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5#c m^ N?l —Anol Setembro de 1980 Preço deste exemplar: Sua Colaboração fyâ JORNAL DA W Saüae íAM to 1 3 FEV 1990 SETO» M OO^.xtisC^ç^Q Órgão da Federação de Associações de Moradores do estado do Rio de Janeiro Famerj Encontro popular exige saúde para todos O Brasil é um país doente. Existem 12 milhões de brasileiros com esquistossomose, 10 milhões com mal de Chagas, 3 milhões com leishmaniose, 10 milhões com verminose, 13 milhões com doenças mentais. Preocupados com esse quadro alarmante e diante da omissão de certos setores governamentais significativos segmentos da sociedade decidiram promover o I Encontro Popular pela Saúde, neste domingo, dia 14 de setembro, na Cidade de Deus área-símbolo de uma sociedade carente e desassis- tida. Este Encontro Popular pela Saúde pôde ser realizado graças ao trabalho solidário e consciente das organizações de bairro e de algumas entidades profissionais, entre elas o Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro. Os moradores das comunidades do Rio de Ja- neiro apresentarão neste Encontro suas principais reivindicações: melhoria e ampliação dos serviços de esgoto, água, telefone, iluminação, transportes e abastecimento. Mas as principais preocupações da comunidade centram-se em dois pontos básicos: pos- se da terra que ocupam e salários dignos para vencer a fome que mata o povo brasileiro. (Páginas 4 e 5). Foto de Lisc Torok Poema de Gullar fala do povo que tem fome (Pág.8) alto de seus olhos grandes e tristes, Adriana^S anos, vende bugigangas na Praça 15 para se equilibrar na vida. V O brasileiro, doente, espera por seu triste fim (Pàg. 3) A vida dura dos pobres meninos do Rio (P&g. 7)

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5#c m^

N?l —Anol Setembro de 1980 Preço deste exemplar: Sua Colaboração

fyâ JORNAL DA W

Saüae íAM to

1 3 FEV 1990

SETO» M OO^.xtisC^ç^Q

Órgão da Federação de Associações de Moradores do estado do Rio de Janeiro — Famerj

Encontro popular exige saúde para todos

O Brasil é um país doente. Existem 12 milhões de brasileiros com esquistossomose, 10 milhões com mal de Chagas, 3 milhões com leishmaniose, 10 milhões com verminose, 13 milhões com doenças mentais.

Preocupados com esse quadro alarmante — e diante da omissão de certos setores governamentais — significativos segmentos da sociedade decidiram promover o I Encontro Popular pela Saúde, neste domingo, dia 14 de setembro, na Cidade de Deus — área-símbolo de uma sociedade carente e desassis- tida.

Este Encontro Popular pela Saúde sò pôde ser realizado graças ao trabalho solidário e consciente das organizações de bairro e de algumas entidades profissionais, entre elas o Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro.

Os moradores das comunidades do Rio de Ja- neiro apresentarão neste Encontro suas principais reivindicações: melhoria e ampliação dos serviços de esgoto, água, telefone, iluminação, transportes e abastecimento. Mas as principais preocupações da comunidade centram-se em dois pontos básicos: pos- se da terra que ocupam e salários dignos para vencer a fome que mata o povo brasileiro. (Páginas 4 e 5).

Foto de Lisc Torok

Poema de Gullar

fala do povo que tem fome

(Pág.8)

alto de seus olhos grandes e tristes, Adriana^S anos, vende bugigangas na Praça 15 para se equilibrar na vida.

V

O brasileiro,

doente, espera

por seu triste fim (Pàg. 3)

A vida dura

dos pobres

meninos do Rio (P&g. 7)

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Fome diminuí tamanho do brasileiro Seis por cento da população infantil

de São Paulo se encontra de tal maneira desnutrida que apresenta nanismo nutricional, ou seja, nunca ultrapas- sarão a altura de um metro e meio, con- clui estudo recente feito pelo IBGE, nessa cidade.

Esse dado alarmante mostra a real dimensão da importância da alimen- tação para a saúde, situação que se agrava a cada dia com a diminuição do poder aquisitivo da população, que não tem dinheiro para comprar alimentos. A dieta essencial para uma pessoa, segundo cálculo previsto na lei do salário mínimo, está custando Cr$ 3 mil, o que faz com que o brasileiro não possa consumir as quantidades neces- sárias de alimentos e passe fome.

RENDA E SAÚDE

Para se ter boas condições de saúde, é necessário que o trabalhador tenha

POVÃO O Encontro Popular Pela Saúde

também tem seu samba-símbolo, feito especialmente para retratar a comu- nidade sem assistência e os sentimentos dos favelados diante de sua condição. As autoras do samba são participantes da Comissão de Saúde da Favela Nova Holanda e vêm acompanhando o trabalho das comunidades na luta por saúde e assistência para todos.

POVÃO Samba de Nova Holanda Ahirui

Amélia Castro e Sílvia Belfort)

Sem estrutura social, Etc., coisa e tal Favela, humilde barracão Os cidadãos nos declaram bis Vergonha da Nação

II Trabalhamos, consumimos Consumidos nos sentimos (Compensação) Brincamos Carnaval Acham muito natural Nos chamam de povão Nos pisam como grama no chão bis Favela

Jornal da Saúde Órgão da Federação de As-

sociações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro — Famerj — Rua Major Almeida Costa, 24/303 — Campo Grande RJ.

Colaboraram na edição deste jornal:

Repórteres: Cláudia Noronha — Cláudia Pires — Edna Araripe — Eliane Andrade — Fernando Brito — Mair Pena Neto — Oc- tàvio Tostes — Ronaldo Buarque — Syivia Moretzsohn. Editores: Alcino Soeiro — Anderson Cam- pos. Fotografias: Bip Jornal — Cooperativa dos Profissionais de Imprensa do Estado do Rio de Janeiro e Lise Torok. Apoio: Cen- tro de Defesa da Qualidade da Vida — Famerj — Jairo Coutinho — Jó Rezende — SinMed — Cláudia Marques — Joana D'Are Dantas de Oliveira — Vivaldo Sobrinho. Programação visual: Fichei Davit Chargel.

Produção editorial e gráfica: Cooperativa dos Profissionais de Imprensa do Estado do Rio de Janeiro — Coopim. Rua Evaristo da Veiga, 16 — 803. Composto e impresso na Gráfica e Editora Jornal do Comércio — Rua do Livramento, 189 — 223-2613.

Jornalista responsável: Ander- son Campos — Registro profis- sional n9 12.035. LJ_

Textos de Mair Pena Neto Fotos de Lise Torok

um nível mínimo de vida e de remu- neração pelo seu trabalho; e dentro dessa perspectiva a saúde se distribui, numa comunidade, da mesma maneira como se distribui a renda. E numa socidade como a brasileira, a concen- tração da renda gera também uma con- centração da saúde nas mãos de uma elite privilegiada.

Ó Brasil, segundo documento téc- nico do Banco Mundial, é considerado o campeão mundial da má distribuição da renda, com os 10% mais ricos ganhando 28,9 vezes mais que os 40% mais pobres. Esses 10% mais ricos ganham mais da metade da renda nacional. Essa concentração vem aumentando a cada ano, e em 1976, os 20% mais ricos aumentaram em 5%

sua participação na renda nacional, em relação a 1970, enquanto os 50% mais pobres diminuíram em 3% a sua par- ticipação. Em outras palavras, enquan- to os mais pobres ficaram mais pobres em cerca de 20%, os mais ricos ficaram mais ricos em 8%.

O grau de desnutrição das crianças está realmente vinculado ao nível de vida familiar, e são elas que mais so- frem os problemas da alimentação. Es- tudos realizados em São Paulo — e essa é a cidade mais desenvolvida do Brasil — mostraram que entre as famílias com renda de até um salário mínimo por pessoa, o grau de desnutrição era de 48,1%; de um a um e meio salário mínimo, a desnutrição era de 38,8%; de um e meio a dois salários mínimos, decrescia para 14,5%, e acima de 2,5 salários mínimos era de 11,5%, o que comprova a irrealidade do menor salário oficial do país.

A medida em que se afasta de São Paulo, a situação piora; se nesse estado o contingente de crianças, com menos de 5 anos de idade, com sinais evidentes de desnutrição protéico-energética, representa uma parcela de 32%, em Recife chega a 47%, e em São Luís, no Maranhão, atinge a casa dos 72%, comprovando uma vez mais a estreita correlação entre saúde e nível de renda.

A situação da fome é negra, existem mais de nove milhões de crianças des- nutridas, com menos de cinco anos de idade, a cada dez minutos uma criança morre de fome no país, e a dor no es- tômago do povo precisa doer na cons- ciência dos responsáveis pela saúde. Assim, programas nutricionais con- seqüentes devem conter, necessaria- mente, políticas que visem a alterar as condições de pobreza no país, ou seja, elevar a renda real da população caren- te.

José Francisco é um dos multo bóias- frias, onde carne não entra na marmita

Antônio, 11 filhos, só come feijão com arroz onde antes levava carne

João Custódio sustenta mulher e 5 filhos com Cr$ 2.700 por semana

José, Antônio e João. Três histórias de quem

luta pela sobrevivência A sirene da hora do almoço leva os

milhões de operários do Rio de Janeiro a se atirarem com fome àquela que tal- vez seja a mais forte refeição do dia. E que deveria compensar uma longa jor- nada de trabalho que começa nas primeiras horas da manhã e se estende até o entardecer. Só que a marmita do trabalhador não traz muita coisa além do feijão com arroz trivial, e o deixa desnutrido, doente e com uma vida média de 28 anos.

José Francisco da Cruz, servente da construção civil, mora em São João de Meriti, com mulher e dois filhos. Acor- da diariamente às 4 horas e leva aproximadamente uma hora para chegar ao Centro — onde trabalha atualmente — quando o trem não atrasa.

A marmita que José leva para a obra varia entre arroz, angu, ovos, e às vezes peixe. Para carne, diz o operário, o dinheiro não dá. Ganhando Cr$ 1.700 por semana, José não pode comprar a quantidade de alimentos que neces- sitaria para ter uma boa saúde, e essa é

a razão dele se queixar de cansaço nos braços e dor nos olhos. "Eu não tenho saúde não, minha saúde é limitada, eu trabalho porque me vejo forçado a trabalhar", completou o servente.

Natural de Sapé, município de João Pessoa, onde trabalhava na agricultura, Antônio Correia de Melo, servente, 66 anos, chegou ao Rio em 1976 e foi trabalhar na construção civil.

Morando no morro do Tuiuti, em São Cristóvão, com a segunda mulher, com quem tem dois filhos(com a pri- meira teve nove), Antônio lembra os tempos em que levava carne quase todo o dia, na marmita, o que não pode fazer hoje em virtude do baixo salário e do al- to preço do alimento.

A marmita de Antônio, hoje, é com- posta de feijão com arroz, "agora o feijão tá começando a faltar", às vezes peixe, às vezes galinha, "carne a gente não pode comer, só pode provar", disse Antônio.

Assim como José, Antônio tem vários problemas de saúde, e queixa-se

constantemente de dores de cabeça e dor na coluna.

Estucador profissional, com um salário de Cr$ 2.700 por semana, João Custódio da Silva, natural do Recife, veio para o Rio há 22 anos, onde mora :om mulher c cinco filhos. na praia áv< Ramos.

ioão Custódio leva idiariamente, na marmita, carne seca, arroz e feijão preto, aos quais acrescenta, algumas vezes, macarrão. "Mais eu não posso", afirma o estucador. Segundo ele, o feijão também já está ficando difícil. "Outro dia minha mulher enfrentou uma fila enorme e não conseguiu com- prar. Eu tive que ir numa birosca e acabei comprando o feijão por Cr$ HO.OOoquilo."

Esse trabalhador ainda não se queixa de nenhuma doença, mas não tardará muito para que ele comece a sentir alguns sintomas que afetam a maioria da população brasileira, em virtude do alto grau de desnutrição a que está submetida.

2/Jornal da Saáde

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12 milhões têm es quistos somose; 10 milhões, mal de Chagas; 3 milhões, leishmaniose 10 milhões, verminose;

80 mil, malária; 1 milhão e 600 acidentes de trabalho; 13 milhões de doentes mentais; 200 mil casos de câncer.

Assim morre o brasileiro Texto de Edna Araripe e Octâvio Tostes O Brasil está doente e o caso é

grave. De nossos 120 milhões de ha- bitantes, a metade, 60 milhões, sofrem de doenças infecto-contagiosas. Quan- do esses males são diminuídos apesar da debilidade dos programas ofidab, como acontece com a malária, cuja erradicação é sempre prejudicada pela descontlnuidade das medidas preventivas as migrações internas provocadas pdas diferenças de rendas regionais alastram sua área de ação.

Todas essas doenças do Brasil es- quitossomose, mal de Chagas, leishmaniose, verminose, malária sarampo, paralisia, tuberculose, meningite, hepatite, raiva, lepra, té-

tano, tlfo, sífills, desidratação, des- nutrição e os acidentes de trabalho, são típicas dos países subdesenvolvidos

Suas causas, no fundo, são as más condições de vida da população, prin- cipalmente o saneamento e a alimen- tação Insuficientes. Além disso, graças á concentração das riquezas no Leste Sul, o Brasil padece nessa área das doenças dos pabes desenvolvidos: doenças mentais e as crõnico- degenerativas: câncer, enfartes, der- rame e diabetes.

Assim morre o brasileiro num país que se transformou em um grande hos- pital, onde se misturam as doenças da miséria com as da riqueza concentrada e Injusta.

As doenças, suas áreas, suas mortes Esqulstossomose — (doença do

caramujo) — atinge mais de 12 milhões de brasileiros, principalmente na região que vai do Maranhão ao Paraná; focos no Pará, Goiás, Mato Grosso, S. Paulo, Rio e Brasília. O tratamento causa, en- tre outra complicações, a epilepsia.

Doença de Chagas — (mosquito barbeiro) — atinge mais de 10 milhões de pessoas nas regiões mais pobres da ii.iliia. Guias, Nordeste. Rio Grande do Sul e Minas. Não tçm cura eprovoca danos no coração. A exploração ir- racional da natureza desaloja o bar- beiro da mata, que se abriga na casa do homem, disseminando a doença.

Leishmaniose — atinge quase três milhões de pessoas no Nordeste (Ceará) e no Sul (Paraná); focos no Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas 'Gerais

Verminose Intestinal — atinge mais de 10 milhões de pessoas. Tipos mais comuns; ancilostomíase (amarelão), as- caridíase (lombriga), teníase (solitária) e oxiuridíase (muidinho que coca). Air quinas parasitoses pixiein levar a com- plicações que conduzem à morte.

Malária — atinge mais de 80 mil pessoas, a maioria no Amazonas e Pará, onde existe um tipo bastante resistente; também endêmica no Nor- deste e Centro-Oeste; focos: Ceará, Paraíba, Alagoas e Rio.

Sarampo — atinge mais de 55 mil pessoas e a doença que mais causa Óbitos entre as crianças no momento: morrem mais crianças por sarampo do que adoecem por poliomielite parafitica. Uma criança desnutrida que pega sarampo ainda corre o risco de ter tuberculose, desidratação, pneumonia, bronquite etc. Evitável com vacina.

Poliomielite — apesar das cam- panhas de vacinação, ainda registrou mais de dois mil casos em 79. É uma doença que ataca mais as crianças bem nutridas, pois as pobres tèm certa imunidade.

Tuberculose — atinge mais de 500 mil pessoas e hoje são identificados 100 mil casos novos por ano; muitos se tor- nam focos de propagação porque não completam o tratamento que è muito cara Apesar de ser uma doença decres- cente no mundo, è crescente no Brasil.

Meningite — dos 16.502 casos ocorridos em 78, 3.156 resultaram em óbito; tem maior ocorrência na região Sudeste e Sul, mas as maiores taxas de letalidade acontecem na região Norte e Nordeste. A doença deixa seqüela (marca permanente) que pode provocar cegueira, paralisia, distúrbios mentais, diminuição da audição, etc.

Difterla — sua taxa Je letalidade è relativamente alta e também leva a complicações como a paralisia dos ner- vos cranianos. Evitável por vacina.

Hepatite — apesar de não existirem estatísticas, é endêmica no Amazonas, Pará, Acre, Mato Grosso e territórios; focos: Salvador, Recife, Natal e Rio. E transmitida por mosquito que aban- dona o seu habitai quando há des- matamento constante.

Raiva Humana (Hidrofobia) — é endêmica em todo o país e fatal em quase todos os casos. É transmitida geralmente por mordida de cão e gato .oiu aminados.

Lepra — atinge mais de 12 mil pes- soas, ou seja, um doente a cada 45 minutos, mas é uma doença que mata pouco em relação à grande incidência. É mais comum na região Sudeste, depois na Amazônia, no Sul e no Cen- tro-Oeste.

Tétano — surge especialmente em recém-nascidos e em crianças enfra- quecidas, pois o bacilo penetra no or- ganismo quando o encontra sem de- fesas. Evitável por vacina.

Febre Tifóide — a vacinação foi abolida do calendário oficial, pelo Ministério da Saúde sem haver estatís-

Relação entre a renda e a desnutrição em crianças de 6 a9 meses em São Paulo

Salário mínimo per capita % de crianças com graus variáveis de desnutrição

0,5—1 1 -1.5 1,5-2,5 mais 2,5

48,1 % 38,3% 14,5% 11,5%

ticas e controle da doença; o que existe é a vacinação preventiva, aplicada em casos de epidemias etc.

Sífilis — quando transmitida pela mãe, pode causar a morte do feto ou o nascimento de uma criança com órgãos alterados. Há a transmissão direta de indivíduo para indivíduo, geralmente nas relações sexuais.

Desidratação — é a primeira causa de óbitos em crianças de menos de um ano. Predispõe à desnutrição. No momento, a maneira mais fácil de se evitar tanto sofrimento é o estímulo à amamentação.

Desnutrição — a cada minuto uma criança morre de fome no país; existem nove milhões de crianças desnutridas com menos de cinco anos. Em 71, foi a nona causa de morte para menores de um ano e a sexta para crianças de um a quatro anos. (Veja relação da renda com a desnutrição no quadro 1, abaixo). A falta de alimentação ade- quada retarda o desenvolvimento físico e mental da criança.

Doenças do Trabalho — em 77 ocorreram 1 milhão 600 acidentes de trabalho, considerando-se apenas as in-

dústrias porque é difícil computar os dados do campo; uma média de 12 trabalhadores se acidentam por mi- nuto. Veja o quadro 2, abaixo, para ver a gravidade do problema. Além disso, cerca de 25 mil trabalhadores sofrem de silicose, doença irreversível; surdez grave, leucemia e abortos espontâneos para as mulheres que trabalham com anestésicos.

Doenças Mentais — atingem 13 milhões de pessoas. As psicoses e, par- ticularmente a esquizofrenia, são muito comuns entre os trabalhadores não qualificados; o alcoolismo, quando a pessoa se alimenta mal, pode ser fatal. Ambas incapacitam para o trabalho.

Doenças Crônko-degenerativas — começam a se tornar muito freqüentes no país. O câncer é fatal; ocorrem 200 mil casos de câncer na mama, mais freqüente nas cidades, e uma grande mortalidade por câncer de colo de útero nas zonas pobres. As doenças car- diológicas (enfarto) começam a atacar aos mais jovens. As diabetes e os acidentes cárdiovasculares (derrame) tomam-se muito freqüentes.

O Rio está doente e não tem nem vacinas

O quadro do município do Rio de Janeiro não é muito diferente do resto do país. Em 1976, segundo o Depar- tamento Geral de Saúde Pública, a diarréia causou o maior número de óbitos: dos 14.914 casos, 1.133 resul- taram em morte; com maior incidência no Méier. Em segundo lugar, a tuber- culose levou 744 à morte; em terceiro, a meningite, 345, e o sarampo, com 230, mais presentes respectivamente em Bangu e no Méier. Em quarto, as doen- ças cerebrovasculares, enfarte, câncer, acidentes por envenenamentos, trânsito ou violências; em quinto, as doenças transmissíveis (ver quadro abaixo).

Segundo a Secretaria de Saúde, as hepatites continuam a ocorrer por falta de saneamento básico; continuamos a

ter um elevado coeficiente de morta- lidade infantil (para cada mil crianças que nascem, 70 morrem no primeiro ano de vida) por causas que podem ser perfeitamente evitáveis como pneu- monia, doenças infecciosas e desnu- trição protéica.

O Departamento Geral de Saúde Pública confessa que para a varíola, parotidite e rubéola — respectivamente primeiro, segundo e terceiro lugares em incidência entre as doenças transmis- síveis (79) — "não há vacinas dispo- níveis na rede oficial de Saúde Pública; o sarampo, ainda é o quarto lugar em incidência, apesar de contar com vacina de comprovada eficiência." Em 1979, 54 mil crianças não tomaram essa vacina.

QUADRO DOS CASOS REGISTRADOS DE DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS EM 76 •

Doença N?de N?de Maior casos óbitos incidência

Diarréia 14.914 1.133 Méier Tuberculose — 744 — Meningite 895 345 Bangu Sarampo 1.392 230 Méier Verminoses — 67 — Tétano 75 . 49 Méier Gripe — 44 — Difteria 191 39 Bangu Hepatite 530 27 Bangu Coqueluche 752 25 Madureira Sífilis — 18 — Leptospirose 47 17 Méier Raiva 10 10 Bangu Poliomielite 76 8 Méier Doença de Chagas 31 4 Ramos Rubéola 1.057 3 Madureira Caxumba 1.801 1 Bangu Febre Tifóide 15 1 Flamengo/

Copacabana Esqulstossomose 98 — Ramos Brucelose 1 ^— —

FONTE: Departamento Geral de Saúde Pública do Rio de Janeiro. Jornal da Saúde/3

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Reivindicações básicas das comunidades do RJ Os problemas são muitos,

mas todos convergem num ponto:

o povo tem fome

Foto Gllda Vlelr» - 8lp Jornal

Arrocho salarial, custo de vida alto, falta de saneamento básico, transportes deficientes, escolas carentes, inexistência de pastos de saúde, creches e áreas de lazer, pânico ante o perigo da remoção de suas casas.

Este é o quadro comum das comu- nidades do Rio de Janeiro, que se reu- niram no mês passado para levantar suas necessidades básicas e expô-las no En- contro Popular pela Saúde, que atual- mente se realiza no Rio de Janeiro.

Reunidas as principais reivindicações em documentos que serão encaminhados às autoridades responsáveis, políticos, igrejas, jornalistas e à comunidade em geral, publicamos aqui um resumo das necessidades de cada comunidade. Os problemas são de grandezas variadas, mas todos concordam num ponto: o povo tem fome. Esta é a causa básica da falta de saúde.

ANAIA (SÃO GONÇALO) 3.000,MORADORES Mais da metade da população é cons-

tituída por menores. Não há posto de saúde ou ambulatório médico. Segundo levantamento feito pela Associação de Moradores, as doenças mais freqüentes do local são alcoolismo crônico, invalidez por acidentes de trabalho, doenças ner- vosas, problemas ginecológicos, ver- minose acentuada e hidrofobia. Há três casas de saúde particulares situadas a 4 quilômetros da comunidade, mas só atendem com guias emitidas pelo Inamps de Niterói.

COMUNIDADE 2 DE MAIO (ENGENHO NOVO) Segundo o documento da Associação

de Moradores, "nós, favelados, temos o privilégio de sermos premiados para ir- mos de encontro da miséria". A principal reivindicação da comunidade é o direito à posse das terras que ocupam. Pedem também saneamento básico, remoção do lixo e regularização do fornecimento d'água pda Cedae, que se dá ao luxo de cobrar uma divida de Cr$ 100.000,00 dos moradores, quando na realidade o devedor é o INPS. Os moradores não têm recursos para pagar um dinheiro que não devem e por isso querem entrar em um acordo com a Cedae.

MORRO DOS CABRITOS (COPACABANA) Principais problemas: lixo — como o

lixo é acumulado em volta das casas, há grande quantidade de insetos e ratos, que provocam diversas doenças. Além disso, as caçambas estão sempre trans- bordando, porque a Comlurb não re- colhe o lixo regularmente. Os caminhões vão até parte da Ladeira dos Tabajaras, de onde retornam, embora seja fácil o acesso à Rua Euclides da Rocha. Água — a maior parte das famílias não têm água, que é carregada de grande distân- cia. Esgotos — como não existem es- gotos, o sistema de drenagem é feito através de valas, a maioria delas à flor da terra. Além do cheiro insuportável, as valas aumentam a quantidade de insetos e ratos, ocasionando doenças. Posse da terra — a maior parte dos moradores vive

angustiada por causa da questão do des- pejo. São 2.500 pessoas ameaçadas de perder seus barracos a qualquer momen- to, pois a venda do terreno já foi anun- ciâdã

VILA KENNEDY 50.000 PESSOAS Principais problemas: más condições

da Escola Presidente Café Filho; in- suficiência de médicos e dentistas no posto de saúde da Fundação Leão XIII; vacinação precária; ambulância; sa- neamento do valão e revisão da rede de esgotos; coletores de lixo; as consultas só são feitas com três meses de antecedên- cia; as filas para o dentista são orga- nizadas às duas horas da manhã e o atendimento só à tarde.

Inúmeras crianças sofrem de deficiências de proteinas porque o arroz que comem não contém quantidades de gor- dura, sais minerais e vitaminas, devido ao processo de benefi- ciamento (arroz descas- cado).

VIDIGAL— 12.000 MOR ADORES Principais problemas: falta de água

potável, falta de esgotos e falta de mé- dicos e dentistas.

MORRO DO ESCONDIDINHO (RIO COMPRIDO) Reivindicações: participação da

comunidade no Prevsaúde; saneamento básico: manilhamento das valas a céu aberto: recolhimento do lixo; vacinação; distribuição de medicamentos da Ceme; transporte até a favela (os moradores são obrigados a caminhar diariamente dois quilômetros, após trabalhar durante dez horas); custo de vida alto; melhores salários.

VILA COQUEIROS (SENADOR CÂMARA) 50.000 MORADORES.

Principais problemas: não há rede de água en ca nada; faltam esgotos, só há valas a céu aberto; proliferação de ratos, mosquitos e demais insetos; incidência de impaludismo, diarréia, verminoses e subnutrição; ruas enlameadas; falta de iluminação em muitos trechos de ruas; 99% dos moradores são portadores de várias doenças; a mortalidade infantil atinge 40% dos nascimentos; só há uma linha de ônibus para o centro da cidade; as escolas ficam distante do bairro de 3 a 4 quilômetros; a posse da terra precisa ser legalizada: o lixo é coletado de forma irregular e assim mesmo só nas ruas principais; o policiamento é insuficiente.

SANTA BÁRBARA (NITERÓI) 8.000 MORADORES Principais problemas: falta de sa-

neamento básico, lixo, águas poluídas, ruas enlameadas, falta de médicos e am- bulância. Os moradores reivindicam também a abertura de um trevo rodo- viário no local, providência que encur- taria o trajeto para a cidade em oito quilômetros e evitaria os acidentes atuais.

SANTA TERESA

Principais reivindicações dos mo- radores: instalação de um pronto-socorro que funcione 24 horas por dia, com am- bulância; funcionamento regular e per- manente dos bondes; manilhamento ou galerias de esgotos na comunidade ocidental Fallet; instalação de caçambas de lixo nas partes alta e baixa da co- munidade; prolongamento dos canos dágua principais que passam nas ruas Ocidente ^e Fallet, com ramificações nas residências.

MORRO DO ESTADO (NITERÓI)— 10.000 MORADORES

Principais queixas da comunidade: policiamento deficiente; políticos opor- tunistas e indiferentes aos problemas; ar- bitrariedade dos proprietárias dos barracos; urbanização do morro, pro- metida desde 1962; temor de despejo; construção de um posto de saúde, prometida pelo prefeito — com prazo até 30 de janeiro — e até hoje não cumprida; restauração da caixa dágua e do cha- fariz, também prometida pelo prefeito; nomeação de médicos e distribuição de remédios: instalação de caçambas de lixo; construção de uma escola profis- sionalizante e de creche; posto de saúde no morro.

ENGENHO DO MATO (NITERÓI)

Região muito carente, onde não há rede de esgotos e de água; o lixo não é recolhido nem as ruas asfaltadas; só há uma linha de ônibus, que passa de hora em hora. O posto de saúde que atende aos moradores fica distante (Itaipu) e fecha à tarde e nos sábados e domingas, além de não possuir laboratório e aparelho de raios-X. Os moradores reivindicam a contratação imediata de mais médicas, atendentes, dentistas e as- sistente social e aquisição de uma am- bulância.

NOVA HOLANDA (MARÉ)

O maior problema dos moradores é a ameaça de despejo. Eles exigem a ur- banização da área, para que todos pos- sam, permanecer em suas casas, pois já foram remanejados de outras comu- nidades. Além do direito pelo pedaço de chão de cada um, os moradores precisam urgentemente de saneamento básico. Fizeram inclusive uma grande campanha

mm* A falta de saneamento afeta todas favelas e bairros da pcntena

Exija do centro de nutrição que seu filho freqüenta uma refeição equilibrada, que tem por base o feijão, arroz e legumes.

em 1979 para conquistar água, mas a Cedade limitou-se a distribuí-la em poucas ruas. A rede de esgotas, feita há 18 anos, está toda estourada e joga dejetos na meio das ruas. O policia- mento é ineficaz e não evita assaltos, praticados muitas vezes durante o dia. Á única escola de Nova Holanda é ruim e pequena, a maioria das crianças é obri- gada a estudar do outro lado da Avenida Brasil e assim mesmo as mães são obrigadas a passar duas noites na fila para conseguir vagas. As mães pedem também a instalação de uma creche, pois não têm com quem deixar os filhas e são obrigadas a trabalhar fora para ajudar no sustento da casa. Os adolescentes da favela elaboraram um documento, no qual dizem que "têm sede e fome de saber", pedem uma biblioteca no local e argumentam que "afinal também somos brasileiros". Outra reivindicação impor- tante: um posto de saúde, pois os mo- radores doentes são obrigados a se trans-

portar até o posto de Ramos; querem também tratamento dentário, pois ex- trair dentes não é a solução. Finalmente, pedem áreas de lazer, a fim de evitar que as crianças continuem brincando no meio de águas fétidas.

CANDELÁRIA (SÃO CRISTÓVÃO) Reunidos no mês passado, os mo-

radores identificaram os principais problemas da comunidade: poluição do ar, provocada pelo Instituto Municipal de Medicina Veterinária Jorge Waits- man, na cr em ação de cachorros, que provoca incrível mau-cheiro. O transpor- te é deficiente e não há linhas de ônibus para Ti jucá e São Cristóvão. Pedçm tam- bém à Comlurb para regularizar o re- colhimento do lixo. Os moradores se oferecem para ajudar na instalação da rede de esgotos, mas precisam do ma- terial. Além de ambulatório, a comu- nidade reivindica a instalação de uma creche, problema fundamental para todos.

VILA CRUZEIRO (PENHA) Principais problemas: posse da terra,

instalação de água, esgotos e iluminação. Os moradores fizeram inclusive um mutirão e instalaram 70% dos canos, mas a Cedae não liga a água. Reivin- dicam também um posto de saúde no local.

PRAIA DA ROSA (ILHA DO GOVERNADOR) A maioria das crianças vive doente e

não tem um posto de saúde para atendê-

las. Como não há esgotos, quando chove a água invade os barracos. O lixo só é recolhido uma vez por semana, transfor- mando-se em focos de ratos e insetos. Também não há luz nos postes nem pos- to policial.

CONJUNTO PIO XII (BOTAFOGO) O conjunto, mal-construído, não

preenche os requisitos mínimos para preservar a saúde de seus moradores. Bem localizado, é alvo permanente da cobiça das imobiliárias, e por isso os moradores exigem a concessão imediata do "habite-se" que garantirá a todos a posse definitiva de suas casas. Outras problemas: a água é puxada por bombas, que consomem 50% da receita do con- junto; não existe hidrômetro, o que im- pede a medição do consumo. Apesar da promessa da Cehab, não foram cons- truídas as prometidas lixeiras, e por isso os moradores dos blocas 1 ao 9 colocam lixo na portaria em latões, que se trans- formam em focos de ratos, insetos e outros bichos. Finalmente os moradores reivindicam a instalação de um posto médico e de elevadores no conjunto, como, aliás, constava do projeto inicial, o que os obriga a subir 300 degraus.

No Rio de Janeiro, para cada mil crianças que nascem 50 morrem no primeiro ano de vida. A verminose, desi- dratação e desnutrição são responsáveis por mais de 60^0 das doen- ças nas crianças de famílias pobres.

AMAB (BOTAFOGO) A principal queixa do bairro é em

relação ao Hospital Rocha Maia, respon- sável pelo atendimento a uma área com cerca de 1 milhão de pessoas. O Hospital tem alguns equipamentos paralisados, inclusive o aparelho de raios X, o que exige a remoção dos doentes para outras unidades hospitalares. Além disso, o posto de saúde localizado na Rua Silvara Martins, no Catete, está desativado há algum tempo. A coleta de lixo é feita de forma irregular e quando chove as ruas ficam entupidas de detritos, além disso, como a maioria das casas tem fossas, os dejetos transbordam com freqüência. Os moradores reclamam também da po- luição da praia, do engarrafamento do trânsito e da falta de áreas de lazer.

MORRO DO GUARABU A comunidade local vive intranqüila

ante os despejas iminentes; querem a propriedade da terra, que servirá in- clusive de estímulo para a realização de melhoria no local. Outro problema sério é o fornecimento irregular, escasso e deficiente da água. Pedem água 24 horas por dia pelo menos uma vez por semana e melhor iluminação nas ruas, além da retirada diária do lixo. Carentes de assis- tência médica, os moradores reivindicam um posto de saúde local e fornecimento de medicamentos da Ceme. Por fim, um ponto importante e que une todos os moradores: a instalação de uma creche.

CONJUNTO NOVAPAVUNA

Reivindicações dos 500.000 mora- dores da área: reforma na escola pública local; criação de área de lazer; poli- ciamento mais eficiente; saneamento básico; eliminação dos ratos e mosquitos pela Feema, que alega nada poder fazer

porque não há convênio para aquela área; melhor assistência médica, pois o único posto de saúde das redondezas funciona precariamente e assim mesmo só até o meio-dia; mais e melhores trans- portes, pois os moradores da Pavuna, Anchieta, Ricardo de Albuquerque e ad- jacências são obrigados a pegar duas conduções para chegar ao posto de saúde de Guadalupe; água nas partes altas do conjunto; ruas limpas e vacinação contra raiva.

PARQUE ROQUETE PINTO (MARÉ) Os 6.000 moradores desta comu-

nidade, situada em Ramos, apontam como principal causa da falta de saúde o custo de vida e os baixos salários, aliados à péssima qualidade da habitação. Ós problemas da comunidade inidam-se com a grande vala que lança águas poluídas pelas fábricas da Rua Jubal Lima, uma das principais da área. Pedem a urbanização da área, cons- trução de rede de esgotos, ampliação do número de caçambas de lixo (só há duasi e passagem periódica do carro f umacê. O posto de saúde mais próximo da co- munidade só funciona na parte da manhã e assim mesmo só a pediatria. A vacinação é precária e animais peram- bulam por toda a área. criando reais perigos para a população. Finalmente, pedem a criação de creche e área de lazer.

VILA SANTO ANTÔNIO (RANJOSi

Não há rede pluvial e a de esgotos funciona precariamente. O valão que passa em frente à Vila exala mau-cheiro e transformou-se em ninho de ratos e in- setos. Torna-se necessário draga-lo e limpá-lo. Os moradores pleiteiam a transterência da feira-livre das segundas- feiras para o outro lado do valão, local desabitado e sem problemas de trânsito.

O espaço atualmente ocupado pelos caminheis pode ser translormado em área verde e de lazer. Pedem também a transferência do latâo de lixo localizado em frente à capela de Santa Luiza para o outro lado da praça, a fim de evitar a poluição e o mau-cheiro.

ANCHIETA E ARREDORES

Principais problemas: falta um posto de saúde que possa atender decentemen- te os 500.000 moradores da região, com- posta por 11 bairros — Anchieta, Ricar- do de Albuquerque, Deodoro, Gua- dalupe, Irajá, Acari, Pavuna, Coelho Neto, Barros Filho e Costa Barras. Não há. calçamento e quando chove as ruas

A cada ano milhares de crianças ficam cegas devido à falta de vita- mina A.

ficam inteiramente enlameadas. Como não há saneamento, os dejetas escorrem pelas ruas, transmitindo doenças. Fal- tam depósitos para a o recolhimento do lixo e a água só chega em alguns lo- gradouros, assim mesmo apenas duas vezes por semana e com pouca pressão. A comunidade como um todo ressente-se de baixas salários e da alta do custo de vida.

MATO ALTO

O principal problema do bairro de Mato Alto é a instabilidade provocada pela ameaça de despejo do local. São 500 famílias sob tensão permanente. Além desse problema, o Mato Alto apresenta outros comuns às regiões carentes: não existe rede de esgotos no local, e sim calões a céu aberto; apenas 30% da água é en canada: o lixo não é recolhido e fica exposto nas mas; a base da alimentação do local é constituída de arroz e ma- carrão, acarretando sérios problemas de subnutrição e baixo rendimento no trabalho e na escola: os hospitais e casas de saúde mais próximos ficam locali- zadas a 7 quilômetros da comunidade; após as 23 horas, o preço da passagem para estes hospitais é de Cr$ 60,00 em ônibus especial, que faz o percurso Cam- po Grande-Santos Dumont,'e assim mes- mo de hora em hora; a recente instalação da fábrica Michelin ameaça com o grave problema da poluição.

VILA IPIRANGA (NITERÓI)

São 34 mil habitantes praticamente desassistidos: pelas autoridades. A Fun- dação Leão XIII mantém um posto de saúde com dois médicos que vão à favela todos os dias. Toma-se necessário a ins- talação urgente de um posto de saúde para atendimentos urgentes, tipo pronto- socorro, pois o posto da Leão XIII só funciona até 15 horas e apenas durante cinco dias por semana.

CONJUNTO DE ÁGUA BRANCA (REALENGO)

Reivindicações básicas: Saúde — vivemos em total isolamento e margi- nalização. Queremos a ampliação do ser- viço médioo-hospitalar da área; visita sanitária; saneamento básico; labora- tório de análises; drenagem do valão existente na área; palestras sobre me- diánapre\artiva; pinto módico do JNPS; iluminação do trecho entre a Avenida Brasil e a Estrada do Engenho Novo, nas proximidades do 49 DER; telefones públicas; limpeza urbana permanente; coletora de lixo; e farmácia com plantão noturno. Transporte — solicitamos uma linha de ônibus que saia do conjunto. Creche — pedimos a instalação de uma creche, pois as mulheres que trabalham fora não têm com quem deixar os filhas. Supermercado — o comércio varejista não supre as necessidades e cobra mais caro do que os supermercados. Área de lazer — restauração do playground exis- tente, com iluminação e quebra-molas nas ruas principais do conjunto (Rua Olavo Sousa Aguiar, Ranulpho Bocaiúva Cunha e Engenheiro José de Azevedo Neto).

BAIRRO ROLAS 5 MIL MORADORES

Os moradores do bairro Rolas, em Santa Cruz, estão organizando sua comissão de saúde. A situação de sa- neamento básico na região é extrema- mente precária. Os moradores acreditam que através de sua organização conse- guirão a solução para estes graves problemas.

DUQUE DE CAXIAS 301 BAIRROS 100 MIL MORADORES

Dos 30 bairros que estão se orga- nizando, todos têm trabalho em saúde e as reivindicações principais são água en- canada, rede de esgotos, assistência médica, e, na maioria, posse da terra. A pastoral da saúde da Igreja Católica desenvolve um trabalho muito importan- te nas comunidades.

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O TRISTE FIMDOS MENINOS DO BRASIL

A mortalidade infantil do país é maior que na fndia. E o que é pior: está aumentando

As crianças brasileiras estão morren- do. Morrendo de sarampo, difteria, gripe, coqueluche, doenças que não teriam maiores efeitos se não houvesse um mal maior: a subnutrição. Pode parecer incrível, mas o Brasil ainda é um dos líderes mundiais nas estatísticas de mortalidade infantil: mesmo na pobre índia — um país que é considerado "modelo de subdesenvolvimento" — as crianças têm mais chances de sobreviver.

Como explicar esse contraste entre os níveis de desenvolvimento econômico do País e índices tão baixos de saúde? Em Recife — uma das cidades de mais alta taxa de mortalidade infantil no País — para cada mil crianças nascidas vivas morreram 178 em 1972; 229 em 1973 e 256 em 1974. Apenas uma, em cada quatro crianças nascidas, conseguia completar um ano de idade. Esses dados, obtidos pelo próprio Governo, provam que — em muitos casos — a qualidade de vida e saúde da população pode piorar, apesar do desenvolvimento.

Os médicos sanitaristas — especialis- tas em questões de controle das con- dições de saúde — apontam como causas principais para essa situação, a falta de uma estrutura básica de saneamento (água e esgotos encanados), a ausência de um plano de vacinação em massa adequada e, fundamentalmente, o baixo nível de renda familiar.

Textos de Fernando Brito Fotos de Lise Torok

De fato, estudos comparativos rela- cionando os salários aos índices de mor- talidade infantil provam que, sempre que ocorre uma queda nos níveis salariais, acontece uma rápida elevação no número de crianças que não sobrevivem ao primeiro ano de vida.

A subnutrição é, sem dúvida, o maior fator ligado — direta ou indiretamente — a estes espantosos índices de morta- lidade. Algumas pesquisas sobre as causas das mortes de menores de um ano de idade, realizadas pela Organização Mundial da Saúde, revelam que as prin- cipais doenças fatais para essas crianças foram a enterite, as moléstias diarréicas, as gripes e pneumonias; todas elas evitáveis com boa alimentação e con- dições de higiene.

Torna-se, então, patente que a mor- talidade infantil é, fundamentalmente, fruto das condições econômicas da massa de trabalhadores e que a medicina ou mesmo a saúde pública, isoladas, pouco podem oferecer de progresso nesse cam- po. Reduzir as taxas de mortalidade depende da alteração das condições de vida da população, antes de mais nada, com a elevação do poder aquisitivo do trabalhador, fator determinante do seu grau de nutrição (veja a matéria "A cada minuto, uma criança morre de fome"). Aríete, 6 anos: a Praça XV é uma dura escola.

A cada minuto, uma criança morre de fome A subnutrição matou ou ajudou a matar quase 500 mil crianças, de menos de cinco anos de idade, em todo o País.

A fome mata, a cada minuto, uma criança no Brasil. A informação é da Or- ganização Mundial de Saúde, órgão da ONU especializado em questões médico- sanitárias, e pode surpreender a muita gente. Mas todos sabem da dificuldade de combinar uma boa alimentação com o alto custo dos alimentos.

Os efeitos desse problema são cruéis: a qualidade da alimentação é fundamen- tal para o desenvolvimento do cérebro da criança, nos quatro primeiros anos de vida; depois dessa idade nem mesmo' uma superalimentação resolve o pro- blema : a capacidade mental já está com- prometida. Sob essa ameaça encontram- se nada menos que 83% da população infantil brasileira.

QUANTO CUSTA A alimentação diária mínima neces-

sária para uma criança, de idade entre um e três anos, custa em média cerca de

Cr$ 55,85, ou seja Cr$ iy645,50pormês, como pode ser visto no quadro abaixo:

Preço Tipo de alimento Quantidade (CrS) Leite 2 a 3 copos 9,75 Ovos 3 por semana ... 3,00(cada Carnes 30 gramas 6,00 Queijo 30 gramas 8,00 Vegetais 2,00 Farinha 15 gramas 1.50 Arroz meia xícara 3.00 Feijão meia xícara 2,30 Legumes 2,80 Açúcar 40 gramas 0.70 Frutas 200 gramas 5,00 Pào^ 25al00gramas. 1.50 Doces 20 gramas 1.80 Manteiga 10 gramas 4,00 Batatas 100 gramas 3.40 Gordura 5 ml .MO Total ^rJ55,85

Como se pode observar, um traba- lhador de salário mínimo, mesmo que

não tivesse nenhuma despesa da casa, luz, gás, água, andasse nu e não tomasse ônibus ou outro meio de transporte, nem tivesse qualquer gasto com lazer e educação — o que é absolutamente im- possível — não tem como dar de comer a uma família de quatro pessoas. Ele recebe apenas Cr$ 4.149,60 e teria de gastar só em alimentação Cr$ 6.582,00. Ou seja, para comer o mínimo teria de

ficar devendo quase Cr$ 1.500,00 por mês. Isto sem sair de casa.

E não são poucos os que estão nesta situação. Mesmo no Rio de Janeiro, o segundo mais rico Estado do Brasil, a maioria da população está vivendo esse drama: 80% dos trabalhadores recebem menos de três salários mínimos (veja o quadro).

Faixa salarial Salário.

Menos de um salário mínimo . .4.149,60 Dois a três salários mínimos ... 12.448,80 Quatro a cinco salários mí- nimo» 20.748,80 Seis a oito salários mínimos .. .33:197,60 Oitoou mais salários mínimos .adma de 33.197,60

Porcentagem dos Trabalhadores

49,7% 29,9%

13,4% 3,0% 3,9%

Fonte: Encontros com a Civilização Brasileira, n? 2, pág. 311. Obs: Os salários foram atualizados.

Como ninguém pode viver sem co- mer, mas também não pode apenas comer, o resultado é que a alimentação do povo é insuficiente. Em conseqüência

pode-se dizer que a maior parte dos cariocas, especialmente as crianças, está 'subnutrida, mais frágil fisicamente e mais sujeita à doenças. E essas doenças, ocasionadas ou agravadas pela fome, matam uma criança brasileiro, por minuto.

6/Iornal da Saúde ■■■■■' '***:«: ....

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Graxa, Jujuba, amendoim e chldetes: matérias diferentes na escola da rua.

Um jardim de infância diferente: a brutal luta pela sobrevivência

Texto de Ronaldo Buarque de Hollanda

Magaiy, 6 anos: uma Jornada de trabalho de 13 horas.

Adriana tem 5 anos. É mirrada, cabelos finos e louros, voz doce, expres- são suave. Seus olhos grandes e claros se arregalam quando sua atenção é desper- tada por algo ou alguém que a tire da sua rotina. Sua voz é quase imperceptível; para escutá-la tem-se de abaixar-se ao nível de seu rosto. R ou pinhas surradas, chinelos gastos de borracha, bolsa plás- tica a tiracolo, Adriana acabara de fazer sua primara refeição do dia — às quatro e meia da tarde. Três colheradas de arroz, feijão e farinha, dadas por uma das baianas que vendem quitutes na Praça 15. Adriana pede esmola na Praça 15. Sua mãe está por perto — in forma a baiana dos quitutes —, mas ela não sabe onde.

Magaly tem 6 anos e dez irmãos. Derlan também, e muitos irmãos que ele conta com as mãos estendidas. Luís Augusto tem 10 anos, Eliane tem 7, João tem 12, Aríete mais de 6. Eles vendem jujuba, drops, chicletes, amendoim, en- graxam sapatos, pedem "uma grana", tomam conta de carro, pedem cigarros. Alguns estão sozinhos ou abandonados, outros estão com suas mães por perto. Todos têm uma coisa em comum: tentar sobreviver no dia-a-dia da cidade grande. Vendendo jujuba ou amendoim, pedindo trocado às pessoas mas que ainda têm a alegria infantil que a brutalização do trabalho ainda não lhes roubou.

Magaly da Silva tem 6 anos e vende balas diariamente no Bar Amarelinho, na Cinelândia. Há um ano que ela faz diariamente esse trabalho. Com uma caixa de drops na mão ela aborda com insistência as pessoas. Cada drops custa 15 cruzeiros, mas a faina de Magaly é pesada, pois ela só vende com uma certa pena e comoção das pessoas, o que é difícil.

Magaly tem pai e mãe — sua mãe é Ana e seu pai Manoel. Ela fala com o repórter com muito medo, e a toda hora olha em volta querendo ver se não tem ninguém vigiando. Revela que não pode ficar parada, tem que andar pela praça, para oferecer a mercadoria. Sua mãe está por perto "e me bate muito se ficar brin- cando' '. Magaly já esteve na escola — Gil Cunha, o nome que da diz ser da sua ex- escola — mas a mãe tirou para ela poder vender balas no centro da cidade, junto com outros irmãos. Eram 16 horas e Magaly já tinha "almoçado" um bolinho e uma coca-cola. Sua jornada vai até às 20 horas, quando sua mãe recolhe a criançada para voltar para casa, numa das favelas de Santa Teresa.

As histórias de Adriana, Magaly, Derlan, Luís, Aríete e Eliane são iguais. São todas crianças subnutridas, mal- trapilhas, doentes e famintas. Vêm sem- pre dos mesmos lugares: favelas, bar- racos e morros do Rio. As menores pelas

mãos das mães, que não têm outra so- lução a não ser colocá-las para vender balas ou pedir esmola. A alternativa seria deixá-las trancadas em casa sem nin- guém para cuidar. Algumas dessas crianças já foram à escola, mas tiveram que trocá-la pelas ruas para poder so- breviver.

Magaly, por exemplo, sente muitas saudades da escola, e revela a sua fas- cinação pelo desenho. Pede caneta e papel ao repórter e começa a desenhar a fotógrafa. Rapidamente ela faz um, desenho de uma mulher e assina seu nome embaixo. Dai a pouco, enquanto ela explica o desenho, uma de suas irmãs mais velha chega para avisar que sua mãe está chamando. Magaly sai corren- do com o rostinho preocupado, revelando o temor da repressão da mãe.

Regina Moraes de Oliveira, 24 anos, é uma das mães dessas centenas de crianças que perambulam no centro da cidade do Rio de Janeiro. Para da não há outra opção — ou carrega os quatro filhos — de 3, 5, 7 e 8 anos — para tentar a sobrevivência vendendo balas e doces na rua ou todos vão morrer de fome tran- cados em casa. Abandonada pelo marido há quase um ano, ela mora num barraco no Jardim Catarina, sem pensão e sem mdos de sobrevivênda. Só lhe resta botar os filhos na rua para "ganhar" a vida.

Jornal da Saáde/7 11

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s; í/

A hora é de organização

O Encontro Popular pda Saúde é um importante momento na organi- zação e manifestação da população. É resultado de um trabalho que vem se desenvolvendo há, aproximadamente, um ano, no qual os moradores, asses- soradas petos profissionais de saúde, se organizam em comissões para atuar junto às suas comunidades.

Através desses contatos diretos com as moradores em suas ruas, quadras, blocos ou favelas, as Comissões de Saúde vêm debatendo as condições de vida que direta ou indiretamente de- terioram a saúde da população.

Os baixos salários, a habitação precária, a falta de atendimento médico adequado, de transporte e de esgotos, a água (quando existe) contaminada petos valões, a má alimentação, são al- guns dos graves problemas com que convivem. Bastaria a existência de um

desses problemas para mereça toda a atenção e prioridade por parte dos poder es públicos. Porém, nem mesmo todos des Juntas no dla-a-dia. têm sido suficientes para que as autoridades modifiquem suas atitudes e passem a aplicar os recursos necessárias para atender às necessidades da população.

A organização dos moradores surge, então, como alternativa para modificar esta situação. Organizados e conhecen- do sua realidade, os moradores podem fazer presente e forte suas reivindi- cações e exigir que elas sejam aten- didas. , i

Este é o trabalho que vem sendo realizado pelas associações de mora- dores e que alcança uma etapa impor- tante com a realização deste Encontro Popular pela Saúde, que continuará em cada associação, através de cada morador organizado.

VOCÊ SABIA? Habitação

— que no Brasil há um déficit de cerca de 7 milhões de casas e que, aproximadamente, 28 milhões de pessoas, entre elas, cerca de 14 mi- lhões de menores, não tèm onde morar ou moram em barracos?...

— que no Estado do Rio de Janeiro 997 mil . domidlios localizados em áreas urbanas não têm instalações sanitárias, ainda utilizando fossas. Vivendo nessas condições estão cerca de 2 milhões de crianças?...

— que entre 1964 e 1973 o BNH financiou I milhão 200 mil residências, das quais somente 280 mil ou 23% delas foram destinadas às ca- madas populares? E que o BNH foi criado para resolver o problema da habitação do povo?...

— que como financiamento feito pelo BNH ao Village de Sio Conrado (pertinho da Rocinha), para a construção de 553 apartamentos de luxo, poderiam ser construídos, em Irajá, 10.665 apar- tamentos populares?... Educaçio

— que no Brasil há 12 milhões e 681 mil crianças,sem escolas?...

— que no Estado do Rio de Janeiro esse número é de 728 mil?...

— que neste mesmo Estado, na zona urbana (pasmem!), 51% das crianças, entre 5 e 9 anos, não sabem ler nem escrever?... Alimcnlaçào — que a grande maioria das famílias de baixa renda no Rio de Janeiro consome- 568 calorias a menos que o mínimo necessário estabelecido pela FAO?... — que 69% das 600 mil crianças que morrem anualmente ip Brasil são vitimas de doenças causadas ou agravadas pela má nutrição?... — que 83% da população infantil do País sofrem de desnu triçâo crônica?... Saúde — que a cada hora, no Brasil, morrem 45 crian- ças com menos de 1 ano?.. — que a cada meia hora morrem 3 brasileiros tuberculosos?...

— que a desidratação e as verminoses são respon- sáveis por mais de 60% das doenças de crianças de famílias de baixa renda?... — que em 1978 o Governo federal gasta com saúde aoenas 2,8% do total de suas despesas?...

Trabalho do menor

— que em 1976, no Brasil, 2 milhões e 553 mil crianças, entre 10 e 14 anos, trabalhavam?... — que no Estado do Rio de Janeiro esse número era de 52 mil crianças?... — que na região de Campos (RJ), foram encon- trados mais de 3 mil e 500 crianças trabalhando sem nenhum contrato e dezenas delas tinham somente 6 e 7 anos de idade?...

O menor abandonado

— que em 1975, das 48 milhões e 226 mil crian- ças, de zero a dezoito anos, 15 milhões e 400 mil delas eram carentes e abandonadas?... — que cerca de 1 milhão de menores do Estado do Rio de Janeiro são de famílias com rendimen- tos mensais de até 2 salários mínimas?...

— que nos postos da FEBEM, em São Paulo, houve cerca de 50 tentativas de suicídio de me- nores e já se conta em mais de 100 os menores eliminados pelo "Esquadrão da Morte" paulis- ta?...

— que esses "esquadrões" contra crianças delinqüentees são considerados como "última palavra" para se resolver os problemas sociais?...

Finalmente

— que para acabar com as raízes mais pro- fundas da miséria de nosso povo e melhorar vei^ dadeiramente a situação de nossas crianças, tor- na-se necessário, antes de tudo, fazer com que o desenvolvimento econômico vise a atender aos in- leresses nacionais e ao aumento do bem-estar do povo brasileiro, e não os interesses das multi- nacionais e do latifúndio?...

Cidade de Deus recebe o Encontro de braços abertos

Com multa organização, Cidade de Deus preparou a sede do Encontro Popular pela Saúde. E desmentiu, com isso, a Imagem negativa que dela fazan

pessoas comprometidas com os interesses dos especuladores.

Para a comunidade de Cidade de Deus, a realização naquele local do En- contro Popular pda Saúde representou o resultado de uma intensa organização de seus moradores. A preparação do local do ato, no Colégio José de Alen- car, e de três creches no posto da Feem, Igreja Episcopal e Escola de Samba Acadêmicos de Cidade de Deus con- sumiu agosto inteiro e metade de se- tembro e um esforço enorme. Em com- pensação essa atividade integrou muita gente nova e fortaleceu a entidade local, o Conselho de Moradores da Cidade de Deus — Comodd.

Oito comissões foram formadas para desenvolver todos trabalhos, in- tegrados por moradores da Cidade de Deus e outras comunidades, contra- tados através das reuniões do movimen- to no Sindicato dos Médicos. Foram elas: Comissão de Organização do Ato, Creche, Apoio, Recepção, Finanças, Divulgação, Manutenção e Equipe de Saúde.

A comissão de Creche foi a maior, com 50 pessoas, 35 delas da comuni- dade. Os voluntários se apresentavam durante as reuniões de discussão sobre o Encontro, realizadas nas quadras de Cidade de Deus, e cada um se oferecia para colaborar de algum modo. Ao todo, participaram dos trabalhos entre 80 e 100 pessoas.

Tão importantes quanto essa par- ticipação, foram a integração entre os trabalhos desenvolvidos em Cidade de Deus — Jornal Amanhã, Revista Nós, Grupo de Cinema e Teatro Perspectiva, Grupo de Líderes Cristãos da Paróquia Pai Eterno e São José, Igreja Episcopal — e a eleição de representantes de quadras que os preparativos do Encon- tro permitiram.

A MA FAMA É FALSA

Cidade de Deus, nos jornais e outros meios de comunicação, é um "foco de banditismo". Na realidade, é uma comunidade de cerca de 60 mil pessoas — a grande maioria de trabalhadores — que foram removidos das favelas da Zona Sul nas enchentes de 1966 e jo- gadas em um lugar sem a infra- estrutura necessária para recebê-los e onde, por isso, hoje "tudo é prioritá- rio", como afirma o Jncumentõ a ser apresentado no Encontro.

Esse documento explica que "a ex- ploração do banditismo com sensa- cionaíismo comercial leva a crer que existam por trás disso interesses comer- ciais, pois a comunidade está entre o fulminante desenvolvimento imobiliário do litoral da Barra e a supervalorização de Jacarepaguá". "O que a imprensa não veicula — prossegue o texto — é que os acontecimentos de Cidade de Deus traduzem a grave situação sódo- econômica de seus moradores, que é também a de todo povo brasileiro, e refletem a má distribuição de renda, desemprego, subemprego e inoperância dos serviços públicos.

O documento manifesta a dispo- sição do Conselho de Moradores, "em íntima ligação com a Famerj", tra- balhar por melhores condições de vida, pois "democracia é isso, o povo unido lutando por seus direitos".

AS REIVINDICAÇÕES

As reivindicações de Cidade de Deus, a serem apresentadas no Encon- tro, são: melhoria e ampliação dos ser- viços de esgoto, água, telefone, médico, iluminação, transportes e abastecimen- to — com congelamento dos preços dos gêneros de primeira necessidade e pas- sagens —, educação — mais escolas e professores e manutenção do curso supletivo — e moradia, com restau- ração e manutenção dos conjuntos, congelamento de taxas e impostos e a cessão pela Prefeitura, através da Cahab, de área para a construção da sede do Comocid. A comunidade reivindica também dragagem do valão Rio Grande e sua canalização e trans- formação em área de lazer e o exter- mínio de mosquitos e ratos.

COMISSÃO DE SAÜDE

A Comissão de Saúde de Cidade de Deus é uma das mais antigas do Rio. Foi criada em outubro do ano passado e teve, entre seus primeiros trabalhos, uma pesquisa que revelou que em 276 crianças entrevistadas, apenas 70 ti- nham sido vacinadas. A comissão faz também reuniões com moradores para debater os problemas das precárias condições sanitárias da comunidade.

A Bomba Suja Ferreira Gullar

Introduzo na poesia a palavra diarréia. Não pela palavra fria mas pdo que da semeia.

Quem fala em flor não diz tudo. Quem me fala em dor diz demais. O poeta se torna mudo sem as palavras reais.

No didonárlo a palavra é mera idéia abstrata. Mais que palavra, diarréia é arma que fere e mata.

Que mata mais do que faca, mais que bala de fuzil, homem, mulher e criança no interior do Brasil.

Por exemplo, a diarréia, no-Rio Grande do Norte, de cem crianças que nascem, setenta e seis lega à morte.

É como uma bomba D que explode dentro do homem quando se dispara, lenta, a espoleta da fome.

É uma bomba-relógio (o rdógio é o coração) que enquanto o homem trabalha vai preparando a explosão

Bomba colocada nele muito antes dele nascer; que quando a vida desperta nele, começa a bater

Bomba colocada nele pelos séculos de fome

e que explode em diarréia no corpo de quem não come.

Nãoé uma bomba limpa: é uma bomba suja e mansa que elimina sem barulho vários milhões de crianças:

Sobretudo no Nordeste mas não apenas ali, que a fome do Piauí se espalha de Leste a Oeste.

Cabe agora perguntar quem é que faz essa fome, quem foi que ligou a bomba ao coração desse homem.

Quem é que rouba a esse homem o cereal que de planta.

quem come o arroz que de colhe se de o colhe e não janta.

Quem faz café virar dólar e faz arroz virar fome é o mesmo que põe a bomba suja no corpo do homem.

Mas predsamos agora desarmar com nossas mãos a espoleta da fome que mata nosso irmãos.

Mas predsamos agora deter o sabotador que instala a bomba da fome dentro do trabalhador.

E sobretudo é preciso trabalhar com segurança pra dentro de cada homem trocar a arma da fome pela arma da esperança.