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Resumo: AMARAL, Aracy. Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1968. No livro Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas, Aracy Amaral destaca o papel do poeta suíço-francês na delineação de um modernismo brasileiro. Já reconhecido antes de sua primeira vinda ao Brasil, em 1924, o estrangeiro, ironicamente, aparece como o marco de nossa independência dos centros produtores da cultura artística. A despeito do terreno propício oferecido pelas comemorações do Centenário da Independência e pela Semana de Arte Moderna, ambos em 1922, a presença de Cendrars é sublinhada como aquele que alertou para o Brasil como “matéria-prima, poética, plástica, musical” 1 . Ele teria sido a chave da possibilidade de um real intercâmbio entre o Brasil e a Europa pela primeira vez. Argumenta-se que até então, aqui mesmo os modernos, que rejeitavam o academicismo importado da França, buscavam ainda em Paris a referência do que seria o Modernismo. A tese da autora se constrói a partir de documentos recolhidos sobre as estadas de Cendrars no Brasil e sua influência sobre os modernistas brasileiros, especialmente correspondências e artigos de jornal, e de obras dos autores citados. A partir daí, o delinear-se da construção dessas relações é desencadeado por Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, que conheceram o poeta ainda em Paris, em 1923. Nesse ano, Cendrars propiciou aos artistas o contato in loco com o “tout Paris”, recebendo em contrapartida histórias sobre o Brasil e um convite de Paulo Prado ao nosso país para o ano seguinte. A chegada de Cendrars ao Brasil em fevereiro de 1924 fora noticiada com alvoroço por aqueles que esperam a presença de uma referência personificada nos meios paulistanos, mas Mário de Andrade adverte em seu artigo-saudação a necessidade de não se enfeitiçar com o poeta francês, mas dele receber o fascínio pelo mundo. E, aparentemente, é justamente isso que Cendrars ofereceu aos brasileiros, o fascínio pelas terras tupiniquins. Desde a chegada, em que um embaraço diplomático atrasou seu desembarque por ser um veterano de guerra mutilado, Cendrars surpreendeu-se com o espírito progressista da época, mas enquanto Mário de Andrade defendeu os aduaneiros por supostamente terem reconhecido que “o Brasil não precisa de mutilados, precisa de braços” 2 , o francês, embora admirado com o ânimo e a atualidade dos brasileiros, também estranhava a ansiedade progressista que ambiciona que “sua poesia marchasse na cadência com que edificavam prédios.” 3 Passado esse incidente, todavia, as impressões realmente pareceram ser as mais positivas possíveis. Na primeira viagem de turismo doméstico animada por Cendrars, seus cicerones o acompanharam para conhecer o carnaval do Rio de Janeiro, e lá, assinala a autora, a poesia de Oswald já começou a reter traços de registro dos fatos de maneira cendrariana, bem como na temática de Tarsila fixam-se os assuntos nossos. 1 AMARAL, Aracy. Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1968, p. 7. 2 ANDRADE, Mário. “Blaise Cendrars”, in Revista do Brasil, mar. 1924, p. 214-223, apud: AMARAL, A. Op. cit., p. 19. 3 AMARAL, A. Op. cit., p. 17.

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Resumo: AMARAL, Aracy. Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas. SãoPaulo: Livraria Martins Editora, 1968.

No livro Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas, Aracy Amaral destaca o papel dopoeta suíço-francês na delineação de um modernismo brasileiro. Já reconhecido antesde sua primeira vinda ao Brasil, em 1924, o estrangeiro, ironicamente, aparece como omarco de nossa independência dos centros produtores da cultura artística.

A despeito do terreno propício oferecido pelas comemorações do Centenário daIndependência e pela Semana de Arte Moderna, ambos em 1922, a presença deCendrars é sublinhada como aquele que alertou para o Brasil como “matéria-prima,poética, plástica, musical”1. Ele teria sido a chave da possibilidade de um realintercâmbio entre o Brasil e a Europa pela primeira vez. Argumenta-se que até então,aqui mesmo os modernos, que rejeitavam o academicismo importado da França,buscavam ainda em Paris a referência do que seria o Modernismo.

A tese da autora se constrói a partir de documentos recolhidos sobre as estadas deCendrars no Brasil e sua influência sobre os modernistas brasileiros, especialmentecorrespondências e artigos de jornal, e de obras dos autores citados.

A partir daí, o delinear-se da construção dessas relações é desencadeado por Oswaldde Andrade e Tarsila do Amaral, que conheceram o poeta ainda em Paris, em 1923.Nesse ano, Cendrars propiciou aos artistas o contato in loco com o “tout Paris”,recebendo em contrapartida histórias sobre o Brasil e um convite de Paulo Prado aonosso país para o ano seguinte.

A chegada de Cendrars ao Brasil em fevereiro de 1924 fora noticiada com alvoroçopor aqueles que esperam a presença de uma referência personificada nos meiospaulistanos, mas Mário de Andrade adverte em seu artigo-saudação a necessidade denão se enfeitiçar com o poeta francês, mas dele receber o fascínio pelo mundo. E,aparentemente, é justamente isso que Cendrars ofereceu aos brasileiros, o fascíniopelas terras tupiniquins.

Desde a chegada, em que um embaraço diplomático atrasou seu desembarque porser um veterano de guerra mutilado, Cendrars surpreendeu-se com o espíritoprogressista da época, mas enquanto Mário de Andrade defendeu os aduaneiros porsupostamente terem reconhecido que “o Brasil não precisa de mutilados, precisa debraços”2, o francês, embora admirado com o ânimo e a atualidade dos brasileiros,também estranhava a ansiedade progressista que ambiciona que “sua poesiamarchasse na cadência com que edificavam prédios.”3

Passado esse incidente, todavia, as impressões realmente pareceram ser as maispositivas possíveis. Na primeira viagem de turismo doméstico animada por Cendrars,seus cicerones o acompanharam para conhecer o carnaval do Rio de Janeiro, e lá,assinala a autora, a poesia de Oswald já começou a reter traços de registro dos fatosde maneira cendrariana, bem como na temática de Tarsila fixam-se os assuntosnossos.

1 AMARAL, Aracy. Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas. São Paulo: Livraria MartinsEditora, 1968, p. 7.2 ANDRADE, Mário. “Blaise Cendrars”, in Revista do Brasil, mar. 1924, p. 214-223, apud:AMARAL, A. Op. cit., p. 19.3 AMARAL, A. Op. cit., p. 17.

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Pouco tempo depois, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e seu filho Nonê, Tarsilado Amaral, d. Olívia Guedes Penteado, René Thiollier e Gofredo Silva Telles formam acaravana que, junto a Cendrars, se aventura pelo interior de Minas Gerais. Essaviagem especialmente é apontada como repercutindo na obra de todos: Tarsilaregistra praticamente toda a viagem em esboços que, em sua maioria, viraram telas;Oswald escrevera ali os poemas que, junto com aqueles escritos no carnaval do Rio,constituiriam o núcleo básico de Pau-Brasil; René Thiollier fizera um relato intitulado“De São Paulo a S. João Del Rey” em seu livro “O homem da galeria”; e Mário deAndrade legara o poema “Noturno de Belo Horizonte”. Mas especialmente para o casalOswald e Tarsila é que a viagem seria um divisor de águas fundante do movimentoliterário e pictórico “pau-brasil”.

O roteiro que partia de S. João del Rey passando por Tiradentes, Água Santa,Mariana, Ouro Preto, Divinópolis, Sabará, Belo Horizonte, Lagoa Santa e, enfim,Congonhas do Campo, parecia contraditório à luz da busca pelo novo, mas, de acordocom Brito Broca, revelava a busca pelo que seria capaz de conduzir a uma artegenuinamente brasileira, ainda que fosse encontrado no ultrapassado barroco dasigrejas do século XVIII.

Afinal, pela conclusão de Amaral, a busca parece ter sido bem sucedida. Inclusive, naedição de Pau-Brasil pela “Au Sans Pareil”, editora de Cendrars, em 1925, Oswaldapõe a dedicatória “A Blaise Cendrars por ocasião da descoberta do Brasil.”4. Por suavez, se a influência de Cendrars sobre os brasileiros na delineação dessa arte foidesde a inspiração que esse suscitou na própria “terra brasilis” até a forma, do poema-registro, do ritmo, da abolição da pontuação e da relação entre literatura e plástica, ainfluência sobre Cendrars parece ser mais do Brasil do que de seus autores.

Influência marcada pelo exotismo que o fascinava, não só das paisagens, mas dostipos, de histórias que se confundiram com futuros personagens seus como foi o casodo negro prisioneiro de Tiradentes, que matara seu amigo e comera seu coração, oudo molestador do Rio de Janeiro, Febrônio Índio, preso durante uma das seguintesvindas de Cendrars ao Brasil, em 1927. Desconhecido afinal o número de vindas deCendrars ao Brasil, Michel Simon fala da influência de nosso país no poeta comopossibilidade de evasão:

“Todos nós possuímos um país utópico que, sem querer ou não,arvoramos em companheiro de toda nossa vida, e que serve dereativo ao ramerrão da nossa existência cotidiana. (...) Pois a utopiade Cendrars foi, indubitavelmente, o Brasil.”5

Na obra de Blaise Cendrars, além das remissões esparsas, Amaral destaca ointeresse do poeta em fazer um filme sobre o Brasil, mencionada em Trop c’est trop eEtc..., etc... (un film 100% brésilien), empreitada frustrada, nas palavras do mesmo,pela Revolução de 1924, mas desconhecida de todos aqueles que o receberam nessadata, além da seleção de poesias de “Feuilles de Route – 1. Le Formose”, em queCendrars descreve a viagem a bordo do “Le Formose” partindo do porto de Le Havreaté chegar a São Paulo. Obra ilustrada por desenhos de Tarsila do Amaral recolhidos

4 AMARAL, A. Op. cit., p. 73.5 SIMON, Michel. “Blaise Cendrars e o Brasil” in Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 28 nov.1948 apud: AMARAL, A. Op. cit., p. 169.

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dos esboços feitos nas viagens do Rio e de Minas, sendo o registro o principalelemento de unificação entre ilustração e poema.

A parceria entre os dois ainda se repetiria na exposição individual da artista na GaleriaPercier (1926), quando o poeta, na época em terras brasileiras, escreveu em forma deprefácio ao catálogo poemas sob o título de “Saint Paul”.

Por fim, a autora finaliza o livro com a reprodução de quatro artigos sobre Cendrars eo Brasil por João Alves das Neves, todos publicados n’O Estado de São Paulo:Cendrars e o Brasil, 28 jan. 1961; Cendrars e o café, 4 fev. 1961; Cendrars e autopilândia, 31 out. 1959; e Cendrars e “A Selva”, 24 abr. 1964.