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ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E A INFLUÊNCIA DE MITOS QUE DIFICULTAM O ATENDIMENTO ESPECIALIZADO Luciene da Silva Andrade 1 Scheilla Abud 2 RESUMO: Nas últimas décadas vem ganhando destaque, no cenário educacional brasileiro, questões a cerca da necessidade de se investir na educação de pessoas portadoras de altas habilidades/superdotação. Essa parcela de alunos, que até bem pouco tempo era basicamente ignorada nas salas de aulas, começa a chamar atenção para suas necessidades de atendimento especializado. Por que, durante tanto tempo essa parcela e alunos com necessidades especiais ficou no obscurantismo? O que levou as pessoas envolvidas no processo educativo a não perceberem estes alunos? Questões como estas são abordadas neste trabalho, que trazem os mitos e crenças como principais entraves ao atendimento especializado de alunos portadores de altas habilidades/superdotação. Trata-se de uma abordagem bibliográfico, que tem como suportes autores como Cupertino (2008), Pérez (2003), Cropley (1993), Aranha (2004), Delpretto (2010), Alencar (s.d.) entre, e documentos eletrônicos ou bibliográficos que tratam deste assunto, como o Plano Nacional de Educação (2011), a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), que subsidiaram esta pesquisa. Palavras-Chave: Altas Habilidades/Superdotação. Educação Especial. Mitos e Crenças. ABSTRACT: In the last decades has been gaining attention in the Brazilian educational scenario, questions about the need to invest in education for people with high abilities / giftedness. This group of students, who until recently was largely ignored in classrooms, begins to call attention to their needs for specialized care. Why so long that portion and students with special needs was in obscurity? What led people involved in education to these students do not realize? Questions like these are addressed in this work, which brings myths and beliefs as major barriers to specialized care for students with high abilities / giftedness. This is a bibliographic approach, whose supporters authors like Cupertino (2008), Perez (2003), Cropley (1993), Spider (2004), Delpretto (2010), between, and electronic documents or bibliographic dealing with this subject such as the National Education Plan (2011), the National Policy on Special Education in the Perspective of Inclusive Education (2008), which supported this research. Keywords: High Abilities / Giftedness. Special Education. Myths and Beliefs. 1 Acadêmica do curso de Especialização em Educação Especial com Ênfase no AEE. 2 Orientadora.

Altas Habilidades

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ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E A INFLUÊNCIA DE MITOS QUE DIFICULTAM O ATENDIMENTO ESPECIALIZADO

Luciene da Silva Andrade1

Scheilla Abud2

RESUMO: Nas últimas décadas vem ganhando destaque, no cenário educacional brasileiro, questões a cerca da necessidade de se investir na educação de pessoas portadoras de altas habilidades/superdotação. Essa parcela de alunos, que até bem pouco tempo era basicamente ignorada nas salas de aulas, começa a chamar atenção para suas necessidades de atendimento especializado. Por que, durante tanto tempo essa parcela e alunos com necessidades especiais ficou no obscurantismo? O que levou as pessoas envolvidas no processo educativo a não perceberem estes alunos? Questões como estas são abordadas neste trabalho, que trazem os mitos e crenças como principais entraves ao atendimento especializado de alunos portadores de altas habilidades/superdotação. Trata-se de uma abordagem bibliográfico, que tem como suportes autores como Cupertino (2008), Pérez (2003), Cropley (1993), Aranha (2004), Delpretto (2010), Alencar (s.d.) entre, e documentos eletrônicos ou bibliográficos que tratam deste assunto, como o Plano Nacional de Educação (2011), a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), que subsidiaram esta pesquisa.

Palavras-Chave: Altas Habilidades/Superdotação. Educação Especial. Mitos e Crenças.

ABSTRACT: In the last decades has been gaining attention in the Brazilian educational scenario, questions about the need to invest in education for people with high abilities / giftedness. This group of students, who until recently was largely ignored in classrooms, begins to call attention to their needs for specialized care. Why so long that portion and students with special needs was in obscurity? What led people involved in education to these students do not realize? Questions like these are addressed in this work, which brings myths and beliefs as major barriers to specialized care for students with high abilities / giftedness. This is a bibliographic approach, whose supporters authors like Cupertino (2008), Perez (2003), Cropley (1993), Spider (2004), Delpretto (2010), between, and electronic documents or bibliographic dealing with this subject such as the National Education Plan (2011), the National Policy on Special Education in the Perspective of Inclusive Education (2008), which supported this research.

Keywords: High Abilities / Giftedness. Special Education. Myths and Beliefs.

1 Acadêmica do curso de Especialização em Educação Especial com Ênfase no AEE.

2 Orientadora.

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INTRODUÇÃO

Diferentemente da maioria dos países do mundo, a superdotação no Brasil é predominantemente ignorada, quando se trata da prática educacional. Órgãos encarregados do estabelecimento das diretrizes de Educação e Saúde têm como hábito incluí-la, quando deliberam sobre Educação Especial. Como nos casos das deficiências, a superdotação deve ser avaliada, oferecendo-se ao indivíduo condições educacionais adequadas ao seu potencial. Na prática, não é o que acontece, salvo em casos isolados muito raros. Num país pleno de carências, não se considera relevante o atendimento diferenciado a quem já foi privilegiado com um dom especial. Os superdotados estão escondidos nas salas de aula comuns, como se seus talentos fossem invisíveis. (CUPERTINO, 2008)

As dificuldades de se identificar alunos com altas habilidades/superdotação

em salas de aula do sistema regular de ensino. Quando se fala em atendimento

especializado a essas pessoas, a insipiência a cerca desse atendimento é ainda

maior, sobretudo num país como o Brasil, onde a discussão desta temática é

recente, pouco mais que duas décadas, sobretudo após a instauração da Política

Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008),

onde a Educação Especial é definida como modalidade de ensino que perpassa por

todos os níveis da educação básica de modo transversal, no que diz respeito à

atuação do atendimento especializado.

Embora o Plano Nacional de Educação (Brasil, 2001), deixe claramente

definido a população a ser atendida pela Educação especial, quando refere que

A educação especial se destina a pessoas com necessidades especiais no campo da aprendizagem, originadas quer de deficiência física, mental ou múltipla, quer de características como altas habilidades, superdotação ou talentos (BRASIL, 2001, p. 55)

Contudo, os distúrbios de aprendizagem ocupam o cerne da educação

inclusiva, mas a preocupação em incluir os altas habilidades/superdotação, é

apenas um vislumbre do que deveria ser. A lei, nestes casos, não parece ser a

regra, mas a exceção. Os NAAHs (Núcleos de Atendimentos aos AH/SD) são em

número muito reduzidos. Há considerável oferta de cursos para Libras (Linguagem

de Sinais), Braile (Leitura para cegos) ou de uso e aplicação de Tecnologias

Assistivas. O que fica patente uma política que avança em direção a inclusão dos

deficientes nas escolas, no mercado de trabalho, na sociedade de modo geral.

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Também há leis que punem e garantem aos deficientes o direito de não serem

discriminados por sua condição limitada. Por outro lado, não se percebe o incentivo

governamental em avançar sistematicamente no que tange os portadores de altas

habilidades, o que gera controvérsia, pois, embora reconheça a existência desses

alunos, o sistema regular de ensino acaba por negar o direito dessas pessoas ao

atendimento especializado.

Por outro lado, o que tem sido amplamente discutido com relação ao aluno

que se destaca por um potencial superior é que o ambiente educacional típico não

está preparado para atender de forma adequada as necessidades desse aluno. De

modo geral, o ensino regular é direcionado para o aluno médio e abaixo da média, e

o superdotado, além de ser deixado de lado neste sistema, é visto, muitas vezes,

com suspeita por professores que se sentem ameaçados diante do aluno que

questiona, que os pressiona, muitas vezes, com suas perguntas e comentários.

Muitos dos problemas que se observam entre alunos que se destacam por um

potencial superior têm a ver com o desestímulo e frustração sentidos por eles diante

de um programa acadêmico que prima pela repetição e monotonia e também por um

clima psicológico em sala de aula pouco favorável è expressão do potencial

superior. A escola não responde de forma adequada aos alunos que apresentam

habilidades intelectuais superiores, o que ajuda a explicar a apatia e ressentimento

às vezes apresentadas por alunos. Neste sentido, Cropley apud Aencar destaca:

Um número substancial de criança superdotadas inicia a escola com altas habilidades expectativas e grande entusiasmo (como é o caso de maior partes das crianças), mas logo se tornam frustradas e entediadas. Muitas entram em uma espiral de desapontamento, passando a rejeitar a instituição escola e/ou a duvidar de suas próprias habilidades e mesmo seu valor como pessoa. Muitas lidam com esta questão por meio de isolamento, hostilidade ou agressividade. Mas podem também aprender em uma idade precoce que tais problemas podem ser evitados adotando de forma deliberada a tática de fingir que são rebeldes. Este é um problema especialmente freqüente entre meninas e membros de grupos minoritários, dada a forte pressão para se conformar aos valores antagonísticos à alta realização na escola. (CROPLEYapud ALENCAR, s.d, p. 4)

O interesse por este estudo, parte do fato de que estes alunos estão dentro

da área de atendimento educacional especializada, mas por estarem na

heterogeneidade do processo de ensino regular, na maioria dos casos não são

identificados como portadores de necessidades especiais. Não obstante, necessitam

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ser estimulados para desenvolverem plenamente suas capacidades e

potencialidades, tal como os deficientes, que encontram pronto auxílio e

compreensão por parte dos profissionais da educação.

REFERENCIAL TEÓRICO

Embora muito já se tenha falado em educação inclusiva no âmbito do

atendimento especializado, o assunto não se extingue. A literatura a esse respeito é

muito vasta. Mas, na prática, essa política afirmativa ainda é vaga em muitos

setores.

Historicamente, a educação especial no Brasil3, teve seu inicio já no Império,

com uma política de segregação que colocava em unidades de ensino

especializado, os alunos com alguma deficiência. Não havia uma preocupação em

fazer a inclusão desses aprendizes, mas o de explicitar a “incapacidade” destes.

Contudo, não se pode negar a importância da criação de institutos para cegos,

surdos, “aleijados”, etc., pois que a partir de sua instituição já se começa a dar

mostras de preocupação para com essa parcela da população.

Contudo, não nos ateremos aqui em fazer levantamento de marcos

excludentes, mas dos avanços que se faz em direção a superar as deficiências,

sobretudo na inclusão desses alunos nas escolas regulares.

Também não nos preocuparemos em fazer um aprofundamento de cada lei

que mostrou-se relevante para o conceito de inclusão. Aqui se busca fazer um breve

recorte das leis que amparam a educação especial no âmbito da inclusão de alunos

com necessidades especiais nas escolas regulares.

Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva

– MEC/2008: conceitua educação especial e define como público os alunos

3 Informações de acordo com o documento do Ministério de Educação – Secretaria de Educação

Especial (MEC/SEESP), a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), elaborado por um grupo de trabalho nomeado pela portaria nº 948/2007, entregue ao ministro da educação em sete de janeiro de dois mil e oito. A referida comissão foi composta por profissionais da Secretaria de Educação Especial/MEC e por colaboradores (pesquisadores na área da educação) que discutiram e construíram em conjunto as novas diretrizes que subsidiarão as práticas educacionais nas escolas de nosso país. (http://www.partes.com.br/educacao/politicanaconaldeeducacao.asp)

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com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas

habilidades/superdotação.

Decreto Nº 6571/2008: dispõe sobre o atendimento educacional

especializado, complementar para o ensino regular para os alunos público

alvo da educação especial e seu financiamento por meio do Fundo e

Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação - FUNDEB;

Decreto 6949/2009: ratifica a Convenção da ONU Sobre o Direito de Pessoas

com Deficiência com status de Emenda Constitucional, que adota o

paradigma da educação inclusiva;

Resolução 4/2009 do Conselho Nacional de Educação: institui as Diretrizes

Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação

Básica, modalidade Educação Especial.

Como se pode perceber, de um lado temos leis que amparam e investem no

sentido de se superar as deficiências de alunos e inseri-los no mercado de trabalho

e na sociedade dita inclusiva. Por outro, temos exatamente o contrário. Parece que

há uma tentativa de se deixar cair no esquecimento a existência dos portadores de

Altas Habilidades/Superdotação.

Ao que tudo indica, embora se mantenha uma política de apoio a esse

público, muito falta para se compreender a dimensão filosófica e política a cerca da

educação inclusiva. A atual concepção que se tem sobre Direitos Humanos se

fundamenta na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que

reconhece a dignidade de todas as pessoas na universalidade e indivisibilidade

desses direitos.

[...] universalidade, porque a condição de pessoa é requisito único para a titularidade de direitos e indivisibilidade, porque os direitos civis e políticos são conjugados aos direitos econômicos, sociais e culturais. (ARANHA, 2004, p. 2)

Ao conjugar esses valores, a Declaração introduz a noção de igualdade, que,

ampliando-se, pode ser evidenciada como direito à diversidade, que, apesar de

universal não pode vir a descaracterizar a pessoa como ser humano, pelo contrário.

É no reconhecimento e no respeito às diferenças que ações de cidadãs são

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alavancadas e erigidas em nome da construção do ser, do contrário todas as ações

seriam anacrônicas e não teríamos evolução.

O respeito à diversidade, portanto, é o princípio institucional de qualquer

sociedade, onde às oportunidades sejam direitos garantidos dos cidadãos, portanto,

o princípio da equidade deve-se fazer presente no contexto formativo de cidadania.

E uma sociedade inclusiva deve se fundamentar numa filosofia que reconheça e

valorize a diversidade.

Dito de outro modo, as condições de igualdade não significam privilégios, mas

dar condições para que os desiguais sejam educados para a igualdade, ou seja,

para que todos sejam educados para a alteridade, para a equidade, onde a

limitação, ou superdotação, não seja fator determinante para que oportunidades

sejam negadas. O que se deve oportunizar são tratamentos diferenciados, mas não

quer dizer que oportunizar privilégios, mas garantias de condições apropriadas de

atendimento às peculiaridades, para que todos possam usufruir dos mesmos

direitos.

A Constituição federal do Brasil assume o princípio da igualdade como pilar

fundamental de uma sociedade democrática e justa,quando reza em seu caput do

seu Art. 5º que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no país, a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. (CF – Brasil,

1988).

Mas para que a igualdade seja real, ela precisa ser relativa, isto é, as pessoas

são diferentes, portanto suas necessidades são diferentes e diversas, são singulares

e precisam ser respeitadas e aceitas em suas singularidades.

Assim sendo, os princípios filosóficos que embasam a educação inclusão, no

âmbito do atendimento educacional especializado, não podem estar dissociados da

própria natureza individual do ser humano, do contrário, condena-se o ser humano à

condição de não-ser. Nega-se a condição de cidadão em sua plena abrangência que

engloba todo um processo de ressignificação diária de si mesmo e do outro.

A própria lei exige que sejam garantidas as condições apropriadas de

atendimento às peculiaridade individuais, de forma que todos possam usufruir de

oportunidades existentes, sem a existência de privilégios, mas de disponibilização

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de tratamento diferenciado no sentido de atender às condições exigidas na garantia

de igualdade.

Historicamente,

Segundo Pérez (2003: 45), embora a lei determine prazos para a formação e

preparação de professores para o atendimento especializado, a parcela

correspondente aos alunos com altas habilidades/superdotação ainda é a mais

negligenciada. Um dos maiores entraves para a efetivação desse atendimento está

nos preconceitos que geram mitos e crenças descabidas para o paradigma

educacional vigente. E os mitos, fazem com que a educação não avance de forma

igualitária, mantendo na sombra e excluindo.

Assim, na contramão do sistema, os altas habilidades/superdotados, acabam

por serem mantidos na sombra ou sufocados com metodologias insipientes e

improfícuas. Tudo porque o maior empecilho ao seu desenvolvimento pleno é o

medo do novo, é a falta de informação.

Etimologicamente falando, de acordo com Petrelli (2011),

A palavra mito vem do grego μύθος, e deriva de dois verbos: do

verbo μύθος (contar, narrar, falar alguma coisa para os outros) e do

verbo μύθος (conversar, contar, anunciar, nomear, designar). Para

os gregos, mito é um discurso pronunciado ou proferido para ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa, porque confiam naquele que narra; é uma narrativa feita em público, baseada, portanto, na autoridade e confiabilidade da pessoa do narrador. (http://www.algosobre.com.br/filosofia/mito-e-filosofia.html)

Portanto, o mito surge para explicar os fatos que fogem à compreensão

humana, mas que precisa ser repassado por outra pessoa para imprimir

verossimilhança, fidedignidade, embora nem sempre comprovado, mas que deve ser

narrado por alguém que goze de certa respeitabilidade e confiança, para ser aceito.

Assim de acordo com Pérez (2003, p. 47),

O sentimento de amor/ódio em relação às PAHs vislumbrava-se no Renascimento, quando os “gênios” eram alvo dele e dos mitos que a sociedade criara para estas pessoas. Assim como quem apresenta uma deficiência é alvo de pena e comiseração, quem manifesta uma aparente vantagem é alvo de inveja e agressão. O primeiro é privado de manifestar suas potencialidades, em detrimento de sua desvantagem, enquanto que, ao segundo, é negada a existência de suas reais desvantagens. A PAH é encoberta por um manto de inverdades que ofusca sua visualização e, em conseqüência, seu atendimento, cuja necessidade, chega a ser inclusive questionada.

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Os alunos com altas habilidades/superdotação, não encontram barreiras pra

sua entrada nas escolas de ensino regular, a maioria deles passa despercebida. Um

dos maiores mitos que se tem notícias diz respeito ao teste de QI, que está

diretamente ligado à concepção de inteligência, em que, de acordo com Delpreto

(2010: 19), está focada apenas no desempenho acadêmico, linguístico e lógico-

matemático, deixando de fora as diferentes aptidões e formas de expressão de

criatividade destes alunos, por exemplo.

Nestes termos, pode-se dizer que os testes de QI acabaram por tornar-se

obsoletos, uma vez que reduziam a capacidade do estudante a termos clínicos, tão

somente, passível de ser enquadrado sob o enfoque único e excludente da

psicologia. A capacidade extraescolar do aluno era dissociada do projeto escolar e

sua atuação fora dela não era levada em consideração. O que revela um profundo

lapso e descuido desse tipo de aferição intelectual.

Algumas pessoas escolhem concentrar-se em atividades extra-curriculares, como esporte ou música, e não se preocupam muito com as notas na escola; outras podem escolher ocupações que são pessoalmente significativas, mas que nunca vão gerar uma renda igual à que poderiam ter em atividades menos significativas. (STERNBERG apud CUPERTINO, 2008, p. 32)

Mitos como estes, contribuíram muito para fortalecer a ideia e que os altas

habilidades/superdotados só poderiam manifestar-se em diferentes áreas do

conhecimento, mesmo que as oportunidades adequadas de escolarização lhes

fossem ofertadas. O que era levado em consideração era apenas o fator

filogenético.

Historicamente, os mitos [...] surgem para explicar situações ou pessoas reais que a lógica humana não consegue compreender e têm sua raiz no medo ao novo que todo ser humano enfrenta. (PÉREZ, 2003, p. 46)

O maior e mais forte aliado do mito é o desconhecimento. A falta de

informação leva a aceitar e acreditar que os mitos são reais e, logicamente,

verdades incontestes. Segundo Extremiana apud Pérez (2003, p. 47-49) , os mitos

que mais favorecem a disseminação da ignorância a cerca do atendimento a

pessoas com altas habilidades/superdotação, podem ser assim classificados:

1. O termo em si

A diversidade de variações e conceitos contribui, em muito, para a confusão

no momento de identificar o aluno com altas habilidades/superdotação. Exemplo

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disso está na definição que a Política Nacional de Educação especial na Perspectiva

da Educação Inclusiva, de janeiro de 2008:

Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentam elevada criatividade, grande desenvolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse.

Por outro lado, pesquisadores de renomada fama internacional, ramificam

essa categoria em duas categorias distintas: os superdotados- os que se destacam

nas áreas de lingüística e matemática; e os talentosos, enfocando apenas as áreas

que a escola privilegia.

2. O desconhecimento de suas características

Reconhecer alunos portadores de altas habilidades/superdotação não é tarefa

das mais fáceis. Isso é perceptível no modo como a maioria das pessoas, que tem o

primeiro contato com este assunto, questionam. Outro fator, dos mais graves por

sinal, é a postura do professor que não consegue perceber as dificuldades

emocionais do aluno frente à inadaptação do método proposto em sala de aula de

ensino regular, ou quando questionado pelo aluno nos conteúdos propostos.

Também se constata a desinformação na afirmação de diretores, supervisores e orientadores (principalmente de escolas públicas) que, ao serem indagados sobre alunos com AHs nas suas escolas, costuma garantir que “não existem pessoas assim” nos seus cotidianos. (PÉREZ, 2003, p.49)

3. A confusão com outros termos

Não raro as pessoas confundem o termo altas habilidades/superdotação com

outros fenômenos intelectuais, como talento, maturação precoce, gênios, etc. Some-

se a isso, os distúrbios de aprendizagem face ao não envolvimento com as

atividades propostas, a falta de interesse pelos conteúdos ministrados, a total apatia

em participações coletivas e, ainda, a hiperatividade. Assim, o aluno é tachado de

preguiçoso, aluno problema, etc. Cognomes pejorativos que em nada ajudam no

desenvolvimento pleno das capacidades do aluno, muito pelo contrário.

4. Atitude de rejeição e prevenção

Por medo do desconhecido, as pessoas acabam incorrendo na atitude de

rejeitar, de prevenir-se contra o surgimento de pessoas que podem superar outras

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em conhecimento e desenvolvimento de suas capacidades. É uma atitude comum

entre professores despreparados quando se sentem ameaçados em seus “saberes”

e contestados em seus conhecimentos.

METODOLOGIA

O presente trabalho é de cunho bibliográfico, cuja temática escolhida se

justifica pela insipiência de materiais nesta área de atendimento educacional

especializado. Prova disso são os NAAHs, que são em números reduzidos por todo

o território brasileiro.

Apesar da própria Organização Mundial da Saúde (OMS), afirmar sobre a

existência de, pelo menos 8 milhões de pessoas portadoras de Altas

habilidades/superdotação existirem no Brasil, poucas são as pesquisas que se

inclinam em direção a este fenômeno. Exemplo disso é a falta de estudos

aprofundados na maioria de cursos de Especialização Educação Especial com

ênfase na Educação Inclusiva, talvez por falta de contingente preparado para atuar

nas salas de pós-graduação.

A maioria das escolas brasileiras, sobretudo as públicas, não declara seus

alunos portadores de altas habilidades/superdotação, mas, ao declarem-se como

escolas inclusivas, apontam alunos que apresentam algum tipo de deficiência.

Mesmo sendo de cunho bibliográfico, esta pesquisa traz inserções que

também refletem a experiência pessoal desta autora que, ao longo de 23 anos como

professora de escolas públicas e privadas, presenciou a passagem de mitos e

crenças errôneas no sistema de ensino, como alunos que questionavam demais era

porque queriam atrapalhar o bom andamento da aula; ou de que alunos com altas

habilidades/superdotação seriam o mesmo que autoditadas; ou, ainda, que só há

comprovada manifestação de altas habilidades/superdotação em áreas de

desenvolvimento cognitivo, que só podiam ser percebidas a partir de testes de QI.

Contudo,

Vivemos, entretanto, um período em que esse tipo de avaliação, se tomado exclusivamente, pode ser questionado, já que há outras maneiras de manifestar os talentos nas situações de vida. Algumas delas sempre foram mais fáceis de identificar: as voltadas para as

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artes ou esportes, por exemplo. Não precisamos de psicólogos, pedagogos ou pareceres científicos para afirmar o talento de esportistas ou artistas como o jogador de futebol Ronaldinho ou o tenista Guga. Nem como o escritor Jorge Amado, o poeta Vinícius de Moraes ou o músico Tom Jobim. Entretanto, só diante de definições mais recentes das altas habilidades essas pessoas podem ser consideradas, como os grandes cientistas, “superdotadas”, ou seja, pessoas que ao longo de suas vidas atualizaram suas altas habilidades. (CUPERTINO, 2008, p. 26)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o que foi exposto ao longo deste trabalho, os mitos ainda estão

no topo dos entraves que dificultam o atendimento especializado aos alunos com

altas habilidades/superdotação.

Embora muito já se tenha falado, ainda falta muito a ser explorado neste

campo da educação inclusiva. Se os alunos com altas habilidades/superdotação tem

acesso garantido às escolas de ensino regular, por outro lado, dentro da escola é

que sua exclusão começa a ser sentida.

As barreiras existem em todos os níveis da vida e fazem parte da

aprendizagem e maturação do ser humano, contudo, se um aluno deficiente é

colocado em uma sala de aula de ensino regular, nós, enquanto professores,

tomamos o cuidado de preparar materiais que lhe permitam a acessibilidade, muitas

vezes tirando de nosso próprio bolso os recursos materiais para seu melhor

desempenho. O mesmo não acontece com alunos altas habilidades/superdotados,

salvo raras exceções.

Na verdade não temos um olhar mais apurado, mais desvelado para esta

parcela tão excluída dentro da educação inclusiva, cuja atitude se ampara num mito

de que o aluno superdotado não precisa de atendimento educacional especializado

porque pode aprender mesmo sema a ajuda do professor.

Contudo, embora a inclusão tenha dado acesso a todos para ingressar nas

escolas, estima-se que quatro milhões de pequenos gênios caminham incógnitos

pelos corredores das escolas brasileiras. São superdotados, mas ninguém repara

nas suas habilidades. Quando vistos, não raro são incompreendidos. Identificá-los,

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compreendê-los e valorizar o que neles há de melhor é um problema não só na

escola, mas inclusive dentro de casa.

A falta de conhecimento e o despreparo dos profissionais da educação em

identificá-los ainda é o maior entrave. A idade mental pode ser superior, mas a

emocional é igual a qualquer uma da mesma faixa etária. Ela requer atenção e até

um eventual acompanhamento terapêutico, para não virar um problema entre os

colegas. Isso acontece porque é comum ao leigo no assunto confundir um

superdotado com um hiperativo, o que acontece porque ambos são muito agitados e

terminam sendo igualmente rotulados como crianças-problema. Pesquisadores por

excelência, rico em hipóteses, quase sempre confirmadas pela capacidade intuitiva,

esses alunos colocam em xeque a autoridade do professor, muitas vezes iletrados

no assunto e que, por isso mesmo, se mostram indiferentes ou hostis ao se

depararem com crianças irrequietas e contestadoras.

A sala de aula pode virar um ambiente de frustrações e fracassos se a escola

não for capaz de perceber que a origem das dificuldades está num talento

extraordinário e na capacidade acima da média. Para piorar, há o mito de que não

há superdotado nas classes sociais mais pobres, ou que uma pessoa com altas

habilidades necessariamente vai bem em todas as disciplinas. Este é um dos

estigmas por que passa o AH/SD, pois acaba por se tornar, se não escamoteado por

outras necessidades, torna-se invisível, completamente ignorado pela escola, pelo

sistema, pela sociedade.

As pesquisas continuam a largos passos sobre as deficiências, e os

investimentos seguem essa regra. Todavia, no que diz respeito aos AD/SH, ainda

falta muito para se fazer, para se equiparar aos avanços que se propõe aos

deficientes não que deva parar tais avanços a cerca de deficiências. Mas, ainda

assim, o investimento é baixíssimo se comparado às outras modalidades de

necessidades especiais.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, Eunice M. L. Soriano de. Criatividade e Educação de Superdotados. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

ARANHA, Maria Salete Fábio. Educação inclusiva: a fundamentação filosófica. v. 1. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2004.

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BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC, 2008.

CUPERTINO, Christina Menna Barreto (Organização). Um olhar para as altas habilidades: construindo caminhos/Secretaria da Educação, CENP/CAPE. São Paulo: FDE, 2008.

DELPRETTO, Bárbara Martins de Lima. (org.) A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar: altas habilidades/superdotação. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação especial: [Fortaleza]: Universidade Federal do Ceará, 2010. v. 10. (Coleção A Educação Especial na Perspectiva da inclusão Escolar)

PÉREZ, Susana Graciela Pérez Barrera. Mitos crenças sobre as pessoas com altas habilidades: Alguns aspectos que dificultam o seu atendimento. Cadernos de Educação Especial, Santa Maria, RS, v. 2, n.22, p. 45 – 59, 2003.

PETRELLI, Humberto Zanardo. Mito e Filosofia. In: http://www.algosobre.com.br/filosofia/mito-e-filosofia.html. Acesso em: 23 de dezembro de 2012.