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ARMAZÉM DA MEMÓRIA NACIONAL

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www.almanaquebrasil.com.br

Pegamos o telefone que o menino fez com duas caixas de papelão e pedimos

uma ligação com a infância.Millôr Fernandes

Diretor editorial Elifas AndreatoDiretor executivo Bento Huzak AndreatoEditor João Rocha RodriguesEditor de arte Dennis VecchioneEditora de imagens Laura Huzak AndreatoEditor contribuinte Mylton SeverianoRedatores Bruno Hoffmann e Natália Pesciotta Revisora Liliane BenettiDesigners Guilherme Resende, Rodrigo Terra Vargas, Soledad Cifuentes e Daniela Santiago (estagiária)

Redatora web Marisa Nascimento (estagiária) Gerente administrativa Eliana FreitasAssistentes administrativas Viviane Silva e Geisa Lima Assessoria jurídica Cesnik, Quintino e Salinas AdvogadosJornalista responsável João Rocha Rodrigues (MTb 45265/SP)Impressão Gráfica Oceano

PUBLICIDADEFernanda Santiago (11) 3873-9115E-mail: [email protected]

Brincadeira não tem hora

Elifas Andreato

primeira atividade humana é a brincadeira. Brincando, a criança aprende tudo o que vai precisar na vida adulta. A imaginação é o universo sem limites de todos neste vasto mundo de realidades tão distintas, recanto onde o ser humano pode

preservar-se da dureza do mundo real. A brincadeira não faz distinção de nada. Não importa se é um pião rodopiando no chão, um pega-pega ou um videogame na tela da tevê. Pode ser no Brasil, na África do Sul ou no Japão. A alegria de brincar é semelhante em todo o mundo.

É justamente esse período cada vez mais curto da vida que pode fazer o ser humano adulto ser capaz de superar os obstáculos deste bruto mundo real. Guardo comigo aquele menino que, por necessidade, fazia seus próprios brinquedos. Quando a vida traz alguma dor, é esse menino que me aconselha e conforta, com a sabedoria que seus dias de felicidade lhe deram. É ele quem me ajuda a superar as adversidades da vida adulta.

Desde seus primeiros anos, esse menino brincava de imaginar um outro mundo para ele e para a sua família, mesmo quando a dura realidade projetava para si um futuro pouco animador. Mas como toda criança, ele se alimentava de esperança. Jamais deixou de sonhar o futuro que queria. Foi persistente, obstinado.

Ainda hoje, esse menino vive no corpo de um homem que envelheceu sem perder a alegria de viver. Um homem que sonha e trabalha para que todas as crianças possam brincar de imaginar que todo sonho, por mais impossível que pareça, pode realizar-se. Um sujeito que não cansa de afirmar: toda criança devolve ao mundo aquilo que recebeu na infância.

A mais nobre responsabilidade de todos nós é preservar com zelo os sonhos e esperanças da infância. Serão elas, as crianças, que herdarão o futuro que eu sinceramente desejo melhor e mais digno do que o presente que vivemos.

Há muito tempo se trata desse assunto com a cínica retórica da omissão. Uma omissão que, dia após dia, retarda as ações efetivas que poderiam ao menos amenizar as gravíssimas consequências, muitas delas irreversíveis, que roubam o sonho de grande parte de nossas crianças.

Um novo ano começa e poderá ser um bom motivo para promessas, que não sejam pessoais, mas coletivas. Porque ação é uma palavra mágica.

O Almanaque está sob licença Creative Commons. A cópia e a reprodução de seu conteúdo são autori-

zadas para uso não comercial, desde que dado o devido crédito à publicação e aos autores. Não estão incluídas nessa licença obras de terceiros. Para reprodu-ção com outros fins, entre em contato com a Andreato Comunicação & Cultura. Leia a íntegra da licença no site do Almanaque.

A

Distribuição em voos nacionais e internacionais

[email protected] www.almanaquebrasil.com.br twitter.com/almanaquebrasil

O Almanaque é uma publicação da Andreato Comunicação & Cultura.Rua Dr. Franco da Rocha, 137 - 11º andar Perdizes. São Paulo-SP CEP 05015-040 Fone: (11) 3873-9115

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Parceria

índice 5 cArtA eNiGMÁticA

6 você SABiA?

12 PAPo-cABeÇA

16 ilUStreS BrASileiroS

20 eSPeciAl

24 BrASil NA tv

26 JoGoS e BriNcADeirAS

27 o teco-teco

28 vivA o BrASil

32 eM Se PlANtANDo, tUDo DÁ

34 BoM HUMor

Mario Sergio cortella

Brincar sem fio na tomada

Zilda Arns laranja – parte 3

Jaraguá do Sul

capa Rodrigo Terra Vargas cANtoS e letrAS

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Janeiro 2012

A foto ao lado registra a primeira visita de Fidel Castro ao Brasil, em 1959,

mesmo ano da revolução cubana. O revolucionário, porém, não agradou muito

a seu anfitrião, o ministro da Guerra de Juscelino Kubitschek. General Lott não

suportava o cheiro do charuto do convidado. Entre outros assuntos, Fidel contou

que as escolas militares em Cuba haviam sido abolidas, pois “a ação é a melhor

escola militar”. O general de carreira voltou para casa decepcionado. Teria dito à

filha Edna que o novo líder cubano era “um falastrão orgulhoso e mal-educado”.

Ag

ênc

iA JB

menino tinha apenas seis anos quando o pai o ensinou a tocar violão. No ano seguinte, a família mineira de Cataguases se estabeleceria no Rio de Janeiro, prato

cheio para quem queria se apresentar no rádio. Aos 12, ele já fazia parte do grupo Namorados da Lua. Depois excursionou por Cuba, México e Estados Unidos com o Anjos do Inferno. O grupo ainda se apresentaria com Carmen Miranda no exterior, mas nosso personagem enigmático preferiu seguir carreira solo, a partir de 1949.

Um humorista parafraseou a alcunha de Orlando Silva, o Cantor das Multidões, e disse que ele era o Cantor das Multidi-nhas, em referência à voz refinada, sem o vibrato comum da épo-ca. Seu fã clube supostamente rivalizava com o de Dick Farney.

Até que os dois cantores pediram a Tom Jobim e Billy Blanco uma música que pudessem cantar juntos. Não pode ser tua / Nem tua também / Teresa é da praia / Não é de ninguém, dizia a letra de Teresa da Praia. Depois da canção precursora da bossa nova, foi até fundado um fã-clube que homenageava os dois galãs ao mesmo tempo.

Viveu a transição do tempo dos últimos cantores do rádio para a bossa nova. Gente como Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli o citavam como referência. João Gilberto o colocava no trio de melhores intérpretes brasileiros, ao lado de Cyro Monteiro e Orlando Silva. Para o crítico Tárik de Souza, foi a figura “mais injustiçada dos precursores e bossa-novistas por não ter a ficha no catálogo de criadores da bossa”. E você? Sabe dizer quem é? (nP)

SOLUçãO NA P. 26

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www.almanaquebrasil.com.br

J A N E I R O

6/1/1598PARA PROtEgER A REgIãO dE

NAtAl dE AtAquEs PIRAtAs, INIcIA-sE A cONstRuçãO dO FORtE dOs REIs MAgOs,

bAtIzAdO cOM EssE NOME EM hOMENAgEM AOs sANtOs dO dIA.

www.almanaquebrasil.com.br

Diário da Tarde, que circulou em Curitiba entre 1899 e 1951, pretendia

ser “a folha imparcial” de maior circulação do Paraná. Mas para a infelicidade de muitos cidadãos sem condições financeiras e políticas de se defender, o periódico estava sempre do lado de lá. Restava a eles serem retratados como personagens de matérias sensacionalistas sobre misticismo e feitiçaria.

Uma das primeiras vítimas, já no ano de estreia, foi uma imigrante chamada Anna Formiga. Segundo o periódico, ela tinha “relações com Satanaz, cuja vontade domina”. Não há sinais do que aconteceu com a escocesa depois disso. Em compensação, a notícia deu origem à lenda urbana da bruxa com quadril avantajado, devoradora de doces e assassina de crianças – uma fugitiva que veio esconder, numa vida pacata em Curitiba, uma história cheia de

Escocesa voadora virou notícia e lenda em Curitiba

magia negra, sacrifícios e voos de vassoura.

Anna sobrevivia de consultas mágicas, pagas pela vizinhança com dinheiro, comida e favores. Não foi à toa sua difamação – no centro e adjacências, diversos escritórios de advocacia, consultórios médicos e outras “ciências sérias” começaram a aparecer. A exemplo do que ocorria no Rio de Janeiro, a prefeitura

botou abaixo construções não rentáveis, abrindo alas para os bondes e os negócios. A cidade se urbanizava aos poucos. Além da prefeitura, a polícia, os médicos e outros profissionais se engajavam no estabelecimento de um estilo de vida específico na cidade. Enquanto isso, benzedeiras e curandeiros foram perdendo espaço. E virando lenda.

SAIBA MAIS Confira na terceira edição da revista Overmundo a íntegra da matéria: www.overmundo.com.br/blog/revista.

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7/1 dia da

liberdade

de culto

1/1 dia da confrater

nização

universal

RepR

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ão

SAIBA MAIS Site do Sindicato dos Gêmeos: www.sindicatodosgemeos.com.br.

les são a cara de um e o focinho do outro desde o berço. Acostumados a serem

comparados e confundidos, irmãos gêmeos crescem sabendo que no mundo tem outro alguém com a sua aparência andando por aí.

Cansados de ser quem não são apenas por parecerem ser, irmãos gêmeos com profissões

Gêmeos do Brasil, uni-vos!

E

(Laís duarte)

gêmeas lançaram o sindicato dessa categoria tão especial. Os cartunistas Chico e Paulo Caruso oficializaram as reivindicações de todos os que nascem nas mesmas condições que eles, ou seja, em dose dupla (ou tripla!). Criaram até o Encontro Nacional dos Idênticos. O projeto também conta com a participação de outra dupla: Ricardo e

Alexandre Ghelman, iguais até no ofício da medicina.Para que a iniciativa não vire letra morta, o sindicato tem

estatuto e tudo. Aqui, os 10 mandamentos gemelares:1) Amarás o teu gêmeo, assim como o gêmeo do outro

e os outros que não têm gêmeo.2) Serás uma pessoa única, mesmo existindo outra

criatura que é a sua cara.

3) Terás paciência com perguntas curiosas. Ser gêmeo é muito

curioso mesmo.4) Jamais desistirá do teu gêmeo. Ele

pode estar meio errado, mas estará sempre inteiramente ao seu lado.

5) Compreenderás o teu gêmeo, afinal ele pode ser a única pessoa a compreender você.

6) Não farás ao teu gêmeo o que não gostarias que ele fizesse a ti.

7) Não deixarás tua mãe vesti-los iguaizinhos.8) Em caso de confusão, não te

aproveitarás do cônjuge alheio.9) Não negarás que nascemos homo sapiens

gemelos. Gêmeo é a proliferação da espécie!10) Não levarás tão a sério esta coisa de

sindicato de gêmeos (quem desacatar, na outra encarnação nasce sozinho!).

div

uLg

ão

Nota sobre Anna Formiga, publicada em maio de 1899.

Ricardo e Alexandre Ghelman e Paulo e Chico Caruso (não necessariamente nessa ordem).

(Tiago Rubini, de Curitiba-pR - oveRMuNdo)

6/1/1908PARA PROtEgER A cAPItAl dA

REPúblIcA, INIcIAM-sE NO RIO dE JANEIRO As ObRAs dO FORtE dE cOPAcAbANA, cOM

sOFIstIcAdOs REcuRsOs dE ENgENhARIA MIlItAR.

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Janeiro 2012

e José do Patrocínio viveu momentos de esplendor como um dos heróis da abolição da escravatura, seus anos seguintes não foram lá tão gloriosos. O governo republicano,

empossado em 1889, o considerava um defensor da monarquia. O jornalista foi perseguido, preso e enviado para a Amazônia. Na volta, sem dinheiro nem prestígio, decidiu dar a si outra missão: fabricar um dirigível capaz de ir do Brasil à Europa.

Patrocínio chegou a vender a casa e se mudar para o subúrbio do Rio para investir na criação. Num discurso, quando alguns ouvintes começaram a rir, disparou, confiante: “Vocês sorriem? Pois, sim. Eu hei de rir lá de cima, quando, depois de meu banho frio e de um cálice de conhaque, sair daqui no meu balão às 6 da manhã para almoçar às 11 em Lisboa”.

Mesmo enfraquecido e sem dinheiro, o abolicionista trabalhava horas no Santa Cruz, como batizou a aeronave, que teria 45 metros de comprimento. O amigo Olavo Bilac, após uma visita, declarou: “Ele está magro, esquelético, com olhos encovados no fundo das órbitas”.

Apesar de certa incredulidade, a obra gerou expectativa. O presidente Arthur Bernardes visitou o hangar. Santos Dumont também. Foi, aliás, fazendo uma homenagem ao futuro inventor do avião durante uma palestra que Patrocínio passou mal. Morreu poucos dias depois, de tuberculose, em 29 de janeiro de 1905, ainda prometendo que colocaria seu invento no ar.

Pouco depois, um engenheiro do governo atestou que o dirigível inacabado não tinha valor algum. As peças foram vendidas para um ferro-velho, mas o episódio ficou na memória dos cariocas por mais algum tempo. Bastava surgir um barulho desconhecido nas ruas para um gaiato exclamar: “Deve ser o balão do José do Patrocínio!”.

Primeiro presidente não quis saber de Estado com religião

(BH)

No site do AlmANAquE, leia o decreto pelo qual o Brasil tornou-se um estado laico.

Balão de Patrocíniocruzaria o Atlântico em 5 horasS

D

RepR

od

ão

(BH)

No site do AlmANAquE, leia outras histórias sobre José do Patrocínio.

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a colonização ao fim do Império, o catolicismo foi a religião oficial do Brasil.

A situação só mudou com a proclamação da República, em 1889. uma das primeiras atitudes do nosso primeiro presidente, marechal Deodoro da Fonseca, foi desvincular a Igreja do Estado.

O decreto de 7 de janeiro de 1890 deixava claro: “Cabem a todos o pleno direito de se constituírem e viverem coletivamente seu credo e sua disciplina, sem intervenção do poder público”. De um lado, o Brasil deixava de ser um país oficialmente católico. De outro, o Estado não podia mais se meter nos assuntos da Igreja.

Os líderes católicos não gostaram da novidade. O bispo do Pará, dom Antônio de macedo Costa, escreveu uma carta pública em que afirmava que a Igreja “não pode, sem contradizer sua história, sem renegar a sua própria essência, admitir o princípio de que todas as religiões são igualmente verdadeiras”. mas a Constituição de 1891 reafirmou a posição da jovem República.

enigma figurado

RepR

od

ão

R.: confira a resposta na página 26

A pesar da foto comportada, mais tarde o menino ao lado seria expulso

do colégio tradicional por escrever um texto considerado inapropriado.

Tornou-se filósofo, escritor, poeta e músico. Filho de estrangeiros, nasceu

em 17 de janeiro de 1941, pouco depois dos pais – judeus da Áustria e

da antiga Iugoslávia – chegarem ao Brasil, foragidos da Segunda Guerra.

maracatu Atômico é a composição mais conhecida desse entusiasta do

País e um dos mentores da Tropicália. Já sabe quem é?

RepR

od

ão

marechal Deodoro: religião sem intervenção do poder público.

Projeto do dirigível concebido por José do Patrocínio: da imaginação para o ferro-velho.

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Anhanguera vai mal das pernas, mas aindasabe sambar

que une Flamengo, Vasco, Fluminense, Botafogo, América e Bangu? Não há clube

importante do futebol carioca que Gentil Cardoso não treinou. Isso apesar de muitos deles terem considerado um problema um técnico negro no comando. Artigos da época garantiam que, “apesar de ser homem de cor”, Gentil era um “homem de capacidade”.

O fato é que, sentado no banco, Gentil levou o título carioca pelo Fluminense e pelo Vasco, em 1946 e 1952. mas talvez sua maior contribuição esteja no campo do folclore futebolístico. Se hoje é clichê dizer que “o futebol é uma caixinha de surpresas”, é porque um dia ele inventou a frase. Foi ele também quem criou a expressão “vai dar zebra”, quando dirigia a Portuguesa do Rio. Se referia ao animal que não existe no jogo do bicho para mostrar sua confiança de que o impossível poderia acontecer, e sua equipe derrotar o poderoso Vasco da Gama. A lusa carioca venceu, e a expressão pegou. Até hoje o mascote do clube é uma simpática zebrinha.

O pernambucano, que havia sido engraxate, motorneiro, garçom e marinheiro, costumava dizer: “Só sou convidado para o enterro, nunca para comer o bolo de noiva”. É que depois do sucesso no Rio de Janeiro, foi chamado para salvar todos os times do Recife: Sport, em 1955; Santa Cruz, em 1959; e Náutico, em 1960. Deu zebra, e ele levou a taça em todas as ocasiões.

Gentil Cardoso inventou a zebra e a caixinha de surpresas

SAIBA MAIS O Negro no Futebol Brasileiro, de mario Rodrigues (Faperj, 2004).

O

(Np)

Associação Atlética Anhanguera é um dos mais

tradicionais clubes de várzea de São Paulo. Fundado no Bom Retiro em 1928, também teve uma importante história além-bola para o bairro. Durante décadas, sua sede foi palco de eventos culturais e sociais, até começar a ocorrer um paulatino declínio das atividades. O clube retomou sua vocação em 2007, quando passou a receber uma disputada roda de samba com importantes nomes da música nacional.

“O futebol de várzea é o pilar do samba paulista”, defende Arthur Tirone, idealizador do projeto Anhanguera Dá Samba, ao lado do produtor musical e cantor do grupo Inimigos do Batente, Fernando Szegeri. Toda a última sexta-feira do mês, o Inimigos do Batente entoa sambas de Wilson Baptista, Candeia, Noel Rosa, Silas de Oliveira e outros bambas. Sempre com um convidado especial. Entre os nomes que já soltaram a voz ao lado do campo de futebol, estão gente como Monarco, Nei Lopes, Seu Nenê da Vila Matilde e Wilson das Neves.

Com preço baixo e música de primeira, o samba atrai gente de todo o tipo – de descolados da Vila Madalena a moradores dos bairros da região. Em dias mais concorridos, o lugar chega a receber 600 pessoas. O time de futebol não anda muito bem das pernas – tanto que a mais importante conquista do Anhanguera é do longínquo ano de 1938. Mas não pode ser acusado de ser doente do pé.

SAIBA MAIS Blog de Arthur Tirone com histórias sobre o Anhanguera: www.anhanguera.blogspot.com.

14/1 dia do treinador de futebol

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(BH)

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25/1 dia d

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Jogadores do Anhanguera em 1955 e a concorrida roda de samba.

confira a resposta na página 26

de quem são estes olhos?

Filho de pediatra e professora de educação física, o dono destes olhos nasceu em

10 de janeiro de 1987. Aos 15 anos, já deixava sua cidade no interior paulista para treinar

na capital. Provavelmente você, leitor, o conheceu quando dourou o quadro de medalhas

brasileiras nos Jogos Panamericanos de 2007. Eram as primeiras de tantas competições

internacionais nas quais seria o mais rápido. Já sabe seu nome?

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O que se colhe em JANEIRO

estação colheita

Abacaxi, fruta-do-conde, mamão, maracujá, quiabo, beterraba, nectarina, figo.

o baú do Barão

Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.

or 180 vezes, duas mil pessoas diante do Congresso Nacional

repetiram a mesma reação, naquele 15 de janeiro de 1985: uma profunda vaia cada vez que um deputado do colégio eleitoral votava em Paulo maluf para a presidência da República. mas se o voto fosse para Tancredo Neves, sorrisos e aplausos animavam Brasília. A euforia se estendia por todo o País, disparada por imagens transmitidas ao vivo. Nem um defeito no telão da Cinelândia – devidamente compensado com distribuição de chopes – desaminou os espectadores no centro do Rio.

quando o candidato da oposição ao regime militar conquistou 380 votos, o Brasil estourou

Pelo fim do regime militar, Brasil contou voto a voto

(Np)

P

m 1910, oficiais liderados por João Cândido sacudiram o País, reivindicando

o fim dos castigos físicos na Marinha. Depois de longas e tensas negociações, a Revolta da Chibata foi reprimida; e os rebeldes, presos. Porém, a imagem de João Cândido – o Almirante Negro, nos dizeres da imprensa – seguiu viva. Teve até quem planejasse transportar a história do marinheiro para as luzes do cinema.

O documentário A Vida de João Cândido, do diretor Alberto Botelho, começou a ser produzido em 1910 e foi finalizado em 1912. Mas nunca foi exibido. Em 22 de janeiro de 1912, o chefe da polícia do Rio, Belizário Fernandes da Silva Távora, proibiu a estreia. “Se não fizesse o que fez, talvez a essa hora o Rio em peso estivesse revolucionado”, defendeu o Correio da Manhã. Tido hoje como desaparecido, o curta-metragem foi o primeiro filme brasileiro a cair nas garras da censura.

E

(BH)

No site do AlmANAquE, acesse matéria publicada na revista Veja em 1985 sobre a vitória de Tancredo.

janeirotambém tem

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10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22

23 24 25 26 27 28 29 3031

Dia do Município

Dia do Bonde

Dia do Juiz de Menores

Dia Mundial do Braile

Dia da Saudade no Futebol (SP)

Dia da Gratidão

Dia do Leitor

Dia Nacional do Fotógrafo

Dia da Bandeira do Paraná

Dia do Patrono dos Violeiros

Dia do Controle da Poluição por Agrotóxicos

Dia de Belém

Dia do Tratado de Madri

Dia Mundial do Enfermo

Dia Mundial do Compositor

Dia do Cortador de Cana de Açúcar

Dia dos Tribunais de Contas do Brasil

Dia Internacional do Riso

Dia do Terapeuta Ocupacional

Dia Nacional do Fusca

Dia Mundial da Religião

Dia do Senado

Dia do Padroeiro dos Mendigos

Dia Nacional do Aposentado

Dia do Carteiro

Dia da Cidade de Santos (SP)

Dia do Orador

Dia do Portuário

Dia da Exportação Paranaense

Dia da Saudade

Dia Mundial da Solidariedade

No site do AlmANAquE, leia outros textos sobre a Revolta da Chibata.

Filme sobre o Almirante Negro inaugurou censura no cinema

em comemoração, rojões e música. A festança foi do “baile popular”, em Belém do Pará, ao “Tancredance” carioca, com Caetano Veloso e Chico Buarque anunciando o “fim do pesadelo”.

O discurso de Tancredo, primeiro presidente civil eleito em mais de 25 anos, foi interrompido pelas palmas dos congressistas 40 vezes: “Esta foi a última eleição indireta da história do Brasil. Não há pátria onde falta a democracia”.

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o “Nunca desista do seu sonho. Se acabou em uma padaria, procure em outra.”

Tancredo Neves e outros políticos comemoram sua vitória no colégio eleitoral.

João Cândido: tema do primeiro filme brasileiro censurado.

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www.almanaquebrasil.com.br

Fases da Lua1 . 2 . 3 . 4 . 5 . 6 . 7 . 8 . 9 . 10 . 11 . 12 . 13 . 14 . 15 . 16 . 17 . 18 . 19 . 20 . 21 . 22 . 23 . 24 . 25 . 26 . 27 . 28 . 29 . 30 . 31

cheia novacrescente crescenteminguante

s americanos têm lá os fantasmas deles. Eu prefiro os nossos monstros.” A frase é de Flavio Colin, um dos mais importantes e menos conhecidos cartunistas do

Brasil, morto em 2002. O carioca começou a carreira em 1956, aos 26 anos. No início, os editores reclamavam que seu estilo de desenho, com alto grau de contraste de preto e branco, era elitizado demais. mais tarde, quando trouxe às Hqs histórias de terror, deparou-se com a aversão de parte do público. Houve até campanhas contra os seus quadrinhos. “um dia estava sendo apresentado a uma pessoa que, quando ouviu meu nome, puxou a mão para não me cumprimentar.”

No intervalo dos trabalhos publicitários – algo que detestava –, Flavio desenhava sacis, espíritos de índios, caboclos. E também histórias com temas bem nacionais: A Guerra dos Farrapos, A Mulher-Diaba no Rastro de Lampião. Ao ser perguntado por que persistia no ofício, mesmo sem o reconhecimento devido, lançou: “É que desenhar é a minha cachaça”. Para o jornalista Gonçalo Júnior, autor da biografia do cartunista, “Flavio é um dos mais sofisticados e mais geniais autores de quadrinhos do século 20 do mundo”.

Flavio Colin queria assombrações brasileiras

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ocê conhece Baiano e Paulinho Boca de Profeta? Pois eles integraram um conhecido grupo musical que gravou dois

discos durante os anos 1970. São personagens de Chico Anysio e Arnaud Rodrigues, que, ao lado do guitarrista Renato Piau, se travestiram de tropicalistas para criar o conjunto Baiano e os Novos Caetanos. Como o nome sugere, era uma paródia a Caetano Veloso e ao grupo Novos Baianos, que tinha entre os integrantes Paulinho Boca de Cantor.

A criação foi ao ar em 1973, no programa Chico City, da Globo. mas a intenção dos humoristas não era unicamente fazer graça com os músicos. Sensibilizado pelo exílio imposto a Caetano, Chico Anysio encontrou no humor uma forma de protestar contra a ditadura.

Baiano e os Novos Caetanos saíram em disco em 1974. O grande sucesso foi Vou Batê Pra Tu, uma alusão aos delatores da ditadura: Deduração, um cara louco que dançou com tudo / Entregação do dedo de veludo / Com quem não tenho grandes ligações. Em Cidadão da mata, Chico diz, despudoradamente: Amo a mata / Porque nela não há presos. Os arranjos eram de primeira, com direito a soul, rocks, baiões, forrós e outros gêneros musicais.

No ano seguinte, saía Baiano e os Novos Caetanos 2, com mais críticas sutis e bem-humoradas à política do País. O sucesso foi tanto que receberam convites para se apresentar na Europa. Já os militares não entenderam nada. Como lembra o jornalista Ricardo Schott, “havia muito mais do que apenas bom humor ali. Sorte de quem entendeu”.

Baiano e os Novos Caetanos alfinetaram a ditaduraV

(BH)

(BH)

No site do AlmANAquE, ouça canções de Baiano e os Novos Caetanos.

No site do AlmANAquE, veja outras ilustrações de Flavio Colin.

18/1 dia internacional do riso

Origem da expressão

LEVADO DA BRECA Além de usar a palavra breca com o sentido de “fúria”,

“mau humor”, os portugueses também trouxeram ao brasil diversas expressões

usando o termo. A interjeição “da breca” ou “ir-se à breca”, para sumir, morrer, caiu

em desuso, mas ficamos com o adjetivo para pessoas traquinas. “levado da breca”

foi usado em O Cortiço (1890), de Aluísio de Azevedo, e um século depois definiria

chacrinha na abertura do seu programa de tevê.

30/1dia nacional dos quadrinhos

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Janeiro 2012

1 domingo Odilo2 segunda Macário de Alexandria 3 terça Genoveva4 quarta Elisabete Seton5 quinta João Nepomuceno6 sexta Reis Magos7 sábado Raimundo de Peñafort8 domingo Torfino9 segunda Filipe de Moscou 10 terça Gonçalo11 quarta Baltazar12 quinta Tatiana13 sexta Hilário de Poitiers14 sábado Barbásimas15 domingo Mauro16 segunda Marcelo17 terça Antão18 quarta Cátedra19 quinta Mário20 sexta Sebastião21 sábado Inês22 domingo Vicente da Espanha23 segunda João, o Esmoler24 terça Francisco de Sales25 quarta Paulo26 quinta Paula27 sexta Ângela de Bréscia28 sábado Tomás de Aquino29 domingo Gildas30 segunda Bertila31 terça João Bosco

Aquário Não estranhe se um nativo de Aquário parecer emocionalmente distante: é só uma forma de poder refletir friamente em relações e situações. Aquarianos gostam de projetar o futuro. Apesar do distanciamento, costumam ser bem pacíficos e solidários. Apenas duas coisas os irritam: serem tratados com autoridade ou terem a liberdade cerceada. Valorizam fidelidade e companheirismo tanto quanto sua própria privacidade.

21-1 a 19-2

a primeira vez que milton Nascimento foi ensaiar com o Evolussamba na casa de

marilton, nos anos 1970, morreu de medo do pai do amigo e dos futuros parceiros márcio e lô Borges. O homem abriu a porta do quarto, olhou em volta e fechou de novo. Bituca quase congelou: “Será que está bravo?”. mas logo Salomão voltou com um prato de comida para cada menino. A partir daí, meio caminho estava andado para que o rapaz de 17 anos tivesse o posto de filho número 12 de seu Salomão e dona maricota. Passava muito mais tempo no apartamento da família no 17° do que na sua pensão do quarto andar, naquele prédio do centro de Belo Horizonte.

Além dos 11 filhos, a casa de três quartos estava sempre cheia de agregados. Bituca tornou-se quase residente do “quarto dos homens”. Nos tempos de cachês baixos, tinha ali sua franquia, roupas e boia, além de chuveiro e cuidados de maricota depois das bebedeiras.

mesmo quando milton se mudou para São Paulo, a casa dos amigos manteve-se como ponto de apoio em Belo Horizonte, já que sua

SAIBA MAIS Os Sonhos não Envelhecem – Histórias do Clube da Esquina, de márcio Borges (Geração, 1996).

família era do interior. O quarto dos homens se transferiria do centro para o bairro de Santa Tereza, onde chamariam “clube da esquina” o ponto de encontro dos rapazes na calçada. lá foram compostas a muitas mãos canções como Para lennon e mcCartney e Clube da Esquina, deixando dona maricota às lágrimas.

Às vezes, milton chegava de madrugada, tacava uma pedra na janela do quarto e ia contando as novidades: Elis Regina gravaria uma música sua, uma canção feita com márcio entrara em um festival. Ou que se casaria, com direito a Salomão e maricota de padrinhos.

Certa vez, trouxe com ele o percussionista Naná Vasconcelos, que se deu tão bem com as panelas da casa que continuou por lá depois que o amigo foi embora. Já nos anos 1990, apareceu com o guitarrista norte-americano Pat metheny, que queria conhecer de qualquer jeito o tal Clube da Esquina, mesmo que o lugar fosse um pedaço de meio-fio na rua Divinópolis. Emendaram na casa dos Borges: “Ficaram um tempão aqui conversando com Salim”, conta maricota. Se a esquina era um clube fictício, a casa ao lado era sua sede.

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Sem a casa dos Borges, não haveria Clube da Esquina 29/1

dia dahospitalidade

Assim como são Jorge, Sebastião foi um dos

soldados romanos mártires no século 4. Os dois santos guerreiros –

muito cultuados no Rio de Janeiro, onde Sebastião é padroeiro –

têm outra semelhança: suas biografias são mais míticas do que historicamente comprovadas. No

sincretismo religioso, Sebastião equivale ao orixá Oxossi.

São Sebastião

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No “quarto dos homens”, seu Salomão e dona maricota com sete dos 12 filhos.

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Macarrão instantâneo, batatas fritas e até Lady Gaga convivem harmoniosamente com Heráclito de Éfeso, Parmênides de Eleia ou Platão na conversa cativante do filósofo Mario Sergio Cortella. Provando que a filosofia não é necessariamente assunto enfadonho ou impenetrável, cruzam o

caminho e as áreas de interesse de Cortella desde Alice no País das Maravilhas até epistemologia; de antropologia filosófica ao arrasa quarteirão Matrix. Um dos mais importantes discípulos do educador Paulo Freire – de quem foi o último orientado –, o paranaense de Londrina aposta na filosofia para

despertar a capacidade de suspeita. “Nosso país tem uma certa predileção pelo óbvio, que nos acalma, mas nos deixa pouco reflexivos.” Professor titular da PUC-SP e autor de livros como Não Espere pelo Epitáfio (2005), Política: Para Não Ser Idiota (2010) e Nos Labirintos da Moral, Cortella deseja uma filosofia que nos ajude a pensar de maneira mais crítica, afastando preconceitos e exercitando um

olhar menos superficial sobre a realidade. E por considerar que vivemos em um mundo imediatista, defende a pamonhalização da vida. Ou seja: que, a despeito de todas as praticidades do mundo

contemporâneo, devemos valorizar a longa, trabalhosa e solidária preparação da pamonha.

M A R I O S E R G I O C O R T E L L A

Por João Rocha Rodrigues

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É preciso rejeitar a despamonhalização da vida

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Você é autor de um livro chamado Qual É a Tua Obra? Qual é a obra de um filósofo brasileiro do século 21? Sempre que se fala em filosofia, imagina-se uma dedicação a coisas que são esotéricas, abstratas. Mas a filosofia nasce, na origem, a partir do autoconhecimento. É preciso lembrar aquele que é o grande pensador da Antiguidade, Sócrates. Uma de suas ideias centrais era a do “conhece-te a ti mesmo”, que, aliás, era uma inscrição no templo de Apolo. Conhece-te a ti mesmo, saiba sobre si, tenha autoconhecimento. E, ao mesmo tempo, suspeite daquilo que parece óbvio. A filosofia é a capacidade de pensar um pouco sobre os porquês das coisas, em vez de se contentar com os “comos”. A filosofia busca a capaci-dade de indagar. E um filósofo brasileiro, no século 21, nascido no século 20, mas com ideias que têm três mil anos, deve passear pela capacidade de recusar o óbvio. Nosso país tem uma certa predileção pelo óbvio, que nos acalma, mas que ao mesmo tempo nos deixa pouco reflexivos. Talvez a música brasileira mais conhecida no exterior, com grande alegria, seja Aquarela do Brasil, do grande Ari Barroso. Ela tem um verso óbvio: “Ah, esse coqueiro que dá coco...”. Qual seria outra possibilidade de um coqueiro? Ou ele dá coco ou ele não dá. Nessa hora, é necessário ter a filosofia como força para ultra-passar o que parece muito evidente. Ela nos confere a capacidade de suspeitar.

A visão dos jovens sobre a filosofia é preconceituosa, estereotipada? Durante muitos anos se falou que era necessário haver filosofia no currículo escolar, que o jovem precisava de filosofia. Mas ele não precisa de qualquer filosofia. O nazismo também tinha seus filósofos. O stalinismo, as ditaduras de qualquer natureza também tiveram os seus filó-sofos. É preciso uma filosofia que ajude a pensar de maneira mais crítica, com capacidade de afas-tar o preconceito, e com um olhar mais acurado, menos superficial sobre a realidade. O que não se pode é fazer uma filosofia formol. Não uma filosofia formal, mas uma filosofia formol, que congela ca-dáveres. O pensamento de Platão é vivo, assim como o pensamento de Heráclito, de Parmênides. Quando Heráclito disse, há alguns séculos, que a única coisa permanente é a mudança, isto é uma coisa de agora. Quando diz que nenhum homem toma banho duas vezes no mesmo rio, porque quando você volta, nem o rio é o mesmo nem você é o mesmo, isto é uma coisa de agora. Parte dos jovens tem uma dificuldade com a filosofia, que é a pressa. A filosofia não pode ser apressada. Ela é uma meditação um pouco mais adensada, a ser fruída. E como muita gente hoje confunde pressa com velocidade, é bom que se diga: fazer velozmente não significa fazer apressadamente. Acessar uma informação velozmente não significa que o estudo sobre ela deva ser apressado. Eu, por exemplo, quero velocidade na hora de ser atendido por um médico, mas não quero pressa na consulta. Quero velocidade na hora de sentar para comer quando estou faminto, mas não quero ter de comer apressadamente. A filosofia admite velocidade, mas jamais pressa.

Essa ideia de pressa tem a ver com o que você chama de despamonhali-zação da vida? Nós vivemos em um mundo, especialmente por conta das plataformas digitais, em que a lógica é a do “tudo já agora ao

mesmo tempo junto”. Uma das coisas que leva à perda da noção de tempo e processo é o que chamo de despamonhalização da vida. Nós paramos de fazer pamonha e passamos a comprá-la pronta em nome de algo que é prático. Nem sempre o prático é o certo. Muitas vezes o prático é só o prático. É mais prático furtar do que trabalhar, colar do que estudar, copiar do que ter que pesqui-sar. Em nome do prático, começamos a utilizar como critério tudo aquilo que é imediato. E paramos de fazer pamonha. Não se trata de saudosismo, mas de trazer daquele tempo coisas que não podem ficar apenas lá. Quando se fazia pamonha, passáva-mos o dia inteiro juntos. Os homens saíam de manhã, iam buscar milho na roça, arrancavam a palha. As crianças tiravam o cabelinho que ficava no meio. As mulheres tinham o trabalho mais complicado, que era ralar o milho e costurar um saquinho de palha. Fazíamos isso das sete da manhã até as quatro da tarde, que era quando comíamos a pamonha. A finalidade de fazer pa-monha não era comer pamonha, era ficar junto o dia todo. Crianças e jovens aprendiam que para que uma pamonha apare-

cesse era preciso tempo, trabalho, convivência, divisão de tarefas.

A despamonhalização é uma recusa ao imediatismo da vida? Exato. A ideia da pamonha é evitar aquilo que chamo de miojização da vida, a vida miojo. O namoro miojo, o sexo miojo, a pesquisa miojo. Hoje um jovem imagina que para fazer uma pes-quisa ele dá uma “googleada” e pronto. Não. A internet é um poderoso meio de começo de pes-quisa, não de término. A ideia do “ficar”, comum entre os jovens, representa muitas vezes a mioji-zação das relações. Há também casamentos miojo. Relação de casamento e também de vida. E até relação religiosa miojizada – o sujeito vai apenas à missa das 10 no domingo, porque é mais cur-tinha. Enfim, essa miojização do mundo corres-ponde a uma despamonhalização da vida, que é preciso rejeitar.

Em uma vida tão cheia de tarefas e compromissos, a relação entre pais e filhos também reproduz essa dinâmica? Acredito que pais e mães devam ser ca-pazes de criar tempos de convivência. Mas como

fazer isso? Cozinhando juntos, por exemplo. Cozinhar dá traba-lho. Descascar as batatas, cozinhá-las, cortá-las, deixá-las na água para que não escureçam; aguardar que o óleo fique quente o suficiente; colocar as batatas dentro da panela e ter paciência para que não saiam cruas nem passem do ponto. É claro que po-demos comprar batata frita pronta, mas com isso podemos estar perdendo tempos preciosos de convivência. Outro modo é brincar. Brincar com coisas que não sejam obrigatoriamente eletrificadas, de preferência. Brincar com palavras, fazer jogos, divertir-se em uma vida unplugged – sem fios. Não simplesmente para desprezar a eletrificação e a tecnologia, mas para não colo-cá-las como senhoras, como dominadoras, aquelas que retiram de nós tempo vital. A humanidade tem três milhões de anos. Como homo sapiens temos 40 mil anos. E só existe eletricidade há 120. Isso significa que a humanidade criou as artes, música, pintura, religião sem necessariamente depender de algo que nos ajuda, mas não pode nos dominar.

“O que não se podefazer é uma

filosofia formol.Não uma

filosofia formal,mas uma

filosofia formol,que congelacadáveres.

O pensamento dePlatão é vivo.”

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verdade sabe que é pequena, e por isso cresce. Gente muito peque-na acha que já é grande, e o único modo de crescer é rebaixando outras pessoas. Paulo Freire inspirava a filosofia, a educação, a ética. Evidentemente, humano sendo, não trazia a completude da perfeição. Mas naquilo que dele podia ser fruído na convivência, no ensinamento, para mim, ele foi magnífico.

De que modo um acadêmico como você vê o confronto entre a ciência e a sabedoria popular? Há vários modos de conhecimento. Um deles é o conhecimento científico, que é mais metódico, mais organi-zado, mais estruturado e com um nível de eficácia maior, porque é testado e comprovado. Mas ele não suplanta, não descarta ou-tras formas de conhecimento, entre elas a sabedoria popular, que é feita da experiência. Pode não ser uma experiência metódi-ca e organizada como a da ciência, mas ela tem um peso na vi-vência, no cotidiano. Ao mesmo tempo, possibilitou a sobrevi-

vência da humanidade ao longo da his-tória. Também não se pode elevá-la num altar. Às vezes, a cultura popular é ape-nas superstição, crendice, atraso men-tal. Mas a ciência também é tola em vá-rias situações. A tolice e a inteligência não são exclusividade de nenhum dos campos do saber humano.

Para finalizar, qual você acredita ser o papel da cultura popular no mundo de hoje? A cultura popular é um grande modo de guardar as histórias humanas. Não é ca-sual a minha admiração imensa por Câ-mara Cascudo. Cascudo odiava que o chamassem de folclorista. Respondia a isso com um belo palavrão. Ele se colo-cava como um professor. Esse grande estudioso de folklore, da história da nossa cultura, era alguém que, embora tivesse o conhecimento popular e a sabedoria popular como um de seus polos de sus-tentação, estudava todos os dias. Há uma história dele que gosto de contar. Cascudo teve uma cozinheira por quase 40 anos. Um dia, ela estava preparando o almoço, mexendo um pirão de queijo, e a seu lado estava um assistente do pro-

fessor. Vendo o mestre debruçado sobre livros, estudando, o ra-paz comentou com a cozinheira: “Mas esse homem é um gênio!”. E ela respondeu: “Eu não acho, não. Faz 40 anos que estou aqui e só vejo ele estudar...”. O que ela não havia entendido era a fonte da genialidade. Ele não era gênio porque nascera assim. Era gê-nio porque estudava todos os dias. E o que ele estudava todos os dias? Cultura popular. A cultura popular precisa ter lugar dentro do almanaque. Você sabe que a palavra almanaque é de origem árabe? Em última instância, significa “o lugar onde o camelo se ajoelha”. Ela designava o lugar onde beduínos se reuniam para dar de beber aos camelos, e onde conversavam sobre a vida, a história, os medos, os projetos, os sonhos. Era ali que se compu-nha, que se fazia música. Portanto, é na ajoelhada do camelo que, nesse grande deserto que é a vida, a gente acha, juntos, tal qual Guimarães Rosa, as nossas veredas.

A filosofia está impregnada também nas manifestações artísticas? Com-pletamente. Sobre essa questão da instantaneidade do mundo, há passagens muito interessantes em um livro do século 19, de um estupendo matemático britânico chamado Charles Dodgson, que apelidou a si próprio de Lewis Carroll. Em Alice no País das Maravilhas, ele traz à tona um pouco da filosofia pré-socrática, de Heráclito, de Parmênides, que viria a inspirar o filme Matrix. Aliás, quem se lembra do filme, sabe que em determinado momento o personagem de Keanu Reeves – Neo, que é novo, em latim – está diante do computador e na tela começa a piscar a seguinte frase: Follow the white rabbit (siga o coelho branco). Em seguida, a campainha toca e na porta há uma menina com um coelho branco tatuado. Aliás, é assim que começa a história de Alice no País das Maravilhas: o coelho da pressa, dizendo “estou atrasado”, num mundo que aparece e desaparece, que é o nosso mundo da virtua-lidade, antecipado pelo grande Lewis Carroll em 100 anos.

Alice no País das Maravilhas é famoso por suas diversas camadas de significado. O que mais te atrai no livro? Sem dúvida, o gato, que Alice encontra duas vezes. É um gato cheio de tranquilidade, de bonomia. Às vezes, só fica o sorriso dele; às vezes, só o rabo. Ele aparece e desaparece. Uma ho-ra Alice está perdida e vê o gato: “Você pode me ajudar?”. E ele: “Claro”. “Para onde vai esta estrada?”, pergunta Alice. E o gato faz a pergunta mais importante da história: “Para onde você quer ir?”. “Ora, não sei. Estou perdida”, rebate Alice. “Para quem não sabe para onde vai, qual-quer caminho serve.” A filosofia nos aju-da a pensar um pouco no “para onde a gente quer ir”. Não necessariamente ela nos levará lá, mas vai nos ajudar a não desviar tanto se não tivermos clareza de aonde queremos ir. Aliás, o nome cientí-fico dos gatos é felix. É curioso porque felix em latim tem um duplo sentido. Significa feliz e também fértil. Significa felicidade e fertilidade. E o que dá felici-dade e fertilidade é saber para onde se deseja caminhar. E isso, com ou sem o gato, precisamos fazer.

Como foi a sua convivência com o maior dos nossos educadores, Paulo Freire? Tive uma convivência de 17 anos com Paulo Freire. Ele or-gulha imensamente a nós, brasileiros e brasileiras, porque é o bra-sileiro com maior número de títulos de doutorado honoris causa da nossa história. Em um país com mais de 500 anos, o brasileiro mais homenageado da história é um professor. Quando ele faleceu, em 1997, já tinha 36 títulos de doutorado honoris causa – por Harvard, Cambridge, Oxford, Paris 4, Princeton, Bologna. E, de-pois de morto, recebeu mais cinco. Paulo Freire, 41 títulos, era um homem de uma humildade impressionante. A minha experi-ência com ele é a experiência de convivência com um homem sá-bio, e, por isso, humilde. Paulus, em latim, significa pequeno. Mas Paulo Freire – digo isso sempre que posso – era um homem tão grande que sabia que era pequeno para poder crescer. Gente grande de

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Patrícia entrou na luta depois de curada

A história de Patrícia e seus companheiros, que lutam dia após dia para amenizar as dificuldades dos pacientes com câncer em Pauliceia, faz parte do campo de atuação da Federação Brasileira de Entidades de Combate ao Câncer. Criada em 2008, a Febec dedica-se a apoiar grupos de voluntários em campanhas de educação, prevenção e detecção precoce da doença, além de contribuir com acessibilidade ao tratamento e assistência social aos pacientes. Você também pode colaborar com essa luta. Saiba mais em www.febec.org.br.

Mencione a Febec ao assinar o Almanaque Brasil. O valor da sua assinatura será revertido

para ações de entidades como o Grupo de Combate ao Câncer de Pauliceia e outras 50 ligas de

voluntários associados à Febec em diferentes partes do País.

Uma batalha que não permite descanso

Custa pouco ajudar a combater o

câncer no País

“Eu quero me tratar no Hospital Amaral Carvalho.” Essa foi a primeira frase de Patrícia Garcia quando, em 2008, com apenas 28 anos, descobriu estar com câncer de mama. O médico que lhe deu o diagnóstico sugeriu que fizesse o tratamento em outra instituição, mas a moça foi irredutível. Sua avó havia se tratado no mesmo hospital de Jaú 15 anos antes.

Como a cidade do interior paulista fica a mais de 300 quilômetros de Pauliceia, onde vive, Patrícia pre-cisou hospedar-se na casa de apoio ligada ao Amaral Carvalho. Lá, fez amigos e uma promessa: “Se eu sair curada, vou ajudar pessoas que passam por pro-blemas parecidos”.

Felizmente, logo Patrícia teve que cumprir a palavra. Mobilizou amigos e clientes do salão de beleza onde tra-

balha e montou o Grupo de Combate ao Câncer de Pau-liceia, entidade da qual hoje é presidente. O grupo ajuda com exames e consultas particulares, tem convênio com a farmácia da cidade e monta cestas básicas especiais. Também auxilia financeiramente em exames de emer-gência e laboratoriais. São 26 voluntários unidos para contribuir em um momento de grande fragilidade dos pacientes.

“A minha história é um incentivo tanto para os vo-luntários quanto para os que estão passando por essa situação”, pondera Patrícia, que se emociona ao ana-lisar como teve a vida transformada depois de enfren-tar a doença. “Pode parecer estranho, mas com tudo o que está acontecendo, ter tido câncer foi a melhor coisa da minha vida.”

Também em dezembro foi realizado o 1º Leilão Virtual em prol da Febec, com transmissão ao vivo do Canal Rural. Todos os lotes foram arrematados, inclusive as sapatilhas que Felipe Massa utilizou em sua última vitória, no GP do Brasil, em 2008.

FEBEC • Alameda Sarutaiá, 46. São Paulo-SP. CEP: 01403-010.Rua São Sebastião, 105. Jaú-SP. CEP: 17201-000. Fones: (14) 3602-1108 / (14) 3602-1101 • www.febec.org.br

NOTÍCIAS DA FEBECEm dezembro, foi a vez da cidade sul-mato-grossense de Bataguassu receber uma atividade do Circuito de Leilões Febec. O evento, que arrecadou recursos para o Hospital Amaral Carvalho, foi animado pelo Grupo de Violeiros de Fartura e por outros conjuntos da região.

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Ao bater o pé que aspirava ser médica, porém, o pai encrencou. Queria que a menina fizesse pedagogia, como as irmãs. Não era nada comum mulheres estudarem medicina. Os irmãos, entre eles o futuro cardeal arcebispo de São Paulo, Paulo Evaristo Arns, conseguiram persuadir seu Gabriel. No vestibular de Medicina da Universidade Federal do Paraná, em 1953, passaram 114 homens e apenas seis mulheres. Uma delas era Zilda, aos 17 anos.

Assim que começou a lidar com os pacientes do hospital onde foi a primeira mulher a estagiar, teve certeza de que havia feito a escolha certa. Sempre estudou muito, mesmo depois de formada. Apesar disso, soube confiar como poucos nos saberes populares, nos recursos simples, nas práticas tradicionais.

Multiplicação do saberA jovem médica formou-se no mesmo mês do casamento com Aloísio, pai de seus cinco filhos. Se o anel de formatura usou para o resto da vida, uma fatalidade lhe tirou a aliança de casa-da: o marido morreu afogado no mar aos 46 anos. Nessa época,

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omo os pássaros, que cuidam de seus filhos ao fazer um ninho no alto das árvores e nas montanhas, longe dos predadores, das ameaças e dos perigos, devemos

cuidar de nossas crianças como um bem sagrado.” O último discurso que Zilda Arns proferiu, com o sotaque catarinense carregado e o sorriso de sempre, resume bem a causa a que a médica missionária dedicou toda a vida: tirar de milhares de bebês e crianças a morte como destino provável.

Zilda valorizava muito o que ela própria havia recebido na infância: “Meus pais me criaram com aquilo que existe de melhor: leite de peito, carinho e alegria. Isso representa uma escola de amor, diálogo e saúde”. O casal era descendente de alemães e preservava a cultura do país europeu na zona rural da pequena Forquilhinha, onde a família morava, em Santa Catarina.

A menina herdou dos pais a forte religiosidade e o engajamento social. Ele era líder comunitário na cidade. Ela, uma espécie de enfermeira e educadora social. Zilda, a décima terceira filha, sempre gostou de ajudar a mãe no trabalho.

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ZILDA ARNS

“O Prêmio Nobel merece essa mulher”, dizia Frei Betto. Seu maior feito foi diminuir a distância entre intenção e prática. Com a Pastoral da Criança, a médica catarinense espalhou pelo Brasil, América Latina e África um plano simples e certeiro para salvar milhares de crianças da morte. Morreu em combate a missionária que nunca abandonou a trincheira por um mundo mais justo e humano.

Uma mulher e uma missão

Por Natália Pesciotta

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O melhor produto do Brasil é o brasileiroCÂMARA CASCUDO

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contínua não vai dar certo de jeito nenhum”. Um ano depois a moça tinha se rendido. Dava certo, sim.

Zilda viajou por todo o Norte e Nordeste para implementar o trabalho. Nunca se esqueceu de um quarto onde passou a noite em Belém: “Pererecas pulavam no meu ombro. No forro do telhado tinha mais de 500 pererecas amontoadas. Parecia um mosaico natural, lindíssimo!”.

Bem mais tarde, aos 71 anos, colocaria em prática também a Pastoral da Pessoa Idosa, seguindo os mesmos preceitos. E continuaria até o fim à frente da Pastoral da Criança, replicando o projeto pela América Latina e pela África. Tinha viajado para levar a ideia ao Haiti quando morreu em um terremoto no país, em 12 de janeiro de 2010, pouco depois de fazer o discurso que abre este texto.

“Amor e solidariedade não entram nas estatísticas nem nos cálculos econômicos”, escreveu o teólogo Leonardo Boff. Apesar disso, Zilda pôde apresentar os números de suas ações. De 1982 a 2010, o índice de mortalidade infantil no Brasil passou de 82 para 23 a cada mil nascidos. Nas áreas com atuação direta da Pastoral – são 42 mil comunidades – o índice caiu para 13.

Grande admirador de Zilda, Frei Betto afirmava: “O Prêmio Nobel da Paz merecia esta mulher”. Ela não chegou a ganhar o prêmio a que foi indicada, mas recebeu títulos de professora honoris causa em cinco universidades. É cidadã honorária de 11 estados e 32 municípios brasileiros, sem falar de outras homenagens a perder de vista. Leonardo Boff sintetiza: “A médica Zilda Arns nos mostrou em miniatura que um mundo diferente não é só possível, mas é realizável já, agora”.

ela já dirigia os postos de saúde de Curitiba, onde instituiu uma liga de educação das mães. Precisou afastar-se para cuidar sozinha dos próprios filhos pequenos. Mas não parou de trabalhar. Cuidou do Ano Internacional da Criança promovido pela Unicef em 1979 e criou um programa de vacinação em Curitiba que foi adotado em todo o País.

Em 1982, o presidente da Unicef pediu ao cardeal Paulo Evaristo Arns, na Suíça, um plano para a Igreja tentar agir pela diminuição da assustadora mortalidade infantil da época. Dom Paulo não pensou duas vezes ao encaminhar a tarefa para a irmã. Nos 27 anos como gestora em saúde pública, ela havia percebido que sempre faltava alguém próximo às mães, que pudesse orientá-las. Esse é o embrião da Pastoral da Criança, o grande projeto da vida de Zilda.

Uma das maiores vantagens do plano, hoje encampado pelo poder público, é propagar medidas simples e baratas, como o soro caseiro contra desidratação, uma multimistura feita em casa para combater a desnutrição e o acompanha-mento mensal das mães e crianças. O outro grande mérito é que os cuidados são difundidos pelas próprias mulheres atendidas, que se tornam agentes sociais e propagam as práticas. “A chave é a solidariedade e a multiplicação do sa-ber. Criamos uma rede”, explicava a missionária.

Amor, solidariedade e estatísticaNo início, o projeto da Pastoral da Criança enfrentou desafios e críticas. Enfermeiras não queriam instruir mulheres sobre o soro caseiro, feito com água, sal e açúcar, por não confiarem que pudessem administrá-lo. Médicos olhavam com descon-fiança para a solução caseira. Havia quem achasse mais efi-caz distribuir leite em pó do que apostar na amamentação. Em Maceió, uma enfermeira disse: “Dona Zilda, não se ilu-da. Aqui no Nordeste, trabalhar com voluntário de maneira

No site do AlmANAque, leia um Papo-Cabeça com Zilda Arns, publicado em 2003. Acesse também uma entrevista concedida pela médica ao programa Roda Viva, em 2001.

Uma mulher e uma missão

Em 18 anos, o índice de mortalidade infantil no Brasil passou de 82 para 23 a cada mil nascidos – 13 nas áreas com atuação direta da Pastoral criada por Zilda.

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Texto: Bruno Hoffmann Arte: Rodrigo Terra Vargas

Futebol de botão, pião, amarelinha, bolinha de gude. Os brinquedos e brincadeiras da infância são fundamentais para o desenvolvimento humano. Neste especial, uma seleção dos mais populares entre as crianças brasileiras, que permanecem recriando o mundo – e os seus próprios mundos – sem precisar botar nada na tomada.

brincar é algo espiritual. E não estou falando de religião, não. É algo ainda mais profundo, que tem

a ver com a alma do homem.” A frase da educadora Lydia Hortélio revela a importância do ato de brincar. É uma forma de exercitar a mente, mexer com o corpo, fazer amigos e desenvolver a imaginação. Mas há uma ideia de que as brin-cadeiras tradicionais estão dando espaço para videogames e computadores. Não é inteiramente verdade. A educadora Renata Meirelles, autora de Giramundo e Outros Brinquedos e Brincadeiras dos Meninos do Brasil, percorreu o País para mapear como garotos brasileiros se divertem, e garante que brinquedos e brincadeiras permanecem vivos no interior e nas periferias das grandes cidades.

Empinar pipa, rodar pião, jogar bolinha de gude, pular amarelinha. Todas essas são manifestações lúdicas ances-trais, vindas de diferentes cantos, que se mantêm vivas no Brasil. As crianças criam e recriam as brincadeiras de seus pais, avôs e bisavôs, ignorando as facilidades e seduções dos tempos modernos. “As brincadeiras dificilmente desa-

parecem e são das mais admiráveis constantes sociais, trans-mitidas oralmente, abandonadas em cada geração e reerguidas pela outra, numa sucessão ininterrupta de movimento e de canto. As crianças brincam como gostam de brincar”, escre-veu o antropólogo Câmara Cascudo no Dicionário do Folclore Brasileiro, de 1952. A educadora Peo explica qual é a melhor maneira de educar uma criança: “É muito simples: a deixe livre com seus brinquedos e brincadeiras”. Ou seja, elas saberão so-zinhas como tornar meros objetos em organismos vivos.

Este especial traz histórias de brinquedos e brincadeiras dos quatro cantos do Brasil. E, melhor: nenhum deles pre-cisa estar plugado na tomada para funcionar. Lydia Hortélio explica por que vê menos valor nos jogos eletrônicos. Um dos motivos é que não há interação com outros meninos. Outro é que a criança está submetida a cumprir as regras do jogo. Não há espaço para a imaginação. Ao ser perguntada por este ALMANAqUE se deve-se brincar para aprender, Lydia é taxativa: “Deve-se brincar para ser feliz. Brincar é o maior exercício de liberdade que a gente pode ter”.

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Além do avião e da urna eletrônica, o Bra-sil deu ao mundo outro invento funda- mental: o futebol de botão, também conhe-cido como futebol de mesa. O criador foi Geraldo Décourt, que, em 1930, decidiu ar-rancar os botões da cueca e da camisa para inventar a brincadeira. Batizou a criação de celotex, nome do material com o qual as primeiras mesas foram feitas.

Os botões – além de botões, claro – já foram produzidos com tampas de relógio, ossos e tampinhas de garrafa. Hoje, os joga-dorezinhos redondos são feitos de acrílico. E a brincadeira de criança é considerada

um esporte, com regras, campeonatos e tudo o mais. Entre os ardorosos seguidores, estão adultos famosos como Chico Buarque, Hugo Carvana e Toquinho. O jornalista José Trajano já admitiu que sua maior preocupa-ção social era a extinção do futebol de botão.

O historiador Luiz Antonio Simas, entu-siasta do que chama de “um dos esportes mais populares do mundo, ao lado do cus-pe à distância e da porrinha”, lembra de um vizinho que surrupiou um botão do pa-letó do avô durante o velório, justificando: “Aquele botão é o Rivellino. Não vou deixar que enterrem o Riva!”.

Antes da chegada dos portugueses, os indí-genas já brincavam com uma trouxinha de folha cheia de pedrinhas dentro, amarrada a uma espiga de milho ou penas de aves. Os nossos primeiros moradores chamavam a atividade de “bater” – peté ka, em tupi.

Os portugueses adoraram a novidade. E, mais tarde, o mundo todo. Na olimpíada da Antuérpia, em 1920, atletas brasileiros levaram petecas na bagagem para se dis-trair entre uma competição e outra. Só que a brincadeira brasileira atraiu atletas do mundo todo, loucos para conhecerem as regras do novo esporte. Mas elas nem exis-tiam. O jogo de peteca só viria a ser regula-mentado a partir dos anos 1970.

Se há um lugar no Brasil que a peteca é importante é em Minas Gerais. No estado, há cerca de um milhão e meio de prati-cantes. Há muitos clubes belo-horizonti-nos nos quais a peteca é a segunda ativida-de mais popular. Só perde para o futebol.

rinc r Brincadeira indígena ganhou o mundo

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O nome “amarelinha” não tem nada a ver com a cor da casca de banana, material muito usado na brincadeira pelas crianças para “chegar ao céu”. Na França, o jogo é chamado de marelle, expressão que soou para os portugueses como “amarelo”, e assim foi traduzido. Mas recebe outros nomes pelo Brasil afora, como maré, academia ou macaca.

Rumo ao céu

O dominó foi inventado por monges chi-neses. Depois, chegou à Europa e tornou-se muito popular entre os padres. Quando ga-nhavam uma partida, ele diziam: “Domi-no gratia” – graças a Deus, em latim. Daí surgiu o nome da brincadeira. Ela chegou ao Brasil nas primeiras embarcações dos colonizadores portugueses. Mas quem gostava mesmo do jogo por aqui eram os africanos. O dominó era um dos passa-tempos preferidos dos escravos.

Domino gratia!

O bambolê existe desde o ano mil antes de Cristo, mas o brinquedo só começou a ser comercializado em 1958, quando uma empresa norte-americana passou a fabricá-lo em série. Foi sucesso instantâneo. Em apenas dois anos, foram vendi-dos 100 milhões de hula hoops. O sucesso nos Estados Unidos fez a inimiga União Soviética proibir o seu uso. Já no Brasil, o brinquedo virou mania com um nome advindo do verbo “bambolear”, o mesmo que balançar o corpo.

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Os álbuns de figurinha existem desde o século 19, mas só passaram a ser mais populares entre os meninos brasileiros em 1950, quando uma editora lançou o primeiro álbum alu-sivo a uma Copa do Mundo. O Balas Futebol – Craques do Campeonato Mundial de Futebol tornou-se febre entre a molecada. E a venda das balas que acompanhavam as figuri-nhas dispararam. Por uma irônica coincidência, a página do Uruguai – o adversário que bateu o Brasil na final – estava ao lado da brasileira.

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Até distintos cidadãos rodavam o

Até no álbum, Brasil e Uruguai estavam lado a lado

No fim da vida, acometido por um enfisema pulmonar, Ado-niran Barbosa se viu forçado a frequentar menos a boemia. Começou então a desenvolver uma habilidade que já tinha desde moleque, mas que havia deixado de lado por décadas: construir brinquedos. Passou a fabricar trenzinhos de madeira, bicicletas de arame, carrosséis feitos de latas velhas. Quando amigos se admiravam com seus inventos, saia-se com essa, em sua pecu-liar mistura de melancolia e bom humor: “Dizem que aquilo é higiene mental. Eu chamo de higiene de débil mental”.

Além de sambas, Adoniran

criava brinquedos

“O pião é um brinquedo que existe desde os tempos remotos”, garante Câmara Cascudo em seu clássico Dicionário do Folclore Brasileiro. O antropólogo ainda lembra que o ato de lançar o objeto para girar no chão não era exclusivo das crianças. Pelo contrário. Até homens sérios entravam na brincadeira: “No século 18, o arcebispo português dom Jorge, irmão bastardo do rei dom João 5º, jogava entusias-madamente o pião”.

Olhos fixos no subir e descer

Os cinco saquinhos recheados com farinha, arroz ou feijão – que podem ser substituídos por cinco pedrinhas – fazem parte de uma das brincadeiras mais popu-lares do Brasil: a cinco-marias. Há várias formas de praticar o jogo. Uma das mais conhecidas é colocar os cinco saquinhos no chão, lançar um deles para o alto, pe-gar um dos que estão no chão e recuperar o que havia sido lançado, sem deixar cair. Depois, repetir a operação, só que dessa

vez pegando dois saquinhos. E assim su-cessivamente, até ter os cinco na mão.

“O jogo de cinco-marias se caracte-riza pelo movimento de mãos e olhos sincronizados e fixados nesse subir e descer. Uma riqueza de movimentos conquistados pela intimidade da criança com a sua própria infância”, diz Renata Meirelles, autora de Giramundo e Outros Brinquedos e Brincadeiras dos Meninos do Brasil.

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Janeiro 2012

A bolinha de gude, outro brinquedo ancestral, já recebeu diversas citações e homenagens. Um escritor inglês do século 17 descreveu um estudante considerado não muito inteligente: “É um asno na sintaxe, mas um bamba no gude”. Na canção Teco Teco, de Pereira da Costa e Milton Villela, Gal Costa canta uma infância feliz: Teco, teco, teco, teco, teco / Na bola de gude / Era o meu viver / Quan-do criança no meio da garotada / Com a sacola do lado / Só jogava pra valer. Já o astronauta Neil Armstrong, quando viu lá de cima o planeta Terra, cravou: “É uma grande bola de gude azul”.

Ainda hoje é possível ver garotos dos pampas gaúchos andarem pelas ruas arras-tando uma cordinha amarrada a ossos, retirados de animais que vão virar churrasco pelas mãos de seus pais. Os ossinhos representam bois, vacas, cavalos e burros. O gadinho de osso, como a brincadeira é conhecida, é considerada uma das mais autênticas manifestações culturais dos piás gaúchos.

Conhece o Ludopédio? É um jogo de tabu-leiro inspirado no futebol, criado por Chico Buarque durante o autoexílio na Itália, no fim dos anos 1960 – “numa época em que seu autor não tinha mais o que fazer”, des-creve Chico na caixa do jogo. A brincadeira começa com os participantes na pele de um cartola, comprando e vendendo jogadores e construindo estádios. Depois, entra-se no papel de um técnico de futebol. Os atletas têm perfis: Orfeu, que grita pa-lavrões contra a torcida e detesta aplau-sos; Jordão, que já enfrentou problema com álcool; Chicão, um zagueiro cabe-ça-de-bagre que tem como trunfo jogar também pela lateral esquerda – ou seja, “é medíocre em duas posições”.

SAIBA MAIS Giramundo e Outros Brinquedos e Brincadeiras dos Meninos do Brasil, de Renata Meirelles (Terceiro Nome, 2007).No site do ALMANAQUE, leia uma entre-vista com a educadora Lydia Hortélio.

A infância do maranhense Antônio Bruno Pinto Nogueira, mais conhecido como Nhozinho, era parecida com a dos outros meninos da sua idade. Ele adorava empinar pipa e brincar na rua. Aos 12 anos, porém, uma doença degenerativa passou a lhe defor-mar pés, pernas, braços e mãos. Se já não podia brincar livremente, passou a criar os seus próprios brinquedos em casa, a partir do miriti. Depois, já adulto, tornou-se fa-moso no Brasil todo por sua produção de alta qualidade.

Boa parte dos brinquedos de Nhozinho era inspirado em personagens do folclore mara-nhense, como bonecos do bumba-meu-boi. O artesão ganhou exposições pelo Brasil e até uma na Itália. Em 1974, no auge da carreira, morreu devido a complicações da doença. Mas já havia deixado um legado ar-tístico imensurável. “Rara é a pessoa em São Luís que não o conhece, e mais rara a que, conhecendo-o, não goste dele”, escre-veu o poeta Ferreira Gullar.O mundo

é uma bola de gude

Gauchinhos criam seus próprios gados

Sem ter o que fazer, Chico inventou jogo

Além de sambas, Adoniran

criava brinquedosDoença não tirou inspiração de Nhozinho

Há pelo menos 200 anos existem re-gistros da existência dos brinquedos de miriti no Pará, surgidos em Abaetetuba, cidade próxima a Belém. O miriti, tam-bém conhecido como buriti, é uma fibra de uma palmeira típica da região. Das mãos de habilidosos artesãos surgem bonecas, bichos e embarcações. A pro-dução aumenta durante a época do Círio de Nazaré, a maior festividade popular de Belém, quando as peças são usadas para agradecer as graças alcançadas.

Da palmeira sai o brinquedo mais popular do Paráre

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www.almanaquebrasil.com.br

No Tempo das Chanchadas - programa 23• Havia quem torcesse o nariz, mas o povo adorava. No Coisas Nossas, as chanchadas.• Nova Bréscia, a cidade gaúcha em que até o padre admite mentiras.• No Ciência Doméstica, especialistas e leigos falam como usar corantes.• E no Cantos do Brasil, o talento múltiplo de André Abujamra.

Um país monumental - programa 24• Os monumentos do Brasil, suas histórias e curiosidades são o tema do Coisas Nossas.• No Papo-Cabeça, uma entrevista com o ator e dramaturgo Juca de Oliveira.• Conheça também os apuros pelos quais passou o Santa Cruz do Recife para jogar na Amazônia.• E Criolo mostra sua mistura de rap com sons de todos os cantos no Cantos do Brasil.

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Karina Buhr – Longe de Onde (independente). O disco de estreia da cantora pernambucana a lançou como um nome importante da música brasileira. Neste segundo CD, Karina Buhr continua a buscar (e encontrar) uma forma brasileira e original de fazer pop. Há canções que flertam com o concretismo, as que falam de amor com bons toques de pessimismo e até uma letra em inglês.

Machado de Assis – Relíquias Culinárias, de Rosa Belluzzo (Unesp). A socióloga redesenha o Rio de Janeiro gastronômico da época machadiana. Além de trechos do autor que citam alimentação, o leitor encontra o passo a passo de pratos cariocas do começo do século 20 – receitas como ensopadinho de camarão com chuchu ou bolinho de bacalhau, presentes no cardápio dos personagens do período.

Joias de Crioula, de Laura Cunha e Thomaz Milz (Terceiro Nome). Século 18: centros urbanos se desenvolvem, apoiados na escravidão. Em colares, patuás, anéis e brincos, mulheres negras forras ou livres exibem criatividade única com influências africanas, ibéricas e orientais. O livro apresenta essas peças em detalhes, depois de esmerada pesquisa dos autores – uma ourives e um fotógrafo.

Passoca – Suíte Paulistana (independente). Com 35 anos de carreira, Passoca se considera “um violeiro de origem urbana”. No lançamento, só com canções inéditas, o compositor faz uma homenagem a São Paulo. A viola soa bucólica e tocante, enquanto surgem letras como Passa o automóvel / Na porta da fábrica / O radinho grita / Com voz metálica / Uma canção. Um belo disco.

Choro: brasileirinho, brasileiríssimo programa 22

• Tango brasileiro, corta-jaca ou simplesmente choro: curiosidades desse ritmo tão nosso.• Jair Rodrigues traz toda a bossa e muitas histórias para o Cantos do Brasil.• No Você Sabia?, como Walt Disney criou Zé Carioca, o mais cinematográfico dos papagaios brasileiros. • Fazer churrasco é arte? O povo diz que é uma verdadeira Ciência Doméstica!

Maravilhas naturais - programa 25• Chapada Diamantina, Cachoeira da Fumaça e outras maravilhas são o tema do Coisas Nossas.• No Você Sabia?, a história do ladrão britânico que virou celebridade na Cidade Maravilhosa.• Chico César desfila seu talento paraibano no Cantos do Brasil.• E um Papo-Cabeça com o criador deste ALMANAQUE, Elifas Andreato.

Explicadores do Brasil - programa 26- De Caminha a Sérgio Buarque de Holanda, histórias de quem dedicou a vida a decifrar o País.- O Você Sabia? lembra como os esquerdistas da seleção de 1970 convenceram até os militares.- No Ilustres Brasileiros, o talento múltiplo de Ari Barroso.- E no Cantos do Brasil, a genialidade mundialmente reconhecida de Naná Vasconcelos.

TV Brasil: 30/12, 20h TV Cultura: 8/1, 15h

TV Brasil: 6/1, 20h TV Cultura: 15/1, 15h

TV Brasil: 13/1, 20h TV Cultura: 22/1, 15h

TV Brasil: 20/1, 20h TV Cultura: 29/1, 15h

TV Brasil: 27/1, 20h TV Cultura: 5/2, 15h

Na teliNha, histórias

queNtes do Brasil

Ah, o ano-novo chegou. E, junto dele, a estação mais quente do ano. É a hora ideal para

aproveitar a vida ao ar livre. Mas, se por acaso você estiver em casa sexta à noite ou

domingo à tarde, não deixe de conferir as novidades quentes trazidas pelo ALMANAQUE

BRASIL, no ar na TV Brasil e TV Cultura. Como sempre, desfilarão pela telinha ilustres

personagens da nossa história, a alma e os costumes do povo e tudo mais que tem a ver

com brasilidade. Sempre com a elegante apresentação de Luciana Mello e as divertidas

intervenções do Almanaquias, indispensável personagem de Robson Nunes. Você também

pode nos acompanhar pelo Twitter (@almanaquebrasil) e pelo Facebook (página do

Almanaque Brasil). Veja só o que vai rolar no ALMANAQUE BRASIL neste comecinho de 2012.

TV Brasil: 16/12, 20h TV Cultura: 1/1, 15h

Pequenos retratos do Brasil - programa 20• Histórias, acontecimentos, homenagens. Coube um pouco de tudo nos selos brasileiros, que estampam o Coisas Nossas. • Pegou carona com uma trupe e virou Ilustre Brasileiro: estrelando, Grande Otelo!• Peixinho, o brasileiro que mais participou de olimpíadas.• De Pernambuco, toda a versatilidade da Orquestra Contemporânea de Olinda.

www.almanaquebrasil.com.br

Para se certificar das datas e horários de exibição, consulte o site das emissoras:

www.tvbrasil.org.br e www.tvcultura.com.br.

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sO Calculista das Arábias

Nossa homenagem a Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan

Com o objetivo de dar fim às provações a que submeteu suas três filhas para decidir quem herdaria seu trono, o rei de Bássora formulou o seguinte desafio. Deixou dois colares sob a guarda de dois soldados. Apesar de as joias parecerem idênticas, uma delas era mais pesada, o que indicaria que suas pedras eram preciosas. Sem poder tocar nos colares para sentir o seu peso, as donzelas deveriam adivinhar com

apenas uma pergunta qual seria a joia verdadeira. Para dificultar o desafio, os soldados estavam instruídos a apenas responder “sim” ou “não”. Um deles falaria somente a verdade; o outro, apenas mentiras. Qual pergunta deveriam as princesas de Bássora formular para descobrir qual é o colar mais pesado e, portanto, mais valioso?

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Respostas

CARTA ENIGMÁTICA Cantor das multidinhas foi o mais injustiçado dos bossa-novistas. (Lúcio Alves)

ENIGMA FIGURADO Jorge Mautner. O QUE É O QUE É? Tambor.

SE LIGA NA HISTÓRIA 1c (garrincha); 2d (papagaio); 3b (sabiá); 4a (urubu).

BRASILIÔMETRO 1d; 2b; 3c; 4b; 5a; 6d; 7b; 8b.

O CALCULISTA DAS ARÁBIAS As princesas de Bássora deveriam perguntar: “O outro soldado diria que o colar que tens em mãos é o mais pesado?”. Caso o colar mais pesado estivesse com o soldado mentiroso, ele diria “não”, enquanto o soldado sincero, sabedor que o outro estava instruído a mentir, diria “sim”. Já se o colar mais pesado estivesse com o soldado sincero, ele diria “não”, enquanto o soldado mentiroso diria “sim”. Ou seja, fazendo tal pergunta a qualquer um dos soldados, as princesas saberiam que quem respondeu “não” tem sob sua guarda o colar de pedras preciosas que vale o reino.Cesar Cielo

DE QUEM SÃOESTES OLHOS? 3 4

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8Conte um ponto por resposta certa

valiação

teste o nível de sua brasilidade

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ligue os pontos

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a Torcedores adversários usaram a ave para tentar ofender a torcida de um time de futebol carioca, mas ela acabou adotando o pássaro como mascote.

b Cantada por Chico Buarque e Tom Jobim e enaltecida pelo poeta Gonçalves Dias, é por decreto ave símbolo do País.

c O passarinho que vive nas matas tropicais ou subtropicais de altitude emprestou o nome a um dos jogadores de futebol mais incríveis do Brasil.

d Seu nome competiu com “Brasil” para nomear estas terras; foi também o pássaro escolhido por Walt Disney para nos representar no cinema.

O corpo de soldados Voluntários da Pátria foi criado em 7/1/1864 para lutar na:(a) Conjuração Baiana (b) Revolução Farroupilha (c) Guerra Patriótica (d) Guerra do Paraguai

Jogador eleito o melhor do mundo em 20/1/1997:(a) Ronaldinho Gaúcho (b) Ronaldo (c) Romário (d) Rivaldo

Nascida em 19/1/1942, Nara Leão participou com João do Vale e Zé Keti do show:(a) Nara, João e Zé (b) O Fino da Bossa (c) Opinião (d) Tropicália

Nome de Jô Soares, nascido em 16/1/1938:(a) João Antônio (b) José Eugênio(c) Joaquim (d) Josué

Em 6/1/1963, um plebiscito nacional escolheu como forma de governo:(a) Presidencialismo (b) Parlamentarismo (c) Monarquia (d) Ditadura

Em 13/1/1972, Mequinho torna-se o primeiro brasileiro a receber o título de Grande Mestre de:(a) Judô (b) Caratê (c) Taekwondo (d) Xadrez

O estado do Acre, instituído em 6/1/1963, já pertenceu a:(a) Venezuela (b) Bolívia (c) Peru (d) Colômbia

Local da Revolta dos Malês, em 24/1/1835: (a) Rio de Janeiro (b) Bahia (c) Pará (d) Paraná

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ilustrações: luciano tasso

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www.lucianotasso.blogspot.com

Maracatus imitam trovão para homenagear reis

O segundo nome adotado pelo nosso homenageado do mês é ciência, em inglês. Ganhou o apelido por saber fazer muito bem uma mistura explosiva de ritmos. Muita gente ficou brava quando o músico combinou maracatu com batidas de rock e rap 20 anos atrás. Mas parece que a receita deu certo: o maracatu ficou conhecido como nunca pelo Brasil e pelo mundo.

O grupo mais antigo de maracatu ainda em atuação é o Maracatu Nação Elefante, fundado em 1800 no bairro da Boa Vista, no Recife. Se desde aquele tempo fosse possível gravar discos, e todos os anos os integrantes lançassem um novo trabalho, o Elefante teria hoje mais de 200 discos! É maracatu que não acaba mais. Mas como infelizmente o grupo não gravou disco algum, o melhor jeito de ouvir suas músicas centenárias é estando bem pertinho. Em pleno carnaval, de preferência!

Já Pensou nisso?

Baque bom é pra rico e pra pobre.

Trav

a-Língua

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ra ler e repetir em v

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Para descobrir o nome do nosso homenageado do mês, basta preencher o diagrama abaixo. O número de cada quadrinho indica uma letra escondida na linha correspondente do texto lá de cima. Por exemplo: primeiro quadrinho, linha 1: C. E assim por diante.

1 5 3 1 7 319 11 10 1 11

reste atenção no som da palavra: maracatu. Há cerca de 300 anos ela existe, mas até agora ninguém descobriu ao certo de onde veio. Pode ser palavra indígena ou africana, uma

mistura das duas, ou nenhuma delas. O certo é que o ritmo marcado por tambores que soam feito trovão foi criado por escravos africanos em Pernambuco. E, em vez de morrer com o fim da escravidão, acabou ganhando o mundo. Tem grupo de maracatu na Alemanha, na França, nos Estados Unidos e em uma porção de outros lugares distantes.

O maracatu é mais do que a música tocada por instrumentos como alfaia, caixa e tarol. Os tambores e cantos acompanham um cortejo em homenagem aos reis do Congo – os líderes negros no Brasil da escravidão. E assim como em uma escola de samba, os personagens dos diferentes grupos se repetem: baianas, porta-estandartes, embaixadores. Não podem faltar as calungas, que são bonecas de madeira que as damas carregam para representar as divindades.

Em Pernambuco, há maracatus tão competitivos quanto Mangueira e Portela no samba. Mesmo assim, eles se juntam em uma grande festa para a abertura do Carnaval do Recife. E voltam a se reunir na segunda-feira carnavalesca, quando repetem o que faziam seus ancestrais, pedindo proteção a Nossa Senhora do Rosário. O nome desse encontro? Noite dos Tambores Silenciosos. Mas é uma barulheira danada.

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No interior de Pernambuco, os trabalhadores rurais criaram uma manifestação cultural que também se chama maracatu, mas é bem diferente do maracatu nação, de que falamos aí em cima. No maracatu rural, há outros instrumentos, outra música, outras fantasias e outros personagens, como os caboclos de lança. A imagem deles é impressionante: carregam uma fantasia supercolorida e muito pesada. Pintam a cara de preto, usam óculos escuros e costumam manter uma flor na boca durante as apresentações. Enquanto dançam, carregam uma lança colorida de mais de dois metros de comprimento. E em todos os lugares que vão, sinos de ferro amarrados em suas pernas anunciam a sua chegada.

Maracatu não é um só

SOlUçÃO NA P. 26

NAo faz nada

errado, mas

sempre

apanha?

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Nesse recanto catarinense, em meio a vistas deslumbrantes e aromas de abrir qualquer apetite, ecoa música todos os dias.

Sobretudo em janeiro, quando gente do mundo todo se reúne para participar daquele que é considerado o maior

festival-escola de música erudita do mundo.

m retribuição à homenagem de ganhar um estado com seu nome, parece que a bela Catarina, santa que nasceu

bem longe daqui, em Alexandria, doou um talento especial a cada uma das cidades catarinenses. Como assim? Então, me diga se tem outro lugar do País em que a neve pipoca tanto? Onde nascem as uvas mais doces que irão gerar vinhos de excelência? E as maçãs, as belas praias, os cânions, as serras? Na cidade de Jaraguá do Sul, por exemplo, o dom concedido foi o da música. “Mas a cidade já nasceu com música no sangue”, rebaterá o leitor esperto. É verdade. Afinal, com imigrantes vindos da Alemanha, Itália, Hungria e Polônia, em cada família alguém toca um instrumento, canta, participa de uma banda, um coral, ou, no mínimo, é ouvinte atento.

Mas faltava em Jaraguá do Sul um lugar onde todos pudessem curtir juntos a música. Assim, foi construído ali o Grande Teatro da

Sociedade de Cultura Artística, que pode abrigar até duas mil pes-soas. “Semana passada, ouvimos a Bachiana Brasileira, de Heitor Villa-Lobos. Dias atrás foi um concerto de Vivaldi. Hoje, um quar-teto de cordas de Grieg. Quando vocês pensam em dar Brahms?”, perguntou um morador ao maestro Alex Klein, cheio de orgulho. “Onde mais poderíamos ouvir tal pergunta?”, questiona e se ale-gra o maestro. Considerado o maior intérprete de oboé do País, em 2006 Klein foi um dos idealizadores do Festival de Música Eru-dita de Santa Catarina, do qual hoje é diretor.

No Femusc, jovens do Brasil inteiro, e também do exterior, têm a oportunidade de estudar e conviver com grandes intérpretes. Pa-ra se ter uma amostra em números, nos 17 dias do evento, mais de 25 mil pessoas assistem aos cerca de 200 espetáculos oferecidos de graça para o público; 250 cursos são ministrados para alunos de

JARAGUÁ DO SUL

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Uma cidade musical

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17 estados brasileiros e de mais 35 países. Há ainda a participação de 270 professores convidados.

Cruzes, então é uma Babel musical? “Existe uma diferença na cultura, nas tradições e na política entre os países participantes, mas, em um assunto não há diferença entre ninguém: é a música; todos falam a mesma língua”, defende Klein.

O sucesso do evento é tanto que na mesma época acontecem também concertos em lojas, ruas, igrejas, hospitais e praças da cidade. Há ainda uma grande interação entre moradores e visitan-tes. Quer mais? Nem as crianças ficam de fora. Para elas foi criado o Femuskinho, com programação especial. Quer mais outro “ain-da”? No Brasil, a harpa estava morrendo, por causa do alto custo do instrumento. Só havia 40 em todo o País. Como que caído do céu, o Femusc conseguiu o apoio de um empresário jaguarense para comprar mais harpas, além de convidar uma professora para lecionar na cidade. Digam-me agora: ainda continuam achando que não foi a santa Catarina que deu um empurrãozinho para esse recanto ser tão musical?

Das árias para os aresPela qualidade de seus ventos, o Brasil é conhecido como o Ha-

vaí do voo livre. De Torres, no Rio Grande do Sul, até as dunas do Maranhão há muitos locais para o esportista que gosta de arreme-dar os pássaros. Jaraguá do Sul, com sua geografia acidentada, é referência internacional para a prática de voo livre. De tanto voar daqui para ali, de lá para acolá, a cidade se gaba de ter a única fá-brica de parapentes da América Latina. Parapentes jaguarenses já cruzaram até os ares do Himalaia e do Cáucaso.

E já que estamos falando em ares, o ar da cidade, quem diria, é perfumado – cheira a baunilha. É arte da fábrica de pudins Bret-zke, que há anos incensa o ar com seus produtos. Outros aromas mais pungentes exalam da culinária típica alemã, com seus salsi-chões brancos ou vermelhos, kaslers e eisbeins. Mas não há como esquecer das massas caseiras e sobremesas da culinária italiana.

E para acompanhar a comilança, per-mitam-nos sugerir uma trilha sonora. Pode ser Libertango, de Astor Piazzola. Ou Blue Topaz, de Tommy Pederson. Ou ainda El Dia que me Quieras, de Carlos Gardel. E bom apetite!

Preste atençãoNo coração do parque Malwee há um instigante

labirinto verde formado por arbustos, onde o visitante irá perder-se até encontrar o centro. Fazer o percurso do labirinto é uma metáfora de como

devemos viver a vida – sempre à procura do nosso interior, permanecendo conscientes, tranquilos,

entendendo desvios ou atalhos. E sendo sempre capazes de empreender um novo início.

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Onde ficarKayrós • Localizado no centro, é um hotel moderno, com amplos quartos e café da manhã generoso, com queijos e embutidos da região. Fone: (47) 2107-3000. www.kayroshotel.com.brSaint Sebastian Flat • Fica bem em frente à Sociedade de Cultura Artística. Seus apartamentos duplex contam com minicozinha, sala de estar e escritório. Fone: (47) 3275-7500. www.saintsebastian.com.br

Onde comerDeutsches Haus • O restaurante anexo ao Mercure Hotel oferece pratos da culinária alemã em ambiente acolhedor. Rua Presidente Epitácio Pessoa, 251. Fone: (47) 3372-5800.ARMalwee • Pratos a base de carne e frutos do mar são os destaques da casa. Para beber, uma boa pedida é o chope artesanal. Rodovia Wolfgang Weege, 770. Fone: (47) 3376-1425.

Jaraguá do Sul tem mais

Toda a família Eskelsen participa: a receita é da oma (avó, em alemão), que garante ser húngara a origem do doce. A filha prepara os recheios, os netos se apresentam tocando no acordeão antigas canções alemãs. O genro faz o käse,

queijo típico alemão, com leite puro produzido na fazenda. Uma vez na Strudel Haus, comece com o strudel salgado de queijo ou de palmito, para então saborear o tradicional de

maçã, servido com especial molho de baunilha.

Não deixe de conhecer

Vista das alturasO nome não desmente. O Morro da Boa Vista oferece bela panorâmica dos vales e rios da região. De um lado há uma rampa de voo livre; de outro, paredes para escalada. Com um pouco mais de paciência e uma boa caminhada chega-se ao Pico Jaraguá, de onde é possível avistar até mesmo o litoral norte catarinense.

Parque MalweeNesse refúgio prazeroso, entre 17 lagoas pontilhadas de plantas aquáticas, pode-se caminhar ao lado de uma vegetação multicolorida, que vai do verde ao roxo, além do surpreendente prateado das folhas das embiras. No interior do parque encontram-se ainda dois museus, que reúnem objetos e móveis pertencentes aos primeiros imigrantes alemães.

Museu WegO espaço oferece um curioso passeio pela história da energia. No acervo, há registros das primeiras experiências, passando pela rudimentar roda d’água, geradores manuais de energia, motores, até a interação divertida com alguns princípios da energia elétrica.

Como chegar A TAM oferece voos diários para Florianópolis e Joinville saindo dos principais aeroportos brasileiros. Confira em www.tam.com.br. De qualquer uma dessas cidades, seguir pela BR-280 até Jaraguá do Sul.

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LARANJA - PARte 3 (FINAL)

Nosso negócio da ChinaSomos o maior produtor da fruta mais consumida no mundo. Ela veio com as caravelas e logo

chegou às mesas junto com pratos salgados, para estranhamento de estrangeiros. Estando

entre as frutas mais pesquisadas, aguarde aplicações inimagináveis para ela.

ma surpresa para mui-to estrangeiro é fruta

com comida, anota Câmara Cas-cudo, dando um exemplo: “Comen-tava-se ferozmente no Rio de Janeiro, setembro de 1922, uma feijoada oferecida aos reis da Bélgica, Alberto 1º e rainha Elisabeth, contendo laranja ao lado, explicando-se fazer parte do quitute. Os críticos afirmavam não ser costume a fruta senão à sobremesa”.

De nada adiantou a ferocidade dos críticos: laranja na feijoada é de lei – uma das razões está em que sua vitamina C, como vimos na edição anterior do ALMANAQUE, ajuda a absorver ferro, contido no feijão. Nosso folclorista-mor diz que, pela própria descendência, temos “capacidade re-ceptiva para esses cardápios, negros e amerabas foram grandes frugívoros, comendo frutas com qualquer carne”.

Saint-Hilaire dá notícia em 1817 do “bom gosto” dos mi-neiros, ao “servir as laranjas cortadas em quatro, juntamen-te com os outros pratos: come-se feijão, arroz ou qualquer outra coisa chupando ao mesmo tempo os fusos de laranjas depositados em um prato ao lado”. Comenta o naturalista francês, antecipando Câmara Cascudo, que a mistura parece-ria bizarra aos estrangeiros, “mas é realmente muito saboro-sa”. Ele registra que descascavam as laranjas “enfiando com

a mão esquerda um garfo no fruto, fixando assim este último e

tirando a casca em volta com a faca”, admirado da rapidez com que exe-

cutavam a operação. Mas, observa Cascudo, a forma “histórica” é “partir a laranja em cruz e retirar a

casca à força de unha”.Outro francês, o desenhista

Debret, escrevendo sobre um jantar no Rio, fala numa “resplendente pirâmide de laranjas perfumadas,

logo cortadas em quatro e distribuídas a todos os convivas para acalmar a

irritação da boca já cauterizada pela pimenta. Felizmente este suco balsâmico, acrescido a cada novo alimento, refresca

a mucosa, provoca a salivação e permite apreciar em seu devido valor a natural sucu-

lência do assado”. A laranja originária da Ásia, Citrus sinensis, chegou com

as caravelas. O cronista Jean de Lery informa em 1557: “Os portugueses plantaram perto da costa, essas plantas se mul-tiplicaram de modo admirável e produzem laranjas, a que os selvagens chamam morgonia, do tamanho de dois punhos”.

Conforme veremos a seguir, a fruta que no remoto passado era negócio da China, aqui se deu tão bem que virou negócio do Brasil.

Citrus sinensis

U

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Consultoria: nutricionista Aishá Zanella ([email protected])

D

SAIBA MAIS

História da Alimentação no Brasil, de Luis da Câmara Cascudo (Global, 2004).História da Alimentação, de Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari

(Estação Liberdade, 1998).

e cada cinco copos de suco que se bebe no pla-

neta, três saíram de nossos pomares. “Laranja é

negócio absolutamente brasileiro”, afirmou à Globo

Rural de maio de 2011 Christian Lohbauer, presidente

da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos

Cítricos. A revista entrevistou Christian a propósito

dum sinal amarelo: o consumo caiu 16% de uma

década para cá, perdendo terreno para refrigerantes,

energéticos, isotônicos, águas aromatizadas. E o exe-

cutivo anunciava uma campanha para reavivar a boa

imagem do suco: I feel orange (me sinto laranja). Em

português não daria certo – aqui, “ser laranja” signi-

fica participar de maracutaias alheias.

Em inglês, vamos torcer pela laranja, que vem encon-

trando aplicações em áreas inusitadas. A Yokohama

passou a usar o óleo da casca na produção de seus

pneus, em vez de borracha sintética. E, figurando en-

tre as frutas mais estudadas no mundo, vêm aí produ-

tos para emagrecer, desintoxicar o fígado, melhorar a

absorção de nutrientes. Salve a laranja.

Vamos torcer por ela

os restaurantes, vemos comensais beber refri-gerante – principalmente crianças, o que, além

de prejudicial à digestão, pode levá-las à obesidade. E muita gente começa o dia com refri! Vamos comparar? Refrigerante tem gás, açúcar, “químicas”. Suco de laranja fortalece o organismo; depura o sangue; é antioxidante, calmante; beneficia ossos, dentes, gengivas; evita anemia, artritismo, ácido úrico; alivia dor de cabeça; melhora a pele; age contra gripe e resfriado. Então? Refri ou suco de laranja? Eis a questão.

N

Troque um refrigerante por um suco

A razão de viver segundo Verissimo

egue uma forma de pudim e ali mesmo prepare uma calda bem dourada, com açúcar e água. Bata no liqui-

dificador uma lata de leite condensado, a mesma medida de suco de laranja, quatro ovos e uma colher de chá de raspas de casca de laranja. Derrame na forma e asse no banho-maria, em forno médio (180º C) por uma hora e meia. Depois de frio, deixe na geladeira por umas horas. Aí pode desenformar e servir. E constatar, como nós, por que Luis Fernando Verissimo escreveu: O sentido da vida é o pudim de laranja.

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Causos de Rolando Boldrin

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Estes versos recebi do meu compadre Pompilho, caboclo lá do Norte, que mais tarde foi viver para as bandas de Goiás. Ele conta como duas coma-dres dele, a Filomena e a Guilhermina, se com-portavam durante a missa. A hora da Ave Maria era um Deus nos acuda.Filó – Ave Maria, cheia de graça...Guil – A carestia invadiu a praça.Filó – O senhor é convosco...Guil – A fome é conosco.Filó – Bendita sois vós entre as mulheres...Guil – Não paguei o armazém do seu Perez.Filó – E bendito é o fruto...Guil – E a cara do bruto?Filó – Do Vosso ventre, Jesus.Guil – Devo ainda água e luz.Filó – Santa Maria, mãe de Deus...Guil – Os bancos são dos ateus.Filó – Rogai por nós, pecadores...Guil – Somos nós os devedores.Filó – Agora e na hora...Guil – De pagar juro e mora.Filó – Da nossa morte. Amém.Guil – Mas a inflação também.Filó – Em nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo.Guil – Ajudai-nos, Senhor... Nóis já sofrêmo tanto!Filó e Guil – Amém!

Ave Maria cabocla

É a mãeNo quartel, o comandante pergunta para um dos soldados alinhados:– O que é a pátria para você, soldado Melo?– É minha mãe, senhor!Orgulhoso, o comandante passa para o próximo soldado da fila e faz a mesma pergunta:– O que é a pátria para você?O recruta não titubeia:– É a mãe do soldado Melo, senhor!

Antena parabólicaA senhorinha atende a porta de casa e o instalador de antenas dispara:– Boa tarde, sou o técnico da Antenenor Antenas e vim oferecer uma exclusiva tecnologia de antena parabólica para que a sua televisão tenha acesso via satélite a todas as dezenas de canais disponíveis sem custos, e ainda aos canais da TV digital, nova tecnologia que vem revolucionando a televisão mundial. A senhora tem interesse?– Desculpe, rapazinho. Não entendi. Antena para quê?– Pa-ra-bó-li-ca, senhora...

O pangaré e os cavalosO matuto ia andando em um pangaré pela estradinha quando passa um playboy em um carro superpotente:– Tá vendo esse carro aqui? O motor tem 400 cavalos!O rapaz acelera com força e deixa o caipira na poeira. Mais à frente, não vê uma curva e acaba com o carrão em um riacho. O matuto vai chegando devagar, até passar pelo playboy atolado:– Tá dando de beber pra tropa, moço?

Nem o cachorroO sujeito leva o cão ao veterinário:– Quero cortar o rabo do meu cachorro.O veterinário, acostumado a esse tipo de serviço, obedece. Vinte minutos depois, está de volta o cãozinho. Mas o cliente não fica satisfeito:– Ainda ficou um pedaço do rabo. Eu pedi que cortasse ele todo...– Mas vai ficar muito feio. Eu posso cortar, mas qual a implicância com o pobrezinho assim?– Implicância nenhuma, doutor. É que a minha sogra vai almoçar em casa no próximo domingo. Não quero ver qualquer sinal de manifestação de alegria.

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