17
TÓPICO Sônia Godoy Bueno Carvalho Lopes Fanly Fungyi Chow Ho ALVEOLADOS 7 LICENCIATURA EM CIÊNCIAS · USP/ UNIVESP 7.1 Introdução aos Alveolados 7.2 Dinoflagelados 7.3 Ciliados 7.4 Os Apicomplexos

ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

TÓPI

CO

Sônia Godoy Bueno Carvalho Lopes Fanly Fungyi Chow Ho

ALveOLAdOS 7

Licenciatura em ciências · USP/ Univesp

7.1 Introdução aos Alveolados7.2 dinoflagelados 7.3 Ciliados 7.4 Os Apicomplexos

Page 2: ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

Licenciatura em Ciências · USP/Univesp 116

7.1 Introdução aos Alveolados Os alveolados representam um diverso

grupo de micro-organismos eucarióticos

caracterizados por uma apomorfia ultra-

estrutural: logo abaixo da membrana ce-

lular, apresentam uma camada de alvéolos

corticais, ou seja, uma série de sáculos

membranosos que conferem maior re-

sistência mecânica à célula (Figura 7.1).

O grupo foi estabelecido na década de

1980 a partir de evidências microscópi-

cas e corroborado por dados genéticos

na década de 1990. Na década de 2000,

análises filogenômicas trouxeram um

reforço ainda maior para a monofilia do

grupo. Os Alveolata são amplamente acei-

tos como monofiléticos e representam um dos principais e mais bem estudados grupos de

organismos eucarióticos.

Os alveolados pertencem a uma das linhagens de unicelulares que derivaram do processo de

endossimbiose secundária com algas vermelhas (Figura 7.2). No caso dos alveolados, houve

logo na origem do grupo perda de um dos tipos de pigmentos fotossintetizantes existentes

nas algas vermelhas: as ficobiliproteínas. Analise o esquema a seguir que mostra a sequência de

eventos que levou ao surgimento das linhagens dentro dos alveolados.

As três principais linhagens de organismos alveolados são: dinoflagelados, ciliados e

apicomplexos (Figura 7.3).

Figura 7.1: Estrutura dos alvéolos / Fonte: Cepa

Page 3: ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

117 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp

Na linhagem que levou aos dinoflagelados, houve o surgimento de um tipo especial de pig-

mento, a peridinina. Assim, nesses organismos os pigmentos fotossintetizantes são as clorofilas a e

c e as peridininas. Apesar de muitos dinoflagelados serem fotossintetizantes, há inúmeras espécies

heterótrofas, que perderam os cloroplastos.

Na linhagem que levou aos ciliados, houve perda total dos cloroplastos. Esses organismos são,

portanto, todos heterótrofos.

No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-

sintetizantes, originando uma organela exclusiva do grupo, o apicoplasto. Todos os apicom-

plexos são parasitas intracelulares obrigatórios.

Figura 7.2: Esquema dos processos de endossimbiose primária e secundária que deram origem às principais linhagens de eucariotos. Em detalhe, apresenta-se a endossimbiose secundária, que levou à origem dos alveolados, indicando o número de membranas no cloroplasto e ganho ou perda de pigmentos fotossintetizantes / Fonte: Cepa

Page 4: ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

Licenciatura em Ciências · USP/Univesp 118

Apesar de não existirem dúvidas sobre o monofiletismo dos alveolados, tanto as relações dos al-

veolados com outros micro-organismos eucariontes quanto as relações entre as linhagens principais

de alveolados são atualmente debatidas com grande intensidade. Ao final do tópico, entenderemos

por que esse grupo é tão importante para o entendimento dos padrões evolutivos nos eucariontes.

7.2 DinoflageladosOs dinoflagelados são organismos unicelulares que em alguns casos formam colônias. São

predominantemente marinhos, embora existam também representantes de água doce. São

extremamente diversificados; a maioria das espécies é de vida livre, porém há representantes

parasitas de outros unicelulares eucariontes e até mesmo de certas algas filamentosas. Uma das

ordens de dinoflagelados reúne apenas espécies parasitas intracelulares. Dentre os dinoflagelados,

estão também espécies que vivem em mutualismo com eucariontes unicelulares, cnidários e

moluscos. Nos casos de mutualismo, os dinoflagelados são fotossintetizantes e muito modifica-

dos, sendo chamados coletivamente de zooxantelas.

Figura 7.3: Representantes das principais linhagens de alveolados: a. Micrografia Eletrônica de Varredura de um ciliado do gênero Paramecium; b. Micrografia Eletrônica de Transmissão corada artificialmente, de vários indivíduos do gênero Plasmodium, um apicomplexo, após divisão dentro do glóbulo verme-lho e sendo liberado para o plasma sanguineo; c. Micrografia ao Microscópio de Luz de um dinoflagela-do heterótrofo do gênero Noctiluca, responsável por bioluminescência em alguns mares. / Fonte: a Daniel Lahr e Mariana Campos; Latinstock

a

b c

Page 5: ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

119 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp

Os dinoflagelados fotossintetizantes representam grande parte do fitoplâncton marinho,

possuindo, portanto, um importante papel na produção primária do planeta, já que o fitoplânc-

ton é o principal responsável por essa produção.

Dentre os dinoflagelados, estão espécies com importância econômica, como as causadoras da maré

vermelha, exemplificadas por Karenia brevis (Figura 7.4) e várias espécies do gênero Alexandrium.

A maré vermelha é consequência de uma proliferação populacional de certos dinoflagelados, que

naturalmente produzem neurotoxinas. Esse aumento populacional está geralmente associado à alta

disponibilidade de nutrientes, por efeito natural, pela entrada de massas de água, ou artificial, por ação

antrópica. Essa proliferação, consequentemente, aumenta a concentração dessas toxinas, atingindo

níveis letais para organismos marinhos e até mesmo para o ser humano. As toxinas produzidas pelos

dinoflagelados não são liberadas para o meio, mas afetam os organismos pela ruptura das suas células,

seja por ingestão ou morte celular. O principal impacto econômico das marés vermelhas ocorre

em regiões exploradas pela indústria pesqueira e pela aquicultura (cultivo de organismos aquáticos,

como peixes, mexilhões, ostras e camarões), pois em geral as marés vermelhas matam milhares de

peixes. Mesmo que a maré vermelha não ocorra em região de grande exploração econômica, as

toxinas ainda podem se acumular em crustáceos e moluscos, que são de certa forma imunes a estas, e

afetar os animais e as pessoas que os ingerirem. A cor vermelha não é causada pela toxina, e sim pelos

pigmentos do próprio dinoflagelado. Curiosamente, as marés vermelhas não têm nenhuma relação

com as marés em si, e não precisam necessariamente ser vermelhas, pois alguns dos dinoflagelados

causadores são incolores. Além disso, há espécies de outros grupos de organismos causadores de

marés vermelhas, como certas cianobactérias. Devido às proliferações de dinoflagelados poderem ser

também incolores e causadas, além de dinoflagelados, por cianobactérias, os especialistas preferem

chamar esse fenômeno de proliferações de algas tóxicas (do inglês, Harmful algae blooms).

Figura 7.4: Dinoflagelado do gênero Karenia, causador de maré vermelha. Apesar de o dinoflagelado realmente apresentar coloração vermelha, nesta imagem a coloração foi adicionada eletronicamente / Fonte: Latinstock

Page 6: ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

Licenciatura em Ciências · USP/Univesp 120

O nome dinoflagelado deriva do grego dineo (girar), dado em função do modo como muitas

das espécies se movimentam na água, girando pela ação de dois flagelos: um longitudinal e

outro transversal, ambos alojados em sulcos (um lon-

gitudinal e outro transversal), que recebem também o

nome de cíngulo (Figura 7.5).

O flagelo transversal concede ao dinoflagelado um

movimento circular, enquanto o flagelo longitudinal o

impulsiona para a frente. Combinados, proporcionam

ao organismo um característico movimento em espiral.

O conjunto dos alvéolos dos dinoflagelados forma

a teca ou anfiesma. Na maioria das espécies, os al-

véolos são preenchidos por depósitos de celulose, que

podem ser bastante espessos em alguns casos. Os que

possuem celulose nos alvéolos são coletivamente cha-

mados de tecados e os que não possuem, de atecados.

Cada alvéolo representa uma placa, e a forma, a disposição e o número dessas placas são

características fundamentais para a taxonomia dos dinoflagelados.

Na Figura 7.6 está representada a morfologia geral de um dinoflagelado tecado. A seguir, estu-

daremos cada uma de suas estruturas. Além dos alvéolos, muitos dinoflagelados apresentam também

extrussomos, vacúolos secretores especializados, mais uma característica em comum com os ciliados

que discutiremos em breve. Esses estrussomos têm forma de garrafa e alternam-se com os alvéolos.

Figura 7.5: Esquema da disposição generalizada dos flagelos inseridos no cíngulo do dinoflagelado / Fonte: Cepa

Figura 7.6: Morfologia geral de um dinoflage-lado tecado típico. Observe a disposição dos alvéolos repletos de celulose que formam a teca ou anfiesma. Os dois flagelos estão presentes; o flagelo transversal está dentro de seu sulco específico. O cloroplasto e o dinocárion ocupam a maior parte da célula. Os tricocistos, um tipo de extrussomo, estão localizados entre os sáculos do sistema alveolar. O grande vacúolo que se abre no sulco transversal recebe o nome de púsula e é típico dos dinoflagelados. A provável função da púsula é a osmorregulação / Fonte: Cepa

Page 7: ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

121 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp

Outra característica interessante dos dinoflagelados é a organização do material genético em seu

núcleo. O núcleo dos dinoflagelados tem aparência tão distinta dos outros organismos eucarióticos

que recebe um nome especial: o dinocárion. Nele, o DNA é copiado muitas vezes, tornando-se

poliploide. Essa grande quantidade de material genético fica condensada a maior parte do tempo,

e não somente durante a mitose, como em outros organismos eucarióticos. Por estar condensado, dá

a aparência peculiar dos núcleos de dinoflagelados. Além dessa característica, nos cromossomos desses

organismos não há proteínas histonas associadas ao DNA, o que difere de todos os demais eucarion-

tes. Devido a essa peculiar organização nuclear, estudos anteriores chegaram a propor que os dino-

flagelados representam um estágio intermediário entre procariontes e eucariontes e utilizaram o

termo mesocariótico (do grego mésos = meio) para nomear esse tipo de núcleo. Essa hipótese foi

derrubada por meio de reconstruções filogenéticas mo-

dernas a partir de microscopia eletrônica combinada

com dados moleculares. Graças a esses estudos, sabemos

hoje que a ausência de histonas se deve à perda evolutiva,

ou seja, é uma condição secundária.

Nos dinoflagelados a reprodução assexuada ocorre

por fissão binária ou bipartição. Nesses casos, pode haver

perda total das placas antes da divisão, sendo reconstru-

ídas ao término da formação das duas células-filhas, ou

pode ocorrer a separação das células junto com as placas

correspondentes, como mostra a Figura 7.7.

A reprodução sexuada ocorre e pode envolver

estágios bastante complexos. Num esquema mais ge-

neralizado, os dinoflagelados produzem gametas por

mitose e, após a fecundação, o zigoto sofre meiose.

Cada célula haploide (n) resultante dá origem à célula

adulta. Nas Noctiluca, no entanto, a meiose ocorre na formação dos gametas (meiose gamética,

originando gametas haploides) e não após a formação do zigoto (na meiose zigótica, o zigoto

diploide, ao germinar, origina um organismo diploide), como nos demais dinoflagelados.

Figura 7.7: Esquema de divisão binária de um dinofla-gelado em que ocorre a separação das células e das placas. Depois da divisão, cada célula-filha recompõe as placas / Fonte: Cepa

Page 8: ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

Licenciatura em Ciências · USP/Univesp 122

7.3 CiliadosOs ciliados são abundantes em todos os ambientes: água doce, água salgada, solos úmidos.

Em geral, são organismos de vida livre, filtradores ou predadores, porém existem linhagens

parasitas (Figura 7.8). Sua principal característica é a presença de numerosos cílios em pelo

menos um estágio de seu ciclo de vida, daí o nome do grupo.

Cílios e flagelos

Cílios e flagelos são projeções celulares suportadas por microtúbulos, geralmente utilizados para

locomoção. Ambos estão organizados internamente em uma estrutura conhecida como 9+2, ou

seja, 9 pares de feixes de microtúbulos proteicos em disposição circular na parte periférica, e 2 feixes

lado a lado na parte interna (Figura 7.9). Os microtúbulos deslizam uns sobre os outros mediados

pela ação de outras proteínas, resultando nos movimentos típicos dessas estruturas. Tradicionalmen-

te, a denominação “flagelo” é utilizada quando são longos e pouco numerosos por célula, como

nos euglenoides e nos dinoflagelados. Quando são mais curtos e mais numerosos por célula, são

chamados de “cílios”. A bióloga Lynn Margulis, principal proponente da teoria da endossimbiose,

Figura 7.8: Representantes dos ciliados / Fonte: a é de autoria Daniel Lahr; b e c são Daniel Lahr e Mariana Campos

Page 9: ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

Licenciatura em Ciências · USP/Univesp 123

defendia o uso do termo undulipódio, do grego “membro ondulante”, tanto para cílios quanto para

flagelos, dada a semelhança estrutural entre eles, e também para evitar confusões com o flagelo

dos procariontes, que tem estrutura completamente diferente do flagelo dos eucariontes. Margulis

defendia manter o nome flagelo apenas para procariontes, mas essa proposta não foi incorporada

pela comunidade científica.

A distribuição dos cílios e a diversidade de tipos ciliares variam muito nas diferentes espécies.

Há representantes em que os cílios são simples e cobrem toda a célula, atuando em conjunto na

locomoção do organismo (Figura 7.10).

Os ciliados podem se alimentar por filtração do alimento. Alguns são predadores e podem

ingerir presas inteiras ou apenas parte do corpo destas.

Os filtradores utilizam o batimento ciliar para filtrar tanto diminutas partículas de alimento

dissolvidas na água como também outros organismos unicelulares de pequenas dimensões, como

Figura 7.9: A imagem mostra um corte transversal de um flagelo. Note ao centro a distribuição dos microtúbulos em 9 grupos na região externa e em 2 grupos na região interna (setas) / Fonte: Latinstock

Figura 7.10: Microscopia eletrônica de varredura de um paramécio, um ciliado filtrador, mostrando que todo o corpo celular é coberto por cílios.Em outros, os cílios estão agrupados em tipos ciliares complexos restritos a certas regiões da célula e envolvidos mais com a alimentação do que com a locomoção. Há ainda um grupo de ciliados que possui cílios apenas durante a primeira etapa de seu desenvolvimento. / Fonte: Daniel Lahr Mariana Campos

Page 10: ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

124 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp

bactérias e picoeucariontes. Esse material é ingerido por uma região especial da célula chamada

citóstoma (boca celular). Dentro da célula, esse material passa pela citofaringe (região da célula

com microtúbulos organizados) e fica envolto pelo vacúolo digestivo, onde será digerido. Os

restos não aproveitados são eliminados pelo citopígeo ou citoprocto (ânus celular) (Figura 7.11).

Picoeucarionte

O termo Picoeucarionte refere-se a um componente da biota do nosso planeta que passou des-

percebido por quase toda a história da biologia. São organismos eucariontes que variam de apenas

0,2 até 2 µm, ou seja, menores que muitas bactérias. Não formam uma linhagem filogenética, mas

sim uma classe de organismos autotróficos de tamanho pequeno, componentes do fitoplâncton, que

habitam ambientes marinhos e de água doce. Várias linhagens de micro-organismos têm represen-

tantes nos picoeucariontes: algas verdes, alveolados, entre outros. A alga verde Ostreococcus tauri, um

dos organismos mais abundantes do planeta, foi descoberta apenas em 1994. Ela tem apenas 0,8 µm,

sendo o menor organismo eucarionte conhecido, com morfologia celular incrivelmente simples:

apenas um núcleo, uma mitocôndria, um cloroplasto e um complexo golgiense.

Figura 7.11: Morfologia geral de um Paramecium / Fonte: Cepa

Page 11: ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

Licenciatura em Ciências · USP/Univesp 125

Os ciliados possuem como estrutura osmorreguladora vacúolos pulsáteis ou contráteis. A

forma e o número desses vacúolos variam nas diferentes espécies.

Os que atuam como predadores capturam suas presas que são, em geral, outras espécies de

ciliados. Há também os que ingerem algas filamentosas.

Entre os alvéolos localizados sob a membrana plasmática, há estruturas vesiculares que se abrem

na superfície da célula por diminutas aberturas, através das quais lançam seus conteúdos para

o exterior. Essas estruturas são chamadas extrussomos, nome que significa “corpos que lançam

materiais para fora”. Há três tipos principais de extrussomos:

• mucocistos: produzem muco;

• tricocistos: liberam estruturas filamentosas utilizadas provavelmente como defesa;

• toxicistos: liberam substâncias tóxicas empregadas na captura de presas. É com esse tipo

de extrussomo que os predadores capturam suas presas.

Apenas relembrando: os dinoflagelados também possuem extrussomos semelhantes aos

descritos para os ciliados.

Outra característica fundamental dos ciliados é a separação do material genético em

dois núcleos distintos: o micronúcleo e o macronúcleo (Figura 7.11). O micronúcleo

contém o material genético completo do organismo, porém totalmente condensado e

inativo, mas é ele quem participa da reprodução sexuada. O macronúcleo, por outro

lado, possui milhões de cópias de genes sendo ativamente utilizados. No momento da

reprodução sexuada, o macronúcleo degenera e o micronúcleo transmite a informação

genética para a próxima geração. O macronúcleo da próxima geração é criado posterior-

mente, a partir do micronúcleo.

Nos ciliados, a reprodução sexuada recebe o nome de conjugação, um processo que ocorre

sem a formação de gametas, como descrito resumidamente na Figura 7.12.

Explosão dos extrussomos, filme Ciliados (4'25-5'48).

Page 12: ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

126 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp

A reprodução assexuada ocorre por brotamento ou por um tipo especial de bipar-

tição em que o plano de divisão da célula é transversal. Na bipartição, o macronúcleo

não desaparece e pode se dividir ou não, dependendo da espécie, conforme mostram os

esquemas a seguir (Figura 7.13):

Figura 7.12: Esquema generalizado da conjugação, recombinação genética e eventos que se seguem / Fonte: Cepa

Figura 7.13: Esquema representando os eventos na reprodução assexuada dos ciliados. Em a o macronúcleo divide-se, mas em b não / Fonte: Cepa

a

b

Page 13: ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

Licenciatura em Ciências · USP/Univesp 127

7.4 Os ApicomplexosOs apicomplexos (antigamente chamados esporozoários) são todos parasitas intracelulares

obrigatórios. Receberam esse nome em função da presença de uma elaborada estrutura locali-

zada no polo apical da célula, denominada complexo apical, presente em pelo menos uma das

fases do ciclo de vida desses parasitas. Esse complexo é formado por uma série de microtúbulos,

por feixes de proteínas especiais e por vesículas secretoras. A função do complexo apical está

relacionada com a penetração na célula do organismo hospedeiro (Figura 7.14).

Nos apicomplexos há uma organela característica denominada apicoplasto, um cloroplasto

modificado, que contém seu próprio genoma (Figura 7.14). Nessa organela, há síntese de

substâncias fundamentais para a sobrevivência da célula e, por isso, essa organela tem sido alvo

de interesse no desenvolvimento de fármacos que atuem sobre os processos bioquímicos que

Figura 7.14: Morfologia geral de um apicomplexo / Fonte: Cepa

Page 14: ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

128 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp

ocorrem em seu interior. Bloqueando a síntese das substâncias aí produzidas, pode-se causar a

morte desses parasitas sem prejuízo aos seus hospedeiros. Esse é um caso em que os estudos

evolutivos estão sendo de grande ajuda para os pesquisadores que desenvolvem remédios: como

o apicoplasto é um cloroplasto reduzido, ele apresenta muitas características em comum com

cloroplastos de algas e plantas. Assim, os pesquisadores estão estudando o uso de substâncias que

atuem sobre essas organelas como tratamento contra doenças causadas por esses parasitas.

Como todos os apicomplexos são parasitas intracelulares obrigatórios, eles têm enorme

importância médica. Entre os apicomplexos estão as espécies causadoras da malária no gênero

Plasmodium, e as espécies causadoras da toxoplasmose no gênero Toxoplasma.

A malária é hoje a doença tropi-

cal mais prejudicial ao ser humano: o

número de mortes causadas pela doença

só é superado pela AIDS. A malária é

causada pelo gênero Plasmodium, que

contém cerca de 200 espécies, das

quais pelo menos 11 infectam os seres

humanos. As outras espécies infectam

uma ampla gama de animais vertebra-

dos, mas principalmente mamíferos. O

Plasmodium sempre tem dois hospedei-

ros no ciclo de vida: o hospedeiro inter-

mediário, definido como aquele em que

ocorre a fase assexuada de reprodução

do parasita, e o hospedeiro definitivo ou

final, definido como aquele em que há a

fase sexuada da reprodução do parasita.

No caso do plasmódio, o hospedeiro

intermediário é a espécie humana ou

outro vertebrado e o definitivo é a

fêmea do mosquito Anopheles, que é hematófaga. Como é a fêmea desse gênero de mosquito

que transmite o parasita para ao vertebrado, ela é chamada de vetor e o plasmódio, de agente

etiológico, ou seja, o agente que causa a doença

Figura 7.15 – A história de vida do Plasmodium é complexa, envolvendo diversas transformações morfológicas / Fonte: Cepa

Page 15: ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

Licenciatura em Ciências · USP/Univesp 129

De maneira resumida, o ciclo de vida do Plasmodium inicia-se com uma fêmea de mosquito

Anopheles se alimentando do sangue de uma pessoa infectada (Figura 7.15). Ela adquire cé-

lulas haploides de Plasmodium em estágio de dispersão (gametócitos) presentes no interior de

hemácias. Os gametócitos se tornam gametas masculinos e femininos e há a fecundação, dando

origem ao ovo ou zigoto, que se implanta na parede do estômago e forma, por meiose seguida

de mitoses sucessivas, o estágio transmissor (esporozoíto) que migra para as glândulas salivares

do mosquito. De lá, será transmitido para a corrente sanguínea da próxima vez que o mosquito

se alimentar. Uma vez na corrente sanguínea, o parasita invade células do fígado, sofre trans-

formação e divide-se de forma assexuada, originando muitos indivíduos. A célula hospedeira

rompe-se e esses indivíduos são liberados no sangue e podem invadir hemácias, onde sofrem

novo ciclo de reprodução assexuada, formando novamente grande número de indivíduos, o que

promove o rompimento da hemácia. É nesse estágio que o hospedeiro sofre febres, de variável

intensidade e periodicidade, dependendo da espécie de Plasmodium. Os parasitas liberados das

hemácias podem infectar novas hemácias e recomeçar o mesmo ciclo ou seguir outro caminho,

diferenciando-se em gametócitos. Hemácias com gametócitos deslocam-se até vasos periféri-

cos. Se uma fêmea de anófeles sugar esse sangue, reinicia o ciclo no mosquito.

Existem três espécies de Plasmodium no Brasil:

• Plasmodium vivax: acessos febris de 48 em 48 horas (febre terçã benigna);

• Plasmodium malariae: acessos febris de 72 em 72 horas (febre quartã);

• Plasmodium falciparum: acessos febris irregulares, de 36 a 48 horas (febre terçã

maligna, pois as hemácias parasitadas aglutinam-se, provocando obstrução de vasos, po-

dendo levar o indivíduo à morte).

A prevenção da doença, endêmica de grande parte do Brasil, dá-se principalmente por

controle do vetor. Quando, em área de risco, é recomendável o uso de repelentes, calças e

mangas compridas, mosquiteiros e evitar a permanência em áreas abertas nos períodos de

maior atividade dos mosquitos, como durante o nascer e o pôr do sol. Existem medicamentos

que diminuem a possibilidade de contrair a malária (quimioprofilaxia), porém não a elimi-

nam. Após infecção, não existe cura para a malária, somente tratamento.

Agora é a sua vez...Realizar a Atividade 1 e a Atividade 2.

Page 16: ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

130 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp

Fechamento do TópicoNeste tópico, estudamos um grande grupo monofilético de eucariontes, os alveolados,

que são caracterizados pela presença de alvéolos, sáculos membranosos e estrutura micro-

tubular de suporte sob a membrana. São três os grupos de alveolados: os dinoflagelados, os

ciliados e os apicomplexos. Os dinoflagelados são organismos fotossintetizantes ou heteró-

trofos que formam a maior parte do plâncton e podem por vezes causar a maré vermelha,

fenômeno tóxico com importantes consequências ecológicas. Os ciliados são organismos,

em sua imensa maioria, de vida livre, abundantes em todos os ambientes aquáticos. São

caracterizados pela presença de cílios (estruturas locomotoras ou utilizadas na filtragem

do alimento) e pela presença de núcleos dimórficos, um deles responsável pelas funções

vegetativas (macronúcleo) e outro voltado para a reprodução sexuada (micronúcleo). Os

apicomplexos são um grupo exclusivamente parasita, caracterizado pela estrutura celular

do complexo apical, que é utilizada para invadir a célula parasitada. Adicionalmente, existe

o apicoplasto, um plastídeo residual vital. Entre os apicomplexos, está o Plasmodium, agente

etiológico da malária, uma das doenças que mais causam vítimas no mundo.

Referências BibliográficasAnderson, D. M.; White, A. W.; BAden, D. G. Toxic Dinoflagellates: Proceedings of the

Third International Conference. New York: Elsevier Science, 1985.

CAvAlier-smith, T. Cell diversification in heterotrophic flagellates. In: The Biology of

Free-living Heterotrophic Flagellates. Oxford University Press: D. J. Patterson & J. Larsen,

1991. pp. 113-131.

Fensome, R. A.; tAylor, F. J. R. et al. A classification of living and fossil dinoflagellates.

New York: American Museum of Natural History, 1993. p.1-351. (Micropaleontology Special

Publication, nº7)

Keeling, P. J. Diversity and evolutionary history of plastids and their hosts. American

Journal of Botany, 91 (10): 1481–1493. 2004.

lópez-gArCíA, P. et al. Unexpected diversity of small eukaryotes in deep-sea Antarctic

plankton. Nature: 2001. p. 603-7.

Page 17: ALveOLAdOS TÓPICO - midia.atp.usp.br · No caso dos apicomplexos, houve modificação do cloroplasto e perda dos pigmentos fotos-sintetizantes, originando uma organela exclusiva

Licenciatura em Ciências · USP/Univesp 131

mArgulis, L.; mCKhAnn, H. I.; olendzensKi, L. Illustrated glossary of protoctista. Boston:

Jones & Bartlett Publishers, 1993.

nightingAle, H. W. Red Water Organisms. Seattle, 1936.

perKins, F. O.; BArtA, J. R.; Clopton, R. E. et al. Phylum Apicomplexa. In: lee, J. J.; leedAle;

G. F.; BrAdBury, P. An Illustrated Guide to the Protozoa. 2nd ed. Kansas: Society of

Protozoologists, 2000. v. 1. pp.190-369.

tomAs, C. R. Identifying Marine Diatoms and Dinoflagellates. Academic Press, 1996.