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Almanaque de Cultura e Saúde - FEBEC Edição 09

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Almanaque de Cultura e Saúde - FEBEC Edição 09

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É preciso doar de coração, de boa vontade. E ter muito carinho.

Sumário

Diretor editorial Elifas AndreatoDiretor executivo Bento Huzak Andreato

Editor João Rocha RodriguesEditor de arte Dennis Vecchione

Editora de imagens Laura Huzak AndreatoEditor contribuinte Mylton Severiano

Redatores Bruno Hoffmann e Natália PesciottaAssistentes de arte Guilherme Resende e Soledad Cifuentes

Gerente administrativa Fabiana Rocha OliveiraAssistente administrativa Eliana Freitas

Assessoria jurídica Cesnik, Quintino e Salinas AdvogadosJornalista responsável João Rocha Rodrigues (MTb 45265/SP)

O Almanaque de Cultura e Saúde está sob licença Creative Commons. A cópia e reprodução de seu conteúdo são autorizadas para uso não comercial, desde que dado o devido crédito à publicação e aos autores. Não estão incluídas nessa licença obras de terceiros. Para reprodução com fins comerciais, entre em

contato com a AndreAto ComuniCAção e CulturA.

Correspondências Rua Dr. Franco da Rocha, 137 - 11º andar Perdizes. São Paulo-SP CEP 05015-040 Fone: (11) 3873-9115 [email protected]

O AlmAnAque de CulturA e SAúde é uma publicação mensal da Andreato Comunicação e Cultura em parceria com a FEBEC – Federação Brasileira

de Entidades de Combate ao Câncer. A revista é distribuída por assinatura, pelos estabelecimentos filiados à Associação Paulista de Supermercados

(APAS) e pelos voluntários das Ligas de Combate ao Câncer.

5 carta enigmática

6 você sabia?

12 gente aJUDanDo gente Darziza Santos

13 PaPo-cabeça Oded Grajew

16 ilUstres brasileiros Rachel de Queiroz

18 esPecial Vale uma Nota

22 Jogos e brincaDeiras

23 o teco-teco

24 viva o brasil Tiradentes

28 temPeros e sabores Baião de dois

29 almacrônica por Lourenço Diaféria

30 em se PlantanDo tUDo Dá Maçã

32 rir é o melhor reméDio

33 caUsos De rolanDo bolDrin

34 mUito obrigaDo por Aparecida Mascaro

Presidente Antonio Luis Cesarino de Moraes Navarro

Para seguir o conselho de dona Adélia

Antonia Adélia Segalla Lorenzetti

Rua Silva Airosa, 40. Vila LeopoldinaSão Paulo-SP Cep 05307-040

Fone: (11) 2166-4131

Departamento Comercial Jaques C. CeruttiRua Lourenço Prado, 218, conj. 151

Jaú-SP CEP 17201-000 Fone: (11) 2166 4106 • (14) 8129-8892

[email protected]

SAC (11) 2166-4100 e (11) 3017-0417

ASSINE (11) 2166-4100www.febec.org.br

u tinha ideias, e sempre tive vontade de transformá-las em fatos. Fazer acontecer.” Assim Oded Grajew, idealizador da Fundação Abrinq e do Instituto Ethos, entre outros, tornou-se um dos maiores

empreendedores sociais do Brasil. A conversa é inspiradora para quem segue na luta pela dignidade no tratamento do câncer. As ligas de combate ao câncer, para as quais este AlmAnAque de CulturA e SAúde arrecada verbas, é erguida majoritariamente por mulheres que não recebem nada em troca, mas fazem questão de continuar trabalhando para conquistar avanços. “Não há pagamento maior do que ver um paciente recuperado”, afirma a funcionária pública Darziza Santos na seção Gente Ajudando Gente deste mês.

Darziza é uma das fundadoras da Associação de Voluntários de Combate ao Câncer de Brasilândia, no Mato Grosso do Sul. Despertou para a causa depois que a mãe contraiu a doença. Aparecida Mascaro, na seção Muito Obrigado, tornou-se voluntária em Ribeirão Bonito, no interior de São Paulo, depois dela mesma ter passado pela situação. Hoje, como diz, pode convencer a todos que é sim possível vencer o câncer.

As voluntárias entram em cena no apoio psicológico dos pacientes, mas também para suprir qualquer outra necessidade: transporte ao hospital, acomodação da família na cidade de tratamento, alimentação, remédios e tantas outras coisas.

Antonia Adélia Segalla Lorenzetti bem sabia. Dos 90 anos em que viveu, 35 foram como administradora voluntária. Foi homenageada por este AlmAnAque em sua sexta edição (leia em www.febec.org.br) e acaba de nos deixar, em outubro. Adélia aceitou o convite para dirigir a Apae de Lençóis (SP), onde morava, e só se retirou do cargo 22 anos depois, para fundar a associação de combate ao câncer da cidade. Era grande especialista em dar sempre um jeitinho para ajudar.

É com a lição e trabalho que Adélia deixou que as ligas continuam sua atuação pelo País. É com carinho também que mensalmente produzimos este AlmAnAque, uma parceria entre a Federação Brasileira de Entidades de Combate ao Câncer (Febec), a Associação Paulista de Supermercados (Apas) e a Andreato Comunicação e Cultura. Seguimos com a pretensão de colaborar com o apoio biopsicossocial aos pacientes e também de difundir cultura e entretenimento de qualidade. Se gostar, assine e receba almanaquices todos os meses: é só acessar www.febec.org.br. Ou ligar para (11) 2166-4100.

Apoio

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Em fevereiro de 1927 foi realizado o primeiro vôo comercial da história do

transporte aéreo no Brasil. A iniciativa foi da Viação Aérea Rio-Granden-

se, que viria a ser conhecida como Varig, empresa fundada pelo alemão

naturalizado brasileiro Otto Ernst Meyer. O hidroavião Atlântico levantou

vôo do rio Guaíba, em Porto Alegre, com destino à cidade de Rio Grande.

Estavam a bordo Guilherme Gastal, João Oliveira Goulart – um comerciante

gaúcho – e Maria Echenique, portadora de mensagem do prefeito de Porto

Alegre para o prefeito de Rio Grande. repr

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Solução na p. 22

le se criou na mesma terra do cantor Roberto Carlos: Ca-choeiro de Itapemirim, no Espírito Santo. Mas se um tem

vocação para bom moço, o outro, digamos, não era exatamente o genro que toda sogra sonharia. Saiu de casa ainda adolescente e conviveu com a boemia. Mais tarde, decidiu que seria locutor e foi para o Rio de Janeiro, pouco antes dos 30 anos. Emplacou no cinema. Seu nome figura na ficha técnica de mais de cem produ-ções nacionais, como ator, diretor, roteirista ou produtor.Era um autêntico personagem de nelson Rodrigues. O escritor, que fora seu cunhado, adorava escalá-lo para seus roteiros. nossa figura enigmática também participou de filmes de Glauber Rocha, Ruy Guerra, anselmo Duarte, Cao Hamburguer. Esteve no primei-ro longa brasileiro que mostrou um nu frontal. a interpretação em Rio 40 Graus, de nelson pereira dos Santos, lhe rendeu o prêmio

de melhor ator de 1956 – curiosamente, uma estatueta em forma de corpo de mulher. a princípio, o presidente do júri lhe negou a premiação porque era destinada a atores profissionais – achava que o capixaba era um malandro do morro de verdade.assumiu o papel da malandragem carismática. Bicheiro, bandi-do, boêmio, era com ele mesmo. “Eu sempre fui o vilão, mas um vilão diferenciado. Sempre ficava com a mocinha no fim e nunca perdia uma briga”, disse uma vez. na vida real, casou-se seis vezes e teve nove filhos. Quatro deles assumidos por outros homens. o fim dessa história, porém, nunca esteve em nenhum texto que encenou. Virou pastor. Em 1995, gravou um documentário autobiográfico que marcou a conversão para o protestantismo. Continuou trabalhando. Quando morreu, em 27 de novembro de 2006, gravava um filme de Zé do Caixão.

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Angola- ba+ pre

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7/11/1799 LÍDERES DA CONJURAÇÃO

BAIANA SÃO CONDENADOS AO ENFORCAMENTO. O MOVIMENTO TENTOU

INSTITUIR UMA REPÚBLICA NA BAHIA EM PLENA COLÔNIA.

7/11/1837 JÁ NO IMPÉRIO, A SABINADA

PROCLAMA A REPÚBLICA DA BAHIA, SEM SUCESSO.

LÍDERES REVOLTOSOS TAMBÉM SERIAM

EXECUTADOS.

Saiba maiS Ouça a primeira gravação de A Jardineira, por Orlando Silva, no YouTube (www.youtube.com). Busque pelo termo “A Jardineira”.

Jardineira/ Por que estás tão triste?/ Mas o que foi que te aconteceu?/ Foi a

Camélia que caiu do galho/ Deu dois suspiros e depois... Quem não é capaz de substituir os três pontinhos? Pois há pelo menos sete décadas, desde que o cantor Orlando Silva gravou A Jardineira, os versos estão na ponta da língua das multidões. Porém, antes mesmo que Orlando nascesse, a ode à triste jardineira já era entoada nas ruas do Rio. Mas de quem seria a composição? A favor de Candinho das Laranjeiras, que fundou o bloco Filhos da Primavera em 24 de novembro de 1896, depoimentos de duas autoridades da nossa música: Almirante e Tinhorão, que asseguram que já nos idos de 1906 a turma de Candinho cantava os versos.Quem ficou com as letrinhas miúdas abaixo do título, no entanto, foi Benedito Lacerda e Humberto Porto, que alegavam ter feito uma adaptação. “Se a gente soubesse que ia dar tanto rolo, não tinha feito”, concluiu Lacerda, diante de tanta polêmica.

Candinho cantou marchinha antes de ser gravada

ÓDificuldades não faltaram para o inventor. Ele só conseguiu patentear o lacre nos Estados Unidos contando com a boa vontade de uma aeromoça, que, no último dia para o pagamento da patente, levou o dinheiro para o país.Eduardo morreu em 2000, mas deixou algumas invenções para os filhos, que hoje tocam a empresa e exportam uma tecnologia 100% nacional para o mundo todo. Os lacres são usados pela Casa da Moeda, Inmetro e tantas outras instituições e empresas. Foram até escolhidos para selar as ogivas nucleares norte-americanas.

duardo Lima Castro Netto era o tipo de pessoa que não perdia a

oportunidade de dar uma boa idéia. Recifense, foi para o Rio de Janeiro para terminar os estudos. Especializou-se em engenharia mecânica e montou a própria empresa. Sempre pensou em coisas que ninguém havia imaginado antes. E, assim, inventar tornou-se um negócio. Buscando matéria-prima para trabalhar, descobriu uma grande quantidade de lacres de chumbo descartados em um ferro velho, que serviam para sacos postais, medidores de eletricidade, bombas de gasolina, placas de veículos etc. Foi então que veio o estalo: por que não criar um modelo de lacre que dispensasse o chumbo e se valesse de material reciclado?Lançado em 1967, o selo de plástico inventado por Eduardo era superior a qualquer outro tipo de lacre. E assim conquistou o primeiro cliente: os Correios.

Saiba maiS Matéria no site do programa Globo Repórter (http://globoreporter.globo.com). Procure pelo termo “Eduardo Lima Castro”.

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O inventor Eduardo Lima.

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Criação de brasileiro lacra até ogivas nucleares

Confira a resposta na página 22

de quem são estes olhos?

Olhos que viram o mundo pela primeira vez em 2 de novembro de 1946. Sua dona estreou no teatro em 1965, com a peça As Feiticeiras de Salém. Três anos depois, participou do musical Roda Viva, duramente

censurado pela ditadura militar. Com o autor, teve três filhas. Na telona protagonizou Carlota Joaquina, de Carla Camurati; na telinha, integra o elenco de uma série humorística de grande sucesso.

O que se colhe no mês Jabuticaba, nectarina, pêssego, abacaxi, caju,

mamão, melancia, melão, laranja.

estação colheita

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orlando silva

plÁGIo ou aDapTação?

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bebê da foto, nascido em 12 de novembro de 1942 no Rio de Janeiro, é filho de violeiro. Cresceu em meio a encontros de músicos como Pixinguinha e Jacob do Bandolim. Adotou o ofício do pai – até no nome, por sugestão de Zé Keti e Sérgio Cabral. Trabalhou com contabilidade em banco, é marceneiro por hobby e portelense de coração. O amor pela escola de samba está eternizado em um de seus sambas mais famosos.

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As aulas dançantes ganharam fama, tanto que ele foi convidado a ensinar as lições no Parque Ibirapuera e em vários palcos de São Paulo. Bailando, chama a atenção de centenas de pessoas para a magia das leis da física. Nas horas vagas, capricha no figurino e desliza pelos salões de dança num dois-pra-lá, dois-pra cá, satisfeito por ter cumprido o dever de casa. Os estudantes das aulas desse bailarino das ciências sabem direitinho que na física dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. Mas que, na dança, quanto mais próximos, melhor.

é-de-valsa por paixão desde que se entende

por gente. Professor de física de profissão formado em 1998. Nada incomodava mais a Nelson Paschoalinoto do que explicar as leis da física sem ser compreendido pelos alunos. Foi aí que ele uniu o útil ao agradável. Transformou salas de aula em grandes salões de baile. Calçou os sapatos mais lustrosos, reuniu discos com clássicos da valsa, bolero, tangos e tirou todo mundo pra dançar.Unindo física e bailado, Nelson criou um jeito musical de explicar questões complicadas. Na lição sobre agitação das moléculas, o professor-dançarino requebra ao som do forró. Suando a camisa, os alunos sentem na pele o aumento da temperatura e da pressão. Para analisar o equilíbrio dos corpos, tango. O ritmo quente do meregue é a metáfora perfeita para explicar corrente elétrica. Para ensinar os conceitos de vetores e das trajetórias dos corpos, arrasta-pé na quadrilha. Para o professor, dançando os alunos vivem a física e aprendem com prazer.

No site do AlmAnAque, confira vídeos sobre os benefícios da dança de salão.

Pm dos símbolos mais perversos da escravidão, os navios negreiros

eram um transporte de alto risco para a vida dos escravos – o que não interessava a ninguém. Cada negro morto significava prejuízo. Um alvará com força de lei publicado em 24 de novembro de 1813 regulou sobre as condições de transporte da África para o Brasil, motivado por um “incomparável sentimento de humanidade”.O alvará proibia a superlotação e determinava que deveria haver boa ventilação nos porões escuros. A marcação dos negros com ferro quente passava a ser proibida, “devendo substituir-se por uma manilha ou coleira”.Outra mudança era em relação ao cardápio. Antes, os escravos comiam basicamente feijão. Uma vez por semana arroz começaria a fazer parte da refeição. Sem esquecer do milho que, segundo o texto, era um alimento que os negros preferiam a qualquer outro. Mas o propósito humanitário é desfeito logo adiante: “Da frequente renovação de ar depende a manutenção da saúde dos navegantes. Ainda mesmo o interesse pessoal dos proprietários dos navios, pois não recebem frete pelo transporte de negros que morrem na travessia”.

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(BH)

Lei “humanitária” determinava as condições

dos navios negreiros

No site do AlmAnAque, leia o texto completo da lei.

Confira a resposta na página 22

Ciência na dança: Nelson Paschoalinoto em uma de suas aulas.

(laís Duarte)

DoIS pra lÁ, DoIS pra cÁ

sagitário Sagitarianos adoram conhecer coisas novas e abrir os horizontes. Por isso, prezam muito sua independência. Geralmente são pessoas expansivas, aventureiras e otimistas por natureza, além de eternos defensores dos princípios que consideram nobres. É bom saber que o nativo de Sagitário não tem receio de dizer o que pensa. E que não reage bem quando as críticas são para ele.

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Ilustração de navio negreiro: trabalhador morto, mercadoria perdida.

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Professor rodopia alunos para ensinar física

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De presidente, cego e louco, o Alecrim tem um pouco

á 94 anos, em 15 de agosto de 1915, em pleno bairro do Alecrim, um grupo de jovens fundava um dos times mais tradicionais de Natal: o Alecrim Futebol Clube. Entre

esses jovens – quem diria? –, estava Café Filho, talvez o único jogador de futebol do Brasil, quiçá do mundo, a trocar os gramados do esporte bretão pela poltrona confortável – imagina-se – de Presidente da República. Café Filho era um goleiro mediano.Depois do goleiro presidenciável, o Alecrim seguia sua rotina de jogos sem muita expressão, até que, em 1925, levantou o caneco de campeão de maneira invicta, fato inédito entre os clubes de futebol da cidade. Como naquela época o Alecrim era formado basicamente por negros e descendentes de índios, os caras do ABC e América, que eram times das elites, dissolveram a federação de futebol para que o campeonato fosse invalidado.Trinta e oito anos passaram até o segundo título, que veio em 1963, com o técnico Geléia, numa vitória contra o ABC. No ano seguinte Geléia deixou o clube, dando lugar a Pedro 40, que garantiu o bicampeonato contra o mesmo adversário.Em 1968, outra façanha: o esquadrão esmeraldino venceu o campeonato estadual de ponta a ponta. Mais uma vez, invicto. Embalados pela conquista, nesse mesmo ano a torcida do Alecrim ganharia mais um presente. Num amistoso contra o Sport,

de Recife, o gênio das pernas tortas, Mané Garrincha, vestiu a camisa 7 do clube alecrinense. Apesar da derrota por 1 a 0, aquele 4 de fevereiro ficou para sempre na história do Alecrim.Nos anos 1980, um dos torcedores mais fanáticos do Alecrim era cego. Chico Araújo ia “ver” os jogos munido de seu radinho de pilha. Não perdia uma única partida que fosse. De goleiro presidente a torcedor cego, até Garrinha tirou uma onda pelos gramados alecrinenses. Vida longa ao escrete esmeraldino!

HAlecrim em 1968: contra o Sport, time recebeu o reforço de Garrincha, primeiro jogador agachado, da esquerda para a direita

No Brasil colonial, o senso comum –

e por vezes as leis – estipulava que às

10 horas da noite as pessoas deveriam

estar em casa. Quando alguém fazia

uma visita e queria terminar a prosa,

iniciava a despedida: “Já são nove

horas...”. Mas, se o dono da casa

achasse cedo, ponderava: “Ora, não

esteja desde já com nove horas” ou

“O senhor está cheio de nove horas”.

CHEIO DE NOVE HORAS Origem da expressão

o baú do Barão“Quem tem saúde de ferro pode um dia enferrujar.”

Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.

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medicina antroposófica surgiu na Europa no início do século 20 e chegou ao Brasil,

trazida por imigrantes alemães, no fim dos anos 1950. Além do diagnóstico tradicional – exames e radiografias –, os médicos que seguem essa linha também analisam a vitalidade, o desenvolvimento emocional e a história de vida de seus pacientes. Assim, a busca pela cura é individualizada e acontece a partir da restauração do equilíbrio do corpo, da mente e do espírito.Em 1969 foi inaugurada a primeira clínica antroposófica do País. Situada no Alto da Boa Vista, bairro da zona sul paulistana, a Clínica Tobias foi uma das primeiras a utilizar remédios homeopáticos para o tratamento de doenças. Feitos de substâncias vindas da natureza – plantas, minerais e até mesmo metais –, esses medicamentos são produzidos com técnicas de diluição e dinamização.Um de seus oito leitos chegou a ser ocupado por Raul Seixas nos anos 1970, já que era o único lugar em que o Maluco Beleza aceitava ficar internado para desintoxicação. Lá, Raul escreveu a música Canceriano sem Lar, ou Clínica Tobias Blues. Na época, além da implementação dos tratamentos, a instituição também foi responsável pela formação de cerca de 80 médicos de diferentes regiões do Brasil. A clínica funciona até hoje, mas a partir de 1993 passou a atuar apenas no atendimento ambulatorial. Os leitos para internação tornaram-se consultórios e passaram a ser oferecidos cursos de formação em medicina antroposófica e terapia artística.

Clínica de Raul Seixas foi pioneira no

uso de homeopatia

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Clínica de Raul Seixas foi pioneira no

uso de homeopatia

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Ilê-Aiyê incomoda logo em sua estréia no Carnaval

s tambores soaram alto em 1° de novembro de 1974. Na ladeira do Curuzu, em Salvador, tomava forma o primeiro

bloco afro do Brasil, o Ilê-Aiyê. Festejado como “o mais belo dos belos” e propulsor da reafirmação da herança africana no Carnaval da Bahia, os predicados não foram tão generosos em sua primeira incursão no reinado de Momo – pelo menos não da parte do jornal A Tarde, que o acusava de ser racista e proporcionar “um feio espetáculo”. E o periódico prosseguia, justificando não entender a existência de um bloco afro-descendente numa cidade como Salvador: “Não temos felizmente problema racial. Esta é uma das grandes felicidades do povo brasileiro”. As críticas, entretanto, não abalaram as estruturas do Ilê, que tornou-se uma associação cultural, desenvolvendo projetos sócio-educativos como alfabetização, aulas de canto, dança, cidadania, expressão corporal e orientação sexual.

Saiba maiS Site do bloco: www.ileaiye.org.br

Condomínio da Amizade apazigua frieza da metrópoleR ua dos Pássaros e Flores, zona sul da

capital paulista. Ali está um prédio com cara de vila, onde todo mundo se conhece e se frequenta. Engenheiro de longa data, Carlos Ferraro não se conformava em morar em um apartamento grande depois que os filhos se mudaram. Mais do que isso. Queria ter um ombro amigo por perto, a casa movimentada. Cansado de esperar a boa vontade da vizinhança, conversou com um amigo, que falou com outro, e com outro. Nasceu assim o Condomínio da Amizade, com 22 apartamentos construídos por eles e para eles. Ali ninguém reclama se o vizinho fizer barulho.

Antes da mudança, os proprietários doaram duas receitas caseiras de família, uma salgada e outra doce, para um livro de culinária exclusivo do prédio. E, vez por outra, alguém põe a mão na massa. Na área de lazer há cozinha coletiva. Onde come um comem 20. Há também biblioteca e uma sala de tevê que reúne a turma toda nos dias de jogos de futebol.

Outra novidade por lá é o “termômetro da amizade”, uma espécie de semáforo instalado na sala de cada um dos apartamentos. Se a luz estiver verde quer dizer que quem mora ali está disposto a receber os amigos. Amarelo indica que está em casa, quieto. O vermelho é um pedido de ajuda. “Solidão é uma opção de poucos”, garantem os moradores.

Carlos agora vive cercado por gente querida. Sabe que existe uma lista de pessoas interessadas em morar no condomínio e justifica: “É porque aqui somos todos uma família”.

Todo diatem um Santo

A Paixão de Cecília, do século 6, narra que a nobre romana precisou casar-se com Valeriano, mas fez o marido respeitar seu voto de castidade. Ele e o irmão Tibúrcio eram pagãos. Tornaram-se cristãos (e santos) graças a Cecília. Ela fundou uma igreja e morreu martirizada. É padroeira dos músicos.

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Jantar de condomínio: solidão é opção para poucos, garantem os moradores.

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Mercados viraram trincheiras dos fiscais do Sarney

azer compras pode parecer um programa tranquilo, mas em 1986 ir ao

mercado chegou a ser como ir para a briga. Pessoas armavam-se com uma cartela de preços do governo e incorporavam o que o presidente José Sarney chamou de “guerra de vida ou morte contra a inflação”. Se o preço de algum produto tivesse subido, era hora da batalha. Sarney, o primeiro presidente civil empossado depois do regime militar, apostou numa fórmula drástica para acabar com a inflação descontrolada que tirava o sono dos brasileiros. O Plano Cruzado, entre outras medidas, foi direto ao ponto: por um ano, o comércio estava proibido de aumentar o preço das mercadorias. Num tempo em que a

F inflação atingia 300% ao mês, os valores dos produtos do dia a dia – arroz, feijão, macarrão – foram congelados numa tabela.Os jornais diários acostumaram-se a mostrar cenas nos supermercados: uma pessoa descobria um produto remarcado, avisava às outras e todos gritavam que o estabelecimento devia ser fechado. Havia até casos de depredamento e saques. Os fiscais do Sarney, como ficaram conhecidos os consumidores mais empenhados, chamavam a polícia, que decretava ordem de prisão aos responsáveis pela remarcação.O congelamento, contudo, não surtiu efeito por muito tempo. Os produtos começaram a sumir das prateleiras e a população acabava pagando por eles o ágio cobrado pelos supermercadistas.

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custar de dois a seis mil reais, dependendo dos acessórios. Há também quem os personalize, acrescentando, por exemplo, neon. Outros, mais criativos, os aproximam de modelos conhecidos, como Jipes e Ferraris. Se Batman aparecesse por lá, não ficaria a pé: não falta um bicitáxi Batmóvel para transportá-lo.

s 40 mil moradores de Afuá, cidade paraense localizada na Ilha de Marajó, não têm o pé no

chão. Andam sobre palafitas. Moram em cima delas. A arquitetura peculiar tem sua justificativa: constantemente alagada pelo rio, a região não permite construções em terra firme. Assim, casas e pontes de madeira foram sendo desenhadas a um metro de altura. Por tabela, carros e motos não podem circular. Prejudicariam a estrutura que ainda prevalece, resistindo ao concreto que teima em avançar. Na falta de transportes motorizados, a bicicleta predomina: há quem calcule que o número de magrelas é superior ao de habitantes. Mas havia um porém: elas só carregam uma, no máximo duas pessoas. Como sair com a família para passear? Foi então que entrou em cena a invenção de Raimundo do Socorro, também conhecido como Sarito: o bicitáxi.Com capacidade para até quatro pessoas e nome registrado em cartório, o inovador meio de transporte foi construído a partir da junção de duas bicicletas. Com o tempo, peças de carro foram sendo acrescentadas: volante, pneus, pára-choque, sistema de som. Os veículos, apesar do nome, são particulares. Podem

Cidade paraense foi construídasobre pontes de madeira

bicitáxis: transporte oficial de afuá.

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Saiba maiS Site da Prefeitura de Afuá: www.prefeituradeafua.com.br

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opa do Mundo de 1970. No auge da carreira, o cantor Wilson Simonal

acompanhava a seleção brasileira ao México. O clima de informalidade proporcionava uma grande interação entre o astro da música e o ídolo do futebol, Pelé. Nas revistas, eram descritos como carne e unha. “Todo jogador quer ser cantor e todo cantor quer ser jogador”, confessa o Rei no documentário Simonal: Ninguém sabe o duro que dei. Assim, canjas aconteciam na concentração, e também bate-bolas informais.Após a contusão de um dos jogadores, o técnico Zagallo pensou em mandar

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coNvocação De ÚlTIMa Hora

Simonal até topou ser pontada seleção de 1970

buscar um atleta no Brasil. Aproveitando a auto-estima, digamos, elevada do artista, o capitão Carlos Alberto propõe: “Para que trazer alguém se temos o Simonal aqui? Simonal, você joga?”, perguntou, recebendo como resposta: “É, eu bato uma bolinha...”.O resultado da brincadeira: “No dia seguinte, fomos treinar. Não deu 15 minutos de aquecimento e ele se sentiu mal”, descreve às gargalhadas Pelé. Por causa da altitude e da falta de preparo, o cantor teve que ser socorrido e tomar oxigênio. “Só quando ele acordou e viu que estava todo mundo rindo é que percebeu que era

seio inusitado. Entre as sepulturas, destacam-se o suntuoso túmulo da família Matarazzo, de 20 metros de altura, e o jazigo da Marquesa de Santos, a famosa amante de dom Pedro I.Entre os freqüentadores assíduos, está a escritora Maria Adelaide Amaral, que gosta de visitar os “queridos modernistas”, retratados por ela na minissérie Um só Coração. “Gosto tanto deles que vou visitá-los no Consolação. A Tarsila, o Oswald, o Mário... Estão todos lá. É como se fosse gente da minha família”, conta.Para evitar que haja furtos, o cemitério não distribui folhetos explicati-vos sobre a localização das obras e túmulos. Para encontrar o que dese-ja, só marcando um horário com Popó. As visitas monitoradas duram, em média, uma hora.

TurISMo No ceMITÉrIotúmulo de mário de andrade.

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m vez de entrar em contato com as obras de Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral e Monteiro Lobato em bibliotecas ou

museus, por que não visitá-los pessoalmente? Ué? Mas eles não estão mor-tos? Sim, por isso o ponto-de-encontro é o Cemitério da Consolação, em São Paulo, que desde 2001 organiza passeios monitorados.O visitante imerge na cultura e na história paulistana. Além de conhe-cer as sepulturas de importantes nomes da cidade, também se depara com valiosas obras de arte, como esculturas de Victor Brecheret, Luigi Brizollara e Eugênio Prato. Há também a peça em granito Solitudo, de Francisco Leopoldo e Silva, considerada o primeiro nu feminino das artes plásticas brasileiras. “É um museu a céu aberto”, explica o guia Francivaldo Gomes, o Popó, que desde 2002 orienta o público nesse pas-

EA maior galeria de arte a céu aberto do Brasil

Saiba maiS agendamento de visitas monitoradas: (11) 3396-3815 ou 3396-3833.

uma gozação”, conta Chico Anysio no documentário, que busca esclarecer os reais acontecimentos que levaram Simonal ao ostracismo. Segundo o comediante, o cantor reunia um misto de ingenuidade e pretensão tão grandes que “acreditava que podia até ser o ponta-direita da seleção brasileira de 1970!”.

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“Não há pagamento maior do quever um paciente recuperado”

A funcionária pública Darziza da Silva Santos levava uma vida tranquila na

pequena e bucólica cidade de Brasilândia, no sul do Mato Grosso do Sul, quase no estado de São Paulo. Uma notícia que recebeu em 1999, porém, mudaria sua rotina para sem-pre. Descobriu que sua mãe tinha câncer de mama. O desespero veio junto com a desin-formação. Ninguém sabia o melhor a fazer, não havia associações para se informar, nem tratamento adequado na região. Sua mãe foi para Campo Gran-de, tratou-se, mas acabou morrendo em dezembro daquele ano. Ainda sob a dor da perda, Darziza decidiu que faria o possível para que ninguém mais passasse pelo que passou. Em 2000, fun-dou ao lado de outras pessoas a Associação de Voluntários de Combate ao Câncer de Brasilândia. “Com a perda da minha mãe, despertei para a importância de dar e receber apoio num momento duro como esse”, conta Darziza, hoje presidente da associação que ajudou a fundar. O trabalho é intenso e muito bem-sucedido. Atualmente, 90 pacientes rece-bem desde remédios a transporte ao Hospital Amaral Carvalho, em Jaú, no interior de São Paulo. “Os pacientes encontram todas as condições materiais e financeiras para ultrapassar esse mo-mento duro com dignidade. Não importa se o tratamento é lon-go. Aliás, quase todos são demorados, e estamos sempre ao lado

para que o paciente e a família se preocupem apenas com a recuperação”, conta.A ajuda dos mais de 50 voluntários é essen-cial para manter o alto nível de atendimento. Todos estão prontos para, cada qual a sua maneira, aliviar a dor de quem se encontra numa situação tão delicada, física e psicolo-gicamente. A associação ainda recebe ajuda mensal da prefeitura, mas boa parte do di-nheiro vem de eventos de todos os tipos pro-

movidos pelos voluntários. Darziza diz que o maior pagamento que recebe é ver as pessoas recuperadas, prontas para voltar à vida normal. “Quando o tra-tamento chega ao fim e dá certo, a gente nem acredita de tanta felicidade. É o nosso grande objetivo na vida, e trabalhamos dia-riamente para que isso aconteça.” Entre as centenas – talvez mi-lhares – de pacientes que passaram pela associação, uma criança ficou especialmente marcada em sua lembrança: um menino de apenas seis anos com um perigoso câncer em seu organismo. “É muito triste ver alguém tão pequeno passar por uma doença tão difícil”, diz. Mas, com o empenho de todos, o menino recupe-rou-se totalmente. E Darziza se emocionou ao receber há pouco tempo um convite. Era do aniversário de 15 anos de um agora saudável adolescente. “Não precisa dizer mais nada, né? Esta é a grande vitória do nosso trabalho!”

Darziza Santos, voluntária no Mato Grosso do Sul.

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Tanta injustiça é insustentável

Ele é o fundador de uma das mais importantes empresas de jogos e brinquedos do País, a Grow.

Tinha tudo o que precisava para esquecer os tempos de vendedor de livros porta a porta e

desfrutar da prosperidade, mas as conquistas empresariais não foram o bastante. Partiu então

para novos empreendimentos, agora sociais. Desde 1990, Oded soma a seu currículo a criação

da Fundação Abrinq, do Instituto Ethos, do Fórum Social Mundial e do Movimento Nossa São

Paulo. “Nós somos o que fazemos”, justifica, evocando sua constante inquietação e propensão

para o fazer. Diante das dificuldades que o futuro reserva e da iminência de um “desastre total”,

pondera: “Há tantas variáveis. A perspectiva futura nunca me paralisou”.

ODED GRAJEW

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Como você define sua atuação? Isso era um problema para a minha mãe. Quando eu era engenheiro, empresário, era fácil responder para as amigas. Depois começou a confundir, ela mesma não sabia definir. Costumo dizer que sou um empreendedor social. Ou seja, tento em-preender coisas na área social e ambiental, que tenham consequências positivas para a sociedade.

De onde veio o desejo de deixar de ser empresário e se tornar um “empre-endedor social”? Ele me acompanha desde criança. Sempre olhei ao meu redor, sempre me interessei pelas causas sociais. Na empresa que fun-dei, tentava fazer as coisas de acordo com o que eu achava que deveria ser. Também comecei a dar palpites no Sindicato das Indústrias de Brin-quedos e Instrumentos Musicais do Estado de São Paulo, ao qual éra-mos filiados. Eu tinha ideias, e sempre tive vontade de transformá-las em fatos. Fazer acontecer. Um dia, no sindicato, acha-ram que eu deveria ser o presidente. Topei, porque co-mo presidente, além de dar palpites, teria a chance de fazer as coisas. E então segui este caminho.

Essa empresa a que você se refere é a Grow. Ela já nas-ceu grande? Não, ela nasceu muito pequena, num fundo de quintal, em 1972. Grow são as iniciais dos quatro fundadores: Geraldo, Roberto, Oded e Valdir. Era Valdir com “V” mas ficou o “W”. A gente come-çou juntando as nossas economias: o equivalente ao valor de um Volkswagen, naquela época. Então, des-de o princípio, sabíamos que o nosso poder compe-titivo seriam as ideias. A ideia era um produto no-vo para um mercado novo... Jogos para adultos, pa-ra adolescentes, e também comunicação, marketing, produção. Nós tínhamos que ter a informação como diferencial. Acredito que é preciso fazer coisas fora do comum, vamos dizer assim. O que os outros fazem já é feito. Para que possamos contribuir, é necessário fa-zer o que ninguém ou pouca gente faz.

Quando você começou a atuar no terceiro setor já enxergava a necessidade de profissionalização? O que eu sentia era a necessidade de fazer as coi-sas... A gente pode falar, pode achar, pode pensar, mas o que vale é o que a gente faz. Nós somos aquilo que fazemos. Em qualquer lugar do Bra-sil, se você fizer uma pesquisa perguntando quem é a favor da corrup-ção, duvido que alguém levante a mão. Mas o Brasil é um país cheio de corrupção. Se você perguntar quem é a favor da criança e do adoles-cente como prioridade nacional, todos vão levantar a mão, mas na prá-tica isso não acontece... Para fazer as coisas, você tem que estruturar um processo. Não basta querer.

Você foi um dos primeiros empresários a levantar o tema da responsabili-dade social. Houve evolução de lá para cá? Em relação a eu ser um dos primeiros empresários atentos à responsabilidade social, gostaria de abrir um parênteses. Na verdade, não há nada de excepcional nisso. Es-tranho é a indiferença diante de tanta desigualdade. O que não pode ser natural é ficar de braços cruzados. É tão óbvio que tem que ser feito... Ainda na Grow, tentei implementar as coisas, mesmo com uma situa-ção que, no começo, era financeiramente precária. Nos vários indica-dores do setor de brinquedos – salário, funcionários registrados, assis-tência médica, alimentação, condições de trabalho – sempre procura-

mos ser os melhores do setor... É claro que isso custa mais, mas eu sou testemunha de que dá certo financeiramente.

E em relação à evolução do empresariado brasileiro? Houve progresso? Sim, mudou bastante. Hoje, mais empresas se engajam, de uma forma ou de outra, nas questões sociais e ambientais. Mas ainda assim, não só no Brasil como no mundo, as melhores empresas têm investimentos em ações e projetos sociais que não chegam a 1% do seu faturamento. No Instituto Ethos, defendemos a aplicação não apenas desse 1%, mas tam-bém dos outros 99% em ações socialmente responsáveis. Ou seja, tudo o que a empresa faz: como ela lida com seus funcionários, com o meio am-biente; como são os produtos... Nada foge da responsabilidade social.

Geralmente gasta-se muito mais na divulgação dos projetos do que na re-alização deles. Não há uma distorção? Não sou contra propaganda ou marketing, porque é saudável divulgar os bons exemplos. Os concorrentes vão atrás. Enfim, cria-se uma cultura de ação social. Mas, na hora de di-vulgar, não adianta falar o que se está fazendo e gas-tar em publicidade muito mais do que com o projeto. Nas pesquisas do Instituto Ethos, uma das coisas que mais leva o consumidor a ter uma ideia ruim da em-presa é a propaganda enganosa. O cliente se sente lu-dibriado. Uma companhia que faz propaganda da sua responsabilidade social sem ter um real compromisso com o conteúdo acaba desmoralizando o conceito de responsabilidade social: “Ah! Isso é só coisa de marke-ting, de propaganda!”.

Isso deve valer também para as iniciativas da socieda-de civil, não? Os sindicatos e as ONGs deveriam servir de exemplo para os empresários. Tem gente usando como desculpa que, se registrar os funcionários, por exemplo, não sobrevive. É a mesma coisa dizer que se não roubar não sobrevive... Valeria também para os

políticos: “Ah, se eu não pegar dinheiro por fora, se não fizer acordos espúrios, não consigo governar”.

Como surgiu a ideia do Fórum Social Mundial? Foi em 2000. Era a épo-ca do Fórum Econômico Mundial, e predominava a ideia de que a eco-nomia ia salvar o mundo. As pessoas eram vistas mais como consumi-dores e produtores do que como cidadãos. Naquela época, o ex-presi-dente argentino Carlos Menem, por exemplo, era recebido com tapete vermelho em Davos, como um modelo a ser seguido. Aí começamos a pensar uma maneira de se contrapor a isso. Se tinha o Fórum Econô-mico Mundial, tinha que haver um Fórum Social Mundial. Foi aqui nessa sala, onde antes era o Ethos, que se realizou a primeira reunião do grupo brasileiro. Eu convidei algumas pessoas para expor a ideia, ver o que achavam... Porque mesmo os processos que surgem na mi-nha cabeça só vão adiante coletivamente.

O Fórum vem cumprindo o papel de equilibrar as discussões econômicas e sociais? É preciso olhar como era o mundo naquela época. Em 2000, quando foi realizado o primeiro encontro, vivia-se “o fim da história”. O modelo neoliberal imperava. A desregulamentação dos mercados, o estado mínimo e a globalização financeira pareciam o caminho. Hoje o quadro político na América Latina mudou totalmente – basta olhar os

Ou nos organizamos,

exigimos e acompanhamos o poder público

e as políticas públicas, ou não

temos futuro.

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presidentes. Ninguém ousa dizer “Eu sou neoliberal”. Se você compa-rar a agenda do Fórum Econômico Mundial daquela época com a atu-al... Eu às vezes brinco que o site do Fórum Econômico parece com o do MST. Há discussões que nunca haviam acontecido lá: a questão so-cial, as desigualdades, a questão ambiental, a fome. Nada disso entra-va na agenda. Não estou dizendo que melhorou efetivamente, mas que mudou, mudou. A última edição do Fórum Social Mundial foi na Ama-zônia, em Belém, o que proporcionou uma discussão sobre a susten-tabilidade mundial. O planeta está tendo seus recursos esgotados por causa desse modelo predatório que incorporamos. Isso questiona todo o sistema de cultura, valores, consumo e produção.

Quando se discute sustentabilidade, costuma-se pensar apenas no aspec-to ambiental. Não se trata de um conceito mais amplo? Sim. Se você au-menta ou preserva uma distância enorme en-tre ricos e pobres, isso é insustentável, porque gera violência e conflitos. Tanta injustiça é in-sustentável. É insustentável oferecer produtos e serviços que esgotam os recursos naturais. Ou preservar um sistema econômico que in-centiva o consumo predatório, que transfere a felicidade para o consumo. Hoje ser feliz é possuir várias coisas que há dois séculos não existiam... Então quer dizer que as pessoas não eram felizes? Essa ficha da sustentabilidade vai cair, mais cedo ou mais tarde. Nossa luta é pa-ra que ela caia antes do desastre total.

E por que a reação demora tanto? Geralmente os governos agem quando a crise atinge pes-soalmente os governantes e seus financiado-res de campanha. E eles não são atingidos pela pobreza, pela falta de habitação, de saneamen-to. Um exemplo é a crise financeira mundial que vivemos no ano passado. Diante dela, mo-bilizaram-se instantaneamente 700 bilhões de dólares. Esse dinheiro estava disponível! Para que se atinjam as metas do milênio, a ONU estima que sejam necessários 150 bilhões de dólares por ano. Até agora, menos da metade disso foi in-vestido. Por que se mobilizou nesa hora e não se mobilizou antes?

Em momentos de crise é sempre a área social que mais perde? No mode-lo atual, estão sim. Na hora da escassez sempre se tomam decisões de o que se vai priorizar e o que se vai cortar. Não todos, mas muitos go-vernantes dedicam parte do mandato para dar retorno a quem inves-tiu nas campanhas. Quem investiu não foi porque achou lindo. É in-vestimento mesmo. Então, na hora da crise, são prioridade. Pobre não financia campanha. Então, o governo coloca recursos para viabilizar exportações, para ajudar aos que apostaram errado no câmbio, e por aí vai. Por que não investir esse dinheiro na educação? Primeiro por-que não existe um interesse em que a educação melhore, pois um po-vo mais inteligente e mais bem informado é mais crítico e exigente. E também porque os filhos dos governantes e financiadores não usam os serviços públicos. Se houvesse uma lei ou um código de ética obrigan-do os filhos dos governantes a estudar em escolas públicas, eu garanto que a educação do País melhoraria. O mesmo vale para a saúde. O Bra-sil tem uma carga tributária de primeiro mundo, semelhante à dos pa-

íses europeus, e os serviços públicos são de quinta categoria.

E como combater a distância entre os interesses da população e as necessi-dades dos governantes? O Movimento Nossa São Paulo surgiu exatamen-te para isso. Nós pagamos impostos, somos eleitores. O governo tem que estar a serviço da população. Ou nos organizamos, exigimos e acompa-nhamos o poder público e as políticas públicas, ou não temos futuro.

Como é, concretamente, a atuação do Nossa São Paulo? A ideia é criar uma rede de articulações que comprometa a sociedade e sucessivos go-vernos com o desenvolvimento sustentável da cidade. Hoje são cerca de 530 organizações, que atuam em quatro eixos de trabalho. O pri-meiro é a montagem do observatório da cidade, dos indicadores; outro é o acompanhamento cidadão, porque não adianta você ter a informa-

ção sem acompanhar; o terceiro é a educa-ção, com campanhas e ações para que as pes-soas se comportem como cidadãos e exijam dos governos seus compromissos; e, por úl-timo, a mobilização – tornar cada paulistano parte da rede.

É possível contabilizar resultados? O movimen-to foi lançado em 15 de maio de 2007. Nes-se tempo, montamos uma base de indicado-res da cidade muito importante para o debate eleitoral. Um exemplo é a questão do trân-sito, para a qual sempre se pensou em solu-ções como a construção de pontes e viadutos. Houve uma mudança na agenda, no sentido de priorizar o transporte coletivo. Em rela-ção ao acompanhamento da Câmara Munici-pal, uma das coisas que conseguimos aprovar foi a mudança da Lei Orgânica do Município, que hoje está em várias cidades. Ela diz que o próximo prefeito tem 90 dias para apresentar um programa de metas – tanto qualitativas, como quantitativas –, em cada área da admi-

nistração pública, para as subprefeituras e os distritos da cidade. A cada seis meses, devem ser divulgados os indicadores e, a cada ano, o anda-mento das metas. Isso não existia em lugar nenhum do Brasil.

É realmente incrível como se administravam cidades sem esses tipos de compromisso... O nome do movimento é Nossa São Paulo, mas, na mi-nha cabeça, é o movimento do óbvio. Ele apenas defende o cumpri-mento integral de leis que já existem. Se você falar isso para um es-trangeiro, ele não entende.

Mesmo diante de tantos problemas, é possível seguir acreditando em ma-neiras de interferir no rumo das coisas? Na realidade, há muita coisa boa acontecendo. Se eu não visse perspectivas, não seguiria em frente. Ve-jo que muita coisa aconteceu, muitas mudanças. Basta olhar para trás e ver como era e como é hoje. Não sei o que vai acontecer lá na frente, não me preocupo muito com isso. Vou fazendo, vou tentando, e as coi-sas acontecem. A perspectiva futura nunca me paralisou. Há tantas va-riáveis. Além disso, é gratificante saber que você está fazendo a sua par-te. Não sou otimista nem pessimista. Acho que é preciso tomar algumas atitudes. A partir daí, será o que será.

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Em 92 anos, ela foi romancista,

cronista, jornalista, teatróloga,

professora. Teve constante atuação

política – ora ao lado dos comunistas,

ora a favor dos militares. Quando

aventaram seu nome para a Academia

Brasileira de Letras, perceberam que

as regras não aceitavam mulheres.

Mudaram as regras.

clássicos. Aos 5 anos, leu Ubirajara, de José de Alencar. “Ob-viamente, não entendi nada”, contou depois.Devido à terrível seca que atingiu a região em 1915, a família passou por diversas cidades, até se fixar em Quixadá. Lá, a menina é matriculada num colégio de freiras, e se forma como professora com apenas 15 anos. De volta a Fortaleza, e após o episódio da crônica de O Ceará, é convidada a ser colaboradora fixa do jornal. Começou a esboçar um romance em folhetim chamado A História de uma Moça. Não empolgou nem a si própria. “Era uma droga”, resumiu.Pouco depois, aceita o convite para lecionar num colégio como professora de história. Tinha apenas 18 anos, quase a idade das alunas, com as quais criaria uma relação de cumplicidade, defendendo-as nas constantes discussões com o rígido diretor. De tão popular, foi escolhida no fim do ano – por ironia do destino – a Rainha dos Estudantes.

ra uma escritora prodígio e tímida, que não mostra-va os textos para ninguém. A situação mudou quan-do o jornal O Ceará promoveu um concurso para

escolher a rainha dos estudantes. A garota resolveu mandar uma crônica ironizando a promoção, sob o pseudônimo Rita de Queluz. De tão bem escrita, até a vítima, a tal rainha dos estudantes, se sentiu orgulhosa. Houve um zunzum entre os leitores e o pessoal da redação. Todos queriam saber quem era a escritora misteriosa. Depois de muitas hipóteses, o poeta e jornalista Alencar Guimarães, amigo da família, sentenciou: “Só pode ser coisa da Rachelzinha”. Desta maneira, aos 17 anos, Rachel de Queiroz iniciou a carreira literária, que não abandonaria nunca mais.A cearense, nascida em 17 de novembro de 1910 em Fortale-za, desde cedo teve propensão à literatura. O pai, professor e magistrado, a alfabetizou pessoalmente, com direito a livros

Rachel de QueiRoz

Uma vida feita de palavras

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O melhor produto do Brasil é o brasileiroCÂMARA CASCUDO

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Uma vida feita de palavras

SAIBA MAIS

Tantos Anos, de Rachel de Queiroz e Maria Luíza de Queiroz

(Siciliano, 1998).

Além de livros e peças, colaborou por mais de

30 anos com crônicas para a revista O Cruzeiro.

“Não vou fazer correção alguma”De volta às letras, Rachel publicou, em 1930, o primeiro ro-mance: O Quinze. A obra fala sobre uma terrível seca, igual à enfrentada anos antes. A publicação a tornou notória qua-se que instantaneamente. Recebeu o prêmio da Fundação Graça Aranha, no Rio de Janeiro, na categoria ficção. O ide-alizador do prêmio, o próprio Graça, morreu de enfarte logo depois. Em seu gabinete estava O Quinze aberto. “O Graça morreu de desgosto ao ler seu livro”, gozavam os amigos.A viagem ao Rio também serviu para aproximá-la do Partido Comunista Brasileiro, pelo qual já tinha simpatia. Filiou-se e recebeu a incumbência de organizar o PCB em Fortaleza. O sítio da família abrigou diversas reuniões do partido. Um ano depois, entretanto, membros tentaram censurar seu novo ro-mance, João Miguel. Entre os argumentos, estava que um camponês não poderia matar o outro, e exigiram mudanças. “Eu não reconheço nos companheiros condições literárias para opinarem sobre a minha obra. Não vou fazer correção alguma”, afirmou, convicta. Nunca mais teve contato com o partido.Na mesma época conheceu o poeta José Auto da Cruz Oliveira, com quem casou. Em 1937, lança o romance Caminho de Pe-dras. Com a decretação do Estado Novo, seus livros são queima-dos em praça pública, sob a acusação de serem subversivos. Em 1939, separa-se do marido e muda definitivamente pa-ra o Rio. Na cidade, conhece o médico Oyama de Macedo, com quem se casaria. Além dos livros, escreve peças de teatro e crônicas para a disputada revista O Cruzeiro. Fo-ram mais de 30 anos de colaboração semanal, sempre na última página da publicação.

A primeira mulher da ABLSempre ligada às questões políticas, foi favorável ao golpe militar que depôs o governo de João Goulart em 1964, pois considerava-o um seguidor de Vargas. “A minha geração ha-bituou-se a considerar Getúlio como fonte de todos os males políticos”, explicou mais tarde.O novo presidente, general Castelo Branco, era amigo da fa-mília. Por isso atendeu a dois pedidos do militar: o de filiar-se ao Arena (“Ele queria que o partido tivesse mais intelectuais em seus quadros”) e ser a delegada do Brasil num congresso da ONU. Nos governos militares que se sucederam, manteve uma relação cortês, mas distante.Em 1977, um grupo de imortais da Academia Brasileira de Letras tentou convencê-la a disputar uma cadeira na institui-ção. Rachel gostou da proposta, mas não se empolgou, já que o estatuto da ABL não permitia mulheres. Os simpatizantes da ideia encontraram uma solução: mudar as regras. Desse modo, ela venceu o jurista Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda por 23 votos a 15.Nos anos 1990, alcança grande popularidade com a adapta-ção para a tevê de O Memorial de Maria Moura, minissérie que conquistou ótimas críticas da imprensa. A escritora mor-re, dormindo, em 4 de novembro de 2003, dias antes de com-pletar 93 anos.

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Você acha justo trocar mercadorias por um pedaço de papel impresso pelo governo? Pois nem sempre as pessoas

acharam. Desde que existem, porém, as cédulas de dinheiro são pequenos retratos de seu tempo. Objeto de interesse de pesquisadores, economistas,

designers e numismatas, elas não podiam deixar de ser lembradas por este ALMANAQUE. Mas aqui

não importa quanto dinheiro representam. As simbologias,

histórias e curiosidadesé que têm valor.

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eija-flores, tartarugas, garças, araras e micos. Da Amazônia aos pampas,

o brasileiro convive diariamente com os mesmos animais, estampados

nas notas de Real. O dinheiro faz parte da simbologia de um país. Diferente de hinos

e brasões, trata-se de elemento vivo da identidade nacional. O topo que hoje é da

garoupa, na nota de cem, já foi de Pedro Álvares Cabral, Castello Branco e Juscelino

Kubitschek – tudo de acordo com os interesses da época.

Porém, nem sempre ilustrações e números impressos tiveram valor. Na colônia e no

começo do Império, só em casos extremos o papel foi usado como moeda. A popu-

lação achou engraçado a administração de Minas Gerais emitir bilhetes de papel

como pagamento, em 1771. Isso só acontecia se faltavam moedas de ouro e prata

ao órgão real. Não fazia muito sentido o conceito de valor intrínseco para algo sem

valor material – já parou para pensar que, valha um ou cem reais, tanto uma como

a outra custam os mesmos centavos para serem feitas?

O papel-moeda só passou a ter importância significativa no final do Império e come-

ço da República. Muitos bancos tinham autorização para emitir os mil-réis usados

na época, ocasionando um sistema caótico e sem padronização.

Há quem considere que a história numismática brasileira genuína só comece em

1942. Foi quando instituímos o Cruzeiro, primeiro padrão monetário que não

veio de Portugal – nos primeiros anos, a cédula mais alta era os

Cr$ 1.000 de Pedro Álvares Cabral. O Banco Central passou

a ser o único órgão responsável pela emissão de notas. Mas

depois disso houve confusões de outra ordem. Na tentativa

de conter uma inflação desenfreada, trocamos de moeda

oito vezes ao longo de 35 anos. O Cruzeiro foi e voltou,

intercalado com Cruzeiro Novo, Cruzado, Cruzado

Novo e Cruzeiro Real.

Talvez seja justamente por conta de tanta ba-

gunça que a história de nossas cédulas se cons-

titua em um universo tão rico a explorar.

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Novembro 2009

Com a mudança da Corte portuguesa para o Brasil, passou-se a gastar muito mais dinheiro. Resultado: os metais disponíveis para cunhar moedas não deram conta. A solução foram os Bilhetes do Banco do Brasil. Avôs das nossas notas, tinham valores preenchidos à mão por funcionários da Coroa.

A nota com a figura de Getúlio foi a de menor valor facial que o Brasil já teve. Quando o padrão monetário mudou, em 1967, “diminuindo três zeros” dos valores, ela recebeu um carimbo que remarcava seus 10 cruzeiros para mísero 1 centavo de cruzeiro novo.

De próprio punhoNa época do Império – e ainda no come-ço da República – funcionários da extin-ta Caixa de Amortização autografavam ca-da cédula de mil-réis com caneta tinteiro. Como depois as notas eram empilhadas, não raras vezes o reverso ficava mancha-do de tinta.

Importante, eu?Lançar nota com a própria efígie era comum en-tre os representantes imperiais. Getúlio Vargas foi o único presidente a utilizar-se do recurso publici-tário, durante o Estado Novo. VIde o carImbo

O Cruzeiro Novo foi o único padrão monetário que não teve suas próprias cédulas. O nome da moeda deixou de existir antes mesmo da produção do pa-pel-moeda. Nos três anos em que valeu, usavam-se as notas do antigo Cruzeiro reaproveitadas. Um carimbo marcava o novo valor, procedimento co-mum na transição de sistemas monetários em um País continental como o Brasil.

Fauna, sim Bicho, nãoA troca do Cruzeiro por Real, em 1994, foi inédita por não reaproveitar nenhuma cé-dula do padrão anterior. Como a Casa da Moeda teve pouco tempo para emitir a nova família, foram escolhidos os temas da fauna, mais simples. Com atenção a uma exigência: não usar nenhum animal do jogo do bicho. Uma votação popular elegeu, entre animais em extinção, figuras para cédulas de novos valores. A tartaruga-marinha ficou nos 2 reais, o mico-leão-dourado, nos 20.

Quem não tem metal, cunha em nota

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produto nacIonalA emblemática “nota do índio”, de 1961, foi a primeira experiência da Casa da Moeda brasileira em elaborar e produzir cédulas – até então, elas tinham diagramação e fabricação importadas. As figuras foram pensadas para representar brasilidade. Repare que a moldura é inspirada na arte marajoara.

segurança: ativarAs cédulas do Real são as mais “protegidas” que já tivemos. Além de terem nas-cido em tempos de tecnologia mais avançada, a preocupação com falsários cres-ceu. Afinal, com a moeda estabilizada, o interesse pela falsificação é maior.

Marca-d’água Com a nota contra a luz, dá para ver o símbolo da República ou a bandeira nacional

Registro coincidenteO desenho da estrela aparece completo com a nota contra a luz

Imagem latenteEm local iluminado, com a nota deitada à altura dos olhos, as letras “BC” aparecem

Alto-relevoPassando os dedos, dá para sentir a tinta mais grossa.

MicroimpressõesUma lente de aumento revela as letras “BC”

Fio de segurançaO fio escuro permite a leitura do dinheiro por equipamentos de contagem automática

Fibras coloridasEm qualquer lugar é possível ver os fios verdes, vermelhos e azuis espalhados pela nota

Fibras luminescentesEm lugar escuro com luz ultravioleta, aparecem fios de cor lilás em toda a nota

arte por 1 cruzeIroAs notas de Cruzeiro que vigoraram a partir de 1970, totalmen-te brasileiras, revolucionaram a estética do dinheiro com seu desenho arrojado e moderno. Na década seguinte, ganharam ca-racterística única: efígie e números espalhados. À semelhança de cartas de baralho, não tinham “parte de cima” ou “parte de baixo”, o que facilitava o manuseio. A autoria era do artista grá-fico Aloísio Magalhães, que considerava as cédulas um “trabalho pragmático de uso coletivo” ou, ainda, “os objetos de maior co-municação do País”.

Réis - Rs0$Século 16 a 1942

Cruzeiro - Cr$1942 a 1967Rs1$000 (mil-réis) = Cr$1,00

Cruzeiro Novo - NCr$1967 a 1970Cr$1.000 = NCr$1,00

Cruzeiro - Cr$1970 a 1986NCr$1,00 = Cr$1,00

Cruzado - Cz$1986 a 1989Cr$1.000 = Cz$1,00

Cruzado Novo - NCz$1989 a 1990Cz$1.000 = NCz$1,00

Cruzeiro - Cr$1990 a 1993NCz$1,00 = Cr$1,00

Cruzeiro Real - CR$1993 a 1994Cr$1.000 = CR$1,00

Real - R$Desde 1994CR$2.750 = R$1,00

Padrões Monetários

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Novembro 2009

“Venham gastar seus barões e seus florianos”, escreveu Drummond em uma crônica de 1979. Ele se referia às no-tas de mil e cem cruzeiros que estampavam as efígies do Ba-rão do Rio Branco e de Floriano Peixoto. O termo “floria-no” para dinheiro foi passageiro, mas “barão” acabou pe-gando – mesmo depois que a nota parou de circular.

Quantos barões?

Além de transmitir os valores nacionais vigentes, as cédulas de dinheiro carregam

também mensagens informais – para desespero do Banco Central, que cuida da integridade

das notas. Frases que as pessoas escrevem no dinheiro inspiraram a artista Jaq Lerner, que

as reuniu no painel O Livro (Os cem), de 1987.

Cildo Meirelles também percebeu que a circulação do dinheiro servia como meio de divulgação de informações.

No auge dos anos de chumbo, o artista cunhou frases de protesto nas notas,

em uma obra chamada Inserção em Circuitos Ideológicos, de 1970.

para Bom entenDeDor,

uma nota BastaA nota ao lado representa muito mais do que os cem mil cruzeiros descritos. A homenagem a Juscelino Kubitschek, inimigo histó-rico do regime militar, refletia a abertura política em 1984. No lu-gar de figuras institucionais, passaram a ser bem-vindas nas cédu-las personalidades do campo das artes e da ciência. Desde então, deram as caras gente como Oswaldo Cruz, Villa-Lobos, Portinari e Cecília Meirelles. Na nota de 50 cruzados novos, em homena-gem a Drummond, entram até versos de Canção Amiga (“Eu pre-paro uma canção / Que faça acordar os homens / E adormecer as

crianças”), impensáveis antes da redemocratização.

palma, maracanã, pIrapIrê...Já ouviu falar nessas moedas? Pois saiba que hoje mesmo elas circulam no Brasil. Diversas localidades possuem, além do real, dinheiro próprio. Bancos comunitários espalhados pelo País perceberam que criar um dinheiro aceito apenas pelo varejo local acaba sendo mais eficaz para girar a economia da comunidade. O Banco Palma, em Fortaleza, é referência mundial no assunto.

Histórias Que o Dinheiro Conta, de André Cintra e Renato Torelli (Lumus, 2006).

21

Page 22: Almanaque de Cultura e Saúde - FEBEC Edição 09

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Pala

vras

Cru

zada

sO Calculista das Arábias

Nossa homenagem a Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan

Depois que o sábio calculista Beremiz Samir atravessou seu caminho, o jovem poeta Iezid passou a desconfiar do provérbio indiano, que antes era sua máxima: “É preciso desconfiar sete vezes do cálculo e 100 vezes do matemático”. Descobriu que nem todos os calculistas eram embusteiros. Com as lições do geômetra, encantou-se pela ciência exata. Quando uma jovem lhe perguntou sua idade, disse: “Eu tenho o dobro da idade que tu tinhas

quando eu tinha a tua idade. Quando tu tiveres a minha idade, a soma das nossas idades será 45 anos”. Você seria capaz de dizer quantos anos tem cada um deles?

ac

ervo

da

fa

míli

a

Morreu em 20/11/1695, data em que se celebra oDia da Consciência Negra:(a) João Cândido (b) José do Patrocínio(c) Nassau (d) Zumbi

Bacia descoberta em 25/11/1974, origem de 84% do petróleo nacional:(a) Campos (b) Mares (c) Tupi (d) Guarani

Primeiro nome do sambista Cartola, morto em 30/11/1980:(a) Ataliba (b) Angenor (c) Antônio (d) Abelardo

Companhia cinematográfica que lançou Mazzaropi, fundada em 4/11/1949:(a) Pau Brasil (b) Pindorama (c) Vera Cruz (d) Columbia

Iniciam a Revolta da Chibata, em 22/11/1910:(a) Feitores (b) Índios (c) Imigrantes (d) Marinheiros

Estado da borracha, cedido pela Bolívia em 17/11/1903:(a) PA (b) AM (c) AC (d) TO

A sigla Arena, extinta em 21/11/1979, representava um:(a) Circuito de boxe (b) Partido político (c) Canal de debate (d) Grupo de teatro

Estado natal do escritor Érico Verissimo, mortoem 28/11/1975:(a) RN (b) RS (c) PE (d) ES

a Foi a estrela da primeira revista em quadrinhos brasileira. Mais tarde descobriu-se que o desenho era, na verdade, cópia de outro, americano.

b Obra de um repórter policial que mudou a carreira publicando tiras infantis. Inspirou-se nas crianças ao seu redor. Na filha, inclusive.

c Carrega muitas lembranças da infância do autor, no interior de Minas Gerais. O desenhista também fez vários trabalhos para adulto.

d Dizem que, apesar de americano, o personagem da vila Xurupita foi inspirado em desenho deJ. Carlos, um dos maiores cartunistas brasileiros.

1

2

3

4

ligue os pontos

Respostas

CARTA ENIGMÁTICA Foi sempre vilão, mas diferenciado. Ficava com a mocinha no fim e não perdia briga. (Jece Valadão)

ENIGMA FIGURADO Paulinho da Viola. O QUE É O QUE É? Cartomante.

SE LIGA NA HISTÓRIA 1d (Zé Carioca); 2c (Menino Maluquinho); 3b (Mônica); 4a (Chiquinho)

BRASILIÔMETRO 1d; 2a; 3b; 4c; 5d; 6c; 7b; 8b.

O CALCULISTA DAS ARÁBIAS Iezed tem 20 anos e a jovem, 15. Consideremos X a idade dela e Z a diferença de idade entre eles. Se hoje o poeta tem X+Z anos, quando ele possuía a idade da jovem (X), ela tinha X - Z. Então a frase “Eu tenho o dobro da idade que tu tinhas quando eu tinha a tua idade” pode ser expressa por X + Z = 2 (X - Z). Logo, X = 3Z. Quando a menina tiver a idade de Iezed (X + Z), ele também terá envelhecido Z anos. Como nessa ocasião suas idades somarão 45 anos, temos: (X + Z) + (X + Z + Z) = 45. Assim, Z = 5. Já que X = 3Z, X = 15.

Helvio

rom

ero/a

e

Marieta severo

DE QUEM SÃOESTES OLHOS? 3 4

21

0

56

7

8Conte um ponto por resposta certa

valiação

teste o nível de sua brasilidade

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ilustracões: luciano tasso

www.lucianotasso.blogspot.com

23 Se todos os brasileiros resolvessem, de uma hora para outra, brincar

de roda, seríamos capazes de dar sete voltas e meia no

mundo! Basta fazer a conta. O Brasil tem por volta 180 milhões

de habitantes. Se multiplicarmos esse número por 1,70m

(média da distância entre uma mão e outra de braços abertos), temos a circunferência da roda. Seu

comprimento seria de 306 mil quilômetros, o suficiente para envolver o planeta quase oito vezes. Se sozinhos podemos dar esse abraço

gigantesco, imagine se todo o mundo resolvesse entrar na brincadeira...

Sai da frente da televisão!ideogame é legal, ninguém pode negar. Mas há uma infinidade de jogos, brinquedos e brincadeiras que não precisam de nada eletrônico para funcionar e podem ser muito mais

divertidos do que ficar com o joystic na mão. Quer alguns exemplos? Rodar pião, bater figurinha, empinar pipa (ou papagaio, ou quadrado, ou pandorga), pular amarelinha, brincar de boneca, jogar futebol de botão etc. etc. e etc.

Desde que o mundo é mundo existem brincadeiras. É uma forma de estimular a imaginação, mexer com o corpo, fazer amigos e conhecer o que está ao redor. Brincar é a melhor forma

de pôr a cabeça e o corpo para funcionar. As origens dos brinquedos são diversas. Os ursinhos de pelúcia foram criados nos

Estados Unidos; o skate também vem de lá, pois os surfistas queriam praticar o esporte no asfalto; a boneca surgiu no Egito muito tempo atrás; a

terra dos faraós também inventou o bambolê. Já o futebol de botão, como não podia deixar de ser, é brasileiro. Alunos de uma escola carioca passaram a arrancar os botões do uniforme para praticar o jogo. Os pais e professores iam ao desespero, mas eles se divertiam de montão.

V

A peteca é coisa nossaA peteca é uma invenção brasileira, criada quando esta terra nem se chamava Brasil. Ela era jogada por índios há centenas de anos. Para produzir o brinquedo, eles usavam

uma trouxinha de folha cheia de pedrinhas dentro, amarrada a uma espiga de milho. Os índios já a chamavam com o nome que usamos hoje, que em tupi significa “bater”. Quando os portugueses desembarcaram por aqui, adoraram

a nova brincadeira, e ela passou de geração em geração. Hoje a peteca é

considerada um esporte, com regras, federação e tudo mais.

JÁ PENSOU NISSO?

Um ioiô originalnão se

desoriginaliza.

Trav

a-Língua

pa

ra ler e repetir em v

oz al

ta

Quem sempre ganha ao

jogar cartas?

SOlUçãO nA P. 22

Cada número no diagrama abaixo corresponde a uma página do Almanaque. Descubra a letrinha colorida na página indicada e vá preenchendo os quadrinhos

até completar a mensagem cifrada que escrevemos para você.

116 7 8 9 10 65 14 15 7 16 17

7 181014 19 23 24 10 19 25 17

26 15 23 27 23 6 16 23 27 28

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A princípio pode-se pensar numa daquelas cidades que fazem de tudo para reencontrar o Brasil colonial. Mas Tiradentes

não parou no tempo. Criou uma receita original e requintada que harmoniza suas igrejas barrocas e um casario secular a

pousadas suntuosas, restaurantes sofisticados e refinadas galerias de arte.

H

TiradenTes

O passado e o presente num mesmo instante

á pouco mais de 20 anos, se alguém resolvesse fa-zer um passeio turístico por Tiradentes, localizada a 198 quilômetros de Belo Horizonte, seria a toque de

caixa. Num roteiro que incluía as cidades históricas mineiras, Ouro Preto e Mariana eram as preferidas. Assim, a cidade não quis reviver o século 18, mas se situar no presente, sem perder a atmosfera aconchegante daquela época. Ali o tempo não existe. O presente e o passado são apenas o mesmo instante. É isso que faz Tiradentes singular.

Como as outras cidades históricas da região, Tiradentes teve um desenvolvimento rápido, fundado no ciclo do ouro. Mas o progres-so durou pouco, e a vila se conservou intacta. Os resíduos desses tempos estão espalhados por suas ruas de clima moderno e agra-dável. A cidade surge colorida, salientando a arquitetura colonial que privilegia as construções térreas, sem fricotes de estilo, e as igrejas situadas nas colinas. Em contraponto, surge o azul índigo dos paredões da Serra de São José, que contorna a cidade. Não por acaso as montanhas são conhecidas como Serra Azul.

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Palco da históriaCada cidade tem seus segredos. A parce-la invisível dessa vila está nas boas histó-rias. Longe de duvidar. O Chafariz de São José, de 1749, tem três fontes: uma para beber, outra para lavar roupa e a terceira a serviço dos cavalos. A imagem que enci-ma o chafariz é a única que se conhece de São José das Botas. Conta-se também que os escravos nem ali podiam ficar sem fazer nada, indício de que paqueravam as lava-deiras, atrapalhando o serviço. Mas os es-cravos eram gente séria e obreira. Foram eles que, à noite, e às escondidas de seus senhores, edificaram a igreja do Rosário dos Pretos. No interior dela, três altares são dedicados aos santos negros: Benedito, Antônio de Cartagerona e Elesbão.Era também na moita que, na casa do padre Toledo, hoje museu, se reuniam os inconfi-dentes mineiros, verdadeiros patriotas, pa-ra criar o primeiro grande racha contra a coroa portuguesa, vo-raz sugadora da terra descoberta. Entre eles, Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, nascido em 1746 na Fazenda Pombal.

Repare na qualidade do artesanato tiradentino. São esculturas em madeira, colchas e tapetes em

harmoniosa combinação de cores, feitos em teares manuais. Há também taças, pratos e travessas em

peltre, bordados em ponto Richelieu e utilitários em cerâmica. Além de “namoradeiras” em papel machê

que suspiram pelas janelas.

Preste atenção

Chafariz de São José: a única imagem de São José das botas.

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Não deixe de viajarA Estação Ferroviária construída em 1880 e

inaugurada por Pedro 2º em 1884 é hoje ponto

de partida para um prazeroso passeio que

acontece nos feriados e fins de semana. Dela

parte a maria-fumaça que liga Tiradentes a

São João Del Rey. O trajeto de 12 quilômetros

tem como pano de fundo a Serra de São José

e fazendas centenárias.

Novos saboresApesar de ter sido palco de alguns dos episódios mais marcan-tes deste País, não foi a história que tirou a cidade do marasmo. Se for para resumir em uma palavra o que impulsionou o renas-cimento de Tiradentes nos últimos anos, está aí: gastronomia. Paulistas, cariocas, franceses, italianos e até mineiros lotam os cafés, bares e restaurantes da cidade.É difícil estabelecer as fronteiras de quando e como o fenôme-no ocorreu. A joia da coroa hoje é a culinária, com inespera-das combinações de pratos franceses e singelos temperos da ro-ça. Os restaurantes se esmeram nos pratos preparados em fo-gões a lenha. Vão do frango caipira às especialidades, como a sopa de abóbora com cerveja preta, escargot com ora-pro-nóbis, ovo caipira em crocante de aspargos, ou ainda creme de cebo-la doce. Criaram uma culinária diferenciada, capaz de cativar os mais exigentes gourmets.O boca-a-boca funcionou rapidamente, e a cidade, trocando em miúdos, se tornou capital mineira da boa mesa. Durante os fa-mosos festivais gastronômicos, chefs de todos os Estados bra-sileiros apresentam suas receitas livres de clichês. E assim Tiradentes encontrou sua nova identidade – um balaio cultural – com liberdade de criar novos sabores.

Sopa de abóbora

frango com ora-pro-nóbis.

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se rviçO

Tiradentes tem maisigreja Matriz de santo Antônio

Inaugurada em 1750, depois de 40 anos de construção, é a segunda mais rica do Brasil, com seus altares em ouro. Pinturas em rococó, órgão do século 18 e um portal de entrada desenhado por Aleijadinho mostram a importância

dessa cidade no Império. No piso, 116 sepulturas de nobres e escravos.

Bichinho O povoado que fica próximo a Tiradentes é um convite para conhecer os artesãos ceramistas.

Ou simplesmente para tomar uma boa cachacinha.

sobrado ramalho O mais antigo sobrado da cidade abriga o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

O local, conhecido como Quatro Cantos, é um dos mais bem conservados edifícios coloniais de Tiradentes.

Onde comerRestaurante Padre Toledo. Ótimos pratos temperados com ora-pro-nóbis. Tel.: (32) 3355-2132.

Panela de Minas. Para quem não quer inventar, o local serve a tradicional comida mineira. Tel.: (32) 3355-1217.

Onde ficar Pousada Pequena Tiradentes. A três quilômetros do centro, a pousada retrata uma vila colonial do século 18, entre ruazinhas, jardins e sobrados. Tel.: (32) 3355-1262. www.pequenatiradentes.com.br

Pousada do Ó. Fica logo ali, no centro (e não é mineiro quem diz). Tudo pertinho: restaurante, lojas, igrejas e barzinhos. Tel.: (32) 3355-1699.

Prata da CasaDoces do Chico

ruta + açúcar. Simples assim. Na ex-gara-gem, o móvel envidraçado tem um quase

nada de doces. Os últimos foram vendidos co-mo água. Moleza? Nenhuma. No fundo da loji-nha, detrás de uma formação de nuvens vindas do fogaréu de lenha, o mestre doceiro trabalha. Nome: Francisco Xavier, talvez até descendente do alferes da Inconfidência. Apelido: Chico Do-ceiro. Setenta e oito anos e... formiga, como se diz por lá dos que adoram doces. Melhor seria dizer formiguinha. Trabalha 12 horas por dia. Chico é magro, e não é alto. Fica ainda menor atrás daquela erupção debaixo do tacho de co-bre amorangado. Dentro deste, o caldo doce aos borbotões. A quentura aumenta na mes-ma proporção que os movimentos dos braços fortes, moldados pelo mexer que não tem nem conta. “São de três a quatro horas mexendo, sendo que uma e meia sem parar. Daqui a pouco, quando as bolhas ficarem bem grandonas, tá pronto”, ensina. Chico aprendeu sozinho. “A mãe só fazia arroz-doce, e eu, para co-meçar, adoro doces”, confessa, soltando a mão direita da colherona de pau, que mais parece um remo, enquanto com a outra ajunta le-

nha debaixo do tacho. No meio do bafo quen-te da forja, Chico, com seu avental e touca de mestre-cuca brancos, é como uma nota de frescor. Acalma. O trabalho é árduo, mas tem que ser ao mesmo tempo delicado e constante. E dá-lhe-que-dá-lhe mexer.Chico calcula tudo de olhada: os punhados de açúcar, a lenha, o ponto certo de apurar o doce. Calcula principalmente a hora de começar, pois o cheiro bom que exala do tacho tem que ser ca-paz de atiçar a freguesia. Essa hora é no meio da manhã ou da tarde, quando os visitantes já subi-ram e desceram as ladeiras da cidade e precisam repor energias. E aí a lojinha fica apinhada. A terra mineira é farta em frutas que viram do-ce ou compota – figo, mamão, laranja, limão, goiaba. Mas ainda tem batata-doce, abóbora, co-co. Sem contar que esbanja leite. Daí os famo-

sos “canudinhos”. “O doce é da época do arco da velha, mas eu dei uma incrementada. Fazemos mais de 500 por dia.” É de comer e chorar por mais. É para levar para casa e, quando bater saudade, comer de colherada, para reacender a lembrança do clima gostoso que reina em Tiradentes.

F

“São de três a quatro horas mexendo.”

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BAIÃO DE DOIS

Ingredientes½ kg de feijão de corda100 g de queijo de coalho½ lata de nata ou creme de leite4 colheres de arroz cozidoManteiga da terra a gostoSal, cheiro verde e coentro a gostoQueijo ralado

Como fazer

Modo de preparoCozinhe o feijão. Tempere com sal, cheiro verde, coentro e manteiga da terra. Junte o arroz, já cozido, misturando bem. Corte o queijo coalho em cubos e acrescente à mistura, para que ele amoleça no fim do preparo. Coloque a massa para cozinhar por mais 10 minutos e, por fim, sirva com queijo ralado. Rende duas porções.

Fonte: Restaurante Colher de Pau: www.colherdepau.com.br

Muitas vezes o baião de dois é acompanhamento para a “mis-tura”: carne de sol, paçoca, costela. Mas pode ser também o prato principal, especialmente se é acrescido de carne seca desfiada ou linguiça picada. O feijão de corda por si só é muito rico em proteínas e boa fonte de energia. Pesquisadores descobriram que a planta tem até moléculas capazes de com-bater vírus, bactérias e fungos. É conhecido ainda como feijão

fradinho, ou feijão verde – porque pode ser colhido também antes da maturação. A facilidade de se adaptar em solos fracos faz, inclusive, com que seja base da alimentação nordestina.Assim como o feijão de corda, o queijo coalho e a manteiga da terra (ou de garrafa), que dão a liga e sabor especial à receita, às vezes precisam de um pouco de atenção para serem encontrados no resto do País. É possível até substituir por outro tipo de feijão, queijo branco e óleo, mas, se puder, prefira os ingredientes originais.

L uiz Gonzaga tem dois méri-tos em uma só palavra. Com Humberto Teixeira,

mostrou para o mundo como se dança o baião. A dupla deu forma ao ritmo e o espalhou pelo País nos anos 1930. Foi também uma parceria do pernambucano com o cearense que popularizou pelo Brasil o nome da receita trivial no Nordeste: Vô juntá feijão de corda, numa panela de ar-roz / Capitão vai já pra sala, que hoje têm baião de dois / Ai ai ai, ó baião que bom tu sois / Se o baião é bom sozinho, que dirá baião de dois.O prato é original do Ceará, mas está cotidianamente nas panelas de toda a região. Na Paraíba é rubacão. Em Alagoas, arrumadinho. Legítima invenção popular, tem grande valia pois revigora as sobras do arroz e do feijão de todo dia. Pois atente para o conselho: fica mais gostoso quando os componentes da mistura foram feitos de véspera e estão com os sabores apurados. Caloca Fernandes explica em Viagem Gastronômica ao Redor do Brasil: “Muito feijão, porque o feijão era ali da terra, e pouco arroz, importado dos outros estados e por isso, caro”.

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Se o baião é bom sozinho, que dirá baião de dois

Já ensina a música: juntar feijão de corda amanhecido numa panela de arroz dá novo sabor à comida. Queijo

coalho, coentro e manteiga da terra fazem parte dos segredos dessa sabedoria popular. Descubra mais alguns aqui.

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por Lourenço Diaféria

T odo dia do ano é dia de alguém, dia de alguma coisa. No dia-a-dia não falta assunto; se faltasse, bastaria consultar

a agenda das homenagens fixas que constam no calendário mês a mês. Toda profissão dá assunto. Evidente que há datas mais suges-tivas do que outras. O Dia do Açougueiro, por exemplo, se é que existe, não oferece os mesmos derramamentos emotivos que o Dia da Aero-moça (o que se dizia aeromoça agora é comis-sária de bordo). Há o Dia da Sogra, o Dia das Mães, o Dia dos Pais; não há o Dia das Avós porque a idéia, lançada há anos pelo cronista social Tavares de Miranda, já falecido, não pe-gou. O comércio não agüentou o patrocínio.Em um almanaque como este é fundamental estar atento ao calendário para não deixar passar nenhuma data em branco. O mês de novembro começa numa boa. Logo no dia primeiro é o Dia de Todos os Santos. Qual é, meu irmão? Eu explico: existem os santos oficiais, mais conhecidos; e todos os outros. São Francisco de Assis (quem não conhece?), Santo Antônio de Pádua (que também é de Lisboa), São João, Santo Expedito, São Judas – com esse, vá devagar: o santo é o Judas Tadeu, não confundir com o Judas Iscariotes. Para ninguém me chamar de machista, também acendo velas para Santa Rita de Cássia, Santa Isabel, Santa Edwiges, Santa Teresinha do Menino Je-sus, Santa Filomena, Santa Brígida, Santa Cecilinha.Antes de eu parar de beber sistematicamente, fui devoto de Santo Onofre – ouviram falar dele? Talvez vocês não acre-ditem no que vou escrever, mas Santo Onofre era venerado pelos bebuns. Os santos servem de exemplos de vida. Não sei exato quais possam ter sido os exemplos de Santo Onofre, o que sei é que antes do primeiro trago tinha por gentileza derramar no chão um tiquinho da bebida em honra do ilus-tre. O dono do bar, verdade seja dita, também devia ser um tanto devoto dele, nunca reclamou. Com a subida do dólar e o descenso da minha verba etílica, maneirei no hedion-do vício que ameaçava me conduzir ao inferno. Hoje, Santo Onofre me ajuda a puxar o breque de mão no bar.Há também outros dias bastante úteis em novembro. Só

para ficar por aqui: o Dia da Tolerância, o Dia de Finados, o Dia do Barbeiro. O Dia de Finados, então bastante álacre, me lembra jabuticaba e chuva. Todo Dia de Finados chovia pra caramba. No Fina-

dos, os marreteiros, ainda não articula-dos em associações e sindicatos, vendiam

jabuticaba em canecas de lata à porta do cemi-tério onde estava enterrada minha avó materna

e outras avós de conhecidos e desconhecidos. No fim do dia, quando as portas do campo santo eram fechadas, todo mundo saindo de guarda-chuva aberto ou sem guar-da-chuva, ensopado até os ossos, o chão estava manchado de preto-arroxeado de cascas de jabuticaba. Na época eu não ligava para aquela imundície. Hoje, falando sério, acho que era tudo muito bonito e até me dá um pouco de saudade. Talvez o nome disso seja tolerância à vida e à morte. Eu era tolerante. As crianças são muito tolerantes. Por isso em no-vembro há o Dia da Tolerância.Antes que me esqueça, em um Dia de Finados todo mundo foi visitar a campa do seu Falanga. Parecia coisa combinada. De repente havia mais de onze pessoas no túmulo do nosso conhecido. Era uma campa simples, de cimento, com uma cruz também de cimento e um retrato dele de porcelana sé-pia. Estava escrito:Adeus de seus entes queridos. Seu Falanga foi barbeiro a vida toda. Tinha um salão com loção, pó de arroz, navalha, máquina de cortar cabelo manual, tesourinha e uma foto, no alto da parede, do Getúlio Vargas com faixa no peito, o Getúlio ainda do tempo de ditador. Não sei dizer por que seu Falanga veio a falecer de repente. Antes, cortava o cabelo de meio mundo. O meu era tipo escovinha, para não crescer de-pressa. Eu achava uma droga, se bem que hoje cabelo esco-vinha está na moda. Tive muita raiva do seu Falanga. Nesse dia alegre, sob a chuva, umas mulheres colocaram flores na campa de cimento do barbeiro. Enquanto chupava as jabuti-cabas, alguém disse, meio baixo: – Homem santo, o Falanga.Dele e de outros é o mês de novembro.

OS SANTOS SOB A CHUVAOS SANTOS SOB A CHUVA

T

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MAÇÃ

Fruta da longevidadee do conhecimento

Digestiva. Rejuvenescedora. Purifica o sangue. Limpa dentes e fortalece gengivas.Faz bem à pele. Regula o colesterol e ajuda a emagrecer. Protege coração, pulmões e células. Boa para o cérebro. Um dos primeiros alimentos sólidos que o bebê conhece.

riança da minha geração, longe dos grandes centros, só quan-do doentinha comia maçã –

era rara e cara até meio século atrás. Mas, para essa criança, inapetente, necessitada de alimento fortalecedor e de fácil digestão, os pais compra-vam. Na mercearia, ficavam as maçãs envoltas uma a uma num papel sedo-so azul arroxeado, que guardava seu perfume durante dias. Vinham da Ar-gentina, da província de Mendoza.A fruta da macieira, árvore da família das rosáceas, é parenta da pera, da nês-pera, do marmelo. Com tronco de casca parda e lisa, o pé de maçã chega a dez metros de altura. A copa oferece um es-petáculo aos olhos quando se carrega de suas vermelhas frutas.Originária do Cáucaso, Oriente Médio e les-te asiático, é a árvore mais cultivada no mundo, e certamente há mais tempo que qualquer outra. Para o europeu “fruta rai-nha”, a maçã aqui chegou com os colonizadores e perpetuou-se nos pomares, mirrada e ácida.Pela década de 1960, podia-se comprar maçã nacional em Va-linhos, a 50 quilômetros da capital paulista. Vinha em caixas de tomate, a preço baixo, qualidade idem. Quem transformou o Brasil em grande produtor, no meio da década de 1970,

Malus domestica

Cforam imigrantes europeus e seus descendentes, fixados nos Estados mais frios, os sulistas Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Aí se concentra até hoje nossa maçã – 95% da produção brasileira.Graças a gente dedicada, agora até re-giões serranas de Pernambuco produ-zem a fruta que exige clima frio ou temperado. O holandês Theodorus Daamen, um apaixonado pela maçã, desde que aqui chegou em 1973 se empenha em desenvolver o cultivo

em regiões “marginais”. A revista Glo-bo Rural de fevereiro de 2008 dá notí-cia de um feito de Theodorus: acaba de implantar a cultura da maçã também no coração da Bahia, em plena Chapa-da Diamantina. Uma façanha, pois, ex-

plica a reportagem, lá não faz um mínimo de 350 horas de frio por ano – é com o frio que a árvore entra em dormência, “ativando as enzimas que possibilitam o poste-rior florescimento e a frutificação”.A paixão pela maçã acompanha a humanidade desde tempos imemoriais. É o fruto do conhecimento dos cristãos. Para cer-tas culturas, o paraíso é representado por macieiras – lugar de abundância e prazeres, onde o chão, em vez de relva, é coberto de maçãs; para outras, é uma ilha repleta de macieiras carregadas.

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ntre os gregos, corria que os deuses Zeus e Hera ganharam maçãs como

presente de casamento. E o semideus Hércules cumpre o último de seus 12 tra-balhos indo justamente buscar os pomos que constituem a fonte da eterna juven-tude, cultivados pelas ninfas Hespérides e guardados por uma serpente.Sob uma macieira o mago Merlin trans-mitia ensinamentos ao rei Artur. Sob uma macieira Newton intuiu a lei da gravida-de, quando uma maçã lhe caiu na cabeça.A simbologia para os cristãos foi flagrada no samba-enredo Mu-

Árvore de outros mundosE lheres do Brasil (1988), de Joyce, que

começa: No tempo em que a maçã foi inventada / Antes da pólvora, da roda e do jornal / A mulher passou a ser culpada / Pelos deslizes do pecado ori-ginal. Segundo a Bíblia, Deus diz a Adão que, se comer da árvore do conhecimento, terá vida atribulada. Eva oferece e Adão experimenta o “fruto proibido”, a maçã. É com a macieira que pinto-

res do cristianismo retratam o paraíso.E o aluninho que deixa na mesa da professora uma apetitosa

Uma maçã por dia mantém omédico longe

título acima traduz um ditado de língua inglesa.Pelas propriedades da maçã, está certo. Tem vitaminas

A, B1, B2, C; fósforo, ferro, tanino, pectina. Antioxidante, preserva as células. Combate obesidade, reumatismo, diabe-tes, doenças cardiovasculares, da pele, do sistema nervoso, acidose, pneumonia, afecções das vias respiratórias, pro-

blemas intestinais, esgotamento nervoso e cerebral, pedra nos

rins, inflamações da bexiga e do aparelho urinário. Está bom, não?

O

á 20 anos, na minha dieta só entra vinagre de maçã. Li maravilhas sobre ele nalgum lugar.

Oxigena o sangue e previne o endurecimento das artérias. Fortalece ossos e dentes. Favorece a coa-gulação do sangue (para a mulher: reduz o fluxo da menstruação). Em jejum, com uma colher de mel, evitará demência senil.E aí vai um fato. Em Veranópolis, interior gaúcho, onde o povo consome muita maçã e derivados, co-mo vinagre e chá da fruta seca, a expectativa de vida é superior à média do Brasil.

Um vinagre normalizador de anormalidades

H

Saiba maiS Vinagre de Maçã – Uma receita de vida, de G. P. Boutard (Claridade, 2005).

Cozinha Vegetariana – Maçã, de Caroline Bergerot (Cultrix, 2004).

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No contra-fluxoO guarda pega o bêbado trafegando na contra-mão:– Posso saber aonde o senhor está indo?E o pinguço, contrariado:– Ah, seu guarda, eu ia a uma festa, mas tá todo mundo voltando!

Proposta de casamentoOs dois namoram há anos. Uma bela manhã, a mulher propõe:– Amorzinho! Bem que a gente podia casar, não acha?– É... Pode ser... Mas quem iria querer a gente?

Questão de classeNa cela da cadeia, rico e pobre se encontram. Pergunta o rico:– Por que você está aqui?– Por roubo. E você?– Porque sofro de cleptomania.

De pai para filhoNo leito de morte, o pão-duro chama o filho mais velho, tira um relógio do bolso e diz:– Filho, está vendo este relógio? Era do meu bisavô. Depois, passou para o vovô. Aí foi do meu pai, antes de ser meu.O moço já está com lágrimas nos olhos, e o pai enfim completa:– Quer comprar?

ConsoloA recém-casada, em lágrimas:– Sou uma infeliz! Tenho certeza de que meu marido só casou comigo por causa da minha fortuna.E a amiga mais velha:– Ora, querida. Já é um consolo saber que ele não é tão estúpido como parece.

Picareta legítimoDois amigos conversavam:

– Sabe o que eu dei de aniversário pra minha mulher? Um anel de brilhantes! – Caramba! Você deve ter gasto uma fortuna! Por que não algo mais barato? Uma

tevê, por exemplo... – E onde é que eu ia arrumar uma tevê falsa?

No Jardim do ÉdenAdão e Eva passeavam pelo Paraíso. Num dado momento, Eva pergunta, com um leve sorriso fraterno:– Adão, você me ama? E Adão, resmungando:– E eu lá tenho escolha?

Sem cabimentoA professora resolveu que Juquinha tinha que aprender, de uma vez por todas, que não se diz “cabeu” e sim “coube”. Pega uma folha e manda ele escrever a conjugação correta 50 vezes.Quando ele finalmente termina a tarefa, a professora faz a conta:– Ei, espertinho. Faltam duas repetições para chegar em 50!– É que não cabeu na folha, professora!

Farpas conjugaisUm casal vinha por uma estrada do interior sem dizer uma palavra. Como haviam brigado, nenhum dos dois queria dar o braço a torcer. Ao passarem por uma fazenda em que havia algumas mulas e uma vaca, o marido perguntou, sarcástico:– Parentes seus?– Sim. Cunhados e sogra.

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Um caso de viajante

inguém conhece e conta mais piadas do que os viajantes, aqueles representantes de empre-sas que saem pelo interior do Brasil, fazendo

suas visitas aos clientes e renovando seus pedidos.Como passam por muitos lugares e convivem com muita gente, é bem explicável o carro-ção de histórias engraçadas que eles passam a contar.Essa gente maravilhosa deixa suas famílias para trabalhar viajando por este País grande e, pra empurrar a vida, tem de aprender histó-rias engraçadas para repassá-las adiante.Conheci um viajante japonês que era um verdadeiro artista na arte de contar piadas e fazer imitações. Tem uma história dele que quero contar agora.Um viajante, seguindo por uma estrada, tenta localizar uma pousada, pois já passava da meia-noite. Sem encontrar uma casa especia-

lizada, arrisca pedir pouso na casa de um caipira que já ia para o quinto sono.Viajante [bate na janela da casinha] – Ô de casa? O

senhor poderia deixar eu dormir esta noite em sua casa? Eu pago bem. Não consigo nenhuma pensão por

esta estrada.Caipira [de dentro da casa, meio sonolento] – O sinhô por acaso trouxe cobertô?

Viajante – Não, senhor. Não tenho cobertor comigo, não.Caipira – O sinhô por acaso trouxe lençór?Viajante – Claro que não, meu amigo. Estou via-jando apenas a trabalho.Caipira – O sinhô trouxe então trabicêro?Viajante – Meu senhor, por favor, eu preciso de

uma noite de sono e não trouxe nada disso que o se-nhor está falando.Caipira [na bucha] – Qué dizê que de drumí o sinhô só trouxe os óio, né?

N

Último dia de aula– E aí, meu filho, a professora entregou o boletim?

– Entregou, sim. – Ótimo, então me deixe ver.

– Não posso...– Ué? Por que não pode me mostrar seu boletim?

– É que emprestei pro Pedrinho dar um susto no pai dele!

Questão de gostoA patroa pega a empregada se servindo de um cálice de licor importado:– Não gosto nada, nada disso, dona Otília.– Pois a senhora não sabe o que está perdendo, dona Francisca...

A ordem dos fatoresO diretor de produção, o diretor de propaganda e o presidente da empresa iam para uma reunião quando esbarram na famosa lâmpada mágica. Esfregam e aparece o gênio. Cada um tem direito a um desejo. Começa o diretor de produção:– Quero estar numa praia, com muito dinheiro na conta.Puf! Desaparece dali. O diretor de propaganda gosta da ideia e pede a mesma coisa. Puf! Desapare também. Daí é a vez do presidente:– Cancele os pedidos. Quero os dois de volta ao trabalho imediatamente!Moral da história: sempre deixe o chefe falar primeiro.

Paciente exemplarO chefe repreende o funcionário que chega ao trabalho embriagado:– Isso não são condições de vir trabalhar. O senhor precisa tomar jeito...– Mas eu só etou seguindo as orientações do meu oculista, seu Antônio. Ele saca a receita do bolso e aponta a frase: “pinga três vezes ao dia”.

Um contra umO elefante tropeça e cai bem em cima do formigueiro. Logo fica infestado de formigas e rola para desprendê-las. Por fim, resta apenas uma, grudada no pescoço. E as outras, lá embaixo:– Enforca! Enforca!

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Descobri o sentido da vida e encontrei forças para lutar

Q

Por Aparecida Helena Siegl Mascaro

uando procurei o ginecologista

por causa de problemas no ciclo

menstrual, ele deu a notícia primeiro para

o meu marido: eu estava com câncer no

endométrio. Meu marido preferiu ele mes-

mo me contar. Imagine, aos 45 anos, ouvir

uma coisa dessas. Só conseguia chorar e

me perguntar: “Por que eu?”.

Me abandonei na cama sem querer saber

de mais nada. Com o olhar perdido, vi um

bem-te-vi passar pela janela do quarto e voar até as flores do jardim.

De repente, despertei para a vida que existe em mim. Simplesmen-

te percebi como a vida era bela, merecia ser amada e vivida. Pensei:

“O câncer não vai me vencer, eu vou vencê-lo”. Este virou o meu

lema e continuei a mesma mulher sorridente de sempre.

Nessa época, eu morava em Matão e fui me tratar em Araraquara,

cidade maior também no centro do estado de São Paulo. Carlos

e Angela, meus cunhados, me acolheram na casa deles, sempre

com palavras e presença marcante. Doutor Polleti e todo o pes-

soal do hospital dedicaram atenção para o meu tratamento e não

me deixaram desencorajar.

Quando tudo passou, eu só precisava fazer exames de rotina duas

vezes por ano. Até que a rotina se quebrou mais uma vez. Dez

anos depois, um ultrassom detectou novo tumor. A cirurgia para

retirá-lo foi bastante complicada. Foram seis horas, sofri hemor-

ragia e saí do centro cirúrgico entubada. Perdi um rim, mas o

pior não aconteceu. Nem o médico sou-

be explicar como não morri.

Restava perseverar na luta. Fui me

tratar no Amaral Carvalho, em Jaú,

referência no assunto. Padre Morales

e Ruth, da área de recursos humanos,

batalharam por uma vaga para mim.

Morales e outros padres, Osvaldo e

Zezinho, não descuidaram do ponto

espiritual. E toda a equipe do Amaral

Carvalho, junto com as voluntárias da Liga de Combate ao Cân-

cer, não mediu esforços para me dar ânimo e confiança. Conse-

gui entender que, na filosofia cristã, Jesus não vem para explicar

o sofrimento. Ele veio ensinar a sofrer, colocando-se do lado dos

que sofrem, lutam e amam.

Segurei na mão de Deus e de Mãe Rainha, de quem sou devota.

Meu espírito hoje se enche de paz porque atenderam as minhas

esperanças e as minhas fervorosas súplicas. Depois de um ano de

tratamento, sempre com meu incansável marido ao lado, me vi

novamente curada.

Mais tarde nós dois passamos a morar em Ribeirão Bonito, cida-

de próxima a Araraquara, e aqui fui convidada para fazer parte

da Liga de Combate ao Câncer. Uma honra, pois adoro o meu

trabalho. Hoje agradeço por ter nascido, por estar viva e por expe-

rimentar a alegria de viver. Posso convencer a todos que necessi-

tam que vencer o câncer é possível, sim.

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