio cultural, histórico e
ambiental.
A discussão do patrimônio no Brasil data do ano de 1936, pelo projeto de lei proposto
pelo presidente Getúlio Vargas, com vistas á preservação do patrimônio cultural e artístico no
Brasil. O projeto foi presidido pelo escritor Mário de Andrade e outros intelectuais que faziam
parte do movimento modernista, que ficaram incumbidos de elaborar um projeto de lei com
7
características tanto inovadoras e modernas, como também com elementos onde a tradição
teria que permanecer. Desse projeto surgiram vários outro s com o mesmo caráter, como por
exemplo, o decreto lei que deu origem ao Serviço de Patrimônio Histórico e Nacional
(SPHN), hoje denominado Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPNH). Na
década de 70 o Brasil acaba por aderir à Convenção do Patrimônio Mundial, onde a temática
alargou suas discussões, saindo do âmbito somente cultural e alargando suas fronteiras para
outras discussões, num âmbito natural. A partir desse e outros eventos, alguns bens brasileiros
passaram a ser considerados patrimônio mundial, a exemplo temos: A Amazônia, o Pantanal,
a arte e arquitetura barroca do período colonial, a cidade de Brasília, o sítio pré -histórico da
Serra da Capivara, entre outros (CANANI, 2005).
Em relação ao patrimônio cultural, di versos encontros foram responsáveis pela
divulgação dos estudos sobre preservação e conservação do meio ambiente e a relação entre
natureza e cultura. Segundo Z anirato e Ribeiro (2006), tal discussão foi iniciada também pela
Unesco, tomando uma dimensão ma is discursiva a partir de 1968, pela União Internacional
para a Conservação da Natureza e seus Recursos, onde foram elaboradas propostas sobre bens
patrimoniais apresentadas em Estocolmo em 1972 na Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente Humano . Para tanto, foram definidos como partes integrantes desses
patrimônios, tanto os bens paisagísticos ou urbanísticos, como também os bens históricos.
Nesse contexto, a U nesco, por ocasião da Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Cultural
e Natural, convocada por essa Organização em 1972, define patrimônio natural:
O patrimônio natural, nesse momento, compreendia os monumentos naturais constituídos por formações físicas e biológicas ou por grupos dessas formações que tenham um valor universal excepciona l do ponto de vista estético ou cientifico; as formações geológicas e fisiográficas das zonas estritamente delimitadas que constituam o habitat de espécies animais e vegetais ameaçadas e que tenham valor universal excepcional do ponto de vista estético ou científico; e os lugares ou as zonas naturais estritamente delimitadas que tenham um valor excepcional do ponto de vista da ciência, da conservação e da beleza natural.
Nos anos 90 diante da emblemática situação ambiental, como a degradação dos
recursos naturais, agravamento do efeito estufa, mudanças climáticas e a não conservação da
diversidade biológica, surge a preocupação em preservar o meio ambiente num âmbito
internacional, no Brasil tivemos como experiência dessa prática a Conferência do Rio em
1992.
Enfim, a participação de cada indivíduo no processo de reconhecimento do
patrimônio cultural, histórico e ambiental, é de fundamental importância para que se valorize
8
o patrimonial que cada grupo ou individuo atribui, buscando conservá -lo e reconhece -lo como
um bem que faz parte e dar sentido à vida.
1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA
A inter-relação existente entre o homem e o meio ambiente pode levar a uma
construção de um sujeito ecológico crítico e participativo, capaz de atuar significativamente
no seu mundo, transformando -o e possibilitando a formação de uma sociedade mais justa,
igualitária e ecologicamente equilibrada (CARVALHO, 2006).
Partindo do pressuposto de que a educação ambiental é uma prática política e sua
dimensão é coletiv a, sua efetivação depende de posicionamentos individuais que possam
intervir na busca de soluções para os problemas ambientais existentes na sociedade e de
possíveis mudanças de atitudes em relação ao seu habitat (CHAPANI, 2003 apud
TALAMONI, 2003). As prá ticas políticas, sociais e ecológicas que devem ser desenvolvidas
pela educação ambiental visam o fortalecimento de uma postura ética que desperte
sensibilidades e valores em cada cidadão, contribuindo assim para a construção de uma
cidadania ambientalment e sustentável.
Ao entrar em contato com a natureza o homem acaba por deixar seus rastros, ora
apropriando-se dela, ora degradando -a. Mediante essa relação homem/natureza é que o
presente estudo pretende-se analisar como o pat rimônio histórico, cultural e ambiental de
Palmas de Monte Alto é compreendido e apropriado pelas populações moradoras, e, uma vez
que há apropriação e compreensão destes, será que haverá conservação e valorização dos
mesmos?
1.3 OBJETIVOS
1.3.1 Objetivo Geral
Analisar como o patrimônio histórico, cultural e ambiental do Município de Palmas de
Monte Alto - Bahia é compreendido e apropriado pelas populações moradoras.
1.3.2 Objetivos Específicos
• Identificar os patrimônios históricos, cultura is e culturais mais importantes para a
população do município de Palmas de Monte Alto;
• Analisar de que forma esses patrimônios estão sendo apropriados pela sociedade;
9
• Elaborar a cronologia de uso e apropriação dos três principais patrimônios
ambientais mais citados pela população.
2 METODOLOGIA
2. 1 TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E O DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO
A pesquisa constitui em si uma atividade imprescindível ao conhecimento e à vida de
uma forma geral. Somos sujeitos investigadores da realid ade da qual fazemos parte e
responsáveis pelo decurso dela. De acordo com Neto (1998) uma pesquisa qualitativa que
garanta a aproximação com o objeto de pesquisa, requer uma vivência histórico -crítica por
parte do observador e do pesquisador, para que haja um diálogo com a realidade, como é o
caso deste trabalho.
A pesquisa qualitativa difere muito dos modelos experimentais de pesquisas, uma vez
que ela tem como objetivo principal, sendo este também das ciências humanas, o estudo do
comportamento humano e social, com uma abordagem baseada na relação dinâmica e
interdependente entre o mundo real e o sujeito, e o sujeito com o objeto, estabelecendo uma
ligação indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O estudo feito a
partir de uma pesquisa qualitativa, por lidar com percepções, interpretações, emoções, relatos,
experiências vividas e visões de mundo dos sujeitos, não invalida o caráter científico de uma
pesquisa, uma vez que ele depende do tratamento que o pesquisador dará a esses dados
(CHIZZOTTI, 2003).
O presente estudo se baseará no método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), no
qual constitui numa técnica de análise empírica quali -quantitativa, baseada num discurso
individual quantificável e discursivo, uma vez que o sujeito que fala compartilha idéias de um
discurso coletivo de uma determinada sociedade (LEFÈVRE, 2000). A aplicação do DSC
vem sendo utilizada por diversos pesquisadores da área de saúde, como também nas áreas de
ciências humanas como, a s ociologia, a história e a antropologia. Baseado nos pressupostos da
Teoria das Representações Sociais (TRS), o DSC busca por meio de questões abertas, obter
respostas sociais ou opiniões de indivíduos ou grupos sociais de uma determinada sociedade,
transformando tais resultados em representações coletivas.
A origem da TRS surge a partir da definição de “representação coletiva” teorizada
pelo sociólogo Durkheim (1983 apud ALEXANDRE, 2004) , constituindo nas representações
10
advindas no seio da sociedade, ou se ja, encontradas nas relações sociais e coletivas, como
exemplo os valores, crenças e conhecimentos herdados do passado. Pensadores como
Moscovici e Denise Jodelet, contrapondo com as idéias de Durkheim, afirmam que as
representações coletivas vão além do q ue se encontra na sociedade, definindo como não só
um conjunto de conhecimentos cognitivos, como também fenômenos sociais que devem ser
entendidos no contexto social, cultural, material, simbólico e ideológico onde são produzidos.
Ressaltam ainda que essas representações formam condutas de um determinado grupo ou
individuo, à luz do que a sociedade reconhecem como conh ecimento consensual
(ALEXANDRE, 2004).
Jodelet (2002 apud ARRUDA, 2002) define as representações sociais como uma
forma de conhecimento soc ialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e
que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social, constituindo
como campo de representações sociais as expressões, imagens, idéias, significados e valores
sobre um objeto, inserido num determinado tempo e espaço.
Assim como o DSC, a TRS apresenta técnicas metodológicas semelhantes, sendo que
a coleta de dados e materiais da pesquisa pode ser adquirida através de entrevistas,
questionários, observações, pesquisa docu mental e tratamento de textos escritos e imagéticos.
Outro aspecto a ser salientado é a forma de organização da representação social, que é feita
por meio de uma rede de significados ancorados num discurso coletivo construído de forma
qualitativa. A propos ta do DSC é categorizar as respostas/depoimentos presentes nos
discursos dos sujeitos dando um sentido para cada um deles, acentuando a dimensão
qualitativa do problema em detrimento da dimensão quantitativa. Essa técnica busca respeitar
a opinião de cada entrevistado, promovendo assim uma categorização não apenas matemática,
mas também discursiva.
Tendo em vista a confiabilidade e respaldo do DSC, uma vez que o discurso é emitido
na primeira pessoa do singular, o mesmo não perde o seu caráter de cientificidade, pois tais
discursos representam uma idéia compartilhada num pensamento coletivo. Nesse contexto,
Lèfevre (2002) apresenta algumas técnicas metodológicas imprescindíveis para a obtenção do
DSC numa pesquisa, como:
• Expressões-chave: trechos literais do discurso, que revelam a essência do depoimento e devem ser destacadas do restante da fala do entrevistado; • Idéias Centrais: expressões que revelam, de maneira sintética, o sentido de cada um dos discursos analisados e de cada conjunto homogê neo de expressões-chave;
11
• Ancoragem: manifestação lingüística explícita de dada teoria expressada pelo autor do discurso. Algumas expressões -chave remetem a uma Ancoragem e não a uma Idéia Central;
• Discurso do Sujeito Coletivo: discurso síntese apresentado na primeira pessoa do singular, constituído das várias expressões -chave que contém a mesma Idéia Central ou Ancoragem.
Sendo assim, a reconstrução do DSC se resume na análise das expressões -chaves, que
constituem a essência do discurso, na categorização, na seleção das ancoragens e das idéias
centrais representadas socialmente pelos indivíduos entrevistados. Embora o DSC não
pretenda ser uma metodologia que dê conta de representar a coletividade como um todo, ele
procura apontar os meios metodológicos par a se chegar ao discurso ou interpretaç ão dos
signos presentes neles. Há também elementos cognitivos e sensoriais possibilitadores da
constituição de representações sociais com sentidos, valores e funções pertinentes a certos
tipos de patrimônios. Sendo ass im, o uso da técnica da DSC nesta pesquisa visará reconstituir
a rede local de compreensão dos mesmos no seu cotidiano.
2. 1. 2 Procedimentos metodológicos
Os procedimentos metodológicos serão realizados com bases nos seguintes requisitos:
• Levantamento prévio do patrimônio cultural, histórico e ambiental através de
pesquisas documentais;
• Visita e descrição dos principais patrimônios histórico, culturais e ambientais;
• Definição das a mostras estratificadas da população por faixa etária, segundo os
dados do IBGE (2001), divididas em duas classes, com intuito de verificar a relação
intergeracional existentes entre ambas:
- até 20 anos;
- de 50 ou mais
• Entrevistas semi -abertas em amostra populacional, visando à i dentificação dos
patrimônios considerados mais relevantes pra a população local;
• Em caso de lacunas, usar -se-á fotografias como estratégias nas obtenções de certas
representações sociais que serão reconstituídas via análise das conversações
(TELLES, 2007) e sistematizadas pela análise do DSC.
• Análise dos dados p or freqüência de acordo as seguintes variáveis:
- sexo;
12
- tempo de moradia
- renda;
- escolaridade;
• Comparação da freqüência de citações dos patrimônios levantados com o que a
população relatou nas entrevistas;
• Tabulação através da técnica de cognições comparadas dos dados obtidos.
Para a construção da cronologia dos três patrimônios ambientais mais citados pela
população, será feita a coleta e análise de dados secundários, como: mapas, f otos, textos,
documentos de arquivos e órgãos públicos, dissertações e teses sobre o tema em estudo. A
partir das informações e dados coletados, a reconstrução do Discurso do Sujeito Coletivo
(DSC) poderá ser feita, seguindo os critérios metodológicos apon tado nessa metodologia:
expressões-chaves, idéias centrais, ancoragem e por fim, o discurso do sujeito coletivo.
Segue o modelo do roteiro de entrevistas a serem realizadas na pesquisa:
ROTEIRO DE ENTREVEISTAS Título da pesquisa: PATRIMONIO HISTÓRICO, CU LTURAL E AMBIENTAL DE PALMAS DE MONTE ALTO - BAHIA: UM OLHAR SOB A LUZ DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
• O que é Patrimônio?
Patrimônio é uma palavra de origem latina patrimonium relacionada à concepção de “herança paterna”,
ou, um conjunto de bens, materiais ou imateriais, naturais ou culturais pertencente a uma pessoa ou
grupo.
• Dados pessoais do entrevistado: nome, sexo, idade, endereço, profissão, naturalidade.
• Há quanto tempo você reside em Palmas de Monte Alto?
• O que é patrimônio pra você?
• Cite três patrimônios históricos que você conhece?
• Cite três patrimônios culturais que você conhece?
• Cite três patrimônios ambientais que você conhece?
• O que esses patrimônios significam pra você?
• Você já visitou alguns desses lugares, quantas vezes?
• Você conhece a história desses lugares?
• De quando você mora aqui algo foi modificado nesse lugar?
• O que permaneceu?
• Reconhece e valoriza esses patrimônios?
• De que forma os valoriza?
• O que faz para conservá -los?
• O que acha que deve ser feito para conservá -los?
13
3 PLANEJAMENTO
3.1 RESULTADOS ESPERADOS
Espera-se que a pesquisa promova um contato dialógico e reflexivo da população local
com a natureza, bem como a valorização dos patrimônios históricos, culturais e ambientais de
Palmas de Monte Alto , BA que cada individuo atribuiu como mais importante, levando a
conservá-los e reconhecê-los como um bem que faz parte e dar sentido à sua vida. A pesquisa
pretende oferecer também subsídios para gestores de órgãos públicos ou não na criação de
políticas em prol da conservação do patrimônio histórico, cultural e ambiental da região.
4 REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Marcos. Representação social: uma genealogia do conceito. Comum, Rio de Janeiro, v. 10, n. 23, p. 122-138, jul./dez. 2004. Disponível em: <http://www.facha.edu.br/publicacoes/comum/comum23/Artigo7 >. Acesso em: 23 jul. 2008.
ALMEIDA, J. P. História e patrimônio ambiental: artifícios naturais do poder público em Londrina. 2007. Disponível em: <http://www.anpuh.uepg.br/historia - hoje/vol1n3/londrina.htm >. Acesso em: 18 jan. 2008.
ARRUDA, A. Teoria das representações sociais e teorias de gênero. Cadernos de Pesquisa , Campinas: Fundação Carlos Chagas , v. 117, p. 127-147, 2003.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília (DF): Senado Federal, 1988.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei n. 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Brasília, 1999.
CANANI, Aline Sapiezinskas Krás Borges. Herança, sacralidade e poder: sobre as diferentes categorias do patrimônio histórico e cultural no Brasil. Horizontes Antropológicos , Porto Alegre, ano 11, n. 23, p. 163 -175, jan./jun. 2005.
CHAPANI, D. T.; DAIBEM, A. M. L. Ed ucação ambiental: ação -reflexão no cotidiano de uma escola pública. In: TALAMONI, J. L. B.; SAMPAIO, A. C. (Org.). Educação ambiental: da prática pedagógica à cidadania. São Paulo: Escrituras Editora, 2003.
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2003. (Biblioteca da Educação. Série 1. Escola: v, 16) .
CARVALHO, I. C. M. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
14
DRUMMOND, J. A. A história ambiental: temas, fontes e li nhas de pesquisa. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 177 -197, 1991.
DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. In: . Vida e obra. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 203-245. (Coleção Os pensadores).
FUNARI, Pedro Paulo; CARVALHO , Aline Vieira de. O patrimônio em uma perspectiva crítica: o caso do Quilombo dos Palmares. Diálogos, Maringá: UEM, v. 9, n.1, 2005.
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. Ressonância, materialidade e subjetividade: as culturas como patrimônios. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano II, n. 23, p. 15 -36, jan/jun. 2005.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 – Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004.
JARDIM, José Maria. A invenção da memória nos arquivos públicos. Ciência da Informação, Brasília: IBICT, v. 25, n. 2, 1995.
JODELET, D. Representações sociais: um domínio em expansão. In : . (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 200 2. p. 17-44.
NETO, O. C. O trabalho de campo como descoberta e criação. In: MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 1998.
NEVES, Erivaldo Fagundes. Posseiros, rendeiros e proprietários: estrutura fundiária e dinâmica no Alto Sertão da Bahia (1750 -1850). 2003. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2003.
LE GOFF, Jacques. Patrimônio histórico, cidadania e identidade cultural: o direito à memória. In: PELEGRINI, Sandra C. A. Cultura e natureza: os desafios das práticas preservacionistas na esfera do patrimônio cultural e ambiental. Revista Brasileira de História , São Paulo, v. 26, n. 51, p. 115-140, jan./jun. 2006.
LEFÈVRE, Fernando et al. O discurso do sujeito coletivo: uma nova abordagem metodológica em pesquisa qualitativa . Caxias do Sul, RS: Educs, 2000.
. Discurso do sujeito coletivo como superação dos impasses no processamento de respostas a questões abertas. São Paulo: Instituto de pesquisa do sujeito coletivo, jun. 2006.
. O sujeito que fala. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, SP, v. 10, n. 20, p. 517-24, jul./dez. 2006.
LINS, Alene da Silva. A decisão de preservar – um estudo das reservas particulares do patrimônio natural d a região cacaueira (Sul da Bahia – Brasil). 2005. 169 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente) – Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, 2005.
15
PELEGRINI, Sandra C. A. Cultura e natureza: os desafios das práticas preserva cionistas na esfera do patrimônio cultural e ambiental. Revista Brasileira de História , São Paulo, v. 26, n. 51, p. 115-140, jan./jun. 2006.
SANTOS, Cecilia Rodrigues dos. Novas fronteiras e novos pactos para o patrimônio cultural. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 15, n. 2, p. 43-48, abr./jun. 2001.
TELLES, Reflexão deflagrada por fotografias: o discurso justificador e as representações da formação profissional de professores. Linguagem & Ensino , v. 10, n. 2, p. 327-370, jul./dez. 2007.
WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos , Rio de Janeiro, v . 4, n. 8, p. 198-215, 1991.
ZANIRATO, Silvia Helena ; RIBEIRO, Wagner Costa. Patrimônio cultural: a percepção da natureza como um bem não renovável . Revista Brasileira de Hist ória, São Paulo, v. 26, n. 51, p. 251-262, jan./jun. 2006.