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8/16/2019 Almas Antigas http://slidepdf.com/reader/full/almas-antigas 1/356 ALMAS ANTIGAS TOM SHRODER PRIMEIRA PARTE Prólogo Crianças que se lembram de vidas passadas 1 A PERGUNTA É tarde. Já está quase escuro. A fumaça de milhares de fogueiras de dejetos paira ao redor da luz dos faróis, à medida que o microônibus avança, aos solavancos, pela passagem estreita e esburacada que faz as vezes de estrada nas regiões desabitadas da Índia. Ainda faltam várias horas para alcançarmos o hotel, moderna ilha de conforto plantada nesse oceano de terceiro mundo. Conseguimos escapar de u caminhão que ziguezagueia em direção

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ALMAS ANTIGASTOM SHRODER

PRIMEIRA PARTEPrólogo

Crianças que se lembram de vidas passadas1A PERGUNTA

É tarde. Já está quase escuro. A fumaça demilhares de fogueiras de dejetos paira aoredor da luz dos faróis, à medida que o

microônibus avança, aos solavancos, pelapassagem estreita e esburacada que faz asvezes de estrada nas regiões desabitadas da

Índia. Ainda faltam várias horas paraalcançarmos o hotel, moderna ilha deconforto plantada nesse oceano de terceiromundo. Conseguimos escapar de ucaminhão que ziguezagueia em direção

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contrária usando cada milímetro do imundoacostamento. Mas escapar não nos traz alívio.

Voltamos abruptamente para a estradaesburacada e logo ultrapassamos umacarroça de madeira que se arrasta

pesadamente, puxada por bois de enormeschifres. Nosso motorista aperta a buzina aodesviar-se dela, numa curva fechada, e eu

rezo para que não apareça um outro ônibus,apinhado até o teto de gente e de animais.Tento não pensar na ausência dos cintos de

segurança, ou no artigo afirmando que aprobabilidade de ocorrer um acidente covítimas fatais é quarenta vezes maior nas

estradas da Índia do que nos Estados Unidos.Tento não pensar em morrer a dezesseis milquilômetros de casa, sem nunca mais verminha mulher e filhos.

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Entretanto, mesmo preso nessa bolha demedo, consigo perceber a ironia da situação.

No banco de trás, aparentementedespreocupado com os enormes torpedosque espalham lama por todos os lados e que

se precipitam em nossa direção, está uhomem alto, de cabelos brancos, com quaseoitenta anos, que insiste em afirmar que

conseguiu acumular provas bastante sólidasque demonstram que a morte física nãosignifica necessariamente o meu fim, ou o de

quem quer que seja.Seu nome é Ian Stevenson, um médiopsiquiatra que há trinta e sete anos ve

enfrentando estradas como essa, ou aindapiores, para colher relatos de crianças queafirmam lembrar-sede vidas anteriores,fornecendo detalhes e dados precisos sobreas pessoas que afirmam ter sido, pessoas que

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existiram e que morreram antes que elasnascessem. Enquanto luto contra o pavor da

morte, ele se vê diante do medo de que otrabalho ao qual dedicou toda a sua vidafique completamente ignorado por seus

colegas de profissão.– Por que – pergunta ele, pela terceira vez,desde o início da noite –  os cientistas e

geral se recusam a aceitar as provas que játemos da reencarnação?Nesse dia, como nos últimos seis meses,

Stevenson demonstrou o que considera“provas”. Ele me permitiu acompanhá-lo esuas viagens para trabalho de campo,

primeiramente nas montanhas ao redor deBeirute e, agora, numa grande extensão deterra na Índia. Ele respondeu minhasinfindáveis perguntas e até me convidou aparticipar das entrevistas que constituem o

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cerne de sua pesquisa. As provas às quais elese refere não vêm de um modismo da Nova

Era, de leitura sobre vidas passadas ou deregressões hipnóticas nas quais alguém dizter sido uma noiva florentina do século

dezesseis ou um soldado das guerrasnapoleônicas, fornecendo detalhes quepodem ser obtidos através da leitura de u

romance. As particularidades trazidas pelascrianças de Stevenson são despretensiosas emuito mais específicas. Uma delas lembra-se

que era uma adolescente de nome Sheila, quefoi atropelada por um veículo que seguia poruma estrada recolhendo capim para

alimentar animais. Outra se recorda de tersido um jovem que morreu de tuberculosechamando por seu irmão. Uma terceiralembra-se que era uma mulher, no Estado da

irgínia, aguardando ser submetida a uma

d l b

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cirurgia cardíaca à qual não sobreviveria etentando, sem sucesso, chamar sua filha. E

assim por diante. Em centenas de casos portodo o mundo, essas crianças fornecenomes de cidades e de parentes, profissões e

relacionamentos, atitudes e emoçõesespecíficos de um único indivíduo,geralmente desconhecido de suas famílias

atuais. Mas o fato é que as pessoas de queas crianças se recordam realmente existiram,suas lembranças podem ser comprovadas,

comparando-as a eventos de vidas reais, e asidentificações feitas podem ser verificadas –ou contestadas – por um grande número de

testemunhas.É isso o que Stevenson vem fazendo há quasequarenta anos. É esse o trabalho quedesenvolvemos no Líbano e, agora, na Índia:examinar registros, entrevistar testemunhas e

f i l d d

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aferir os resultados, comparando-os apossíveis explicações alternativas. Poucos

puderam, como eu, constatar de perto oquanto esses casos podem ser convincentes –não apenas em relação aos fatos, mas na

emoção claramente visível nos olhos e vozesdas crianças, de suas famílias e das famíliasdas pessoas que elas afirmam ter sido. Tenho

presenciado e ouvido fatos surpreendentespara os quais não encontrei uma explicaçãofácil.

Agora, estamos quase no fim de nossaviagem, talvez a última na carreira deStevenson. No frio barulhento do

microônibus que vai sacole jandoruidosamente noite adentro, começo a pensarque a pergunta de Stevenson não e apenasretórica. Ele quer que eu, o forasteiro, oornalista cético que viu tudo o que ele queria

t lh dê li ã C é

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mostrar, lhe dê uma explicação. Como é queos cientistas podem ignorar a imensa

quantidade de provas que lhes sãofornecidas?Começo a refletir longamente sobre como é

difícil falar de provas quando não se conheceo mecanismo de transferência – a forma comopersonalidade, identidade e memória pode

ser transferidas de um corpo para o outro.Então, paro imediatamente. Ouço minhaspróprias divagações e percebo o que

Stevenson realmente está me perguntando:depois de tudo o que vi, pelo menos euacredito?

Eu, que sempre olhei para dentro de mimesmo sem jamais ter visto um sinal ououvido um sussurro de qualquer outra vidaque não fosse a minha, o que acho de tudo

i ? El b E tá f d

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isso? Ele quer saber. Está me fazendo umapergunta e merece uma resposta.

2SÓ SE VIVE UMA VEZA resposta é longa e começa dez anos antes

de Stevenson me fazer a pergunta, nupequeno e confortável consultório médicolocalizado a poucos quarteirões de minha

casa em Miami Beach. A luz da sala é fraca. ODr. Brian Weiss, chefe do departamento depsiquiatria do Hospital Mount Sinai, está

falando suavemente. E me conta umahistória:Em 1972, Weiss hipnotizou uma jove

mulher. Ela estava deitada de costas no sofá,os olhos fechados, as mãos pousadas ao ladodo corpo, envolta num lençol imaginário deluz branca, levada a um transe através da vozdo médico e da vontade de sua própria

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Volte aos acontecimentos que dera

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– Volte aos acontecimentos que deraorigem aos seus sintomas.

Em transe profundo, ela respondeu, numavoz baixa e rouca. Longas pausasinterrompiam suas palavras, como se falar

fosse difícil ou doloroso.– Vejo degraus brancos que me levam até uedifício... um edifício grande e branco co

pilastras... Estou usando um vestido longo,ma bata feita de tecido rústico. Meu nome éAronda. Tenho dezoito anos...

Sem ter certeza do que se passava, Weiss fezalgumas anotações. O sussurro prosseguiu:– Vejo uma praça de mercado. Há várias

cestas. Elas são carregadas nos ombros.Moramos num vale. Não há água. O ano é1863 antes de Cristo. Antes do final da sessão,Aronda havia morrido aterrorizada, arfandoe sufocando em meio a uma enchente.

Weiss disse que esse foi o momento decisivo

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Weiss disse que esse foi o momento decisivopara a moça do sofá. Seus medos – de

sufocar, de afundar, de ficar no escuro –dissiparam-se naquele instante. Nos mesesseguintes, seus murmúrios roucos viajara

pelos séculos. Ela se tornou Johan, que teve agarganta cortada na Holanda em 1473; Abby,uma serviçal na Virgínia do século dezenove;

Christian, um marinheiro galês; Eric, uaviador alemão; um menino na Ucrânia de1758, cujo pai foi executado na prisão. Nos

intervalos, ela se tornou hospedeira deespíritos desencarnados que revelavam osmistérios da eternidade. Brian Weiss

escreveu um livro sobre essa mulheranônima que ele chamou de Catherine.Muitas Vidas, Muitos Mestres se tornou u

bestseller internacional e é considerado uclássico da Nova Era. Em 1988, quando o

livro estava no topo da lista dos mais

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livro estava no topo da lista dos maisvendidos, decidi escrever uma matéria sobre

o autor para a “Tropic”, revista da edição dedomingo do Miami Herald, da qual eu era oeditor. O que me interessava era o próprio

Weiss: ele não era um louco nem uirresponsável. Aos quarenta e quatro anos,era um médico formado pela Universidade

de Yale, nacionalmente reconhecido comoperito em psicofarmacologia, químicacerebral, toxicologia e mal de Alzheimer. Ele

afirmou que havia esperado cinco anos parapublicar seu livro, temendo ser criticado porseus colegas de profissão. Entretanto, dois

anos após ter a coragem de fazê-lo, viu queseus temores não se concretizaram, pelomenos publicamente.

Antes da entrevista, dirigi-me ao diretor doospital em busca de sua opinião sobre o

trabalho de Weiss Tudo o que ouvi fora

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trabalho de Weiss. Tudo o que ouvi foraefusivos elogios: “Brian Weiss é altamente

respeitado, um líder de grande competênciaem sua área.” Quando perguntei se suareputação havia sido pre judicada pelo livro,

ele respondeu com um vigoroso “não”.Outros colegas concordaram:– Se qualquer outra pessoa tivesse escrito o

livro, eu não teria acreditado – disse udeles. – Mas acredito porque sei que BrianWeiss é um perspicaz clínico e pesquisador,

perito em diagnósticos.Fiquei impressionado ao constatar quemédicos normalmente conservadores

lavavam a sério as afirmações de Weissquanto a evidências de vidas passadas. Essefato não me convenceu, mas acrescentou

interesse à história que eu pretendia escrever.

Naquele primeiro encontro em seu

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Naquele primeiro encontro em seuconsultório, disse a ele que gostaria de

satisfazer a minha curiosidade em relação atoda aquela história, o que significava que euteria que fazer-lhe perguntas um tanto

incisivas. Weiss sorriu com modéstia.– Toda essa área é muito nova – disse ele. –Existem muitos pontos que ainda precisa

ser esclarecidos.Sentado atrás da escrivaninha, Weiss meexpôs, pacientemente, a lógica de seu

pensamento. Há dezoito meses ele vinhatratando de Catherine, uma técnica delaboratório daquele mesmo hospital. Durante

esse período, ele se utilizara da terapiaconvencional. Nunca conversaram sobrecrenças no ocultismo e Catherine jamais

izera qualquer tentativa de manipulá-lo. Onico ponto incomum em seu tratamento era

a total ausência de sinais de melhora Isso fez

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a total ausência de sinais de melhora. Isso fezcom que Weiss concluísse que, se ela fosse

uma trapaceira, deveria ser a mais pacientede todas, pois num estratagema daquele tiposeria necessário que ela passasse dezoito

meses fingindo ter uma série de problemaspsicológicos, esperando que Weiss sugerisseo uso de hipnose para, na primeira sessão,

simular que estava revivendo experiênciastraumáticas da infância e só então chegar àsalsas vidas passadas.

eiss contou-me que, durante o curso degraduação, ele havia passado centenas dehoras observando um incontável número de

pacientes com o ob jetivo de aprimorar suacapacidade de diagnóstico. Com Catherine,ele teve certeza de estar diante de uma

pessoa que tinha genuíno desejo de atenuaros sintomas que a afligiam. Era uma mulher

simples e honesta, dedicada à fé católica que

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simples e honesta, dedicada à fé católica queaprendera na infância. Não era

esquizofrênica, nem psicótica, nem maníaco-depressiva e tampouco sofria de múltiplaspersonalidades. Seu pensamento não era

delirante.Havia também a reação de Catherine à idéiade vidas passadas. Parecia pouco à vontade

com tudo o que acontecia, pois tal idéia nãoestava de acordo com os ensinamentos daIgreja Católica. Entretanto, ela ficara muito

feliz com a rápida melhora de seu estado desaúde e, assim sendo, continuaram com assessões até que ela sentisse que estava

curada. Não havia nenhum sinal de queCatherine pudesse querer se utilizar daexperiência de vidas passadas com qualquer

outro objetivo que não fosse o terapêutico.Ela relutou em assinar a licença de

publicação e não obteve lucros com o livro.

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publicação e não obteve lucros com o livro.Até mesmo agora, explicou Weiss, quando se

encontram casualmente no Hospital MountSinai, ela nunca demonstra interesse nasimplicações metafísicas da experiência que

viveu.Por esses motivos, Weiss percebeu queCatherine não era louca nem trapaceira. O

queo convenceu de que ela estava realmente selembrando de vidas passadas foi o caráter

inteiramente corriqueiro dessas vidas. SeCatherine aparecesse, por exemplo, comoCleópatra em uma vida e Madame Curie e

outra, a credibilidade ficaria comprometida.Mas ela aparecera como uma serviçal, uleproso, um trabalhador. Em seu mais

profundo transe, Catherine focalizava suaatenção no perfume das flores ou no

esplendor de um casamento do qual não

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esplendor de um casamento do qual nãopodia participar – fatos do dia-a-dia, da vida

real. Suas lembranças eram, por vezes, muitodetalhadas – em uma vida, ela descreveu oprocesso utilizado para fazer manteiga; e

outra, a preparação de um corpo para serembalsamado. Para Weiss, as descrições –embora não muito técnicas – pareciam estar

acima do nível de conhecimento normal dapaciente. Certa vez, voltando de uma viagea Chicago, ela lhe contou que se

surpreendera durante uma visita a umuseu, quando começou a corrigir asinformações dadas pelo guia para alguns

artefatos egípcios de quatro mil anos deidade.Fiquei admirado com a sinceridade de Weiss,

mas não com as evidências apresentadas. Nasistórias de Catherine não havia nenhu

detalhe que um apreciador de romances

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q phistóricos não pudesse inventar. Ela não

falara em línguas arcaicas e não tinhamencionado o nome de uma única pessoacuja existência pudesse ser confirmada.

Resolvi então passar pela experiência. Pedi aeiss que me indicasse um hipnotizadorpara me submeter à regressão. Achei o

processo relaxante, suave e estranhamentenarcisista, mas não tive qualquer sensação deque vidas passadas esquecidas estivessem se

abrindo em minha memória. Em vez disso,percebi claramente que estava tentandoprover a hipnotizadora com aquilo que ela

queria: cenas de uma época anterior ao meunascimento. Esperei que alguma imagesurgisse na minha mente e tentei enfeitá-la,

criando uma situação de vida que lhe fosseadequada – exatamente o que fazia quando

escrevia ficção ou começava a adormecer.

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ç çQuando relaxei ainda mais, entrando nu

estado ligeiramente alterado de consciência,as imagens começaram a aparecer senenhum esforço intencional. Mas, ainda

assim, elas nunca trouxeram consigo uúnico vestígio de autenticidade diferente doque se poderia encontrar num devaneio

comum.Percebi que as regressões hipnóticas aindaprecisavam ser melhor explicadas. Outros

psiquiatras que entrevistei se mostravaintrigados, embora ainda não estivesseprontos para chegar às mesmas conclusões

de Weiss.Um psicólogo amplamente reconhecido comogrande especialista em hipnoterapia e

distúrbios relacionados a múltiplaspersonalidades disse:

– Tenho visto muitos pacientes que, no

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p qpassado, tiveram experiências marcantes,carregadas de intensa emoção, cujasconseqüências profundas se fazem sentir nopresente. Não posso afirmar que tais

experiências sejam lembranças de vidaspassadas. É possível que sejam fruto dafantasia, como acontece nas distorções de

memória: uma forma indireta de se descreverum problema. Por exemplo, uma pessoa quediz ter sido estuprada em uma outra vida

pode, na verdade, estar expondo umalembrança incestuosa na infância. Mas existeuma finalidade por parte do inconsciente.

Não sei ao certo o que está acontecendo coessas lembranças de outras vidas, mas nãoacredito que sejam uma enganação.

Depois de conversar com outros psiquiatras ede ouvir opiniões divergentes, decidi

procurar o maior dos estudiosos, o home

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presponsável pelo verbete da EnciclopédiaBritânica sobre regressões hipnóticas a vidaspassadas. Era o Dr. Martin Orne, na épocapsiquiatra clínico e professor de psiquiatria

da Escola de Medicina da Universidade daPensilvânia. Ele tinha muito a dizer:– Sempre me sinto como aquele personage

de histórias infantis que diz para todos quePapai Noel não existe. As pessoas quepropagam essas idéias não são mal-

intencionadas, apenas têm um imenso desejode acreditar. Muitos crêem que o que se faladurante a hipnose tem maior probabilidade

de ser verdadeiro, quando, de fato, aconteceexatamente o oposto. A hipnose pode criarpseudomemórias. Lembranças de

reencarnações não são diferentes dos casos depessoas que, hipnotizadas, declaram ter sido

capturadas por alienígenas e submetidas a

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p p gexames físicos no interior de discos voadoresEsses são os chamados “mentirososhonestos”. Os terapeutas pedem a seuspacientes que voltem até a causa de seu

problema. Isso é algo que várias pessoasacham difícil fazer e, se não consegueencontrar a origem nessa vida, regressam a

ma vida anterior. Fantasia, é claro.Lembro-me de ter desligado o telefone emeu escritório sentindo minha curiosidade

satisfeita. Mais uma vez, como vi acontecerantas outras em minha vida profissional,ma história que, de início, parecia ter

alguma explicação extraordinária acabava setornando algo simples e comum.Eu estava agora totalmente convencido de

que Weiss havia se encantado com ufenômeno bastante interessante e concluído

tratar-se de algo sobrenatural quando, na

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verdade, o que tal fenômeno demonstravaera a incrível riqueza da imaginação humana.

eiss afirmava que, ainda que fosseapenas manifestações do subconsciente, as

recordações se revelaram excelentesauxiliares da terapia. Após as regressões, eleavia testemunhado o desaparecimento

quase instantâneo de problemas resistentes aqualquer outro tipo de tratamento.Eu estava pronto para colocar um ponto final

naquele assunto quando encontrei um artigosobre um tal Dr. Stevenson, conhecido comoo Professor Carlson de psiquiatria da Escola

de Medicina da Universidade de Virgínia,que estava investigando relatos sobrememórias de vidas passadas colhidos e

outras fontes: lembranças espontâneas,experimentadas por crianças ainda pequenas,

completamente acordadas, sem qualquerl h d

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envolvimento hipnótico. Muitos dessesrelatos incluíam nomes, endereços e detalhesíntimos da vida de pessoas que as crianças,aparentemente, não teriam como conhecer.

Membros das famílias dessas pessoas foralocalizados e as lembranças relatadas foracomparadas com fatos acontecidos na vida

real. De acordo com Stevenson, em muitosdesses casos as recordações apresentadaspelas crianças passaram no teste da realidade

de forma muito convincente.O que me deixou mais impressionado foi ofato de Stevenson afirmar ter investigado u

grande número de casos – na verdade, maisde duzentos em todo o mundo. Confesso quemeu primeiro pensamento foi que se tratava

de um maluco delirante que também dizia terma gaveta cheia de fragmentos da cruz de

Cristo. Mas, prosseguindo com a leitura, viE i

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que certamente não era esse o caso. Encontreiuma citação de um artigo de 1975, publicadona respeitada revista médica The Journal ofthe American Medical Association,

afirmando que Stevenson “havia coletadocasos cu jas evidências dificilmente poderiaser explicadas com base em quaisquer outras

premissas (além da reencarnação)”.O artigo também fazia referência a um livrono qual Stevenson reunira seus casos.

Encontrei o livro na biblioteca pública. Oestilo acadêmico dificultava a leitura, mas oesforço valeu a pena: os casos era

convincentes, até mesmo espantosos, e fiqueibastante impressionado com a aparenteimparcialidade e a ponderação demonstradas

nas investigações. Stevenson procurara fatosconcretos, específicos e passíveis de

verificação, relacionados a vidas passadas eb i i i í l i

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sobre os quais seria impossível, por meiosnormais, obter-se qualquer tipo deinformação prévia.Segundo seus relatos, ele os havia encontrado

várias vezes.Como é que eu nunca ouvira falar dorabalho daquele homem? Por que precisei de

m dia inteiro na biblioteca para localizarcentenas de dados de produção instantâneade lembranças comprovadas? Se eu estava

interessado no assunto, por que não procurarStevenson?Essa última pergunta precisou de uma

década para ser respondida.– Além disso – disse ele –, acho que já fuientrevistado o suficiente e não tenho mais

nada a acrescentar.

Depois que desligou, enviei-lhe uma cartadi d i i ã Di lh

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pedindo que revisse a sua posição. Disse-lheque estava mais interessado em observar seutrabalho do que em entrevistá-lo. Finalmente,em dezembro, Stevenson convidou-me a ir

até Charlottesville para discutirmos o assuntopessoalmente.Em janeiro de 1997 encontrei-me com ele e

seu escritório na Divisão de Estudos daPersonalidade da Universidade de Virgínia.A sala de espera estava repleta de arquivos

contendo todas as anotações datilografadas etranscrições de mais de 2.500 entrevistasfeitas por Stevenson durante os vários anos

de sua pesquisa. Numa das paredes podia-sever um mapa dos Estados Unidos em largaescala, coberto de alfinetes de cabeças

vermelhas, pretas e brancas, com a seguintelegenda: vermelho – casos de renascimento –,

preto – experiências de quase-morte –, brancocasos en ol endo fantasmas/espíritos

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– casos envolvendo fantasmas/espíritos.No andar superior, alguns dos pesquisadorescompanheiros de Stevenson estavareunidos numa sala de conferências,

almoçando. Um deles era um cardiologistaque, em suas consultas no centro de saúde dauniversidade, procurava identificar e estudar

pacientes cardíacos que relatavam ter tidoexperiências de quase-morte – experiênciasmísticas ou extracorpóreas provavelmente

causadas por condições clínicas graves,consideradas por alguns como indícios deconsciência após a morte. Perguntei-lhe o que

estava tentando alcançar, e ele me respondeu: – A paz no mundo. Fez um prolongadosilêncio e acrescentou:

– Estou falando sério. Se eliminássemos omedo da morte, o mundo conseguiria u

equilíbrio maior. Não haveria motivos para aguerra Stevenson era um homem alto e

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guerra. Stevenson era um homem alto emagro, com uma farta cabeleira branca e uar um tanto formal.Quando lhe perguntei se considerava que

suas pesquisas haviam “comprovado” areencarnação, ele respondeu:– Acredito que, exceto na matemática, nada

pode ser totalmente provado em ciência.Entretanto, para alguns dos casos queconhecemos no momento, a melhor

explicação que conseguimos é areencarnação. Há um importante número deindícios e acredito que estão se tornando

cada vez mais fortes. Acho que uma pessoaracional pode vir e acreditar na reencarnaçãocom base em evidências.

Adorei a prudência de suas palavras, a friaprecisão a humildade absoluta Decidi

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precisão, a humildade absoluta. Decidiprovocá-lo um pouco.– O que me incomoda em relação à idéia dereencarnação – expliquei –  é o problema

óbvio da explosão populacional. Muito maispessoas viveram neste século do que eodos os anteriores. Só algumas delas tê

almas reencarnadas? De onde vêm as almas?Ele não disse nada de imediato, mas pareciaolhar para dentro de si mesmo. Estava

claramente refletindo sobre a minhapergunta.– Esse não é um ponto de fácil explicação –

disse ele, finalmente. – Algumas pessoassugerem que as almas podem vir de outrosplanetas: acredita-se que há bilhões de

planetas semelhantes à Terra no universo.Outros dizem que a criação de almas é

contínua. Mas, é claro, não tenho nenhumaprova de qualquer uma dessas afirmações

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prova de qualquer uma dessas afirmações.Mais uma vez fiquei encantado. Eu já estavamais do que convencido a passar algutempo com Stevenson – só precisava fazê-lo

aceitar a idéia. Expliquei que gostaria deacompanhá-lo em seu trabalho de campo.Disse-lhe que, como um observador leigo,

usando minha habilidade jornalística paraanalisar detalhes num contexto, eu poderiarecriar para os leitores a experiência daquele

rigoroso trabalho de investigação que ficavaapenas sugerindo nas entrelinhas de seuseruditos relatórios. Poderia descrever o

comportamento de seus entrevistados e ascaracterísticas mais sutis que contribuepara aumentar ou mesmo diminuir a

credibilidade desses encontros, pois, aindaque subjetiva, a experiência de testemunhá-

los forneceria um tipo de informação com oqual também seria possível avaliar os dados

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qual também seria possível avaliar os dadoscoletados. Na verdade, acrescentei, aavaliação completa da pesquisa seriaimpossível sem tal experiência.

Stevenson ficou de pensar no assunto.SEGUNDA PARTEBeirute

Crianças da guerraMahmoud, o motorista de Majd, acenava nomeio da verdadeira multidão que se

aglomerava do lado de fora do terminal. Nocarro, Majd nos acolheu afetuosamente,exclamando com alegria:

– Tenho boas notícias. Todas as pessoas quevocê está procurando continuam nos mesmosendereços de dezesseis anos atrás e quere

vê-lo.

Stevenson tinha uma série de objetivos aalcançar Queria fazer novas visitas a

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alcançar. Queria fazer novas visitas aalgumas pessoas cujos relatos ele haviapesquisado anteriormente, mas que só agorapretendia publicar. Também estava em busca

de novos casos envolvendo crianças, nãopara estudá-los, mas para entregá-los aoscuidados de Erlendur Haraldsson, da

Islândia, que havia realizado testespsicológicos nas crianças de Stevenson no SriLanka e queria expandir sua pesquisa até

o Líbano. Finalmente, planejava visitarnovamente algumas das pessoas que haviaencontrado há mais de trinta anos, para

tentar compreender o papel que as memóriasde vidas passadas e alguns comportamentosa elas associados desempenharam no curso

de sua existência.

Na manhã seguinte encontrei Stevensonolheando os fichários abarrotados de

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olheando os fichários abarrotados deanotações e resumos de casos relacionados àssuas pesquisas de campo.Uma das pessoas que Stevenson queria rever

era Daniel Jirdi, que, quando criança,declarara lembrar-se da vida de RashidKhaddege, um mecânico que havia morrido

aos vinte e cinco anos num acidente deautomóvel. Daniel tinha apenas nove anos daltima vez que Stevenson e Majd o

entrevistaram, dezoito anos antes.Fiquei satisfeito ao ler o resumo do caso:avia muitos detalhes que, se resistissem a

ma averiguação cuidadosa, seriam degrande importância. Para começar – e essa é

ma característica presente em todos os casos

de Stevenson –, a vida lembrada por Danielera totalmente comum, sem qualquer brilho:

Rashid era um operário, solteiro, sem filhos,desconhecido, morto num acidente rotineiro

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desconhecido, morto num acidente rotineiro– uma pessoa que dificilmente faria parte dasfantasias de uma criança. Mais importanteainda: as famílias envolvidas não se

conheciam previamente. Se fosse verdade,seria difícil explicar como uma criançapoderia fornecer dados precisos sobre a vida

de um operário desconhecido, que moravanuma comunidade diferente da sua e quehavia morrido um ano antes de seu

nascimento. Além disso, Daniel começara afazer tais afirmações assim que foi capaz defalar, o que diminuía ainda mais a

possibilidade de fraude À medida que acriança vai ficando mais velha, torna-se maisconsciente do ambiente que a rodeia e sua

capacidade verbal aumenta, assim como seucontato com o mundo fora de casa. Como pai,

posso afirmar que, aos cinco anos, as criançascolecionam todo tipo de informações e

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p çrepetem-nas a todo instante, surpreendendoseus pais: “Onde será que ela aprendeu umacoisa dessas?”

Mas é absurdo acreditar que uma criança sejacapaz de decorar biografias complexas,repetindo-as com precisão, numa idade e

que seus colegas ainda estão lutando paraaprender os nomes das cores.Por outro lado, havia um senão na história de

Daniel, presente em quase todos os casos deStevenson: as duas famílias envolvidas seconheceram antes que ele as entrevistasse.

Ele não teve a oportunidade de testemunhara reação da criança no seu primeiro encontrocom a família da qual ela afirmava lembrar-se

uma outra vida. Também não ouvira acriança falar sobre a sua personalidade

passada antes que suas afirmações fossecomprovadas, ou não, pela família do morto.

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p , , pNesses casos, para verificar se as crianças sereferiam mesmo a vidas passadas e se suasrevelações correspondiam a fatos vividos por

pessoas já mortas, era necessário não sócomparar os relatos daqueles quetestemunharam o ocorrido como també

avaliar a confiabilidade das própriastestemunhas. As avaliações que Stevensonfazia desses fatores em seus relatórios eram,

quase sempre, realistas, cuidadosas erelativamente completas, ainda que um tantosucintas. Eu sabia que ler sobre os casos seria

completamente diferente de avaliar por mimesmo, olhar nos Muna contou que, quandocriança, Ulfat tinha uma irreprimível aversão

a facas. Disse ainda que a filha também selembrava que, enquanto era torturada, vira

pela janela uma amiga de nome Ida e, então,gritara por socorro. Mas Ida era cristã e nada

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g pfez para ajudá-la. Ao relatar esse fato, osolhos de Muna encheram-se de lágrimas. Elaexplicou que era comum que as vítimas de

massacres fossem abandonadas pelos amigose vizinhos, pois eles tinham medo de ajudá-las. Não raro, os corpos eram deixados no

lugar onde haviam caído e ali apodreciam. Sóeram enterrados após a partida dos cristãos.Pelos dados fornecidos por Ulfat quando

criança, a família de Muna conseguiralocalizar uma moça que havia sido mortanum massacre na cidade de Salina.

Eu quis saber se eles  já conheciam a outraamília. Majd traduziu a minha pergunta.Muna fez um sinal negativo com a cabeça.

Naquele instante, a porta se abriu e umamulher de cabelos longos e negros entrou na

sala. Era Ulfat. Estava acompanhada doirmão e um amigo. Ambos usavam calças

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geans, camisetas e bonés. Tinham umapostura desleixada, como se fossem doistípicos adolescentes norte-americanos. Ulfatusava um blusão, calças jeans e botas, mas osbrincos de prata e a maquiagem conferiam-lhe feminilidade.

Mina explicou o motivo de nossa visita eperguntou-lhe se poderíamos fazer algumasperguntas.

– Não me incomodo. Podem me perguntarem inglês, se quiserem – respondeu Ulfat.Não era como eu imaginava. Esperava

encontrar vilas com casebres de chãopoeirento, pessoas com roupas tradicionais ecostumes totalmente estranhos. Sabia que

alguns dos críticos de Stevensonquestionavam o fato de ele usar tradutores,

por considerarem que ele não poderia tercerteza de que a tradução era precisa e não

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seria capaz de compreender um contextocultural diferente do seu. Entretanto, oambiente ali não era mais exótico do que, porexemplo, a casa de meus vizinhos cubanosem Miami, onde os pais falavam mal o inglêse os filhos ouviam CDs de música heavy-

metal. E ali estava uma pessoa com umaexperiência de vidas passadas que possuíam videocassete e falava inglês com sotaque

americano.Ulfat sentou-se numa poltrona em frente àmãe e nós começamos a fazer perguntas.

Contou que era universitária em Beirute eque não sabia o que iria fazer quandoerminasse os estudos.

Ela ainda se lembrava de sua vida anterior?

– Não muito, apenas nomes. Quando eu eracriança costumava falar sobre isso, mas agora

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á me esqueci. Lembro-me do meu nome esobrenome, do dia em que morri e de comoaconteceu.O nome por ela lembrado era Iqbal Saed.– No dia em que morri, lembro-me de cadadetalhe do que aconteceu.

– Então conte-nos o que você se lembra –disse.– Era noite. Eu estava caminhando. Tive

medo de entrar numa viela, mas não haviaoutro caminho. Notei a presença de unsquatro homens armados. Assim que eles me

viram, atiraram na minha perna. Quando meabaixei e pus a mão na ferida eles viram asóias que eu estava escondendo na blusa.

Então eles me pegaram. Antes de me matar,me torturaram muito. Não consigo me

lembrar bem dessa parte. Mas lembro domomento em que me mataram. Quando

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fecho os olhos, eu lembro. Posso ver como euestava andando, posso ver tudo o queaconteceu naquela noite.– Quantos anos você tinha? – perguntouStevenson.– Vinte e três.

– Você se lembra de ter essa idade? Oualguém lhe disse a idade que Iqbal tinhaquando morreu?

– Eu me lembro que morri jovem, mas elesme disseram que eu tinha vinte e três anos.– Você freqüentou a escola em sua vida

passada?– Não acredito que eu tenha ido à escola.Sentindo-me fascinado, rabisquei algumas

anotações. Ela falava com naturalidade –melancólica, mas sem rodeios.

– Como você se sente em relação a essasmemórias? – perguntei.

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– Elas me incomodam – disse Ulfat, nurepente. Fez uma pausa e prosseguiu. –Quando eu era criança, sempre sonhava quealguém vinha me matar, mas agora não tenhomais esses sonhos.Stevenson pediu a Majd que perguntasse a

Muna se ela conhecia alguém em Salina, acidade onde Iqbal morrera. Muna respondeu: – Não, é muito longe daqui.

– Você tem alguma marca de nascença? –perguntou Stevenson a Ulfat. Essa perguntareferia-se a um dos focos mais atuais das

pesquisas de Stevenson: verificar marcas denascença que, aparentemente,correspondessem a feridas ou imperfeições

em outras vidas.Ulfat disse que não.

– Alguma dor inexplicada?– Não.

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– Alguma dificuldade física?De certa maneira, eu esperava que a moçacitasse algum detalhe só para agradá-lo. Masela continuava negando:– Nada disso – concluiu Ulfat.– A próxima pergunta é para Muna – disse

Stevenson. – Ulfat teve alguma dificuldadepara aprender a andar?Não, a menina andou aos onze meses.

Muna continuou a falar e, logo depois, Majdraduziu: durante a maior parte dosprimeiros anos de vida de Ulfar, Muna

estivera fora do país. Foi sua irmã, Najla, queesteve presente na ocasião em queapareceram os primeiros sinais das

lembranças de vidas passadas. Najla contaraa Muna que certa vez, quando Ulfat

começava a dar os primeiros passos, elaouviu dizer que os cristãos iriam chegar na

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vila. A menina correu, escondendo-se atrásdo sofá e disse:– Eles vão me matar (e desenhou uma cruz

o peito), como fizeram da outra vez.Decidi inquirir Muna sobre o fato de Danieler se lembrado da queda de uma sacada.

Para evitar que a pergunta induzisse a umadeterminada resposta, pedi a Ma jd queindagasse apenas se Rashid havia sofrido

algum acidente quando criança. Munapareceu surpresa e respondeu numa rápidaexplosão de palavras. Não se lembrava de

Rashid ter se envolvido num acidente, masele havia caído de uma varanda, aos onzeanos, junto com a irmã mais nova, Linda. A

queda tinha matado a menina.

Minha insistência no assunto pareciaincomodar Stevenson.

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– É uma pergunta para Najla. Ela deve saber.Talvez ele pensasse que minha intenção eraapontar falhas na história de Daniel. Ele já mehavia dito que aquela entrevista não eraválida como prova. Mas eu estava intrigado.Afinal, cair de uma sacada não é um acidente

comum na vida de uma criança.Seria aquela lembrança uma memóriaconfusa, relacionada à imensa dor de perder

a irmã mais nova? Ou será que, num de seusencontros, ela ouvira a família Khaddegecontando velhas histórias e incorporara a

mais traumática de todas ao seu repertório de“memórias” sobre Rashid?Deixamos a casa e seguimos pelas

montanhas. Nosso destino era Aley, umacidade bem maior, com uma ampla rua

principal, onde edifícios de pedra abrigavalojas, restaurantes e escritórios.E ti h it d t

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Eu tinha muito o que pensar durante aviagem. Primeiro, ficara impressionado coo refinamento e a naturalidade de Ulfat.Estava claro que ela não gostava de falarsobre suas Stevenson explicou:– Rashid costumava dizer: “Se quiser morrer,

entre num carro com Ibrahim.”Comecei a lembrar da transcrição daentrevista com Daniel, dezoito anos antes. Ele

culpava Ibrahim pelo acidente, contando queestavam em alta velocidade e, ao sererepreendidos pelos passageiros de um outro

carro, Ibrahim, aparentemente com raiva porter sido censurado, tentou retornar e alcançaro outro automóvel, perdendo o controle do

veículo.

– Quais são as suas lembranças em relação aoacidente? – perguntei.Ele nem esperou aradução

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radução.– Era um conversível – afirmou. – Eu diziapara Ibrahim: “Devagar, não corra.” Então,lembro-me de estar no chão.– Você disse que visitou o túmulo de Rashid.Como se sentiu?Silêncio. Um sorriso.

– Pensei: “A morte não é assustadora.”Decidi que seria um bom momento paraperguntar a respeito de algo que ele havia

mencionado quando tinha nove anos: alembrança de ter caído de uma sacada.– Eu não estava falando de Rashid, que

morrera um ano e meio antes de Daniel –disse ele. – Era uma outra vida.– Uma vida intermediária – concluiu

Stevenson. Daniel pediu licença e foi até o

quarto. Voltou trazendo a fotografia de urapaz – Rashid.

Quando você olha para essa fotografia

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– Quando você olha para essa fotografiasente que está olhando para si mesmo? –perguntei.– Sinto – disse ele. – Sem dúvida.Perguntei seele era capaz de consertar carros. Respondeurindo:

– Nessa vida atual, não.Enquanto Mahmoud acelerava montanhaabaixo, mergulhando nas luzes dos faróis que

vinham na direção oposta, minha menteexausta continuava lutando contra as últimaspalavras de Daniel: ele não tinha habilidade

para consertar carros.Se esse fosse mesmo um caso dereencarnação, havia uma pergunta:

exatamente que parte do morto teria voltado?Daniel não demonstrava ter as habilidades

aprendidas por Rashid e nem suas aptidõesinatas. Suas truncadas “memórias” eraapenas fragmentos de vinte e cinco anos de

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apenas fragmentos de vinte e cinco anos deuma vida.Entretanto, ele olhava para o retrato do rapaze pensava: “Sou eu.” Nutria um sentimentode afeição pela família de Rashid como seizesse parte dela. Reconhecera Ibrahim.

Este era um assunto que Stevensondesconhecia. Acontecera há apenas cincoanos. E havia uma testemunha – alguém que

seria possível localizar.

5

A VELOCIDADE MATAUm pedaço de papel ficara guardado nosarquivos de Stevenson em Charlottesville

durante vários anos. Nele, uma lista do queainda precisava ser feito no caso de Daniel.

Um dos itens: verificar notícias publicadasem jornais sobre a morte de Rashid. É óbvioque um relato desinteressado da época do

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que um relato desinteressado da época doacidente confirmando as lembrançasalegadas por Daniel, acrescentaria umaveracidade que ultrapassaria muito os limitesdos emocionados testemunhos prestados pormembros das duas famílias envolvidas.

Mas não seria fácil encontrar tais notícias: amaioria dos jornais que existiam em 1968 nãosobrevivera às décadas de guerras, e os

arquivos dos restantes talvez tivessem sidodestruídos. Majd chegou ao hotel na manhãde terça-feira trazendo o endereço do mais

importante dos sobreviventes, um matutinochamado Le Jour.Um elevador pequeno e mal cuidado levou-

os até o quarto andar de um prédio sequalquer identificação. Majd explicou o que

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– Não acho que ele olhou de verdade – disseMajd, aborrecida, quando voltamos para arua – Você notou a rapidez com que ele

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rua. Você notou a rapidez com que ele

rodou aquele filme?Ela pegou o telefone celular e fez uma sériede chamadas. Eu me moviaimpacientemente, pensando na importânciadaquele documento, na pequena

possibilidade que tínhamos de localizá-lo eo tempo que perderíamos para fazê-lo.Ainda que os arquivos tivessem sobrevivido,

uma cidade grande e caótica como Beirute,acidentes fatais acontecem todos os dias enão era possível garantir que todos fosse

noticiados. De pé, ao meu lado, ligeiramenteencurvado, impassível, Stevenson nãodemonstrava preocupação, como se para ele

o tempo não importasse.

– Boas notícias – disse Majd, colocando otelefone de volta na bolsa. – A UniversidadeAmericana de Beirute possui o microfilme de

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Americana de Beirute possui o microfilme de

todos os jornais mais importantes publicadosem 1968. Stevenson decidiu ficar no hotelrelendo algumas de suas anotações. Enqantoisso, Mahmoud levou-nos, Majd e eu, até aUniversidade Americana, um delicioso oásis

de jardins floridos, num terreno aplainadoem meio às montanhas que se espelhavaem direção ao mar. Sob a sombra das árvores,

um caminho rodeava os edifícios, equipadoscom os mais modernos computadores e senenhum sinal de destruição, onde pessoas

elegantemente vestidas circulavam.Fomos levados ao departamento demicrofilmes, que parecia estar localizado

num planeta diferente do prédio do Le Jour.A sala era ampla, incrivelmente limpa, co

arquivos bem etiquetados e modernosvisores. Um homem com os modos, aaparência e o sotaque de Anthony Hopkins

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aparência e o sotaque de Anthony Hopkins

em Vestígios do Dia nos mostrou seis jornaisque estavam em atividade em 1968 e nosdeixou pesquisá-los. Fui rodando o filmeenquanto Majd lia as notícias. As páginas iacorrendo, os dias dançando pela tela numa

procissão estonteante Nada. Mais um. Nada.Girei o filme mais uma vez, desanimado. Erainútil. Então, Majd gritou:

– Achei!Parei de rodar. Ali estava ela, uma pequenafotografia no pé da página: policiais ao redor

de um Fiat destruído, com o teto arrancado.Majd traduziu: “Acidente de automóvel eKornich Al-Manara.”

O artigo começava dizendo que “um acidentede automóvel aconteceu ontem em Manara

Corniche, causando a morte de um dospassageiros”. Dizia que Ibrahim estavadirigindo o Fiat, “tendo ao seu lado Rashid

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Naim Khaddege, o proprietário do carro.Ibrahim tentou, em alta velocidade, alcançarum outro veículo, resultando em múltiplascapotagens e na morte instantânea de RashidKhaddege”.

Não esperava tal impacto. Ali, na tela, nointerior obscuro de um  jornal publicadodezoito meses antes do nascimento de Daniel

Jirdi, três anos antes de ele afirmar que haviamorrido num acidente de automóvel, estavaum relato de uma fatalidade rotineira que

correspondia quase exatamente à históriacontada pela criança: Military Beach, altavelocidade, Ibrahim dirigindo um Fiat,

Rashid jogado para fora do veículo. Ele haviacontado tudo aquilo. E estava escrito:

“tentou, em alta velocidade, alcançar uoutro veículo”.– Majd, é exatamente o que Daniel disse.Majd

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olhou para a tela com mais atenção:– Não, espere – disse ela. – Cometi um erro.Estava traduzindo rápido demais. Ele nãomenciona outro veículo. Ele diz “tentando,em alta velocidade, alcançar uma curva”, e

não um outro veículo.– Quem sabe eles simplesmente nãomencionam o outro veículo ou nem sabia

de sua existência – respondi. – Isso não querdizer que ele não estivesse lá. Mas existealgumas contradições com o depoimento de

Daniel. Ele disse que era um conversível. Afotografia não está muito clara, mas esse caro,definitivamente, tem um teto. Parece quase

arrancado, mas está lá. E o artigo diz que o

caro era de Rashid. Daniel disse que era deIbrahim.– O jornal deve ter se enganado – falou Majd.

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– A família de Rashid nos falou que eleamais teve um automóvel.Imprimimos uma cópia da notícia e voltamospara o hotel. Já era quase meio-dia quandochegamos: uma manhã inteira dedicada averificar um único item de uma lista quefazia parte de u entre milhares de arquivos,contendo dezenas de milhares de itens ainda

pendentes. Levaríamos a vida inteira paracumprir todos eles. Stevenson não tinha todoesse tempo.

Ele olhou para o artigo impresso, sorriu eouviu a tradução de Majd sem fazercomentários.

– Gosto de ter o maior número possível dedocumentos – disse Stevenson, enquanto

guardava o artigo em sua abarrotada pasta. –Até mesmo os melhores casos costumaapresentar lacunas.

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p

Dizendo isso, saiu do hotel e dirigiu-seimediatamente para o carro. Tínhamos uencontro com a família Khaddege na casa deMuntaha, a mãe de Rashid, que morava nocentro de Beirute.O filho de Muna, sobrinho de Rashid, um dosmeninos que tínhamos visto no nossoprimeiro dia em Kfarmatta, nos convidou a

entrar numa sala de paredes azuis,manchadas, cobertas de marcas de pregos.No meio da sala, uma mesa de centro, e sobre

ela, a fotografia do casamento de Daniel Jirdi,o filho que eles acreditavam ter perdido erecuperado através da reencarnação.

Muna nos recebeu como se fôssemos velhosamigos. Sentado numa cadeira à nossa frente,

estava um rapaz magro, bonito, um poucocalvo, vestindo calças jeans e camisa pretas.Fiquei feliz ao saber quem ele era: Akmad, o

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primo de Rashid, a testemunha do momentoem que Daniel, espontaneamente,reconhecera Ibrahim. Senti que ele estavaansioso para conversar conosco, mas foiMuna quem começou a falar. Majd traduziu.Antes da morte de Rashid, Muntaha estavatricotando um suéter para ele. Um dia,depois que começaram a visitar Daniel, o

menino lhe perguntou:– Você terminou de fazer o meu suéter?Muntaha procurou o trabalho inacabado

onde o havia guardado anos atrás, após amorte de Rashid. Desmanchou a parte já feitae usou lã para tricotar uma peça menor, que

ofereceu a Daniel.

Quando ela acabava de contar a história, aporta de um dos quartos se abriu de repente.Emoldurada pelo retângulo vazio estava uma

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mulher já velha, observando-nos através dafenda de um xale de cabeça que descia até assobrancelhas e subia até o nariz, deixando àmostra apenas uma pequena parte de seurosto miúdo e enrugado: Muntaha. Munapegou-o pelo cotovelo e ajudou-a a sentar. Eprosseguiu:– Minha irmã, minha mãe e eu estávamos

aqui, nesta casa, quando uma vizinha veioos contar que Rashid tinha sofrido uacidente. Minha mãe perguntou: “Ele

morreu?” A mulher disse que não sabia.Corremos para o hospital, mas ele já estavamorto.

Uma das afirmações de Daniel sobre Rashidera de que ele tinha batido a cabeça quandofoi jogado para fora do automóvel.

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– Os médicos lhe disseram onde ele foiferido? – indagou Stevenson.– Não – respondeu Muna. – Ele já estavamorto. Nós não perguntamos. Mas vimos ocorpo. Tinha uma atadura na cabeça.Alguns anos mais tarde, um conhecidocontou para a família que Rashid haviarenascido na casa dos Jirdi, em Beirute. Isso

foi em 1972. Muna, Najla e uma amiga foraconhecer o menino.– Daniel não me reconheceu, provavelmente

porque eu havia mudado muito. Depois damorte de Rashid, passei a cobrir a cabeça eusar vestidos compridos – disse Muna. – Mas

ele viu Najla e chamou-a pelo nome.– Os Jirdi as estavam esperando? – indaguei.

– Não, chegamos de repente, sem avisar. Nãoconhecíamos a família. Daniel ficou muitocontente quando nos viu. Ele disse à mãe:

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“Traga bananas para Najla e faça café, porqueminha família está aqui.” Ficamos abismadas.Rashid gostava tanto de bananas que minhamãe e Najla pararam de comê-las depois desua morte, pois faziam com que selembrassem de sua tristeza.Akmad, que estivera calado até o momento,pigarreou e começou a falar sobre o encontro

entre Daniel e Ibrahim, que diferia um poucodo que o primeiro havia nos contado.Segundo Daniel, ele tinha visto Ibrahi

quando se encaminhava para o túmulo deRashid. Akmad afirmou que Daniel pedirapara ser levado até a casa de Ibrahim.

– Estávamos caminhando numa rua a poucosquarteirões da casa quando vi Ibrahi

trabalhando num automóvel. Eu não dissenada, porque queria testar Daniel. Mas ele foilogo dizendo: “Aquele é Ibrahim.”

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Akmad continuou a testá-lo, afirmando queele estava enganado, que aquele não eraIbrahim, mas Daniel insistia em dizer queera. Ibrahim levou-os até sua casa, sem saberque era aquele rapaz.– Eu não os apresentei. Então, Danielperguntou a Ibrahim: “Alguma coisaaconteceu com você em 1968?” Ibrahi

respondeu: “Não me lembro.” Mas depoisdisse: “Sim, eu me lembro. Tive um acidentee meu primo morreu.” E Daniel falou: “Eu

sou o seu primo.”Ibrahim chorou, atordoado durante quinzeminutos. Ele já ouvira falar de Daniel, mas

unca o tinha visto.

– Ibrahim fugiu depois do acidente. A políciaunca investigou – disse Muna, o rosto

amargo, esfregando as mãos como se

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quisesse livrar-se de algo que a incomodava.– Durante muito tempo – continuou Muna –,Muntaha não falou mais com Ibrahim. Elesempre lhe dizia: “Diri ja devagar, Rashid émeu único filho.” Eles só recomeçaram a sever durante a guerra, quando as duasamílias fugiram de Beirute e foram para as

montanhas.

Perguntei a ela sobre o item do artigo doornal que contradizia as memórias deDaniel. O dono do automóvel era Rashid?

– O carro era de Ibrahim – disse ela. – Rashidnão possuía nenhum automóvel.Já na ruía, fiamos sob uma marquise,

tentando nos proteger da chuva forte quecomeçara a cair.

– Muna me contou algo muito interessantequando estávamos saindo – comentou Majd.– Disse que Rashid ficara noivo cinco dias

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antes do acidente.“Muito estranho”, pensei. Daniel parece ternascido com outras memórias da vida deRashid e, aparentemente, nunca haviamencionado o fato de estar noivo. Mais umavez refleti sobre a natureza fragmentária dasmemórias de vidas passadas. Eram como

ma cópia de carbono malfeita – aqui e ali

identificava-se uma palavra, até mesmo umafrase, mas era impossível ter uma idéia dodocumento inteiro.

Lembrei-me das palavras de Stevenson,quando lhe perguntei por que mesmo entreos drusos, onde tais casos eram relativamente

comuns, ainda era rara a ocorrência dememórias de vidas passadas.

– talvez porque lembrar seja uma falha –disse ele. – Talvez devamos esquecer, masalgumas vezes acontece uma disfunção nos

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nossos sistemas e não esquecemoscompletamente.Na manhã seguinte, voltamos a Aley, paravisitar Latifeh, a mãe de Daniel, que nãoestava presente em nossa última entrevista.Stevenson queria rever alguns dos pontosiniciais daquele caso: o que Daniel disseraquando criança e como ele se encontrara pela

primeira vez com a família Khaddege.No apartamento de Daniel, depois detrocarmos gentilezas, Stevenson,

desdobrando um mapa da cidade, pediu aLatifeh que apontasse sua casa em Beirute, olugar onde Muna e Najla foram encontrar

Daniel pela primeira vez. Ela indicou uponto a menos de dois quilômetros da casa

da família Khaddege, um caminho quepoderia ser feito facilmente a pé. Depois davisita das duas irmãs de Rashid, Latifeh

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levou Daniel para visitar a mãe do rapaz.– Da primeira vez que fomos lá, nãoconhecíamos bem a vizinhança – disseLatifeh. – Estacionamos na rua principal eDaniel nos conduziu pelo resto do caminho.Não pediram orientação a Muna e Najlaporque pensaram que a casa de Kfarmattaera a única que a família possuía. Segundo

Latifeh, eles só souberam da existência dacasa dos Khaddege em Beirute através deparentes da família, que, por coincidência,

eram seus vizinhos em Aley.Olhei para Stevenson e imaginei se ele estariapensando o mesmo que eu. Uma das

características mais convincentes dos seusmelhores casos era a ausência de qualquer

contato entre as famílias envolvidas, antesque as memórias da criança começassem a semanifestar. Se as famílias jamais tivessem se

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encontrado e se não houvesse amigos ecomum, era impossível a criança ter obtidoinformações a respeito de sua personalidadeanterior. Até o momento, a história de Danielparecia se enquadrar nessa categoria. Mas,agora, essa prerrogativa estavacomprometida. Havia um elo potencialmenteentre os Jirdi e os Khaddege.

A mãe de Daniel percebeu nossa ansiedadequanto a uma possível contaminação dasafirmações feitas pelo filho e tentou nos

ranqüilizar. A vizinha era amiga de sua mãe,mas nunca havia sequer estado em sua casa.– Eles alugaram um apartamento perto de

minha mãe, em Aley. Mas tenho certeza deque Daniel nunca os encontrou antes de

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criança, que estava dirigindo um carro.Talvez a avó lhe tivesse dito que esperavaque ele, quando crescesse, fosse um motorista

id d i i d d

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cuidadoso, pois não queria perder seu amadoeto da mesma forma que os primos dos

vizinhos haviam perdido seu filho, nuacidente em que um carro em alta velocidadeperdera o controle em Military Beach. Elapoderia facilmente ter se esquecido do queinha dito ao neto. Mas, de alguma maneira,

Daniel pode ter se lembrado.

Eu não acreditava que esse tipo decontaminação tão retorcida fosse provável,mas era possível. Não seria de se esperar que

ma criança de dois anos ouvisse umaistória e lembrasse dela com tantos detalhes,como fez Daniel – o nome do motorista, o

ato de o carro ter perdido o controle, deRashid ter sido jogado para fora, do acidente

ter acontecido perto da água, da mãe deRashid estar tricotando um suéter para ele.Além disso, nenhuma história contada pela

ó li i h i f i

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avó explicaria os reconhecimentos feitos porDaniel – o caminho para a casa dosKhaddege, a irmã de Rashid, Ibrahim, e

outros.Latifeh contou ainda que, aos dois anos,Daniel falou “Quero ir para casa.” Algunsmeses depois, ele disse: “Essa não e a minhacasa. Você não é minha mãe. Eu não tenho

pai. Meu pai morreu.”– Ele se recusava a chamar Yusuf de pai –prosseguiu. – Chamava-o pelo nome e dizia:

“Meu pai se chama Naim.”– O que ele disse sobre o acidente? –perguntei.

– Disse que estava em casa comendo loubia(um prato feito com vagens) e que Ibrahi

chegou e o levou para o mar. Disse queIbrahim estava correndo. Ele pediu que fossemais devagar, mas o primo ignorou seus

l té d t l d

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apelos, até que perdeu o controle doautomóvel. Ele disse: “Fui jogado para forado carro e caí de cabeça.” Depois da batida,

contou que ouviu as pessoas falando sobre aremoção dos feridos. Quando seaproximaram, ele as ouviu dizer: “Deixe esseaí, está morto.”

Latifeh contou também que, quando Danielficou mais velho, depois de  já ter seencontrado com a família de Rashid, u

primo deste foi visitar a vizinha de sua avó.Seu nome era Jihad e ele e Rashidcostumavam caçar juntos. Daniel nunca o

vira.

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Pode não ser tão persuasivo quanto oslibaneses, mas existe. Após o jantar, viRicardo na varanda e fui ao seu encontro.

E t d it d ê

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– Estava pensando a respeito do que vocêdisse sobre relativa falta de casos entre oscristãos. A questão e a seguinte: se você

acredita que o poder da crença de umacultura é forteo suficiente para criar esse delírio coletivo eque crianças se lembram de dados específicosda vida de mortos que desconheciam, não é

preciso admitir que isso também funcione demaneira inversa? Que a crença cultural possareprimir memórias verdadeiras de vidas

passadas de tal maneira que elas só apareçaesporadicamente e de maneira fragmentada?Ricardo rejeitou a idéia:

– A reencarnação simplesmente não fazsentido. Quando participei da conferência da

população mundial, no Cairo, perguntei aum druso: “Se todos nós somosreencarnações de outras vidas, como você

explica o aumento populacional?” Sabe o que

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explica o aumento populacional? Sabe o queele me respondeu? “Não existe aumentopopulacional. O número de pessoas sempre

foi o mesmo.”Ricardo riu com vontade. Como se pode

egar a explosão populacional? Foi nessemomento que eu disse: “Chega.”

6O AMOR DAS SUAS VIDAS

No dia seguinte, fomos mais uma vez até aárea ao sul de Beirute. Diante de nós, aperspectiva de mais de uma hora de

ortuosas estradas em meio às montanhas.Enquanto Mahmoud desafiava os caminhões

que se aproximavam, perguntei a Majd arespeito do vocabulário árabe relacionado àreencarnação. Pensei ter identificado uma

palavra que sempre aparecia em suas

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palavra que sempre aparecia em suastraduções: takamous.– Literalmente, significa “trocando sua

camisa” – ela explicou. – Os drusos acreditaque o corpo é apenas uma roupagem para aalma e que, quando você reencarna, é comose mudasse de roupa. Takamous significa“reencarnação” em geral, mas, quando vocêse refere a uma pessoa que foi reencarnada,deve usar uma palavra diferente: natiq paraum menino, nataq para uma menina. A

tradução é: “aquele ou aquela que fala sobrea geração anterior”.Levei algum tempo para me dar conta da

importância dessas palavras. Em inglês oconceito de reencarnação – almas retornando

à carne – é de certa forma abstrato. Aqui elese referia a pessoas que se lembravam deuma vida anterior e afirmavam ter vivido no

passado Não num passado indefinível mas

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passado. Não num passado indefinível, masna geração anterior. Bastante diferente daidéia ocidental de regressão hipnótica em que

pessoas se lembram de ter vivido eWaterloo ou na antiga Babilônia (o próprioBrian Weiss afirmou ter visto a si mesmocomo um sacerdote da Babilônia, no topo datorre de um templo). Dessa forma é difícil ouimpossível obter-se qualquer comprovação.Esse é o ponto mais extraordinário erelação aos casos do Líbano – todos são

passíveis de verificação. Pode-se comparar asmemórias às informações dos parentes e doamigo morto.

Apesar de parecer comum que, por váriasgerações, as crianças tenham se lembrado de

vidas passadas, para muitos libaneses a idéiaainda é novidade. Um artigo de julho de 1977de uma publicação semanal de Beirute, e

língua inglesa chamada Monday Morning

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língua inglesa, chamada Monday Morning,me deu uma idéia da visão que a sociedadesecular mais ampla tem desses casos. O titulo

era: A REENCARNAÇÃO DE HANANMANSOUR e, abaixo dele, estava o seguinteresumo: “Suzy Ghanem, cinco anos, afirmaser a mãe de três filhos adultos, e estes estãoconvencidos de que ela realmente o é. Umavisão íntima do mais estranhorelacionamento familiar no Líbano de hoje.”Embora não haja pontos de exclamações, eles

estão presentes em todo o texto. A históriadiscorre sobre o tema com o mesmo nível deassombro que seria de se esperar num jornal

orte-americano:

Suzanne Ghanem tem cinco anos.Ela insisteem afirmar que não é Suzanne Ghanem. Eladiz aos pais que se chama Hanan Mansour,

que morreu após uma cirurgia nosEstados

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que morreu após uma cirurgia nosEstadosUnidos e que quer seu marido e filhos devolta. As famílias Ghanem e Mansour nunca

tinham ouvido falar uma da outra.Entretanto, Suzanne (Hanan?) procurou seusfilhos e entrou em contato com eles. Agora,os filhos– todos adultos – estão convencidos de quesua mãe é uma menina de cinco anos quemora em Shwaifat, uma área ao sul deBeirute.

Stevenson estava trabalhando no Líbano hádoze meses quando o artigo sobre SuzanneGhanem foi publicado. Como está sempre

atento às notícias locais, viu o artigo e visitou

Suzanne em março de 1978, oito meses após apublicação.Isso foi há vinte anos. Hoje, a menina é ma

mulher de vinte e cinco anos

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mulher de vinte e cinco anos.– Acho que Suzanne foi a pessoa que selembro do maior número de nomes – disse

Stevenson, ao me entregar uma pasta onde,um papel amarelado pelo tempo, li o

seguinte:“Hanan Mansour nasceu nas montanhasShouf, nos anos trinta. Com apenas dezesseisanos, casou-se com Farouk Mansour, uparente distante. Um ano mais tarde nasceusua primeira filha, Leila, seguida, dois anos

depois, por outra menina, Galareh. Nessaépoca, Hanan foi diagnosticada com uproblema cardíaco e aconselhada a não

engravidar outra vez. Mas, em 1962, ela teveum menino. Em 1963, seu irmão, Nabih, que

se tornara uma pessoa importante no Líbano,morreu num acidente aéreo. O acidente e amorte de Nabih foram muito comentados por

toda a comunidade drusa. Pouco tempo

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toda a comunidade drusa. Pouco tempodepois, a saúde de Hanan começou a sedeteriorar.”

Quando foi entrevistado, há vinte anos,Farouk disse a Stevenson que, dois anosantes de morrer, Hanan conversou sobre aprópria morte:– Ela disse que iria reencarnar e que teriamuitas coisas para contar sobre sua vidaanterior – falou Stevenson.Quando tinha trinta e seis anos, Hanan foi a

Richmond, na Virgínia, para se submeter ama cirurgia cardíaca de grande risco. Leilainha a intenção de ficar com a mãe, mas

avia perdido o passaporte e não viajou.Hanan tentou falar com a filha pelo telefone

antes da operação, mas não conseguiu. Nodia seguinte, ela morreu. Seu corpo foimandado de volta para Beirute.

Dez dias após a morte de Hanan, nasceu

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Dez dias após a morte de Hanan, nasceuSuzanne Ghanem. Sua mãe, Munira Ghanem,contou a Stevenson, pouco antes do

ascimento da filha: “Sonhei que ia ter umamenina. Encontrei uma mulher que abracei e

eijei. Ela disse: ‘Eu vou vir para você.’ Deviater uns quarenta anos. Mais tarde, quandome mostraram o retrato de Hanan, achei quese parecia com a mulher do meu sonho.”Stevenson releu as anotações.– Temo que haja uma falha técnica aqui –

disse ele, após algum tempo. – Geralmente,pergunto se ela comentou o sonho coalguém para que me seja possível confirmar,

mas, nesse caso, não perguntei.

Os pais de Suzanne contaram que ela falousuas primeiras palavras aos dezesseis meses.Amenina tirou o telefone do gancho e disse:

“Alô, Leila?” Quando, mais tarde, eles

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ô, e a? Qua do, a s ta de, e esouviram que Hanan tentara se comunicarcom a filha antes de morrer, ligaram os fatos.

Mas, na época, não faziam idéia de queseria a pessoa com quem ela estava falando.Quando ficou mais velha, a menina disse queLeila era uma de suas filhas e que ela não eraSuzanne, mas Hanan.Quando lhe perguntaram “Hanan de quê?”,ela respondeu: “Minha cabeça ainda épequena. Esperem até que ela cresça e talvez

eu lhes diga.”E, segundo seus pais, disse mesmo. Aos doisanos ela já tinha citado o nome de seus outros

ilhos, de seu marido, Farouk, e de seus pais eirmãos: ao todo, treze pessoas. Ela falava

coisas como: “Minha casa é maior e maisbonita do que essa.” Algumas vezes ela diziapara o pai: “Eu te amo. Você é bom para

mim, como meu pai, Halim, costumava ser. Éi i ê ”

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, p , ,por isso que eu aceito você.”Halim era o nome do pai de Hanan.

Como no caso Jirdi, um amigo que tinhaconhecidos na cidade onde a famíliaMansour morava acabou descobrindo que osfatos ligados à história contada por Suzannecorrespondiam à vida de Hanan. Os Mansourouviram falar da menina de Shwaifat eresolveram visitá-la.Suzanne tinha cinco anos quando Stevenson

a encontrou. Mesmo depois de tudo o quepresenciara em suas pesquisas com crianças,ele achou que a ligação da menina às suas

memórias de outra vida era excepcional.

– A história acabou criando problemas.Suzanne ligava para Farouk, o marido deHanan, três vezes por dia. Quando ia visitá-

lo, sentava em seu colo e descansava a cabeçait El d

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, çem seu peito. Ele se casara de novo, com umaamiga de Hanan, mas estava tão preocupado

com a reação de Suzanne que lhe escondeu ofato. Entretanto, a menina acaboudescobrindo e cobrou dele: “Mas você medisse que nunca mais amaria outra pessoa.”Farouk não se lembrava de ter dito tal coisa aHanan. O máximo que admitiu foi: “Bem,pode ser que eu tenha dito algo parecido.”Chegamos à casa da família Ghanem no final

da tarde. Munira e Shaheen, os pais deSuzanne, nos receberam e nos conduziraaté uma sala estreita, onde fomos saudados,

num inglês perfeito, por Hassam, o irmão

mais velho de Suzanne. Alguns minutos maisarde a moça apareceu.O artigo do Monday Morning dizia que a

família da criança “via uma tristeza profundaS ti d l ” N fi l d

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ç pem Suzy e sentia pena dela”. No final doartigo, o autor relatava que “ao sair, olhei

para trás e vi a menina que me observavapela janela. Seus olhos castanhos estavacheios de lágrimas”.Agora, em pessoa, os olhos castanhos deSuzanne eram seu traço mais marcante epareciam mesmo tristes. Vestida com calçaseans e um suéter azul, ela ficaria perfeita equalquer um dos grupos de alunos da

Faculdade de Miami, onde dei algumasaulas.Seu rosto era redondo, sua pele parecia

alabastro e sua expressão um tanto fechada.Ela nos olhou diretamente nos olhos, mas

como se estivesse bem distante. Disse-nosque completara dois anos de faculdade eBeirute e que agora estava ensinando inglês a

crianças de sexta e sétima séries, embora nãofalasse tão bem quanto o irmão

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falasse tão bem quanto o irmão.Stevenson começou a entrevista da maneira

sual, perguntando se ela ainda tinhalembranças de sua vida anterior. Suzanne

esitou, pareceu não entender bem apergunta. Porém, antes que Majd pudesseraduzir, Hassam interrompeu, em inglês:

– Ela não admite isso para nós. Talvez admitapara vocês.Suzanne lançou-lhe um olhar

incompreensível. Mas Hassam continuou aconversar conosco, parecendo quererexplicar:

– Um rapaz que dizia ser a reencarnação doirmão de Hanan quis se encontrar co

Suzanne. Ela se recusou porque não queriaremexer naquelas emoções. Mais tarde,quando o rapaz morreu, ela ficou muito

abalada.Suzanne levantou se muito abruptamente e

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Suzanne levantou-se muito abruptamente esaiu da sala, como se tivesse lembrado de

algo que precisasse fazer com urgência. Leveialguns instantes para perceber que ela estavachorando. Hassam prosseguiu, sedemonstrar surpresa pelo comportamento dairmã.– Suzanne é muito sensível em relação a esseassunto. Houve um caso no qual ela atuoucomo mediadora entre duas famílias: a

anterior, que queria ver a criançareencarnada, e a atual, que não queriapermitir o encontro. Ela conseguiu convencê-

los a deixar a criança conhecer a primeiraamília.

Ficamos ali, constrangidos, até que Suzannevoltou, ainda com lágrimas nos olhos.Stevenson perguntou se ela gostaria de fazer

uma pausa.Não disse ela Estou bem Ele perguntou

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– Não – disse ela. – Estou bem.Ele perguntouovamente se ela ainda tinha lembranças.

– Não me recordo de fatos, mas ossentimentos continuam dentro de mim.– Quando foi a última vez que você viuFarouk?– Há quatro anos. Ele veio até aqui.Stevenson dirigiu-se aos pais da moça:– Quantos anos Suzanne tinha quando paroude telefonar para Farouk todos os dias? Eles

sorriram.– Não parei – disse Suzanne. – Ainda telefonopara ele.

– Com que freqüência?

– Sempre que tenho vontade. Talvez mais deuma vez por semana. – Um sorriso irônico seabriu em seu rosto. – Ele tem medo da nova

mulher. Agora ela estava falando em árabe.Majd traduziu a resposta O que Suzanne

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Ma jd traduziu a resposta. O que Suzannesentia em

relação a Nadir, a “nova mulher”? Ela deuuma risada curta e amarga e respondeu einglês:

– Nada.– Você a perdoou por ter se casado coFarouk?– Perdoei – respondeu com um meio sorriso.

Perguntei à mãe de Suzanne, e Majdraduziu, como ela se sentira quando a filhacomeçou a falar sobre uma vida passada,

afirmando que pertencia a outra família.

– Não me preocupei – respondeu Muna. –Isso é muito comum. Mas quando Suzanneestava chorando, sofrendo, pegando no

telefone e chamando repetidamente pelafilha Leila sofri com a dor da minha menina

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filha, Leila, sofri com a dor da minha menina.Alguns minutos mais tarde, Stevenson fez a

Suzanne a pergunta com que sempre fechavaas entrevistas:– É bom lembrar-se de vidas passadas?

Depois de tudo o que ouvi, fiquei surpresoquando a moça aprumou o corpo, olhou-odiretamente nos olhos e disse, quase coraiva:– É bom, sim. Minha família anterior está

contente em saber que ainda estou por aqui eeu me sinto aliviada por ter visto de novomeus familiares do passado. Perguntei a

Munira e Shaheen o que eles se lembravado comportamento de Suzanne, quando

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que o número estava certo, exceto pelos doisúltimos dígitos, que estavam invertidos.– É muito engraçado. Quando Helene, a irmã

de Hanan, vem aqui, fala com Suzanneexatamente como se falasse com Hanan. Ela

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exatamente como se falasse com Hanan. Eladiz coisas como: “Estive falando com Mira,

aquela menina que estudou conosco noprimeiro grau.”De acordo com o artigo do Monday Morning,

o início a família Mansour ficara cética erelação à história de Suzanne. Eaimportantes e ricos e temiam que os Ghanepudessem estar atrás de algum dinheiro. Masa menina logo os convenceu quando, entre

outras coisas, identificou fotografias nuálbum de família. Ela as examinou diante dorepórter, que descreveu a cena:

Suzy identificou todos os parentes e disseseus nomes com precisão. “Este é meu irmão

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aqueles que estavam ao lado de Hananquando ela fez tal pedidoO que eu poderia deduzir de tudo aquilo? O

encontro com a família Ghanem me dava aforte impressão de que não se tratava de uma

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p qfraude: a emoção era verdadeira demais, a

sinceridade da família era visível.Mas, e o auto-engano?Seria possível que Nabih Mansour fosse tão

famoso a ponto de, nove anos depois de suamorte, uma criança fantasiar ter sido suairmã? Ou fazer com que os pais da meninainterpretassem algumas observações fortuitascomo prova da relação de sua filha com a

família de um herói morto e as moldassepara que correspondessem a fatos, nomes erelacionamentos que viera a conhecer sobre a

família de Nabih?

Mais uma vez, entretanto, como no caso deDaniel e dos Khaddege, nem essasinverossímeis possibilidades explicaria

udo o que Suzanne fora capaz de dizer. Nãopude deixar de pensar que poderia haver

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p p q pma explicação “normal”, apesar de remota,

para o conhecimento demonstrado porSuzanne: os Ghanem tinham uma crença tãoarraigada na reencarnação que,

inconscientemente, manipularam asafirmações da filha. E os Mansour desejavatão desesperadamente acreditar que Hananhavia retornado que acabaram sendoconiventes, elaborando ainda mais,colocando novas afirmações na boca deSuzanne, através de um eficiente processo desugestão.

Stevenson havia dito que não entrara econtato com os Mansour nessa viagem,

embora os tivesse entrevistado antes. Nãosabia se eles concordariam em nos encontrar.Mas eu desejava intensamente estar com eles.

Durante pelo menos meia hora Suzannepermaneceu em silêncio, enquanto a família

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p qcontinuava falando. Então, de repente, se

que ninguém lhe perguntasse, Suzannecontou algo que, segundo ela, jamais haviarevelado a ninguém: ela tinha conversado

com o rapaz que afirmara ser o irmão deHanan. Mais do que isso, ela sentira umaprofunda ligação com ele. A família ouviucom surpresa:– Eu estava na vila quando um homem seaproximou de mim – ela começou. – Elemereconheceu, mas não como Suzanne. Ele mereconheceu como Hanan. Disse que era

Nabih renascido. Tinha mais lembranças doque eu. Sua família havia reprimido suas

memórias e, talvez por isso, elas ficaram maisfrescas em sua mente. Ele me abraçou e mebeijou. Eu chorei.

Ao voltar para o hotel, refleti sobre osacontecimentos dos últimos dias e sobre

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minha reação a eles. Havia uma certeza e

minha mente: aquelas pessoas não tinham opropósito de nos enganar. Era difícilimaginar o que alguém lucraria em promover

o próprio caso, sobretudo ente os drusoslibaneses, onde os casos eram comuns. Orelacionamento com a “família anterior” nãotrouxera qualquer benefício material, emuitas vezes os benefícios emocionaispareciam estar acompanhados por unúmero equivalente de complicações.Mas por que eu estava especulando tanto?

Por que me recusava a aceitar a explicação

mais óbvia: a de que os casos eraverdadeiros?descobriram que, enquanto ela passava por

aquele problema, na casa da família que elahavia reconhecido em sua visão uma criança

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havia morrido ao nascer.

Stevenson não demonstrou grande interesse.Sabia melhor do que qualquer um que ashistórias ouvidas em segunda mão, na

maioria, não conseguiam se sustentar.– Você tem os nomes e os números detelefone dos sujeitos envolvidos? – perguntouele. O homem deu um passo para trás.– Eu lhes telefono – disse ele.Enquantotomávamos um uísque antes do jantar,perguntei:– Acha que aquele homem vai ligar?

– Ele parecia um tanto possessivo em relaçãoao caso – disse Stevenson tranquilamente. –

Eu mesmo tenho alguns casos que chamo de“quase-morte, quase vida”. Um deles eraastante parecido com o que ele descreveu.

Havia uma mulher inconsciente que,segundo os médicos, estava próxima da

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morte. Quando voltou a si, ela disse que

inha se visto diante de uma mulher queacabara de dar à luz e contou que se sentiucompelida a empurrar-se para dentro do

corpo do recém-nascido. Mas, quando iaazê-lo, pensou no amor que sentia por suaamília e afastou-se.

– Interessante – comentei – que em ambos oscasos elas tenham dito que iriam entrar nahora do nascimento e não da concepção.– Não é mesmo? – disse ele, sorrindo.– Tenho pensado numa coisa – eu prossegui.

– Quando as pessoas afirmam que, nopassado, foram uma outra pessoa, mesmo

que a reconheçam, acho que elas tambépoderiam concluir que sintonizaramentalmente uma outra vida. Seria um caso

mais de percepção extra-sensorial do que devidas passadas.

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Stevenson pensou um instante.

– Não é só a memória que está envolvida –respondeu. –Quando as pessoas ainda sãocrianças, elas dizem: “Eu tenho uma esposa”,

ou “Eu sou médico”, ou “Eu tenho trêsbúfalos e uma vaca.” Elas são apersonalidade anterior e resistem àimposição de uma nova identidade. Danieldisse a Latifeh: “Você não é minha mãe.Minha mãe é uma sheikka.” Tive um caso naTailândia de um homem que, quandocriança, recordava-se de ter vivido a vida do

irmão de sua mãe. Ele afirmava que, quandoestava deitado de costas no berço, sentia que

era um homem adulto e tinha todas asmemórias de sua vida passada. Mas, cofreqüência, algum adulto intrometido virava-

o de bruços e, então, ele se tornava apenasum bebê indefeso  em seu berço. Como uma

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tartaruga, ele lutava para conseguir virar o

corpo para o outro lado.– Entretanto – disse eu –, de um modo geral,se a reencarnação é a explicação para esses

casos, ela é um processo que produzmemórias muito imperfeitas e incompletas. Oque eu quero dizer é que não houve nenhucaso de alguém que tivesse lembrançasperfeitas e completas de uma outra vida.– É verdade, nossos casos no Líbanoapresentam uma média de trinta lembranças.De fato, não é muito. Mas, como você

constatou com Suzanne, podem existir

também algumas lembranças emocionaismuito fortes.– Eu queria lhe perguntar uma coisa – eu

retornei. – Na palestra, quando vocêrespondeu à pergunta sobre sua“ ” d d d

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“mensagem”, dizendo que desejaria que os

médicos considerassem a reencarnação comoma das explicações para defeitos deascença, achei tão... sei lá... tão pouco.

Afinal, estamos falando de reencarnação.Comparado a isso, o diagnóstico de defeitosde nascença é um ponto sem importância,

ão é?Surpreendi-me quando ele defendeu suaresposta com fervor:– Os pais das crianças que nascem coalguma deformidade sentem-se muito aflitos

por não saberem a causa. Talvez atéacreditem que, de alguma forma, são

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Eu havia lido a palestra muito tempo atrás,logo após nosso primeiro encontro eCharlottesville, e sua leitura havia dissipado

qualquer preocupação que eu ainda pudesseter em relação à sua seriedade intelectual.I d d t d d ã

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Independente de concordar ou não com as

idéias contidas na palestra, não haviadúvidas de que eram bem pensadas eexpressadas de forma eloqüente. Lembrava

os escritos do século dezenove, quando oscientistas também podiam ser escritores,historiadores e filósofos, quando não tinhamedo de expor seus pensamentos e discutirem público assuntos imponderáveis. Até alinguagem parecia relíquia do passado. Aescolha de palavras formais e respeitáveis eas citações provenientes de uma variedade de

fontes fidedignas me faziam tomar

consciência de como minha perspectiva eralimitada.Mas eu também estava intrigado pelo to

sutil de amargor, ou pelo menos de mágoa eperplexidade aparente no texto. Stevensonti l t t b lh l

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sentia claramente que o trabalho ao qual

dedicara toda a sua vida era objeto deescárnio ou simplesmente ignorado por seuspares, os cientistas mais importantes.

Este sentimento estava presente desde osegundo parágrafo. “Para mim”, escreveu,“tudo em que os cientistas acreditam agoraestá aberto a mudanças, e eu fico consternadoao perceber que muitos cientistas aceitam oconhecimento atual como algo imutável.”Num outro parágrafo, ele acrescenta, nutom meio jocoso: “Se os hereges pudesse

ser queimados vivos nos dias de hoje, oscientistas – sucessores dos teólogos, que

queimavam qualquer um que negasse aexistência de almas no século dezesseis – hojequeimariam aqueles que afirmam que elas

existem.”Na maior parte do texto, entretanto,Ste enson fala com surpreendente franque a

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Stevenson fala com surpreendente franqueza

sobre sua própria evolução. Ele atribui à suamãe o início de seu interesse pela relaçãoentre o espiritual e o material. Ela fazia parte

da teosofia, um movimento místico do fim doséculo dezenove, que Stevenson descrevecomo “um tipo de budismo simplificado”para os ocidentais.Mas houve um momento em que o textochamou a minha atenção. Lembro-me deestar na sala de minha casa, tarde da noite.Não estava bem certo do que procurava

aquela fotocópia da reedição de uma

palestra e meus olhos começavam a ficarembaçados quando li o seguinte:Enquanto ainda estava envolvido com a

psicanálise, comecei a fazer experiências codrogas alucinógenas (talvez melhordenominadas psicodélicas) Experimentei

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denominadas psicodélicas). Experimentei

várias delas, na tentativa de encontraralguma que pudesse auxiliar os psiquiatrasem suas entrevistas e sessões de psicoterapia.

Numa de minhas experiências com LSD, tivetambém uma vivência mística: uma sensaçãode unicidade com todos os seres, todas ascoisas. Depois disso, passei três dias eperfeita serenidade. Acredito que, como eu,muitas pessoas poderiam beneficiar-se dautilização de drogas psicodélicas, sobsupervisão médica – a única maneira sensata

de usá-las. Opa!

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pesado de drogas psicodélicas podem ir, ecom freqüência vão, muito além de umaeuforia temporária. Na verdade, minha

experiência com essas drogas nunca foi deeuforia, mas de um trabalho árduo queculminava em momentos onde eu alcançava

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culminava em momentos onde eu alcançava

um discernimento verdadeiro e duradouro.Não se pode negar a imensa força destrutivaque induz ao abuso dessas poderás

substâncias. O risco de danos físicos epsicológicos é provavelmente grande demaispara que valha a pena usá-las. Mas també

ão posso negar, no meu caso e no de muitaspessoas que conheci naquela época e cujasvidas tenho acompanhado, que taisexperiências foram úteis, exatamente damesma maneira descrita por Stevenson.

Ele não afirma com todas as letras, massugere que a experiência com o LSD reforçou

seu senso de que há algo além do material naconsciência humana, algo que deixou, porentre as descargas dos neurônios e as cordas

retorcidas do DNA, um lugar para umaentidade como a alma, capaz de sobreviver àdecadência física da matéria cerebral Mas o

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decadência física da matéria cerebral. Mas o

interessante é que tal experiência nãodiminuiu em nada sua fé na ciência como a

nica maneira de se comprovar ou não a

veracidade dessa idéia.“Por mais impressão que nos causem, asexperiências místicas são incomunicáveis, ao

passo que as observações científicas são edevem ser comunicáveis: não existe ciênciasem demonstrabilidade pública. Isso significaverificação independente.”Foi exatamente o que primeiro me atraiu no

rabalho de Stevenson. O que ele sempre dizé: “Veja o que encontrei. Examine do jeito

que quiser. Faça suas próprias perguntas,elabore testes de verificação que eu tenhadeixado de fazer e, se conseguir uma

explicação mais racional para esse fenômeno,por favor, conte-me.”Isso é ciência – mesmo que envolva questões

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Isso é ciência mesmo que envolva questões

que muitos cientistas não levam a sério.Naquela noite, durante o jantar, com ogravador ligado, tentei completar os vazios

da história de Stevenson e entender melhorcomo ele foi parar ali, em Beirute, aos quasesetenta e nove anos, aprumado como uma

vareta, sentado diante de uma mesa cobertacom uma toalha branca, ao fim de um longodia de visitas a pessoas que renasceram. Àsvezes eu fazia algumas perguntas, mas, namaior parte do tempo, ele falou por si

mesmo, começando do início.

Stevenson nasceu em Montreal, em 1918. Seupai estudou em Oxford e era correspondente-chefe do The Times of London.

– Esse posto era quase semi-oficial – disse ele,parecendo refletir bem sobre cada palavraantes de proferi-la. – O Times tinha

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antes de proferi la. O Times tinha

correspondentes por todo o mundo.Ele se interrompeu por uns segundos,olhando fixamente pela janela, como se

tentasse ver algo muito distante. Depois,voltou-se para mim.– É difícil descrever agora o período entre as

duas guerras. Talvez seja mais fácil você teruma idéia se eu lhe contar que o predecessorde meu pai recebeu o título de cavaleiro,tamanha era a importância do posto decorrespondente-chefe do Times numa capital

importante como Washington ou Ottawa. Elecostumava voltar para a Inglaterra a cada

dois anos. Muitas vezes levava um de nós. Euera o segundo filho e tinha dois irmãos e umairmã.

O pai de Stevenson era um homem distante,envolvido mais com a carreira do que com aamília e, embora tivesse por ele um imenso

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amília e, embora tivesse por ele um imenso

respeito, Stevenson era mais ligadoemocionalmente à mãe.– Minha mãe era uma esposa extraordinária.

Ela encora java as minhas leituras. Devo aelas, também, meu primeiro contato com oque hoje é chamado de fenômeno

paranormal. Ela possuía uma enormequantidade de livros sobre teosofia, religiõesorientais e a Nova Era, chamada então deNovo pensamento. O poder da mente sobre amatéria, da mente sobre o corpo. Ela passou

por uma curta fase de interesse em CiênciaCristã, mas minha mãe era independente

demais para ligar-se a uma determinadareligião.Stevenson terminou o segundo grau aos

dezesseis anos e foi mandado para umaescola na Inglaterra. Ganhou uma bolsa deestudos da Universidade de St. Andrews, na

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,

Escócia, onde estudou durante dois anos.– Comecei a estudar história – recordou-se. –Sempre fui fascinado pelo assunto. Ainda

leio história por prazer, mas achei que nãome serviria como profissão. O jornalismotambém não me atraía. Muito do que meu pai

escrevia me parecia crítico e destrutivo, seoferecer muita contribuição para o bem-estarda humanidade. Então, decidi estudarmedicina.Em 1939, ele se transferiu para aUniversidade McGill, em Montreal, onde

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onde consegui fazer minha especialização.Como era um dos melhores alunos daMcGill, não tive dificuldades para conseguir

ma vaga. Passei por uma fase de interesseem bioquímica. Gostava daquilo. Sempregostei de tudo o que fiz. Mas depois achei

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g q p

que ainda não era o trabalho ao qual gostariade me dedicar. Senti que precisava estar maisperto das pessoas. Então, fui para o New

York Hospital, da Escola de Medicina deCornell, onde fiquei dois anos pesquisandomedicina psicossomática, principalmente as

arritmias cardíacas resultantes de distúrbiosemocionais. Costumava entrevistar pacientesligados a eletrocardiógrafos, conversandocom eles sobre suas tensões do dia-a-dia,para, então, observar as mudanças em suasfunções cardíacas. Estávamos interessadosem discutir por que, quando estressada, uma

pessoa pode desenvolver asma, uma outra,pressão alta, e uma terceira, problemascardíacos. Na verdade, jamais chegamos a

uma conclusão que me deixasse satisfeito eembora hoje muitos possam pensar que todaessa questão é absurda, ela ainda me fascina.

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q

– Fui então convidado para trabalhar naUniversidade do Estado de Louisiana. Fuipara lá em 1949 e fiquei sete anos fazendo

pesquisas. Interessei-me pelas drogasalucinógenas. Tomei e receitei algumas epubliquei estudos sobre o assunto. Isso deve

er sido no início dos anos cinqüenta.– De certa forma, esse foi o começo dasmodernas idéias bioquímicas sobre osmecanismos das doenças mentais. Fiqueiinteressado em saber que efeito essas drogaspoderiam ter no tratamento de pacientes e nacompreensão de várias doenças mentais. Eu

as tomei e arregimentei residentes e pacientespara experimentá-las.– Estávamos interessados no LSD como uma

ferramenta terapêutica para despertarmemórias. Eu mesmo recobrei algumasmemórias. Lembre-me de ter sido

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circuncidado, não quando criança, mas maisarde. Minha mãe me levou sem dizer aondeíamos. Ao chegar, quatro homens

corpulentos me seguraram. Meu rosto foicoberto por uma máscara com éter e acordeicom o pênis inchado. Eu não tinha esquecido

disso, mas com o LSD tudo me voltou amente com uma força extraordinária.– Em geral, minha experiência com as drogaspsicodélicas foi muito boa. Por exemplo, elasmudaram minha perspectiva em relação àbeleza física. Minha primeira mulher era umaartista com uma extraordinária percepção

sensorial. Eu era míope e nunca prestei muitaatenção ás cores e formas. A mescalina abriuum mundo novo diante de meus olhos. Não a

estou recomendando a todos e certamente elanão deve ser usada sem uma rigorosasupervisão médica, mas eu a considero

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benéfica.– Essa experiência é realmente indescritível,muito difícil de exprimir em simples

palavras. Entretanto, meu interesse peloparanormal vem da influência de minha mãee é anterior às minhas experiências com o

LSD. Mas talvez elas tenham reforçado ointeresse.– Durante os anos que passei em NovaOrleans li muito sobre o que seria chamadode literatura paranormal. Nos meus últimostempos lá, a título de experiência, comecei aescrever uns poucos artigos e críticas de

livros, além dos relatórios das minhaspesquisas convencionais que estavam sendopublicados em revistas médicas.

– Em 1957, aos trinta e nove anos, fui paraCharlottesville como chefe do departamentode psiquiatria. Naquela época, eu já tinha u

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certo nome como pesquisador tradicional,mas sabia que queria fazer alguma coisaligada aos fenômenos paranormais. Quando

ui entrevistado na Universidade de Virgínia,falei sobre meu interesse. Não pareceraassustados. Eu tinha outros objetivos

ambém.– Acho que meu interesse especial pelareencarnação vem desde a infância, pois era aparte central do estudo da teosofia. O quehouve é que, como eu era muito interessado,comecei a encontrar, em livros, jornais erevistas, relatórios de casos individuais de

memórias de reencarnação. No final, reuni aotodo quarenta e quatro casos. Ao compará-los, vi que tinham em comum o fato de, e

sua maioria, envolverem crianças pequenas,entre dois e quatro anos, que falavam delembranças de vidas passadas por um breve

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tempo, até atingirem oito anos. Mas erapreciso  juntar os casos para que isso seornasse óbvio. Alguns não passavam de

istórias  jornalísticas triviais, mas outroseram consideravelmente mais sérios. Evários casos, alguns adultos cautelosos

haviam feito uma séria pesquisa a respeito doque as crianças disseram. E em três casosalguém havia feito um relatório das palavrasda criança antes que as afirmações fosseverificadas.– Na ciência os números são importantes e,para mim, os quarenta e quatro casos

indicavam claramente que ali havia algo quemerecia um exame mais atento. Os casoseram de diferentes países e vinham de fontes

de diversos tipos. Eu não conseguia imaginarque todos pudessem ser uma fraude ouilusão.

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– Concluí que, se outros casos pudessem serencontrados e estudados mais cedo e comais cuidado, aquela poderia ser uma linha

de investigação bastante promissora. Nãoimaginei que eu mesmo iria colocar apesquisa em prática. Mas apresentei u

ensaio sobre o assunto para concorrer a uprêmio oferecido pela Sociedade Americanade Pesquisas Medicas e venci. Isso foi e1960.– Algum tempo depois, a chefe da Fundaçãode Parapsicologia em Nova York meelefonou dizendo que tinha um relatório

sobre um caso na Índia similar àquelesdescritos no meu ensaio e perguntando se eutinha interesse em vê-lo de perto. Recebi uma

pequena subvenção e saí de férias.No futuro. Eu havia lhe perguntado isso ema de nossas conversas anteriores – se ele

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tinha “alguma experiência pessoal quereforçasse a idéia de que existe areencarnação”.

Ele apenas se sentou ainda mais ereto, coma expressão fechada no olhar, e disse:

– Nenhuma que mereça ser discutida.

Olhei para Galareh, que havia se acomodadouma cadeira do outro lado da sala, o rosto

ainda sombrio, mas aparentementeconformada com a força da presença domarido.– Somos da Virgínia. Só estamos de visitas noLíbano – continuou ele. – Li um artigo no

Washington Post no outro dia que dizia quevinte e nove por cento dos norte-americanosatualmente acreditam na reencarnação.

Como um professor que desfilava os pontosmais importantes de seu currículo, ele sevirou para Stevenson:

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– Basicamente, as pessoas que se lembram devidas passadas morreram de forma abrupta:acidentes, violência, um choque. A maioria

não se lembra. Mas como o senhor e eusabemos, todas as vidas ficam guardadas nosubconsciente.

Olhei para Stevenson procurando ver suareação. Ele permanecia sentado, os braçoscruzados sobre os joelhos, sem esboçar seumeio sorriso. Virei-me outra vez paraGalareh, com visível desconforto.– Você fez alguma regressão? – perguntei.

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mãe, e disse aquelas coisas, me tratou comouma filha.– Foi, de alguma forma, reconfortante? –

perguntei. –Pensar que sua mãe não haviapartido para sempre? Galareh parecia sofrer.– Foi minha primeira experiência com a

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reencarnação – respondeu, a voz quasesumindo. Desviou o olhar. – Foi um choque.Muito difícil. Já tinha ouvido histórias, mas

nunca tinha visto nada pessoalmente. Foimuito perturbador. Durante muito tempo eunão queria mais ouvir falar no assunto.

– Como aconteceu o artigo?– Eu tinha uma amiga. Uma jornalista. Conteia ela sobre Suzanne e ela foi até lá comigo... –Parecia prestes a chorar. – Isso dividiu afamília – acrescentou. E silenciou, soltando opeso do corpo sobre a cadeira.

Observei que, num canto, Majd e Faroukconversavam em voz baixa. Stevenson estavaexplicando que pretendia publicar um relato

sobre o caso de Suzanne.Makarem foi o único druso capaz de escreverum texto competente sobre a religião numa

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língua ocidental.Eu havia me encontrado com Makarem nanoite anterior, na palestra de Stevenson. Era

um homem de grande magnetismo, quaseangelical, que falava com precisão,distribuindo as palavras como se cada uma

ivesse sido moldada isoladamente, apósma reflexão profunda. Perguntei a ele se

achava que os drusos gostariam de ter provas

científicas da reencarnação.– Os drusos aceitam a reencarnação comoverdade – explicou ele. – Mas na religiãodrusa o maior objetivo a se atingir é a

unidade com Deus, a realidade fundamentalnessa vida. Makarem havia convidadoStevenson e eu para jantar e foi para sua casa

que nos dirigimos quando deixamos Farouk.O apartamento de Makarem parecia umuseu abarrotado de peças de arte e

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antiguidades. Assim que nos sentamos nasala de visitas, chegou Elie Karam, opsiquiatra cristão que na festa de Majd

defendera com veemência a importância daspesquisas dos casos de reencarnação entre osdrusos. Estava acompanhado de sua mulher,

uma psicóloga de presença marcante.– Tenho uma história para lhe contar – disseKaram a Stevenson, enquanto tirava o casaco

e se sentava. – Minha assistente assistiu à suapalestra ontem à noite. Depois, ela foi paracasa e comentou o assunto com seu irmão devinte e cinco anos. Ambos são cristãos

maronitas. Ele disse: “Eu tive uma vidaanterior.” Assim, de repente. Ele nunca tinhafalado sobre o assunto. E contou: “Só me

lembro que eu era um homem alto, quemorava nos arredores de Viena e que morrinum acidente de automóvel.” Então, ela

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perguntou: “Por que você nunca falou sobreisso?” E ele respondeu: “Falei quando tinhaquatro anos, mas nossos pais nunca me

ouviram.”– Minha assistente chamou a mãe eperguntou a respeito – prosseguiu Karam. –

Ela não se lembrava de ter ouvido falar sobreuma outra vida, mas disse que o meninotinha uma fobia terrível. Sempre que entrava

num carro começava a gritardesesperadamente, a ponto de, várias vezes,ter sido deixado para trás.Makarem deu uma boa risada.

– Eu também tenho uma história – disse ele, –Conheço uma família drusa que me contouque, quando o filho era pequeno, falava uma

língua estranha que, mais tarde, descobriraser japonês. Mas só descobriram isso quandosaíram com o menino e ele ouviu alguns

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aponeses conversando na rua. Sem que ospais conseguissem detê-lo, saiu correndo egritando, afirmando que estava entendendo

tudo. Quando o alcançaram, ele conversavacom aquelas pessoas, em japonês. Disse quese lembrava de ter sido um imigrante chinês

o Japão. Lembrou-se até mesmo de seuantigo endereço e escreveu uma carta parasua irmã de outra vida, que resolveu visitá-

lo. Ele falava tanto sobre sua vida passadaque sua mãe tinha medo de deixá-lo ir para oJapão, pois temia que ele não quisesse voltar.

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insinuar que abrigavam em suas casas areencarnação de um soldado imperial.– Uma criança, num caso comovente, foi

presa pelos habitantes de uma vila equeimada viva – contou Stevenson. – E essascrianças não apenas nascem em famílias

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irmanesas que não querem ter nada a vercom os japoneses, mas, frequentemente,sonham em “voltar para Tóquio”, acham que

a comida birmanesa é temperada demais eque o clima é muito quente. Reclamam oempo todo: “Quero peixe cru e doces, e

quero me vestir como um japonês.” Seja lá oque for, isso não pode ser genético.Achei estranhamente agradável poder ouvir

aquelas histórias sem ter que me preocuparem determinar se seriam verdadeiras ou não.O que me fez lembrar do marido de Galareh.

Contei o que ele havia dito naquela tardesobre a cura com água benta.– Vocês conhecem esse homem santo de

quem ele falou? – perguntou Stevenson.Karam riu.– Há centenas deles – respondeu secamente e,

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então, prosseguiu.– Uma noite fui ver um curandeiro que tinhase tornado muito conhecido. Havia dez mil

pessoas lá. O su jeito disse: “Um de vocês queestá me vendo tem um tumor no cérebro.Mas será curado.” Mais tarde, encontrei u

amigo que tinha um tumor cerebralinoperável. Contei a ele o que tinhapresenciado e ele me disse: “Era de mim que

ele estava falando.” Acontece que meu amigoestava vendo o curandeiro pela televisão eficou convencido de que aquelas palavrashaviam sido dirigidas diretamente a ele.

Disse que, naquele mesmo instante, começoua se sentir melhor. Estava tão fraco que malconseguia se mexer e, de repente, sentiu-se

bem outra vez. Agora que estava curadopretendia passar duas semanas na Itália coa mulher.

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Conheci a mulher dele também. Falei com elae implorei para que o fizesse confirmar a curaatravés de um exame de ressonância

magnética. “Se não for por causa dele, queseja pelo bem da igreja. Eles precisam dessetipo de prova”, insisti. Ela respondeu: “Ele

está bem, mas vou fazer isso porque você estáme pedindo, quando voltarmos da Itália.”Viajaram por duas semanas, como planejado,

divertiram-se bastante e, então, ele morreu.Acho que grande parte da fraqueza não eracausada pelo tumor, mas pela gravedepressão que ele sentia devido àquela

situação. A simples esperança de que tivessesido curado deu-lhe novo ânimo. A euforiade acreditar que havia escapado da morte

pode ter trazido uma energia que permitiuque ele se sentisse normal por duas semanas,antes que o tumor o matasse.

“P l ” i “ b h

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“Pelo menos”, pensei, “o pobre homeconseguiu viajar para a Itália e se divertir.”9

NEW JERSEY É UM ESTADO DE ESPÍRITOPelo menos num aspecto o marido deGalareh estava certo: um incontável número

de crianças que afirmavam lembrar-se devidas passadas contavam que haviamorrido de forma violenta. Em nossa

primeira manhã no Líbano, Stevenson haviamencionado um estudo segundo o qualcinqüenta a sessenta por cento de seus casosna Índia envolviam mortes violentas, embora

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e uma mulher que acreditava ter sido umalavadeira morta pelo marido bêbado.E ainda era sexta-feira de manhã. Eu não

sabia, mas antes do pôr-do-sol ficaríamos apar de muitas outras carnificinas.Nossa primeira parada foi novamente e

Al d á d t íd d

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Aley, numa das áreas destruídas por ondeavíamos passado no outro dia. Seguindo asinstruções de mais um dos antigos mapas

desenhados à mão por Stevenson, Mahmoudestacionou o Mercedes na frente do que udia fora uma casa de pedra, mas agora era

uma carcaça sem teto e sem janelas, com uenorme buraco no lugar do vestíbulo. Saímosdo carro e Stevenson tentou orientar-se pelos

pontos de referência que conseguirasobreviver à destruição. Entramos numa ruae seguimos por um declive íngreme, porentre edifícios ainda mais destroçados e u

par de automóveis amassados eabandonados, até chegar à casa.Trinta e cinco anos antes, a jovem Salma, uma

moça pobre, morava no andar térreo de umaconstrução de dois pavimentos situada numacolina. Ela tomava conta de seus filhos e do

id bêb d it i

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marido, um bêbado muitas vezes agressivo,lavando roupa para alunos na universidadenacional de Aley. Agora, as paredes

amarelas, desbotadas pelo tempo, pareciaum queijo suíço, cobertas de buracos dotamanho de um prato, resultantes do impacto

de granadas ou do persistente tiroteio demetralhadoras.A arma que matou Salma, porém, foi a

espingarda de caça do marido.A pessoa que afirmara lembrar-se damelancólica vida de Salma era Itidal Abul-Hisn, uma mulher da classe operária que

havia nos contado sua história no diaanterior:– Ainda me lembro de alguns de meus filhos,

ainda posso vê-los. Meu marido atirou emim duas vezes, quando eu estavadependurando a roupa para secar. Só penso

nisso quando me perguntam a respeito

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nisso quando me perguntam a respeito.Porém, quando estou sozinha, às vezes eu melembro.

Ela fez um barulho como se estivesselimpando a garganta e vi que estavachorando.

– Desculpe-me. Falar sobre uma vida passadadeve ser muito doloroso – disse Stevenson,quando a moça conseguiu se controlar.

– Não é isso – respondeu ela. – Não estouchorando por minha vida passada, estouchorando pela atual.

Então, contou que seu marido havia levado ofilho de onze meses quando eles sesepararam, embora, normalmente, as crianças

pequenas ficassem com a mãe. Essa era umaerida que nunca cicatrizava.– Algumas vezes, quando estou sozinha, fico

pensando: na minha primeira vida meu

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pensando: na minha primeira vida meumarido me matou; na segunda, divorciou-sede mim e levou meu filho.

– Você acha que existe alguma ligação? –perguntou Stevenson.– Não – disse ela. – É apenas o meu destino.

A irmã de Itidal, Intisar, era muito mais velhae pôde testemunhar as primeirasmanifestações de suas memórias de uma vida

passada.– Ela começou a falar nisso aos três anos eparou aos dez – recordou-se Intisar. –Geralmente, mencionava o fato quando via

crianças pequenas. Costumava pegar doces eescondê-los, dizendo que eram para “seusfilhos”. Também guardava doces para uma

criança da vila que, segundo ela, tinha omesmo nome de um deles. Dizia: “Querovoltar para a minha família. Por favor, me

leve para Aley ” Quando finalmente fomosl l d

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leve para Aley. Quando finalmente fomosaté lá, ela nos mostrou a casa onde morava.Agora, estávamos refazendo os passos de

Itidal. Atravessamos uma montanha de lixo erestos de mobília, passamos por buracos ecercas de arame enferrujado e contornamos

as laterais do edifício, subindo uma ladeiraaté atingir uma área estreita, coberta de ervasdaninhas, entre o andar mais alto e o prédio

vizinho. Em seu mapa, Stevenson desenharam círculo indicando uma imensa árvore, o

lugar onde Itidal se lembrava de estardependurando a roupa lavada em sua

encarnação passada, como Salma, quando omarido subiu aquela mesma ladeira e atirou.Agora, a árvore era apenas um toco em meio

a latas enferrujadas e retalhos de plástico.Não havia muito o que se ver, nada quecorroborasse a história – exceto pelo toco da

antiga árvore Entretanto ao ficar parado alil d i

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antiga árvore. Entretanto, ao ficar parado ali,no exato lugar onde um assassinato ocorrerahá tantos anos, senti com mais força a

obscuridade da vida e da morte de  Salma.Mais uma vez, pensei: “Se essas memóriassão fabricadas de maneira consciente ou

subliminar, por que uma pessoa escolheriaexatamente aquela vida para se lembrar?”Mas nosso verdadeiro objetivo ali não era ver

a casa. Subindo a colina, do outro lado darua, morava um homem chamado ChaficBaz. Era professor de psicologia numaaculdade e, o mais importante para nossos

objetivos, morava naquele endereço hámuitos anos.O apartamento de Baz havia sofrido u

incêndio, mas agora estava totalmentereconstruído. Ele e a mulher nos convidaraa entrar insistindo em dizer, como era

costume no Líbano que a casa nos pertenciad í t tá l

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costume no Líbano, que a casa nos pertenciae que deveríamos tratá-la como semorássemos lá. Serviram-nos vinho tinto

feito em casa, com as uvas do  jardim, etravessas com frutas frescas.Chafic Baz, que vinha de uma família de

classe média alta, disse que conhecera beSalma e sua família.– Eram muito pobres – contou. – Ela

trabalhava nas casas de outras famílias elavava a roupa dos estudantes dauniversidade em sua própria casa.

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O “distrito industrial” não passava de umaestrada tortuosa, esburacada e íngreme quecontornava pilhas de automóveis velhos, lixo

em brasa e vãos de concreto ondefuncionavam garagens, marcenarias edepósitos. Não parecia um lugar apropriado

para se viver Após fazer algumas consultaschegamos a uma oficina Um rapa de cerca

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para se viver. Após fazer algumas consultas,chegamos a uma oficina. Um rapaz de cercade vinte anos apareceu para abrir a porta do

apartamento do segundo andar.– Estamos procurando por Bashir Chmeit –disse Majd, em árabe, explicando a razão de

ossa visita.O rapaz, irmão de Bashir, convidou-nos aentrar. O apartamento nos surpreendeu: u

oásis todo acarpetado, repleto de plantas,surgindo num desolado fim de rua. Ficamossentados numa sala aquecida por ufogareiro a óleo. Quinze minutos depois, o

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– Eu me lembro de ter dito ao meu irmão:“Não sou Bashir. Sou Fadi.”A porta principal se abriu e os pais de Bashir

entraram. O pai nos cumprimentou, sentou-se ao lado do filho e não disse nada. Bashirmal lhe dirigiu o olhar.

– Eu costumava chorar muito até minha mãeanterior chegar Eu me lembrei chamei a

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Eu costumava chorar muito até minha mãeanterior chegar. Eu me lembrei, chamei atodos pelo nome. E me lembro de ter sido

morto numa casamata.– Ele usou a palavra dishmi – explicou Majdao traduzir. – Na verdade, é um buraco no

chão, com sacos de areia e cimento em volta.– Isso foi no distrito oeste de Aley –prosseguiu o menino. – Eu estava no topo, na

parte de cimento do dishmi. Eles tinhaacabado de construir o topo de concreto dacasamata e eu ia inspecionar. Uma bomba

explodiu e uma bala me acertou na garganta.

– Uma bala o atingiu? – perguntou Majd. –Você não disse que uma bomba explodiu?– Ele disse “bala” porque não conseguiu

achar uma palavra para definir um pequenopedaço de metal oriundo da bomba –explicou Majd.

– Você quis dizer estilhaço? – perguntei.Isso Educadamente Bashir esperou que

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q ç p g– Isso.Educadamente, Bashir esperou queerminássemos e, então, continuou seu relato.

– Eu caí. Estava inconsciente. Mas vi meusamigos removerem os feridos e também vimeu carro parado na calçada, um Toyota

bege. Avistei uma pessoa correndo até o meucarro para roubar as jóias que eu tinhaescondido. Costumava guardar minhas jóias

ali quando estávamos lutando. Vi essa pessoaroubando as minhas jóias e pedi aos meusamigos que levassem primeiro os feridos e

depois viessem me buscar.

– Você não falou que estava inconsciente? –indaguei.– Pensei que estava inconsciente, mas

conseguia ver e falar com meus amigos. E,então, não senti mais nada.– Você se lembra de mais alguma coisa? –

perguntou Stevenson.– Lembro Costumava sair com meus amigos

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p g– Lembro. Costumava sair com meus amigosMutran e Bassam. Eu era membro do Partido

Socialista Progressivo, mas não usavauniforme. Usava roupas civis. Costumavaajudá-los durante as lutas.

Fadi Abdel-Baki, vizinho de Chafic Baz, tinhaapenas dezessete anos quando morreu naguerra civil, em 1978, oito anos antes de

Bashir nascer. Stevenson dirigiu-se aos paisdo menino:

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As fichas do hospital não faziam menção aesse fato. Um relatório feito após a mortedescreve-a com desolador minimalismo:

Submetido à traqueotomia. Dificuldadesrespiratórias às 5 da manhã. Ataque cardíaco.Morte.

Durante uma entrevista, a mulher de Saidafirmara que, embora sem provas, algué

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afirmara que, embora sem provas, alguéhavia lhe dito que seu marido sofrera uma

queda e morrera de asfixia antes quepudessem recolocar nele o tubo derespiração. Isso poderia corresponder à tal

“dificuldade respiratória”. E não seria aprimeira vez que um relatório hospitalaroficial omitia eventos importantes capazes de

desacreditar a qualidade de seu atendimento.Ainda assim, a viúva de Said se mantinhacética quanto às afirmações de Tali de que era

seu marido renascido, principalmente porque

o menino nunca se referira a uma de suasfilhas, cuja doença crônica havia sido umapreocupação constante na vida dos pais.

Embora a cidade onde vivia Said ficasse amenos de cinco quilômetros de distância, ospais de Tali disseram a Stevenson que nunca

o haviam levado até lá antes que começasse aalar do morto. Relutaram bastante, pois o

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, pmenino insistia tanto afirmando ser Said que

icaram com medo de que ele se recusasse avoltar para casa. Quando finalmente oizeram, Tali foi levado a uma sala onde

algumas meninas estavam sentadas ao redorde uma mesa, inclusive Wafa, uma outrafilha de Said. Perguntaram a ele:

– Você reconhece sua filha?Segundotestemunhas, Tali sentou-se ao lado damenina e disse:

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um precipício tão íngreme que ali nada podiaser construído. Aquela era a paisagem maisintocada que tínhamos visto no Líbano, mas aadmiração foi vencida pela vertigem – nochão do automóvel, vi meus pés apertandoum freio imaginário.

Mahmoud parou antes do final da estrada e,ao sairmos do carro, nos deparamos com u

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pfrio inesperado. Um homem baixo, vestindo

uma túnica cinza e as tradicionais calçascurtas e pretas, saiu da última casa e veio aonosso encontro.

– Esse é Khattar – apresentou Stevenson.Majd disse algumas palavras, o homeconcordou sorrindo e nos levou até sua casa

de pedra, um pouco mais adiante. Lá dentro,numa sala de estar escura, alinhavam-se sofáse cadeiras desgastadas pelo uso, onde

estavam sentados, em cantos opostos, os dois

irmãos, agora adultos. Perto da porta,Mazeed nos olhava sem muito interesse. Tali,sentado próximo à parede direita, nosobservava através dos olhos semi-abertos,esboçando o que parecia ser um estranhosorriso. Os irmãos usavam calças jeans,

camisa esporte e botas de trabalho. Ambostraziam telefones celulares presos à cintura.

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pNenhum dos dois se levantou.

Stevenson não pareceu notar a frieza daacolhida. Sentado no sofá encostado àparede, ele abriu sua maleta. Majd sentou-se

ao seu lado, mais perto de Tali. Após uminuto, ela se dirigiu a Stevenson:– Ele disse que se lembra da sua visita,

quando era criança. Você lhe deu ucanivete suíço. Mas diz que você prometeulhe enviar um livro e não o fez. Tali

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– Nós conhecemos a reencarnação eacreditamos nela. Então, por que precisamosprová-la?A mãe, usando um mandeel enrolado damaneira mais antiga, logo abaixo do nariz,entrou na sala com uma bandeja de café.

Aceitei uma xícara, na esperança de queaquela demonstração de hospitalidade

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contrabalançasse o ressentimento que vi

guardado no coração dos dois irmãos. Majdcontinuou a conversar com eles, seconsultas ou tradução, tentando demovê-los

daquele comportamento ríspido, tendo asabedoria de envolver Stevenson e eu omenos possível.

– Mazeed tem um negócio, uma agência deempregos disse ela, afinal. – Basicamente,isso significa trazer empregadas do Sri Lanka

e encontrar emprego para elas. Ele diz queambém é corretor de seguros.

– Pergunte se ele gosta de seu trabalho –disse Stevenson. Majd traduziu a pergunta.– Se não gostasse, não estaria fazendo isso –oi a resposta. O tom dispensava tradução.

Stevenson remexia em seus arquivos semuita pressa. Ele prosseguiu, aos poucos,

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com a entrevista. Mazeed ainda se lembrava

de sua vida passada?– Só um pouco. – Ele deu de ombros. – Aguerra nos fez esquecer.

Khattar apareceu na minha frente com umaandeja de doces, insistindo para que euaceitasse um. Depois de hesitar, peguei um.

Ele falou algo para Majd.– O pai diz que Mazeed parou de falar sobresua vida passada aos vinte anos.

– Vamos saber como está a saúde dele – disseStevenson.Mazeed olhou para cima.– Fuiferido durante a guerra. Estilhaços debombas lançadas pelo New Jersey. –Dirigiu um olhar de provocação paraStevenson e para mim e levantou a mão,

exibindo uam cicatriz irregular que seguia atéo pulso. – Fiquei um mês e meio no hospital.

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– Deixou a mão cair ao lado do corpo. –

Nosso irmão foi morto na vila. O New Jersey.No mesmo instante, a mãe apareceu couma fotografia do irmão morto, um jove

magro que sorria para a câmera. Um telefonecelular tocou com espalhafato. Tali o tirou dobolso e atendeu.

– A maioria das casas nessa área foi destruídae depois reconstruída – disse ela.Khattar me levou para o lado de fora e

apontou para uma seção de pedras novas que

formavam a parte sul da casa. Juntou as mãose, então, separou-as repentinamente,imitando o som de uma explosão. Seus olhoscastanhos estavam lacrimejantes, mas nãodemonstravam amargor.Quando voltamos, Mazeed continuava a falar

– um bom sinal, pensei. Disse que estavaoivo de uma moça em Kfarsalwan, a cidaded h d d d

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onde havia morado em sua outra vida. Ainda

se encontrava com sua família anterior.Havia interrompido as visitas, masrecomeçou a fazê-las há dois anos, quando

icou noivo. A moça era uma conhecida daamília passada.– Qual vida você prefere? – perguntou

Stevenson, lendo o questionário.– Para mim tanto faz – disse Mazeed. – Avida é dura.Do outro lado da sala, Tali

provocou:

– Somos do terceiro mundo – disse,demonstrando revolta.Majd traduziu eacrescentou:– Tali me disse antes que está sem trabalho.Às vezes, dirige um táxi. Ele fez algunscursos de nível universitário na área de

egócios, mas não consegue emprego.Tali inclinou o corpo para a frente e dissel d i i A d

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algo, de maneira vigorosa. A resposta de

Ma jd foi longa. O rapaz balançou a cabeça.Majd disse mais alguma coisa e Tali ainterrompeu.

Majd virou-se para Stevenson:– Ele disse que não quer aparecer nolivro.Stevenson ajeitou-se no sofá, levantou

as sobrancelhas e afirmou:– Já está lá.

Majd traduziu para Tali, que se levantou edeu um passo na direção de Stevenson,levantando a voz, quase gritando.– Ele disse que, se está no livro, exige umacompensação – explicou ela. –  Algudinheiro ou ajuda para conseguir u

emprego.A sala se tornava cada vez mais fria e a luz,d i f E ã t t d

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cada vez mais fraca. Eu não estava gostando

muito do rumo que as coisas estavaomando. Khattar disse algumas palavrasríspidas para Tali, que respondeu da mesma

maneira. Majd também recomeçou a discutircom ele. Aproximei-me de Stevenson e faleiem voz baixa, mas com convicção:

– Acredito que esse é o momento exato desairmos daqui o mais rápido possível.

Tali havia dado mais um passo na direção deStevenson e estava quase aos gritos. Majdalava baixo.

– Já que ele dirige um táxi, talvez pudesseransportar Haraldsson –  sugeriu ela,

mantendo os olhos em Tali.

11A ÚLTIMA RESPOSTA FÁCILÀ did t i d li d b

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À medida que a costa ia deslizando sob o

ofuscante prateado da asa do avião, senticomo se estivesse acordando aos poucos dem sonho. A dez mil e quinhentos metros de

altura e um oceano e meio de distância, oLíbano estava reduzido à pasta preta emaltratada que descansava junto aos meus

pés. Essa pasta nunca saiu do meu lado.Dentro dela, cinco cadernos de anotações queeu havia completado, da primeira à última

página, com simples descrições de nossos

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leitura de uma enfadonha discussão, coinúmeras notas de pé de página, entre céticose defensores da pesquisa e das conclusões deStevenson. A maioria dos argumentos usadospelos céticos podia resumir-se ao seguinte: ascrianças estavam fantasiando, eram os pais

que forneciam as informações para que ascrianças as repetissem, a necessidadepsicocultural de acreditar na reencarnação

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psicocultural de acreditar na reencarnação

criara os casos, numa conspiraçãoinconsciente entre pais e filhos, vizinhos edesconhecidos.

Para comprovar seus pontos de vista, oscéticos mencionavam tudo aquilo sobre o queeu já havia refletido bastante: as

inconsistências que apareciam até mesmo noscasos mais convincentes, a possibilidade deligações entre as famílias passadas e

presentes, as várias motivações que levava

ao desejo de ser visto como alguém querenasceu.Quando terminei a leitura, tive certeza deque nada daquilo conseguiria explicar osacontecimentos que eu havia testemunhadono Líbano.

Mas um dos céticos, E. B. Brody, usava uargumento diferente: “O problema”,escreveu “não está na qualidade dos dados

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escreveu, não está na qualidade dos dados

apresentados por Stevenson para provar suateoria, mas no corpo de conhecimentos eteorias que devem ser abandonados, ou

radicalmente modificados, se quisermosaceitá-la.”Em outras palavras, afirmativas

extraordinárias exigem provasextraordinárias. Do ponto de vista de muitoscientistas ocidentais, a idéia de uma criança

incorporar pelo menos uma parte de uma

personalidade já morta é, sem dúvida, umaafirmativa extraordinária. Mas quem poderiadizer que as provas colhidas por Stevensondurante trinta anos também não o fossem?Mas seriam elas extraordinárias o bastante?Era essa talvez a pergunta que vinha me

atormentando.Outros autores que desafiavam Stevensonnão tinham problemas em relação aos seus

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não tinham problemas em relação aos seus

dados e nem em considerá-los suficientespara sustentar uma afirmativa extraordinária.Sua argumentação era quanto à própria

afirmativa. Preferiam dizer que os casosseriam melhorAlguns dias depois, ainda estava tentando

digerir tudo aquilo quando recebi umamensagem eletrônica de Stevenson: ele haviamarcado a data de sua viagem à Índia,

certamente a última vez que iria até lá, e

queria saber se eu pretendia acompanhá-lo.

Em muitas ocasiões, e de muitas maneiras,ele já havia dito que as pesquisas na Ásiaeram mais penosas, mais perigosas e,geralmente, exigiam mais do que as feitas noLíbano. Isso me fez hesitar, assim como o

tempo e o dinheiro que precisaria investir,mas não cheguei a pensar seriamente numarecusa

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recusa.

Um dos argumentos mais convincentescontra a aceitação dos casos de Stevensoncomo prova da reencarnação era a idéia de

que eles não passavam de fantasias coletivas,reforçadas pela própria comunidade que ascriava e, assim sendo, não poderiam provar

nada além da vontade que essa sociedadetinha de acreditar. Eu havia pensado nisso noLíbano e agora colocava essa questão no

contexto da Índia.

Não conhecia quase nada a respeito da cultua

indiana tradicional e da crença hindu nareencarnação. Entretanto, sabia que eram tãodiferentes das crenças e da cultura drusaquanto estas das crenças predominantes eMiami Beach. E também sabia que, se o

fenômeno de crianças que se lembram deoutras vidas fosse uma criação cultural, assemelhanças entre os casos do Líbano e da

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semelhanças entre os casos do Líbano e da

Índia seriam apenas superficiais.E se ao fossem? E se os casos tivessem asmesmas características daquelas que

tínhamos visto em Beirute? Se fosse assim, eusaberia algo mais: teríamos que descartarodas as respostas fáceis.

TERCEIRA PARTE ÍndiaCrianças da miséria12

O LEITERO

À meia-noite, quando pousamos em Déli, u

irritante e intenso cheiro de fumaça invadiu acabine do avião. Senti um grande alívio aonotar que ela não estava em chamas, masestranhei quando o cheiro nos seguiu porodo o feioso terminal. Mergulhamos na noite

e descobrimos que o aeroporto inteiro estavaenvolto numa nuvem de fumaça semelhantea um nevoeiro. Quando Stevenson e eu

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a um nevoeiro. Quando Stevenson e eu

saímos, um homem apoderou-se de nossocarrinho de bagagens e, sem dizer uma únicapalavra, empurrou-o até um local escuro, a

ns cem metros de distância, e começou acolocar as malas numa pequena caminhonete.Rezei para que fosse um motorista de táxi e

ão um ladrão. A saída do automóvel estavaloqueada. Furioso, ele gesticulou para que

eu o ajudasse a empurrar os dois veículos

que o enclausuravam.

Logo nos vimos na rua principal de Déli.

Passava de uma da manhã e o lugar estavaquase deserto. A fumaça pairava em frenteaos faróis. Fiquei aguardando o momento deemergir daquela nuvem, mas ela se tornavacada vez mais densa, a ponto de dificultar a

respiração.– De noite é muito pior – disse Stevenson.– Quer dizer que toda noite é assim? –

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Quer dizer que toda noite é assim?

perguntei.– Isso vem de todas essas fogueiras de dejetos– explicou, olhando calmamente para a

escuridão, aparentemente despreocupado,apesar de seus problemas respiratórioscrônicos. – Talvez hoje esteja um pouco pior

do que de costume.A Índia, assustadora para a maioria dosvisitantes ocidentais, era velha conhecida de

Stevenson. Ali ele empreendera sua primeira

pesquisa de campo. Agora, trinta e sete anos

mais tarde, essa era provavelmente a últimadelas.Nosso hotel era um edifício escuro e malcuidado, com acomodações extremamenteprecárias. Tive um sono irrequieto e acordei

com o grasnar estridente de um corvopousado no beiral da janela. Um tênue cheirode fumaça permanecia no ar. Passamos a

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manhã esperando pela Dra. SatwantPasricha, a psicóloga indiana que auxiliaraStevenson em muitas de suas viagens à Índia

e que vinha aplicando os métodos dele narealização de pesquisas. Às onze e cinqüentada manhã, ela apareceu no saguão do hotel –

uma mulher baixa, vestindo um sári roxo,com duas sacolas grandes penduradas noombro direito, um colar de pérolas no

pescoço e a marca vermelha de sua casta logo

acima do nariz. Assim que terminamos de

nos instalar, fomos almoçar juntos. Satwantfolheou algumas anotações onde haviadelineado um possível itinerário dos casos.Suas maneiras eram gentis e seu sorriso,franco. Era interessante ver a imagem ecarne e osso da Dra. Satwant Pasricha, queaparecia com destaque nas paginas deagradecimento dos livros de Stevenson e que

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fora responsável por algumas críticas feitasao trabalho dele.Satwant era sique, uma das religiões da Índia

fundada há mais de quatrocentos anos, quecombina elementos do hinduísmo e do islã,numa tentativa de amalgamar as duas

doutrinas dominantes do país. Um doselementos que os siques adotaram doinduísmo é a crença de que as almas

renascem de acordo com as ações praticadas

na vida anterior. Os honrados eram bem-

nascidos e os perversos retornavam para umavida de sofrimentos – ou até mesmo comoanimais. Por causa disso, muitos céticos serecusaram a levar a sério o trabalho deSatwant.Eu não me deixei impressionar por essacrítica. Se Satwant não pode ser consideradaapta a estudar esses casos por crer na

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reencarnação, o mesmo deve acontecer coqualquer pessoa que veja na morte o fim deudo.

Quando conversamos a esse respeito,Satwant me disse:– Se ja qual for a nossa crença ou

acionalidade, somos cientistas. Além disso,o que estou observando nesses casos écompletamente diferente da maneira co

que os hindus vêem a reencarnação.

De fato, Satwant me contou que quando u

colega lhe disse que Stevenson estavaprocurando um psicólogo indianointeressado em conduzir aquele tipo depesquisa, ela expressou um forte ceticismo.– Não pensava que casos assim existissem –acrescentou. – Quando disse isso a ele,Stevenson me falou: “Espere para ver.”Então, concordei em examinar um caso.

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Primeiro fomos até a vila da personalidadeanterior e o irmão nos levou a uma outra vila,onde morava o sujeito da pesquisa: uma

menina. Tivemos que fazer um longopercurso a pé, pelos campos. Quandoinalmente chegamos, a criança se jogou nos

raços do irmão e ficou abraçada a ele. Foimuito comovente. Ela se lembrava da vida dema menina que saiu para buscar água, caiu

o poço e morreu. Ao falar das lembranças

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de madeira, puxavam carroças que

balançavam sobre rodas em desalinho. Mulase cavalos resfolegavam sob imensas cargas.Riquixás de dois lugares, puxados por

icicletas, oscilavam com o peso de famíliasinteiras. Pessoas perambulavam por entreimensos depósitos de lixo e choupanas eruínas, feitas de tijolos sem argamassa,forradas de plástico. Um fétido canal os

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separava de  jardins lindamente cuidados,repletos de flores e verduras. Homensacocoravam-se atrás das plantas mais altas

para defecar – uma necessidade num paísonde 700 milhões, entre quase um bilhão depessoas, não têm acesso à rede de esgotos. De

repente, imensos flancos de cor pardaarrastaram-se pela minha janela, tãopróximos que poderia tocá-los com a mão.

Espichei o pescoço e dei de cara com as

mandíbulas salpicadas de espuma de u

camelo, preso por arreios a uma carroça.À medida que avançávamos em direção aonorte, as aglomerações deram lugar a camposverdes, repletos de ervilhas e trigo. De ulado da estrada, trabalhadores – homens,mulheres e crianças – agachavam-se paracolher ervilhas. Do outro lado, de pé, homens

rinavam. Mais adiante, um trator

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abarrotado de cana-de-açúcar havia caídouma vala, espalhando a carga pelo chão.Algumas mulheres, equilibrando potes de

barro e de latão na cabeça, surgiram á nossarente. Caminhavam em direção a uma vilaormada por casebres e ti jolos. À medida que

os aproximávamos, a estrada de pedras ia seransformando em lama. O motoristadiminuiu a marcha. O carro trepidou de

orma ameaçadora.

– Não será a primeira vez que eu teria que

sair e empurrar – observou Stevenson, senos trazer maior tranqüilidade.A família que queríamos entrevistar moravana parte mais alta, no final de uma ruela su jae estreita. A casa era uma estrutura de tijoloscom dois cômodos. Ficava situada no cantomais afastado de um pátio imundo, em frentea um poço do qual se retirava água

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manualmente. Três búfalos negros,acorrentados a uma estaca, espantavam asmoscas que os rodeavam.

O sujeito do caso, uma menina de sete anoschamada Preeti, pequena para a idade, derosto redondo, cabelos curtos e pretos

cortados como um menino, estava em pé,imidamente, num canto. Usava uma blusade algodão grosso com o desenho de dois

ogadores de futebol americano e os dizeres:

THE BEST OF THE WEST. Os pais trouxera

dois bancos de madeira para o pátio ecomeçamos a entrevista.O pai, Tek Ram, trabalhava na companhiatelefônica em Nova Déli. Ele nos contou que,tão logo aprendera a falar com clareza, Preetiinha afirmado para o irmão e a irmã:

– Essa casa é sua, não é minha. Esses são osseus pais, não os meus.A menina dissera para

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a irmã:– Você só tem um irmão, eu tenho quatro.Contou que não se chamava Preeti, mas

Sheila. E deu os nomes de seus “verdadeiros”pais. Implorou para ser levada para “casa”,na cidade de Loa-Majra, distante cerca de

dezoito quilômetros dali.Naquele fim de mundo, tão distantegeográfica e culturalmente de qualquer outro

lugar onde eu já estivera, estávamos

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Majra, perguntando se ela ouvira falar de u

sujeito chamado Karna, cuja esposa sechamava Argoori, que havia perdido umailha chamada Sheila?

A mulher respondeu que conhecia uhomem chamado Karan Singh, apelidado deKarna, cuja filha adolescente fora atropeladae morta por um automóvel quandoatravessava a rua. O nome da esposa de

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Karna era Algoori.A notícia chegou até a família em Loa-Majrae alguns homens, entre eles o pai da menina

morta, foram visitar Preeti. Segundo TekRam, ela reconheceu o pai e, mais tarde,quando foi com ele até a vila, reconheceu

também outras pessoas.Stevenson e eu havíamos conversado arespeito desses reconhecimentos que

apareciam com tanta freqüência nos melhores

casos estudados. Pelo menos aparentemente

eles constituíam as evidências mais fortespara a comprovação da veracidade dasafirmações sobre vidas passadas. Mas quasesempre eram também problemáticos. Nascomunidades rurais, os encontros entre ascrianças e as famílias às quais elas afirmavater pertencido anteriormente costumavaacontecer diante de grande número de

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espectadores. Estes poderiam sugerir algo ousimplesmente dirigir o olhar para a pessoaem questão, orientando a criança para que

izesse a escolha certa.Tentamos obter detalhes sobre comoexatamente a família anterior tinha sido

reconhecida. Preeti vira o homem seaproximar?Tek Ram afirmou que não. Quando os

homens de Loa-Majra chegaram, a menina

estava na escola com a irmã. Elas voltara

para casa e os encontraram ali, à espera dePreeti.Pedimos para falar com a irmã de onze anos,que tinha nove quando o encontro apareceu.Como a mãe, ela estava enrolada num xaleverde. Sentou-se no banco ao lado deSatwant e respondeu nossas perguntas evoz baixa.

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– Quando nos aproximamos da casa, vimosum grupo de pessoas – lembrou-se ela. –Preeti inclinou-se na minha direção e disse:

“Meu pai está aqui.”Mais tarde, segundo Tek Ram, quando lheperguntaram quem era seu pai, ele foi para

perto de Karna Singh e o abraçou. Desdeentão, Preeti costuma visitar a família eocasiões especiais.

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com a dedicatória de um professor de

filosofia que viera para conversar sobrePreeti. Na capa, uma citação de Sócrates: “Avida não perscrutada não vale a pena.”

Enquanto caminhávamos pela estreita viela,de volta para o carro, o motorista aproximou-se furtivamente de mim e disse:– O senhor deve dar a elas alguma coisa.Algum dinheiro.Transmiti o comentário a

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Stevenson.– Nunca fazemos isso – explicou ele aomotorista. – Contaminaria a informação.

Longe dos ouvidos do rapaz, Satwantobservou:– Ele pode ter dito alguma coisa para a

família, prometido conseguir dinheiro. Acho

melhor falar com eles. Ela voltou para perto

de Tek Ram e falou com ele em voz baixa. Aoretornar, explicou:– Ele disse que não estava esperando por

dinheiro. Trabalha numa agência do governoe tem um bom salário. Acho que ficouconstrangido porque o motorista tocou noassunto.O céu estava claro, mas o sol já começava a se

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esconder. Apesar do esgoto aberto aos nossospés, a noite tinha o cheiro doce do trigoverde. Enquanto nos afastávamos da vila,

mulheres em longos vestidos de sedacoloridos e cabeças cobertas por xalesamontoavam-se ao redor do poço para

encher seus cântaros.Aquela única entrevista havia tomado quasetodo o dia e ainda tínhamos duas horas de

viagem de volta a Déli. Pensei nos arquivos

de Stevenson, mais de 2,500 casos de todas as

partes do mundo, cada um deles envolvendoinúmeras entrevistas. Quando estavafolheando visitamos Preeti, esquecemos de

medir Tek Ram ou de perguntar-lhe suaaltura. Stevenson e Satwant perceberaclaramente que Karan era mais alto, mas eusó me lembrava de ter visto Tek Ram sentadoe não pude ter certeza.

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Uma das primeiras afirmações de Preeti aospais fora: “Minha casa é grande, a sua épequena.” Era inegável que a casa de Karan

Singh era muito maior do que a da família dePreeti.Karan confirmou o que os pais da menina

tinham nos contado: o leiteiro comentara ahistória de Preeti com uma mulher que elesabia ter nascido em Loa-Majra. Durante ma

visita à sua vila natal, a mulher avistara a

esposa de Karan e repetira para ela as

afirmações da criança.No dia seguinte, Karan Singh, um de seusilhos e quatro ou cinco homens da cidade

oram ver a menina.– Estávamos curiosos para verificar se elaestava falando a verdade – explicou.Pedimosque nos contasse exatamente o que tinhaacontecido na ocasião.Ele nos disse que a

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mulher que havia contado a história ou levouà casa de Preeti. Amenina, a mãe, o pai, o irmão e a irmã

estavam lá, além de um vizinho. Mas aotícia se espalhou e uma multidão se reuniuo local.

– Queríamos testar a menina e por issoinguém lhe disse qual de nós era o pai deSheila, mas Preeti ficava olhando para mim.

Depois de certo tempo, ela recomeçou a

brincar. Então, sua mãe perguntou: “Você

sempre diz que se lembra de seu paiverdadeiro. Qual deles é seu pai?” Elaapontou para mim, dizendo: “Esse é meu

pai.” Um dos vizinhos quis saber: “Como seupai se chama?” Ela disse o meu nome, o deminha mulher e o de nossa vila. Então,alguém falou: “Não aponte para o seu paiassim, de longe. Venha para perto dele.”

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Preeti atravessou a multidão e sentou-se nomeu colo. Ela agarrou com força o meupescoço e não largou mais. Depois, disse

aixinho: “Por favor, me leve para casa covocê.” Fiquei totalmente convencido. Aléde tudo, ela se parecia muito com minha filha

– concluiu.Stevenson quis saber se ele tinha alguretrato de Sheila. Um de seus filhos trouxe a

otografia nas mãos. Nela, uma dúzia de

crianças, divididas em duas fileiras. Karan

indicou uma menina no meio da filasuperior: Sheila, aos dez ou onze anos. Erauma garota incrivelmente bonita, num suéter

azul de gola em V, olhando fixamente para acâmera. Havia mesmo alguma semelhançaísica entre as duas meninas, embora a

diferença de idade dificultasse a comparação.Naturalmente, presumi que Karan se

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lembrasse da aparência da filha naquelaidade. Entretanto, muitos dos casos que euinha visto não apresentavam qualquer

semelhança entre o sujeito e a personalidadepassada. De qualquer maneira, não vi no fatoma prova importante. Mas talvez o pai

estivesse se referindo a algo além dasemelhança física, ou talvez fosse apenas oseu próprio desejo: não era difícil imaginar a

emoção que ele sentiu quando a menina

pulou no seu colo e se agarrou ao seu

pescoço, dizendo: “Papai, me leve para casa.”– Você questionou a menina? Perguntousobre algum detalhe? – indaguei.

– Havia tanta gente que não foi possível –respondeu ele. – Ficamos até quase meia-noite e Preeti estava muito cansada. Erasexta-feira. Prometi que voltaria no domingo,mas ela apenas se agarrou a mim, dizendo:“Você é meu pai. Quero ir com você.”

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p QOs pais de Preeti tentaram dissuadi-la, masela continuava abraçada a Karan.

– Como a mulher que tinha nos levado lá eraconhecida da família, eles decidiram deixarPreeti vir comigo.

Tomaram um “tempo” – um táxi de trêsrodas – para fazer o percurso entre a casa damenina e Loa-Majra. Pararam no mesmo

lugar onde descemos e caminhamos pela

lama – cerca de cem metros do lugar onde

morava a família.– Preeti nos conduziu até a casa – contouKaran. No caminho, ela viu um dos irmãos

de Sheila saindo de uma loja. Sem que lhepedissem, ela apontou para ele e o chamoupelo nome. Quando chegaram à casa daamília, o lugar estava repleto de amigos e

parentes. Preeti reconheceu todos os irmãos eirmãs. Perguntavam a ela onde estava

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galguma coisa e ela apontava. Depois, Preetiolhou ao redor e perguntou: “Onde está

Munni? Ela foi para a casa da família domarido?”Munni era a irmã de quem Sheila era mais

próxima. Ela havia se casado antes da morteda menina e não estava lá quando Preetiapareceu para a visita.

– No dia seguinte, Munni veio ver Preeti, que

chorou quando a viu – contou Karan.Ele disse ainda que, nesse ponto, não tinhamais dúvidas de que Preeti era sua filha

reencarnada. Além disso, no acidente, Sheilahavia se machucado na coxa e Preetiapresentava uma marca de nascença ali.Qando esteve com a família, Stevensonexaminou várias marcas na pele de Preeti. Elepediu a Karan que fosse mais específico sobre

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p q po ferimento na perna da filha.– Eu mesmo não vi – disse ele. – Mas minha

mulher viu.A mãe de Sheila estava trabalhando nocampo. Mandaram buscá-la. Ela apareceu

pouco tempo depois e Stevenson lheperguntou onde era a marca de Sheila. A mãeapontou para a parte externa da coxa direita.

O marido discordou:

– Você disse que era aqui – e apontou para a

parte interna da coxa. A mãe fez uma careta.Stevenson repetiu a pergunta e ela apontoupara a parte interna da coxa direita. Então,

explicou:– Não me lembro qual era a perna.– O que a fez acreditar que Preeti era a suafilha renascida? – perguntou Stevenson àmãe.– Quando ela chegou, eu estava junto co

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várias outras mulheres e alguém lheperguntou quem era a sua mãe. Ela apontou

para mim. Quando um de meus filhosmostrou o irmão mais novo de Sheila eperguntou a Preeti: “Ele é mais novo ou mais

velho do que você?”, ela respondeu: “Ele eramais novo. Agora é mais velho.” No diaseguinte, ela estava brincando dentro de casa

e outro de meus filhos disse: “Ela se parece

com a minha irmã.” Preeti olhou para ele e

respondeu: “Você ainda não acredita que sousua irmã?” Meus instintos me dizem que elaé minha filha. Uma vez, quando estava co

Preeti na rua, ela teve medo e falou: “Pare.Vou ser atropelada outra vez.”Perguntei-lhe se ela havia presenciado oacidente. Ela disse que não. Somente um dosirmãos de Sheila, que estava trabalhando nocampo, vira tudo acontecer.

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– Ele ficou transtornado durante muitotempo – contou Algoori.

Duas semanas mais tarde, segundo ela, omenino sonhara que Preeti viera sentar-seperto dele. Ele ficara assustado, pois  sabia

que não era bom sonhar com os mortos.– No sonho, Sheila lhe dissera: “Não tenhamedo, eu vou voltar.”

Aguardamos algum tempo pela volta do

irmão, para entrevistá-lo. Após uns vinteminutos, tivemos que ir embora. Aindaqueríamos encontrar o leiteiro, do qual

sabíamos somente o nome e a vila ondemorava. Voltamos para o carro,acompanhados pelo pai de Sheila. Tenteiavaliar o nível de dificuldade enfrentado porPreeti para guiá-los até as casas. Não haviamuitas opções. Ela precisaria apenas saber

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que deveria entrar na primeira rua, em vezde seguir reto, e depois escolher a entrada

certa para o complexo de casas onde moravaa família. Obviamente, quando tivessealcançado aquele ponto, ela teria ouvido as

vozes das pessoas que se juntaram para vê-la.Quando cruzamos a área enlameada, umenino que vestia um blusão azul e branco

subiu a rua pedalando uma bicicleta com u

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Depois de algum tempo, o motorista voltou

sozinho.– Sigam-me – ordenou. – Encontramos ohomem que vocês estavam procurando.

A casa do leiteiro ficava a meio quarteirãodali. Era uma construção de tijolos, sem luxo,nos fundos de um pátio sujo. Seu único toquede opulência era uma casa de banhos, dotamanho de uma cabine telefônica, situada naparte da frente, ao lado da bomba d’água.

d l d d

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Uma cortina de plástico vedava a entrada.O nome do leiteiro era Ranbir Singh.

(Descobri que Singh era um sobrenomemuito comum entre os hindus e os siques –significa “leão”, denotando a força da fé – e

Ranbirnão era parente de Karan Singh.) Eleconfirmo a história que ouvimos das duasfamílias e acrescentou um detalhe

importante: além de ignorarem os apelos da

menina para ser levada a Loa-Majra, eles a

castigaram por negar que era Preeti.– Quando fui ordenhar as búfalas, eu os ouvigritar e bater na criança. Ela estava chorando.

Quando me viu, veio me abraçar, dizendo:“Por favor, me leve ate a minha vila.”Perturbado, o leiteiro procurou a únicapessoa de Loa-Majra que conhecia: a mulherque acabou passando a notícia sobre asafirmações de Preeti para a família de Sheila.El d lh f i f l

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Ele nos contou que, quando a mulher foi falarcom Preeti, a menina a reconheceu de

imediato, chamando-a pelo nome. Ele nãotestemunhou esse fato, mas foi o que amulher lhe contou.

O leiteiro estava presente quando KaranSingh veio encontrar Preeti pela primeira vez.Sua versão dos fatos era um pouco diferente.

Karan dissera que a menina o olhou por

algum tempo e depois foi brincar, até que a

mãe lhe pedisse para indicar seu “pai”. Naversão do leiteiro, assim que viu Karan,Preeti correu e o abraçou.

Ranbir nos levou de volta até o carro. Faltavaainda visitar uma pessoa: a mulher quetransmitira as notícias sobre as afirmações dePreeti à família de Karan Singh.Chegamos ao conjunto onde ela morava noinício da noite. Várias famílias se preparava

j t A di f i h

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para o jantar. Acendiam o fogo para cozinharusando um punhado de gravetos com os

quais faziam arder um grande disco deestrume que queimava como carvão. Bebêschoravam num canto. A mulher a que

fomos entrevistar era apenas um contornosob um xale escuro, enrolado duas vezessobre o rosto. Ela repetiu quase tudo o que já

ínhamos ouvido, mas insistiu em afirmar

que, quando foi ao encontro de Preeti, Karan

Singh passou primeiro por sua casa.Mandaram buscar a menina. E foi naquelemomento, e não depois, na casa de Tek Ram,

que Preeti identificou Singh como seu “pai”.– Essa é a terceira versão do reconhecimento.Talvez a quarta, se contarmos o que o leiteirodisse: que Preeti reconheceu Karanimediatamente – observei, quando jáestávamos na estrada de volta a Déli. –  O

i t t d d é

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nico ponto em que todos concordam é quePreeti o reconheceu, em algum momento, e

algum lugar.– Acho que essa mulher só está tentandoaumentar o seu papel na história – comentou

Satwant.– É verdade. Isso acontece às vezes nessaspequenas vilas – concordou Stevenson,

cruzando os braços. Por um minuto,

seguimos em silêncio. – Acho que os céticos

teriam imenso prazer em destruir esse caso –comentou ele.– O que você está querendo dizer? –

perguntou Satwant.Virei-me para ela:– Pode deixar que eu respondo. Existe essamenina, que está infeliz com os pais. Estáconvencida de que eles não a amam. E talvezessa mulher que acabamos de entrevistar nãoseja a única de Loa-Ma jra que se casou co

l é d il T l i t t t ê

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alguém da vila. Talvez existam outras três ouquatro que conheçam Karan Singh e sua

família. Um dia, Preeti ouve essas mulheresconversando, lembrando-se dos velhostempos, até que falam de uma menina

chamada Sheila, que morreu num acidente.Mencionam o nome do pai, da mãe,comentam o quanto sofreram com a perda. E

Preeti pensa: “Será que eu pertenço mesmo a

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vimos o sol nascer na planície descampada

da área central da Índia.– Esses vagões com ar-condicionado sãorecentes – observou Stevenson. – Você não

está tendo uma verdadeira noção do que éandar de trem na Índia.Ao saltar, a experiência foi suficiente.

Carregadores e pedintes aglomeraram-se ànossa volta e nos seguiram até uestacionamento, formando uma massa tãodensa que não conseguíamos dar um passo

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densa que não conseguíamos dar um passosem encontrar milhares de braços estendidos.

Nosso hotel ficava dentro de uma áreacercada, com arbustos e flores. Assim,mantinha a aparência impecável, necessária

para agradar os turistas que vinham conhecero Taj-Mahal, que, como a placa na entradaanunciava, podia ser avistado do telhado.

Deixamos as malas e alugamos u

minúsculo microônibus Maruti,aparentemente construído com o mesmomaterial usado na fabricação das latas de

Pepsi-Cola. Sentei-me no banco da frente. Opára-brisa era tudo o que me separava daestrada. Levando-se em conta que o lugar

estava sempre repleto de animais e deveículos um tanto assustadores, sentei-mecomo se estivesse assistindo a um filme etrês dimensões sentado na primeira fila

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três dimensões, sentado na primeira fila.Agra parecia mais antiga do que as áreas de

Déli que visitei. Era um amontoado de ruínase grandiosidade – as ruínas eram maisconstantes – em meio a um labirinto de ruas

excessivamente ocupadas. Ao longe, aspontas arredondadas do Taj-Mahal erguiam-se majestosamente.

Após duas horas fora de Agra, nos arredores

da cidade industrial de Firozabad, pegamosuma estrada empoeirada e entramos nulabirinto de passagens estreitas, co

mercadorias transbordando de cada uma daspequenas aberturas e uma massa humanaque desafiava a limitação da área.

Finalmente, chegamos a um ponto por ondeo caro não podia circular. Saímos codificuldade e pisamos no chão irregular,tentando desviar do esgoto que escorria pelas

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tentando desviar do esgoto que escorria pelasvalas, sob o sol quente.

Seguimos em frente, com Satwant parando atodo instante para pedir informações. Oambiente me oprimia. Para onde nos

virássemos havia estrume. Tivemos que abrircaminho contornando os flancos de ucamelo deitado num buraco lamacento.

Acossadas por moscas, crianças imundas se

aproximaram e foram nos seguindo quando

percorremos os últimos metros em direção aonosso destino final. Satwant passou por umatábua que servia de ponte sobre o esgoto e

abaixou-se para atravessar uma abertura nomuro de tijolos e entrar num pátio sujo. Alivivia uma menina que afirmava lembrar-se

da vida de uma prima que morrera queimadanum casebre, naquele mesmo cortiço.Satwant descobrira a garota através de umapesquisa feita por um assistente Em apenas

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pesquisa feita por um assistente. Em apenasseis semanas esmiuçando a área, ele

conseguiu mais de 150 possíveis casos. Esse,em particular, tinha chamado a atenção deSatwant porque envolvia uma marca de

ascença possivelmente relacionada à vidaanterior. O sujeito da pesquisa ainda era beovem, quatro ou cinco anos de idade.

Segundo os pais, desde que começara a falar,

a menina afirmava ser a prima que morrera

queimada aos quatorze anos, quandomontava braceletes usados por toda a Índia.Eram fabricados nos cortiços das cidades

indianas. Mulheres e crianças trabalhavam odia inteiro recolhendo os anéis de metal nãoutilizados e fundindo-os sobre candeias

mantidas acesas com querosene – o maçaricode soldar do homem pobre. O trabalho eramonótono e perigoso. A família contou que amenina estava sentada trabalhando sobre

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menina estava sentada, trabalhando sobreuma esteira trançada que se incendiou

quando uma candeia virou. Não havianinguém ali para apagar o fogo, que logo aenvolveu.

De acordo com Satwant, a família afirmaraque a menina tinha nascido com sinais atrásdas pernas que correspondiam ao desenho

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mesmo tipo de esteira trançada que pegara

fogo no acidente fatal descansava no chão.As crianças que estavam nos seguindoamontoaram-se no pátio. Pude perceber o

número delas aumentar às minhas costas,ouvi-las tossir e fungar, sentir suas mãostentando tocar-me. A desagradável

proximidade fazia o suor escorrer pelo meupescoço, enquanto cada milímetro do meucorpo se rebelava contra aquela situação.Poderia uma criança nascer para uma

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Poderia uma criança nascer para umaexistência tão miserável e sem piedade, ter

ma morte terrível e depois renascer algumascasas adiante para mais uma prisão perpétua,soldando braceletes no meio do estrume?

Os mesmos motivos que fizeram talpensamento me entristecer constituíam upoderoso argumento contra aqueles que

consideravam os casos de reencarnação como

fruto de um desejo de realização por parte de

indivíduos e da cultura como um todo. Se acrença hindu na reencarnação causavailusões de memórias de vidas passadas, por

que essas ilusões não aconteciam de acordocom a crença básica daquela cultura: ocarma? Em nenhum dos dois casos vistos até

agora havia qualquer sinal de que as atitudesda personalidade anterior implicassem umamelhora na situação da pessoa renascida. Arelação entre as duas vidas parecia causal e

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ç pespontânea, da mesma forma como alocalização de uma nova planta se relacionacom a árvore centenária de onde a sementecaiu – de acordo com a proximidade, a

direção do vento e o acaso, e não segundouma ordem moral.O mesmo acontecia no Líbano. Se os

inúmeros casos drusos eram motivados pelo

desejo de reforçar crenças, por que o

intervalo entre a morte e o renascimento erade oito meses quando o dogma afirmava quedeveria ser zero?

Nós nos acomodamos da melhor maneirapossível nos bancos de madeira, nossosoelhos tocando os da mãe, uma mulher de

olhos vivos mas extremamente magra, e osdo pai, um homem grisalho, atormentado.Um cão sarnento tentou se insinuar por baixode nosso banco. Uma das crianças o golpeou

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ç g pcom uma vara e o animal fugiu soltando uganido.Satwant teve uma longa discussão com ospais, sem se importar em traduzir. A mãe

estava particularmente agitada. Três homensde pé atrás dela participavam de vez equando.

A conversa pareceu chegar a uma conclusão.

Satwant virou-se para mim e explicou:– A mãe estava com medo de que levássemosa menina conosco.

Stevenson já havia enfrentado aquela reaçãoanteriormente. Uma vez, ele estavaentrevistando a família de uma criança

quando uma mulher saiu da inevitávelmultidão e começou a gritar tão alto que ele

ão conseguia ouvir as respostas que iasendo traduzidas. Finalmente, ele perguntou

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, p gao intérprete o que ela estava gritando:– Está dizendo: “Vamos matá-lo antes queleve a criança” – explicou ele, sedemonstrar preocupação. Stevenson

conseguiu sair dali sem se machucar.que atirou em si mesmo, abaixo do queixo,quando se viu encurralado pela polícia.

Stevenson não investiu muito tempo

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exatamente no lugar onde a parte interna do

queixo se junta ao pescoço.Quando entrevistados, a irmã do morto, queinha visto o corpo de perto, e o policial, que

chegara na casa logo depois do suicídio,afirmaram que a bala tinha entrado por baixodo queixo e saído pelo alto da cabeça.

Imediatamente Stevenson voltou à casa deCemil e perguntou se ele também tinhamarcas de nascença no alto da cabeça. Sehesitar, o rapaz mostrou o lado esquerdo da

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p qparte superior da cabeça. Stevensondescobriu ali uma linha fina e sem cabelo,com pouco mais de dois centímetros. Maistarde, ele comparou a fotografia da marca de

Cemil e a que foi feita na autópsia,mostrando a saída da bala no mesmo lugar.Eram incrivelmente similares.

Ainda assim, percebi que, por mais que os

sinais de nascença possam construirevidências, eles carregam uma dificuldadeintrínseca: se uma criança nasce com sinais

que fazem lembrar os de uma pessoa morta,esse fato em si já é suficiente para criar ufalso sentimento de identificação e gerar

alsas afirmativas de memórias de vidaspassadas.Isso não é apenas uma possibilidadehipotética – isso acontece de fato. No caso do

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turco, tempos depois, um outro homem quedizia ter sido o mesmo bandido chamou aatenção de Stevenson. Ele tinha uma marcano alto da cabeça (mas não sob o queixo) e

afirmava ter lembranças precisas sobre a vidado morto.Levando-se em consideração que uma só

alma não pode gerar múltiplos

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que se relacionavam perfeitamente com as

inusitadas marcas do sujeito da pesquisa.O fato de Stevenson ainda não ter encontradoum caso tão perfeito não significava que não

haveria um, em algum lugar. Dos cento ecinqüenta casos em potencial da pesquisa deSatwant, mais ou menos vinte por cento

envolviam marcas de nascença de alguipo. Muitos deles estavam incluídos no

itinerário que ela havia organizado.Aquela marca, porém, não teve nenhui ifi d S Q d

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significado para Stevenson. Quandoestávamos prontos para nos ver livresdaquele cortiço indiano e das pessoas que

aviam permanecido ali, uma moça,

carregando um bebê de oito meses,aproximou-se de Satwant. Era uma vizinha erazia a irmã para que a víssemos. A criança

ão tinha a mão esquerda. Imediatamente

ficou claro que a menina ainda não havia dito

nada que pudesse estar relacionado a umavida passada, mas algo em seu estado deespírito, segundo a irmã, sugeria tal

possibilidade – embora a deformidade nãolhe causasse dor, ela costumava ficarobservando o coto da mão com tristeza e se

mostrava incomodada quando outras pessoaso notavam.– Ela apresenta alguma fobia? – perguntouStevenson.

El t d d t d

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– Ela tem medo de gatos – respondeu uomem que se identificou como o avô da

criança. Mesmo assim, Stevenson achou

conveniente medir e fotografar a mãodeformada, parao caso de, mais tarde, surgirem afirmações

sobre vidas passadas que chegassem ao

conhecimento de Satwant. Ele guardava

casos como aquele num arquivo onde havia,por exemplo, o relatório sobre um meninoem Agra que tinha nascido com quinze

pequenas marcas circulares nas costas e naparte de trás dos braços. As marcas tinham oamanho e forma de feridas causadas por

pequeninos projéteis a algumas delasapresentavam uma massa interna que,quando apalpada, rolava sob a ponta dodedo.Nã t t ó l l

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Não encontramos o automóvel no lugar eque o deixamos. Alguns meninos haviacortado o pneu com um prego amarrado a

m pedaço de pau, e o motorista estava no

orracheiro. Ficamos sentados na lateral darua, em frente a uma barraca feita deengradados vazios que servia de oficina para

o trabalho do borracheiro. O serviço

demorou tanto que tive tempo para refletir

sobre os dizeres de um imenso cartaz, a unscem metros dali:FIROZABAD, CIDADE DE VIDRO E DE

ESPLENDOR.14MARCADO PARA SEMPRE

Enquanto estávamos em Agra, Stevensonresolveu procurar relatórios médicosreferentes ao caso de uma marca de nascença,acontecido numa vila situada a três horas deviagem na direção leste O sujeito do caso

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viagem, na direção leste. O sujeito do casoera um rapaz de dezessete anos. No resumoque Satwant fez do que conseguira descobrirnas entrevistas com a família, um ponto logo

me deixou intrigado: pela primeira vez, noscasos que acompanhei, os sinais relacionadosà existência de uma vida passada aparecera

antes que a criança fosse capaz de falar. Os

pais disseram que, tão logo aprendeu a

andar, o menino sempre caminhava edireção a uma vila próxima, a menos de doisquilômetros dali. Estavam constantemente

correndo atrás do filho para trazê-lo de voltapara casa.Quando nasceu, ele tinha duas pequenas

marcas circulares no lado direito do tórax: amaior e mais nítida com cerca de trêsmilímetros de diâmetro. Ambasapresentavam uma ligeira depressão erelação à pele circunvizinha e um fino anel

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relação à pele circunvizinha e um fino anel,mais elevado, fazendo o contorno.Quando aprendeu a falar, segundo o relatodos pais a Satwant, o menino apontou para

as marcas e disse:– Foi aqui que levei os tiros.Ele também lhes disse o seu “verdadeiro

ome” e o nome dos homens que o atacara

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Satwant nos disse que o assassinato ocorrera

em 1976. Encontrar um relatório de autópsiafeito há vinte anos seria um grande desafioaté mesmo em Miami. E nas áreas rurais da

Índia?Quando expressei meu ceticismo aStevenson, ele admitiu que não seria nada

fácil.– Temos uma chance em cem, talvez uma ecento e cinqüenta, se conseguirmos que a

polícia forneça o número do caso – disse ele.– O negócio é que um caso com um relatório

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– O negócio é que um caso com um relatóriode autópsia vale por dez sem ele.Saímos de Agra e fomos para Etawah, ondelocalizamos o distrito policial. O capitão,

usando roupas civis, estava sentado do ladode fora, em frente a uma mesa de madeiracolocada na sombra. Ele nos convidou a

sentar e nos fez esperar vinte minutos

enquanto remexia uns papéis. Depois abriu

um grande livro de registros com capa depapelão. Dentro dele, anotaçõescuidadosamente feitas à mão – todos os

crimes registrados no distrito no meio dosanos setenta. Quando, depois de meia hora,todos os relatórios de 1976  já haviam se

radiante com a nova visita de Stevenson. Parairar o maior proveito possível da presença

do mundialmente famoso pesquisador, Joshi

avia organizado o que poderia ser descritocomo uma entrevista coletiva que se seguiria

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como uma entrevista coletiva, que se seguiriaao encontro com o sujeito da pesquisa, umamoça de vinte e quatro anos chamada SunitaChandak.

Segundo os pais, Sunita, aos quatro anos,tinha começado a fazer afirmações a respeitode uma vida anterior. Dizia ter morado numa

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descobriu que havia vinte e oito vilas

chamadas Belgaon naquela região. Dentreelas, nove pareciam corresponder aosdetalhes fornecidos pela criança.

Durante alguns meses, Sunita visitou três dasvilas que constavam da lista de Joshi.Nenhuma delas foi reconhecida pela menina.

Naquele momento, o jornalista publiou urelato da história, contendo outras afirmaçõesda menina sobre sua vida passada, na

esperança de localizar a família anterior.Sunita não havia mencionado seu nome ou

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Sunita não havia mencionado seu nome ousobrenome, mas disse que tinha uma irmãchamada Sumitri e que jamais havia usadoum sári – o que Joshi interpretou como u

sinal de que ela morrera ainda criança, umavez que, nas vilas indianas, somente asmulheres adultas usavam aquela vestimenta.

Um leitor de uma das seis vilas restantes

escreveu dizendo acreditar que morava naBelgaon à qual a menina tinha se referido: ascaracterísticas geográficas mencionadas

estavam presentes ali e ele conhecia umafamília cuja primeira filha morrera jovem eque tinha uma outra menina chamada

Sumitra. A menina morta, Shanta Kalmegh,nascera em 1945 e tinha morrido antes decompletar seis anos.

No inverno de 1979, quando Sunita tinhacinco anos, a família a levou a Belgaon, cerca

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cinco anos, a família a levou a Belgaon, cercade 145 quilômetros onde moravam. Aochegar, Sunita mostrou-se hesitante, mas logoanunciou: “É aqui.” De acordo com aspessoas que viviam no lugar e quetestemunharam a visita, Sunita fez uma sériede identificações.

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Sunita afirmou que existia uma plataforma

mais elevada na frente da casa quando “ela”vivia ali. Na ocasião de sua visita, talplataforma não estava lá, mas, segundo o pai

e o tio de Shanta, havia uma antes da morteda menina.Dentro da casa, Sunita falou: “Está tudo

mudado aqui”, e apontou para uma paredede tijolos, afirmando que era nova. A famíliaconfirmou que a parede fora construída após

a morte de Shanta. Num outro lugar, elacomentou: “Era aqui que costumávamos

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q qorar.” Mais uma vez, a família confirmou:

avia um altar ali quando Shanta era viva.Segundo as testemunhas, durante a visitaSunita disse que queria leite. Pegou um copo,dirigiu-se para uma outra casa perto dali,parou diante de uma parede e falou: “Aqui

ficava a janela por onde comprávamos leite.”

O sobrinho da pessoa que vendia leite

naquela casa quase trinta anos antesconfirmou que havia uma janela exatamenteali.

Depois, Sunita foi até a casa de um vizinho,apontou para um lugar, dizendo: “Aquiavia uma escrivaninha onde seu pai

costumava escrever. Meu pai veio aqui, e euvim com ele.”O vizinho disse que seu pai, um funcionário

público, preenchera muitos documentosnuma escrivaninha que ficava ali mesmo.

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qEmbora houvesse uma escola em Belgaon, aafirmação de Sunita de que “havia utempo, mas não uma escola” era verdade naépoca em que Shanta tinha vivido ali. Aopassar na frente de um prédio, ela comentou:“Aqui ficava uma mercearia.”

Estava certa, segundo o superintendente da

vila – a mercearia tinha sido demolida háquinze anos, para dar lugar à escola.Como provas, esses reconhecimentos, apesar

de impressionantes, tinham um problema: aantiguidade. A morte de Shanta aconteceraem 1950, e as confirmações dos relatos de

Sunita baseavam-se em lembranças ligadas aatos que, à época da visita da menina, jáinham quase trinta anos. Entretanto, para a

amília de Shanta, Sunita havia provado averacidade de suas afirmações. Desde então,

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m relacionamento passou a existir entreeles.Sunita se tornou uma pessoa importante eBelgaon. Em sua primeira visita, durante upasseio pela cidade, ela apontou para uterreno vazio próximo à escola e perguntou:

“Voes vão construir um templo aqui?” Não

havia planos para isso, mas os habitantes

interpretaram a pergunta como um sinal eacabaram erigindo um templo naquele lugar.Por causa de nossa visita, os parentes de

Sunita haviam se reunido na casa da famíliade seu marido, várias horas a leste deNagpur. Ficava numa rua de terra e, apesar

da aparência humilde, a casa era de concretoe muito confortável, o que indicava certaopulência. Pertencia ao sogro de Sunita, u

médico homeopata.Os pais de Sunita estavam lá, especialmente

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para a ocasião, assim como sua irmã gêmea,Anita.O pai, um homem agradável e de riso fácil,

os disse:– Sempre falei para Anita: “Sua irmã mecontou onde morava. Por que você també

não me conta?”, mas ela nunca disse nada.

Stevenson tinha grande interesse por casos

envolvendo gêmeos, pois, quando idênticos,originam-se do mesmo ovo fecundado e têos mesmos genes. Por isso, as diferenças de

personalidade entre eles não podem seratribuídas à genética. A explicação maiscomum é que tais diferenças são causadas

pelo ambiente, começando pelas posiçõesdistintas que assumem dentro do útero econtinuando com as experiências vividas por

cada um após o nascimento.Stevenson não acreditava nisso.

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Argumentava que os gêmeos siameses,embora permanecessem fisicamente ligados,sem capacidade de viver experiênciasindependentes um do outro, possuíapersonalidades inteiramente distintas. Nudos casos mais famosos, por exemplo, u

dos gêmeos siameses era alcoólatra e o outro,

abstêmio. As implicações desta idéia era

obvias: talvez algumas das diferenças maismarcantes entre as personalidades dosgêmeos idênticos pudessem ser explicadas

através da reencarnação.Stevenson havia colecionado um bonúmero desses casos, mas enfrentava u

problema prático: distinguir os gêmeosidênticos dos não-idênticos – cuja semelhança

ão era maior do que a de dois irmãos

comuns – não era simples. A aparência física“idêntica” não garantia que fosse

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geneticamente iguais. A certeza só erapossível através de minuciosos exames desangue, realizados não apenas nos gêmeos,mas em toda a família. Na Índia, issoimplicaria enormes gastos, além da

ecessidade de convencer todos os

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Logo observei que Sunita se referia ao pai

como “meu pai de Verni Kotha”,identificando-o com sua cidade natal. Assim,ela o distinguia do pai de Shanta, o “pai de

Belgaon”.– Acho que ela é mais apegada à família deBelgaon do que à nossa – disse o pai,

achando graça. Sunita logo negou:– Eu ainda os vejo em ocasiões especiais –explicou ela, num tom defensivo. Estava

claro que a dupla devoção de Sunita era uassunto no mínimo delicado. – Mas não

l d

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passo mais tempo com eles do que com meuspais de Verni Kotha. Talvez, antes de mecasar e sair da casa de meus pais, elesivessem a impressão de que eu sentia falta

dos meus pais de Belgaon. Quando você tedois filhos, um em casa e outro morando

fora, tende a pensar mais no que está longe,

pois sente falta dele e pode ver o outro a todo

instante. Agora que moro na casa de meumarido, sinto falta dos meus pais de VerniKotha e dos de Belgaon com a mesma

intensidade.Perguntamos se ela ainda tinha algumamemória visual de sua vida passada.

– Ainda me recordo de algumas coisas –respondeu Sunita. – Por exemplo, lembro-mede brincar com minha irmã mais nova, mas

hoje penso muito menos nisso. É como vocêer uma prova, estudar bastante, tirar uma

d li d E

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oa nota e, então, desligar-se do assunto. Euqueria encontrar minha vila e rever minhaamília. Quando consegui, parei de pensarisso com a mesma intensidade.

Sabendo que uma legião de repórteres e

fotógrafos estava na frente da casa

aguardando a entrevista coletiva, Stevenson

decidiu tocar no assunto dos exames desangue. Disse que financiaria as viagens ateBombaim, provavelmente a cidade mais

próxima onde teriam acesso a testesconfiáveis.Seguiu-se uma breve discussão com os pais.

irando-se para nós, Sunita disse:– Sinto muito, mas não estamos interessados.Existe uma outra coisa que me interessa mais.

Eu me lembro de uma outra vida passada,mas não sei os nomes da vila ou da minha

íli T l ê j d

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amília. Talvez vocês possam me ajudar alembrar.Dois anos depois que voltou de Belgaon,quando tinha sete ou oito anos, Sunita passoua sentir-se dominada por vívidas imagens derostos que a olhavam com um amor intenso.

Ela sabia que eram seu pai e sua mãe, mas os

nomes não lhe vinham à mente.Só se lembrava que era filha única e que seuspais a amavam muito. Sua casa era feita de

cimento e havia uma árvore no quintal. Doterraço da casa, ela avistava os trilhos daferrovia e percebia que a terra ali era

vermelha e não amarela, como na regiãoonde estávamos. Sua família possuía umalo ja de tecidos, instalada um pouco mais

adiante da casa. Todas as imagens eram dainfância.S t t di l j lt l

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Satwant disse que planejava voltar algunsmeses mais tarde e perguntou se, na ocasião,ela gostaria de se submeter à regressão

ipnótica – técnica que Stevenson tentaraaplicar, sem muito sucesso, em outrossujeitos com memórias espontâneas.

– Claro – respondeu Sunita. – Estou muito

interessada em saber mais.A mãe de Sunita gemeu, jogando os baçospara o alto. Era difícil dizer se estava

simulando ou se realmente se sentiaexasperada. Ainda havia outros pais coquem dividir o interesse e o carinho da filha.

Ela olhou para Sunita e suspirou:– Acho que seremos sempre os últimos a tervez.

15SUMITRA NÃO MORA MAIS AQUITempo e espaço são relati os e na Índia u

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Tempo e espaço são relativos, e na Índia uespaço mínimo pode levar um tempoenorme. Partimos de manhã bem cedo edireção a uma vila chamada Sharifpura,localizada cerca de cento e vinte quilômetrosa nordeste de Agra. Numa rodovia dos

Estados Unidos, faríamos o percurso em uma

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morta pela família do marido com uma

pancada de tijolo na cabeça. Demonstravagrande agitação quando indagava sobre oparadeiro e a situação dos dois filhos

pequenos dessa nova identidade.Sumitra, que agora dizia ser a outra mulher,fez muitas outras afirmações a respeito da

vida e da morte de Shiva pelas mãos dafamília homicida. Recusava-se a atender pelonome de Sumitra e insistia em dizer que não

reconhecia o filho, o marido, o pai ou amulher que a tinha educado (sua mãe haviamorrido quando ela ainda era muito

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morrido quando ela ainda era muito

pequena).Após algumas semanas, ela voltou a secomportar como mãe de seu filho e mulherde seu marido, mas continuava a dizer queera Shiva, afirmando que só estava cuidando

do menino porque “se eu cuidar dessa

criança, Deus cuidará dos meus (de Shiva)

filhos”.poderoso argumento contra a reencarnação: osujeito e a personalidade passada coexistira

– não era um caso em que a alma saía docorpo no momento da morte e entrava nuoutro antes ou durante o nascimento.

Naturalmente, seria possível (e arrepiante)argumentar que era um caso especial: talvezSumitra tivesse mesmo morrido fisicamente

em julho de 1985 e a alma de Shiva tivesseassumido o corpo antes que suadecomposição se tornasse irreversível

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decomposição se tornasse irreversível.

E quanto aos transes? E as aparentespossessões por outras personalidades? Comoexplicá-las dentro de uma idéia coerente dereencarnação? Ninguém declarou queSumitra morrera antes das possessões. De

onde viriam e para onde foram aquelas

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patologia mental nas crianças que afirmava

ter memórias de vidas passadas.Interessei-me em saber mais sobre omomentâneo ressurgimento de Sumitra. As

palavras do relatório –  “pareceu reassumirsua personalidade usual” – eram vagasdemais para descrever um fato tão

importante.Tive três horas para pensar, mas a respostaainda parecia distante. Na relativa

ranqüilidade da zona rural, pedimosalgumas vezes que o motorista parasse noacostamento para que pudéssemos sair e

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acostamento para que pudéssemos sair e

esticar as pernas. Stevenson já vinhaenfrentando com coragem uma terrível dor

as costas e as paradas periódicas se faziacada vez mais necessárias.Durante umas paradas, conversei com ele arespeito do intrigante ressurgimento de

Sumitra e perguntei por que o relato do

episódio era tão resumido.– Nossa única fonte de informação foi omarido – explicou – e ele não era uma das

estemunhas mais confiáveis.Perguntei-lhe se haviam insistido no assuntocom outras pessoas da vila. Stevenson não se

lembrava com certeza. Era muito frustrante,pois boa parte do caso era convincente.Mesmo admitindo que uma mulher semi-

alfabetizada, numa pequena vila, pudesse terido acesso a um jornal que circulava numa

outra cidade, a muitas horas de distância, e

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, ,

tivesse absorvido todos os detalhes da vidade Shiva, como explicar os reconhecimentosfeitos por ela? E as afirmações precisas sobreo currículo educacional de Shiva, seuconhecimento dos apelidos carinhosos que afamília usava para se referir a ela, seu pai e

seus dois filhos – nenhum dos quais era

citado nas notícias dos jornais?E quanto à repentina capacidade de ler eescrever atribuídas a Sumitra, habilidades

completamente fora do alcance de umapessoa com o seu nível de instrução?Perguntei a Satwant se ela havia observado

Sumitra ler e escrever. A resposta foipositiva: embora pouco à vontade para exibirsua competência, a menina acabara

concordando em dar uma mostra de suaescrita.– Eu diria que era a escrita de uma pessoa do

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q p

quarto ou quinto ano escolar – disse Satwant.– Certamente, não era de nível universitário.Porém, baseados em tudo o que sabíamos deSumitra antes da mudança, esperaríamos nomáximo uma habilidade de primeiro ano. Émais ou menos como um pianista

profissional tentando tocar um piano

quebrado. ONão era muito, mas dava o que pensar.Talvez Sumitra tivesse gostado da vida na

cidade, talvez tivesse tido uma chance demelhorar sua capacidade de escrita e leituraenquanto estivera lá. A perspectiva de voltar

para aquela vila distante poderia ter dadoinício a um processo de depressão aguda.Quando ouviu falar do assassinato de uma

oca de alta casta, que tinha mais ou menos asua idade e que morava numa cidadepróxima, talvez ela tivesse se apossado

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daquela personalidade alternativa, usando-acomo uma maneira de fugir de uma vida tãolimitada. Os transes poderiam ter sido reais –conseqüências de um descontrole emocional.O pai de Shiva, motivado pelo desejo devingança contra a família do marido de sua

filha, pode ter se apegado às afirmações de

Sumitra porque elas vinham ao encontro desua crença de que a filha fora assassinada poreles. Seu testemunho quanto ás identificações

eitas por Sumitra/Shiva pode ter sidoinfluenciado por essa motivação secreta.Mais uma vez, entretanto, ficava uma

dúvida. Apesar de improvável, a históriacontinha os inúmeros e inexplicáveisreconhecimentos feitos por Sumitra. Seria

udo uma farsa?Fizemos um caminho diferente para voltar aAgra, sem no entanto diminuir o tempo do

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percurso. Nas últimas horas, enfrentamosuma intensa escuridão e todos os riscos docaminho. Senti falta de minha mulher e dosmeus filhos, e tomei consciência da distância– meio planeta. Tentei acalmar meuspensamentos e avaliar o que estava sentindo:

a possibilidade da reencarnação trazia algu

tipo de conforto diante de pensamentosmórbidos? Respondi para mim mesmo: nãoquero uma outra vida, quero esta.

Stevenson começou a falar sobre umapalestra que deveria fazer na Virgínia,durante uma convenção de cientistas

interessados em assuntos que as pesquisascientíficas em geral costumavamarginalizar. Quais são os elementos da

ciência que não se pode dispensar? Essa era aquestão que ele planejava explorar.Basicamente, explicou, ele pretendia

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questionar algumas das expectativasconvencionais. Um dos problemas era a idéiade que é preciso haver um experimentopassível de tantas repetições quanto forenecessárias. Stevenson sentia que a opiniãode seus companheiros lhe era desfavorável

porque seus estudos envolviam m fenômeno

espontâneo que não podia ser recriado elaboratório.– Mas não se pode recriar também o impacto

de um meteoro ou de uma explosãovulcânica – explicou. – E isso não quer dizerque não seja possível conduzir uma pesquisa

significativa a respeito desses fenômenos.– Mas existe uma certa repetição em suapesquisa – repliquei. –  Qualquer outro

pesquisador pode entrevistar as mesmaspessoas com quem você falou, interrogá-las,verificar a documentação mais importante.

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Naturalmente eles vão pensar duas vezesantes de percorrer o longo caminho atéSharifpura.No escuro, não pude ver se conseguiarrancar-lhe um sorriso. Após algunssegundos, ele prosseguiu:

– Outro problema é a previsibilidade – disse

ele.Na ciência tradicional, uma teoria, para serválida, deve levar à possibilidade de fazer

previsões que possam ser testadas de formaexperimental. Stevenson, por exemplo, haviaprevisto que o homem que dizia ser u

andido turco teria uma marca no alto dacabeça combinando com a outra que eleapresentava debaixo do queixo. E estava

correto. Mas aquela fora uma exceção.Stevenson não podia prever como se daria amigração da alma, ou qual criança começaria

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a se lembrar da vida de um vizinho e queseria ele. Isso invalidava o seu trabalho?Mais uma vez, pensei que ele poderia estar seesquecendo de um ponto.– Mas você pode fazer previsões e eu achoque elas são muito importantes. Em qualquer

um dos lugares onde agora existem casos,

você pode prever que uma pesquisa séria vaitrazer à tona novos casos. Você pode preverque, ao entrevistar sujeitos e testemunhas, os

pesquisadores encontrarão provas de que ascrianças fizeram afirmações corretas sobre avida de uma pessoa e que essas afirmações

não poderiam ter sido conseguidas por meiosnormais.Stevenson não respondeu. Pensei que, para

fazê-lo desistir de tudo, seus críticos sóprecisariam provar que a explicação maisplausível para o que ele havia observado não

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era a reencarnação.Falei sobre isso durante um longo tempo,porém, quando concluí, ele parecia tãomelancólico quanto no início. Fui tolo aoesperar outra reação. Ele estava encerrando oestudo de quase três mil casos nos quais

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em nossa direção. Então, ele me fez uma

pergunta direta:– Por que as pessoas não podem aceitar essasprovas?Fiquei em dúvida: ele estaria falando

das pessoas ou de mim? Estaria me pedindoque declarasse se aceito ou não as provas?Respondi com cautela:

– Bem, certamente elas tornam a idéia dareencarnação possível. Mas será que ela éprovável? Não sabemos o que é a alma. Não

sabemos que mecanismo faria uma almadeixar um corpo e penetrar em outro. Hámuitas coisas que simplesmente não

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sabemos, e acho que esse é o problema.– Mas que outra explicação existe para tudo oque temos visto? Examinei cadapossibilidade e, por eliminação, areencarnação deve ser o que explica tudo

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estar sempre acenando na esquina – porém,

quando fazemos a curva, nos deparamos comais perguntas. Sentia como se alguma forçapairasse sobre nossas cabeças, alimentando

esses casos com evidências imperiosas oastante para que não pudessem serignoradas, mas não o suficiente para que

fossem comprovadas acima de qualquerdúvida.Mas era tão complicado encontrar uma

explicação “normal” para cada um dos casosque isso nos obrigava a refletir. E quandocasos convincentes se multiplicavam, a

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reencarnação logo começava a parecer umaalternativa menos fantástica. Se eu aceitasseapenas um dos casos como autêntico, teriaque aceitar muitos outros, ou a maioria deles.Se a reencarnação fosse possível, pelo menos

ma vez, então ela se tornaria uma

explicação muito mais simples para Shiva, o

leiteiro e os outros, do que a retorcidacorrente de conspirações e coincidências quefui obrigada a criar.

Pela primeira vez, fiz a mim mesmo umapergunta objetiva: levando em consideraçãoudo o que vi e ouvi, por que não conseguia

simplesmente aceitar a reencarnação comoverdade?Algum fator estava me impedindo. Era algo

que eu conseguia sentir, mas não era capazde compreender.QUARTA PARTE

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Estados UnidosCrianças da casa ao lado16

UM LUGAR CHAMADO DIXIEQuando voltei para os Estados Unidos e faleisobre minhas experiências, ouvi co

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Lembro-me do terror que minha própria filha

tinha de bambolês, a ponto de gritardesesperada quando os via. Fobia ligada avidas passadas? Ou alguma inexplicável

idiossincrasia?Ainda assim, algumas histórias foram maislonge. Uma vizinha que ensinava nu

ardim-de-infância disse que teve umapequena aluna que sempre falava da épocaem que vivera na Virgínia, fornecendo

inúmeros detalhes sobre o assunto. Um dia,minha vizinha perguntou à mãe da criançaquantos anos tinha a menina quando se

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mudaram da Virgínia para a Flórida. A mãepareceu confusa e disse:– Nunca moramos na Virgínia.

Uma mulher que trabalhou como babá mefalou que a criança de quem ela cuidava

havia lhe contado uma longa história que

começava assim:– Antes de ser quem sou, eu vivia em SãoFrancisco e minha melhor amiga se chamava

Bonnie. Nós estávamos num furgão emorremos num acidente.Era impossível saber o que eu encontraria se

pudesse ir em busca dessas crianças e fazerperguntas aos seus pais. Talvez a criança quedisse morar na Virgínia tivesse lembranças

que permitissem identificar o tempo e olugar. E a menina que falou sobre ter morridoem São Francisco num furgão com sua

lh d

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melhor amiga, Bonnie, pode agora ter selembrado de muitos outros fatos quepermitam a identificação da personalidade

anterior. Se eu pesquisasse os acidentes derânsito envolvendo mortes acontecidas entre

cinco e dez anos antes do nascimento da

menina, teria chances de encontrar uma

Bonnie que morrera acompanhada de outramulher num acidente com furgão.Naturalmente, minha amiga sequer se

lembrava do nome da moça e nem  tinhacerteza de que Bonnie era mesmo o nome dapessoa que também morrera no tal acidente.

Estava contando essas histórias para o meuamigo, Gene Weigarten, editor e colaboradordo Washington Post, uma das pessoas mais

céticas que conheci, o tipo de indivíduo quepreferia enfiar a mão numa máquina de moercarne do que admitir a possibilidade de

di f ô i El

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acreditar em fenômenos paranormais. Ele medeixou concluir e depois disse:– Você se lembra daquela história sobre o

irmão de Arlene?Arlene, a esposa de Gene, tinha crescido eConnecticut. Várias gerações de sua família

viveram naquela região. Entretanto, tão logo

seu irmão menor, Jim, aprendeu a falar,começou a dizer: “Eu nasci em Dixie.”Os pais o corrigiam, explicando que ele

nascera em Bridgeport, em Connecticut, maso garoto insistia: “Eu nasci em Dixie.”– Não era apenas o fato de ele sempre dizer

isso – acrescentou Arlene quando lheperguntei sobre o assunto. – Era porque elealava Dixie. Em Connecticut, nos anos

sessenta, ninguém usava essa palavra para sereferir ao Sul dos Estados Unidos.Perguntei se a família alguma vez pensara

i ti l ó i d

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que isso tivesse algo a ver com memórias devidas passadas.– Está brincando? – disse ela. – Nós

achávamos que se tratava de mais uma provada criança muito esquisita que ele era.

Então, a família fez sua primeira viagem de

carro em direção ao sul, até a Flórida.Como a mãe de Arlene tinha recordaçõesmais precisas sobre a viagem, telefonei para

ela. Phyllis Reidy se lembra:– Éramos muitos: eu, meu marido, minhasogra e as duas crianças, todos na

caminhonete vermelha. Naquela época nãohavia essas grandes rodovias e tivemos queseguir pela estrada velha. Arlene tinha nove

anos e Jim, seis. Uma das primeiras coisasque Jim havia dito quando começou a falarera: “Eu nasci em Dixie.” Repetia isso a todo

i t t E f l d j it t h

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instante. E, falava de um jeito estranho, com certo sotaque. Costumávamos perguntar

se ele era de Boston, mas o menino insistia:

“Nasci em Dixie.” Achávamos graça e ficavapor isso mesmo.

– Então – prosseguiu –, quando fomos de

carro para o Sul, ele ficou agitado e começoua afirmar, sem parar, que seus avós, seu pai esua mãe vieram de Dixie. Eu lhe disse: “Nós

somos os seus pais.” E ele respondeucategoricamente: “Não são.” Estávamos naGeórgia, um pouco ao sul do limite com a

Carolina do Sul, e ele parecia terenlouquecido. Disse: “Vou mostrar a vocêsonde era a minha casa. Ali está ela! É logo ali,

no alto daquela colina, atrás daquelasárvores.”– Ele descreveu a casa? – indaguei.

Só di “ lh ”

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– Só disse que era uma “casa velha”.– Vocês saíram da estrada para averiguar?– Nem pensamos numa coisa dessas –

respondeu ela. – Depois daquela viagem, elenunca mais falou sobre ter nascido em Dixie.

O sotaque durou mais umas duas semanas

depois que voltamos e, então, desapareceu.Embora Phyllis pensasse que Jim sequer selembraria do incidente, anotei o número de

seu telefone e falei com ele. Jim Reidy moraatualmente em Massachusetts, onde trabalhacomo engenheiro eletrônico.

– Você se lembra disso como uma históriaque sua família lhe contou? – indaguei. – Ouse lembra de ter tido tais memórias antes da

viagem à Geórgia?– Lembro-me de ser capaz de descrever acasa – respondeu Jim. – Sempre pude ver a

imagem daquela casa: o balanço na varanda

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imagem daquela casa: o balanço na varanda,o salgueiro chorão, a cerca de madeira.Também me lembro dos meus pais.

– Quer dizer, os seus pais e os de Arlene?– Não, estou falando dos meus pais naquelacasa. A imagem dos rostos é um pouco

nublada, mas me lembro que era

aristocráticos, pessoas de grande influência. Eeu era o bebê, absolutamente mimado. Todosaziam rebuliço ao meu redor. Só me lembro

disso.– O que você concluiu dessa história? –perguntei. – Pensou na hipótese de ter

reencarnado?– Na verdade, não. Éramos descendentes decatólicos irlandeses e a reencarnação não se

encaixa nesse ambiente. Mas pensei quealvez existissem universos paralelos, ououtra coisa assim.

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Eu fiquei pensando se valeria a pena ir coJim até a Geórgia para verificar se ele seria

capaz de reconhecer a casa. Mas ainda queela existisse e ele a reconhecesse, aonde issonos levaria? Ele se lembrava somente de que,

em algum momento, um casal aristocrático eseu filho único viveram numa casa com u

alanço na varanda e um salgueiro chorão.Antes dos anos sessenta isso era comum no

Sul.Na prática, toda a história não passara deuma lembrança divertida, mas eu não

conseguia parar de pensar nela. Ali estavama família que não acreditava ereencarnação e nem cogitava do assunto.

Nunca tinham ouvido falar em Stevenson eem suas pesquisas, que nem haviam sidorealizadas quando tudo isso aconteceu.

Entretanto exceto pela falta de interesse

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Entretanto, exceto pela falta de interessedemonstrado pela família, o formato do casoera idêntico ao dos encontrados no Líbano.

Em suas primeiras falas a criança afirma nãoser “dali”, mas de algum outro lugar.Aqueles não são os seus pais, seus pais são

diferentes. “Vou lhe mostrar onde era aminha casa...” Começava a surgir umaresposta para a pergunta “por que nãoexistem casos por aqui?”.

Existem sim. Se consegui tudo isso apenasconversando com alguns conhecidos, o quema pesquisa sistemática me levaria a

encontrar?Nem mesmo Stevenson havia procuradosistematicamente casos de vidas passadas nos

Estados unidos. Entretanto, através deinformações e de pessoas que o contactavacada vez que seu trabalho aparecia nos meios

de comunicação ele acabara reunindo mais

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de comunicação, ele acabara reunindo maisde cem casos no país de crianças que faziaafirmações sobre vidas passadas, tendo

investigado vários deles em profundidade.Ao todo, as crianças não têm tantaslembranças específicas como no Líbano e na

Índia. Mencionam poucos lugares ou nomes,às vezes nenhum, tornando impossível aidentificação da personalidade anterior. Naverdade, os únicos casos norte-americanos

encontrados por Stevenson nos quais ascrianças disseram o suficiente para permitiral identificação, fornecendo dados sobre

outras vidas passíveis de verificação, fora“casos na mesma família”, como o de umenino que afirmava lembrar-se da vida do

avô.Entretanto, por mais convincentes que sejam,esses casos familiares apresenta dois pontos

fracos Um deles a evidente motivação – a

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fracos. Um deles, a evidente motivação – ador da perda e o desejo de fazer com que

ma pessoa amada possa retornar – que

poderia levar os pais, de maneirainconsciente, a fabricar o caso. O segundo, aóbvia possibilidade de que a criança, através

de canais normais, conheça fatos sobre a vidada pessoa morta, criando, assim, as suas“memórias”.No aeroporto de Paris, enquanto

aguardávamos nosso vôo para a Índia,Stevenson havia me falado a respeito de ucaso na mesma família, que ele estava

investigando em Chicago. A mãe, funcionáriade uma lanchonete, passara por umaexperiência trágica com seu primeiro filho –

um menino que morrera aos três anos, de utipo muito agressivo de câncer. Ele teve utumor no lado direito da cabeça e outro no

olho esquerdo apresentando ainda paralisia

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olho esquerdo, apresentando ainda paralisianas pernas. O menino ainda conseguiuaprender a falar apoiando-se em muletas.

Mas seu estado logo piorou e ele teve que serhospitalizado, morrendo logo depois.

A mãe ficou desolada e não se conformounem mesmo após ter tido outras duascrianças. Quando nasceu a quarta, umenino, ela se convenceu de que era o

primeiro filho renascido. Ele apresentavamarcas e imperfeições de nascença quecombinavam com as áreas em que a criança

morta tivera problemas: um nódulo nacabeça e um defeito no olho esquerdo, ondese localizavam os tumores, um problema na

perna que o faria mancar e um sinal no tóraxonde os médicos haviam inserido um tuboquando o primeiro filho estava morrendo.

Esse sinal chegou até mesmo a apresentar

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Esse sinal chegou até mesmo a apresentarma secreção.

O problema desse caso era que o longo e

prolongado sofrimento da mãe em relação áperda do primeiro filho levava a pensar maisna possibilidade da fantasia estar realizando

um desejo do que em indícios dereencarnação. Quaisquer correspondênciasentre os sinais ou imperfeições de nascença ea doença do primeiro filho poderiam ser

apenas uma coincidência capaz de ativar namãe a crença de que a criança haviarenascido. Alem disso, a brevidade da vida

do primeiro filho, associada ao desejo da mãede tê-lo de volta, invalidaria quaisquerafirmações que o filho mais novo viesse a

fazer.Eu sabia que mesmo no melhor caso familiarainda haveria a fragilidade intrínseca do fato

de, desde o nascimento, a criança estar

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de, desde o nascimento, a criança estarcercada de fontes potenciais de informaçãosobre a vida anterior que ela afirmava

reencarnar. Ainda assim, quis observar deperto um desses casos. Afinal, eles

constituíam grande parte da coleção deStevenson no país.Dentre eles havia a história de uma criançaque também vivia em Charlottesville. Pouco

tempo depois de voltarmos da Índia, tomeium avião e fui me encontrar com Stevenson.A meu pedido, ele havia entrado em contato

com a família, que concordou em conversarcomigo.– Não me importo de voltar para mais uma

visita – disse-me Stevenson. – Há algunspequenos detalhes que gostaria de verificaroutra vez.

E assim, numa manhã, atravessamos juntosl l d h l ll

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E assim, numa manhã, atravessamos juntosas pitorescas colinas ao sul de Charlottesville.O caso envolvia um menino, agora com nove

anos. Segundo a família, ele se lembrava davida de um tio que morrera na adolescência,

num acidente com um trator, vinte anos antesdo seu nascimento.Os pais aceitaram o encontro com a condiçãode que eu não os identificasse pelo nome

completo e nem pela  localização dapequenina casa onde moravam – situada nomeio das montanhas, um lugar de

inacreditável beleza.– Tudo o que conseguem enxergar faz partede nossa propriedade – explicou-me a tia do

menino quando parei na varanda e espichei opescoço. Ela era a irmã mais velha do morto,uma mulher pequena que trabalhava como

conselheira e orientadora numa escola dai S i i i l

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região. Sua irmã, muito mais alta, eraJennifer, a mãe da criança. Ela nos recebeu na

sala escura, ondeo menino, Joseph, estava acomodado numapoltrona grande. Quando entramos, ele nos

dirigiu um rápido olhar e logo voltou aprestar atenção nos desenhos animados quepreenchiam suas manhãs de sábado. Eraroliço como a mãe, com o rosto redondo,

cabelos claros cortados com fran ja e o olharvulnerável de uma criança com quem asoutras costumam implicar. A tia chegou a

comentar que os colegas de escolacostumavam chamá-lo de “garoto deazenda”, zombando dele por morar no

campo, num lugar tão afastado.O tio, um rapaz que tinha abandonado osegundo grau, chamava-se David. Ele

morrera quando o trator que dirigia virou,d lh it S d ã

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q q g ,esmagando-lhe o peito. Segundo a mãe,Joseph era asmático desde o dia em que

nasceu, o que o fazia perder muitos dias deaula.

– Meus pais ficaram desesperados com amorte de David – disse a tia. – Ninguém tocano assunto. E certamente ninguémencionou meu irmão em conversas casuais

depois que Joseph nasceu. Por isso, não seriapossível ele ter ouvido nada daquelas coisas.“Aquelas coisas” eram uma série de

afirmações feitas por Joseph que pareciacorresponder à vida de seu tio David. Elesempre chamava a avó de “mamãe” e dirigia-

se à própria mãe usando o primeiro nome,mas ninguém tinha prestado atenção nisso –afinal, a tia e a mãe também chamavam a avó

de Joseph de “mãe” –, até o menino começarf t d t lh

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J p , ça fornecer outros detalhes.– Um dia, ele estava sentado na calçada da

casa de meus pais, olhando para cima. Nós oobservávamos – disse a mãe. – Ele chamou aavó e disse: “Mamãe, você se lembra quando

papai e eu subimos ali e pintamos o telhadode vermelho e eu fiquei com os pés e aspernas cobertos de tinta? Puxa, como vocêficou brava!” Minha mãe disse: “Joseph?” Ele

não respondeu. Então, ela exclamou: “Deusmeu, Jenny, era David falando comigo,Porque David pintou o telhado e fez a maior

sujeita, tinha mais tinta nele do que no teto.”O interessante é que o telhado foi pintado devermelho em 1962, mas depois nós o

pintamos de verde, como é até hoje. Um dia,estávamos seguindo pela via 11 e Josephdisse: “Quando eu estava crescendo, não

avia casas ali. Tudo era coberto de árvores,onde costumávamos caçar ” E uma outra vez

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onde costumávamos caçar. E uma outra vezestávamos passando pela agência de

administração das fazendas e ele falou: “Eume lembro que aqui era um milharal.Costumava ajudar a colher o milho co

Garth Clark e Stanley Floyd.” Eu disse: “Émesmo?” E ele respondeu: “É, sim. E nós

rigamos por causa de um par de botas.”Perguntamos se ela conhecia aqueles nomes,

se eram mesmo de pessoas com quem Davidse relacionava.– Não conheço os nomes – disse ela. – Mas

existem muitos homens chamados Clark eFloyd nessa região.A tia nos contou que, de tempos em tempos,

Joseph fazia outras afirmações semelhantes esempre falava como se aquelas “memórias”fossem parte de sua própria vida.

– Ele me perguntou: “Quando vamos brincarcom os lençóis no varal como costumávamos

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p gcom os lençóis no varal como costumávamosazer?” Quando éramos pequenos, David e

eu fazíamos essa brincadeira. Entretanto, hámais de dez anos que não dependuramos

lençóis no varal. Usamos uma secadora,como todo mundo.Enquanto Stevenson ia fazendo uma série deperguntas relacionadas a uma entrevista

anterior, comecei a ler as transcrições damesma. Quando cheguei a um determinadoponto, quase exclamei em voz alta: “Uau!” –

era sobre Michael, o “amigo invisível” deJoseph.De aordo com Jennifer, durante muitos anos

Joseph teve um amigo imaginário chamadoMichael. Ele ouvia o menino conversar edizer o nome do amigo, quando estava

sozinho no quarto. Ele até comprourinquedos para Michael e quando

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rinquedos para Michael e, quandoacrescentou mais um chapéu à sua coleção,

comprou um para o “amigo”, para “evitarbrigas”.

– Acho engraçado quando brigo com Michaele jogo meu carrinho. O carro atravessa ocorpo dele – disse Joseph, um dia, para amãe.

– Ele acha que consigo ver Michael – elacomentou.E conseguia?– Às vezes sinto um arrepio nas costas ou u

vento passando bem perto. Uma vez Josephlevou minha sobrinha Jamie para brincar coMichael e ela voltou dizendo: “Não gosto de

brincar com Michael. Eles são maus paramim.”Jennifer contou ainda que, algumas vezes, o

cachorro rosnava quando Joseph dizia queo amigo estava por perto Mas Michael não

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o amigo estava por perto. Mas Michael nãoaparecia há muito tempo.

– Ele ficou zangado comigo e foi embora –explicou o menino.

Joseph jamais deu um sobrenome paraMichael ou mencionou qualquer ligação delecom o tio morto. Mas sua mãe disse que udia, quando passavam de carro pelo

cemitério, o menino disse:– Vamos parar e procurar o túmulo deMichael. Fica em algum lugar por aqui, co

uma bandeira dos Estados Unidos por cima.Inúmeras crianças possuem amigosimaginários e as pessoas acreditam em várias

coisas. Mas o depoimento da família quantoàs afirmações que relacionam o menino ao tiomorto não perde credibilidade pelo fato de

Joseph ter um amigo invisível e sua mãe aomenos aceitar a idéia de que Michael poderia

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menos aceitar a idéia de que Michael poderiaser algo mais do que fruto da imaginação do

filho.Entretanto, como Stevenson disse uma vez,eu não gostaria de apresentar esse caso

diante de um tribunal. Quando estávamosprestes a sair, perguntamos se elas teriaalgo a acrescentar sobre palavras ou atitudesde Joseph.

– Tenho certeza de que há muito mais – dissea tia. – Mas nunca anotamos nada.Então, ao sair da casa, quando a tia estava

dizendo algo a respeito de amarrar os sapatosde Joseph, Jennifer exclamou:– lembrei-me de uma coisa! Quando era

pequeno, Joseph insistia para quecomprássemos sapatos grandes demais paraele. Dizia: “mamãe, eu sei qual é o meu

amanho, é 40.” Era um problema. Ele nãodesistia Tivemos que comprar um par desse

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desistia. Tivemos que comprar um par desseamanho, levar para casa e fazer com que ele

sasse só para provar que era grande demais.– Que número David usava? – perguntei.Masá sabia a resposta.

17A FRONTEIRA DA CIÊNCIAAquela semana foi muito agitada paraStevenson em Charlottesville, pois coincidia

com a conferência anual da Sociedade deExploração Científica, da qual ele era um dossócios fundadores. Stevenson falara sobre ela

o Líbano e na Índia. Ele tinha esperança deque a Sociedade pudesse lutar contra oisolamento dos estudos parapsicológicos,

ajudando a aproximar pessoas como ele daciência normalmente aceita pela maioria.Não achei que fosse coincidência o fato de a

reunião acontecer por ali, onde Stevensonvivia: ele era uma figura de grande

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vivia: ele era uma figura de grandeimportância no grupo, a quem todos se

referiam com profundo respeito. No início dasemana ele havia feito uma palestradelineando a tônica das futuras discussões.

Na ocasião, discorreu sobre um assunto sobreo qual havíamos conversado na noite em quevoltávamos de nosso desconfortável encontroem Sharifpura, argumentando que o tipo de

pesquisa de campo que havíamos realizadoera válido cientificamente, ainda que nãosatisfizesse todas as exigências de uma

experiência em laboratório.Não ouvi a palestra, mas li sua publicação.Estava escrita na linguagem formal que

Stevenson costumava usar. Em suaconclusão, ele conseguiu expressar eapenas três frases os quarenta anos de uma

experiência muitas vezes frustrante, assicomo sua fervorosa esperança para o futuro.

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como sua fervorosa esperança para o futuro.“As dificuldades aparecem quando as

observações relatadas parecem entrar econflito com os ‘fatos’ aceitos pela maioriados cientistas como algo estabelecido e

imutável”, escreveu ele. “Os cientistastendem a rejeitar observações conflitantes...Entretanto, a história da ciência nos mostraque as novas observações e teorias pode

acabar prevalecendo.”Como Stevenson estava sempre muitoocupado, tive bastante tempo para ficar

vagando pelo campus da Universidade deirgínia, um dos mais espetaculares do país.Na alvorada do século dezenove, quando o

campus fora construído, o universo pareciaestar oferecendo seus segredos à ciência coenorme rapidez. Deviam pensar que logo não

haveria mais nenhum mistério a resolver.Toda a Criação se tornaria metódica, serena e

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ç ,bem cuidada, como aquele lugar.

Mais de um ano já havia transcorrido desde omeu primeiro encontro com Stevenson.Desde então, passara a ler compulsivamente

tudo o que encontrava sobre teoria quântica,pesquisas bioquímicas e inteligência artificial.Era um tipo de assunto quase impenetrável,que permanecia sempre nos limites do meuconhecimento e compreensão.O pouco que eu sabia me dava a sensação deque o avanço da ciência tem sido muito mais

espetacular do que qualquer pessoa, no iníciodo século, poderia sonhar. Nos últimostempos, porém, era menos satisfatório.

Quanto mais se avança, mais se teconsciência dos mistérios a sereperscrutados.

Meu conhecimento não era mais amplo doque o da maioria das pessoas. Mas agora eu

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q p ginha um motivo para explorar essa fronteira,

ma necessidade de compreender se existiaalgo que pudesse lançar uma luz, ainda queindireta, sobre o que eu estava vendo.

Desde que terminara meus estudos de físicano segundo grau, aquilo que tinha sidocolocado como definitivo vinha sendosuperado rapidamente por novasdescobertas. Toda a ciência do mundosubatômico baseava-se em mistérios. Isso nãosignificava que os cientistas não fosse

ábeis ou inteligentes, mas as perguntas semultiplicavam indefinidamente.As fronteiras de tudo aquilo que

considerávamos realidade eram muito menosdefinidas do que imaginávamos. A realidadetinha que ser pensada com categorias

absolutamente revolucionárias dos conceitosque nos habituamos a configurá-la, com u

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q gnível de sofisticação incompreensível para

quase a totalidade dos leigos.Baseados nessas novas concepções, o agora, oontem e o que ainda está por vir pode

existir – usando uma palavra que só éadequada num mundo tridimensional –simultaneamente. É esse o problema: nenossa experiência nem nossa linguageforam feitas para lidar com uma realidadequadridimensional, pois somos ligados àseqüência, à idéia de que um tempo – o

presente – existe e os outros são relembradosou imaginados.Como seria ver o mundo em quatro

dimensões?Talvez todos os estranhos fenômenosdescobertos pela ciência, e outros dos quais

os cientistas ainda nem se deram conta,parecessem estanhos para as criaturas

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p ptridimensionais condenadas a se deixare

levar através do espaço em quatrodimensões, conseguindo ver somente as

sombras do que está fora de sua esfera depercepção.E quem somos “nós”, afinal? Geneticistas,biólogos e cientistas da computação têpassado décadas lutando uns contra osoutros para serem os primeiros a criar, oupelo menos definir, a consciência. Nenhu

deles sequer vislumbrou uma solução.Onde e que tudo isso nos deixa? Num estadode admiração paralisante? Ou numa

insatisfação produtiva?Acho que essa insatisfação, pelo menos eparte, explicava a reunião da Sociedade de

Exploração Científica, uma federação decientistas associados de maneira um tanto

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indeterminada. O traço comum entre eles era

a visão de um espaço vazio entre o que aciência tradicional não consegue explicar e a

ortodoxia científica que descarta sediscussão certas idéias.Nem todos os membros da Sociedadeestavam propondo idéias radicalmentecontrárias, como fazia Stevenson. Naverdade, alguns estavam ali para, antes detudo, tentar desmascarar quaisquer

imposturas. Mas todos tinham interesse eusar um método científico para estudarassuntos vistos com escárnio pela ciência

tradicional, como, por exemplo, a existênciaou não de ÓVNIS, da vida após a morte, dapercepção extra-sensorial, das curas

mediúnicas, ou mesmo de um mecanismoque responda pelo fato de mulheres que

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vivem próximas umas das outras terem uma

tendência a apresentar períodos menstruaissincronizados.

Desnecessário dizer que tudo isso gerou umaampla variedade de palestrantes e ouvintes.Os tópicos iam do sóbrio “Um centro paraestar a eficácia de certas terapias alternativas

e complementares na redução da dor e dosofrimento em determinadas populações depacientes” aos temas mais delirantes.

Participantes beirando a paranóiacompartilhavam o evento com pessoas deinquestionável conhecimento. Um dos

palestrantes, um demógrafo da universidadeJohns Hopkins chamado David Bishai, estavaali para falar sobre a dinâmica da migração, o

que explicaria por que a explosãopopulacional não refuta automaticamente a

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ese da reencarnação. Ele vira num programa

de televisão, do tipo “mistérios científicos”,uma pessoa dizer que o número de sereshumanos que já viveram não seria suficiente

para fornecer almas para toda a populaçãoatual.– O erro era óbvio – disse Bishai. Eprimeiro lugar, ele explicou que as maisconfiáveis estimativas demonstram que o

úmero de pessoas que já morreram excedeem muito o número das que vivem agora.

Porém, ainda que isso não fosse verdade, nãoaria diferença. Ele desenhou um diagramano quadro-negro mostrando uma linha que

dividia doisJoel, uma das pessoas mais inteligentes que jáconheci, trabalhou comigo no Herald,

escrevendo uma coluna onde explicava aciência para as massas. Ele me disse que,

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entre outras coisas, seu livro jogava por terra

a idéia de que nosso planeta foi algum diavisitado por extraterrestres a bordo deOVNIS. Ao fazer isso, no entanto, ele

também discorria sobre a atuação da ciência,defendendo o mesmo conservadorismo e amesma rigidez contra os quais lutavaalguns participantes da conferência.Joel não apenas roubou a cena, mas porpouco não desencadeou um tumulto, aoinsistir em que a ciência tradicional era assi

por uma razão: ela fazia sentido, não sedeixava levar pela emoção, não tiravaconclusões apressadas e nem se envolvia e

conspirações para abafar a verdade. Elaapenas exigia provas científicas rigorosas,conseguidas através de meios passíveis de

repetição, potencialmente capazes de refutá-las em experimentos objetivos.l

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Suas palavras causaram protestos categóricos

e agressivos por parte de um membro daplatéia, mas as justificativas erainconsistentes, e Joel ouviu-o sem refutá-lo.

Começava a anoitecer quando saí com Joelnum automóvel alugado. Além de termosrabalhado juntos durante vários anos, Joel e

eu tínhamos sido colegas de quarto, por ucurto período, quando cheguei a Miami e eleacabava de sair de Princeton. Isso fora hámuitos anos, mas o sentimento de liberdade e

confiança permanecia.– Então, qual é o negócio com o tal deStevenson? – perguntou Joel.

Contei a ele sobre o que tinha visto no Líbanoe na Índia, assim como nos dois últimos dias,na Virgínia. Disse-lhe que, depois de mais de

um ano viajando, quase fazendo a volta aomundo, não podia rejeitar nada daquilo.E l i

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Entretanto, por algum motivo, não era capaz

de afirmar, de fato, que acreditava.Ele disse tudo o que eu já esperava ouvir:como era possível falar seriamente sobre

reencarnação quando não se tinha a menoridéia do que seria a alma, ou se ela existia? E,se as almas realmente existissem, como elasocupavam um corpo ou se moviam de upara outro? Aquilo que as criançasdemonstravam saber e que parecia desafiarqualquer explicação era mesmo fascinante.

Mas constituía material para um ótimo livro,e não para a ciência. Por mais que parecesseimprovável, a corrente de coincidências e

conspirações teria que ser a explicaçãonormal para os casos. Na ausência demotivos convincentes para acreditar e

almas e em sua transferência de um corpopara o outro, uma pessoa racional precisalh

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escolher

o improvável e não o inexplicado.– Acredite-me, tenho refletido sobre tudo isso– disse. – É que...

O sol já havia se escondido atrás das colinas,a oeste. Um vento úmido e suave atravessavao automóvel. E eu entendi. Finalmente,compreendi o que vinha assombrando aminha mente desde a Índia, talvez até antes.– Quer ouvir uma longa história? – perguntei.– Claro.

– Logo que terminei a faculdade, no verão de1976, um amigo e eu decidimos dirigir pelopaís até que nosso dinheiro acabasse. Essa

viagem se tornou uma maratona deconversas. Dirigíamos, ouvíamos música econversávamos. Como éramos dois rapazes

de vinte e pouco anos, nosso principalassunto eram as mulheres. Havia duaslh i h id bi t

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mulheres na minha vida e percebi que estava

associando cada uma delas a uma visãodiferente do futuro. Uma era segura,previsível, quase um abrigo. A outra,

perigosa, arriscada, um salto sem rede. Àmedida que a viagem prosseguia e queouvíamos várias vezes as mesmas fitas demúsica, na minha cabeça cada uma daquelasmulheres, cada uma daquelas posturas dianteda vida, ficou associada a uma canção. Oabrigo seguro era Shelter from the Stor

(Abrigo da tempestade), de Bob Dylan. Aselvagem e perigosa era uma daquelasmúsicas desesperadas de Bruce Springteen,

She’s the One (É ela).– Duas musicas excelentes – comentou Joel.– Isso mesmo. E ambas mexiam comigo.

Ambas as mulheres e ambas as músicas. Meuamigo e eu discutimos esse assunto sob todosos aspectos possíveis Conversamos de uma

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os aspectos possíveis. Conversamos de uma

maneira que só acontece quando você tevinte e dois anos e está desempregado,dirigindo numa estrada vazia, uma hora

antes do amanhecer, a um lugar onde nuncaesteve.– Como você pode imaginar, essa discussãocontinuou sem parar, enquanto rumávamospara oeste e os espaços se tornavam maisamplos e mais desabitados. Visitamos unsconhecidos em Phoenix e tomamos a direção

de Los Angeles, nosso objetivo final. Nocaminho, pretendíamos parar e caminharpelo Grand Canyon. Mas já era tarde e

decidimos seguir mais uma hora para o sul,passar a noite numa área própria paraacampar e voltar para o Canyon bem cedo,

a manhã seguinte.– A área de acampamento era apenas umaplanície ao pé de algumas montanhas

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planície ao pé de algumas montanhas.

Embora rodeada de algumas árvores, eraquase toda aberta. Uma estrada de terralevava até lá, atravessando umas três

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Tomar o caminho mais seguro seria umaatitude bem fundada e sensata ou um passo

covarde em direção a uma vida de tédio earrependimento?– O problema começou a se refletir nasdecisões mais imediatas. Deveríamos ir paraLos Angeles, como havíamos planejado? Ou

seria melhor nos aventurarmos pelo México,uma terra desconhecida? Deveríamos voltarpara a Flórida e procurar emprego, como

sempre imaginamos fazer um dia? Ou ficarali, no oeste, e recomeçar tudo, sem contatos,dinheiro, contando apenas com o

inesperado?– Acho que você está me entendendo. Era omomento de decisão A hesitação a completa

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momento de decisão. A hesitação, a completa

incapacidade em separar a verdade da ilusãome atormentavam.

– Conversamos durante várias horas.Quando voltamos para o acampamento, já

era tarde da noite. Eu me sentia exausto. Meucérebro doía. Estávamos ali, atiçando o fogocom pedaços de pau, e meu amigo disse:“Quem sabe pegamos o carro agora mesmo eseguimos para o México?”

– A idéia realmente me atraía. Era audaz,impulsiva, arriscada. Então, comecei a pensaro quanto eu estava cansado, em como,

provavelmente, acabaríamos parando naestrada, no meio do nada, para dormir dentrodo carro, sentindo-nos como dois idiotas por

ermos saído daquela agradável área deacampamento e desistido de visitar o GrandCanyon

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Canyon.

– Minha cabeça ia explodir. Gritei: “Esperem minuto! Essa decisão é igual a todo o

resto.” De repente pude ver como eu passara

tantas horas, senão semanas, correndo atrásdo próprio rabo. “Não vou mais fazer isso”,

disse então. “Agora vou aguardar algusinal.”– Minha dor de cabeça desapareceu namesma hora. Senti-me envolvido por usilêncio insondável. Ficamos ali, no escuro,

ouvindo o fogo crepitar.– Exatamente sessenta segundos depois,escutamos o som longínquo do motor de u

automóvel movendo-se pela noite. O barulhofoi aumentando e vimos luzes de faróismovimentando-se por entre as árvores.

Finalmente, um furgão se aproximou pelaestrada de terra. Lembre-se, a área deacampamento estava totalmente deserta O

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acampamento estava totalmente deserta. O

furgão passou pela primeira área, pelasegunda, seguiu em direção onde estávamos,oi até o final e parou bem ao nosso lado.

 Joel pulou no assento do carro e bateu com a

mão no painel.– Droga! – exclamou ele. – É melhor que nãoseja a música de Springteen.– A porta lateral do furgão se abriu –prossegui v e o som nos atingiu como u

apa, a voz luminosa, as guitarras estridentes,as marteladas no teclado. Springteen. She’she One.

– Oh, que droga! – disse Joel outra vez.– A música seguiu direto até o ponto em queele diz: “E você tenta, só mais uma vez,

vencer os obstáculos...” Então parou, fazendoaquele barulho eletrônico que se ouvequando alguém desliga de repente. As luzes

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quando alguém desliga de repente. As luzes

se apagaram, a porta foi fechada e éramos sónos dois outra vez. Silêncio completo. Não

ouvimos mais nenhum barulho. Nenhumavoz. Nenhum sussurro. Nada.

Joel riu.– Meu amigo e eu apenas olhamos um para ooutro. Eu disse: “É engraçado. Você pede usinal e consegue. Um enorme, espalhafatoso,cintilante sinal de néon. E ainda assim não

sabe o que ele quer dizer.” Meu amigo disse:“Não é óbvio?”– E eu sabia do que ele falava. Era óbvio que

ele queria me dizer que o “sinal” estava meavisando para tomar o caminho da coragem,escolher a mulher perigosa, jogar a cautela

para o alto. Se eu tivesse ouvido a descriçãoda cena, pensaria a mesma coisa. Mas ali, nomeio de tudo aquilo, nem pensei nessa

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meio de tudo aquilo, nem pensei nessa

ipótese. Ficou logo bem claro para mim queaquela incrível coincidência não poderia serm guia prático capaz de definir as escolhas

que deveria fazer. Era estranho demais e aomesmo tempo excessivamente magnífico e

rivial. Tive a forte certeza de que o universoestava rindo de mim, do meu auto-envolvimento, e o mais inesperadoaconteceu: a ansiedade que eu sentiasimplesmente desapareceu.– Embora logo tivesse percebido que o“sinal” não era o que parecia, levou muitotempo para que eu o encarasse como o faço

agora. Por algum motivo, recebi essa dádiva,essa extraordinária e irrefutáveldemonstração de que não se pode analisar o

mundo baseando-se apenas no que aparecena superfície. O universo e o ser humano sãomuito mais do que máquinas de matéria

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física, automáticas, vazias. Existe uma... forçaem algum lugar, algo que ultrapassa oconhecimento, mas que podemos, em algu

nível, sentir e ver e com a qual podemosinteragir. Minha vida tão insignificante e

todos os meus assuntos pessoais ligaram-se,de alguma forma, a algo tão gigantesco, tãoalém de mim mesmo, que poderiacoreografar uma pequenina representaçãocomo aquela, feita sob medida para a mentede um rapaz confuso.– Eu senti tudo aquilo profundamente. Umaárea de acampamento vazia, no meio do

ada, no meio da noite. E dois rapazes ali,discutindo tudo em termos de duas canções,durante semanas, e em sessenta segundos,

após decidir “esperar por um sinal”, ufurgão aparece, toa uma daquelas músicas, sóisso, e fecha a porta? Eu teria pensado que

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era uma alucinação, mas meu amigo estavaali, de testemunha! E na manhã seguinte,quando o dia clareou, estávamos finalmente

adormecendo quando ouvimos a porta dofurgão se abrir, o toca-fitas ser religado, a

última parte da música tocar alto, a porta sefechar com força, o veículo tomar a estrada eir embora.– Sem dúvida, essa é uma história notável –disse Joel. – E não duvido que tenha sidoexatamente como você se lembra. Mas nãoacredito que haja algum ponto mágico eque um acontecimento improvável se

ransforme em “evidência” de algufenômeno totalmente novo. Qual éexatamente o fenômeno? Como é que o seu

cérebro ou os seus sentimentos poderiafazer com que o furgão e o motoristaparassem ali? Me dê uma teoria por trás do

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acontecimento e alguma maneira de testá-la.Essa sua história fala de um acontecimentomuito incomum, sem qualquer teoria para

explicá-lo, a não ser a existência de alguipo de fenômeno maior que une as mentes

umanas às realidades físicas. E fica implícitoque, se outras pessoas estiverem tentandodecidir com quem sair, isso pode fazer coque você dirija um furgão e toquedeterminada música de Springteen.Pessoalmente, não me sinto sob ocontrole de forças que emanam do cérebro deoutras pessoas. A solução mais fácil para essa

situação, se você quer saber o que eu penso, édizer que, embora fosse única e excepcional,ela não exige qualquer fenômeno estranho

para acontecer: precisa apenas que umapessoa leve um furgão até o lugar onde vocêsestavam e toque uma música de Springteen.

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q p g

E foi o que alguém fez, sem ter nada a vercom o seu problema. É isso o que eu acho.

– O problema com o paranormal –prosseguiu Joel – é que, por definição, ele

tende ficar tão distante do normal que,teoricamente, não pode ser medido. Então,não se pode provar que não está ali e neprovar que está. E, sendo assim, não possoexcluir a possibilidade de existir algumaligação entre os seus pensamentos e oaparecimento do furgão. Apenas não achoque se ja provável que exista qualquer

ligação.Dessa vez fui eu quem riu.– É isso – exclamei. – É essa ligação entre

tudo isso e aqueles casos de reencarnação. Eusabia que havia uma ligação, mas nãoconseguia identificá-la: o argumento é

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exatamente o mesmo. Tenho uma série defenômenos que não podem ser explicados deforma normal. Tenho depoimentos e

testemunhas que os corroboram. Você diz:“Não há como fazer uma experiência para

provar ou refutar.” Eu digo que, sem dúvida,vale a pena procurar outros casos nos quaisas testemunhas aleguem ter presenciadoeventos similares para, assim, determinar aprobabilidade de que se jam explicadosatravés de fraude ou ilusão. Só que, no meucaso, não preciso me preocupar com acredibilidade das testemunhas, se estão

enganando a si mesmas ou mentindo. Porqueeu sou o sujeito e a testemunha, e sei o queaconteceu.

– Então, a questão passa a ser: “Tudo bem, seique aconteceu, mas o que isso significa?”Você diz: “Talvez seja uma coincidência.”

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Ótimo, mas eu também quero dizer: “De jeitonenhum!” Não posso aceitar que aquilo tenhaacontecido sem haver qualquer ligação com o

que estava se passando na minha vida. Damesma maneira que, agora, desejo declarar

categoricamente que não posso aceitar quetodas aquelas crianças, todas aquelas famíliase todas as testemunhas estejam simplesmentementindo, que estejam iludidas, ou erradas.Aquelas crianças sabem de coisas que nãopoderiam saber normalmente. Estouaceitando este fato.– Mas no meu caso, embora eu aceitasse que

o que aconteceu naquela noite não era apenascoincidência, não aceitei a explicação queparecia óbvia quanto ao significado do sinal.

Simplesmente senti que não era aquilo.– E acho – prossegui – que afirmar que “essascrianças sabem o que sabem porque são

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reencarnadas” me parece simplista demais.Linear demais. É aceitar que sabemos o queão sabemos, como, por exemplo, o que é o

“tempo”, ou o que é a “identidade pessoal”.Por isso, estou chegando à mesma conclusão

a que já tinha chegado antes: essas criançasnão são importantes pelo que dizem sobredetalhes específicos ou sobre o que aconteceapós a morte. Sua verdadeira importânciaestá no que dizem sobre o funcionamento domundo: que ele é misterioso, que existeforças maiores em ação, que, de algumamaneira, todos nós estamos unidos por forças

que ultrapassam o nosso conhecimento, masque, definitivamente, não são irrelevantespara as nossas vidas.

Joel fiou em silêncio durante algum tempo.Quando chegávamos ao nosso destino, ele,como sempre, deu a última palavra.

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– Eu aceito isso como uma conclusão pessoal– disse ele. – Apenas não considero isso

ciência. Só mais tarde me ocorreu a respostaadequada: se não é ciência, talvez devesse

ser.18CRISÁLIDAS– Você é uma pessoa de sorte, tal como eu –Stevenson tinha me escrito quando eu estavaprestes a voar para Charlottesville. – Faleicom a mãe daquele caso sobre o qual lhe faleipor telefone. Ela concordou em conversar

com você. Infelizmente, devido a outroscompromissos, não poderei acompanhá-lo.Eu me sentia mesmo uma pessoa de sorte.

Aquela seria a última família que eu iriaentrevistar e ela preenchia uma série delacunas. Era um caso nos Estados unidos, no

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qual a criança se lembrava da vida de uestranho. E não apenas isso, havia tambéuma chance de que fosse o primeiro caso

não-familiar nos Estados Unidos copossibilidades de identificação da

personalidade passada.Na verdade, era estranhamente parecido coa história que Arlene Weingarten tinha mecontado sobre seu irmão Jim, o menino de“Dixie”. Desde muito pequeno, um garoto naVirgínia era obcecado por botas de vaqueiroe calças jeans. Ele se recusava a usar qualqueroutra roupa e falava sempre sobre a “sua”

azenda. Um dia, ele estava com a mãedirigindo pelo campo, quando começou agritar: “É essa a minha fazenda.” Até o

momento em que me dirigi para encontrá-los,os pais não tinham feito nenhuma tentativapara verificar a informação.

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Rodei por cerca de duas horas para fora deCharlottesville, até uma área nova que estavase desenvolvendo perto da estrada

interestadual. Era um daqueles lugares eque tudo, das caixas de correio às telhas, era

controlado pela associação de moradores eem que um gramado por aparar eraconsiderado alta traição. Pareia estranhoentrar com o Ford alugado na passagem quedava acesso a um cenário tão norte-americano dos anos noventa, sabendo quelogo estaria fazendo perguntas similares àsque tinha formulado nas montanhas Shouf,

no Líbano, e nos casebres de Uttar Pradesh.Debbie Lentz tinha trinta e nove anos,sedosos cabelos ruivos e uma agradável

informalidade. Ela e o marido eraproprietários de duas prósperas academiasde ginástica na cidade, um negócio que ela

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havia construído com seu próprio esforço.Tornara-se uma pessoa importante nacomunidade comercial e por esse motivo ela

não quis que sua história viesse a públicocom seu verdadeiro nome, que não é Debbie

Lentz.– Você não conhece as pessoas com quelido – disse-me ela, quando sentamos à mesada cozinha. – Pensariam que tudo isso éloucura.Debbie nunca havia se preocupado coassuntos como reencarnação ou outros temasespirituais da Nova Era. Considerava-se

parte dos milhões de norte-americanos quevivem confortavelmente no mundo secular,sem refletir muito sobre assuntos espirituais

que ultrapassem a idéia geral de que “coisasoas acontecem para pessoas boas”.Mesmo assim, foi preciso um esforço para

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que ela se convencesse de que era uma boapessoa para quem aconteciam coisas boas.Seu pai, um jovem escritor, morrera de u

ataque cardíaco quando ela tinha três anos.Sua mãe se casara novamente com u

homem que se revelara um alcoólatraagressivo que não gostava de crianças.Quando perguntei se ela já tivera algusentimento intuitivo de que a personalidadesobrevive após a morte, respondeu:– Você não imagina quantas vezes fiqueiacordada em minha cama, chorando cotodas as minhas forças pelo meu pai. E tudo o

que senti foi um terrível vazio interior, usentimento absoluto de que ele não estava lá.Então, onze anos, depois de casar e mudar

para o leste, ela descobriu que tinha câncer:dois tumores na virilha direita.– A radioterapia destruiu o ovário direito –

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explicou Debbie. – O esquerdo se salvou,porém, dois anos depois, tive uma gravidezdifícil. Meu médico entrou em pânico e

retirou meu ovário, pois havia sangue porodo lado. Quando acordei e ele me contou,

entendi que não poderia mais ter filhos.Exames de sangue confirmaram que ela nãoproduzia mais estrogênio. Aos vinte e quatroanos, estava na menopausa. Passou a fase dereposição hormonal.Debbie havia trazido dois enormes copos deágua bem gelada (“Água nunca é demais noorganismo”, disse ela, alegremente, quando

me passou o copo– sempre preocupada coa saúde.) Robert, seu filho de cinco anos,entrou na cozinha.

Eu o tinha visto no pátio externo, pedalandom triciclo. Observei que vestia bermudas eão alças jeans. Mas usava grandes botas

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pretas de borracha que teimavam eescorregar dos pedais. Ele vinha em direção à

mesa, um belo menino louro, de olhos azuis eexpressão grave.

– Mãe, estou cansado – anunciou.– Agora estou conversando – respondeu amãe. – Vá brincar ou ver televisão. –  Ela

voltou-se para mim. – Essa é a primeira vezque consigo fazê-lo usar bermudas. Ele serecusava a vestir qualquer coisa diferente decalças jeans. Só usa botas de vaqueiro desde aépoca em que começou a falar. Jamais usou

outro tipo de calçado. Usava botas devaqueiro com o calção de banho quando ia àpiscina.

– Ei, Robert – chamei. – Por que você gostaanto de botas de vaqueiro?Ele estava deitadoem frente à televisão, de barriga para baixo.

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– Eu gosto, só isso – respondeu.Debbiesentou-se à minha frente e continuou:

– Depois que tive câncer, tomei estrogêniodurante cinco, seis anos, e não me sentia bem.

Fui então ao oncologista pensando que estavacom outro tumor. Ele pediu uma série deexames. Quando saí do consultório, u

pensamento me veio à abeca: “Estougrávida.” Foi muito estranho. Fiz um examede sangue e deu positivo. Voltei ao médico eele disse: “Debbie, esse é o mesmo teste queusamos para encontrar um tumor. O

resultado foi positivo porque existe utumor. Você não está grávida.” Eu respondi:“Estou, sim.” Saí dali e, na manhã seguinte,

fui ao obstetra. Fizeram umaultrassonografia. Estava grávida.árias bênçãos numa só, segundo lhe disse o

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médico.– Ele afirmou que a chance de o meu sistemareprodutor voltar a funcionar e produzir uma

criança saudável, depois da menopausa e dotratamento radioterápico, era de uma em u

milhão. Eram esses, literalmente, os números.Mas a pior luta foi com meu ginecologista,que não queria que eu levasse a gravidez

adiante, temendo que isso ativasse as célulascancerosas. Os médicos pediram maisexames e me falaram de todas asdeformidades que a criança poderia ter. Eudisse para meu marido: “Sabe, existe u

plano superior trabalhando. Há um motivo.Não importa que a criança não tenha pernas,olhos ou braços. Então, para que fazer todos

esses exames?”– Aos cinco meses de gravidez – continuouDebbie –, concordei em que fosse feito u

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exame no feto. Fizeram o exame e o meninoera perfeito. Não havia anda errado. Então,

os médicos disseram: “Bem, talvez ele tenhasíndrome de Down.”

Não tinha. Na verdade, parecia mais espertoque a maioria das crianças.– Uma noite, fomos ao mercado, onde fazia

muito frio. O pai o estava segurando. Eleolhou para mim e disse: “Frio.” E eu pensei:“Meu Deus, ele só tem seis meses.”Robert dizia frases completas aos doze meses.– Ele sempre parecia entender o que lhe

alávamos – disse ela. – Nunca precisamoslhe ensinar palavras como “em volta”, “aolado”, “na frente”, “atrás”. Robert sabia o que

significavam desde o dia em que nasceu.Ainda estava engatinhando, a gente dizia“atrás de você” e ele se voltava para trás.

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– Quando foi a primeira vez que lhe ocorreua idéia de que ele poderia estar falando deuma vida passada? – indaguei.

– Começou como uma brincadeira. Quandomeu marido e eu estávamos com outras

pessoas, Robert ficava sempre falando sobrea “minha fazenda”. As pessoas diziam: “Ah,você mora numa fazenda.” E nós dizíamos:

“Não, isso foi na outra vida dele.”Brincávamos a respeito. Literalmente, umabrincadeira.Robert tinha dez anos na época. A famíliaLentz morava cerca de meia hora ao norte da

casa onde viviam agora, numa antiga árearesidencial.– Havia algumas fazendas ali perto, mas

Robert nunca teve nenhuma reação pertodelas. Sempre dizia “na minha fazenda”.Quanto mais velho ele ficava, mais o seu

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vocabulário se expandia. Aos três anos, disseque costumava esconder-se num depósitopara fumar quando tinha treze anos. Essa

conversa saiu do nada: “Mamãe, na minhafazenda, quando eu tinha treze anos, a gente

fumava.” Foi quando me dei conta de que,desde que começara a andar, ele colocava upedacinho de pau, um lápis, qualquer coisa,

na boca e fingia estar fumando. Eu e meumarido não fumávamos, nem ficávamosperto de pessoas fumando. E na creche eletambém não tinha contato com cigarro.– Sobre o que mais ele costumava falar? –continuou Debbie. – Sobre tratores, coisasligadas à fazenda, trabalhar na fazenda,acordar na fazenda, vacas... havia sempre

vacas na tal fazenda. Ah, ele falou tambéque um depósito havia sido destruídodurante uma tempestade. Pouco tempo atrás,

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acho que no inverno passado, eu e eleestávamos sentados assistindo televisão emeu marido acendeu a lareira. De repente,

ele disse: “Minha mãe costumava ficar pertodo fogo quando estava grávida. Mamãe,

deixe eu lhe mostrar.” Fomos para perto doogo e ele continuou: “Ela esfregava a

barriga. Era muito grande. Ela ficava em pé

para se aquecer.” Nós lhe perguntamos:“Quantos filhos ela teve?” Ele respondeu:“Seis.”– Um dia – prosseguiu –, a mulher quetomava conta de Robert me disse: “Debbie,qual é o problema com essa fazenda de queele tem me falado?” Comparamos nossasobservações, e eram as mesmas. A mãe o

havia abandonado, sua irmã o maltratava,possuíam um trator verde e um pequenocaminhão preto. Tudo era idêntico. Achamos

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muito interessante. Quando você fala couma criança, a história muda a toda a hora,mas no caso de Robert a história permanecia

a mesma desde o seu nascimento... era quaseinacreditável.

Algumas vezes, quando Robert falava dafazenda, sua voz se modificava.– Era fácil perceber. A entonação mudava.

Nesse ponto, a imaginação começava. Aistória se tornava um tanto sem sentido,

como: “Tinha uma roda-gigante na minhaazenda.” Você percebia a diferença.

Nossa conversa já durava mais de uma hora eeu estava fascinado. Mas não alcançamos omesmo que Stevenson me havia mostrado dooutro lado do oceano: crianças que se

comportavam como Robert, porém, fazendoafirmações muito mais específicas que, maisarde, provavam ser verdadeiras em relação á

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vida de um estranho. Essa confirmação faziaoda a diferença, exigindo uma explicação

mais profunda para aquele comportamentode que um simples “isso é coisa de criança”.

Antes de ir a Beirute e à Índia, eu teria dado aseguinte explicação para o que Debbie estavame contando: uma história que demonstra o

quanto as crianças podem ser imaginativas ecomo elas não conseguem distinguir afantasia da realidade. Teria também pensadoque Debbie estava se enganando quandopercebia mudanças na voz do filho nomomento em que ele se referia a algoabsurdo como uma roda-gigante em suafazenda. Teria concluído: que fértil

imaginação!Agora, porém, minha visão era diferente –depois de tudo o que vira, não tinha outra

lh l h

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escolha senão levar a história mais a sério.O menino apresentava outras característicasestranhas. Debbie contou, por exemplo, que,

tão logo começou a falar, ele demonstravaum interesse precoce por motocicletas.

– Se estivéssemos numa estrada e ele ouvisseuma motocicleta se aproximar, dizia:“Mamãe, aquela é uma Harley.” E era. O

mais impressionante é que ele distinguia umaHarley de uma Suzuki. Não sei comoconseguia. E adorava roupas de couro preto,cabelos longos, brincos, tatuagens.– Alguma vez você perguntou qual era o

ome dele quando morava na fazenda? –indaguei.– Nunca consegui saber isso. Ele dizia

alguma coisa sobre a fazenda e pronto. Nãorespondia perguntas. Não estava interessadoem discutir o assunto. Estava contando sua

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istória.Em novembro de 1995, Debbie e o maridocompraram a casa onde nos encontrávamos.

– estávamos morando aqui há cerca de seismeses e toda vez que precisávamos fazer

compras íamos pela mesma estrada. Um dia,resolvemos encurtar o caminho e, tão logodesviamos, Robert, na época com três anos,

ficou agitado no banco de trás, gritando,excitado: “Minha fazenda, esse é o caminhopara a minha fazenda, é esse, é aqui que elafica!” Era de arrepiar os cabelos.Continuamos dirigindo, e eu disse para ele:“Querido, não vejo nenhuma fazenda. Aliestá a escola onde você vai estudar quandocrescer.” Ele respondeu: “Não, não, eu sei

que é aqui, sei que é aqui.” Nenhum de nósamais havia estado ali. Passamos pela escolae, imagine só, na bifurcação da estrada havia

f d El t it it d “É

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ma fazenda. Ele estava muito agitado. “Éaqui!” Como ele sempre se referia a ugalpão de depósito, eu lhe disse: “Meu bem,

existe uma fazenda aqui, mas ela não tem ugalpão.” E ele: “Vá em frente, papai! Vá e

frente, ao lado...” Ultrapassamos a casa,olhamos para a direita e lá estava o grande evelho galpão. Ele apontou e disse: “Viu, eu

falei. Está vendo mamãe?” Quando passamospela casa de ti jolos brancos, vimos vacaspastando.Alguns meses depois, Debbie ganhou ulivro escrito por Carol Bowman, Crianças eSuas Vidas Passadas. A autora acreditava queseus filhos haviam se lembrado de vidaspassadas durante uma regressão hipnótica.

Eu já conhecia o livro e achava que asrecordações das crianças eram como todas asoutras típicas “memórias” inspiradas pelo

t d hi óti l fi l b

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estado hipnótico: elas afirmavam lembrar-seda vida de pessoas de várias geraçõesanteriores, fornecendo detalhes que

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A casa de tijolos brancos na bifurcação daestrada ficava a menos de um quilômetro e

meio. Quando nos aproximamos, pude ver asconstruções que Debbie tomara como sendogalpões de depósitos. Olhei para Robert, que

estava sentado em silêncio. Ele inclinou ocorpo para a frente e disse:– Tínhamos uma roda-gigante aqui.Olheipara Debbie. Ela não parecia ter ouvido.Segurava o volante com força.– Estou muito nervosa – afirmou.Entramos numa passagem à sombra deárvores e paramos numa área aberta, na

rente da casa. Uma jovem apareceu na portade entrada.– Você mora aqui? – indaguei.

Com minha mãe e minha avó respondeu a

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– Com minha mãe e minha avó – respondeu amoça.

– Será que poderíamos conversar com suamãe?A moça subiu os degraus e falou para

dentro.– Mãe! Tem gente aqui querendo falar covocê.

Uma mulher de expressão meiga,aparentando uns quarenta e cinco anos,surgiu à porta.– Entrem – disse, com a fala arrastadacaracterística do sul da Virgínia. – Meu nomeé Lynn. Entramos num saguão frio e escuro,apesar do sol que brilhava do lado de fora.Debbie

me seguia, e observei que Robert, atrás dela,segurava-a com força. Eu não havia pensadoem como introduziria o assunto. Podia sentir

o olhar de Debbie

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o olhar de Debbie.

– Esse menino está absolutamenteconvencido de que já viveu aqui – declarei.

Lynn pareceu confusa.– Meu bem, isso é impossível. Moramos aqui

á muitos e muitos anos.

– O fato é – acrescentou Debbie – que ele achaque passou uma vida anterior aqui.– Minha querida – disse ela –, acho que não.Meu pai foi dono deste lugar durante quasequarenta anos.– O menino não pára de falar na fazenda queteve – expliquei. – E está convencido de que éesta aqui.

Senti um certo alívio nos olhos de Lynn.– Depois que meu pai a comprou, nunca foirealmente uma fazenda – ela explicou. –

papai era corretor de imóveisEl ti h l t l d

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papai era corretor de imóveis.– Ele tinha algum passatempo, algo de querealmente gostasse? Robert está sempre

falando sobre motocicletas. Ela balançou acabeça devagar.

– meu pai jamais gostou muito delas. – Lynnez uma pausa para refletir. – Mas ele possuía

caminhões.

– É mesmo? – comentei. – A senhora selembra de alguma cor especial?– Branco – disse ela. – Os caminhões erabrancos.Eu ia registrando mentalmente: sem fazenda,sem motocicletas. Caminhões, mas de corpreta.– Ele fumava? – indagou Debbie.

– Papai fumava, sim, começou naadolescência.– Robert contou que teve problemas por estar

fumando no galpão aos treze anos disse euAl h i hi tó i

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fumando no galpão, aos treze anos disse eu.– Alguma vez a senhora ouviu uma históriaassim? Ela pensou um pouco.

– Bem, não sobre o meu pai, mas sobre oirmão dele, que morava naquela casa grande

atrás da nossa. Tudo isso era uma únicapropriedade. Uma vez, quando eraadolescentes, meu pai e ele estavam levando

algumas roupas para a lavanderia, quando oirmão dele que estava fumando deu upiparote no cigarro. Queimou a roupa toda,não sobrou nada. É claro que tiveraproblemas por causa disso.Ela refletiu durante mais algum tempo.– Nós tínhamos mesmo algumas vacas. Ealguns porcos. E uma pequena plantação de

soja, também. Ele costumava carregar ocaminhão com soja para vender no mercado.Porcos? Vacas? Soja? Para mim isso era uma

fazenda Havia também o obituário:“Corretor de imóveis e fazendeiro” E Robert

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fazenda. Havia também o obituário:Corretor de imóveis e fazendeiro . E Robert

tinha falado em carregar “grama” da fazendao caminhão.

Ainda assim, ele não havia fornecidodetalhes mais específicos. Afirmou ter tidoseis irmãos e irmãs. Lynn disse que havia oito

crianças na família, uma a mais. Robertmencionara um galpão sendo destruídonuma tempestade. Lynn não se lembrava de

nada parecido. O pai nunca tinha falado deuma irmã “má”. Não tinha nada a ver cotatuagens. Usava calças jeans e botas devaqueiro, mas isso era comum. Havia o fatode ele ter morrido logo antes de Robert

nascer, mas, sem dúvida, centenas de outrosfazendeiros também morreram.Comecei a pensar que teríamos que

considerar esse caso como “bola fora” Foientão que me lembrei de uma pergunta:

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considerar esse caso como bola fora . Foientão que me lembrei de uma pergunta:

– Seu pai tinha algum sinal, alguma cicatrizno corpo?

– Ele tinha muitos fibromas que sempreprecisavam ser removidos, tumores fibróides.Pouco antes de morrer, papai teve que

remover um bem grande. Fiquei tenso. –onde foi isso? – perguntei.– Bem – disse ela. Colocou as mãos sobre o

alto da cabeça. No centro, ligeiramente àesquerda: o local exato do sinal maior deRobert. Ela olhou para mim e, depois, paraDebbie. Estava quase chorando.– Meu pai era um homem maravilhoso –

disse, emocionada. – Ele morreu aos oitenta esete anos de idade. Há quase seis anos eainda choro quando falo nele. Era u

omem tão doce, tão afetuoso com asmulheres Quando via uma mulher grávida

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omem tão doce, tão afetuoso com asmulheres. Quando via uma mulher grávida,era sempre tão atencioso.

Lynn virou-se para Debbie:– Se houver qualquer parte do meu pai

guardada no seu filho, eu ficarei muito feliz.– Ela voltou-se para Robert, mas o rosto domenino estava enterrado nas costas da mãe.

Soluçava com força.Debbie tentou virá-lo, mas ele se agarrava aela desesperadamente.

– O que está acontecendo, Robert?Lynnagachou-se ao lado dele.Não precisa chorar,meu amor – disse ela. – Você nunca devesentir vergonha de nadaque disser. Pode me contar o que quiser. Vou

ter sempre vontade de ouvir. Eu costumodizer para as pessoas que um dia vou voltarcomo uma borboleta. Juro que acredito nisso.

Quando chegamos no automóvel, Robertestava sereno outra vez

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Quando chegamos no automóvel, Robertestava sereno outra vez.– Por que você chorou lá dentro? – perguntei.

– Sei lá – respondeu Robert. – Senti vontade.

– Você achou interessante conversar coaquela senhora?Os olhos do meninobrilharam e ele concordou, balançando a

cabeça com força.Chegando em casa, Debbieperguntou;– Você tem a impressão de que já conhecia

aquela senhora, meu bem?– Tenho, sim – respondeu Robert. Fez umapausa e olhou para Debbie.– Por que sinto isso, mamãe?AGRADECIMENTOS

Terei sempre imensa admiração pelacoragem do Dr. Ian Stevenson por permitirque um jornalista que ele mal conhecia o

acompanhasse em suas viagens de pesquisaem três continentes concordando se

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p g p qem três continentes, concordando, selimites ou protestos, com o escrutínio do

trabalho ao qual dedicou toda a sua vida. Suabondade e cortesia refletiram-se em seus

associados, a Dra. Satwant Pasricha, na Índia,Majd Abu-Izedin, no Líbano, e o Dr. JiTucker, nos Estados unidos, assim como e

todos os que fazem parte da Divisão deEstudos de Personalidade, na Universidadede Virgínia, e que não pouparam esforços

para me prestar assistência.Devo uma profunda gratidão às inúmeraspessoas que leram o meu trabalho durante oprocesso de execução, oferecendo-mevaliosas opiniões e encora jamento,

especialmente Lisa Shroder, Joel Achenbach,David Fisher, Stephen Benz, Bill Rose e JohnDorschner.

Gostaria de agradecer ainda a BobTischenkel que chamou a minha atenção

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gTischenkel, que chamou a minha atençãopara o trabalho de Brian Weiss. Juntos,

escrevemos um artigo sobre Weiss, publicadoa revista “Tropic”, do jornal Miami Herald,

que serviu de base para o segundo capítulodeste livro.Escrever esta obra não seria possível sem o

apoio do meu agente, Al Hart, a eficienteorientação de meu editor, Fred Hills, acompreensão de Doug Clifton, do Miami

Herald, que me concedeu todo o tempo queconsiderasse necessário para a sua execução.a família.

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