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ALMAS ANTIGASTOM SHRODER
PRIMEIRA PARTEPrólogo
Crianças que se lembram de vidas passadas1A PERGUNTA
É tarde. Já está quase escuro. A fumaça demilhares de fogueiras de dejetos paira aoredor da luz dos faróis, à medida que o
microônibus avança, aos solavancos, pelapassagem estreita e esburacada que faz asvezes de estrada nas regiões desabitadas da
Índia. Ainda faltam várias horas paraalcançarmos o hotel, moderna ilha deconforto plantada nesse oceano de terceiromundo. Conseguimos escapar de ucaminhão que ziguezagueia em direção
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contrária usando cada milímetro do imundoacostamento. Mas escapar não nos traz alívio.
Voltamos abruptamente para a estradaesburacada e logo ultrapassamos umacarroça de madeira que se arrasta
pesadamente, puxada por bois de enormeschifres. Nosso motorista aperta a buzina aodesviar-se dela, numa curva fechada, e eu
rezo para que não apareça um outro ônibus,apinhado até o teto de gente e de animais.Tento não pensar na ausência dos cintos de
segurança, ou no artigo afirmando que aprobabilidade de ocorrer um acidente covítimas fatais é quarenta vezes maior nas
estradas da Índia do que nos Estados Unidos.Tento não pensar em morrer a dezesseis milquilômetros de casa, sem nunca mais verminha mulher e filhos.
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Entretanto, mesmo preso nessa bolha demedo, consigo perceber a ironia da situação.
No banco de trás, aparentementedespreocupado com os enormes torpedosque espalham lama por todos os lados e que
se precipitam em nossa direção, está uhomem alto, de cabelos brancos, com quaseoitenta anos, que insiste em afirmar que
conseguiu acumular provas bastante sólidasque demonstram que a morte física nãosignifica necessariamente o meu fim, ou o de
quem quer que seja.Seu nome é Ian Stevenson, um médiopsiquiatra que há trinta e sete anos ve
enfrentando estradas como essa, ou aindapiores, para colher relatos de crianças queafirmam lembrar-sede vidas anteriores,fornecendo detalhes e dados precisos sobreas pessoas que afirmam ter sido, pessoas que
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existiram e que morreram antes que elasnascessem. Enquanto luto contra o pavor da
morte, ele se vê diante do medo de que otrabalho ao qual dedicou toda a sua vidafique completamente ignorado por seus
colegas de profissão.– Por que – pergunta ele, pela terceira vez,desde o início da noite – os cientistas e
geral se recusam a aceitar as provas que játemos da reencarnação?Nesse dia, como nos últimos seis meses,
Stevenson demonstrou o que considera“provas”. Ele me permitiu acompanhá-lo esuas viagens para trabalho de campo,
primeiramente nas montanhas ao redor deBeirute e, agora, numa grande extensão deterra na Índia. Ele respondeu minhasinfindáveis perguntas e até me convidou aparticipar das entrevistas que constituem o
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cerne de sua pesquisa. As provas às quais elese refere não vêm de um modismo da Nova
Era, de leitura sobre vidas passadas ou deregressões hipnóticas nas quais alguém dizter sido uma noiva florentina do século
dezesseis ou um soldado das guerrasnapoleônicas, fornecendo detalhes quepodem ser obtidos através da leitura de u
romance. As particularidades trazidas pelascrianças de Stevenson são despretensiosas emuito mais específicas. Uma delas lembra-se
que era uma adolescente de nome Sheila, quefoi atropelada por um veículo que seguia poruma estrada recolhendo capim para
alimentar animais. Outra se recorda de tersido um jovem que morreu de tuberculosechamando por seu irmão. Uma terceiralembra-se que era uma mulher, no Estado da
irgínia, aguardando ser submetida a uma
d l b
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cirurgia cardíaca à qual não sobreviveria etentando, sem sucesso, chamar sua filha. E
assim por diante. Em centenas de casos portodo o mundo, essas crianças fornecenomes de cidades e de parentes, profissões e
relacionamentos, atitudes e emoçõesespecíficos de um único indivíduo,geralmente desconhecido de suas famílias
atuais. Mas o fato é que as pessoas de queas crianças se recordam realmente existiram,suas lembranças podem ser comprovadas,
comparando-as a eventos de vidas reais, e asidentificações feitas podem ser verificadas –ou contestadas – por um grande número de
testemunhas.É isso o que Stevenson vem fazendo há quasequarenta anos. É esse o trabalho quedesenvolvemos no Líbano e, agora, na Índia:examinar registros, entrevistar testemunhas e
f i l d d
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aferir os resultados, comparando-os apossíveis explicações alternativas. Poucos
puderam, como eu, constatar de perto oquanto esses casos podem ser convincentes –não apenas em relação aos fatos, mas na
emoção claramente visível nos olhos e vozesdas crianças, de suas famílias e das famíliasdas pessoas que elas afirmam ter sido. Tenho
presenciado e ouvido fatos surpreendentespara os quais não encontrei uma explicaçãofácil.
Agora, estamos quase no fim de nossaviagem, talvez a última na carreira deStevenson. No frio barulhento do
microônibus que vai sacole jandoruidosamente noite adentro, começo a pensarque a pergunta de Stevenson não e apenasretórica. Ele quer que eu, o forasteiro, oornalista cético que viu tudo o que ele queria
t lh dê li ã C é
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mostrar, lhe dê uma explicação. Como é queos cientistas podem ignorar a imensa
quantidade de provas que lhes sãofornecidas?Começo a refletir longamente sobre como é
difícil falar de provas quando não se conheceo mecanismo de transferência – a forma comopersonalidade, identidade e memória pode
ser transferidas de um corpo para o outro.Então, paro imediatamente. Ouço minhaspróprias divagações e percebo o que
Stevenson realmente está me perguntando:depois de tudo o que vi, pelo menos euacredito?
Eu, que sempre olhei para dentro de mimesmo sem jamais ter visto um sinal ououvido um sussurro de qualquer outra vidaque não fosse a minha, o que acho de tudo
i ? El b E tá f d
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isso? Ele quer saber. Está me fazendo umapergunta e merece uma resposta.
2SÓ SE VIVE UMA VEZA resposta é longa e começa dez anos antes
de Stevenson me fazer a pergunta, nupequeno e confortável consultório médicolocalizado a poucos quarteirões de minha
casa em Miami Beach. A luz da sala é fraca. ODr. Brian Weiss, chefe do departamento depsiquiatria do Hospital Mount Sinai, está
falando suavemente. E me conta umahistória:Em 1972, Weiss hipnotizou uma jove
mulher. Ela estava deitada de costas no sofá,os olhos fechados, as mãos pousadas ao ladodo corpo, envolta num lençol imaginário deluz branca, levada a um transe através da vozdo médico e da vontade de sua própria
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Volte aos acontecimentos que dera
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– Volte aos acontecimentos que deraorigem aos seus sintomas.
Em transe profundo, ela respondeu, numavoz baixa e rouca. Longas pausasinterrompiam suas palavras, como se falar
fosse difícil ou doloroso.– Vejo degraus brancos que me levam até uedifício... um edifício grande e branco co
pilastras... Estou usando um vestido longo,ma bata feita de tecido rústico. Meu nome éAronda. Tenho dezoito anos...
Sem ter certeza do que se passava, Weiss fezalgumas anotações. O sussurro prosseguiu:– Vejo uma praça de mercado. Há várias
cestas. Elas são carregadas nos ombros.Moramos num vale. Não há água. O ano é1863 antes de Cristo. Antes do final da sessão,Aronda havia morrido aterrorizada, arfandoe sufocando em meio a uma enchente.
Weiss disse que esse foi o momento decisivo
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Weiss disse que esse foi o momento decisivopara a moça do sofá. Seus medos – de
sufocar, de afundar, de ficar no escuro –dissiparam-se naquele instante. Nos mesesseguintes, seus murmúrios roucos viajara
pelos séculos. Ela se tornou Johan, que teve agarganta cortada na Holanda em 1473; Abby,uma serviçal na Virgínia do século dezenove;
Christian, um marinheiro galês; Eric, uaviador alemão; um menino na Ucrânia de1758, cujo pai foi executado na prisão. Nos
intervalos, ela se tornou hospedeira deespíritos desencarnados que revelavam osmistérios da eternidade. Brian Weiss
escreveu um livro sobre essa mulheranônima que ele chamou de Catherine.Muitas Vidas, Muitos Mestres se tornou u
bestseller internacional e é considerado uclássico da Nova Era. Em 1988, quando o
livro estava no topo da lista dos mais
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livro estava no topo da lista dos maisvendidos, decidi escrever uma matéria sobre
o autor para a “Tropic”, revista da edição dedomingo do Miami Herald, da qual eu era oeditor. O que me interessava era o próprio
Weiss: ele não era um louco nem uirresponsável. Aos quarenta e quatro anos,era um médico formado pela Universidade
de Yale, nacionalmente reconhecido comoperito em psicofarmacologia, químicacerebral, toxicologia e mal de Alzheimer. Ele
afirmou que havia esperado cinco anos parapublicar seu livro, temendo ser criticado porseus colegas de profissão. Entretanto, dois
anos após ter a coragem de fazê-lo, viu queseus temores não se concretizaram, pelomenos publicamente.
Antes da entrevista, dirigi-me ao diretor doospital em busca de sua opinião sobre o
trabalho de Weiss Tudo o que ouvi fora
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trabalho de Weiss. Tudo o que ouvi foraefusivos elogios: “Brian Weiss é altamente
respeitado, um líder de grande competênciaem sua área.” Quando perguntei se suareputação havia sido pre judicada pelo livro,
ele respondeu com um vigoroso “não”.Outros colegas concordaram:– Se qualquer outra pessoa tivesse escrito o
livro, eu não teria acreditado – disse udeles. – Mas acredito porque sei que BrianWeiss é um perspicaz clínico e pesquisador,
perito em diagnósticos.Fiquei impressionado ao constatar quemédicos normalmente conservadores
lavavam a sério as afirmações de Weissquanto a evidências de vidas passadas. Essefato não me convenceu, mas acrescentou
interesse à história que eu pretendia escrever.
Naquele primeiro encontro em seu
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Naquele primeiro encontro em seuconsultório, disse a ele que gostaria de
satisfazer a minha curiosidade em relação atoda aquela história, o que significava que euteria que fazer-lhe perguntas um tanto
incisivas. Weiss sorriu com modéstia.– Toda essa área é muito nova – disse ele. –Existem muitos pontos que ainda precisa
ser esclarecidos.Sentado atrás da escrivaninha, Weiss meexpôs, pacientemente, a lógica de seu
pensamento. Há dezoito meses ele vinhatratando de Catherine, uma técnica delaboratório daquele mesmo hospital. Durante
esse período, ele se utilizara da terapiaconvencional. Nunca conversaram sobrecrenças no ocultismo e Catherine jamais
izera qualquer tentativa de manipulá-lo. Onico ponto incomum em seu tratamento era
a total ausência de sinais de melhora Isso fez
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a total ausência de sinais de melhora. Isso fezcom que Weiss concluísse que, se ela fosse
uma trapaceira, deveria ser a mais pacientede todas, pois num estratagema daquele tiposeria necessário que ela passasse dezoito
meses fingindo ter uma série de problemaspsicológicos, esperando que Weiss sugerisseo uso de hipnose para, na primeira sessão,
simular que estava revivendo experiênciastraumáticas da infância e só então chegar àsalsas vidas passadas.
eiss contou-me que, durante o curso degraduação, ele havia passado centenas dehoras observando um incontável número de
pacientes com o ob jetivo de aprimorar suacapacidade de diagnóstico. Com Catherine,ele teve certeza de estar diante de uma
pessoa que tinha genuíno desejo de atenuaros sintomas que a afligiam. Era uma mulher
simples e honesta, dedicada à fé católica que
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simples e honesta, dedicada à fé católica queaprendera na infância. Não era
esquizofrênica, nem psicótica, nem maníaco-depressiva e tampouco sofria de múltiplaspersonalidades. Seu pensamento não era
delirante.Havia também a reação de Catherine à idéiade vidas passadas. Parecia pouco à vontade
com tudo o que acontecia, pois tal idéia nãoestava de acordo com os ensinamentos daIgreja Católica. Entretanto, ela ficara muito
feliz com a rápida melhora de seu estado desaúde e, assim sendo, continuaram com assessões até que ela sentisse que estava
curada. Não havia nenhum sinal de queCatherine pudesse querer se utilizar daexperiência de vidas passadas com qualquer
outro objetivo que não fosse o terapêutico.Ela relutou em assinar a licença de
publicação e não obteve lucros com o livro.
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publicação e não obteve lucros com o livro.Até mesmo agora, explicou Weiss, quando se
encontram casualmente no Hospital MountSinai, ela nunca demonstra interesse nasimplicações metafísicas da experiência que
viveu.Por esses motivos, Weiss percebeu queCatherine não era louca nem trapaceira. O
queo convenceu de que ela estava realmente selembrando de vidas passadas foi o caráter
inteiramente corriqueiro dessas vidas. SeCatherine aparecesse, por exemplo, comoCleópatra em uma vida e Madame Curie e
outra, a credibilidade ficaria comprometida.Mas ela aparecera como uma serviçal, uleproso, um trabalhador. Em seu mais
profundo transe, Catherine focalizava suaatenção no perfume das flores ou no
esplendor de um casamento do qual não
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esplendor de um casamento do qual nãopodia participar – fatos do dia-a-dia, da vida
real. Suas lembranças eram, por vezes, muitodetalhadas – em uma vida, ela descreveu oprocesso utilizado para fazer manteiga; e
outra, a preparação de um corpo para serembalsamado. Para Weiss, as descrições –embora não muito técnicas – pareciam estar
acima do nível de conhecimento normal dapaciente. Certa vez, voltando de uma viagea Chicago, ela lhe contou que se
surpreendera durante uma visita a umuseu, quando começou a corrigir asinformações dadas pelo guia para alguns
artefatos egípcios de quatro mil anos deidade.Fiquei admirado com a sinceridade de Weiss,
mas não com as evidências apresentadas. Nasistórias de Catherine não havia nenhu
detalhe que um apreciador de romances
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q phistóricos não pudesse inventar. Ela não
falara em línguas arcaicas e não tinhamencionado o nome de uma única pessoacuja existência pudesse ser confirmada.
Resolvi então passar pela experiência. Pedi aeiss que me indicasse um hipnotizadorpara me submeter à regressão. Achei o
processo relaxante, suave e estranhamentenarcisista, mas não tive qualquer sensação deque vidas passadas esquecidas estivessem se
abrindo em minha memória. Em vez disso,percebi claramente que estava tentandoprover a hipnotizadora com aquilo que ela
queria: cenas de uma época anterior ao meunascimento. Esperei que alguma imagesurgisse na minha mente e tentei enfeitá-la,
criando uma situação de vida que lhe fosseadequada – exatamente o que fazia quando
escrevia ficção ou começava a adormecer.
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ç çQuando relaxei ainda mais, entrando nu
estado ligeiramente alterado de consciência,as imagens começaram a aparecer senenhum esforço intencional. Mas, ainda
assim, elas nunca trouxeram consigo uúnico vestígio de autenticidade diferente doque se poderia encontrar num devaneio
comum.Percebi que as regressões hipnóticas aindaprecisavam ser melhor explicadas. Outros
psiquiatras que entrevistei se mostravaintrigados, embora ainda não estivesseprontos para chegar às mesmas conclusões
de Weiss.Um psicólogo amplamente reconhecido comogrande especialista em hipnoterapia e
distúrbios relacionados a múltiplaspersonalidades disse:
– Tenho visto muitos pacientes que, no
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p qpassado, tiveram experiências marcantes,carregadas de intensa emoção, cujasconseqüências profundas se fazem sentir nopresente. Não posso afirmar que tais
experiências sejam lembranças de vidaspassadas. É possível que sejam fruto dafantasia, como acontece nas distorções de
memória: uma forma indireta de se descreverum problema. Por exemplo, uma pessoa quediz ter sido estuprada em uma outra vida
pode, na verdade, estar expondo umalembrança incestuosa na infância. Mas existeuma finalidade por parte do inconsciente.
Não sei ao certo o que está acontecendo coessas lembranças de outras vidas, mas nãoacredito que sejam uma enganação.
Depois de conversar com outros psiquiatras ede ouvir opiniões divergentes, decidi
procurar o maior dos estudiosos, o home
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presponsável pelo verbete da EnciclopédiaBritânica sobre regressões hipnóticas a vidaspassadas. Era o Dr. Martin Orne, na épocapsiquiatra clínico e professor de psiquiatria
da Escola de Medicina da Universidade daPensilvânia. Ele tinha muito a dizer:– Sempre me sinto como aquele personage
de histórias infantis que diz para todos quePapai Noel não existe. As pessoas quepropagam essas idéias não são mal-
intencionadas, apenas têm um imenso desejode acreditar. Muitos crêem que o que se faladurante a hipnose tem maior probabilidade
de ser verdadeiro, quando, de fato, aconteceexatamente o oposto. A hipnose pode criarpseudomemórias. Lembranças de
reencarnações não são diferentes dos casos depessoas que, hipnotizadas, declaram ter sido
capturadas por alienígenas e submetidas a
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p p gexames físicos no interior de discos voadoresEsses são os chamados “mentirososhonestos”. Os terapeutas pedem a seuspacientes que voltem até a causa de seu
problema. Isso é algo que várias pessoasacham difícil fazer e, se não consegueencontrar a origem nessa vida, regressam a
ma vida anterior. Fantasia, é claro.Lembro-me de ter desligado o telefone emeu escritório sentindo minha curiosidade
satisfeita. Mais uma vez, como vi acontecerantas outras em minha vida profissional,ma história que, de início, parecia ter
alguma explicação extraordinária acabava setornando algo simples e comum.Eu estava agora totalmente convencido de
que Weiss havia se encantado com ufenômeno bastante interessante e concluído
tratar-se de algo sobrenatural quando, na
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verdade, o que tal fenômeno demonstravaera a incrível riqueza da imaginação humana.
eiss afirmava que, ainda que fosseapenas manifestações do subconsciente, as
recordações se revelaram excelentesauxiliares da terapia. Após as regressões, eleavia testemunhado o desaparecimento
quase instantâneo de problemas resistentes aqualquer outro tipo de tratamento.Eu estava pronto para colocar um ponto final
naquele assunto quando encontrei um artigosobre um tal Dr. Stevenson, conhecido comoo Professor Carlson de psiquiatria da Escola
de Medicina da Universidade de Virgínia,que estava investigando relatos sobrememórias de vidas passadas colhidos e
outras fontes: lembranças espontâneas,experimentadas por crianças ainda pequenas,
completamente acordadas, sem qualquerl h d
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envolvimento hipnótico. Muitos dessesrelatos incluíam nomes, endereços e detalhesíntimos da vida de pessoas que as crianças,aparentemente, não teriam como conhecer.
Membros das famílias dessas pessoas foralocalizados e as lembranças relatadas foracomparadas com fatos acontecidos na vida
real. De acordo com Stevenson, em muitosdesses casos as recordações apresentadaspelas crianças passaram no teste da realidade
de forma muito convincente.O que me deixou mais impressionado foi ofato de Stevenson afirmar ter investigado u
grande número de casos – na verdade, maisde duzentos em todo o mundo. Confesso quemeu primeiro pensamento foi que se tratava
de um maluco delirante que também dizia terma gaveta cheia de fragmentos da cruz de
Cristo. Mas, prosseguindo com a leitura, viE i
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que certamente não era esse o caso. Encontreiuma citação de um artigo de 1975, publicadona respeitada revista médica The Journal ofthe American Medical Association,
afirmando que Stevenson “havia coletadocasos cu jas evidências dificilmente poderiaser explicadas com base em quaisquer outras
premissas (além da reencarnação)”.O artigo também fazia referência a um livrono qual Stevenson reunira seus casos.
Encontrei o livro na biblioteca pública. Oestilo acadêmico dificultava a leitura, mas oesforço valeu a pena: os casos era
convincentes, até mesmo espantosos, e fiqueibastante impressionado com a aparenteimparcialidade e a ponderação demonstradas
nas investigações. Stevenson procurara fatosconcretos, específicos e passíveis de
verificação, relacionados a vidas passadas eb i i i í l i
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sobre os quais seria impossível, por meiosnormais, obter-se qualquer tipo deinformação prévia.Segundo seus relatos, ele os havia encontrado
várias vezes.Como é que eu nunca ouvira falar dorabalho daquele homem? Por que precisei de
m dia inteiro na biblioteca para localizarcentenas de dados de produção instantâneade lembranças comprovadas? Se eu estava
interessado no assunto, por que não procurarStevenson?Essa última pergunta precisou de uma
década para ser respondida.– Além disso – disse ele –, acho que já fuientrevistado o suficiente e não tenho mais
nada a acrescentar.
Depois que desligou, enviei-lhe uma cartadi d i i ã Di lh
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pedindo que revisse a sua posição. Disse-lheque estava mais interessado em observar seutrabalho do que em entrevistá-lo. Finalmente,em dezembro, Stevenson convidou-me a ir
até Charlottesville para discutirmos o assuntopessoalmente.Em janeiro de 1997 encontrei-me com ele e
seu escritório na Divisão de Estudos daPersonalidade da Universidade de Virgínia.A sala de espera estava repleta de arquivos
contendo todas as anotações datilografadas etranscrições de mais de 2.500 entrevistasfeitas por Stevenson durante os vários anos
de sua pesquisa. Numa das paredes podia-sever um mapa dos Estados Unidos em largaescala, coberto de alfinetes de cabeças
vermelhas, pretas e brancas, com a seguintelegenda: vermelho – casos de renascimento –,
preto – experiências de quase-morte –, brancocasos en ol endo fantasmas/espíritos
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– casos envolvendo fantasmas/espíritos.No andar superior, alguns dos pesquisadorescompanheiros de Stevenson estavareunidos numa sala de conferências,
almoçando. Um deles era um cardiologistaque, em suas consultas no centro de saúde dauniversidade, procurava identificar e estudar
pacientes cardíacos que relatavam ter tidoexperiências de quase-morte – experiênciasmísticas ou extracorpóreas provavelmente
causadas por condições clínicas graves,consideradas por alguns como indícios deconsciência após a morte. Perguntei-lhe o que
estava tentando alcançar, e ele me respondeu: – A paz no mundo. Fez um prolongadosilêncio e acrescentou:
– Estou falando sério. Se eliminássemos omedo da morte, o mundo conseguiria u
equilíbrio maior. Não haveria motivos para aguerra Stevenson era um homem alto e
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guerra. Stevenson era um homem alto emagro, com uma farta cabeleira branca e uar um tanto formal.Quando lhe perguntei se considerava que
suas pesquisas haviam “comprovado” areencarnação, ele respondeu:– Acredito que, exceto na matemática, nada
pode ser totalmente provado em ciência.Entretanto, para alguns dos casos queconhecemos no momento, a melhor
explicação que conseguimos é areencarnação. Há um importante número deindícios e acredito que estão se tornando
cada vez mais fortes. Acho que uma pessoaracional pode vir e acreditar na reencarnaçãocom base em evidências.
Adorei a prudência de suas palavras, a friaprecisão a humildade absoluta Decidi
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precisão, a humildade absoluta. Decidiprovocá-lo um pouco.– O que me incomoda em relação à idéia dereencarnação – expliquei – é o problema
óbvio da explosão populacional. Muito maispessoas viveram neste século do que eodos os anteriores. Só algumas delas tê
almas reencarnadas? De onde vêm as almas?Ele não disse nada de imediato, mas pareciaolhar para dentro de si mesmo. Estava
claramente refletindo sobre a minhapergunta.– Esse não é um ponto de fácil explicação –
disse ele, finalmente. – Algumas pessoassugerem que as almas podem vir de outrosplanetas: acredita-se que há bilhões de
planetas semelhantes à Terra no universo.Outros dizem que a criação de almas é
contínua. Mas, é claro, não tenho nenhumaprova de qualquer uma dessas afirmações
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prova de qualquer uma dessas afirmações.Mais uma vez fiquei encantado. Eu já estavamais do que convencido a passar algutempo com Stevenson – só precisava fazê-lo
aceitar a idéia. Expliquei que gostaria deacompanhá-lo em seu trabalho de campo.Disse-lhe que, como um observador leigo,
usando minha habilidade jornalística paraanalisar detalhes num contexto, eu poderiarecriar para os leitores a experiência daquele
rigoroso trabalho de investigação que ficavaapenas sugerindo nas entrelinhas de seuseruditos relatórios. Poderia descrever o
comportamento de seus entrevistados e ascaracterísticas mais sutis que contribuepara aumentar ou mesmo diminuir a
credibilidade desses encontros, pois, aindaque subjetiva, a experiência de testemunhá-
los forneceria um tipo de informação com oqual também seria possível avaliar os dados
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qual também seria possível avaliar os dadoscoletados. Na verdade, acrescentei, aavaliação completa da pesquisa seriaimpossível sem tal experiência.
Stevenson ficou de pensar no assunto.SEGUNDA PARTEBeirute
Crianças da guerraMahmoud, o motorista de Majd, acenava nomeio da verdadeira multidão que se
aglomerava do lado de fora do terminal. Nocarro, Majd nos acolheu afetuosamente,exclamando com alegria:
– Tenho boas notícias. Todas as pessoas quevocê está procurando continuam nos mesmosendereços de dezesseis anos atrás e quere
vê-lo.
Stevenson tinha uma série de objetivos aalcançar Queria fazer novas visitas a
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alcançar. Queria fazer novas visitas aalgumas pessoas cujos relatos ele haviapesquisado anteriormente, mas que só agorapretendia publicar. Também estava em busca
de novos casos envolvendo crianças, nãopara estudá-los, mas para entregá-los aoscuidados de Erlendur Haraldsson, da
Islândia, que havia realizado testespsicológicos nas crianças de Stevenson no SriLanka e queria expandir sua pesquisa até
o Líbano. Finalmente, planejava visitarnovamente algumas das pessoas que haviaencontrado há mais de trinta anos, para
tentar compreender o papel que as memóriasde vidas passadas e alguns comportamentosa elas associados desempenharam no curso
de sua existência.
Na manhã seguinte encontrei Stevensonolheando os fichários abarrotados de
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olheando os fichários abarrotados deanotações e resumos de casos relacionados àssuas pesquisas de campo.Uma das pessoas que Stevenson queria rever
era Daniel Jirdi, que, quando criança,declarara lembrar-se da vida de RashidKhaddege, um mecânico que havia morrido
aos vinte e cinco anos num acidente deautomóvel. Daniel tinha apenas nove anos daltima vez que Stevenson e Majd o
entrevistaram, dezoito anos antes.Fiquei satisfeito ao ler o resumo do caso:avia muitos detalhes que, se resistissem a
ma averiguação cuidadosa, seriam degrande importância. Para começar – e essa é
ma característica presente em todos os casos
de Stevenson –, a vida lembrada por Danielera totalmente comum, sem qualquer brilho:
Rashid era um operário, solteiro, sem filhos,desconhecido, morto num acidente rotineiro
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desconhecido, morto num acidente rotineiro– uma pessoa que dificilmente faria parte dasfantasias de uma criança. Mais importanteainda: as famílias envolvidas não se
conheciam previamente. Se fosse verdade,seria difícil explicar como uma criançapoderia fornecer dados precisos sobre a vida
de um operário desconhecido, que moravanuma comunidade diferente da sua e quehavia morrido um ano antes de seu
nascimento. Além disso, Daniel começara afazer tais afirmações assim que foi capaz defalar, o que diminuía ainda mais a
possibilidade de fraude À medida que acriança vai ficando mais velha, torna-se maisconsciente do ambiente que a rodeia e sua
capacidade verbal aumenta, assim como seucontato com o mundo fora de casa. Como pai,
posso afirmar que, aos cinco anos, as criançascolecionam todo tipo de informações e
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p çrepetem-nas a todo instante, surpreendendoseus pais: “Onde será que ela aprendeu umacoisa dessas?”
Mas é absurdo acreditar que uma criança sejacapaz de decorar biografias complexas,repetindo-as com precisão, numa idade e
que seus colegas ainda estão lutando paraaprender os nomes das cores.Por outro lado, havia um senão na história de
Daniel, presente em quase todos os casos deStevenson: as duas famílias envolvidas seconheceram antes que ele as entrevistasse.
Ele não teve a oportunidade de testemunhara reação da criança no seu primeiro encontrocom a família da qual ela afirmava lembrar-se
uma outra vida. Também não ouvira acriança falar sobre a sua personalidade
passada antes que suas afirmações fossecomprovadas, ou não, pela família do morto.
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p , , pNesses casos, para verificar se as crianças sereferiam mesmo a vidas passadas e se suasrevelações correspondiam a fatos vividos por
pessoas já mortas, era necessário não sócomparar os relatos daqueles quetestemunharam o ocorrido como també
avaliar a confiabilidade das própriastestemunhas. As avaliações que Stevensonfazia desses fatores em seus relatórios eram,
quase sempre, realistas, cuidadosas erelativamente completas, ainda que um tantosucintas. Eu sabia que ler sobre os casos seria
completamente diferente de avaliar por mimesmo, olhar nos Muna contou que, quandocriança, Ulfat tinha uma irreprimível aversão
a facas. Disse ainda que a filha também selembrava que, enquanto era torturada, vira
pela janela uma amiga de nome Ida e, então,gritara por socorro. Mas Ida era cristã e nada
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g pfez para ajudá-la. Ao relatar esse fato, osolhos de Muna encheram-se de lágrimas. Elaexplicou que era comum que as vítimas de
massacres fossem abandonadas pelos amigose vizinhos, pois eles tinham medo de ajudá-las. Não raro, os corpos eram deixados no
lugar onde haviam caído e ali apodreciam. Sóeram enterrados após a partida dos cristãos.Pelos dados fornecidos por Ulfat quando
criança, a família de Muna conseguiralocalizar uma moça que havia sido mortanum massacre na cidade de Salina.
Eu quis saber se eles já conheciam a outraamília. Majd traduziu a minha pergunta.Muna fez um sinal negativo com a cabeça.
Naquele instante, a porta se abriu e umamulher de cabelos longos e negros entrou na
sala. Era Ulfat. Estava acompanhada doirmão e um amigo. Ambos usavam calças
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geans, camisetas e bonés. Tinham umapostura desleixada, como se fossem doistípicos adolescentes norte-americanos. Ulfatusava um blusão, calças jeans e botas, mas osbrincos de prata e a maquiagem conferiam-lhe feminilidade.
Mina explicou o motivo de nossa visita eperguntou-lhe se poderíamos fazer algumasperguntas.
– Não me incomodo. Podem me perguntarem inglês, se quiserem – respondeu Ulfat.Não era como eu imaginava. Esperava
encontrar vilas com casebres de chãopoeirento, pessoas com roupas tradicionais ecostumes totalmente estranhos. Sabia que
alguns dos críticos de Stevensonquestionavam o fato de ele usar tradutores,
por considerarem que ele não poderia tercerteza de que a tradução era precisa e não
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seria capaz de compreender um contextocultural diferente do seu. Entretanto, oambiente ali não era mais exótico do que, porexemplo, a casa de meus vizinhos cubanosem Miami, onde os pais falavam mal o inglêse os filhos ouviam CDs de música heavy-
metal. E ali estava uma pessoa com umaexperiência de vidas passadas que possuíam videocassete e falava inglês com sotaque
americano.Ulfat sentou-se numa poltrona em frente àmãe e nós começamos a fazer perguntas.
Contou que era universitária em Beirute eque não sabia o que iria fazer quandoerminasse os estudos.
Ela ainda se lembrava de sua vida anterior?
– Não muito, apenas nomes. Quando eu eracriança costumava falar sobre isso, mas agora
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á me esqueci. Lembro-me do meu nome esobrenome, do dia em que morri e de comoaconteceu.O nome por ela lembrado era Iqbal Saed.– No dia em que morri, lembro-me de cadadetalhe do que aconteceu.
– Então conte-nos o que você se lembra –disse.– Era noite. Eu estava caminhando. Tive
medo de entrar numa viela, mas não haviaoutro caminho. Notei a presença de unsquatro homens armados. Assim que eles me
viram, atiraram na minha perna. Quando meabaixei e pus a mão na ferida eles viram asóias que eu estava escondendo na blusa.
Então eles me pegaram. Antes de me matar,me torturaram muito. Não consigo me
lembrar bem dessa parte. Mas lembro domomento em que me mataram. Quando
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fecho os olhos, eu lembro. Posso ver como euestava andando, posso ver tudo o queaconteceu naquela noite.– Quantos anos você tinha? – perguntouStevenson.– Vinte e três.
– Você se lembra de ter essa idade? Oualguém lhe disse a idade que Iqbal tinhaquando morreu?
– Eu me lembro que morri jovem, mas elesme disseram que eu tinha vinte e três anos.– Você freqüentou a escola em sua vida
passada?– Não acredito que eu tenha ido à escola.Sentindo-me fascinado, rabisquei algumas
anotações. Ela falava com naturalidade –melancólica, mas sem rodeios.
– Como você se sente em relação a essasmemórias? – perguntei.
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– Elas me incomodam – disse Ulfat, nurepente. Fez uma pausa e prosseguiu. –Quando eu era criança, sempre sonhava quealguém vinha me matar, mas agora não tenhomais esses sonhos.Stevenson pediu a Majd que perguntasse a
Muna se ela conhecia alguém em Salina, acidade onde Iqbal morrera. Muna respondeu: – Não, é muito longe daqui.
– Você tem alguma marca de nascença? –perguntou Stevenson a Ulfat. Essa perguntareferia-se a um dos focos mais atuais das
pesquisas de Stevenson: verificar marcas denascença que, aparentemente,correspondessem a feridas ou imperfeições
em outras vidas.Ulfat disse que não.
– Alguma dor inexplicada?– Não.
l d f ld d f
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– Alguma dificuldade física?De certa maneira, eu esperava que a moçacitasse algum detalhe só para agradá-lo. Masela continuava negando:– Nada disso – concluiu Ulfat.– A próxima pergunta é para Muna – disse
Stevenson. – Ulfat teve alguma dificuldadepara aprender a andar?Não, a menina andou aos onze meses.
Muna continuou a falar e, logo depois, Majdraduziu: durante a maior parte dosprimeiros anos de vida de Ulfar, Muna
estivera fora do país. Foi sua irmã, Najla, queesteve presente na ocasião em queapareceram os primeiros sinais das
lembranças de vidas passadas. Najla contaraa Muna que certa vez, quando Ulfat
começava a dar os primeiros passos, elaouviu dizer que os cristãos iriam chegar na
il A i d d á
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vila. A menina correu, escondendo-se atrásdo sofá e disse:– Eles vão me matar (e desenhou uma cruz
o peito), como fizeram da outra vez.Decidi inquirir Muna sobre o fato de Danieler se lembrado da queda de uma sacada.
Para evitar que a pergunta induzisse a umadeterminada resposta, pedi a Ma jd queindagasse apenas se Rashid havia sofrido
algum acidente quando criança. Munapareceu surpresa e respondeu numa rápidaexplosão de palavras. Não se lembrava de
Rashid ter se envolvido num acidente, masele havia caído de uma varanda, aos onzeanos, junto com a irmã mais nova, Linda. A
queda tinha matado a menina.
Minha insistência no assunto pareciaincomodar Stevenson.
É t N jl El d b
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– É uma pergunta para Najla. Ela deve saber.Talvez ele pensasse que minha intenção eraapontar falhas na história de Daniel. Ele já mehavia dito que aquela entrevista não eraválida como prova. Mas eu estava intrigado.Afinal, cair de uma sacada não é um acidente
comum na vida de uma criança.Seria aquela lembrança uma memóriaconfusa, relacionada à imensa dor de perder
a irmã mais nova? Ou será que, num de seusencontros, ela ouvira a família Khaddegecontando velhas histórias e incorporara a
mais traumática de todas ao seu repertório de“memórias” sobre Rashid?Deixamos a casa e seguimos pelas
montanhas. Nosso destino era Aley, umacidade bem maior, com uma ampla rua
principal, onde edifícios de pedra abrigavalojas, restaurantes e escritórios.E ti h it d t
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Eu tinha muito o que pensar durante aviagem. Primeiro, ficara impressionado coo refinamento e a naturalidade de Ulfat.Estava claro que ela não gostava de falarsobre suas Stevenson explicou:– Rashid costumava dizer: “Se quiser morrer,
entre num carro com Ibrahim.”Comecei a lembrar da transcrição daentrevista com Daniel, dezoito anos antes. Ele
culpava Ibrahim pelo acidente, contando queestavam em alta velocidade e, ao sererepreendidos pelos passageiros de um outro
carro, Ibrahim, aparentemente com raiva porter sido censurado, tentou retornar e alcançaro outro automóvel, perdendo o controle do
veículo.
– Quais são as suas lembranças em relação aoacidente? – perguntei.Ele nem esperou aradução
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radução.– Era um conversível – afirmou. – Eu diziapara Ibrahim: “Devagar, não corra.” Então,lembro-me de estar no chão.– Você disse que visitou o túmulo de Rashid.Como se sentiu?Silêncio. Um sorriso.
– Pensei: “A morte não é assustadora.”Decidi que seria um bom momento paraperguntar a respeito de algo que ele havia
mencionado quando tinha nove anos: alembrança de ter caído de uma sacada.– Eu não estava falando de Rashid, que
morrera um ano e meio antes de Daniel –disse ele. – Era uma outra vida.– Uma vida intermediária – concluiu
Stevenson. Daniel pediu licença e foi até o
quarto. Voltou trazendo a fotografia de urapaz – Rashid.
Quando você olha para essa fotografia
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– Quando você olha para essa fotografiasente que está olhando para si mesmo? –perguntei.– Sinto – disse ele. – Sem dúvida.Perguntei seele era capaz de consertar carros. Respondeurindo:
– Nessa vida atual, não.Enquanto Mahmoud acelerava montanhaabaixo, mergulhando nas luzes dos faróis que
vinham na direção oposta, minha menteexausta continuava lutando contra as últimaspalavras de Daniel: ele não tinha habilidade
para consertar carros.Se esse fosse mesmo um caso dereencarnação, havia uma pergunta:
exatamente que parte do morto teria voltado?Daniel não demonstrava ter as habilidades
aprendidas por Rashid e nem suas aptidõesinatas. Suas truncadas “memórias” eraapenas fragmentos de vinte e cinco anos de
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apenas fragmentos de vinte e cinco anos deuma vida.Entretanto, ele olhava para o retrato do rapaze pensava: “Sou eu.” Nutria um sentimentode afeição pela família de Rashid como seizesse parte dela. Reconhecera Ibrahim.
Este era um assunto que Stevensondesconhecia. Acontecera há apenas cincoanos. E havia uma testemunha – alguém que
seria possível localizar.
5
A VELOCIDADE MATAUm pedaço de papel ficara guardado nosarquivos de Stevenson em Charlottesville
durante vários anos. Nele, uma lista do queainda precisava ser feito no caso de Daniel.
Um dos itens: verificar notícias publicadasem jornais sobre a morte de Rashid. É óbvioque um relato desinteressado da época do
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que um relato desinteressado da época doacidente confirmando as lembrançasalegadas por Daniel, acrescentaria umaveracidade que ultrapassaria muito os limitesdos emocionados testemunhos prestados pormembros das duas famílias envolvidas.
Mas não seria fácil encontrar tais notícias: amaioria dos jornais que existiam em 1968 nãosobrevivera às décadas de guerras, e os
arquivos dos restantes talvez tivessem sidodestruídos. Majd chegou ao hotel na manhãde terça-feira trazendo o endereço do mais
importante dos sobreviventes, um matutinochamado Le Jour.Um elevador pequeno e mal cuidado levou-
os até o quarto andar de um prédio sequalquer identificação. Majd explicou o que
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– Não acho que ele olhou de verdade – disseMajd, aborrecida, quando voltamos para arua – Você notou a rapidez com que ele
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rua. Você notou a rapidez com que ele
rodou aquele filme?Ela pegou o telefone celular e fez uma sériede chamadas. Eu me moviaimpacientemente, pensando na importânciadaquele documento, na pequena
possibilidade que tínhamos de localizá-lo eo tempo que perderíamos para fazê-lo.Ainda que os arquivos tivessem sobrevivido,
uma cidade grande e caótica como Beirute,acidentes fatais acontecem todos os dias enão era possível garantir que todos fosse
noticiados. De pé, ao meu lado, ligeiramenteencurvado, impassível, Stevenson nãodemonstrava preocupação, como se para ele
o tempo não importasse.
– Boas notícias – disse Majd, colocando otelefone de volta na bolsa. – A UniversidadeAmericana de Beirute possui o microfilme de
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Americana de Beirute possui o microfilme de
todos os jornais mais importantes publicadosem 1968. Stevenson decidiu ficar no hotelrelendo algumas de suas anotações. Enqantoisso, Mahmoud levou-nos, Majd e eu, até aUniversidade Americana, um delicioso oásis
de jardins floridos, num terreno aplainadoem meio às montanhas que se espelhavaem direção ao mar. Sob a sombra das árvores,
um caminho rodeava os edifícios, equipadoscom os mais modernos computadores e senenhum sinal de destruição, onde pessoas
elegantemente vestidas circulavam.Fomos levados ao departamento demicrofilmes, que parecia estar localizado
num planeta diferente do prédio do Le Jour.A sala era ampla, incrivelmente limpa, co
arquivos bem etiquetados e modernosvisores. Um homem com os modos, aaparência e o sotaque de Anthony Hopkins
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aparência e o sotaque de Anthony Hopkins
em Vestígios do Dia nos mostrou seis jornaisque estavam em atividade em 1968 e nosdeixou pesquisá-los. Fui rodando o filmeenquanto Majd lia as notícias. As páginas iacorrendo, os dias dançando pela tela numa
procissão estonteante Nada. Mais um. Nada.Girei o filme mais uma vez, desanimado. Erainútil. Então, Majd gritou:
– Achei!Parei de rodar. Ali estava ela, uma pequenafotografia no pé da página: policiais ao redor
de um Fiat destruído, com o teto arrancado.Majd traduziu: “Acidente de automóvel eKornich Al-Manara.”
O artigo começava dizendo que “um acidentede automóvel aconteceu ontem em Manara
Corniche, causando a morte de um dospassageiros”. Dizia que Ibrahim estavadirigindo o Fiat, “tendo ao seu lado Rashid
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g ,
Naim Khaddege, o proprietário do carro.Ibrahim tentou, em alta velocidade, alcançarum outro veículo, resultando em múltiplascapotagens e na morte instantânea de RashidKhaddege”.
Não esperava tal impacto. Ali, na tela, nointerior obscuro de um jornal publicadodezoito meses antes do nascimento de Daniel
Jirdi, três anos antes de ele afirmar que haviamorrido num acidente de automóvel, estavaum relato de uma fatalidade rotineira que
correspondia quase exatamente à históriacontada pela criança: Military Beach, altavelocidade, Ibrahim dirigindo um Fiat,
Rashid jogado para fora do veículo. Ele haviacontado tudo aquilo. E estava escrito:
“tentou, em alta velocidade, alcançar uoutro veículo”.– Majd, é exatamente o que Daniel disse.Majd
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j , q j
olhou para a tela com mais atenção:– Não, espere – disse ela. – Cometi um erro.Estava traduzindo rápido demais. Ele nãomenciona outro veículo. Ele diz “tentando,em alta velocidade, alcançar uma curva”, e
não um outro veículo.– Quem sabe eles simplesmente nãomencionam o outro veículo ou nem sabia
de sua existência – respondi. – Isso não querdizer que ele não estivesse lá. Mas existealgumas contradições com o depoimento de
Daniel. Ele disse que era um conversível. Afotografia não está muito clara, mas esse caro,definitivamente, tem um teto. Parece quase
arrancado, mas está lá. E o artigo diz que o
caro era de Rashid. Daniel disse que era deIbrahim.– O jornal deve ter se enganado – falou Majd.
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– A família de Rashid nos falou que eleamais teve um automóvel.Imprimimos uma cópia da notícia e voltamospara o hotel. Já era quase meio-dia quandochegamos: uma manhã inteira dedicada averificar um único item de uma lista quefazia parte de u entre milhares de arquivos,contendo dezenas de milhares de itens ainda
pendentes. Levaríamos a vida inteira paracumprir todos eles. Stevenson não tinha todoesse tempo.
Ele olhou para o artigo impresso, sorriu eouviu a tradução de Majd sem fazercomentários.
– Gosto de ter o maior número possível dedocumentos – disse Stevenson, enquanto
guardava o artigo em sua abarrotada pasta. –Até mesmo os melhores casos costumaapresentar lacunas.
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Dizendo isso, saiu do hotel e dirigiu-seimediatamente para o carro. Tínhamos uencontro com a família Khaddege na casa deMuntaha, a mãe de Rashid, que morava nocentro de Beirute.O filho de Muna, sobrinho de Rashid, um dosmeninos que tínhamos visto no nossoprimeiro dia em Kfarmatta, nos convidou a
entrar numa sala de paredes azuis,manchadas, cobertas de marcas de pregos.No meio da sala, uma mesa de centro, e sobre
ela, a fotografia do casamento de Daniel Jirdi,o filho que eles acreditavam ter perdido erecuperado através da reencarnação.
Muna nos recebeu como se fôssemos velhosamigos. Sentado numa cadeira à nossa frente,
estava um rapaz magro, bonito, um poucocalvo, vestindo calças jeans e camisa pretas.Fiquei feliz ao saber quem ele era: Akmad, o
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primo de Rashid, a testemunha do momentoem que Daniel, espontaneamente,reconhecera Ibrahim. Senti que ele estavaansioso para conversar conosco, mas foiMuna quem começou a falar. Majd traduziu.Antes da morte de Rashid, Muntaha estavatricotando um suéter para ele. Um dia,depois que começaram a visitar Daniel, o
menino lhe perguntou:– Você terminou de fazer o meu suéter?Muntaha procurou o trabalho inacabado
onde o havia guardado anos atrás, após amorte de Rashid. Desmanchou a parte já feitae usou lã para tricotar uma peça menor, que
ofereceu a Daniel.
Quando ela acabava de contar a história, aporta de um dos quartos se abriu de repente.Emoldurada pelo retângulo vazio estava uma
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mulher já velha, observando-nos através dafenda de um xale de cabeça que descia até assobrancelhas e subia até o nariz, deixando àmostra apenas uma pequena parte de seurosto miúdo e enrugado: Muntaha. Munapegou-o pelo cotovelo e ajudou-a a sentar. Eprosseguiu:– Minha irmã, minha mãe e eu estávamos
aqui, nesta casa, quando uma vizinha veioos contar que Rashid tinha sofrido uacidente. Minha mãe perguntou: “Ele
morreu?” A mulher disse que não sabia.Corremos para o hospital, mas ele já estavamorto.
Uma das afirmações de Daniel sobre Rashidera de que ele tinha batido a cabeça quandofoi jogado para fora do automóvel.
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– Os médicos lhe disseram onde ele foiferido? – indagou Stevenson.– Não – respondeu Muna. – Ele já estavamorto. Nós não perguntamos. Mas vimos ocorpo. Tinha uma atadura na cabeça.Alguns anos mais tarde, um conhecidocontou para a família que Rashid haviarenascido na casa dos Jirdi, em Beirute. Isso
foi em 1972. Muna, Najla e uma amiga foraconhecer o menino.– Daniel não me reconheceu, provavelmente
porque eu havia mudado muito. Depois damorte de Rashid, passei a cobrir a cabeça eusar vestidos compridos – disse Muna. – Mas
ele viu Najla e chamou-a pelo nome.– Os Jirdi as estavam esperando? – indaguei.
– Não, chegamos de repente, sem avisar. Nãoconhecíamos a família. Daniel ficou muitocontente quando nos viu. Ele disse à mãe:
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“Traga bananas para Najla e faça café, porqueminha família está aqui.” Ficamos abismadas.Rashid gostava tanto de bananas que minhamãe e Najla pararam de comê-las depois desua morte, pois faziam com que selembrassem de sua tristeza.Akmad, que estivera calado até o momento,pigarreou e começou a falar sobre o encontro
entre Daniel e Ibrahim, que diferia um poucodo que o primeiro havia nos contado.Segundo Daniel, ele tinha visto Ibrahi
quando se encaminhava para o túmulo deRashid. Akmad afirmou que Daniel pedirapara ser levado até a casa de Ibrahim.
– Estávamos caminhando numa rua a poucosquarteirões da casa quando vi Ibrahi
trabalhando num automóvel. Eu não dissenada, porque queria testar Daniel. Mas ele foilogo dizendo: “Aquele é Ibrahim.”
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Akmad continuou a testá-lo, afirmando queele estava enganado, que aquele não eraIbrahim, mas Daniel insistia em dizer queera. Ibrahim levou-os até sua casa, sem saberque era aquele rapaz.– Eu não os apresentei. Então, Danielperguntou a Ibrahim: “Alguma coisaaconteceu com você em 1968?” Ibrahi
respondeu: “Não me lembro.” Mas depoisdisse: “Sim, eu me lembro. Tive um acidentee meu primo morreu.” E Daniel falou: “Eu
sou o seu primo.”Ibrahim chorou, atordoado durante quinzeminutos. Ele já ouvira falar de Daniel, mas
unca o tinha visto.
– Ibrahim fugiu depois do acidente. A políciaunca investigou – disse Muna, o rosto
amargo, esfregando as mãos como se
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quisesse livrar-se de algo que a incomodava.– Durante muito tempo – continuou Muna –,Muntaha não falou mais com Ibrahim. Elesempre lhe dizia: “Diri ja devagar, Rashid émeu único filho.” Eles só recomeçaram a sever durante a guerra, quando as duasamílias fugiram de Beirute e foram para as
montanhas.
Perguntei a ela sobre o item do artigo doornal que contradizia as memórias deDaniel. O dono do automóvel era Rashid?
– O carro era de Ibrahim – disse ela. – Rashidnão possuía nenhum automóvel.Já na ruía, fiamos sob uma marquise,
tentando nos proteger da chuva forte quecomeçara a cair.
– Muna me contou algo muito interessantequando estávamos saindo – comentou Majd.– Disse que Rashid ficara noivo cinco dias
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antes do acidente.“Muito estranho”, pensei. Daniel parece ternascido com outras memórias da vida deRashid e, aparentemente, nunca haviamencionado o fato de estar noivo. Mais umavez refleti sobre a natureza fragmentária dasmemórias de vidas passadas. Eram como
ma cópia de carbono malfeita – aqui e ali
identificava-se uma palavra, até mesmo umafrase, mas era impossível ter uma idéia dodocumento inteiro.
Lembrei-me das palavras de Stevenson,quando lhe perguntei por que mesmo entreos drusos, onde tais casos eram relativamente
comuns, ainda era rara a ocorrência dememórias de vidas passadas.
– talvez porque lembrar seja uma falha –disse ele. – Talvez devamos esquecer, masalgumas vezes acontece uma disfunção nos
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nossos sistemas e não esquecemoscompletamente.Na manhã seguinte, voltamos a Aley, paravisitar Latifeh, a mãe de Daniel, que nãoestava presente em nossa última entrevista.Stevenson queria rever alguns dos pontosiniciais daquele caso: o que Daniel disseraquando criança e como ele se encontrara pela
primeira vez com a família Khaddege.No apartamento de Daniel, depois detrocarmos gentilezas, Stevenson,
desdobrando um mapa da cidade, pediu aLatifeh que apontasse sua casa em Beirute, olugar onde Muna e Najla foram encontrar
Daniel pela primeira vez. Ela indicou uponto a menos de dois quilômetros da casa
da família Khaddege, um caminho quepoderia ser feito facilmente a pé. Depois davisita das duas irmãs de Rashid, Latifeh
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levou Daniel para visitar a mãe do rapaz.– Da primeira vez que fomos lá, nãoconhecíamos bem a vizinhança – disseLatifeh. – Estacionamos na rua principal eDaniel nos conduziu pelo resto do caminho.Não pediram orientação a Muna e Najlaporque pensaram que a casa de Kfarmattaera a única que a família possuía. Segundo
Latifeh, eles só souberam da existência dacasa dos Khaddege em Beirute através deparentes da família, que, por coincidência,
eram seus vizinhos em Aley.Olhei para Stevenson e imaginei se ele estariapensando o mesmo que eu. Uma das
características mais convincentes dos seusmelhores casos era a ausência de qualquer
contato entre as famílias envolvidas, antesque as memórias da criança começassem a semanifestar. Se as famílias jamais tivessem se
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encontrado e se não houvesse amigos ecomum, era impossível a criança ter obtidoinformações a respeito de sua personalidadeanterior. Até o momento, a história de Danielparecia se enquadrar nessa categoria. Mas,agora, essa prerrogativa estavacomprometida. Havia um elo potencialmenteentre os Jirdi e os Khaddege.
A mãe de Daniel percebeu nossa ansiedadequanto a uma possível contaminação dasafirmações feitas pelo filho e tentou nos
ranqüilizar. A vizinha era amiga de sua mãe,mas nunca havia sequer estado em sua casa.– Eles alugaram um apartamento perto de
minha mãe, em Aley. Mas tenho certeza deque Daniel nunca os encontrou antes de
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criança, que estava dirigindo um carro.Talvez a avó lhe tivesse dito que esperavaque ele, quando crescesse, fosse um motorista
id d i i d d
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cuidadoso, pois não queria perder seu amadoeto da mesma forma que os primos dos
vizinhos haviam perdido seu filho, nuacidente em que um carro em alta velocidadeperdera o controle em Military Beach. Elapoderia facilmente ter se esquecido do queinha dito ao neto. Mas, de alguma maneira,
Daniel pode ter se lembrado.
Eu não acreditava que esse tipo decontaminação tão retorcida fosse provável,mas era possível. Não seria de se esperar que
ma criança de dois anos ouvisse umaistória e lembrasse dela com tantos detalhes,como fez Daniel – o nome do motorista, o
ato de o carro ter perdido o controle, deRashid ter sido jogado para fora, do acidente
ter acontecido perto da água, da mãe deRashid estar tricotando um suéter para ele.Além disso, nenhuma história contada pela
ó li i h i f i
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avó explicaria os reconhecimentos feitos porDaniel – o caminho para a casa dosKhaddege, a irmã de Rashid, Ibrahim, e
outros.Latifeh contou ainda que, aos dois anos,Daniel falou “Quero ir para casa.” Algunsmeses depois, ele disse: “Essa não e a minhacasa. Você não é minha mãe. Eu não tenho
pai. Meu pai morreu.”– Ele se recusava a chamar Yusuf de pai –prosseguiu. – Chamava-o pelo nome e dizia:
“Meu pai se chama Naim.”– O que ele disse sobre o acidente? –perguntei.
– Disse que estava em casa comendo loubia(um prato feito com vagens) e que Ibrahi
chegou e o levou para o mar. Disse queIbrahim estava correndo. Ele pediu que fossemais devagar, mas o primo ignorou seus
l té d t l d
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apelos, até que perdeu o controle doautomóvel. Ele disse: “Fui jogado para forado carro e caí de cabeça.” Depois da batida,
contou que ouviu as pessoas falando sobre aremoção dos feridos. Quando seaproximaram, ele as ouviu dizer: “Deixe esseaí, está morto.”
Latifeh contou também que, quando Danielficou mais velho, depois de já ter seencontrado com a família de Rashid, u
primo deste foi visitar a vizinha de sua avó.Seu nome era Jihad e ele e Rashidcostumavam caçar juntos. Daniel nunca o
vira.
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Pode não ser tão persuasivo quanto oslibaneses, mas existe. Após o jantar, viRicardo na varanda e fui ao seu encontro.
E t d it d ê
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– Estava pensando a respeito do que vocêdisse sobre relativa falta de casos entre oscristãos. A questão e a seguinte: se você
acredita que o poder da crença de umacultura é forteo suficiente para criar esse delírio coletivo eque crianças se lembram de dados específicosda vida de mortos que desconheciam, não é
preciso admitir que isso também funcione demaneira inversa? Que a crença cultural possareprimir memórias verdadeiras de vidas
passadas de tal maneira que elas só apareçaesporadicamente e de maneira fragmentada?Ricardo rejeitou a idéia:
– A reencarnação simplesmente não fazsentido. Quando participei da conferência da
população mundial, no Cairo, perguntei aum druso: “Se todos nós somosreencarnações de outras vidas, como você
explica o aumento populacional?” Sabe o que
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explica o aumento populacional? Sabe o queele me respondeu? “Não existe aumentopopulacional. O número de pessoas sempre
foi o mesmo.”Ricardo riu com vontade. Como se pode
egar a explosão populacional? Foi nessemomento que eu disse: “Chega.”
6O AMOR DAS SUAS VIDAS
No dia seguinte, fomos mais uma vez até aárea ao sul de Beirute. Diante de nós, aperspectiva de mais de uma hora de
ortuosas estradas em meio às montanhas.Enquanto Mahmoud desafiava os caminhões
que se aproximavam, perguntei a Majd arespeito do vocabulário árabe relacionado àreencarnação. Pensei ter identificado uma
palavra que sempre aparecia em suas
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palavra que sempre aparecia em suastraduções: takamous.– Literalmente, significa “trocando sua
camisa” – ela explicou. – Os drusos acreditaque o corpo é apenas uma roupagem para aalma e que, quando você reencarna, é comose mudasse de roupa. Takamous significa“reencarnação” em geral, mas, quando vocêse refere a uma pessoa que foi reencarnada,deve usar uma palavra diferente: natiq paraum menino, nataq para uma menina. A
tradução é: “aquele ou aquela que fala sobrea geração anterior”.Levei algum tempo para me dar conta da
importância dessas palavras. Em inglês oconceito de reencarnação – almas retornando
à carne – é de certa forma abstrato. Aqui elese referia a pessoas que se lembravam deuma vida anterior e afirmavam ter vivido no
passado Não num passado indefinível mas
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passado. Não num passado indefinível, masna geração anterior. Bastante diferente daidéia ocidental de regressão hipnótica em que
pessoas se lembram de ter vivido eWaterloo ou na antiga Babilônia (o próprioBrian Weiss afirmou ter visto a si mesmocomo um sacerdote da Babilônia, no topo datorre de um templo). Dessa forma é difícil ouimpossível obter-se qualquer comprovação.Esse é o ponto mais extraordinário erelação aos casos do Líbano – todos são
passíveis de verificação. Pode-se comparar asmemórias às informações dos parentes e doamigo morto.
Apesar de parecer comum que, por váriasgerações, as crianças tenham se lembrado de
vidas passadas, para muitos libaneses a idéiaainda é novidade. Um artigo de julho de 1977de uma publicação semanal de Beirute, e
língua inglesa chamada Monday Morning
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língua inglesa, chamada Monday Morning,me deu uma idéia da visão que a sociedadesecular mais ampla tem desses casos. O titulo
era: A REENCARNAÇÃO DE HANANMANSOUR e, abaixo dele, estava o seguinteresumo: “Suzy Ghanem, cinco anos, afirmaser a mãe de três filhos adultos, e estes estãoconvencidos de que ela realmente o é. Umavisão íntima do mais estranhorelacionamento familiar no Líbano de hoje.”Embora não haja pontos de exclamações, eles
estão presentes em todo o texto. A históriadiscorre sobre o tema com o mesmo nível deassombro que seria de se esperar num jornal
orte-americano:
Suzanne Ghanem tem cinco anos.Ela insisteem afirmar que não é Suzanne Ghanem. Eladiz aos pais que se chama Hanan Mansour,
que morreu após uma cirurgia nosEstados
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que morreu após uma cirurgia nosEstadosUnidos e que quer seu marido e filhos devolta. As famílias Ghanem e Mansour nunca
tinham ouvido falar uma da outra.Entretanto, Suzanne (Hanan?) procurou seusfilhos e entrou em contato com eles. Agora,os filhos– todos adultos – estão convencidos de quesua mãe é uma menina de cinco anos quemora em Shwaifat, uma área ao sul deBeirute.
Stevenson estava trabalhando no Líbano hádoze meses quando o artigo sobre SuzanneGhanem foi publicado. Como está sempre
atento às notícias locais, viu o artigo e visitou
Suzanne em março de 1978, oito meses após apublicação.Isso foi há vinte anos. Hoje, a menina é ma
mulher de vinte e cinco anos
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mulher de vinte e cinco anos.– Acho que Suzanne foi a pessoa que selembro do maior número de nomes – disse
Stevenson, ao me entregar uma pasta onde,um papel amarelado pelo tempo, li o
seguinte:“Hanan Mansour nasceu nas montanhasShouf, nos anos trinta. Com apenas dezesseisanos, casou-se com Farouk Mansour, uparente distante. Um ano mais tarde nasceusua primeira filha, Leila, seguida, dois anos
depois, por outra menina, Galareh. Nessaépoca, Hanan foi diagnosticada com uproblema cardíaco e aconselhada a não
engravidar outra vez. Mas, em 1962, ela teveum menino. Em 1963, seu irmão, Nabih, que
se tornara uma pessoa importante no Líbano,morreu num acidente aéreo. O acidente e amorte de Nabih foram muito comentados por
toda a comunidade drusa. Pouco tempo
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toda a comunidade drusa. Pouco tempodepois, a saúde de Hanan começou a sedeteriorar.”
Quando foi entrevistado, há vinte anos,Farouk disse a Stevenson que, dois anosantes de morrer, Hanan conversou sobre aprópria morte:– Ela disse que iria reencarnar e que teriamuitas coisas para contar sobre sua vidaanterior – falou Stevenson.Quando tinha trinta e seis anos, Hanan foi a
Richmond, na Virgínia, para se submeter ama cirurgia cardíaca de grande risco. Leilainha a intenção de ficar com a mãe, mas
avia perdido o passaporte e não viajou.Hanan tentou falar com a filha pelo telefone
antes da operação, mas não conseguiu. Nodia seguinte, ela morreu. Seu corpo foimandado de volta para Beirute.
Dez dias após a morte de Hanan, nasceu
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Dez dias após a morte de Hanan, nasceuSuzanne Ghanem. Sua mãe, Munira Ghanem,contou a Stevenson, pouco antes do
ascimento da filha: “Sonhei que ia ter umamenina. Encontrei uma mulher que abracei e
eijei. Ela disse: ‘Eu vou vir para você.’ Deviater uns quarenta anos. Mais tarde, quandome mostraram o retrato de Hanan, achei quese parecia com a mulher do meu sonho.”Stevenson releu as anotações.– Temo que haja uma falha técnica aqui –
disse ele, após algum tempo. – Geralmente,pergunto se ela comentou o sonho coalguém para que me seja possível confirmar,
mas, nesse caso, não perguntei.
Os pais de Suzanne contaram que ela falousuas primeiras palavras aos dezesseis meses.Amenina tirou o telefone do gancho e disse:
“Alô, Leila?” Quando, mais tarde, eles
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ô, e a? Qua do, a s ta de, e esouviram que Hanan tentara se comunicarcom a filha antes de morrer, ligaram os fatos.
Mas, na época, não faziam idéia de queseria a pessoa com quem ela estava falando.Quando ficou mais velha, a menina disse queLeila era uma de suas filhas e que ela não eraSuzanne, mas Hanan.Quando lhe perguntaram “Hanan de quê?”,ela respondeu: “Minha cabeça ainda épequena. Esperem até que ela cresça e talvez
eu lhes diga.”E, segundo seus pais, disse mesmo. Aos doisanos ela já tinha citado o nome de seus outros
ilhos, de seu marido, Farouk, e de seus pais eirmãos: ao todo, treze pessoas. Ela falava
coisas como: “Minha casa é maior e maisbonita do que essa.” Algumas vezes ela diziapara o pai: “Eu te amo. Você é bom para
mim, como meu pai, Halim, costumava ser. Éi i ê ”
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, p , ,por isso que eu aceito você.”Halim era o nome do pai de Hanan.
Como no caso Jirdi, um amigo que tinhaconhecidos na cidade onde a famíliaMansour morava acabou descobrindo que osfatos ligados à história contada por Suzannecorrespondiam à vida de Hanan. Os Mansourouviram falar da menina de Shwaifat eresolveram visitá-la.Suzanne tinha cinco anos quando Stevenson
a encontrou. Mesmo depois de tudo o quepresenciara em suas pesquisas com crianças,ele achou que a ligação da menina às suas
memórias de outra vida era excepcional.
– A história acabou criando problemas.Suzanne ligava para Farouk, o marido deHanan, três vezes por dia. Quando ia visitá-
lo, sentava em seu colo e descansava a cabeçait El d
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, çem seu peito. Ele se casara de novo, com umaamiga de Hanan, mas estava tão preocupado
com a reação de Suzanne que lhe escondeu ofato. Entretanto, a menina acaboudescobrindo e cobrou dele: “Mas você medisse que nunca mais amaria outra pessoa.”Farouk não se lembrava de ter dito tal coisa aHanan. O máximo que admitiu foi: “Bem,pode ser que eu tenha dito algo parecido.”Chegamos à casa da família Ghanem no final
da tarde. Munira e Shaheen, os pais deSuzanne, nos receberam e nos conduziraaté uma sala estreita, onde fomos saudados,
num inglês perfeito, por Hassam, o irmão
mais velho de Suzanne. Alguns minutos maisarde a moça apareceu.O artigo do Monday Morning dizia que a
família da criança “via uma tristeza profundaS ti d l ” N fi l d
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ç pem Suzy e sentia pena dela”. No final doartigo, o autor relatava que “ao sair, olhei
para trás e vi a menina que me observavapela janela. Seus olhos castanhos estavacheios de lágrimas”.Agora, em pessoa, os olhos castanhos deSuzanne eram seu traço mais marcante epareciam mesmo tristes. Vestida com calçaseans e um suéter azul, ela ficaria perfeita equalquer um dos grupos de alunos da
Faculdade de Miami, onde dei algumasaulas.Seu rosto era redondo, sua pele parecia
alabastro e sua expressão um tanto fechada.Ela nos olhou diretamente nos olhos, mas
como se estivesse bem distante. Disse-nosque completara dois anos de faculdade eBeirute e que agora estava ensinando inglês a
crianças de sexta e sétima séries, embora nãofalasse tão bem quanto o irmão
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falasse tão bem quanto o irmão.Stevenson começou a entrevista da maneira
sual, perguntando se ela ainda tinhalembranças de sua vida anterior. Suzanne
esitou, pareceu não entender bem apergunta. Porém, antes que Majd pudesseraduzir, Hassam interrompeu, em inglês:
– Ela não admite isso para nós. Talvez admitapara vocês.Suzanne lançou-lhe um olhar
incompreensível. Mas Hassam continuou aconversar conosco, parecendo quererexplicar:
– Um rapaz que dizia ser a reencarnação doirmão de Hanan quis se encontrar co
Suzanne. Ela se recusou porque não queriaremexer naquelas emoções. Mais tarde,quando o rapaz morreu, ela ficou muito
abalada.Suzanne levantou se muito abruptamente e
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Suzanne levantou-se muito abruptamente esaiu da sala, como se tivesse lembrado de
algo que precisasse fazer com urgência. Leveialguns instantes para perceber que ela estavachorando. Hassam prosseguiu, sedemonstrar surpresa pelo comportamento dairmã.– Suzanne é muito sensível em relação a esseassunto. Houve um caso no qual ela atuoucomo mediadora entre duas famílias: a
anterior, que queria ver a criançareencarnada, e a atual, que não queriapermitir o encontro. Ela conseguiu convencê-
los a deixar a criança conhecer a primeiraamília.
Ficamos ali, constrangidos, até que Suzannevoltou, ainda com lágrimas nos olhos.Stevenson perguntou se ela gostaria de fazer
uma pausa.Não disse ela Estou bem Ele perguntou
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– Não – disse ela. – Estou bem.Ele perguntouovamente se ela ainda tinha lembranças.
– Não me recordo de fatos, mas ossentimentos continuam dentro de mim.– Quando foi a última vez que você viuFarouk?– Há quatro anos. Ele veio até aqui.Stevenson dirigiu-se aos pais da moça:– Quantos anos Suzanne tinha quando paroude telefonar para Farouk todos os dias? Eles
sorriram.– Não parei – disse Suzanne. – Ainda telefonopara ele.
– Com que freqüência?
– Sempre que tenho vontade. Talvez mais deuma vez por semana. – Um sorriso irônico seabriu em seu rosto. – Ele tem medo da nova
mulher. Agora ela estava falando em árabe.Majd traduziu a resposta O que Suzanne
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Ma jd traduziu a resposta. O que Suzannesentia em
relação a Nadir, a “nova mulher”? Ela deuuma risada curta e amarga e respondeu einglês:
– Nada.– Você a perdoou por ter se casado coFarouk?– Perdoei – respondeu com um meio sorriso.
Perguntei à mãe de Suzanne, e Majdraduziu, como ela se sentira quando a filhacomeçou a falar sobre uma vida passada,
afirmando que pertencia a outra família.
– Não me preocupei – respondeu Muna. –Isso é muito comum. Mas quando Suzanneestava chorando, sofrendo, pegando no
telefone e chamando repetidamente pelafilha Leila sofri com a dor da minha menina
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filha, Leila, sofri com a dor da minha menina.Alguns minutos mais tarde, Stevenson fez a
Suzanne a pergunta com que sempre fechavaas entrevistas:– É bom lembrar-se de vidas passadas?
Depois de tudo o que ouvi, fiquei surpresoquando a moça aprumou o corpo, olhou-odiretamente nos olhos e disse, quase coraiva:– É bom, sim. Minha família anterior está
contente em saber que ainda estou por aqui eeu me sinto aliviada por ter visto de novomeus familiares do passado. Perguntei a
Munira e Shaheen o que eles se lembravado comportamento de Suzanne, quando
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que o número estava certo, exceto pelos doisúltimos dígitos, que estavam invertidos.– É muito engraçado. Quando Helene, a irmã
de Hanan, vem aqui, fala com Suzanneexatamente como se falasse com Hanan. Ela
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exatamente como se falasse com Hanan. Eladiz coisas como: “Estive falando com Mira,
aquela menina que estudou conosco noprimeiro grau.”De acordo com o artigo do Monday Morning,
o início a família Mansour ficara cética erelação à história de Suzanne. Eaimportantes e ricos e temiam que os Ghanepudessem estar atrás de algum dinheiro. Masa menina logo os convenceu quando, entre
outras coisas, identificou fotografias nuálbum de família. Ela as examinou diante dorepórter, que descreveu a cena:
Suzy identificou todos os parentes e disseseus nomes com precisão. “Este é meu irmão
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aqueles que estavam ao lado de Hananquando ela fez tal pedidoO que eu poderia deduzir de tudo aquilo? O
encontro com a família Ghanem me dava aforte impressão de que não se tratava de uma
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p qfraude: a emoção era verdadeira demais, a
sinceridade da família era visível.Mas, e o auto-engano?Seria possível que Nabih Mansour fosse tão
famoso a ponto de, nove anos depois de suamorte, uma criança fantasiar ter sido suairmã? Ou fazer com que os pais da meninainterpretassem algumas observações fortuitascomo prova da relação de sua filha com a
família de um herói morto e as moldassepara que correspondessem a fatos, nomes erelacionamentos que viera a conhecer sobre a
família de Nabih?
Mais uma vez, entretanto, como no caso deDaniel e dos Khaddege, nem essasinverossímeis possibilidades explicaria
udo o que Suzanne fora capaz de dizer. Nãopude deixar de pensar que poderia haver
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p p q pma explicação “normal”, apesar de remota,
para o conhecimento demonstrado porSuzanne: os Ghanem tinham uma crença tãoarraigada na reencarnação que,
inconscientemente, manipularam asafirmações da filha. E os Mansour desejavatão desesperadamente acreditar que Hananhavia retornado que acabaram sendoconiventes, elaborando ainda mais,colocando novas afirmações na boca deSuzanne, através de um eficiente processo desugestão.
Stevenson havia dito que não entrara econtato com os Mansour nessa viagem,
embora os tivesse entrevistado antes. Nãosabia se eles concordariam em nos encontrar.Mas eu desejava intensamente estar com eles.
Durante pelo menos meia hora Suzannepermaneceu em silêncio, enquanto a família
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p qcontinuava falando. Então, de repente, se
que ninguém lhe perguntasse, Suzannecontou algo que, segundo ela, jamais haviarevelado a ninguém: ela tinha conversado
com o rapaz que afirmara ser o irmão deHanan. Mais do que isso, ela sentira umaprofunda ligação com ele. A família ouviucom surpresa:– Eu estava na vila quando um homem seaproximou de mim – ela começou. – Elemereconheceu, mas não como Suzanne. Ele mereconheceu como Hanan. Disse que era
Nabih renascido. Tinha mais lembranças doque eu. Sua família havia reprimido suas
memórias e, talvez por isso, elas ficaram maisfrescas em sua mente. Ele me abraçou e mebeijou. Eu chorei.
Ao voltar para o hotel, refleti sobre osacontecimentos dos últimos dias e sobre
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minha reação a eles. Havia uma certeza e
minha mente: aquelas pessoas não tinham opropósito de nos enganar. Era difícilimaginar o que alguém lucraria em promover
o próprio caso, sobretudo ente os drusoslibaneses, onde os casos eram comuns. Orelacionamento com a “família anterior” nãotrouxera qualquer benefício material, emuitas vezes os benefícios emocionaispareciam estar acompanhados por unúmero equivalente de complicações.Mas por que eu estava especulando tanto?
Por que me recusava a aceitar a explicação
mais óbvia: a de que os casos eraverdadeiros?descobriram que, enquanto ela passava por
aquele problema, na casa da família que elahavia reconhecido em sua visão uma criança
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havia morrido ao nascer.
Stevenson não demonstrou grande interesse.Sabia melhor do que qualquer um que ashistórias ouvidas em segunda mão, na
maioria, não conseguiam se sustentar.– Você tem os nomes e os números detelefone dos sujeitos envolvidos? – perguntouele. O homem deu um passo para trás.– Eu lhes telefono – disse ele.Enquantotomávamos um uísque antes do jantar,perguntei:– Acha que aquele homem vai ligar?
– Ele parecia um tanto possessivo em relaçãoao caso – disse Stevenson tranquilamente. –
Eu mesmo tenho alguns casos que chamo de“quase-morte, quase vida”. Um deles eraastante parecido com o que ele descreveu.
Havia uma mulher inconsciente que,segundo os médicos, estava próxima da
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morte. Quando voltou a si, ela disse que
inha se visto diante de uma mulher queacabara de dar à luz e contou que se sentiucompelida a empurrar-se para dentro do
corpo do recém-nascido. Mas, quando iaazê-lo, pensou no amor que sentia por suaamília e afastou-se.
– Interessante – comentei – que em ambos oscasos elas tenham dito que iriam entrar nahora do nascimento e não da concepção.– Não é mesmo? – disse ele, sorrindo.– Tenho pensado numa coisa – eu prossegui.
– Quando as pessoas afirmam que, nopassado, foram uma outra pessoa, mesmo
que a reconheçam, acho que elas tambépoderiam concluir que sintonizaramentalmente uma outra vida. Seria um caso
mais de percepção extra-sensorial do que devidas passadas.
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Stevenson pensou um instante.
– Não é só a memória que está envolvida –respondeu. –Quando as pessoas ainda sãocrianças, elas dizem: “Eu tenho uma esposa”,
ou “Eu sou médico”, ou “Eu tenho trêsbúfalos e uma vaca.” Elas são apersonalidade anterior e resistem àimposição de uma nova identidade. Danieldisse a Latifeh: “Você não é minha mãe.Minha mãe é uma sheikka.” Tive um caso naTailândia de um homem que, quandocriança, recordava-se de ter vivido a vida do
irmão de sua mãe. Ele afirmava que, quandoestava deitado de costas no berço, sentia que
era um homem adulto e tinha todas asmemórias de sua vida passada. Mas, cofreqüência, algum adulto intrometido virava-
o de bruços e, então, ele se tornava apenasum bebê indefeso em seu berço. Como uma
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tartaruga, ele lutava para conseguir virar o
corpo para o outro lado.– Entretanto – disse eu –, de um modo geral,se a reencarnação é a explicação para esses
casos, ela é um processo que produzmemórias muito imperfeitas e incompletas. Oque eu quero dizer é que não houve nenhucaso de alguém que tivesse lembrançasperfeitas e completas de uma outra vida.– É verdade, nossos casos no Líbanoapresentam uma média de trinta lembranças.De fato, não é muito. Mas, como você
constatou com Suzanne, podem existir
também algumas lembranças emocionaismuito fortes.– Eu queria lhe perguntar uma coisa – eu
retornei. – Na palestra, quando vocêrespondeu à pergunta sobre sua“ ” d d d
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“mensagem”, dizendo que desejaria que os
médicos considerassem a reencarnação comoma das explicações para defeitos deascença, achei tão... sei lá... tão pouco.
Afinal, estamos falando de reencarnação.Comparado a isso, o diagnóstico de defeitosde nascença é um ponto sem importância,
ão é?Surpreendi-me quando ele defendeu suaresposta com fervor:– Os pais das crianças que nascem coalguma deformidade sentem-se muito aflitos
por não saberem a causa. Talvez atéacreditem que, de alguma forma, são
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Eu havia lido a palestra muito tempo atrás,logo após nosso primeiro encontro eCharlottesville, e sua leitura havia dissipado
qualquer preocupação que eu ainda pudesseter em relação à sua seriedade intelectual.I d d t d d ã
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Independente de concordar ou não com as
idéias contidas na palestra, não haviadúvidas de que eram bem pensadas eexpressadas de forma eloqüente. Lembrava
os escritos do século dezenove, quando oscientistas também podiam ser escritores,historiadores e filósofos, quando não tinhamedo de expor seus pensamentos e discutirem público assuntos imponderáveis. Até alinguagem parecia relíquia do passado. Aescolha de palavras formais e respeitáveis eas citações provenientes de uma variedade de
fontes fidedignas me faziam tomar
consciência de como minha perspectiva eralimitada.Mas eu também estava intrigado pelo to
sutil de amargor, ou pelo menos de mágoa eperplexidade aparente no texto. Stevensonti l t t b lh l
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sentia claramente que o trabalho ao qual
dedicara toda a sua vida era objeto deescárnio ou simplesmente ignorado por seuspares, os cientistas mais importantes.
Este sentimento estava presente desde osegundo parágrafo. “Para mim”, escreveu,“tudo em que os cientistas acreditam agoraestá aberto a mudanças, e eu fico consternadoao perceber que muitos cientistas aceitam oconhecimento atual como algo imutável.”Num outro parágrafo, ele acrescenta, nutom meio jocoso: “Se os hereges pudesse
ser queimados vivos nos dias de hoje, oscientistas – sucessores dos teólogos, que
queimavam qualquer um que negasse aexistência de almas no século dezesseis – hojequeimariam aqueles que afirmam que elas
existem.”Na maior parte do texto, entretanto,Ste enson fala com surpreendente franque a
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Stevenson fala com surpreendente franqueza
sobre sua própria evolução. Ele atribui à suamãe o início de seu interesse pela relaçãoentre o espiritual e o material. Ela fazia parte
da teosofia, um movimento místico do fim doséculo dezenove, que Stevenson descrevecomo “um tipo de budismo simplificado”para os ocidentais.Mas houve um momento em que o textochamou a minha atenção. Lembro-me deestar na sala de minha casa, tarde da noite.Não estava bem certo do que procurava
aquela fotocópia da reedição de uma
palestra e meus olhos começavam a ficarembaçados quando li o seguinte:Enquanto ainda estava envolvido com a
psicanálise, comecei a fazer experiências codrogas alucinógenas (talvez melhordenominadas psicodélicas) Experimentei
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denominadas psicodélicas). Experimentei
várias delas, na tentativa de encontraralguma que pudesse auxiliar os psiquiatrasem suas entrevistas e sessões de psicoterapia.
Numa de minhas experiências com LSD, tivetambém uma vivência mística: uma sensaçãode unicidade com todos os seres, todas ascoisas. Depois disso, passei três dias eperfeita serenidade. Acredito que, como eu,muitas pessoas poderiam beneficiar-se dautilização de drogas psicodélicas, sobsupervisão médica – a única maneira sensata
de usá-las. Opa!
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pesado de drogas psicodélicas podem ir, ecom freqüência vão, muito além de umaeuforia temporária. Na verdade, minha
experiência com essas drogas nunca foi deeuforia, mas de um trabalho árduo queculminava em momentos onde eu alcançava
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culminava em momentos onde eu alcançava
um discernimento verdadeiro e duradouro.Não se pode negar a imensa força destrutivaque induz ao abuso dessas poderás
substâncias. O risco de danos físicos epsicológicos é provavelmente grande demaispara que valha a pena usá-las. Mas també
ão posso negar, no meu caso e no de muitaspessoas que conheci naquela época e cujasvidas tenho acompanhado, que taisexperiências foram úteis, exatamente damesma maneira descrita por Stevenson.
Ele não afirma com todas as letras, massugere que a experiência com o LSD reforçou
seu senso de que há algo além do material naconsciência humana, algo que deixou, porentre as descargas dos