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Seminário sobre Paredes de Alvenaria, P.B. Lourenço & H. Sousa (Eds.), Porto, 2002 187 ALVENARIAS NÃO ESTRUTURAIS PATOLOGIAS E ESTRATÉGIAS DE REABILITAÇÃO J. MENDES DA SILVA Professor Auxiliar Dep. de Engenharia Civil Fac. Ciências e Tecnologia Universidade de Coimbra SUMÁRIO Aborda-se a problemática das anomalias das paredes de alvenaria não estruturais, com ênfase para a fissuração das paredes de tijolo furado. Primeiro, apresenta-se e ilustra-se a visão clássica dos agentes de degradação das paredes e depois discute-se o mesmo fenómeno numa perspectiva conjuntural. Apresenta-se a estratégia tradicional de correcção de anomalias não- estruturais, que se concretiza e exemplifica, quer para o fenómeno da humidade em paredes, quer o fenómeno da fissuração. Para o caso da fissuração, apresentam-se estratégias específicas, desde a reabilitação ligeira até à demolição e reconstrução integral. Por fim, comentam-se e ilustram-se patologias e estratégias de reabilitação a partir de casos de obra. 1. INTRODUÇÃO As paredes de alvenaria não têm tido, em Portugal, a atenção que lhes é devida, se considerarmos o papel que representam no contexto da construção, quer em termos funcionais, quer em termos económicos. Esta sub-valorização do papel das alvenarias estende-se da actividade de projecto à actividade de construção, incluindo o sector da produção de materiais e acessórios. As experiências inovadoras ou, tão só, de maior empenho e exigência, são singulares e merecem o devido relevo e apoio, mas não chegam para mudar uma imagem pública depreciativa das alvenarias.

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Seminário sobre Paredes de Alvenaria, P.B. Lourenço & H. Sousa (Eds.), Porto, 2002 187

ALVENARIAS NÃO ESTRUTURAIS PATOLOGIAS E ESTRATÉGIAS DE REABILITAÇÃO

J. MENDES DA SILVA Professor Auxiliar Dep. de Engenharia Civil Fac. Ciências e Tecnologia Universidade de Coimbra

SUMÁRIO Aborda-se a problemática das anomalias das paredes de alvenaria não estruturais, com ênfase para a fissuração das paredes de tijolo furado. Primeiro, apresenta-se e ilustra-se a visão clássica dos agentes de degradação das paredes e depois discute-se o mesmo fenómeno numa perspectiva conjuntural. Apresenta-se a estratégia tradicional de correcção de anomalias não-estruturais, que se concretiza e exemplifica, quer para o fenómeno da humidade em paredes, quer o fenómeno da fissuração. Para o caso da fissuração, apresentam-se estratégias específicas, desde a reabilitação ligeira até à demolição e reconstrução integral. Por fim, comentam-se e ilustram-se patologias e estratégias de reabilitação a partir de casos de obra. 1. INTRODUÇÃO As paredes de alvenaria não têm tido, em Portugal, a atenção que lhes é devida, se considerarmos o papel que representam no contexto da construção, quer em termos funcionais, quer em termos económicos. Esta sub-valorização do papel das alvenarias estende-se da actividade de projecto à actividade de construção, incluindo o sector da produção de materiais e acessórios. As experiências inovadoras ou, tão só, de maior empenho e exigência, são singulares e merecem o devido relevo e apoio, mas não chegam para mudar uma imagem pública depreciativa das alvenarias.

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188 Alvenarias não estruturais. Patologias e estratégias de reabilitação É importante referir que, sobretudo no domínio da investigação, quer de origem académica, quer ligada à actividade indústria, se têm verificado progressos significativos nos últimos anos, que (ainda) não chegaram, no entanto, à grande massa do meio técnico. Tem havido também progressos ao nível da bibliografia técnica de apoio, com diferentes níveis de abordagem e diferentes destinatários. É necessário, todavia, prosseguir, nomeadamente no apoio normativo - por exemplo, adaptando progressivamente o Eurocódigo 6 [1] à realidade nacional - e nas ferramentas de apoio ao projecto e execução, nomeadamente nas alvenarias com funções particulares: alvenaria estrutural, alvenaria face à vista, etc. A evolução dos materiais está, pelo seu lado, longe de corresponder às expectativas do mercado e do meio técnico e dificilmente o fará se não for acompanhada da criação e divulgação de sistemas coerentes de construção, compatíveis com as restantes opções de projecto e construção dos edifícios. É urgente passar da mera alteração ou melhoria dos materiais para a criação e divulgação de sistemas ou sub-sistemas construtivos em que eles se integrem. Veja-se, a propósito, o exemplo de outros sub-sistemas que já ultrapassaram essa fase: sistemas de canalização de abastecimento de água; sistemas de cobertura com telha cerâmica tradicional com a sua multiplicidade peças, coordenação dimensional, uniformização de suportes e acessórios, limites de aplicação, etc. As paredes de alvenaria têm um papel relevante na construção nacional e têm excelentes potencialidades para satisfazer as diversas exigências funcionais que lhes correspondem. Todavia, é iniludível a insatisfação de muitos utentes no que diz respeito aos defeitos destas paredes, com repercussões na segurança, conforto e salubridade do dia a dia. Urge pois prevenir essas patologias e, quando tal não for feito atempadamente, corrigi-las de modo eficiente. O texto que se segue inicia-se por uma abordagem geral, que diz respeito a todos os tipos de parede e vem posteriormente a centrar-se no domínio das alvenarias de tijolo, com particular relevo para o tijolo furado, que representa uma parcela muito significativa da construção de paredes em Portugal. 2. CONSEQUÊNCIAS DA EVOLUÇÃO DAS PAREDES DE FACHADA 2.1. Evolução das paredes As paredes de alvenaria utilizadas nas fachadas em Portugal evoluíram durante o último século, primeiro de forma lenta e, posteriormente, já nas décadas de 70 a 90, com ritmo progressivamente crescente e significativo, se tivermos como referência a lentidão e inércia habituais no domínio da construção. As paredes interiores também evoluíram, nalguns casos de forma mais radical, mas essa evolução não teve tantas repercussões funcionais e patológicas como aconteceu no caso das paredes de fachada, pelo que não serão objecto de discussão neste trabalho. Algumas das patologias posteriormente discutidas afectam, no entanto, com particular intensidade, as

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paredes interiores, nomeadamente quando a causa está relacionada com a excessiva deformação do suporte. As grandes alterações das paredes de fachada deram-se a diferentes níveis:

- Introdução de novos materiais; - Modificação das características de materiais existentes; - Aligeiramento global das paredes, acompanhando o aligeiramento da construção; - Alterações tecnológicas, no que diz respeito à filosofia da concepção; - Alterações tecnológicas, no que diz respeito às técnicas de execução; - Introdução de materiais com funções complementares; - Introdução de acessórios/componentes complementares; - Introdução de novos tipos de revestimento; - Evolução/alteração de revestimentos tradicionais (características dos materiais e

técnicas de aplicação).

Estas alterações tiveram sempre subjacente a intenção de reduzir custos (das paredes em si e das estruturas de suporte), de aumentar a produtividade e de melhorar o desempenho funcional das paredes de fachada, com particular preocupação no que diz respeito à resistência mecânica, resistência à acção da água e ao comportamento higrotérmico. O desempenho acústico, o comportamento sob acção do fogo e a durabilidade sob a acção dos diferentes agentes atmosféricos são domínios frequentemente relegados para segundo plano. As exigências estéticas e arquitectónicas, apesar de presentes neste processo de evolução, não foram, em nossa opinião, os seus elementos catalizadores ou determinantes, não obstante o conhecimento de situações pontuais de grande impacto. Quer a história, quer as perspectivas futuras das paredes de alvenaria, bem como a análise das suas exigências funcionais, são objecto de diferentes comunicações neste Seminário, pelo que esta abordagem tem apenas uma função de enquadramento. Os revestimentos, que desempenham cada vez mais um papel complementar de relevo no desempenho global das paredes, constituem um domínio muito complexo que, apesar de razoavelmente estudado [2], é frequentemente alvo de uma abordagem tecnológica incipiente pelo sector da construção, quer em termos de projecto, quer em termos de execução. Neste trabalho, a referência aos revestimentos é pontual e limitada a situações em que desempenhem papel de relevo na estratégia ou técnica de reabilitação da parede. 2.2. Vantagens e desvantagens da evolução Se a evolução não espontânea tem sempre subjacente a procura da melhoria do desempenho das paredes (no caso em discussão), não é menos verdade que essa evolução acarreta sempre algumas desvantagens ou disfunções. No entanto, desde que as vantagens sejam significativas, as desvantagens podem constituir, em geral, o incentivo para a procura de novas soluções, com outras vantagens e defeitos, ao longo de uma espiral de evolução.

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190 Alvenarias não estruturais. Patologias e estratégias de reabilitação De modo algo simplista, é corrente identificarem-se quatro grandes gerações de patologias das paredes de alvenaria, associadas a quatro fases de evolução das paredes de pedra e de tijolo: "As paredes de pedra apresentavam elevadas perdas de calor e grande probabilidade de condensações generalizadas que foram ultrapassadas pelas paredes de tijolo furado, em pano único. Estas, demasiado sensíveis à humidade, deram lugar às paredes duplas (posteriormente com isolamento térmico) que vieram a materializar as pontes térmicas. A correcção das pontes térmicas surge por vias diversas: paredes de pano único com isolamento térmico pelo exterior com revestimento delgado armado ou protecção da estrutura com elementos cerâmicos furados. Estas duas soluções disputam, agora, a 4ª geração de patologias: fungos, empolamentos, deteriorações localizadas e falta de planeza, nas primeiras, fissuração e instabilidade nas segundas."(in [3]). Ficam fora desta análise realidades paralelas da evolução da patologia de outras soluções construtivas, com diferentes materiais de base e com novos materiais e acessórios complementares, que se podem exemplificar, sem qualquer juízo pejorativo, com as seguintes situações:

- A introdução de elementos metálicos nas paredes (armaduras de junta e grampos entre panos de parede) não previa inicialmente uma adequada protecção contra a corrosão, pelo que, ao longo do tempo, esses materiais provocavam, como nova patologia, a fissuração da parede por expansão dos produtos da corrosão e escorrências de cor escura sobre os paramentos;

- A criação de blocos de encaixe simples, dispensando - em princípio - a execução de juntas verticais de argamassa, com vantagens de economia e produtividade, veio a verificar-se incompatível com diversos tipos de revestimento, no que diz respeito à fissuração e à resistência à passagem da água;

- A criação de blocos muito leves, permitindo um bom isolamento térmico no Inverno e grandes economias de mão de obra, vieram a demonstrar problemas de estabilidade dimensional e resistência mecânica, para além de um insuficiente desempenho na estação quente.

Estes exemplos de patologia têm em comum o facto de resultarem de um esforço de evolução e melhoria de técnicas e práticas precedentes e não directamente de erros ou defeitos grosseiros, no que diz respeito aos materiais, ao projecto, à execução ou à utilização, permitindo assim que sejam encarados numa perspectiva menos depreciativa, isto é, que sejam comparados às "dores de crescimento". Esta distinção, que na prática não significa que as consequências destes defeitos tenham menor gravidade, é relevante do ponto de vista teórico, porque, se nos casos correntes de patologia a sua prevenção passa pelo uso adequado de procedimentos já estabelecidos, nestes casos exige-se, ainda, a investigação e divulgação de novas soluções. 3. PATOLOGIA NÃO ESTRUTURAL DAS PAREDES DE ALVENARIA A distinção entre patologia estrutural e não-estrutural varia consoante os autores, como resultado de uma fronteira difusa entre a estrutura e os restantes elementos construtivos, e ainda como resultado do facto de serem raras as situações de patologia confinadas a um único elemento construtivo e sem qualquer dependência do funcionamento global do edifício. No

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caso das paredes, entenda-se pois, por agora, como patologia não-estrutural aquela que corresponde a paredes das quais não depende directamente a estabilidade de outros elementos construtivos. Esta opção resulta menos clara, do ponto de vista da designação, para as situações em que os defeitos das paredes não-estruturais resultam do deficiente desempenho ou interacção dos elementos estruturais confinantes ou de suporte e para as acções mecânicas externas ou internas, a que está sujeita a parede, e que põem em causa a sua própria estabilidade, sem que da sua eventual ruína resultem consequências para outros elementos construtivos. No Quadro 1 é apresentada a visão clássica das patologias de carácter não-estrutural [4], em que se pode verificar que as paredes partilham com os outros elementos construtivos quatro grupos principais de defeitos de acordo com a sua origem e/ou forma de manifestação: a acção da humidade, a fissuração, o envelhecimento dos materiais e o desajustamento face a determinadas exigências funcionais. Repare-se que neste Quadro1, apenas as paredes exteriores se consideram vulneráveis a todos os tipos de patologia indicados.

Quadro 1: Síntese das ocorrências de anomalias não estruturais [4, 5]

Simbologia:anomalias correntesanomalias mais relevantes

Paredes exterioresParedes interioresPavimentosCoberturasJanelasCerramentos de vãos exterioresPortas exterioresPortas interioresGuardasLanterninsAcabamentos exteriores em paredesAcabamentos interiores em paredesAcabamentos em tectosAcabamentos em pisosAcabamentos em coberturas

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Elementosprimários

Elementossecundários

Acabamentos

Humidificação dos materiais

Desajusta-mentos facea exigências

Anomalias devidas à humidade

ELEMENTOS DE CONSTRUÇÃO

ANOMALIAS NÃO-ESTRUTURAIS

NOTAS:1 - Em pisos térreos e enterrados2 - Em pisos sob cobertura3 - Em locais húmidos4 - Pavimentos sobre espaços abertos ou não aquecidos5 - Guardas exteriores6 - Em paredes exteriores e locais húmidos

1

1 2 3

1 4 4

5

1

1

1

6

7

7 - Em pisos sob cobertura e em locais húmidos

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192 Alvenarias não estruturais. Patologias e estratégias de reabilitação Os quatro grupos de causas indicados - que não são exclusivos das paredes - confundem-se com as manifestações ou as disfunções, uma vez que, numa perspectiva mais lata, as verdadeiras causas ou agentes da degradação estão a outro nível, como se descreve no Quadro 2: acções humanas, acções naturais, desastres naturais e desastres de causas humanas.

Quadro 2: Causas e agentes de patologias não estruturais (a partir de [4]) TIPO DE CAUSA FASE AGENTE

Humanas

Na fase de concepção e

projecto

Na fase de execução

Na fase de utilização

Ausência de projecto Má concepção inadequação ao ambiente (geotécnico, geofísico,

climático) Inadequação a condicionalismos técnico-económicos Informação insuficiente Escolha ou quantificação inadequada de acções Modelos de análise ou de dimensionamento incorrectos Pormenorização deficiente Erros numéricos ou enganos de representação

Má qualidade dos materiais Impreparação da mão de obra Má interpretação do projecto Ausência ou deficiência de fiscalização

Acções excessivas face ao projecto Alteração das condições de utilização Remodelação e alterações mal estudadas Degradação dos materiais (deterioração anormal,

incúria na utilização) Ausência, insuficiência ou inadequação da manutenção

Acções Naturais

Acções físicas

Acções químicas

Acções biológicas

Gravidade Variações de temperatura Temperaturas extremas Vento (pressão, abrasão, vibração) Presença da água (chuva, neve, humidade do solo,...) Efeitos diferidos (retracção fluência, relaxação)

Oxidação Carbonatação Presença de água Presença de sais Chuva ácida Reacções electroquímicas Radiação solar (ultra-violetas)

Vegetais (raízes, trepadeiras, líquenes, bolores, fungos) Animais (vermes, insectos, roedores, pássaros)

Desastres Naturais Sismo, ciclone, tornado Trovoada, cheia, tempestade marítima, tsunami Avalanche, deslizamento de terras, erupção vulcânica

Desastres de causas humanas

Fogo, explosão, choque, inundação

Numa perspectiva ainda mais global, podem ser identificadas causas conjunturais - ou mesmo políticas - para explicar a patologia da construção, nomeadamente a "patologia precoce", isto é, a que se manifesta de forma inexplicável pouco tempo após a construção. Há alguns anos,

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Appleton [6] afirmou que esta patologia precoce tem outras explicações para além das meramente técnicas, opinião esta que pode constituir ainda alvo de importante discussão. As explicações conjunturais então apontadas eram as seguintes:

- A consciência da fragilidade da postura dos promotores - donos da obra; - A desorganização e baixa tenacidade do sector de fabrico e fornecimento de produtos

de construção; - As condições ética e tecnicamente reprováveis que balizam a realização de grande

número de projectos; - A formação incipiente da mão-de-obra especializada; - A falta de estruturas das empresas de construção.

4. FISSURAÇÃO DAS PAREDES DE ALVENARIA 4.1. Causas da fissuração de paredes de alvenaria A observação dos quadros anteriores permite verificar a extensão do tema. Uma abordagem exaustiva dos assuntos relativos à patologia das paredes de alvenaria implicaria a análise e discussão de vastas áreas de conhecimento de diversos domínios das ciências da construção: materiais de construção, física das construções, tecnologia das construções e resistência de materiais. Deste modo, optou-se por restringir esta apresentação ao domínio da fissuração e, dentro desta, a fenómenos relativos à acção do calor e da humidade e as alguns aspectos relativos à instabilidade de panos exteriores utilizados como correcção das pontes térmicas. No Quadro 3 resumem-se as causas técnicas da fissuração de paredes de alvenaria não estruturais. Estas causas são observáveis em paredes correntes executadas com os mais diversos materiais, mas é possível identificar um número reduzido de patologias que são exclusivas - ou têm manifestações particulares - de alguns tipos de materiais. Sublinham-se, por exemplo, os problemas da expansão irreversível do tijolo de barro vermelho, a retracção blocos de betão celular autoclavado. A prevenção, diagnóstico e reparação da fissuração de paredes de alvenaria, em função das causas indicadas, estão razoavelmente descritas na bibliografia [5, 7, 8], nomeadamente nacional. Referem-se, pois, neste texto, a título de exemplo, apenas as acções preventivas da fissuração das paredes devida às variações de temperatura. É muito importante recordar que, com muita frequência, a patologia das paredes de alvenaria tem origem e manifestação em pontos singulares das paredes e não em superfície corrente. Ora é precisamente nestes locais que se verificam os maiores erros ou omissões em termos de projecto, é nesses locais que mais falta fazem materiais integrados num sistema de construção coerente e é nesses locais que a execução é mais difícil em obra. Acontece ainda que, lamentavelmente, é pouco frequente a análise de pontos singulares, quer na bibliografia técnica corrente, quer nos documentos normativos.

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194 Alvenarias não estruturais. Patologias e estratégias de reabilitação

Quadro 3: Classificação das principais causas de fissuração em paredes

CAUSAS DE FENÓMENOS

DE FISSURAÇÃO

ASPECTOS PARTICULARES

Movimentos da fundação Assentamentos diferenciais de fundações directas Variação do teor de humidade dos solos argilosos Heterogeneidade e deficiente compactação de aterros

Acção de cargas externas Concentração de cargas e de esforços

Deformação do suporte da

parede

Pavimento inferior mais deformável que o superior Pavimento inferior menos deformável que o superior Pavimento inferior e superior com deformação idêntica Fissuração devida à deformação de consolas Fissuração devida à rotação do pavimento no apoio

Variações de temperatura Fissuração devida aos movimentos das coberturas

Fissuração devida aos movimentos das estruturas reticuladas Fissuração devida aos movimentos da própria parede

Variações de humidade Movimentos reversíveis e irreversíveis

Fissuração devido à variação do teor de humidade por causas externas Fissuração devido à variação natural do teor de humidade dos

materiais Fissuração devida à retracção das argamassas Fissuração devida à expansão irreversível do tijolo

Acção do gelo Fissuração devido a condições climatéricas muito desfavoráveis

Fissuração devida à vulnerabilidade dos materiais

Ataques químicos Hidratação retardada da cal Expansão das argamassas por acção dos sulfatos Corrosão de armaduras e outros elementos metálicos

Outros casos de fissuração Acções acidentais (sismo, incêndios e impactos fortuitos)

Retracção da argamassa e expansão irreversível do tijolo Choque térmico Envelhecimento e degradação natural dos materiais e das estruturas Paredes de blocos de betão (situações particulares) Revestimentos Paredes com funções estruturais

4.2. Fissuração dos revestimentos tradicionais A fissuração dos revestimentos pode estar ou não associada à fissuração do suporte (alvenaria propriamente dita). Nos casos em que ocorre a fissuração do revestimento sem que o suporte tenha fissurado, as causas estão em geral ligadas ao tipo de revestimento e às condições de aplicação, mas podem resultar também de incompatibilidade química ou mecânica com o suporte [9]. A diversidade de revestimentos não permite uma descrição exaustiva das causas, pelo que o Quadro 4 se limita às causas possíveis da fissuração de rebocos ditos tradicionais.

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Quadro 4: Causas de fissuração dos rebocos [5] (a partir de [9])

ORIGEM DA FISSURAÇÃO

TIPO DE FISSURAÇÃO

Reboco propriamente dito

Fissuração por retracção Fissuração devida a deficiente adaptação ao suporte Fissuração devida ao gelo

Deficiente concepção e aplicação

Fissuração devida a misturas cimento-gesso Fissuração devida a concentração de tensões junto a aberturas Fissuração devida à corrosão de elementos metálicos

Suporte

Fissuração devida a deslocamentos do suporte Fissuração devida a reacções com sais existentes no suporte

Reboco e suporte

Fissuração devida a comportamentos diferenciais de suportes heterogéneos Fissuração devida a absorção excessiva do suporte Fissuração devida a variações dimensionais diferenciais entre o reboco e o suporte Fissuração devida à retracção do suporte

4.3. Prevenção da fissuração de origem térmica A prevenção da patologia reside, fundamentalmente, na "arte de bem construir". Todavia, ao longo das últimas décadas, este conceito foi perdendo significado real, com a crescente diversidade de soluções construtivas e materiais e com a descaracterização da mão de obra. Não se pretende, de modo algum, afirmar que a construção actual (incluindo materiais, projectos, mão de obra e execução) são de pior qualidade. O que se passa, isso sim, é que deixou de ser possível dominar e transmitir, de forma empírica, a diversidade de conhecimentos e informação disponíveis. Assim, prevenir a patologia implica, agora, em muitos casos, conhecê-la com rigor e escolher estratégias de intervenção preventiva. No Quadro 5 e na Figura 1, descrevem-se e ilustram-se diferentes estratégias - por vezes contraditórias - para prevenir a fissuração de paredes devido a fenómenos de origem térmica. Recorde-se que as variações de temperatura provocam a dilatação e contracção das paredes, dos elementos construtivos confinantes e dos diversos materiais que os compõem, gerando tensões significativas, não só nas ligações entre elementos construtivos, como no seio dos mesmos, uma vez que, por exemplo, o betão e argamassa apresentam o dobro da dilatação térmica linear do tijolo. Esta diferença de coeficientes de dilatação térmica linear vai provocar tendências de expansão e contracção distintas, ambas contrariadas pelos materiais confinantes. Por exemplo, no seio de uma parede de tijolo à vista, sujeita a intensa radiação solar, a ligação entre as juntas de argamassa e os tijolos fica sujeita a elevados esforços de corte, face à restrição mútua de movimentos. Do mesmo modo, os panos de alvenaria inseridos numa malha de betão armado (no preenchimento de pórticos, por exemplo) provocam tensões nas ligações à estrutura que são frequentemente responsáveis pela fissuração do revestimento exterior.

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196 Alvenarias não estruturais. Patologias e estratégias de reabilitação

Quadro 5: Prevenção da fissuração de paredes devido às variações de temperatura [5]

MEDIDAS PREVENTIVAS

Observações

♦ DIMINUIÇÃO DAS VARIAÇÕES DE TEMPERATURA

◊ Colocação de isolamento térmico na face superior das coberturas

⇒ Considera-se suficiente a resistência térmica exigida nas diferentes regulamentações europeias

◊ Utilização de cores claras em coberturas

◊ Utilização de dispositivos de sombreamento em coberturas

◊ Isolamento térmico pelo exterior em paredes

⇒ Utilização de sistemas homologados, adequados à especificidade da função e às solicitações em causa

◊ Pintura das paredes exteriores com cores claras

◊ Utilização de painéis de sombreamento de paredes - revestimento não aderente

⇒ Preferência para revestimentos com junta aberta, estanque à chuva mas permeável ao ar.

♦ DIMINUIÇÃO DOS CONSTRANGIMENTOS

◊ Juntas de dilatação em paredes de grande comprimento ou altura

⇒ Distância e largura das juntas estudada em função dos materiais e das solicitações previstas

◊ Juntas de dilatação nas coberturas

⇒ Idem

◊ Juntas de dilatação nas platibandas

⇒ Idem

◊ Dessolidarização das coberturas em relação às paredes e/ou apoios

⇒ Obriga à utilização de juntas deslizantes, quando as paredes servem de apoio às coberturas

◊ Criação de juntas elásticas entre a alvenaria e a estrutura

⇒ Tendo particular atenção às exigências de durabilidade e estanquidade

◊ Criação de juntas elásticas entre paredes de fachada e paredes interiores

◊ Utilização de materiais com características dilatométricas semelhantes

⇒ Muito condicionada pela gama de materiais correntes para alvenaria

◊ Utilização de argamassas menos rígidas

⇒ Condicionada pela eventual diminuição da sua resistência

♦ AUMENTO DA RESISTÊNCIA

◊ Tijolos mais resistentes, em particular à tracção e ao corte

◊ Argamassa mais resistente, em particular à tracção e ao corte

⇒ Perigo duma maior fissurabilidade por causa do eventual aumento da dosagem em cimento

◊ Maior aderência entre tijolo e argamassa

⇒ Obriga a um maior controlo dos materiais e do teor de humidade no momento da aplicação

◊ Maior resistência ao corte da alvenaria através da colocação de armaduras nas juntas

⇒ Utilização de armaduras não oxidáveis, reforçadas nas zonas críticas da parede

◊ Utilizar alvenarias confinadas ⇒ Aumenta a resistência mas aumenta o perigo da dilatação diferencial

◊ Utilizar cunhais travados e armados

◊ Armar revestimentos nas zonas de concentração de tensões

◊ Realizar fixação mecânica da alvenaria à estrutura

⇒ Medida contraditória em relação à criação de juntas elásticas para reduzir tensões

◊ Construção monolítica de platibandas e coberturas

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Figura 1: Exemplos de medidas preventivas para reduzir o risco de fissuração de paredes com

origem nos movimentos de origem térmica ([5], a partir de várias fontes)

a) Exemplos de isolamento térmico exterior (redução da solicitação térmica)

b) Exemplos de dispositivos de dessolidarização entre as lajes de cobertura e as paredes

c) Exemplos de dispositivos de dessolidarização entre as paredes e a estrutura

d) Exemplos de reforço mecânico das ligações entre as paredes e a estrutura e entre paredes perpendiculares entre si, através de elementos metálicos

Isolamento térmico em coberturas Isolamento térmico exterior em paredes (exemplos de revestimento contínuo armadoe descontínuo com estrutura independente)

H

junta

junta

H/100

junta elástica

apoio com deslocamentovertical livre

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198 Alvenarias não estruturais. Patologias e estratégias de reabilitação 5. ESTRATÉGIAS DE REABILITAÇÃO DE PAREDES DE ALVENARIA 5.1. Estratégias tradicionais de reabilitação de patologias não estruturais A reabilitação de patologias não estruturais assenta, tradicionalmente, numa ou várias de seis estratégias, a recordar:

- Eliminação das anomalias; - Substituição dos elementos e materiais; - Ocultação de anomalias; - Protecção contra os agentes agressivos; - Eliminação das causas das anomalias; - Reforço das características funcionais.

A adopção de uma destas estratégias ou da sua combinação entre si, está muito dependente do tipo de patologia, da facilidade de diagnóstico e das condicionantes técnicas, económicas e sociais da realização dos trabalhos de reabilitação. Ao contrário do que seria teoricamente desejável, a eliminação das causas das anomalias não é uma das opções mais frequentes, em consequência dos elevados constrangimentos que a envolvem e que acima se enumeraram. Estas estratégias gerais podem ser aplicadas com qualquer tipo de causa das patologias das paredes. Nos Quadros 6 e 7 apresentam-se exemplos e condicionantes da concretização destas estratégias para os casos de patologia por acção da humidade e por fissuração (a partir de [4]). 5.2. Estratégias para reabilitação de paredes de alvenaria fissuradas 5.2.1. Condicionantes e situações particulares A aplicação das estratégias gerais apresentadas no Quadro 6 e a escolha das técnicas específicas de reabilitação, para os casos de fissuração de paredes de alvenaria, têm diversas condicionantes, de entre as quais se destacam as seguintes:

- O tipo de causa (defeito de construção, causa intrínseca ao elemento construtivo ou causa externa) cujo conhecimento está dependente da capacidade de diagnóstico;

- A distribuição das fissuras e o seu grau de estabilização (fissuras isoladas ou distribuídas, estabilizadas ou não-estabilizadas; movimentos previsíveis);

- As consequências das fissuras (falta de estanquidade, diminuição da resistência ou estabilidade da obra, degradação acelerada de materiais, defeitos estéticos, inconvenientes psicológicos, etc.);

- O tipo de parede (parede de fachada, parede interior, parede rebocada, parede com revestimento cerâmico, parede de tijolo à vista, etc.).

Sublinha-se ainda que existem diversas situações particulares de reabilitação, nomeadamente:

- Reparação de fissuras que envolvam a perda de estanquidade da parede; - Reparação de fissuras que envolvam risco de perda de estabilidade das paredes; - Reparação de fissuras em cunhais; - Reparação de fissuras em paredes com tijolo face à vista.

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Quadro 6: Exemplos da concretização das estratégias gerais de reabilitação de patologias não estruturais para o caso da acção da humidade sobre paredes de alvenaria

ESTRATÉGIA

CONDICIONANTES

Exemplos de intervenção em

situações de fissuração

Eliminação das anomalias

Solução temporária, excepto

no caso da humidade de construção,

em que eliminar a anomalia também elimina a causa)

Secagem das paredes (com ventilação, aquecimento, desumidificação do ar);

Remoção de eflorescências e bolores;

Fixação de revestimentos descolados.

Substituição dos elementos mais

afectados

Adoptada quando a reparação

é inviável ou demasiado onerosa face ao benefício.

Pode não eliminar a causa.

Substituição de elementos de madeira apodrecidos;

Substituição de revestimentos desagregados por criptoflorescências;

Substituição de paredes com fortes problemas humidade ascencional ou sais higroscópicos.

Ocultação das anomalias

Solução geralmente

económica. Pode ser definitiva se garantir o desempenho

funcional do elemento construtivo.

Construção de pano de parede adicional;

Aplicação de revestimentos complementares desligados ou aderentes.

Protecção contra os agentes agressivos

Não elimina as causas, mas

protege os elementos construtivos da sua acção

Impermeabilização exterior de paredes enterradas;

Colocação de barreiras estanques contra a humidade ascencional (resina, membranas);

Eliminação das causas das anomalias

É a acção mais eficaz, mas

frequentemente impossível ou economicamente inviável.

Obriga também, em geral, à eliminação da anomalia.

Drenagem do terreno junto às construções com humidades ascencionais;

Alteração das condições termo-higrométricas que provocavam as condensações

Reforço da ventilação dos espaços nos locais onde há condensações.

Reforço das características

funcionais

Permite corrigir a inadequação

de alguns elementos construtivos às suas

exigências funcionais

Reforço do isolamento térmico, diminuindo o risco das condensações;

Colocação de elementos complementares de estanquidade em coberturas (ou correcção da sua inclinação).

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200 Alvenarias não estruturais. Patologias e estratégias de reabilitação Quadro 7: Exemplos da concretização das estratégias gerais de reabilitação de patologias

não estruturais para o caso da fissuração de paredes de alvenaria

ESTRATÉGIA

CONDICIONANTES

Exemplos de intervenção em

situações de fissuração

Eliminação das anomalias

Consiste na reparação das fissuras.

A eficácia depende do tipo de fissura e da sua estabilização. Nalguns casos pode ser feita por mera pintura decorativa.

Criação de rebaixos nas alvenarias ou nos revestimentos, sobre a fissura;

Aplicação de tiras de papel adesivo ao longo da fissura, para criação de uma "ponte";

Colocação revestimento armado sobre a fissura, não aderente a esta.

Substituição dos elementos mais

afectados

Solução radical e muito

onerosa. Frequentemente necessária em cunhais, paredes de tijolo face

à vista e fissuras de grande abertura.

Pode não eliminar a causa.

Demolição total ou parcial das paredes – em situações de esmagamento nos apoios, fissuras graves trespassando tijolo à vista e argamassa.

Demolição de cunhais não travados ou com travamento sem a adequada resistência à expansão de um dos panos confinantes.

Demolição ou remoção de peitoris e outros acessórios fissurados.

Reconstrução das zonas demolidas e substituição dos acessórios removidos com técnicas e materiais mais adequados, incluindo frequentemente armaduras nas juntas, grampeamento, montantes de travamento e armaduras do revestimento.

Ocultação das anomalias

Solução geralmente

económica. Pode ser definitiva se garantir o desempenho

funcional do elemento construtivo.

Construção de pano de parede adicional;

Aplicação de revestimentos complementares desligados ou com significativa flexibilidade.

Aplicação de cobre juntas, sancas ou rodapés em fissuras estabilizadas de desenvolvimento muito regular (horizontais ou verticais)

Protecção contra os agentes agressivos

Confunde-se frequentemente com a eliminação das causas

ou com o reforço das características funcionais. É preferível como medida

preventiva.

Protecção contra as diversas formas de acesso da humidade;

Colocação de isolamento térmico;

Criação de juntas no contacto com elementos construtivos que transmitam cargas “parasitas”, etc.

Eliminação das

causas das anomalias É a acção mais eficaz, mas frequentemente impossível ou economicamente inviável. Obriga também, em geral, à eliminação da anomalia.

Exemplos idênticos aos indicados para a “protecção contra os agentes agressivos”. Reforço das

características funcionais

Não é, em geral, aplicável às alvenarias numa fase correctiva, mas sim numa fase preventiva.

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5.2.2. Das estratégias às técnicas de reabilitação A concretização das estratégias de intervenção passa sempre pela adopção de um conjunto de técnicas específicas que, por si só ou em conjunto, possam garantir o desempenho funcional adequado da parede, sob os diversos pontos de vista, após reabilitação. Para uma mesma estratégia existem, quase sempre, diversas técnicas específicas e materiais. Tome-se como exemplo um edifício com pano exterior de alvenaria muito fissurado, com risco de ruína parcial, elevados níveis de infiltração e aspecto estético gravemente afectado. Perante o risco de ruína, as restantes patologias são, numa primeira fase, preocupações de menor monta. Assim, assume particular relevo a estabilização da parede ou, em alternativa, a sua demolição total ou parcial e subsequente reconstrução. As técnicas de estabilização de paredes de alvenaria de tijolo são em geral as seguintes:

- Reforço localizado dos apoios com lintéis ou cachorros em betão armado ou em aço, no caso de apoios deficientes;

- Escoramento oblíquo, no plano perpendicular à parede (quando for realizável arquitectonicamente);

- Grampeamento das paredes a outros panos de parede ou elementos estruturais; - Reabertura de algumas juntas para colocação de armaduras; - Confinamento com cintas e montantes de betão armado (constituindo uma intervenção

em geral destrutiva e de grande envergadura); - Demolição parcial e reconstrução de cunhais, com armaduras de canto ou criação de

juntas de expansão. Uma vez garantida a estabilidade, é necessário reparar as fissuras propriamente ditas. As técnicas são muito diversas e podem ser enquadradas pelas estratégias definidas no Quadro 7, com particular precaução para garantir a estanquidade final do sistema. Para fissuras de espessura superior a 0,5 mm com espaçamento superior a 1 metro é muito difícil garantir a sua estabilização, mesmo que a causa da fissuração tenha cessado, uma vez que estas fissuras, depois de abertas, funcionam como juntas de dilatação térmica naturais. A reabilitação de fissuras nestas condições consiste, nos casos mais graves, na colocação de agrafos metálicos, regularmente espaçados, perpendiculares à fissura, e na reparação em "ponte" da fissura. Qualquer destas duas técnicas é conhecida, mas frequentemente mal aplicada, com elevados riscos de reincidência do defeito:

- Se os agrafos são colocados todos com a mesma dimensão e alinhamento, criam-se zonas frágeis na parede e não se garante uma adequada distribuição de tensões. Também é perigosa uma deficiente protecção dos agrafos contra a corrosão;

- Os erros no tratamento das fissuras em "ponte" resultam do desconhecimento dos objectivos e do funcionamento mecânico desta técnica, que adiante se descreve.

Por último, é necessário garantir a estanquidade da parede e repor o aspecto estético. As soluções são diversas mas implicam, em geral, o recurso a técnicas menos tradicionais:

- Revestimentos independentes, com ou sem isolamento térmico - "bardage" (fixados às paredes existentes ou apenas aos topos das lajes);

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202 Alvenarias não estruturais. Patologias e estratégias de reabilitação

- Revestimentos delgados armados sobre isolante, fixados directamente ao suporte; - Revestimentos armados (espessos ou delgados) aderentes ao suporte; - Pinturas ou massas plásticas de elevada elasticidade, eventualmente armadas.

Em situações de fissuração grave, com extensa reparação de fissuras, não é aconselhável a aplicação de revestimentos rígidos correntes, contínuos, não armados e ligados rigidamente ao suporte reabilitado. Todas as soluções de revestimento indicadas devem ser alvo de estudo criterioso e aplicação profissional [2], sob pena de elevado risco de insucesso. A escolha da solução mais adequada não é independente do estado da parede e das soluções de reabilitação e estabilização do suporte. As condicionantes arquitectónicas e económicas são também muito relevantes nesta fase, uma vez que as soluções tidas como mais eficazes (que muitos autores consideram ser o revestimento independente - "bardage") apresentam os custos mais elevados e provocam um espessamento da fachada em cerca de 10 a 15 cm, obrigando a repensar e refazer todas as zonas de remate (coberturas, peitoris, etc.). 5.3. Precauções na reabilitação de fissuras em "ponte" A reabilitação das fissuras em "ponte" é descrita e ilustrada na Figura 2. A Figura 3 apresenta aspectos da sua cuidada execução obra. Os principais erros que são cometidos estão, em geral, associados às cinco etapas de execução da reparação (ver Quadro 8).

Quadro 8: Erros correntes na reabilitação de fissuras em "ponte"

ACÇÃO EVENTUAIS ERROS CONSEQUÊNCIAS Remoção do reboco numa faixa de 20 a 25 cm de largura

Largura reduzida da faixa de remoção do reboco ----- Espessura muito reduzida da faixa removida

Incapacidade para transmitir ao suporte as tensões de corte devidas aos movimentos da fissura ----- Reduzida resistência mecânica sobre a zona dessolidarizada com papel "kraft"

Fissura reaberta em “V” com disco rotativo de 5 mm, com 10 mm de profundidade

Fissura pouco reaberta ----- Reabertura excessiva da fissura

Dificuldade em introduzir o mastique na fissura, com material excedente a criar rebordo ----- Consumo excessivo de mastique e dificuldade na sua aplicação uniforme

Vedação da fissura com mastique sintético

Omissão do mastique ou mastique com reduzida durabilidade ou elasticidade

Incapacidade de garantir a estanquidade da fissura mesmo após reparação da superfície

Fita de dessolidarização (papel “kraft”) com 2 a 4 cm de largura, sobre a fissura

Ausência de fita ou fita demasiado fina ----- Fita muito próxima do bordo do reboco retirado

Incapacidade de garantir uma adequada distribuição das tensões no reboco sobre a fissura ----- Incapacidade para transmitir ao suporte as tensões de corte devidas aos movimentos da fissura

Reparação do reboco com argamassa curativa armada (não retráctil)

Reboco corrente com retracção não desprezável ----- Ausência de armadura

Elevada probabilidade de fissuração nos bordos da zona reabilitada na ligação ao reboco antigo ----- Reboco curativo incapaz de absorver os esforços nas imediações do papel "kraft" sem fissurar

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LEGENDA:

1) Remoção do reboco numa faixa de 20 a 25 cm de largura 2) Fissura reaberta em “V” com disco rotativo de 5 mm, com 10 mm de profundidade 3) Vedação da fissura com mastique sintético 4) Fita de dessolidarização (papel “kraft”) com 2 a 4 cm de largura, sobre a fissura

5) Reparação do reboco com argamassa curativa armada (não retráctil)

Figura 2: Esquema de recuperação de fissuras “em ponte” [5]

Figura 3: Execução em obra de recuperação de fissuras “em ponte”

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204 Alvenarias não estruturais. Patologias e estratégias de reabilitação 6. CASOS DE OBRA A Figura 4, ilustra o caso de um edifício em que o pano exterior da parede dupla de tijolo está parcialmente apoiado em cantoneira metálica sobre leito espesso de argamassa. A insuficiência do apoio e a sua excessiva flexibilidade, associada à total ausência de grampeamento de ligação entre o pano exterior e o pano interior, provocou graves problemas de fissuração, com particular expressão ao nível das lajes, como se pode observar pelas fotografias. Algumas zonas da parede atingiram elevados níveis de instabilidade. Procedeu-se ao grampeamento de ligação entre as duas paredes, à reabilitação das fissuras em ponte e à aplicação de revestimento delgado armado em toda a superfície. Em alguns casos foi dispensada a remoção da faixa de reboco em torno da fissura, uma vez que se optou pelo revestimento contínuo armado. Essa simplificação não é admissível quando se aplica um revestimento flexível, uma vez que a deformação natural do mastique fica aparente, nessas condições, em particular sob luz rasante.

Pormenor de apoio Aspecto geral da fachada Fissura junto ao apoio

Figura 4: Pormenor de apoio de uma parede de fachada e aspecto da fissuração resultante [10]

Figura 5: Fissuração e reparação de parede de fachada em tijolo face à vista

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Na Figura 5 apresenta-se uma situação semelhante numa fachada de tijolo face à vista, de grande altura, em que se verificou uma fissuração localizada, com empolamento do tijolo. A expansão do tijolo por acção da humidade ou a retracção ou compressão excessiva da estrutura parecem ter estado na origem da patologia. O apoio parcial agravou naturalmente o efeito desta força vertical adicional que passou a actuar sobre a parede, criando tensões assimétricas na zona do apoio. A reparação realizada consistiu, como era imprescindível, na demolição parcial muito cuidada de uma zona da alvenaria e sua posterior reconstrução. Na Figura 6 ilustra-se a demolição e reconstrução de um cunhal em obra, adoptando a técnica da alvenaria armada, criando um montante de furação vertical na aresta da parede. O cunhal apresentava-se gravemente fissurado por expansão de um dos panos e não se afigurava possível a criação de junta de dilatação, nem o confinamento da parede. Optou-se, assim, pelo reforço do cunhal com elevada distribuição das tensões na ligação. A demolição foi cuidada e criteriosa e criaram-se níveis sucessivos de amarração e transição entre os materiais novos e os materiais antigos (alvenaria e revestimentos), de modo a evitar concentrações de tensões, que acarretariam elevados riscos de fissuração.

Figura 6: Exemplo de reconstrução de cunhal com alvenaria armada 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS As paredes de alvenaria não estruturais podem desempenhar, cada vez mais, um papel de relevo na construção nacional, acompanhando a evolução tecnológica e arquitectónica. Para que tal possa acontecer com uma aceitável expectativa de sucesso, é fundamental continuar a investir na melhoria dos produtos de construção e seus acessórios, criando sistemas integrados e coerentes.

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206 Alvenarias não estruturais. Patologias e estratégias de reabilitação As patologias que hoje se observam só podem ser ultrapassadas com um significativo investimento na fase de projecto, em particular no esforço de compatibilização de materiais e de sub-sistemas construtivos, com particular atenção aos pontos singulares. A mão de obra, pelo seu lado, tem que acompanhar a evolução do projecto e dos materiais, num permanente esforço de formação e actualização, como já acontece em diversas especialidades do sector da construção. Rumo à garantia da qualidade das alvenarias, são também importantes o desenvolvimento dos processos de certificação e normalização, bem como o investimento nos mecanismos de transferência tecnológica e na criação de documentos de apoio ao projecto e à obra. As técnicas de reabilitação de paredes de alvenaria não-estruturais são muito diversas e devem ser seleccionadas e postas em prática devidamente enquadradas por uma estratégia global de reabilitação, adequada aos objectivos e condicionantes de cada caso de patologia. A incorrecta utilização de técnicas de reabilitação conduz, com frequência, ao reaparecimento precoce dos defeitos, ou mesmo ao seu agravamento. 8. REFERÊNCIAS [1] CEN - Eurocode 6 - Design of Masonry Structures. Part 1.1. General Rules for Buildings.

CEN, prENV 1996-1-1, 1994. [2] Lucas, J. A Carvalho - Classificação e descrição geral de revestimentos para paredes de

alvenaria ou betão. ITE 24, LNEC, Lisboa, 1990. [3] Silva, J. Mendes - "Projecto e execução das alvenarias não estruturais e o seu papel na

qualidade dos edifícios", Actas do Seminário - O Futuro do Sector Imobiliário em Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real, Novembro 2001.

[4] Paiva, J. V. et al. - “Patologia da Construção”. 1º ENCORE “ Encontro sobre Conservação e Reabilitação de Edifícios de Habitação”, Documentos Introdutórios. Lisboa, LNEC, Junho 1985.

[5] Silva, J. Mendes - Fissuração das alvenarias. Estudo do comportamento das alvenarias sob acções térmicas. Tese de Doutoramento - Universidade de Coimbra, Coimbra, 1998.

[6] APPLETON, João - “Patologia precoce dos edifícios”. 2º ENCORE - “Encontro sobre Conservação e Reabilitação de Edifícios” - vol.II. LNEC, Lisboa, Junho-Julho 1994.

[7] Lucas, J. A. Carvalho - Revestimentos para paramentos interiores de alvenaria de blocos de betão celular autoclavado- VOL. II: Betão celular autoclavado - Fissuração de paredes de alvenaria em geral; Fissuração de paredes de alvenaria de betão celular autoclavado no nosso País. Relatório 109/87-NCCt, LNEC, Lisboa, 1987.

[8] APICER, CTCV e DEC-FCTUC - Manual de Alvenaria de Tijolo. Associação Portuguesa de Industriais de Cerâmica de Construção, Coimbra, 2000.

[9] Veiga, Maria do Rosário - Comportamento de argamassas de revestimento de paredes. Contribuição para o estudo da sua fendilhação. Tese de Doutoramento - FEUP, Porto, Maio 1997.

[10] Silva, J. Mendes et al. – “Degradação precoce de paredes de fachada com correcção exterior das pontes térmicas. Casos de estudo”. Actas do Congresso Nacional da Construção, IST, Lisboa, Dezembro 2001.