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1 “AS MENINAS E A JUKEBOX” UM PANORAMA DA HISTÓRIA DAS MULHERES NO ROCK NACIONAL E INTERNACIONAL Aline Rochedo 1 Investigar o papel da mulher roqueira na perspectiva da histórica contemporânea e compreendê-la em seu tempo e lugar na sociedade é um desafio que poderá servir de matriz para análises em outras temáticas relacionadas à mulher. Este artigo é desdobramento da pesquisa em processo no doutorado sobre o protagonismo das mulheres no rock brasileiro, ao qual proponho situar com respaldos históricos a incursão da mulher no cenário do rock, este que ainda parece, predominantemente, um espaço realizado por homens. Intento relatar suas experiências, propiciando o encontro entre a História Oral e a História de Mulheres, fazendo ouvir as suas vozes, muitas vezes confinadas ao silenciamento e à esfera privada. No rock, este aspecto é claramente perceptível, tendo a memória de sua história predominantemente a partir do olhar e atuação do homem. Associo tais processos à História das Mulheres e às mudanças ocorridas no gênero musical rock. A história do rock pelo olhar e atuação delas A história da música negra, no início do século XX, no continente americano, é marcada por atitudes preconceituosas por parcela da sociedade, pela política conservadora da Guerra Fria, rigorosos códigos morais e sexuais. As mulheres, em especial, as negras que intentaram a trajetória na música, tiveram que enfrentar ao mesmo tempo o racismo e misoginia. Trata-se de um percurso longo e cheio de obstáculos até que as mulheres encontrarem seu lugar na cena musical. Nas canções interpretadas por elas, registra-se uma 1 Rochedo, Aline do Carmo - Historiadora e poetisa. Doutoranda em História Cultural pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ. Mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense-UFF. Pesquisadora vinculada ao Núcleo de Estudos Contemporâneos (NEC) da UFF. Analisa os gêneros musicais de origem negra no continente americano, com ênfase no rock como música brasileira dos anos 1980, no âmbito da política, economia e sociedade, tendo a história das mulheres e das juventudes como norteadores. Autora do livro Derrubando Reis A Juventude Urbana e o Rock Brasileiro dos anos 1980, Multifoco, 2014. Coautora do livro Visões do Mundo Contemporâneo, São Paulo, 2013 e do livro Não foi tempo perdido os anos 80 em Debate. UFF, Editora 7 Letras, 2015. Atua nas áreas de História, Cultura e Comunicação. E-mail: [email protected]

Aline do Carmo Rochedo

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1

“AS MENINAS E A JUKEBOX”

UM PANORAMA DA HISTÓRIA DAS MULHERES NO ROCK NACIONAL E

INTERNACIONAL

Aline Rochedo1

Investigar o papel da mulher roqueira na perspectiva da histórica contemporânea e

compreendê-la em seu tempo e lugar na sociedade é um desafio que poderá servir de matriz

para análises em outras temáticas relacionadas à mulher. Este artigo é desdobramento da

pesquisa em processo no doutorado sobre o protagonismo das mulheres no rock brasileiro, ao

qual proponho situar com respaldos históricos a incursão da mulher no cenário do rock, este

que ainda parece, predominantemente, um espaço realizado por homens. Intento relatar suas

experiências, propiciando o encontro entre a História Oral e a História de Mulheres, fazendo

ouvir as suas vozes, muitas vezes confinadas ao silenciamento e à esfera privada. No rock,

este aspecto é claramente perceptível, tendo a memória de sua história predominantemente a

partir do olhar e atuação do homem. Associo tais processos à História das Mulheres e às

mudanças ocorridas no gênero musical rock.

A história do rock pelo olhar e atuação delas

A história da música negra, no início do século XX, no continente americano, é

marcada por atitudes preconceituosas por parcela da sociedade, pela política conservadora da

Guerra Fria, rigorosos códigos morais e sexuais. As mulheres, em especial, as negras que

intentaram a trajetória na música, tiveram que enfrentar ao mesmo tempo o racismo e

misoginia. Trata-se de um percurso longo e cheio de obstáculos até que as mulheres

encontrarem seu lugar na cena musical. Nas canções interpretadas por elas, registra-se uma

1 Rochedo, Aline do Carmo - Historiadora e poetisa. Doutoranda em História Cultural pela Universidade Federal

Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ. Mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense-UFF.

Pesquisadora vinculada ao Núcleo de Estudos Contemporâneos (NEC) da UFF. Analisa os gêneros musicais de

origem negra no continente americano, com ênfase no rock como música brasileira dos anos 1980, no âmbito da

política, economia e sociedade, tendo a história das mulheres e das juventudes como norteadores. Autora do livro

Derrubando Reis A Juventude Urbana e o Rock Brasileiro dos anos 1980, Multifoco, 2014. Coautora do livro

Visões do Mundo Contemporâneo, São Paulo, 2013 e do livro Não foi tempo perdido os anos 80 em Debate.

UFF, Editora 7 Letras, 2015. Atua nas áreas de História, Cultura e Comunicação. E-mail:

[email protected]

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transmissão de mensagens, implícitas e explícitas, relatos de violência superados, símbolos de

rebeldia, mudança social e sentimentos. Nessa perspectiva, a análise de uma música e sua

letra considerará a história pessoal da artista, a relação da música com a sociedade no

contexto da época, os padrões e valores contemporâneos e sua herança rítmica. Ainda ressalto

que, no breve mapeamento que realizei para minha atual pesquisa de doutorado, constatei que

parcela significativa dessas artistas sofreu algum tipo de violência, seja simbólica ou física,

principalmente por meio dos seus companheiros e seus empresários. A valorização e o

reconhecimento da mulher e sua produção artística representam trazer à luz as memórias dos

personagens que superaram sua condição social, a discriminação e os conflitos de cunho

pessoal e privado.

O rock foi criado no sul dos Estados Unidos, no pós Segunda Guerra Mundial. Os

estilos que influenciaram o “rhythm and blues” e, consequentemente, o “rock and roll” foram:

o “blues” no qual as letras falavam de adversidade, conflitos e, ocasionalmente, celebrações; o

“gospel”, que em grande parte foi atuado por mulheres, onde observa-se os diálogos de

chamado e resposta, originários dos cantos africanos aos quais também inspirou gestos livres

durante as apresentações e o “jump band jazz”, estilo que emergiu no rastro do fim da era das

grandes bandas no final da Segunda Guerra Mundial. Essa fusão tornou-se, posteriormente, a

base para a primeira era do “rock”, o “rock and roll” clássico. (ROCHEDO. 2014, p 26).

O “Gospel”, uma das vertentes em que as mulheres do “rock” tiveram um espaço

considerável a partir dos anos 1950, antes de despontarem no mercado da música. Segundo

Paul Friedlander, este estilo tem suas raízes na “igreja invisível” do final do período de

escravidão, e “era um formato que incluía palmas, chamado-e-resposta, complexidade rítmica,

batidas persistentes, improvisação melódica e acompanhamento com percussão”(Friedlander,

2006). Trata-se de um estilo de música religiosa carregada de emoção e de complexidade

harmônica.

A igreja era o ponto de partida dessas errantes nascidas em sua maioria no

final do século XIX, nas cidades de Kentucky ou de Macon, revoltadas

contra seu meio e a sociedade. Sippie Wallace (1898-1986) condenava seus

pais batistas que a tinham iniciado na música sacra, mas que a castigavam

com força quando ela tocava as teclas do piano, formando sons caóticos.

(KOECHLIN, 2012, p. 45)

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No início do século XX, as famílias de origem negra iam à igreja e as filhas cantavam

ou tocavam órgão. Anteriormente, as leis da escravidão as proibiam de se aproximar de um

piano ou qualquer instrumento de corda. Quando a emancipação possibilitou a incursão do

negro ao contato com instrumentos antes exclusivos aos brancos, a igreja criou suas próprias

proibições para a mulher:

Uma mulher não estava autorizada a tocar guitarra nem instrumentos de

sopro naquele lugar sagrado. Tal privilégio caberia aos homens. Para elas

seria o piano! Assim nasceu a futura Jazzwoman, apaixonadas por suas

teclas pretas e brancas. (KOECHLIN, 2012, p. 27)

O gospel ainda inspirou gestos corporais recíprocos entre os cantores e o público,

neste caso a congregação. Little Richard, sobre o gospel, sinaliza que, “no gospel, você se

solta! O piano falava. Os tambores andavam! E quem não entendia, achava que estava num

show de rock and roll. O gospel era assim quando eu era menino, não dava pra ficar parado”.

(Little Richard. IN. Documentary THE HISTORY OF ROCK ‘N’ ROLL. 1995)

Ruth Brown, que foi uma cantora, compositora e atriz norte-americana, também

conhecida como rainha do “rhythm and blues”, em entrevista revela que a influência da

musica gospel em sua trajetória, “A música da igreja sempre me influenciou. E até mesmo

hoje, continuo achando que há uma diferença muito pequena entre o gospel e o R&B”. Muitas

músicas saíram da igreja e foram parar em boates como “Mama He Treats Your Daughter

Mean”, que revela em seus versos a relação conflituosa com um homem que a tratava mal.

(Ruth Brown. IN. Documentary THE HISTORY OF ROCK ‘N’ ROLL.1995)

Mama, he treats your daughter mean

Mama, he treats your daughter mean

Mama, he treats your daughter mean

He's the meanest man I've ever seen

Mama, he treats me badly

Makes me love him madly

Mama, he takes my money

Makes me call him honey

Mama, he can't be trusted

Makes me so disgusted

All of my friends say

They don't understand

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What's the matter with this man

I tell you, mama

He treats your daughter mean

Mama, he treats your daughter mean

Mama, he treats your daughter mean

He's the mean, meanest man I've ever seen( trecho da canção “Mama He

Treats Your Daughter Mean”. 1953. Letra por Ruth Brown)

Mama, ele trata sua filha miseravelmente.

Mama, ele trata sua filha pessimamente.

Ele é o homem mais cruel que eu já vi

Mama, ele me trata mal

Faz-me amá-lo loucamente

Mama, ele leva o meu dinheiro

Faz-me chamá-lo de mel

Mama, ele não pode ser confiável.

me deixa enojada

Todos os meus amigos dizem

Eles não entendem

O que se passa com este homem

vos digo, mamãe

Mama, ele trata sua filha miseravelmente.

Mama, ele trata sua filha pessimamente.

Ele é o homem mais cruel que eu já vi. (tradução nossa)

Com a Grande Guerra, os homens partiram para o combate e as mulheres começaram

a atuar em atividades outrora exclusivas a eles. As mulheres substituíram os homens em

fábricas de munições, na manutenção da casa, no trabalho em estações férreas, e também

adentraram com maior notoriedade a esfera da música: “ o sexo frágil se emancipava sem

querer” e quando a guerra acabou, uma nova geração de profissionais despontava. No início

da história do rock, a partir dos anos 1950, a imprensa, assim como os setores mais

conservadores da sociedade, o deslegitimaram concebendo a cultura musical “rock and roll”

como expressão vulgar, por vezes violenta e pouco expressiva. Tal apatia se deu,

principalmente, por estarem diante de uma música negra, contagiante, que envolvia a

juventude e estimulava uma ruptura com os padrões moralistas e preconceituosos vigentes.

Nesta conjuntura, a mulher que estivesse ligada ao gênero certamente não era bem vista, pois

“a reclusão feminina ao espaço doméstico acaba por restringir o acesso das meninas à rua ou

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aos locais de ócio, espaços privilegiados das culturas juvenis” (MULLER, 2004.p.5). E assim,

corroborando para imagem do “rock” como um fenômeno exclusivamente do homem.

Neste período, uma parcela da juventude feminina estadunidense, na faixa etária de 14

a 17 anos, estava empregada em tempo integral. Embora subordinadas, o trabalho favorecia

uma ruptura ao exigir responsabilidades que não fossem as impostas pela esfera familiar.

Ainda não havia um papel claro para este grupo no período, mas é certo que estavam

despontando para a maturidade. Muitas jovens enfrentaram a desaprovação da família que

defendia o seu ingresso na vida adulta via casamento, caminho tradicional que predominava.

Na defesa de sua opção, algumas destas jovens argumentavam serem representantes do poder

jovem no país que poderia suprir a falta da presença masculina,

Queremos trabalhar, não queremos estar interessadas apenas em “jukeboxes”

e coca-cola. Há muito poder no país capaz de compensar a falta de potencial

masculino. Os adultos devem nos ajudar a criar um exército voluntário. Os

jovens querem uma chance de fazer coisas e de ter empregos e

responsabilidade. (ROCHEDO, 2013, p.55)

Foi neste contexto, conflituoso para as mulheres, do final da Segunda Guerra Mundial,

que o “rock” desponta. Tina Tuner recorda dias de trabalho duro nos campos de algodão e nas

noites embaladas pelo sonho de sua carreira musical “Eu odiava colher algodão e limpar! Eu

odiava aquela época e foi o que me fez mudar minha vida e optar pela música”. (Tina Turner

é o nome artístico de Anna Mae Bullock, é uma cantora, dançarina, autora e atriz de origem

norte-americana. Entrevista Apud THE HISTORY OF ROCK ‘N’ ROLL. Direção: David R.

Axerold: EUA. Wonner Bros Vídeo Filmes, 1995.)

Existem vários estilos de rock, do mais harmonioso melódico até os mais progressistas

e radicais. O gênero propõe a troca, a integração com o conjunto, estimulando o público a sair

da convencional passividade. E, desde os seus primeiros anos de vida, aponta para um sentido

político que inclui relação de poder e contestação de costumes numa nova forma de

relacionamento musical e expressão de direitos.

A mulher canta o primeiro rock no Brasil

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Muitos não sabem, mas foi através de uma mulher que o rock passou a ser conhecido

no Brasil. Em novembro de 2014, ao apresentar uma comunicação no seminário em

comemoração aos 20 anos do NEC-UFF (Núcleo de Estudos Contemporâneos em História da

Universidade Federal Fluminense), fiquei surpresa com a reação do público ao relatar que o

rock, no Brasil, ficou conhecido pela voz de uma mulher. Como aconteceu em seu país de

origem, os Estados Unidos, o rock foi difundido no cenário musical brasileiro via telas de

cinema, através do filme “The Blackboard Jungle” (1955). O filme ficou conhecido como

“Sementes da Violência” e obteve tanta repercussão, que reuniu adeptos e versões variadas

para a trilha sonora. A primeira delas interpretada por Nora Ney, uma versão da música

“Rock Around the Clock”, sucesso do conjunto Bill Harley e seus Cometas também por conta

da divulgação. É interessante dizer que a canção de Bill Haley atingiu notoriedade nos EUA,

apenas após sua inclusão na abertura do filme. Não tratou propriamente de uma trilha sonora,

mas uma abertura com cenas selecionadas tendo a canção como fundo musical.

Como narrava, Nora Ney, cantora de jazz e samba-canção, acompanhada do Sexteto

Continental, gravou ‘Rock Around The Clock’, em inglês, o primeiro registro de um rock

gravado no Brasil em 24 de outubro de 1955. Em um momento particularmente favorável de

sua carreira, recebeu inúmeros convites para gravar canções que prometiam estar ligadas à

nova onda musical que chegava ao Brasil: o rock. A cantora gravou, em 1955, pela gravadora

Continental, a música no período já era um sucesso do conjunto Bill Harley e seus Cometas.

A canção foi gravada na letra original, mas o título foi transformado em “Rondas das horas”.

Nora Ney, que possuía uma voz expressiva e grave foi convocada pela gravadora devido a

dois motivos: a versão brasileira da música não foi aprovada e ela era a única que sabia cantar

em Inglês.

One, two, three o'clock, four o'clock rock,

Five, six, seven o'clock, eight o'clock rock.

Nine, ten, eleven o'clock, twelve o'clock rock,

We're gonna rock around the clock tonight.

Put your glad rags on and join me hon',

We'll have some fun when the clock strikes one.

We're gonna rock around the clock tonight,

We're gonna rock, rock, rock, 'till broad daylight,

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(...). (Rock Around The Clock. 1955)

Uma, duas, três, quatro horas de rock,

Cinco, seis, sete horas, oito horas de rock.

Nove, dez, onze horas, doze horas de rock,

Nós vamos dançar rock pelas horas hoje à noite.

Ponha seus trapos alegres e aproveite comigo,

Teremos diversão quando o relógio bater uma.

Nós vamos dançar rock pelas horas hoje à noite,

Nós vamos dançar rock, rock, rock, até amanhecer,

Nós vamos dançar rock, nós vamos dançar rock pelas horas hoje à noite.(...)

Ainda em 1955, no Brasil, tais canções eram disputadas como artigos valiosos. Outras

gravadoras ficaram extremamente interessadas no novo gênero musical que despontava por

conta do sucesso de “Rock around the Clock”. Em dezembro do mesmo ano, a gravadora

“Odeon” (atual EMI) lançou uma versão em português do sucesso, de autoria de Júlio Nagib,

chamado “Ronda das Horas”, que foi gravada por outra mulher, Heleninha Silveira,

Coube a Heleninha Silveira (Helena Silveira Bueno-3/4/1931), aposta

paulista da Odeon, a versão para Rock around the o´clock, lançado por Bill

Halley and his Comets em português, com o mesmo título de “Ronda das

horas” e naquele mesmo ano de 1955. Ao contrário da versão original, em

que de forma metalinguística, os embalos de uma performance do rock

parece atropelar o relógio ( TEIXEIRA, 2015. p. 9)

A Columbia, atual gravadora Sony Music, também investiu no gênero rock,

produzindo outra versão, com o acordeonista Frontera, também lançada em dezembro. As

duas gravações não tiveram repercussão porque a juventude se identificou mais com a versão

próxima do original que conheceram via cinema, interpretada por Nora Ney.

Os primórdios do rock brasileiro remontam também à Celly Campello, uma jovem

criada no interior de São Paulo, que teve trajetória meteórica, ao lado de seu irmão Tony

Campello. Celly ficou conhecida ao gravar seu primeiro LP, aos quinze anos, e manteve um

programa de rádio no qual cantava desde os doze. Tornou-se conhecida nas grandes cidades

brasileiras, no final dos anos 1950, ao gravar versões de rocks americanos, como “Banho de

lua”, de 1958, e “Estúpido Cupido”, de 1959. (ROCHEDO, p.22) O profissionalismo, no

entanto, não dispensava as mulheres das obrigações sociais como também não minimizou as

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cobranças coletivas. Celly Campello é um exemplo desta pressão social, ao abandonar o rock

para se dedicar ao casamento.

O primeiro grande sucesso de Celly Campelo foi a versão da canção "Stupid Cupid",

de Neil Sedaka e Howard Greenfield . No período, Neil Sedaka, fez grande sucesso com a

canção, gravada também por Patsy Cline, Connie Francis, Wanda Jackson, Teresa Brewer

dentre outras cantoras. Apesar de ser da autoria de homem, a canção retratava o universo da

mulher, mostrando a relação de rompimento com o amor idealizado, romantizado, no qual a

mulher era sempre a figura passiva frente ao posicionamento do homem. A versão brasileira

não conseguiu ser fiel ao conteúdo original, mas chegou próximo. A música “Estúpido

Cupido” fez tanto sucesso que uma parcela significativa de pessoas creditam à Celly

Campello às primeiras versões do rock no Brasil. Isso se comprova pelo título de “Rainha do

Rock” (o rei era Sergio Murillo) recebido em 1962 pela Revista do Rock, número 19º.

No auge do sucesso, Celly decidiu encerrar a carreira para se casar e se despediu dos

discos com outro sucesso, a canção "Canário", em dueto com o irmão Tony Campello. A

canção, uma versão de Fred Jorge para “Yellow Bird”, de Norman Lubolf, Marilyn Keith e

Alan Bergman, marcou em 1962 a despedida da primeira rainha do rock brasileiro.

Pouco depois da passagem de Celly Campello, na primeira metade dos anos 1960,

surge o fenômeno da Jovem Guarda, nome derivado de um programa de TV dominical, que

divulgava os artistas jovens. Celly chegou a ser convidada para apresentar o Jovem Guarda

com Roberto Carlos, mas manteve-se firme com a ideia de se dedicar ao matrimônio.

A linguagem própria, que foi chamada de “iê-iê-iê”, atingiu repercussão entre a

juventude, e se fez por meio de seu lançamento no programa de música jovem de mesmo

nome, “Jovem Guarda”, exibido pela Rede Record, entre 1965 e 1968. O programa, nas tardes

de domingo, era apresentado pelo trio Erasmo Carlos, Roberto Carlos e Wanderléa, a

“Ternurinha” como era chamada. Wanderléia chocava o público conservador ao se apresentar

vestida com roupas ousadas, minissaias e ainda sendo a suposta namorada de Roberto e

Erasmo. A cantora Wanderléia lembra que,

Foram lançados uma série de produtos em expansão no marketing dentro da

Jovem Guarda: revistinhas, roupas, papel de carta (...). Foi grande o

momento de expansão da moda jovem no país porque o que antecedeu a nós

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era uma roupa criada pelos pais, era a mãe quem escolhia aquilo que o jovem

iria usar. Eu me senti muito envolvida com a coisa de criar e projetar moda

de uma maneira muito espontânea. (ROCHEDO, 2014.p 41.)

Eram muitos os conflitos que as mulheres do período enfrentavam por estarem

quebrando os “tabus” de uma sociedade conservadora e ao inserirem-se no meio artístico.

Além das questões sociais, no auge da fama, Wanderléia ainda precisou lidar com questões de

cunho pessoal como o choque de ver seu noivo, José Ricardo, ficar paraplégico. Ao recordar

sobre a relação de parceria com Roberto e Erasmo Carlos no programa dominical dos anos

1960, a artista declara que,

Eles eram machistas e ainda são! Como todo homem brasileiro, né? Por mais

que as coisas mudem e eles sejam descolados, você pega umas coisas

machistas neles. Na época da jovem guarda, o Erasmo adorava as minhas

roupas modernas, dizia até que queria uma namorada que se vestisse daquele

jeito. Já o Roberto ficava muito preocupado com o tamanho do meu decote.

Quando eu namorava o filho do Chacrinha (Zé Renato, com quem ficou por

sete anos), ele também ficava preocupado com o meu decote. Era uma coisa

de pensar: “Ah, não vai ficar bem”. Mas não vai ficar bem de acordo com a

cabeça deles, né? Porque todo mundo adorava. (Wanderléia em entrevista a

Nina Lemos a o em 12.03.2009/ Revista TPM /Uol)

Dentre as músicas interpretadas por Wanderléia, “Pare o casamento” uma versão da

canção “Stop The Wedding”, lançado em 1963, de Fred Johnson, Leroy Kirkland e Pearl

Woods, interpretado pela cantora estadunidense Etta James. A versão brasileira atingiu tanto

sucesso que recebeu várias regravações em períodos posteriores aos anos 1960. Neste caso, a

tradução é fiel a letra original, mas o ritmo da música é alterado na versão brasileira, que ao

invés de manter o blues, investe na aceleração rítmica própria do rock.

Ainda na década de 1960, outra mulher surgia no cenário do rock brasileiro, Rita Lee

Jones Carvalho, a Rita Lee. Influenciada pelos Beatles, no início de 1964, durante um dos

shows no Teatro João Caetano, com a participação de conjuntos de vários colégios, Rita Lee

formou seu primeiro grupo musical, formado apenas por mulheres e conheceu os colegas que

futuramente seriam seus companheiros de profissão Arnaldo e Sérgio Baptista.

Em 1962, com catorze anos, Rita formou com três meninas do Liceu Pasteur

um conjunto vocal, o “Teen Ager Sisters” (na verdade, “Teenage Singers”),

que só cantava música folclórica americana. Eram todas muito louras como

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Rita, e por isso os amigos apelidaram o conjunto de "rataria branquela".

Duas delas, uma inglesa e outra suíça, voltaram aos seus países um ano

depois. Rita ficou sem o conjunto: restara apenas sua colega paulista Sueli,

hoje também cantora.2

Em fins de 1966, Arnaldo após várias tentativas com integrantes variados para o

grupo, decidiu formar um conjunto de apenas três integrantes, ele, Sérgio e Rita. Os três

tocavam instrumentos variados e os três cantavam. Formaram então, com guitarra, baixo,

flauta ou pandeiro, um trio sem nome. Era o embrião de Os Mutantes.

Em 15 de outubro de 1966, Os Mutantes fizeram sua primeira apresentação, na noite

de estreia do programa, de “O Pequeno Mundo de Ronnie Von”, na TV Record. O Pequeno

Mundo de Ronnie Von", de 1966, foi um programa apresentado por Ronnie Von no qual este

interpretava um personagem baseado no livro O pequeno príncipe. A partir daí ficou

conhecido como "O pequeno príncipe", apelido que o acompanhou durante alguns anos, como

uma forma de comparação ao apelido de "rei" dado a Roberto Carlos. A mídia na época tinha

criado um clima de rivalidade entre os programas dos respectivos cantores. O trio era a grande

novidade musical do programa. Causou impacto imediato com a versão para duas guitarras,

no qual Rita tocou a segunda, e baixo elétrico. Além de transitar por vários programas da TV

Record, o trio também começou a ser convidado a fazer aparições em outras emissoras.

(CALADO, 1995.p.66)

No período, o destaque para música acorria através dos Festivais da Canção,

transmitidos pela TV Record. Com a apresentação do grupo em outubro de 1968, Gilberto Gil

e Caetano Veloso perceberam que a atuação dos Mutantes com a canção “Domingo no

Parque” não foi a de um conjunto acompanhante de Gil “o trio trazia informações novas, que

interferiram diretamente no futuro grupo tropicalista”. (CALADO,1995, p.70)

Rita, Arnaldo e Sérgio tinham um jeito diferente de se vestir, de falar e de se

comportar. Pareciam jovens ingleses da geração Beatles. Um dos diferenciais em relação aos

2 Entrevista publicada pela revista Realidade, em 1969. Talvez, a primeira grande matéria com os Mutantes, que

no período haviam lançado o segundo LP, depois de participar dos polêmicos festivais da Record. O texto é

assinado pelo jornalista Dirceu Soares.

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baianos, que olhavam o universo do rock de fora, os Mutantes passavam a impressão de

viverem dentro daquele mundo.

A saída de Os Mutantes, em 1972, exauriu Rita Lee. Ao lado de Arnaldo Baptista,

viveu tempos intensos numa relação amorosa, que chegavam ao fim após quatro discos com a

banda e dois solos. Segundo a própria Rita Lee, ela teria sido "convidada a deixar" os

Mutantes porque não teria habilidades musicais para acompanhar a banda em sua nova

direção, rumo ao “Rock Progressivo”3:

Fui expulsa dos Mutantes. Um comunicado tipo 'você não tem o virtuosismo

para instrumentos e não sei o quê, então você está fora'. Foi então a facada

no coração da Virgem Maria, ela segurou a pose e falou 'legal'. Pegou os

“instrumentinhos” dela e foi embora num Jeep. Na primeira esquina eu

desabei, doeu muito, doeu muito. Eu chorei tanto, xinguei tanto. E eis-me

aqui achando hoje que foi um presente dos deuses ter sido expulsa dos

Mutantes. Eu me mandei e me dei bem, cara!4

A canção “Luz del Fuego” expressa, em parte, o problema a qual a artista passou.

Composta por Rita Lee em 1976, a canção é uma homenagem a Dora Vivacqua uma bailarina,

naturista e feminista brasileira que muito ousou com suas ideias para o período e que, por

vingança, foi assassinada em 1967 por dois homens. O caso não foi bem esclarecido no

período e não se sabe as penalidades impostas aos criminosos. O movimento feminista

brasileiro tem respeito e valoriza a história de Luz del Fuego, esta que na década de 1950 já

lutava pela liberdade da mulher, sendo muito conhecida por uma frase que dizia: "daqui a 50

anos serei lembrada”. Nesta canção, Rita Lee sintetiza a problemática da mulher que ao

conquistar seu espaço na sociedade é considerada louca, ou mesmo precisa se declarar como

louca. Nesse sentido, a “loucura” representa a coragem que as mulheres enfrentam

diariamente para conquistarem espaços que são vinculados aos homens social e

historicamente.

Eu hoje represento a loucura

Mais o que você quiser

Tudo que você vê sair da boca

3 Rock progressivo é uma vertente do rock que surgiu no fim da década de 1960, na Inglaterra. Tornou-se muito

popular na década de 1970. A vertente é marcada por composições longas, com harmonia e melodias complexas. 4 Rita Lee em entrevista concedida em outubro de 2006 ao programa Fantástico, da TV Globo

Disponível em whiplash.net/materias/news_906/045460-ritalee.html

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De uma grande mulher

Porém louca!

Eu hoje represento o segredo

Enrolado no papel

Como Luz Del Fuego

Não tinha medo

Ela também foi pro céu, cedo!

Eu hoje represento uma fruta

Pode ser até maçã

Não, não é pecado,

Só um convite

Venha me ver amanhã

Mesmo!

Amanhã! Amanhã! Amanhã!...

Eu hoje represento o folclore

Enrustido no metrô

Da grande cidade que está com pressa

De saber onde eu vou

Sem essa!

Eu hoje represento a cigarra

Que ainda vai cantar

Nesse formigueiro quem tem ouvidos

Vai poder escutar

Meu grito!

Eu hoje represento a pergunta

Na barriga da mamãe

E quem morre hoje, nasce um dia

Pra viver amanhã

E sempre

Amanhã.5

Em relação às técnicas musicistas, as atribuições ao ato de tocar um instrumento, que

supostamente requer potência, força, “pegada forte”, resistência física e poder são

relacionadas às características presentes no rock mais comumente ligadas ao ideal da

“masculinidade”, do homem (JACQUES. 2017). Enquanto que sensibilidade, suavidade,

afetividade, são características associadas à mulher, as quais não são bem assimiladas neste

gênero musical. Supostamente, por este motivo, a atuação das mulheres nem sempre foi bem

vista pelos adeptos do rock, considerando a presença delas inferior.

5 Apesar de tratar-se de uma composição de 1975 , quando penso na canção eu considero a interpretação de

Cássia Eller e Rita Lee, de 1998 no "Acústico MTV - Rita Lee.

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Considerações

No processo de consolidação do “rock and roll”, ainda que o talento das mulheres

tivesse as mesmas qualidades atribuídas aos homens, dificilmente, salvo algumas exceções,

elas alcançaram o mesmo status que seus companheiros de profissão. Predominava a atuação

de cantores e compositores, que acentuavam o domínio da figura do homem na esfera

artística. O rock é um gênero musical que exige bom desempenho musicista, em especial aos

que tocam guitarra, e tal técnica esteve sempre reservado aos homens, mesmo que a mulher

exercesse a função de musicista tão bem quanto.

A linguagem musical do rock feito por mulheres não pode ser compreendida sem

considerarmos o contexto histórico e social em que circundam e as peculiaridades de suas

protagonistas. Nessa perspectiva, a análise de uma música e sua letra considerará a história

pessoal da artista, a relação da música com a sociedade no contexto da época, os padrões e

valores contemporâneos e sua herança rítmica.

Dirigir-se pelo estudo do papel da mulher roqueira na perspectiva da histórica

contemporânea e compreendê-la em seu tempo e lugar na sociedade é um desafio que poderá

servir de matriz para análises em outras temáticas relacionadas à mulher.

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