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Revista da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul - Ano XIV nº 05 Mai/Jun/Jul/Ago 2005 Ano XIV nº 05 Mai/Jun/Jul/Ago 2005 Ano XIV nº 05 Mai/Jun/Jul/Ago 2005 Ano XIV nº 05 Mai/Jun/Jul/Ago 2005 Ano XIV nº 05 Mai/Jun/Jul/Ago 2005 1 ALTERAÇÕES HEMODINÂMICAS DA GRAVIDEZ * José Dornelles Picon ** Ana Maria P. O. Ayala de Sá * Coordenador da Maternidade do Hospital Nossa Senhora da Conceição. ** Residente do 2 o ano de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Nossa Senhora da Conceição. Artigo SOCIEDADE SOCIEDADE SOCIEDADE SOCIEDADE SOCIEDADE REVISTA da de CARDIOLOGIA do de CARDIOLOGIA do de CARDIOLOGIA do de CARDIOLOGIA do de CARDIOLOGIA do RIO GRANDE DO SUL RIO GRANDE DO SUL RIO GRANDE DO SUL RIO GRANDE DO SUL RIO GRANDE DO SUL A gravidez produz alterações em todo organismo materno. O sistema cardiovascular sofre mudanças progressivas durante a gestação e o parto, resultando em alterações hemodinâmicas características destes períodos. As mudanças principais envolvem o aumento da volemia e do débito cardíaco e a diminuição da resistência vascular sistêmica e da reatividade vascular. A volemia começa a aumentar a partir da sexta semana de gestação subindo 30% a 40% em relação aos níveis pré-gravídicos em torno da trigésima segunda a trigésima quarta semana de gestação, mantendo-se constante até o parto, duas a três semanas após o qual volta aos níveis iniciais. Este aumento resulta do incremento do volume plasmático que passa de 40 ml/Kg para 70 ml/Kg e dos eritrócitos que aumentam de 25 ml/Kg para 30 ml/Kg. O menor aumento dos eritrócitos em relação ao volume plasmático resulta em uma anemia relativa, própria da gravidez.(figura 1). A hipervolemia induzida pela gestação é uma adaptação do organismo materno com o objetivo de suprir a demanda do útero hipervascularizado, bem como para proteger a mãe da perda sanguínea no momento do parto. O débito cardíaco, que é definido como o produto do volume sistólico pela freqüência cardíaca, aumenta progressivamente durante a gestação. Começa a se elevar entre a décima e a décima segunda semana de gestação, atingindo 30% a 50% em relação aos níveis pré-gravídicos até a trigésima segunda semana de gestação. Este aumento se deve à elevação do volume sístólico secundário ao aumento da volemia e ao aumento da freqüência cardíaca. A maior volemia causa o aumento do retorno venoso, com conseqüência, há maior distensibilidade e contratilidade do ventrículo esquerdo. A freqüência cardíaca aumenta de dez a quinze batimentos por minuto durante a gestação. O aumento do débito cardíaco implicará na maior perfusão dos seguintes órgãos: (1) do útero e da placenta, ampliando progressivamente durante a gestação o aporte sangüíneo para o feto em crescimento; (2) dos rins, cujo suprimento sanguíneo aumenta em aproximadamente 500 ml/min; (3) da pele, para eliminação mais eficaz do calor;(4) das glândulas mamárias, intestinos e outros órgãos. (figura 2). Pode ocorrer redução do débito cardíaco quando a gestante assume a posição supina, fato verificado em 5% a 10% das gestantes. Isto ocorre como conseqüência da diminuição do retorno venoso causado pela compressão da veia cava inferior pelo útero gravídico, podendo causar hipotensão, síncope e bradicardia, caracterizando a síndrome de hipotensão supina. (figura 3). No trabalho de parto, o débito cardíaco aumenta a cada contração uterina (cerca de 500 ml de sangue saem do útero e caem na circulação sistêmica) e retorna a uma linha de base progressivamente mais elevada no intervalo intercontrátil. A dor e ansiedade relacionadas ao trabalho de parto podem promover aumento adicional do débito cardíaco da ordem de 50% a 60%. Nas primeiras horas após o parto, o débito cardíaco se eleva em 60% a 80% do valor pré-parto. Isto ocorre devido à transferência do sangue represado no útero para a circulação sistêmica e à menor compressão da veia cava inferior causados pela involução uterina. O resultado é o aumento da volemia efetiva, apesar da perda sanguínea que ocorre no parto (aproximadamente 500 ml no parto vaginal e 1000 ml no parto cesáreo). Durante o primeiro e segundo trimestre, a pressão arterial sistólica pode cair ou não se alterar, enquanto a pressão arterial diastólica pode cair de 10 a 15 mmHg. No entanto, no terceiro trimestre, a pressão arterial sistêmica sobe até os níveis pré-gravídicos. O aumento do débito cardíaco não acompanhado pelo aumento da pressão arterial indica diminuição da resistência vascular sistêmica que, em parte, se deve ao grande leito vascular uteroplacentário. A diminuição da resistência vascular sistêmica é máxima por volta da segunda metade da gestação, fase em que ocorre a segunda onda de migração trofoblástica. Neste momento, há invasão das artérias espiraladas do útero pelo tecido trofoblástico, fazendo com as mesmas percam sua camada muscular, transformando o leito destas artérias uteroplacentárias em um sistema de baixa resistência, baixa pressão e alto fluxo. A diminuição da resistência vascular sistêmica também está relacionada a fatores bioquímicos. Há o predomínio do sistema vasodilatador, por aumento das prostaciclinas produzidas pelas paredes dos vasos sanguíneos, sobre a ação vasoconstritora do tromboxano, produzido pelas plaquetas. Além disto, os vasos maternos tornam-se refratários aos efeitos vasoconstritores da angiotensina II, das catecolaminas e de outras substâncias vasopressoras, o que causa a diminuição da reatividade vascular característica da gestação. No final da gestação, com o envelhecimento progressivo da placenta, há obliteração de parte da circulação placentária, fazendo com que a resistência vascular sistêmica volte a aumentar. Durante o trabalho de parto, a pressão arterial sistólica eleva- se de 15 a 20 mmHg e a diastólica, de 10 a 15 mmHg. A magnitude destas alterações depende da intensidade da contração uterina e está relacionada à dor, à ansiedade e à posição da parturiente. No pós-parto imediato, o aumento da pressão arterial é ainda maior, pois, com o desprendimento da placenta, a resistência vascular aumenta. Ao mesmo tempo há o aumento do retorno venoso causado pela descompressão da veia cava inferior e o aumento da volemia pela passagem do sangue represado no útero para a circulação sistêmica. Como podemos notar, inúmeras são as alterações hemodinâmicas ao longo da gestação e elas se instalam progressivamente, de tal forma que nas gestantes hígidas são bem toleradas e expressam uma adaptação fisiológica à gravidez, ao parto e ao puerpério. A requisição do sistema cardiovascular atinge um platô por volta da 32 a semana de gestação e cresce abruptamente e sobremaneira no momento do parto e mais ainda no pós-parto imediato. O conhecimento das alterações hemodinâmicas da gestação e dos momentos de maior requisição do sistema cardiovascular é de grande importância no manejo e na implementação de rotinas de vigilância da gestante com doença cardiovascular.

Alterações Hemodinamicas Na Gravidez

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Page 1: Alterações Hemodinamicas Na Gravidez

Revista da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul - Ano XIV nº 05 Mai/Jun/Jul/Ago 2005Ano XIV nº 05 Mai/Jun/Jul/Ago 2005Ano XIV nº 05 Mai/Jun/Jul/Ago 2005Ano XIV nº 05 Mai/Jun/Jul/Ago 2005Ano XIV nº 05 Mai/Jun/Jul/Ago 2005

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ALTERAÇÕES HEMODINÂMICAS DA GRAVIDEZ

* José Dornelles Picon** Ana Maria P. O. Ayala de Sá

* Coordenador da Maternidade do Hospital Nossa Senhora da Conceição.** Residente do 2o ano de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Nossa Senhora da Conceição.

Artigo

SOCIEDADESOCIEDADESOCIEDADESOCIEDADESOCIEDADEREVISTA da

de CARDIOLOGIA dode CARDIOLOGIA dode CARDIOLOGIA dode CARDIOLOGIA dode CARDIOLOGIA doRIO GRANDE DO SULRIO GRANDE DO SULRIO GRANDE DO SULRIO GRANDE DO SULRIO GRANDE DO SUL

A gravidez produz alterações em todo organismo materno. Osistema cardiovascular sofre mudanças progressivas durante agestação e o parto, resultando em alterações hemodinâmicascaracterísticas destes períodos.

As mudanças principais envolvem o aumento da volemia e dodébito cardíaco e a diminuição da resistência vascular sistêmica e dareatividade vascular.

A volemia começa a aumentar a partir da sexta semana degestação subindo 30% a 40% em relação aos níveis pré-gravídicosem torno da trigésima segunda a trigésima quarta semana de gestação,mantendo-se constante até o parto, duas a três semanas após o qualvolta aos níveis iniciais. Este aumento resulta do incremento do volumeplasmático que passa de 40 ml/Kg para 70 ml/Kg e dos eritrócitos queaumentam de 25 ml/Kg para 30 ml/Kg. O menor aumento dos eritrócitosem relação ao volume plasmático resulta em uma anemia relativa,própria da gravidez.(figura 1).

A hipervolemia induzida pela gestação é uma adaptação doorganismo materno com o objetivo de suprir a demanda do úterohipervascularizado, bem como para proteger a mãe da perdasanguínea no momento do parto.

O débito cardíaco, que é definido como o produto do volumesistólico pela freqüência cardíaca, aumenta progressivamente durantea gestação. Começa a se elevar entre a décima e a décima segundasemana de gestação, atingindo 30% a 50% em relação aos níveispré-gravídicos até a trigésima segunda semana de gestação. Esteaumento se deve à elevação do volume sístólico secundário aoaumento da volemia e ao aumento da freqüência cardíaca. A maiorvolemia causa o aumento do retorno venoso, com conseqüência, hámaior distensibilidade e contratilidade do ventrículo esquerdo. Afreqüência cardíaca aumenta de dez a quinze batimentos por minutodurante a gestação. O aumento do débito cardíaco implicará na maiorperfusão dos seguintes órgãos: (1) do útero e da placenta, ampliandoprogressivamente durante a gestação o aporte sangüíneo para ofeto em crescimento; (2) dos rins, cujo suprimento sanguíneo aumentaem aproximadamente 500 ml/min; (3) da pele, para eliminação maiseficaz do calor;(4) das glândulas mamárias, intestinos e outrosórgãos. (figura 2).

Pode ocorrer redução do débito cardíaco quando a gestanteassume a posição supina, fato verificado em 5% a 10% dasgestantes. Isto ocorre como conseqüência da diminuição do retornovenoso causado pela compressão da veia cava inferior pelo úterogravídico, podendo causar hipotensão, síncope e bradicardia,caracterizando a síndrome de hipotensão supina. (figura 3).

No trabalho de parto, o débito cardíaco aumenta a cada contraçãouterina (cerca de 500 ml de sangue saem do útero e caem na circulaçãosistêmica) e retorna a uma linha de base progressivamente maiselevada no intervalo intercontrátil. A dor e ansiedade relacionadas aotrabalho de parto podem promover aumento adicional do débitocardíaco da ordem de 50% a 60%. Nas primeiras horas após o parto,o débito cardíaco se eleva em 60% a 80% do valor pré-parto. Istoocorre devido à transferência do sangue represado no útero para acirculação sistêmica e à menor compressão da veia cava inferiorcausados pela involução uterina. O resultado é o aumento da volemiaefetiva, apesar da perda sanguínea que ocorre no parto(aproximadamente 500 ml no parto vaginal e 1000 ml no parto cesáreo).

Durante o primeiro e segundo trimestre, a pressão arterial

sistólica pode cair ou não se alterar, enquanto a pressão arterialdiastólica pode cair de 10 a 15 mmHg. No entanto, no terceiro trimestre,a pressão arterial sistêmica sobe até os níveis pré-gravídicos. Oaumento do débito cardíaco não acompanhado pelo aumento dapressão arterial indica diminuição da resistência vascular sistêmicaque, em parte, se deve ao grande leito vascular uteroplacentário. Adiminuição da resistência vascular sistêmica é máxima por volta dasegunda metade da gestação, fase em que ocorre a segunda ondade migração trofoblástica. Neste momento, há invasão das artériasespiraladas do útero pelo tecido trofoblástico, fazendo com as mesmaspercam sua camada muscular, transformando o leito destas artériasuteroplacentárias em um sistema de baixa resistência, baixa pressãoe alto fluxo.

A diminuição da resistência vascular sistêmica também estárelacionada a fatores bioquímicos. Há o predomínio do sistemavasodilatador, por aumento das prostaciclinas produzidas pelasparedes dos vasos sanguíneos, sobre a ação vasoconstritora dotromboxano, produzido pelas plaquetas. Além disto, os vasosmaternos tornam-se refratários aos efeitos vasoconstritores daangiotensina II, das catecolaminas e de outras substânciasvasopressoras, o que causa a diminuição da reatividade vascularcaracterística da gestação. No final da gestação, com oenvelhecimento progressivo da placenta, há obliteração de parte dacirculação placentária, fazendo com que a resistência vascularsistêmica volte a aumentar.

Durante o trabalho de parto, a pressão arterial sistólica eleva-se de 15 a 20 mmHg e a diastólica, de 10 a 15 mmHg. A magnitudedestas alterações depende da intensidade da contração uterina eestá relacionada à dor, à ansiedade e à posição da parturiente. Nopós-parto imediato, o aumento da pressão arterial é ainda maior, pois,com o desprendimento da placenta, a resistência vascular aumenta.Ao mesmo tempo há o aumento do retorno venoso causado peladescompressão da veia cava inferior e o aumento da volemia pelapassagem do sangue represado no útero para a circulação sistêmica.

Como podemos notar, inúmeras são as alteraçõeshemodinâmicas ao longo da gestação e elas se instalamprogressivamente, de tal forma que nas gestantes hígidas são bemtoleradas e expressam uma adaptação fisiológica à gravidez, aoparto e ao puerpério. A requisição do sistema cardiovascular atingeum platô por volta da 32a semana de gestação e cresce abruptamentee sobremaneira no momento do parto e mais ainda no pós-partoimediato. O conhecimento das alterações hemodinâmicas da gestaçãoe dos momentos de maior requisição do sistema cardiovascular é degrande importância no manejo e na implementação de rotinas devigilância da gestante com doença cardiovascular.

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Figura 3-Comprovação dos efeitos deletérios da posição supina emgestantes (Scott DB, 1968 )

Figura 1- Alterações nos volumes sanguíneos e débito cardíacodurante a gestação e puerpério (Bonica,1990)

Figura2- Aumentos do fluxo circulatório na mulher grávida. (Adaptadode Hytten, F.E. e Leitch, J, 1971.)

Referências Bibliográficas:

1 - Antonio Carlos Lopes, Alterações anátomo-funcionais do sistemacirculatório na gravidez, Cardiopatia e Gravidez, São Paulo, editoraSarvier, 1986, pág: 6 a 10.

2 - John Mc Amulty, James Metlalfe,Kent Veland,DoençasCardiovasculares, Gerald N. Burrow, MD, Tomas F Ferris,MD,Complicações clínicas da Gravidez, São Paulo, editora Roca, 1989,pág: 199 a 201.

3 - Otavio Rizzi Coelho, Willians Cirillo, Cardiopatias, Bussâmara Neme,Obstetrícia Básica,São Paulo, editora Sarvier,1994,pág: 260 e 261.

4 - Marizza Vieira da Cunha Rudge, Vera Terezinha Medeiros Borges,Cardiopatias, Roberto Benzecry, Tratado de Obstetrícia da Febrasgo,São Paulo, Editora Revinter,2000,Pág 574

5 - Pedro Augusto Marcondes de Almeida, Daniel Born, HelvécioNeves Feitosa, Cardiopatia e Gravidez, Sergio Pereira da Cunha,Geraldo Duarte, Gestação de Alto Risco, Rio de Janeiro, editora médicae científica, 1998, pág: 131 a 137.

6 - Armando Negreiros, As Alterações Fisiológicas Maternas, Manualde Anestesia em Obstetrícia, São Paulo, editora Atheneu, 2000, pág:5 a 13.

7 - Roberto Caldeyro-Barcia, Washington L. Benetti, Raúl Bustos,Gustavo Ballejo, Enrique C. Gadow, Fecundação, gestação e parto,Fisiologia Humana de Hussay, Horacio E. Cingolani e Alberto B.

8 - Houssay,Porto Alegre, editora Artmed,2004, pág: 726 a 748.