14
1 AMAI VOSSOS INIMIGOS Marcelo Franco Martins

AMAI VOSSOS INIMIGOS.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

1

AMAI

VOSSOS

INIMIGOS

Marcelo Franco Martins

2

PREFÁCIO

A afirmação mais absurda e desafiadora feita por Jesus e que

ressoa pelo tempo como expressão de loucura para o mundo

atual é: “Amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam,

orai pelos que vos maltratam e perseguem. (Mateus 5, 43-44).

Numa sociedade onde o “EU” está acima do “NÓS”, onde o que

importa são as minhas coisas, o que eu acho, o que eu penso, o

que é melhor para mim, pedir para amar o inimigo é, no mínimo,

coisa de maluco.

O egocentrismo dominou o homem de hoje. Tudo é criado e

desenvolvido para tornar o homem independente, isolado e

egocêntrico. E, sem medo de errar, a razão pela qual os índices

de pessoas com depressão só crescem, é justamente essa: não

viver o amor vivido e ensinado incondicionalmente por Cristo.

Há dois tipos de inimigo na Bíblia: Um é aquele que é a razão e a

origem de todo mal. O diabo, “diabulum” que no hebraico antigo

significa “aquele que divide”. São Paulo nos ensina na Carta aos

Efésios , no capítulo 6, que “... não é contra homens de carne e

sangue que temos de lutar, mas contra os principados e

potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra

as forças espirituais do mal espalhadas nos ares”. Este é o

inimigo que não devemos amar. Ele foi excluído da Graça de

Divina e não deve ter lugar em nossa vida.

O outro tipo de inimigo na Bíblia é, simplesmente, aquele que fez

algum tipo de mal para nós, que nos prejudicou de alguma

forma. Alguém que nos decepcionou, nos insultou, nos denegriu,

nos trouxe prejuízos. Esse é o inimigo a quem somos chamados,

3

por Jesus, a amar. Foi exatamente isso que Ele, em sua vida,

morte e ressurreição, fez conosco. Ninguém merece o que Jesus

fez e faz por nós. Ele nos ama muito além dos nossos méritos,

pois não os temos. Ao contrário: Somos pecadores e muitas

vezes incorrigíveis. Amamos o pecado e nos permitimos vivê-lo,

independente da vontade de Deus. E Cristo, ainda assim, nos

ama.

Segundo o grande líder norte americano Martin Luther King, “O

amor é a única força capaz de transformar um inimigo em

amigo”.

Madre Tereza de Calcutá foi além: “As pessoas boas merecem

nosso amor, as pessoas ruins precisam dele”.

Amar o “inimigo”, este a quem somos chamados a amar, não é

para quem deseja ter uma vida rasa, pequena e sem sentido.

Amar o inimigo é para quem quer ter o coração cheio da graça

de Deus, do seu amor, da sua misericórdia. Amar quem não

merece, quem só nos fez mal: Esse é o “caminho apertado e

estreito da e raros são os que o encontram”. (Mateus 7, 13-14)

4

CAPÍTULO 1

AMAR QUEM NÃO MERECE

A cultura contemporânea, que envolve um emaranhado de

mecanismos de difusão em massa como músicas, filmes, roupas,

atitudes, maneiras de pensar, meios de comunicação, literatura,

entre outros, é constituída por conceitos muito claros: O Eu é

mais importante que o NÓS. Tudo leva a isso.

Os casamentos não são para fazer o outro feliz, mas para ser

feliz. O trabalho não é para promover o bem comum, mas para

que eu seja feliz, para a minha promoção e realização. Até

mesmo meu envolvimento nos trabalhos da Igreja, ao invés de

serem direcionados para a glória do Reino de Deus e para o bem

dos outros, servem como barganha para que Eu conquiste a

cura, a vitória, os benefícios do céu. O EU ainda predomina.

Jesus vai completamente na contramão de tudo isso. Toda sua

vida, sua história, é marcada pela doação incondicional ao

próximo, a seu povo. Ele não veio para ser servido e sim para

servir (Marcos 10, 45). E tudo em abundância e de graça!

Não há nada que possamos fazer ou deixar de fazer que pague o

que Cristo fez e faz por nós! É absolutamente de graça!

A palavra Graça quer justamente nos fazer entender isso. “De

graça recebestes, de graça dai” (Mateus 10, 8).

Somos chamados a servir os outros com a mesma gratuidade e

amor porque fomos amados assim.

Mas não se trata apenas de amar os mais pobres, os mais

necessitados, os mais sofridos, os que são mais chegados a nós.

Principalmente, não se trata de amar os merecedores. Jesus vai

5

muito além! Nos quer amando aqueles que nunca fizeram nada

por nós. Que, pelo contrário, só nos prejudicaram, nos

trouxeram todo tipo de contratempo e mal. Esses são os

“inimigos” a quem devemos amar.

Mas, como amar quem só nos trouxe decepção, rancor, tristeza e

prejuízos? Isso é possível?

Somente um ser humano revestido e abastecido pela

misericórdia de Deus, por seu Amor infinito, é capaz de tal

atitude e decisão. E esse é o caminho da verdadeira liberdade e

felicidade.

Ao contrário do que a sociedade moderna tenta nos convencer

através da sua cultura de morte, não é tendo, possuindo e

acumulando que somos realmente livres e felizes. Na contramão,

é dando, sendo para o outro, principalmente, amando e rezando

por nossos “inimigos”.

Liberdade é a vivência profunda do amor de Jesus.

Ninguém foi mais livre que Ele!

Seus braços abertos na cruz, não foi apenas sinal de estar nos

abraçando, salvando a todos nós, mas também gesto de sua

liberdade perfeita, a qual somos todos chamados a viver.

6

CAPÍTULO 2

O CONHECIMENTO DO OUTRO

Não se pode amar o que não se conhece ou quem não se

conhece. Amor é a decisão fundamentada no conhecimento

profundo do outro, de sua história, de seus percalços, de suas

lutas, de seus sofrimentos e alegrias. É impossível amar sem esse

sondar o interior do outro.

Ninguém é o que é atoa. Ninguém faz o que faz, pensa como

pensa, age como age, sem razões. A não ser que tenha

desiquilíbrios mentais. Há, sim, razões, raízes, motivos. Deus nos

ama porque nos conhece perfeitamente. Ninguém nos conhece

como Ele, que sabe todos os minuciosos detalhes da nossa

existência.

“Senhor, vós me perscrutais e me conheceis, sabeis tudo de

mim, quando me sento ou me levanto. De longe penetrais meus

pensamentos. Quando ando e quando repouso, vós me vedes,

observais todos os meus passos. A palavra ainda me não

chegou à língua, e já, Senhor, a conheceis toda. Vós me cercais

por trás e pela frente, e estendeis sobre mim a vossa mão.

Conhecimento assim maravilhoso me ultrapassa, ele é tão

sublime que não posso atingi-lo”. (Salmo 138, 1-6)

“Nada de minha substância vos é oculto, quando fui formado

ocultamente, quando fui tecido nas entranhas subterrâneas.

Cada uma de minhas ações vossos olhos viram, e todas elas

foram escritas em vosso livro; cada dia de minha vida foi

7

prefixado, desde antes que um só deles existisse”. (Salmo 138,

15-16)

Para amar nossos amigos e nossos “inimigos” somos chamados a

conhecer a realidade histórica do outro. Afinal, também temos a

nossa e nossos vícios e pecados são todos enraizados nestas

situações vividas por nós.

E se não temos esse conhecimento profundo para amar como

devemos nossos “inimigos”?

Aí somos chamados a confiar no conhecimento e no amor que

Deus tem a respeito desse indivíduo. O Senhor sabe o que se

passou com ele para que se tornasse o que é, o que o levou a

fazer o que fez comigo ou com você.

Na verdade, a capacidade de amar nossos “inimigos” vem do

Amor e do conhecimento de Jesus a respeito de cada pessoa.

Confiamos que Ele conhece e ama. Por isso também amamos.

Trata-se de amar quem Ele ama.

8

CAPÍTULO 3

ORAI POR AQUELES QUE VOS MALTRATAM

Outra atitude e decisão que precisamos tomar e que é

imprescindível em relação aos nossos “inimigos” é a oração.

“Orai por aqueles que vos maltratam e vos perseguem”.

(Mateus 5, 44)

Existe um ditado popular que diz: “Diga-me com quem andas e

eu te direi quem és”. Isso significa que na medida em que

convivemos com alguém, vamos adquirindo suas virtudes,

qualidades e até seus defeitos. Quando amigos passam muito

tempo juntos, acabam pegando o jeito do outro.

Quando caminhamos com Jesus, na intimidade da oração, vamos

absorvendo Sua maneira de ser, de ver, de agir, de amar, de

perdoar.

Recordo-me sempre de uma canção do nosso querido Padre

Zezinho, que diz: “Amar como Jesus amou, sonhar como Jesus

sonhar, pensar como Jesus pensou, viver como Jesus viveu.

Sentir o que Jesus sentia, sorrir como Jesus sorria. E ao chegar

ao fim do dia sei que eu dormiria muito mais feliz”.

Não há outra forma de amar nosso “inimigo” a não ser vivendo

uma amizade profunda com Jesus. Caminhar com Ele, viver com

Ele. Esse é o caminho da conversão e para adquirirmos as

virtudes do Senhor.

9

Tem algum “inimigo”, alguém que lhe traiu, que lhe fez mal? Ore

por ele! Na oração, o rancor, a decepção e até o ódio vai se

tornando amor e compaixão. Aí, o caminho das bênçãos e da

cura de toda nossa vida acontece.

10

CAPÍTULO 4

TESTEMUNHO DE AMOR AO “INIMIGO”

A história está repleta de histórias de pessoas que souberam

amar seus “inimigos”. Além de Jesus, o precursor de tudo isso,

que veio selar a Nova Aliança, o novo jeito de amar, houveram

homens e mulheres que compreenderam o Evangelho e também

amaram incondicionalmente.

João Paulo II perdoou Ali Agca, logo após o atentado na Praça de

São Pedro, dentro da ambulância que o transportava em alta

velocidade até ao Hospital Gemelli, pouco antes de perder os

sentidos e quando julgava que ia morrer.

O papa em seu livro “Memória e Identidade” dedicou um

capítulo, o epílogo, sobre o atentado e contou que na

ambulância falou ao cardeal Dom Stanislaw que tinha perdoado

o autor do atentado.

11

"Agca disparou para matar, um tiro que devia ser mortal. Ele era

um assassino profissional, não foi uma iniciativa sua. Alguém o

encarregou de me matar. Não tenho a menor dúvida. Disse ao

meu secretário, D. Stanislaw, ainda no carro, que tinha perdoado

o autor do atentado. Sabia e sentia como era gravíssima a minha

situação, sabia que tinha sido ferido na barriga, doía muito...

Praticamente já estava do outro lado... mas senti que me iria

salvar”, escreve o Papa.

Após 19 anos do atentado, em 2000, João Paulo II se encontrou

com Ali Agca na prisão.

Na visita à prisão, no Natal de 1983, encontrou-se a sós com Ali

Agja. Reafirmou seu perdão, apesar do mal que Ali havia lhe

causado.

Nosso querido Papa João Paulo II entendeu tudo. Amou até o

fim. Amou quando todos fariam o oposto se estivessem no lugar

dele. Deu o passo do amor e tornou-se exemplo sublime de

doação e compaixão.

12

Capítulo 5

MEU CHAMADO É PARA O AMOR

Eu, pobre pecador, também fui responsável por causar muito

mal a pessoas próximas de mim. Fui infiel, injusto e mentiroso. E

tudo isso levou muita decepção e tristeza para pessoas a quem

eu deveria amar e respeitar.

E nesse processo de pecado, fui muito julgado e condenado.

Passei de médico a monstro, de amigo a inimigo. E tenho

buscado me reconciliar com este passado dentro de mim,

perdoando a mim mesmo (tarefa difícil!) e corrigi-lo na medida

do possível.

Mas foi impressionante perceber o quanto as pessoas, de modo

especial as que estão dentro das comunidades cristãs, dentro das

paróquias e comunidades de vida, são 1as que mais sentem

dificuldade de perdoar e amar os que erram, amar os que não

merecem. Se dizem seguidores de Cristo, mas até certo ponto.

Quando chega o momento de viver o amor ao “inimigo”, a

história complica.

Cheguei a participar de uma comunidade onde me chamavam de

co fundador, em que o carisma divulgado era o da misericórdia e

do trabalho com pessoas difíceis. E adivinhem? Me expulsaram

logo quando souberam dos meus erros. O lugar que deveria me

acolher acima de todos, com mais amor e maior cuidado, foi o

que me repudiou. Atitude cristã? Longe disso.

13

Há comunidades que só valorizam o culto e as atividades de

praxe. Esquecem da essência do Evangelho, que nos convida ao

amor incondicional. Sem isso não há Graça.

Não se trata de ser conivente com o pecado dos outros, com os

erros dos outros. Mas é preciso haver a correção fraterna,

amorosa. Amar setenta vezes sete. Acolher o pecador, para que

o amor seja instrumento de transformação em sua vida. Só o

amor transforma, cura e liberta. Só o amor incondicional constrói

um mundo novo, pessoas novas, novas famílias, novos

casamentos.

Amai vossos inimigos! É o caminho da paz e da liberdade.

14

ORAÇÃO

Senhor, Tu que me amas com este amor que não conseguimos

compreender, de tão grande. Tu que nos ama mesmo quando

nos afastamos de vós, quando pecamos e quando pecamos de

novo. Tu que nos conhece tão perfeitamente, tão

profundamente. Ensina-nos e capacita-nos a amar desse jeito,

com este amor gratuito, que não exige nada em troca.

Cura nosso coração de toda decepção, rancor, mágoa,

ressentimento que possam ter nos causado. Seja qual for o mal

com que tenham nos afligido, nos ajude a perdoar e amar.

Coloque o nome da pessoa ou das pessoas pelas quais você está

orando neste momento. E peça ao Senhor a graça de amá-las

sem medida.