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INSTITUTO TERZIUS ALTERAÇÕES CARDIOVASCULARES SECUNDÁRIAS AO USO DE COCAÍNA/CRACK FELIPE GUIMARÃES LOBÃO CAMPINAS 2012

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INSTITUTO TERZIUS

ALTERAÇÕES CARDIOVASCULARES SECUNDÁRIAS AO USO DE

COCAÍNA/CRACK

FELIPE GUIMARÃES LOBÃO

CAMPINAS

2012

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INSTITUTO TERZIUS

ALTERAÇÕES CARDIOVASCULARES SECUNDÁRIAS AO USO DE

COCAÍNA/CRACK

FELIPE GUIMARÃES LOBÃO

Monografia apresentada ao Instituto Terzius, para obtenção do título de Especialista em Terapia Intensiva.

CAMPINAS

2012

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DEDICATÓRIA

A minha família por compreender os momentos de ausência.

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AGRADECIMENTO

Aos meus mestres em Terapia Intensiva que me estimulam e guiam até hoje, à

distância.

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"Tudo tem seu tempo e até certas manifestações mais vigorosas e originais entram em voga ou saem de moda. Mas a sabedoria tem uma vantagem: é eterna."

Baltasar Gracián

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SUMÁRIO

Lista de Abreviaturas

Resumo

Abstract

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 09

2 REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................. 11

2.1 Origens do abuso de cocaína ......................................................................... 11

2.2 Dados epidemiológicos .................................................................................. 12

2.3 Ação farmacológica da cocaína ..................................................................... 14

2.4 Fisiologia da cocaína no sistema cardiovascular ........................................... 15

2.5 Complicações cardiovasculares causadas pelo consumo de cocaína ........... 17

2.5.1 Arritmias cardíacas ................................................................................ 17

2.5.2 Dissecção aórtica e endocardite ............................................................ 18

2.5.3 Hipertrofia cardíaca e cardiomiopatia .................................................... 19

2.5.4 Infarto agudo do miocárdio .................................................................... 21

2.6 Métodos diagnósticos ..................................................................................... 24

3 CONCLUSÕES ................................................................................................. 29

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 30

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LISTA DE ABREVIATURAS

CCIICCAADD Comissão Interamericana de Controle do Abuso de Drogas

DDCCVVss Doenças Cardiovasculares

EECCGG Eletrocardiograma

EEII Endocardite Infecciosa

EEUUAA Estados Unidos da America

IIAAMM Infarto Agudo do Miocárdio

IITTPP Inositol Trifosfatase

JJIIFFEE Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes

RRMMCC Ressonância Magnética Cardiovascular

SSCCAA Síndrome Coronariana Aguda

TTCC Tomografia Computadorizada

UUNNOODDCC United Nations Office on Drugs and Crime

VVEE Ventrículo Esquerdo

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RESUMO

O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão sistemática da literatura para avaliar

as alterações cardiovasculares secundárias induzidas pelo uso de cocaína e crack.

O abuso de drogas ilícitas, em especial a cocaína, é cada vez mais freqüente, sendo

o uso associado aos efeitos decorrentes da toxicidade aguda ou crônica em

praticamente todos os órgãos, particularmente no sistema cardiovascular. Na

literatura são amplamente descritas as consequências da exposição aguda a este

fármaco, tanto na forma de alcalóide purificado quanto sal de hidrocloreto: infarto

agudo do miocárdio, isquemia miocárdica, aceleração do desenvolvimento de

aterosclerose, miocardite, cardiomiopatia, arritmias, hipertensão arterial, dissecção

aórtica e endocardite. Estas alterações são variáveis entre os usuários e algumas

são dose dependente. A cocaína provoca elevação de norepinefrina, dopamina,

epinefrina e 5-hidroxitriptamina na fenda sináptica e potencializa a ativação do

sistema nervoso simpático. Além disso, bloqueia a captação de catecolaminas no

terminal pré-sináptico das terminações nervosas noradrenérgicas, promovendo

ativação do sistema renina-angiotensina.

Palavras-chave: Sistema cardiovascular. Transtornos relacionados ao uso de

cocaína. Crack cocaine.

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SUMMARY

The objective of this study was to perform a systematic literature review to evaluate

secondary cardiovascular alterations induced by use of crack and cocaine. Abuse of

illicit drugs, especially cocaine, is more and more frequent, and its use is related to

the effects of acute or chronic toxicity in virtually every organ, particularly in the

cardiovascular system. Literature widely describes the consequences of acute

exposure to this drug, in both purified alkaloid and hydrocloride forms: acute

myocardial infarction, myocardial ischemia, accelerated atherosclerosis development,

myocarditis, cardiomyopathy, arrhythmia, arterial hypertension, aortic dissection and

endocarditis. Such alterations vary among the users and some of them are dose-

dependent. Cocaine causes an increase of norepinephrine, dopamine, epinephrine

and 5-hydroxitryptamine in the synaptic gap and enhances the activation of the

sympathetic nervous system. Furthermore, it blocks catecholamine caption in the

presynaptic terminal of noradrenergic nerve endings, promoting an activation of the

renin-angiotensin system.

Key words: Cardiovascular System. Cocaine-related disorders. Cocaína crack.

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1 INTRODUÇÃO

A cocaína (benzoil-metil-ecgonina) é extraída das folhas da planta originária

da América do Sul, Erythroxylon coca, e foi utilizada por nativos sul-americanos dos

Andes, provavelmente para alívio dos sintomas relacionados à altitude elevada

(KNEUPFER, 2003). A substância é encontrada em duas formas distintas: alcalóide

purificado (base livre) e o sal de hidrocloreto, estando o uso associado a efeitos

decorrentes da toxicidade aguda e crônica em praticamente todos os órgãos,

particularmente no sistema cardiovascular (POZNER et al., 2005).

De acordo com o relatório divulgado pela Agência da ONU para Drogas e

Crime1, a cocaína é a terceira droga ilícita mais utilizada, correspondendo a 3,5 a

5,7% da população mundial na faixa etária entre 15 e 64 anos. Demais substâncias

comumente consumidas também são referidas, como a maconha, anfetaminas,

opióides e ecstasy.

Normalmente vendida nas ruas, a cocaína está sempre misturada com outras

substâncias, tais como: lactose, cafeína, talco ou lidocaína, tratando-se de uma

substância não pura (JATLOW, 1987). Entretanto, com a purificação, surgiu uma

droga que adquiriu popularidade em todo o mundo, o crack, composta por cristais de

cocaína pura preparada após dissolução do alcalóide em solução alcalina, a qual

altera suas propriedades químicas, sendo utilizada por meio do fumo (ETTINGER;

ALBIN, 1989).

No Brasil, o crack foi introduzido em 1988 e já é considerada a droga mais

consumida no país, especialmente em São Paulo, onde ultrapassou as fronteiras da

periferia paulistana, sendo adotado em todas as camadas sociais. A freqüência de

internações de viciados em clínica especializada destinada à classe média alta gira

em torno de 30%. O alarmante nesse contexto é que entre os usuários estão

crianças e adolescentes com idade variando entre seis e 17 anos (DOMINGOS JR,

1995).

Em qualquer forma utilizada, a substância é 75 a 90% hidrolisada por enzimas

plasmáticas e hepáticas em metilesterecgonina e benzoilecgonina, sendo assim

eliminada na urina. Em quantidades mínimas ocorre metabolização hepática

resultando em norcaína que, diferentemente de outros metabólitos, tem ação

1 United Nations Office on Drugs and Crime. Disponível em www.unodc/org.

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cardiovascular semelhante à produzida pela substância original (LANGE; HILLIS,

2001).

O consumo de cocaína tem sido associado a doenças cardiovasculares

(DCVs), tanto agudas quanto crônicas, tais como: infarto agudo do miocárdio,

isquemia miocárdica (silenciosa ou associada com angina), aceleração do

desenvolvimento de aterosclerose, miocardite, cardiomiopatia, arritmias, hipertensão

arterial, dissecção aórtica e endocardite (AQUARO et al., 2011). Esses eventos

podem ocorrer por meio de qualquer via de administração e em quantidades

distintas do fármaco. Com a difusão e facilidade de acesso a cocaína, registram-se

aumentos da morbidade e mortalidade associados ao uso (KLONER; REZKALLA,

2003).

O objetivo deste estudo é realizar uma revisão sistemática da literatura para

avaliar as alterações cardiovasculares secundárias induzidas pelo uso de cocaína e

crack.

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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 Origens do abuso de cocaína

As primeiras plantas de Erythroxylon coca foram enviadas para a Europa em

1750, mas somente na metade do século IX a cocaína foi isolada por Gaedicke,

nomeada e purificada por Niemann, passando a ser utilizada em elixires e bebidas

não alcoólicas. Apenas em 1884, Koller iniciou o uso medicinal da cocaína como

anestésico local em cirurgias oftalmológicas, que se estendeu até 2001 quando foi

reportada a relação entre a substância e isquemia do epitélio corneano. Em meados

do século XX iniciou-se um período de uso abusivo, porém restrito, da cocaína como

estimulante, mas somente após o aumento de mortes relacionadas ao consumo de

anfetaminas nos anos 60 e 70 é que sua utilização sofreu um aumento considerável.

Estima-se que 2,3%, 7,7% e 14,0% das populações do Brasil, Reino Unido e

Estados Unidos da América (EUA), respectivamente, já usaram, pelo menos uma

vez, a cocaína. Trata-se da segunda droga ilícita mais utilizada nos EUA,

responsável pelo maior número de consultas aos serviços de emergência (LUCENA

et al., 2010). A maior taxa de abuso de cocaína ocorre na faixa etária entre 18 e 25

anos, predominantemente entre indivíduos do gênero masculino. Entretanto, é na

idade entre 35 e 44 anos que mais se procura atendimento médico após o consumo,

sendo 40% devido a desconforto torácico.

De acordo com Salam (1999), nos EUA o fármaco era vendido sob a forma de

cigarro, charuto, coca líquida, cristais e soluções, sendo que não existiam leis que

restringissem o consumo ou a venda de cocaína. Como os efeitos prejudiciais da

droga começaram a se tornar evidentes, em 1914 o Congresso instituiu uma lei que

regulava a distribuição da droga, causando o fim da primeira epidemia de cocaína

nos EUA.

Em 1970 foi produzida a forma de base livre (crack), que pode ser volatilizada

para o consumo fumado com apenas 95ºC, em comparação aos 195ºC necessários

para a forma em pó. Assim, pode ser absorvida pelo pulmão, atingindo altos níveis

séricos em 10 a 15s, assemelhando-se à farmacodinâmica da administração

intravenosa. No entanto, o efeito tem duração máxima de 5 min, o que faz com que o

uso seja repetido com esse curto intervalo.

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Observou-se, com este advento, um aumento dos atendimentos em serviços

de emergência de pacientes com queixas cardiovasculares relacionadas ao

consumo da droga pela maior concentração arterial da substância e pela quantidade

consumida. Ainda que o consumo de metanfetaminas tenha crescido também na

década de 90, as intercorrências cardiovasculares relacionadas às drogas de abuso

ainda são mais frequentemente associadas ao uso de cocaína e seus derivados

(LANGE; HILLIS, 2001).

2.2 Dados epidemiológicos

O abuso de cocaína parece estar aumentando em vários países do Cone Sul,

como Argentina, Brasil, Chile e Uruguai. De acordo com especialistas em redução de

demanda da Comissão Interamericana de Controle do Abuso de Drogas (CICAD), a

pesar de que, nos últimos anos, tem-se registrado avanços nas Américas no que diz

respeito ao tratamento da dependência química, não se atende plenamente a

demanda por tratamento. A Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes

(JIFE) incentiva os governos dos países da América do Sul a que, ao elaborar a

política de fiscalização nacional de drogas, continuem dando prioridade ao

tratamento da dependência química e o incorporem nos sistemas nacionais de

atenção à saúde2.

O aumento do uso de cocaína e crack no Brasil foi destacado no Relatório

2010 da JIFE, vinculada ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,

apesar de, segundo o estudo, a quantidade da substância apreendida em 2009 não

ter mudado consideravelmente em relação à de 2008 (18,85 vs 19,74 toneladas,

respectivamente). De acordo com dados fornecidos pela Polícia Federal, o aumento

percentual das apreensões de cocaína, nas quais são incluídas o derivado crack, foi

de 96% nos últimos cinco anos.

No Brasil, o consumo de cocaína na metade dos anos 80 era um fenômeno

quase que exclusivo de alguns tipos de elite econômica ou social com pouca

repercussão no sistema de tratamento de usuários de drogas. Com a maior oferta da

droga, principalmente com a maior produção nos países andinos, o Brasil passou a

sofrer uma epidemia do uso de cocaína que se estende até os dias de hoje.

2 JIFE. Disponível em: www.unodc.org/southerncone/pt/drogas/jife.html.

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De acordo com Carlini et al. (1995) ocorreu um aumento gradual e constante

do número de usuários de cocaína principalmente nas cidades de São Paulo, Rio de

Janeiro e Porto Alegre, sendo cada vez maior o número de estudantes que fazem

uso da substância.

Com o consumo crescente é possível observar, nesta última década, o

aumento de pacientes com queixas relacionadas ao uso esporádico ou frequente

destas drogas ilícitas que procuram pelo serviço de emergência. Ainda não foram

descritos dados quantitativos sobre eventos cardiovasculares relacionados ao

consumo de tais substâncias no país. Isso se deve a dificuldade em diagnosticar o

uso em virtude do paciente não informar o consumo, além das equipes médicas não

terem o hábito de questionar o uso de cocaína e derivados em determinados

serviços de saúde.

Carrillo et al. (2011) analisaram a prevalência e evolução intra-hospitalar da

Síndrome Coronariana Aguda (SCA) associada ao consumo de cocaína. Durante o

período de janeiro de 2001 a dezembro de 2008, 2.752 pacientes foram

diagnosticados com SCA, sendo que 479 tinham idade igual ou superior a 50 anos.

Cinquenta e seis pacientes (11,7%) referiram uso de cocaína com um aumento na

prevalência de 6,8% em 2001 para 21,7% em 2008. Entre os pacientes com idade

inferior a 30 anos, 25% admitiu ser usuário em comparação aos 5,5% na faixa etária

entre 45 e 50 anos. Similarmente, a prevalência de teste de urina positivo para

cocaína foi quatro vezes mais elevada em pacientes mais jovens. Pacientes com

SCA associada ao uso de cocaína (n=24) tiveram infartos do miocárdio, menor

fração de ejeção do ventrículo esquerdo e mortalidade intra-hospitalar aumentada. A

associação entre o uso de cocaína e SCA aumentou significativamente nos últimos

anos.

As informações relacionadas ao consumo de cocaína e crack no Brasil ainda

estão aquém do desejável, especialmente quando se vislumbram ações de política

pública orientadas por evidências científicas e capazes de atender a todas as

particularidades relacionadas à prevenção e tratamento dessas substâncias. Por

outro lado, observou-se nos últimos 20 anos uma produção crescente de

conhecimento acerca do tema, consistente, de abrangência significativa e dentro de

um período relativamente curto de tempo.

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2.3 Ação farmacológica da cocaína

A cocaína é um alcalóide presente na folha da planta Erythroxylon coca, que

é um arbusto perene endêmico do Peru, Colômbia e Bolívia, isolado pela primeira

vez por Albert Niemann em 1860 (KATZUNG, 1998). A droga é dissolvida em ácido

hidroclorídrico para formar um sal solúvel em água, o hidrocloridrato de cocaína, que

existe nas formas cristalinas, pó ou granular. O sal é hidrossolúvel, absorvido por

todas as mucosas e, geralmente, utilizado por via inalatória ou intravenosa, mas não

pode ser fumado, pois é quase totalmente destruído pela combustão (EGRED;

DAVIS, 2005).

A farmacologia apresenta o pico plasmático de 100 a 500µg/litro, atingido em

20 a 40 min após a aspiração. Essa concentração raramente se associa à

intoxicação, mas produz um efeito de euforia que pode durar até 90 min.

A via inalatória produz um efeito eufórico imediato, uma vez que a droga

atinge o cérebro após ±5s, porém tem menor duração (5 a 10 min). Depois de

absorvida é rapidamente metabolizada e excretada na forma de benzoilecgonina,

norcocaína e éster de metilecgonina na urina (metabólitos ativo e inativo,

respectivamente), possuindo uma meia-vida plasmática de ±1h.

Se o consumo for mais frequente ou em doses maiores pode ocorrer o

acúmulo de cocaína ou de seus metabólitos em determinados compartimentos

corporais (tecido adiposo ou sistema nervoso central), de onde são liberados

lentamente. A benzoilecgonina pode ser detectada até 22 dias após o consumo em

indivíduos assintomáticos que fazem uso crônico da droga.

O uso intravenoso também foi difundido e alcança pico de concentração

plasmática mais rapidamente e em concentrações maiores (1 a 2mg/L). A droga

produz euforia intensa e rápida (30 a 45s), porém de curta duração (10 a 20 min).

Quando aspirada cronicamente tende a provocar atrofia e necrose da mucosa do

septo nasal, sendo o início do efeito um pouco mais demorado (120 a 180s) e com

duração aproximada entre 30 a 45 min.

A concentração arterial é maior que a venosa nos primeiros minutos após a

administração inalatória em pó ou fumada, o que proporcionaria maior exposição de

órgãos como o cérebro e o coração, antes de sua metabolização, dificultando a

correlação entre dose sérica e sintomas. Além disso, a concentração plasmática

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após a exposição é muito variável entre os usuários, com meia-vida da cocaína no

plasma humano com duração de 40 a 90 min (EVANS et al., 1996).

A forma de base livre é produzida pela alcalinização do sal com amônia e sua

posterior extração com solventes não polares. Essa forma, conhecida como crack, é

mais potente e gera dependência mais rapidamente que a cocaína em pó. Os efeitos

farmacológicos (início rápido, extrema euforia e curta duração) potencializam os

riscos de um consumo compulsivo. Além disso, observa-se o descuido pessoal dos

usuários, sendo negligenciada a alimentação, e higiene básica, com importante

comprometimento da saúde física.

Em termos de ação em neurotransmissores, a cocaína inibe a recaptura de

noradrenalina, serotonina e dopamina, e o uso pode estar associado com sinais

clínicos de intoxicação aguda ou crônica em vários órgãos. O exame físico revela

superestimulação adrenérgica com midríase, taquicardia, hipertensão, arritmias

cardíacas e hipertemia (KLONER et al., 1992; KNEUPFER, 2003).

2.4 Fisiologia da cocaína no sistema cardiovascular

Na literatura são amplamente descritos os efeitos da exposição aguda à

cocaína em diversas formas: elevação da pressão arterial e frequência cardíaca,

vasoconstrição arterial, hipertermia, aumento de atividade motora, arritmias,

convulsões. Estes efeitos são variáveis entre os usuários e alguns são dose

dependente (HEESCH et al., 2000; BASSO et al., 2011; DABBOUSEH; ARDELT,

2011).

Quanto ao aparelho cardiovascular, estes efeitos associam-se às ações da

exposição crônica à cocaína e seus metabólitos alterações estruturais do miocárdio,

como infiltrados inflamatórios e necrose focal, alterações de cardiomiócitos, necrose

de bandas de contração e apoptose, não relacionados à isquemia. Tais lesões

assemelham-se às modificações encontradas em casos de hiperatividade

simpatoadrenal, porém não são comuns a todos os usuários (BRANCH;

KNUEPFER, 1994).

As mudanças estruturais parecem estar relacionadas à atividade de

receptores alfa adrenérgicos e disfunção de canais de cálcio. Além destes efeitos, a

cocaína e seus derivados podem provocar aterosclerose acelerada relacionada ao

metabolismo de colesteróis, ação endotelial direta, inflamação com aumento de

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interleucina 6, fator de necrose tumoral e ativação plaquetária exacerbada

(THADANI, 1996).

Quando consumida com etanol, a metabolização da cocaína produz

cocaetileno, que é lentamente metabolizado e mais cardiotóxico que as duas

substâncias previamente isoladas, produzindo maior cardiodepressão e

cardiomiopatia associada. Em miócitos isolados, o cocaetileno reduz a concentração

de cálcio intracelular e a responsividade dos miofilamentos a este, assemelhando-se

à norcaína, mas apesar destes dados, o efeito da cocaína em relação ao cálcio

intracelular ainda não está totalmente esclarecido, podendo estar relacionado ao

desenvolvimento de cardiomiopatia. Os resultados obtidos pelo estudo realizado por

Hart et al. (2000) sugeriram que o cocaetileno é menos euforizante e taquicardizante

que a metilesterecgonina e a benzoilecgonina.

A relação entre a cocaína e seus metabólitos, e sintomas ou síndromes

cardiovasculares encontradas em usuários foi caracterizada por quadros de

miocardite (VIRMANI et al., 1988), dor torácica aguda relacionada ou não à isquemia

miocárdica (PARASCHIN et al., 2011), acidentes vasculares cerebrais

(BHATTACHARYA et al., 2011), infarto miocárdico (LIPPI et al., 2010; SELF et al.,

2011), hipertrofia cardíaca e doença coronariana associada ao uso crônico e agudo

de cocaína (WEBER et al., 2003).

Os efeitos simpatomiméticos de uma única dose de cocaína aumentam a

pressão arterial e sistólica em 20mmHg e 10mmHg, respectivamente, e a frequência

cardíaca em 30 bpm. A estimulação beta-adrenérgica causada pelo consumo de

cocaína leva, também, a um maior influxo de cálcio para dentro das células. A

estimulação alfa-adrenérgica resulta em aumento de fosfolipase C que ocasiona um

aumento do inositol trifosfatase (ITP). Com o aumento do ITP e do cálcio ocorre o

aumento do inotropismo cardíaco que, por sua vez, aumenta o trabalho cardíaco.

Em adição, o uso de cocaína pode reduzir a função ventricular e aumentar o

estresse sistólico final do ventrículo esquerdo (FOLTIN et al., 2003).

O efeito inicial da cocaína sobre as artérias coronarianas é de vasodilatação,

com redução de 13 a 68% na pressão em sua perfusão. Essa vasodilatação é

rapidamente seguida por vasoconstrição que se associa à redução de 5 a 20% no

diâmetro da artéria coronária que se segue a: estimulação secundária de receptores

alfa-adrenérgicos sobre o músculo liso das artérias coronárias, aumento dos níveis

de endotelina-1 e diminuição da produção de óxido nítrico. O espasmo coronariano é

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documentado, na maioria das vezes, pelas alterações eletrocardiográficas e por

meio da angiografia coronariana. Instala-se o aumento da demanda de oxigênio, ao

mesmo tempo em que ocorre a redução de seu aporte em decorrência do aumento

do trabalho cardíaco. (GAZONI et al., 2006).

Além do efeito cronotrópico e de vasoconstrição existe evidência de que a

cocaína pode desencadear processo de trombose aguda (WRIGHT et al., 2007);

aumento da contagem, ativação e agregação plaquetárias (SALAM, 1999); aumento

de 4 a 6% do número de eritrócitos e dos níveis de inibidor de plasminogênio ativado

(REZKALLA et al., 1993).

2.5 Complicações cardiovasculares causadas pelo consumo de cocaína

2.5.1 Arritmias cardíacas

O consumo de cocaína pode desencadear arritmias devido ao aumento do

tônus simpático, alteração do automatismo miocárdico por efeito direto sobre o

músculo cardíaco, isquemia relacionada ao consumo da cocaína e anormalidades

de reentrada. As arritmias ventriculares mais frequentes são taquicardia e

bradicardia sinusal, arritmias supraventriculares, bloqueio de ramo, taquicardia

ventricular, fibrilação ventricular e Torsades de Pointes (EGRED; DAVIS, 2005).

Existem várias causas arritmogênicas associadas ao consumo de cocaína. O

aumento dos níveis de catecolaminas tem efeitos tóxicos no miocárdio, originando

lesões de necrose isquêmica focais com posterior substituição por fibrose, que irá

constituir um substrato para a ocorrência de arritmias (CHAKKO, 2002).

O efeito da cocaína ao nível dos canais iônicos dos miócitos encontra-se

também na origem de arritmias cardíacas. O efeito bloqueador dos canais de sódio

responsáveis pela fase zero da despolarização cardíaca pode acarretar arritmias

cardíacas, agindo de forma semelhante a antiarrítmicos Classe I. A cocaína associa-

se frequentemente a um aumento do intervalo QT, consequência do efeito

bloqueador dos canais de potássio, uma alteração electrofisiológica importante

devido à sua possível associação com Torsades de Pointes e consequente morte

súbita cardíaca (HAIGNEY et al., 2006).

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2.5.2 Dissecção aórtica e endocardite

A dissecção aórtica é uma condição clínica extrema que ocorre quando a

camada endotelial da aorta se rompe, expondo a camada média. O uso de cocaína

acarreta um aumento extraordinário no nível de hormônios, capazes de levar a um

aumento súbito da pressão arterial sistêmica com consequente ruptura da camada

íntima, sendo uma condição potencialmente letal. O sangue pode ser impedido de

alcançar órgãos vitais para a manutenção das principais funções do indivíduo

(HAGAN et al., 2000).

Os sintomas de dissecção aórtica normalmente começam na parede posterior

do tórax; frequentemente o quadro se confunde com infarto agudo do miocárdio

(IAM). Porém, se o paciente for jovem e os exames para IAM forem negativos deve-

se considerar a possibilidade de dissecção aórtica, se o mesmo for usuário de

cocaína. A ocorrência de dissecção aórtica sem dor é extremamente incomum. A

patologia ocorre, normalmente, em indivíduos na faixa etária avançada com

hipertensão arterial ou portadores da síndrome de Marfan.

Um estudo retrospectivo foi realizado por Daniel et al. (2007) com 164

pacientes com diagnóstico de dissecção aórtica aguda, sendo que 16 (9,8%) tinham

usado cocaína ou derivado (crack) 24h antes do início dos sintomas. Os resultados

mostraram que a média de duração entre o consumo da droga e o acometimento

aórtico foi de 12,8h. A incidência de dissecção aórtica tipo I, II, IIIa e IIIb DeBakey foi

19%, 25%, 38% e 19%, respectivamente, nos pacientes usuários de cocaína. A

associação entre cocaína e dissecção aórtica ocorre, predominantemente, em

pacientes do gênero masculino com histórico de abuso de droga ilícita

Os indivíduos usuários de droga constituem um grupo de alto risco para

determinadas doenças infectocontagiosas, dentre elas a endocardite infecciosa (EI),

pois não estão atentos aos mínimos cuidados no preparo e administração do

fármaco por via endovenosa. A constante utilização de uma mesma veia sem a

devida atenção com assepsia e antissepsia ocasiona processos locais de celulite,

flebite e abscessos que servem de via de acesso para introdução na corrente

sanguínea de bactérias, como é o caso do Staphylococcus aureus.

A bacteremia constante associada à virulência desses agentes constitui o

mecanismo principal para a instalação da EI, mesmo que não haja fator

predisponente de cardiopatia prévia, adquirida ou congênita. A válvula tricúspide

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considerada isoladamente é a estrutura do coração quase que exclusivamente

acometida na EI. O diagnóstico diferencial é baseado na radiografia de tórax, pois as

imagens características de embolia pulmonar séptica caracterizam o quadro de

endocardite infecciosa (TRUXAL et al., 1988).

Jorge et al. (1993) avaliaram os diferentes aspectos que envolvem o paciente

com endocardite decorrente do uso crônico de cocaína por via endovenosa. A

amostra constou de 222 pacientes que foram distribuídos em grupos: G1 (n=193),

pacientes com endocardite, não usuários de cocaína, e G2 (n=29), EI, usuários.

Houve predominância do gênero masculino em G2 (89,7%) em comparação a G1

(57%). A presença de cardiopatia prévia, congênita ou adquirida, como

antecedentes predisponentes para a endocardite foi encontrada em 17,2% e 89,1%

dos pacientes dos grupos G1 e G2, respectivamente. O Staphyloccus aureus foi o

agente mais freqüente responsável pelas endocardites em G2 (86,4%) e G1

(23,9%). Dentre as estruturas acometidas, a válvula tricúspide foi a mais frequente

em G2 (65,5%). A presença de cardiopatia prévia predisponente foi menor,

sugerindo contaminação constante da corrente circulatória pelos agentes

patológicos.

2.5.3 Hipertrofia cardíaca e cardiomiopatia

A hipertrofia cardíaca constitui um dos mais importantes marcadores de

doenças cardiovasculares e de morte súbita. Mecanismo adaptativo do coração, em

resposta a um aumento de sua atividade ou de sobrecarga funcional, a hipertrofia

cardíaca pode se dar em resposta devido:

• Aumento de necessidade metabólica que impõe um aumento do débito

cardíaco. Esta condição é observada em resposta ao exercício físico ou

condições de débito alto como as observadas na anemia e fístulas

arteriovenosas;

• Aumento de carga pressórica ou de volume, verificado em resposta

adaptativa as condições patológicas como hipertensão arterial, estenose ou

coartação de aorta (sobrecarga pressórica), ou lesões orovalvulares ou

congênitas, como a insuficiência aórtica, comunicação interatrial (sobrecarga

de volume);

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• Resultante de mecanismos intrínsecos de natureza genética, tais como as

hipertrofias idiopáticas que podem ocorrer mesmo na ausência de

sobrecargas.

O consumo crônico de cocaína associa-se frequentemente à hipertrofia do

miocárdio, principalmente ao nível do ventrículo esquerdo. De acordo com dados

obtidos por meios de ecocardiografia e estudos post-mortem, a massa do ventrículo

esquerdo pode aumentar cerca de 69% e a espessura da parede até 47%. Os

mecanismos subjacentes tem por base o efeito direto da cocaína sobre os miócitos

(RAJAB et al., 2008). A resposta adaptativa face ao aumento da tensão arterial

decorrente da estimulação simpática induzida pela cocaína pode provocar as

alterações referidas, contudo, em seres humanos, este mecanismo é menos

previsível (HENNING; CUEVAS, 2006).

A alteração segmentar da motilidade da parede miocárdica e a hipertrofia

ventricular esquerda são resultados em 21% e 54%, respectivamente, dos

ecocardiogramas de usuários assintomáticos. A função sistólica ventricular esquerda

pode ser afetada pela isquemia induzida por estimulação simpática repetida levando

a taquicardia, cardiomiopatia e a alterações microscópicas subendoteliais durante a

contração. A fibrose miocárdica e a aterosclerose acelerada são os principais fatores

que contribuem para a disfunção miocárdica de longo prazo (BOGHDADI;

HENNING, 1997).

A depressão da função ventricular esquerda também pode ser explicada pela

ação direta inotrópica negativa por bloqueio de canais de sódio. Desta forma a

cocaína é capaz não só de bloquear o início e a condução do estímulo elétrico, mas

também a contração e a excitação. Os efeitos simpaticomiméticos da cocaína são

alcançados por bloqueio da retirada das catecolaminas pelos terminais pré-

sinápticos dos nervos. Com isso ocorre um acúmulo de catecolaminas e aumento da

estimulação no receptor.

Na cardiomiopatia dilatada em consumidores crônicos, a cocaína bloqueia a

recaptação das catecolaminas gerando acúmulo de noradrenalina nas fendas

sinápticas do miocárdio, levando a lesão dos miócitos, inflamação, fibrose,

degeneração celular, vasoconstrição e isquemia miocárdica. Existem relatos de

pacientes jovens com miocardiopatia dilatada aguda sem elevação dos marcadores

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convencionais de isquemia cardíaca. Por outro lado, o uso da droga pode levar à

hipertrofia ventricular independente de outros fatores de risco.

O efeito inicial da cocaína nas artérias coronarianas é de vasodilatação com

redução de 13% a 68% na pressão de perfusão coronária. Esta vasodilatação se re-

solve rapidamente e é seguida por vasoconstrição que está associada à redução de

5% a 20% no diâmetro da artéria coronária no epicárdio. O espasmo coronariano é

importante causa de disfunção miocárdica causada pela cocaína, apesar de ter sido

documentada em poucos casos por angiografia coronariana. Na maioria dos casos,

a documentação ocorre por alterações eletrocardiográficas como a elevação do

segmento ST e a inversão da onda T (POZNER et al., 2005).

Gazoni et al. (2006) descreveram o caso de cardiomiopatia em paciente

jovem usuário crônico de cocaína, apresentando dispnéia progressiva aos mínimos

esforços, expectoração sanguinolenta, edema de membros inferiores e estase

jugular. Foram observados no ecocardiograma: dilatação das quatro câmaras

cardíacas com hipocinesia difusa de ventrículo esquerdo (VE), trombo mural em VE

de 17 mm e fração de ejeção de 12%. Realizada broncoscopia pulmonar que

identificou sangramento em língula ativo, tratado com embolização. Após 48h do

procedimento, o paciente manteve-se assintomático e sem expectoração

sanguinolenta. Iniciou-se o tratamento antitrombótico com warfarina e enoxaparina.

A cineangiocoronariografia não evidenciou lesões obstrutivas e o paciente recebeu

alta após melhora clínica. Devido à dor precordial de forte intensidade e dispnéia de

repouso, o paciente foi reinternado sendo constatada oclusão de terço médio da

artéria descendente anterior.

De acordo com os autores, os efeitos agudos da cocaína frequentemente

motivam atendimento de emergência. Em contrapartida, as manifestações crônicas

podem produzir alterações de difícil correlação futura ao seu consumo prévio. O uso

prolongado de cocaína está relacionado à alteração da função sistólica ventricular

esquerda por hipertrofia ou dilatação miocárdica, aterosclerose, disritmias cardíacas,

apoptose de cardiomiócitos e lesão simpática.

2.5.4 Infarto agudo do miocárdio

Dentre as complicações cardiovasculares decorrentes do uso de cocaína

relatadas na literatura médica destaca-se o infarto agudo do miocárdio (IAM) pela

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elevada morbimortalidade, devendo ser considerado como diagnóstico diferencial

em todo paciente com história prévia (HOLLANDER et al., 1995; POTT JUNIOR;

FERREIRA, 2009; LIPPI et al., 2010; AQUARO et al., 2011). A relação cocaína-

infarto foi primeiramente relatada em 1982, e, desde então, a dor torácica

relacionada ao consumo de cocaína vem sendo um problema crescente entre os

pacientes jovens que se apresentam aos serviços de pronto atendimento médico

(COLEMAN et al., 1982).

Aproximadamente metade desses pacientes não apresenta evidências de

doença coronariana aterosclerótica na angiografia. O risco de IAM aumenta 24

vezes, 60 min após o uso da cocaína em pessoas que são consideradas de baixo

risco, sendo que a ocorrência parece não estar relacionada com a quantidade

consumida, via de administração ou freqüência de uso.

Lange e Hillis (2001) avaliaram 45 pacientes submetidos a angiografia

coronária para avaliação de dor torácica. O fluxo sanguíneo no seio coronário e o

diâmetro das artérias coronárias foram mensurados no inicio e após administração

intranasal de cocaína ou soro fisiológico. Após administração da cocaína houve

redução do fluxo sanguíneo em ambas as artérias coronárias e do diâmetro das

artérias epicárdicas. Esses efeitos foram bloqueados pela fentolamina, sugerindo

que a estimulação dos receptores alfa e o provável mecanismo dessas alterações.

A administração de uma dose recreacional de cocaína origina um aumento da

frequência cardíaca de cerca de 30 bpm, elevação da pressão arterial entre 10 a

20mmHg e alterações cardiovasculares equivalentes às decorrentes de exercício

físico moderado, aumentando o consumo de oxigênio. Por outro lado, o efeito

vasoconstritor coronário e a promoção de aterosclerose coronária são mecanismos

que contribuem para um menor aporte de oxigênio ao miocárdio. A isquemia resulta

de um desequilíbrio entre a necessidade que é maior e o aporte que é menor. Deste

modo conclui-se que as alterações fisiopatológicas provocadas pela ação da

cocaína atuando isoladamente dificilmente levarão a isquêmica miocárdica, sendo,

portanto a isquemia cardíaca ou o IAM resultado de uma série de fatores que

interagem simultaneamente, tais como: aumento da demanda de oxigênio do

miocárdio em situações de suprimento limitado ou fixo, vasoconstricão arterial

prolongada e agregação plaquetária com subsequente formação de trombo

(REZKALLA et al., 1993).

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O efeito inicial da cocaína sobre as artérias coronarianas é de vasodilatação,

com redução de 13 a 68% na pressão em sua perfusão, a qual é rapidamente

seguida por vasoconstrição que se associa à redução de 5 a 20% no diâmetro da

artéria coronária que se segue a: estimulação secundária de receptores alfa-

adrenérgicos sobre o músculo liso das artérias coronárias, aumento dos níveis de

endotelina-1 e diminuição da produção de óxido nítrico (POZNER et al., 2005;

MCCORD et al., 2008).

A cocaína, ao bloquear a recaptação de norepinefrina conduz a um aumento

dos níveis deste neurotransmissor e dos seus efeitos α e β adrenérgicos. Existe,

assim, um aumento da contractilidade e frequência cardíaca pelo aumento do influxo

de cálcio para os miócitos cardíacos, facilitando a utilização deste pelo complexo

troponina-actinamiosina, associada a uma elevação da tensão arterial devido ao

efeito vasoconstritor sistêmico.

Estes efeitos simpaticomiméticos vão originar uma maior necessidade de

oxigênio por parte do miocárdio, contribuindo para a isquemia cardíaca. A

estimulação simpática, nomeadamente α-adrenérgica, tem repercussões a nível

coronário, uma vez que se associa a um aumento dos níveis de endotelina-1 e a

uma diminuição da produção de óxido nítrico, promovendo vasoespasmo coronário.

Deve-se ressaltar que muitos dos consumidores de cocaína também fumam tabaco

e que a combinação destas duas substâncias tem um efeito sinérgico, originando

uma maior frequência cardíaca e vasoconstrição (POZNER et al., 2005).

A cocaína também ocasiona à oxidação de catecolaminas com formação de

radicais livres que causam cardiotoxicidade. Em virtude da presença de enzimas

antioxidantes dependentes de selênio como a glutationa peroxidase, é possível que

dietas ricas nesse mineral possam prevenir o estresse oxidativo e a disfunção

contrátil induzida pela droga (MORITZ et al., 2004).

Silveira et al. (2009) relataram o caso de paciente jovem com 28 anos que foi

admitido no setor de urgência com queixa de dor precordial que teve início após uso

de cocaína, sendo diagnosticado IAM. O exame físico não apresentava alterações

relevantes: frequência cardíaca de 80 bpm e pressão arterial sistêmica de 110mmHg

x 70mmHg. O eletrocardiograma admissional revelou um supradesnivelamento de

ST de V2 a V5 e onda T invertida, profunda e simétrica de V2 a V5. O paciente

apresentou boa evolução clínica e recebeu alta medicado com caverdilol,

espironolactona e enalapril. O ecocardiograma revelou acinesia do septo

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interventricular posterior e região apical, hipocinesia da parede inferior e apical

lateral do ventrículo esquerdo, hipocinesia médio-apical anterior e acinesia na

porção posterior do septo. A fração de ejeção do VE foi de 45% e suas dimensões

foram de 65cm x 50cm. O cateterismo cardíaco evidenciou artérias coronárias

normais, com imagem sugestiva de trombo na porção inicial da artéria descendente

anterior. O paciente apresentou boa evolução clínica e recebeu alta medicado com

caverdilol, espironolactona e enalapril.

Weinberg et al. (2011) avaliaram se a cocaína diminui a troca mitocondrial de

acilcarnitina e se uma droga que potencializa o metabolismo de glicose poderia

proteger contra a disfunção cardíaca induzida pela droga. O consumo de oxigênio,

com e sem cocaína, foi comparado em mitocôndrias de um rato cardíaco usando

substratos de octanoilcarnitina (lipídio) ou piruvato (não lipídico). Corações isolados

com ou sem uma dieta com suplemento de pioglitazona foram expostos a cocaína. A

cocaína a 0,5mM inibiu a respiração auxiliada por octanoilcarnitina, mas não à com

piruvato. A cocaína alterou a contratilidade, lusitropia, resistência coronária e

produção de lactato no coração isolado. Estes efeitos foram menos agudos nos

corações tratados com pioglitzona. A dieta com pioglitazona atenuou a queda do

duplo-produto, disfunção diastólica induzida por cocaína e resistência vascular do

miocárdio em comparação aos controles. A produção de lactato foi mais elevada em

corações pré-tratados e em miócitos ventriculares em culturas com pioglitazona. A

inibição da troca de acilcarnitina contribuiu para a disfunção cardíaca induzida por

cocaína.

O diagnóstico do IAM induzido pelo uso de cocaína é realizado por meio do

histórico e exame físico do paciente, juntamente com testes laboratoriais

apropriados, enzimas cardíacas e alterações eletrocardiográficas clássicas. Todavia,

nem sempre a apresentação clínica é clara, podendo haver sobreposição de

quadros clínicos diferentes. A enzima de destaque a ser pesquisada é a troponina

sérica. A droga provoca rabdomiólise em 50% dos pacientes e, portanto, níveis

séricos de creatinofosfoquinase podem não ser fidedignos.

2.6 Métodos diagnósticos

A literatura médica faz referência a vários métodos diagnósticos não invasivos

que permitem a avaliação da doença arterial coronária: teste ergométrico,

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ecoestresse, medicina nuclear e ressonância cardíaca. O principal objetivo dessas

técnicas é ter uma boa sensibilidade para detecção de anormalidades relacionadas

à lesão coronariana, bem como a quantificação de sua gravidade. Assim, a

combinação com informações obtidas de forma invasiva (cineangiocoronariografia) e

não invasiva, prognóstico e terapêutica eficiente podem ser empregados para um

planejamento clínico satisfatório.

A interpretação do eletrocardiograma (ECG) em pacientes com dor précordial

associada ao consumo de cocaína pode ser problemática, podendo ter um valor

diagnóstico limitado no que se refere ao IAM. Hollander et al. (1994) avaliaram uma

amostra constituída por 112 pacientes na faixa etária entre 18 e 35 anos

apresentando précordialgia, associada ou não à cocaína. Foram observadas

diferenças significativas nos traçados electrocardiográficos, caracterizadas pela

presença de elevada taxa de anormalidades, 56% no grupo controle e 84% no grupo

consumidor de cocaína, sendo que 43% dessas alterações correspondiam a uma

elevação do segmento ST superior a 0.1mV em mais do que duas derivações na

ausência de IAM. Em pacientes com IAM induzido por cocaína, o ECG teve uma

sensibilidade de 35,7%, uma especificidade de 89,9%, um valor preditivo positivo e

negativo de 17,9% e 95,8%, respectivamente, para o diagnóstico da patologia.

Dadas as alterações passíveis de serem encontradas no ECG de um

indivíduo jovem, a distinção entre normal e patológico nem sempre é fácil. Em jovens

é comum encontrar alterações decorrentes de repolarização precoce que se traduz

no ECG por uma elevação do ponto J, que pode ser erradamente confundido com

um supradesnivelamento ST patológico. A prevalência desta variante em pacientes

jovens é de cerca de 1 a 2%, estando presente entre 13 a 48% dos jovens que

recorrem ao serviço de urgências com dor précordial.

Igualmente ao que acontece com o ECG, a interpretação da dosagem dos

biomarcadores cardíacos pode ser difícil. O consumo de cocaína resulta em

hipertermia, aumento da atividade do músculo esquelético e em rabdomiólise, o que

pode relacionar-se com valores aumentados de mioglobina, CK total e CK-MB em

consumidores de cocaína, mesmo na ausência de IAM. Neste contexto, o

doseamento da troponina pode ser um método mais específico.

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A ressonância magnética cardiovascular (RMC), por sua vez, é um excelente

método para a avaliação acurada da morfologia e função dos ventrículos, e

referência para a análise de parâmetros geométricos cardíacos e análise seriada de

suas modificações. A alta resolução espacial, habilidade de diagnosticar a extensão

do infarto e a presença ou ausência de viabilidade miocárdica proporcionam diversas

respostas clínicas em um mesmo exame.

O contraste endovenoso utilizado é baseado no elemento paramagnético

gadolínio, que se distribui no espaço vascular e intersticial e não penetra no interior

de células com membrana íntegra. Esta característica permite que ele seja utilizado

para a análise da perfusão tecidual, identificação de trombos, massas neoplásicas,

áreas de fibrose ou infarto e alterações estruturais do miocárdio (SCHNEIDER et al.,

2003). A técnica permite, inclusive, a detecção de infartos de pequenas dimensões,

não identificados por outros métodos. A quantificação da área infartada, que pode

ser obtida de maneira rápida e rotineira, tem potencial significado prognóstico.

Aquaro et al. (2011) avaliaram, prospectivamente, a prevalência de dano ao

miocárdio em usuários de cocaína, sem histórico de doença cardíaca, por meio da

RMC. Foram selecionados 30 indivíduos com idade média de 39 anos, avaliados

48h após a retirada de cocaína por uma abrangente avaliação instrumental, clínica e

humoral, incluindo ensaio de peptídeo natriurético tipo B e de troponina I,

ecocardiograma, teste sob estresse físico e registro 24h de ECG, bem como exame

de RMC. O edema do miocárdio foi determinado por uma sequência STIR com

ponderação T2 e a fibrose usando o contraste de gadolínio. Os marcadores

biohumorais de envolvimento cardíaco foram negativos em todos os indivíduos,

exceto um. Quinze indivíduos tiveram anomalias não representativas no ECG em

repouso, enquanto os estudos do teste de esforço e do Holter foram negativos para

eventos de isquemia ou arritmia. Na avaliação da RMC, o envolvimento do miocárdio

foi detectado em 25 indivíduos (83%), edema em 14 (47%) e fibrose em 22 (73%).

Onze indivíduos (37%) mostraram edema e fibrose do miocárdio com localizações

similares em nove deles. Uma alta prevalência de dano cardíaco em adictos em

cocaína assintomáticos pode ser encontrada em exames de RMC.

Paraschin et al. (2011) determinaram a incidência de infarto agudo do

miocárdio em 24 indivíduos usuários de cocaína que apresentavam dor torácica,

utilizando a RMC. A idade média dos pacientes era de 29,7 anos e a maioria (79%)

usava, frequentemente, cocaína inalada. Os resultados mostraram valor de cálcio

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positivo em apenas 1 paciente. Entre os segmentos coronarianos avaliados, apenas

1 paciente tinha placas de calcificação na artéria coronária descendente anterior

(segmentos proximal e médio). A avaliação da função ventricular regional pela

análise de 17 segmentos foi normal em todos os pacientes. A angiografia por TC

confirmou o baixo risco cardiovascular destes pacientes, uma vez que a maioria

(96%) não apresentou aterosclerose. O exame de ressonância magnética

cardiovascular não detectou a presença de realce tardio indicativo de fibrose do

miocárdio entre usuários de cocaína com baixo risco cardiovascular.

A cateterização cardíaca com angiografia coronariana invasiva é o método

definitivo para determinar a presença ou ausência de estenose coronariana luminal

significativa. Contudo, devido ao custo elevado e aos riscos inerentes do método

invasivo, como o IAM, necessidade de intervenção cirúrgica de emergência e, até

mesmo, óbito, as investigações não invasivas de doença coronariana são

geralmente preferíveis.

Com o desenvolvimento da ultrassonografia intravascular e a tomografia

computadorizada foi possível detectar pequenas lesões intravasculares não

observadas pela angiografia, tendo diminuindo a prevalência de 6 a 12% de IAM

com coronárias normais na angiografia para cerca de 1% com a avaliação facilitada

por esses métodos.

A tomografia computadorizada (TC) com múltiplos detectores tem sido

utilizada mais frequentemente no diagnóstico de doença arterial coronariana por

meio da avaliação do escore de cálcio e da angiografia por TC. A calcificação nas

artérias coronárias é um marcador sensível e precoce da presença de aterosclerose,

uma vez que ela não aparece nos vasos sadios. O escore de cálcio permite a

quantificação da carga aterosclerótica do indivíduo e a estratificação por território

arterial que a doença acomete. Pacientes com escores de cálcio mais elevados e

com mais territórios coronários comprometidos apresentam pior prognóstico

(OSTROM et al., 2008).

Uma das vantagens da angiotomografia em relação à

cineangiocoronariografia é a possibilidade de avaliação da parede da artéria

adicionalmente à avaliação da luz coronária, o que permite a identificação de placas

ateroscleróticas em estágios iniciais, antes que ocorra o comprometimento da luz

arterial.

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Usuários de cocaína com dor torácica representam uma população crescente

nas salas de emergência e estudos tem demonstrado que essa é uma população de

risco aumentado para síndrome coronariana aguda. Informações sobre a

estratificação desses pacientes são escassas, pois a maioria deles é jovem e não

apresenta outros fatores de risco para coronariopatia, e inúmeras vezes a avaliação

pelo clínico gera dificuldade, uma vez que apenas pelo quadro clínico apresentado

fica difícil a diferenciação do paciente que está apresentando isquemia coronariana

daquele que não está. Neste contexto, é de suma importância que esses pacientes

sejam mais detalhadamente avaliados e tenham suas queixas valorizadas, uma vez

que parte deles não procura os serviços de emergência quando apresentam dor

torácica, mesmo com um risco de 6% de estar em fase aguda do infarto do

miocárdio.

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3 CONCLUSÕES

A cocaína, um alcalóide tropano cristalino que é obtido das folhas da planta

Erythroxylon coca, age como um poderoso estimulante que foca diretamente o

sistema nervoso central. Os efeitos da droga aparecem quase imediatamente após

uma única dose (intravenosa, intranasal ou inalada) e desaparecem dentro de

alguns minutos ou até horas. Apesar da livre comercialização da droga ser ilícita e

severamente penalizada em praticamente todos os países, seu uso continua amplo

em muitos ambientes culturais, sociais e pessoais. Existe uma variedade de efeitos

colaterais bem conhecidos para o abuso de cocaína que envolve praticamente todos

os sistemas de órgãos.

No entanto, existem evidências de que o abuso de cocaína pode desencadear

uma série de problemas cardíacos, abrangendo de arritmias a infarto agudo do

miocárdio (IAM), falência cardíaca e até mesmo morte cardíaca súbita,

especialmente em pacientes do gênero masculino relativamente jovens (média de 30

anos de idade), que usam concomitantemente tabaco e álcool, passaram por um

trauma ou um acidente automobilístico e que não possuem os tradicionais fatores de

risco para aterosclerose.

Uma vez que o uso de cocaína pode influenciar as estratégias de tratamento

de pacientes em avaliação para possível síndrome coronariana aguda, bem como o

prognóstico de IAM, pode ser aconselhável introduzir exames para cocaína em

pacientes recebidos com dor torácica em departamentos de emergências,

especialmente pacientes de alto risco. Esta estratégia poderia ser eficaz para que se

adote a melhor abordagem terapêutica para reduzir os riscos associados com

doença cardiovascular nestes pacientes e também, para evitar recidivas.

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