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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA
Tatiana Nazaré Amaral Ferreira
AMAZÔNIA E WEBJORNALISMO:
DISCURSOS SOBRE SOCIEDADE E MEIO AMBIENTE
BELÉM
2011
Tatiana Nazaré Amaral Ferreira
AMAZÔNIA E WEBJORNALISMO:
DISCURSOS SOBRE SOCIEDADE E MEIO AMBIENTE
Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre junto ao Programa de Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura. Linha de Pesquisa: Linguagem e análise discursiva de processos culturais. Universidade da Amazônia. Orientadora Profª Drª. Amarílis Izabel Alves Tupiassú
BELÉM 2011
Tatiana Nazaré Amaral Ferreira
AMAZÔNIA E WEBJORNALISMO:
DISCURSOS SOBRE SOCIEDADE E MEIO AMBIENTE
Dissertação apresentada à Universidade da Amazônia para obtenção do título de Mestre em Comunicação, Linguagens e Cultura. Orientadora: Profa. Dra. Amarílis Alves Tupiassú
Banca Examinadora: _______________________________________ Profa. Dra. Amarílis Alves Tupiassú Orientadora _______________________________________ Profa. Dra. Ivânia dos Santos Neves ________________________________________ Profa. Dra. Luciana Miranda Costa Apresentado em ____/____/____ Conceito:
BELÉM 2011
Aos meus pais, Hilmar Tadeu e Tereza Cristina
e ao meu filho, Gabriel
AGRADECIMENTOS
À professora Amarílis Tupiassú, pelas orientações prestadas, pelo incentivo constante e
pelo carinho e respeito com que acolheu os objetivos dessa dissertação.
Aos professores do Programa de Mestrado em “Comunicação, Linguagens e Cultura”
da Unama, pela dedicação e pelos conhecimentos preciosos que pudemos trocar durante
os dois anos de convivência, em especial à Marisa Mokarzel, Paulo Nunes e Agenor
Sarraf.
Às professoras Luciana Costa e Ivânia Neves, pelas sugestões durante a qualificação e
por contribuírem de forma tão significativa para minhas reflexões sobre as questões
amazônicas.
Às equipes de Amazônia.org, Globo Amazônia e O Eco Amazonia, pela disponibilidade
com que prestaram informações a essa pesquisa.
Aos colegas de turma do mestrado, principalmente às queridas Vânia Leal e Renata
Ferreira, pela amizade e pelas alegrias e angústias compartilhadas.
Aos meus amigos, em especial Ana Prado e Brenda Taketa, por não me deixarem
desanimar nas horas difíceis, pelas sugestões e companheirismo que só as grandes
amizades proporcionam.
Aos meus pais Hilmar Tadeu e Tereza Cristina, pelo apoio indispensável para o
cumprimento de todas as etapas deste percurso, pelo amor incondicional e por tudo que
representam na minha vida.
Aos meus irmãos Rejane, Júnior, Cristiane e cunhada Clívia, pelo apoio, amizade e
tantos momentos felizes compartilhados.
Às minhas avós Sarah e Dora, pelas orações e pelo amor, e aos meus avôs José e
Oswaldo, que mesmo estando ausentes são referências de dignidade que guardo para
toda a vida.
À toda a minha família, por ser tão presente nos momentos importantes.
Ao meu filho Gabriel, pelo amor, pelo carinho, pela existência e por tudo que me ensina
sobre a grandeza da vida diariamente.
A Deus, por ter me dado a vida e todas as potencialidades para me desenvolver
enquanto ser humano e por me permitir continuar sonhando com um mundo menos
desigual.
O que é um lugar na mundialização? Quem fala e a partir
de onde? O que significam estes desacordos entre jogos e
atores, triunfos militares e fracassos político-culturais,
difusão mundial e processos criativos? O fascínio de estar
em toda parte e o desassossego de não estar em nenhuma
com segurança, de ser muitos e não ser ninguém mudam o
debate sobre a possibilidade de ser sujeito: já aprendemos
nos estudos sobre a configuração imaginária do social o
quanto de construídos ou simulados os processos sociais e
os sujeitos podem ter. Talvez esteja começando um tempo
de reconstruções menos ingênuas de lugares e sujeitos,
estejam aparecendo ocasiões para atuarmos como atores
verossímeis, capazes de fazer pactos sociais confiáveis,
com alguma duração, em interseções compartilhadas.
Néstor García Canclini
RESUMO
Este estudo teve como objetivo analisar os discursos sobre “meio ambiente e sociedade” em três sites jornalísticos que cobrem exclusivamente a região amazônica. São eles: Amazônia.org, Globo Amazônia e O Eco Amazonia. Inicialmente, as três experiências foram estudadas com base nas principais características do webjornalismo. Em seguida, a pesquisa voltou-se para as condições de produção, etapa que incluiu entrevistas com os jornalistas que atuam nos sites. Para analisar os discursos sobre “meio ambiente e sociedade” nos textos veiculdaos, foram utilizados como referenciais teóricos sobretudo Bakthin, Orlandi e Foucault. Por fim, refletiu-se sobre a recepção e a participação dessas iniciativas nas mídias sociais. O estudo aponta que os discursos sobre a Amazônia no webjornalismo perpetuam uma visão autoritária e distanciada da realidade local. As características associadas ao jornalismo online, como a interatividade e a hipertextualidade, em geral, não são utilizadas para dar voz aos amazônidas nas notícias, o que seria fundamental para viabilizar uma cobertura mais qualificada e pluralista dos temas ambientais.
Palavras-chave: Webjornalismo. Amazônia. Discursos. Meio Ambiente. Mídias sociais.
ABSTRACT
This paper aims at analyzing the discourses about the “environment and society” in three journalistic sites which cover exclusively the Amazon Region, namely: Amazônia.org, Globo Amazônia e O Eco Amazonia. At first, the three experiences were studied from the point of view of the main features of web journalism. Next, the quest turned to the conditions of production, stage which entailed interviews with journalists who work in the sites, on the Southeast of the country. To analyze the discourses about “environment and society” in the edited texts, Bakthin, Orlandi and Foucault were used as theoretical basis. Finally, a reflection about the reception and participation of such initiatives on social media was done. The study shows that the discourses about the Amazon on web journalism perpetuate an authoritarian and farfetched view, far from local reality. The features linked to online journalism, such as interactivity and hypertextuality, in general, were not used so as to lend some voice to the Amazon man on the news, which would be fundamental to allow for a more qualified and plural coverage of the environmental issues.
Key-words: Web journalism. Amazon. Discourses. Environment. Social Media.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Primeira página do site Amazônia.org 31
Figura 2: Primeira página do site Globo Amazônia 36
Figura 3: Primeira página do site O ECO Amazonia 42
Figura 4: Reportagem publicada em Amazônia.org, 17/07/2010 58
Figura 5: Notícia publicada em Globo Amazônia, 16/07/2010 64
Figura 6: Notícia publicada em Globo Amazônia, 17/07/2010 66
Figura 7: Reportagem publicada em O Eco Amazonia, 19/08/2011 76
Figura 8: Página de acesso ao aplicativo Amazônia.vc no Twitter 86
Figura 9: Comunidade oficial do projeto Globo Amazônia no Orkut 89
Figura 10: Página do site Amazônia.org no Twitter 90
Figura 11: Página de Globo Amazônia no Twitter 92
Figura 12: Página de O Eco Amazonia no Twitter 94
Figura 13: Comentários dos leitores de Globo Amazônia 100
Figura 14: Comentários dos leitores de O Eco Amazonia 102
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Principais fontes em Amazônia.org 46
Tabela 2 – Temas mais abordados em Amazônia.org 48
Tabela 3 – Principais fontes em Globo Amazônia 61
Tabela 4 – Temas mais abordados em Globo Amazônia 67
Tabela 5 – Principais fontes de O Eco Amazonia 73
Tabela 6 – Temas abordados em O Eco Amazônia 81
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 11
2. CARACTERÍSTICAS E FORMATOS DO WEBJORNALISMO AMBI ENTAL
EM TRÊS EXPERIÊNCIAS
23
2.1 JORNALISMO EM TRANSFORMAÇÃO 23
2.1.1 Mapeando característica do webjornalismo 26
2.2 AMAZÔNIA NO WEBJORNALISMO EM TRÊS EXPERIÊNCIAS 28
2.2.2 A experiência de Globo Amazônia 34
2.2.3 A experiência de O Eco Amazonia 39
3. AMAZÔNIA A DISTÂNCIA E OS (NOVOS?) DISCURSOS NO
WEBJORNALISMO AMBIENTAL
44
3.1 ANÁLISE DOS TEMAS E FONTES PREPONDERANTES NO DISCURSO
JORNALÍSTICO
44
3.1.1 Amazônia.org e o discurso das ONGs ambientalistas 45
3.1.2 Jornalismo a distância e a reiteração do exótico em Globo Amazônia 60
3.1.3 O Eco Amazonia entre a possibilidade de inovação e as fontes consolidadas 73
4. WEBJORNALISMO AMBIENTAL: RECEPÇÃO E PARTICIPAÇÃO
NAS MÍDIAS SOCIAIS
82
4.1 AMAZÔNIA, WEBJORNALISMO E REDES SOCIAIS 82
4.1.1 O Orkut e a sedução do público jovem 84
4.1.2. O Twitter e a profusão de informações ambientais na web 90
4.2. OS COMENTÁRIOS DOS LEITORES E O ESPAÇO DA RECEPÇÃO 97
4.2.1 Comentários dos leitores em Globo Amazônia 99
4.2.2. Comentários dos leitores em O Eco Amazonia 101
4.3 NOVOS CAMINHOS À PRODUÇÃO E RECEPÇÃO DO WEBJORNALISMO
AMBIENTAL
103
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 106
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 111
ANEXOS 116
11
1. INTRODUÇÃO
A Amazônia é percebida por quem a contempla, como uma grandeza pura: é grande, é enorme, é terra-do-sem-fim. Sua concepção está associada geralmente a outros qualificativos: rica, incomparável, bela, misteriosa, inferno, paraíso. Algo que embora próximo, está distante, como um outro mundo. Locus do devaneio, cujas medidas físicas desaparecem e cujos contornos se tornam esfumados, graças a um livre pacto entre imaginário e realidade. (João de Jesus Paes Loureiro)
A região amazônica figura no centro das atenções mundiais há pelo menos três
décadas, quando se intensificaram as preocupações com o meio ambiente ante a pressão
exercida pelo homem. Descobertas científicas acerca do esgotamento das fontes de
recursos naturais em nível planetário e eventos como a Rio-92 reforçaram o alerta
mundial em torno da urgência da questão ambiental. Desde então, conceitos como
“desenvolvimento sustentável”, “biodiversidade” e “efeito estufa”, entre outros, saíram
dos seus campos de origem para assumir significados que passaram a ser do
conhecimento dos mais diversos públicos.
O interesse dos meios de comunicação pela região produziu uma “Amazônia
midiática”, ora apresentada como o santuário que guarda a última grande floresta
tropical do planeta, ora como região violenta e dominada por conflitos agrários. Os
meios de comunicação têm contribuído, em diversas situações, para reforçar o
imaginário sobre a região, como o de “terra sem lei”, “inferno verde”, “eldorado”,
“floresta a ser desbravada”, entre outros. É essa Amazônia exposta ao público pelo
campo midiático, muitas vezes de forma contraditória e superficial, que nos interessa
nesta pesquisa.
Para Baczko, o imaginário social elaborado e consolidado por uma coletividade
é uma peça efetiva do dispositivo de controle da vida coletiva e, em especial, do
exercício da autoridade e do poder. Ao mesmo tempo, ele torna-se o lugar e o objeto dos
conflitos sociais. “O imaginário social torna-se inteligível e comunicável através da
produção de discursos nos quais e pelos quais se efectua a reunião das representações
colectivas numa linguagem” (1994, p.310).
Pesquisas anteriores investigaram discursos sobre a Amazônia nos meios de
comunicação tradicionais, como jornal impresso, televisão e rádio. Autores como Costa
12
(2006, 2008), Dutra (2003, 2009) e Santos J. (2002) realizaram estudos que
colaboraram para a compreensão e desconstrução dos estereótipos que fundamentam
reportagens sobre questões ambientais amazônicas.
Nesta dissertação o interesse da pesquisa se voltará especificamente para a mais
nova forma de jornalismo: o webjornalismo, ou jornalismo online, que começou a se
firmar há cerca de dez anos1 e hoje assume papel de relevância enquanto fonte de
informação para o público brasileiro que dispõe de acesso à rede mundial de
computadores.
Foi a partir do cenário da internet que se definiu o objetivo central de
investigação: recolher, analisar e interpretar os sentidos atribuídos à Amazônia e à
sociedade que vive na região em reportagens ambientais publicadas na web. Será
verificada também a participação do público nesse processo de comunicação, com
enfoque na interatividade e demais características específicas do webjornalismo,
estudadas por Palácios (1999, 2002) e Mielniczuk (2001, 2003, 2008).
A pesquisa que embasa esta dissertação está centrada nos sites Globo Amazônia,
Amazônia.org e O Eco Amazonia2, que têm produção jornalística exclusivamente
voltada para a cobertura ambiental. São, portanto, objetos propícios à investigação das
novas configurações da produção jornalística e do formato adotado na internet; dos
discursos sobre a Amazônia e os amazônidas3 no webjornalismo ambiental e sobre o
lugar da recepção peculiar a essa forma de jornalismo.
Não procurarei definir nesta pesquisa o que a Amazônia significa para a
biologia, a geografia ou as ciências ambientais, mas os sentidos que o jornalismo online
capta em todos esses campos4 para apresentar o produto jornalístico “Amazônia” ao
1No Brasil, o primeiro jornal a ter sua versão digital foi o Jornal do Brasil, lançada em 28 de maio de 1995. Inicialmente, os jornais faziam apenas a transposição do conteúdo impresso para a internet. 2 Em O Eco Amazonia, a grafia de Amazônia é utilizada sem acento, como no espanhol, para sinalizar que o projeto abrange todos os países da Pan-Amazônia, segundo informação do editor do site, Gustavo Faleiros. 3No texto Eu sou amazônida, e você? Lúcio Flávio Pinto, jornalista paraense, defende a denominação amazônida por conta das especificidades históricas da região. Ao ser perguntado “O que significa ser amazônida, visto que todos somos brasileiros?”, observou que “primeiro por sermos o Brasil tardio, a última região que se tornou brasileira no Império (e, ao tentar se integrar, durante a Cabanagem, foi reprimida brutalmente pelo governo do Rio de Janeiro). E que permaneceu à parte até o advento da República, como se fosse um anexo nacional. E, segundo, porque somos uma região dominada pela floresta num país de bandeirantes, quase sinônimo de predador de gente e predador de mata. Somos a última possibilidade de civilização florestal. Não só no país, é bom acrescentar: na história do gênero humano”. Ver em http://www.acessa.com/gramsci/?id=514&page=visualizar, acesso em 05.06.2010. 4 Bourdieu denomina campo social como um campo de forças, quer dizer, “como um conjunto de relações de forças objetivas impostas a todos os que entram nesse campo e irredutíveis às intenções dos agentes individuais ou mesmo as interações diretas entre os agentes. [...] A posição de um determinado agente no
13
público. Embora o senso comum associe a Amazônia somente à maior floresta tropical
do mundo, é preciso considerar que, além das riquezas naturais, a região tem mais de 15
milhões de habitantes5, a maior parte vivendo em condições precárias nas zonas
urbanas.
Também é na Amazônia que se encontram os piores índices de saneamento
básico do Brasil. O fato de somente 13,5% das casas terem rede de esgoto, segundo o
IBGE6, acarreta efeitos diretos nas condições de saúde da população. De acordo com a
mesma pesquisa, foi no Norte que o desemprego mais cresceu em 20097. Já um estudo
recente publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)8 revelou que
50% dos brasileiros que vivem na Amazônia não têm conta bancária, outro forte indício
da exclusão socioeconômica em que se encontra grande parte da população.
O advento da internet e a possibilidade de produção de uma comunicação mais
participativa e pluralista vêm entusiasmando profissionais e pesquisadores do
jornalismo. Para os estudos da comunicação, trata-se de uma proposta particularmente
interessante por vir corroborar o rompimento do padrão instrumentalista de
comunicação vigente durante a maior parte do século XX, em que o emissor é dotado de
plenos poderes para repassar sua mensagem a um receptor apático e pouco
questionador9. No ambiente da web, o receptor pode tornar-se também emissor –
opinando sobre textos jornalísticos, criando seu próprio blog ou participando de redes
sociais, por exemplo –, o que traz à tona uma mudança significativa em relação ao
paradigma dos meios de comunicação tradicionais.
Moraes descreve a internet como um “ecossistema digital caracterizado por
arquitetura descentralizada, multiplicação de fontes de emissão, disponibilização
ininterrupta de dados, sons e imagens, utilização simultânea e interações singulares”
(2007, p.1). Para o autor, essas características voltadas à descentralização da emissão
espaço social pode assim ser definida pela posição que ele ocupa nos diferentes campos, na distribuição dos poderes que atuam em cada um deles” (BOURDIEU, 2004, p.134). 5 População estimada pelo IBGE em 2009. 6 Informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD – 2009), divulgados no segundo semestre de 2010. 7 Ver em: http://noticias.uol.com.br/especiais/pnad/2010/ultimas-noticias/2010/09/08/regiao-norte-foi-onde-o-desemprego-mais-cresceu-em-2009-diz-ibge.jhtm. Acesso em 08.09.2010. 8 Ver: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=6786:uol-quase-40-da-populacao-brasileira-nao-tem-conta-em-banco&catid=159:clipping&Itemid=75. Acesso em 15.01.2011. 9 A teoria hipodérmica parte da ideia behavorista de que a toda resposta corresponde um estímulo. Os indivíduos são estudados de acordo com suas reações aos estímulos recebidos. A teoria influenciou o pensamento comunicacional a partir do início do século XX. A audiência é vista como uma massa amorfa que responde de maneira imediata e uniforme a todo estímulo recebido.
14
favorecem o desenvolvimento de uma comunicação alternativa, permitindo experiências
de produção e difusão informativa com sentido contra-hegemônico.
Pierre Levy, um dos estudiosos mais otimistas em relação às novas mídias,
defende a necessidade de reconhecimento de dois pontos importantes sobre o tema, na
sua conhecida obra Cibercultura.
Em primeiro lugar que o crescimento do ciberespaço resulta de um movimento internacional de jovens ávidos para experimentar, coletivamente, formas de comunicação diferentes daquelas que as mídias tradicionais nos propõem. Em segundo lugar, que estamos vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação, e cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais positivas deste espaço nos planos econômico, político, cultural e humano (LEVY, 2000, p.11).
Trabalhar com jornalismo na região amazônica nos últimos dez anos me
permitiu refletir sobre a responsabilidade da comunicação diante do panorama
socioeconômico que já abordamos, marcado por profunda desigualdade social,
devastação ambiental, fragilidade das instituições públicas e do ordenamento político.
Além disso, revela-se, na região, a concentração dos meios de comunicação tradicionais
sob o poderio das elites político-econômicas, o que contribuiu para a consolidação da
lógica da lucratividade e do benefício do interesse privado na atuação da imprensa local.
Com alguma experiência em webjornalismo desenvolvida em oito anos de
trabalho nas assessorias de comunicação da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp) e da Universidade Federal do Pará (UFPA), pude constatar o alcance da
internet enquanto instrumento de democratização da informação e do conhecimento.
No caso da UFPA, o jornal impresso Beira do Rio, em que atuei como jornalista,
se constitui como uma das principais publicações de divulgação científica da instituição.
Com a criação da versão online do jornal, em 2005, houve um alargamento importante
do seu alcance, principalmente para o público externo à UFPA. Pesquisas realizadas
pela universidade, com ênfase na temática amazônica, divulgadas na versão online do
jornal, ganharam repercussão em publicações de outros estados e até mesmo em
Portugal, o que contribuiu para minhas reflexões sobre o caminho de possibilidades
aberto pela rede.
Dessa forma, considero inegável a importância da internet para a exposição de
ideias, divulgação de informações e posicionamentos que possam ser gerados e
amadurecidos na própria Amazônia. No que tange ao webjornalismo, esse potencial
15
começa a ser aproveitado por alguns jornalistas da região em seus blogs e sites10. Várias
instituições de ensino e pesquisa também passaram a utilizar a rede para produzir e
divulgar notícias apuradas por suas equipes de comunicação com objetivo de divulgar
externamente sua produção de conhecimento.
Mas pensar a internet e o webjornalismo como instrumentos de fortalecimento
da democracia exige profundo senso crítico. O surpreendente desenvolvimento das
tecnologias da comunicação está diretamente ligado ao avanço da globalização que,
como apontava o geógrafo Milton Santos, exacerbou a concentração de riqueza e poder.
O triunfo da técnica, a onipresença da competitividade, o deslumbramento da instantaneidade na transmissão e recepção das palavras, sons e imagens e a própria esperança de atingir outros mundos contribuem, juntos, para que a idéia de velocidade esteja presente em todos os espíritos e a sua utilização constitua uma espécie de tentação permanente. Ser atual ou eficaz, dentro dos parâmetros reinantes, conduz a considerar a velocidade como uma necessidade e a pressa como uma virtude. Quanto aos demais não incluídos, é como se apenas fossem arrastados a participar incompletamente da produção da história (SANTOS M., 2002, p.162).
A internet vem sendo debatida como a nova “esfera pública virtual”, numa
comparação com a esfera pública de Habermas11. Estaríamos caminhando, no mundo
contemporâneo, para a criação de uma ciberdemocracia ou democracia digital. No
entanto, é preciso considerar, principalmente no âmbito da região amazônica, a
dimensão da exclusão digital, problema que atinge fortemente sua população. Maia
(2000, p.5) observa que o potencial da internet para expandir os fóruns conversacionais
faz emergir inevitavelmente o problema do acesso.
Em termos ideais, a aproximação das condições de universalidade do discurso significa, em primeiro lugar, que não pode haver barreiras excluindo certas pessoas ou grupos do debate. Supõe idealmente a inclusão de todos aqueles concernidos ou afetados. Vários críticos já objetaram que o acesso profundamente desigual às tecnologias da comunicação cria novas e severas assimetrias entre os “plugados” e os não “plugados” ou destituídos das tecnologias da informação. (MAIA, 2000, p.5)
10 Alguns exemplos são o site Jornal Pessoal (www.lucioflaviopinto.com.br), o blog Quinta Emenda (www.quintaemenda.blogspot.com), que funcionou até o falecimento do jornalista Juvêncio Arruda, em 2009, o Hupomnemata (http://hupomnemata.blogspot.com/), assinado por Fábio Castro, jornalista e professor da Universidade Federal do Pará, o Blog da Franssinete Florenzano (http://www.uruatapera.com/blog/blog.asp) e o Blog da Repórter, de Rita Soares (http://blogdareporter.blogspot.com/). 11 A esfera pública é caracteriza como o lócus da comunicação, espaços nos quais as pessoas discutem questões de interesse comum, formam opiniões e planejam ações. A definição de esfera pública, desenvolvida na obra Mudança Estrutural da Esfera Pública (1964) e em Democracia e Direito (1992), refere-se ao espaço do debate, fora das arenas formais do sistema político, onde as atividades das autoridades políticas podem ser confrontadas e criticadas por meio do argumento racional e livre.
16
Calcula-se que, no Brasil, já existam mais de 70 milhões de pessoas que utilizam
a internet em algum ambiente (casa, trabalho, escola, lan houses, entre outros
espaços)12. No entanto, a região Norte do país responde por apenas 3,24% dos acessos13,
sendo a que apresenta o pior índice em todo o cenário nacional. Enquanto isso, a região
Sudeste, primeira colocada, responde por 61, 25% da totalidade de acessos, o que revela
um quadro de profunda desigualdade também no que diz respeito à internet.
Além da questão do acesso é preciso levar em conta as habilidades necessárias
para a participação plena do cidadão/internauta nos espaços de debate criados na web.
Assim, programas de inclusão digital que não levem em consideração, por exemplo, a
qualificação do uso da internet pouco poderão contribuir para uma ampla participação
na esfera pública virtual.
Com base na explanação acima, algumas perguntas cruciais surgiram ainda no
início desse estudo. Elas nortearam a escolha do objeto e toda a problematização
motivadoras do meu interesse pelos discursos sobre a Amazônia no webjornalismo. São
as seguintes questões: a) Diante das novas possibilidades geradas pela internet, como o
jornalismo ambiental poderá fomentar o debate democrático em torno das questões
socioeconômicas, políticas e ambientais atreladas à condição de subdesenvolvimento da
Amazônia? b) O formato do webjornalismo, com a utilização de mecanismos de
interatividade, poderá favorecer a afirmação de discursos da Amazônia ou o discurso
exógeno permanecerá conduzindo o que se diz sobre as questões amazônicas nas
coberturas jornalísticas? c) Quais as reais chances de participação efetiva da diversidade
de atores que compõem a sociedade amazônica no debate promovido pelo
webjornalismo?
A internet tem funcionado como um importante canal de divulgação das
temáticas ambientais em todo o mundo. São encontradas na web informações sobre
meio ambiente produzidas por institutos de pesquisa, ONGs, órgãos públicos, redes de
comunicadores e via imprensa especializada, como é o caso dos sites investigados neste
estudo.
12 Dados divulgados pelo Ibope Nielsen Online em 18.03.2011, com base em pesquisa realizada no último trimestre de 2010. 13 É o que aponta a pesquisa Hitwise, divulgada pela Serasa Experian em março de 2011. Ver em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2011/04/presenca-da-regiao-norte-na-internet-brasileira-cresce-19-diz-pesquisa.html. Acesso em 18.03.2011.
17
O jornalismo ambiental se constitui, então, como uma das categorias do
chamado jornalismo especializado. No Brasil, ele ganhou espaço à medida que as
questões ambientais passaram a preocupar os diversos setores da sociedade. Bueno
(2007, p.35) observa que, como as demais formas de jornalismo, ele está presente em
diferentes mídias, como jornais, revistas, rádio, televisão, sites etc. A cobertura
jornalística ambiental pode aparecer ao lado de outras coberturas, como acontece em
jornais e revistas de informação geral, ou constituir-se como foco exclusivo de uma
publicação, são as chamadas mídias ambientais.
O Jornalismo Ambiental é o processo de captação, produção e circulação de informações (conhecimentos, saberes, resultados de pesquisas, etc.) comprometidas com a temática ambiental e que se destinam a um público leigo, não especializado. (...) É preciso deixar claro, de imediato, que o saber ambiental é resultado da articulação de múltiplos saberes, com forte e benéfica influência dos saberes, experiências e conhecimentos tradicionais. Mídias conservadoras e comunicadores desavisados tendem muitas vezes, a ignorar as raízes do jornalismo ambiental, sua disposição irrecusável para a mobilização e para o despertar de consciências, tentando torná-lo refém de ações mercadológicas ou empresarias e interesses políticos (BUENO, 2007, p.35-36).
Diante dessa primeira visão, percebe-se que o jornalismo ambiental já nasce com
um enfoque de engajamento em relação à causa ambientalista. Assim, a internet é
especialmente valorizada pelos jornalistas ambientais por seu alcance mundial e
capacidade inerente de gerar interconexão com o movimento ambiental, ONGs, e
instituições de pesquisa da área, tanto no âmbito nacional quanto internacional. Os
jornalistas ambientais têm marcado presença na web por meio de sites, blogs e
experiências como a Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental14, que, no inicio de 2011,
já reunia mais de 90 jornalistas de todo o Brasil por meio da internet.
O jornalismo na web pode ser considerado um fenômeno em construção.
Embora exista há dez anos, ainda estão em desenvolvimento meios que incentivem a
participação do leitor nas discussões das temáticas abordadas e outros mecanismos de
diferenciação em relação, principalmente, ao jornalismo impresso. Essa evolução
depende de diversos fatores, que vão do avanço tecnológico da internet até a própria
capacidade de adaptação dos jornalistas às novas formas de participação disponíveis.
Desse modo, é lícito crer que as investigações científicas realizadas na
atualidade poderão contribuir para o engajamento dessa forma de jornalismo no
14 Ver em http://groups/rbja/home.
18
necessário debate sobre democracia, participação social e sobre o papel da comunicação
nesse processo que tanto precisa avançar, principalmente na Região Amazônica.
A cobertura jornalística sobre meio ambiente na Amazônia tem sido alvo de
críticas contundentes quando se enfocam os meios de comunicação tradicionais. Entre
os problemas constatados está a reiteração de um padrão de reportagens que apresenta a
região de forma estereotipada, homogênea em suas características ambientais, culturais
e socioeconômicas, com destaque para as imagens que enfatizam a abundância de
recursos naturais ou a destruição da natureza, dependendo do teor do material
jornalístico.
Pesquisas sobre os sentidos da Amazônia na televisão destacam que os discursos
emitidos são produzidos a partir de significados pré-existentes no imaginário social. A
mídia os reelabora com as marcas de suas condições próprias de produção,
acrescentando o caráter da sedução, por meio da espetacularização que compromete o
teor informativo. “Os produtos da mídia são produtos de uma indústria de informação e
entretenimento, logo, não objetivam a uma causa, porém destinam-se ao mercado de
bens simbólicos. E deste mercado partem coerções determinantes de suas condições de
produção e circulação” (DUTRA, 2003, p.176).
No estudo que analisou notícias sobre desmatamentos e queimadas na
Amazônia, da década de 1970 até os anos 2000, Costa retoma Foucault para observar
que o discurso jornalístico do período foi construído a partir de três formações
discursivas principais: o discurso político, o discurso científico e o discurso ambiental
das ONGs.
Essa tendência, provavelmente, será mantida pelos próximos anos, pois trata-se das vozes detentoras do conhecimento específico sobre o tema. Pode-se antever, no entanto, o acirramento dessa disputa discursiva (já existente, mas ainda muito desigual, porque baseada em relações diferenciadas de poder) que envolve também outros segmentos sociais: pequenos agricultores, fazendeiros, madeireiras, ribeirinhos e índios (COSTA, 2008, p.67).
Questão também recorrente é a exclusão ou invisibilidade da população
amazônica no noticiário. Sabe-se que a necessidade de enquadramento midiático
impede uma concepção mais abrangente sobre a Amazônia e, em geral, não comporta a
complexidade dos seus ecossistemas e a diversidade das suas populações. Também não
costumam sobressair as visões de mundo, críticas e pontos de vista dessas pessoas, que
muitas vezes são entrevistadas apenas para confirmar uma expectativa previamente
19
concebida. A complexidade da realidade amazônica fica clara no mapeamento realizado
por Castro, ao tratar sobre as reorganizações identitárias na Amazônia brasileira.
Efetivamente, pode-se dizer que, em função das políticas de isolamento e da diversidade biótica, cada ecossistema amazônico abrigou uma população específica. Como resultado dessa conjunção de fatores, pode-se mapear, na Amazônia atual, dentre essas populações tradicionais, 170 diferentes povos indígenas, com uma população de 180 mil indivíduos; 375 comunidades provenientes de antigos quilombos e mais de 15 mil diferentes comunidades de ribeirinhos, seringueiros, castanheiros, balateiros, babaçueiros, dentre outros (CASTRO, 2009, p.4).
Ao analisar o noticiário ambiental de jornais nacionais e locais, Santos também
adverte sobre o apagamento da experiência urbana da Amazônia. As cidades e suas
histórias não integram a narrativa jornalística. A pesquisadora acredita que até por conta
da ideia de vazio populacional, criou-se a necessidade de publicar explicações
“importadas” sobre os problemas regionais na imprensa.
A Folha de São Paulo adota este “olhar” da sociedade mais desenvolvida (totalmente urbana) para reportar a Amazônia. Ao falar da floresta amazônica, apaga a experiência urbana da mesma. Fala sobre as populações tradicionais, mas não dá às mesmas a condição de falar. Há um vazio sobre este aspecto – neste ponto, a FSP se assemelha aos jornais regionais (SANTOS V. J., 2003, p.127).
Passemos agora a uma breve apresentação dos sites que compõem este estudo.
No primeiro capítulo eles serão analisados de forma detalhada, com base nas principais
características do jornalismo ambiental e do webjornalismo. O site Amazônia.org15
apresenta notícias ambientais sobre a região produzidas por sua equipe jornalística e
também por agências de notícias do Brasil. É uma iniciativa que está vinculada à ONG
Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, que foi criada em 1989 e atua na promoção de
interesses como direitos humanos, cidadania e desenvolvimento sustentável, a partir da
valorização do capital natural.
O site Globo Amazônia16 foi lançado em sete de setembro de 2008, no portal G1,
pertencente às Organizações Globo. Sua estreia, apresentada no programa dominical
Fantástico, teve grande repercussão por agregar as mídias da Rede Globo em torno da
questão amazônica. O lançamento do site marcou o início da apresentação de uma série
de matérias produzidas na região e de uma campanha pela preservação das florestas.
15 Esse site pode ser acessado em http://www.amazonia.org.br. 16Acessar o site em HTTP://www.globoamazonia.com.
20
O Eco Amazonia17 é a terceira experiência que interessa à análise realizada nesta
dissertação. Está vinculado ao site O Eco, “um projeto de jornalismo ligado ao meio
ambiente, que trata de qualquer assunto, mas tendo como ponto de vista a conservação
da natureza. Desta perspectiva editorial, está aberto às opiniões divergentes, acolhe
controvérsias e estimula debates”, de acordo com informações que constam na sua
apresentação oficial. Publica reportagens, crônicas, ensaios e artigos acadêmicos.
Quanto à problematização, fica claro que, diante da expectativa em torno da
construção de um novo jornalismo na internet, esta pesquisa procura investigar a
existência de possíveis rupturas que impliquem a quebra dos padrões jornalísticos
vigentes na cobertura do meio ambiente na Amazônia. Cabe questionar se as
transformações proporcionadas pela internet fomentam um jornalismo de melhor
qualidade e um noticiário mais pluralista sobre os temas amazônicos, capaz de levar em
consideração o fator humano e contar com a participação efetiva da sociedade
amazônida na sua diversidade de posicionamentos.
Os objetivos que estão na centralidade deste estudo são: descrever e analisar os
formatos dos três sites selecionados nesta pesquisa tendo como referência as principais
características do webjornalismo apontadas na revisão bibliográfica do tema:
interatividade, hipertextualidade, convergência, memória, personalização e atualização
contínua. Além disso, pretende-se analisar as condições de produção em cada uma
dessas experiências, o que também envolve a situação socioeconômica, histórica e as
condições de trabalho presentes em cada site jornalístico.
Também é intenção prioritária investigar os discursos sobre meio ambiente e
sociedade na Amazônia presentes na cobertura, verificando a participação da população
amazônica enquanto fonte de informações das reportagens. Perceber se, ao utilizar
ferramentas de interação próprias da internet, o webjornalismo inclui experiências,
pontos de vista e propostas elaborados na própria região ou se prevalece uma
abordagem exógena das temáticas selecionadas. Por fim, procura-se refletir sobre as
especificidades da recepção no jornalismo online, por meio da análise dos comentários
postados pelo público em reportagens publicadas nos sites e por meio das redes sociais
(Orkut, Twitter, Facebook e Youtube).
17 Ver em: HTTP://www.oecoamazonia.com.
21
Trabalhar-se-á com a hipótese de que as características do jornalismo na internet não
são utilizadas de forma apropriada pelos sites que enfocam a cobertura ambiental da
Amazônia, principalmente no que se refere à interatividade com o leitor da região.
Também se acredita que o distanciamento entre as redações dos sites pesquisados e a
Amazônia compromete a qualidade da produção jornalística e colabora para reforçar
antigos estereótipos sobre região. O jornalismo online favoreceria as mesmas fontes
consolidadas pelo jornalismo tradicional quando se abordam questões ambientais
relacionadas à Amazônia, tais como os representantes dos governos, de institutos de
pesquisa e as ONGs ambientalistas.
No que diz respeito à metodologia da pesquisa, apresenta-se como desafio analisar
formato, conteúdo jornalístico e recepção dos sites Globoamazônia, Amazonia.org e O
Eco Amazonia. Assim, será utilizada uma combinação de metodologias qualitativas para
investigar os formatos das primeiras iniciativas de cobertura voltadas exclusivamente
para a Amazônia no jornalismo online, bem como para analisar os discursos sobre meio
ambiente e sociedade presentes nos textos publicados, além de verificar a participação
do público no processo jornalístico.
Inicialmente, será realizada a revisão bibliográfica relativa ao tema, que inclui
pesquisadores como Palácios (1999, 2002) e Mielniczuk (2001, 2002, 2008), Santos
A.L. (2002), Dalmonte (2007) e Maia (2000), todos eles especialistas nos estudos em
jornalismo na web e cibercultura no Brasil e em Portugal. Por sua vez, Wolton (2006),
Gomes (2005) Castells (1999), Martín-Barbero (2003, 2004, 2006) e Moraes (2007)
fornecem um panorama de fundamental importância sobre a inserção das novas
tecnologias da comunicação no cotidiano da sociedade e da política, além de uma visão
crítica sobre as promessas da internet para a democracia.
Com o suporte dessa bibliografia, serão analisados os formatos e projetos editoriais
adotados em Globo Amazônia, Amazônia.org e O Eco Amazonia. Essa fase envolve a
descrição das principais características e mecanismos de interatividade disponibilizados
nas três experiências.
A pesquisa de campo abrange entrevistas realizadas nas sedes dos sites com os
principais responsáveis pela produção jornalística, como repórteres e editores. Utiliza-se
ainda a própria internet para coletar informações com os jornalistas, especialmente no
caso de O Eco Amazonia, que não possui sede própria. O objetivo é observar o
cotidiano das redações e averiguar as condições de produção em que essas experiências
estão envolvidas.
22
A etapa seguinte volta-se para a análise do corpus de textos jornalísticos dos sites. A
metodologia está centrada na análise do discurso, tendo como principais referências as
categorias dialogismo, polifonia e interdiscurso de Bakhtin (1981), formações
discursivas em Foucault (1996, 2008) e silenciamento e censura em Orlandi (2007).
Também tem fundamental importância nessa fase da pesquisa as reflexões de
Charaudeau (2009) sobre os discursos das mídias, bem como as pesquisas acadêmicas
de Neves (2009), Dutra (2003, 2009), Costa (2006) e Santos (2002), sendo que os três
últimos pesquisadores citados trabalham a análise do discurso especialmente em textos
midiáticos sobre a área ambiental.
Nessa fase, serão discutidos os sentidos atribuídos à Amazônia nas notícias
publicadas nos sites, buscando investigar a presença do fator humano na cobertura
jornalística e a participação da população amazônica enquanto fonte de informações das
reportagens selecionadas, bem como a importância atribuída aos discursos provenientes
dos diversos campos sociais (científico, ambientalista, governamental, etc.) que se
entrecruzam nos textos jornalísticos.
Por fim, serão analisados os comentários dos usuários nas reportagens abertas à
opinião do público, a participação deles nas comunidades de O Eco Amazonia, Globo
Amazônia e Amazônia.org no Orkut, assim como nos microblogs do Twitter. A idéia é
mapear, na rede, os espaços utilizados para a discussão sobre o material jornalístico
publicado nos sites e refletir sobre aspectos relevantes da recepção.
23
2. CARACTERÍSTICAS E FORMATOS DO WEBJORNALISMO AMBI ENTAL
EM TRÊS EXPERIÊNCIAS
No fundo a comunicação levanta a questão da relação entre
eu e o outro, entre eu e o mundo, o que a torna indissociável
da sociedade aberta, da modernidade e da democracia.
Embora a economia e as técnicas prevaleçam hoje, nunca se
deve perder de vista a perspectiva antropológica e
ontológica da comunicação. (Dominique Wolton)
2.1. JORNALISMO EM TRANSFORMAÇÃO
O campo do jornalismo vem passando por transformações cruciais nos últimos anos,
e a popularização da internet tem papel fundamental nesse quadro. O telejornalismo e o
radiojornalismo já não podem ser considerados os meios de comunicação mais rápidos
na cobertura dos acontecimentos factuais. O jornalismo impresso contabiliza a queda de
circulação de exemplares dos jornais diários em todo o mundo, e até jornais de grande
porte enfrentam crises financeiras que ameaçam sua continuidade. O francês Le
Monde18, colocado à venda no mês de junho de 2010, é um exemplo. A crise financeira
do jornal demandou uma recapitalização no valor de 100 milhões de euros.
No Brasil, também existe tendência de queda da circulação dos jornais diários,
sobretudo daqueles que foram líderes de vendagens durante muitos anos. Em 2009,
nenhum jornal brasileiro ultrapassou a marca dos 300 mil exemplares diários, inclusive
a Folha de São Paulo, o mais vendido do país, que ficou em 295 mil. No Pará, o jornal
Diário do Pará teve média de tiragem de pouco mais 29 mil exemplares em agosto de
2009, ficando na 41ª posição do ranking nacional19. Embora a internet não seja a única
responsável pela queda de circulação dos impressos, visto que a crise de credibilidade
da imprensa é inegável, as novas mídias vêm provocando questionamentos e a
necessidade de renovação do modelo de jornalismo praticado na atualidade.
18 Informações de O Globo (http://oglobo.globo.com/economia/mat/2010/06/04/le-monde-nao-resiste-crise-e-colocado-venda-916786345.asp), acessado em 10.07.2010. 19 Dados publicados no Jornal Pessoal de 01.11.2009, http://www.lucioflaviopinto.com.br/?p=1154, consultado em 20.08.2010.
24
No Brasil, o primeiro jornal a ter página na internet foi o Jornal do Brasil20, lançada
em maio de 1995. Devido a uma grave crise financeira o JB anunciou, em julho de
2010, o fim da sua versão impressa e passou a ser veiculado apenas na internet. Em
1996, ocorreu a primeira cobertura em tempo real, na América Latina, em língua
portuguesa, lançada pelo Universo Online (UOL), incluindo material produzido por
agências de notícias, fotos, gráficos e ilustrações. A página também oferecia material
jornalístico em áudio e vídeo como forma de complementar os textos publicados21.
No Pará, a versão online do jornal Diário do Pará foi criada no final da década de
1990, enquanto o lançamento do portal Diário Online22, ocorreu em 2010. O portal das
Organizações Romulo Maiorana23, que reúne os veículos impressos (O Liberal e
Amazônia Jornal), rádios Liberal AM e FM e a TV Liberal, foi criado em 2003.
Anteriormente, foi desenvolvida a primeira versão online do jornal O Liberal, lançada
em 1996.
Nenhum dos dois maiores grupos de comunicação do estado desenvolve iniciativas,
na internet, voltadas exclusivamente para a cobertura do meio ambiente na Amazônia.
Assuntos ambientais são abordados geralmente nas editorias de atualidades sem a
atenção especial que deveriam receber até por conta das especificidades da pauta
ambiental no Pará, estado mais populoso da região amazônica e segundo maior em
extensão territorial. Tome-se, como exemplo, a polêmica em torno da construção da
Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu.
Os primeiros jornais que surgiram na internet faziam a transposição de seu conteúdo
impresso para a internet sem adotar formatos diferenciados para se adaptar às
necessidades do internauta. A atualização desses jornais seguia o tempo da publicação
impressa, chegando a ocorrer apenas a cada 24 horas. Mielnickzuk (2003) caracteriza
essas experiências como “webjornalismo de primeira geração”.
20 A página do Jornal do Brasil pode ser acessada em HTTP://www.jb.com.br. 21 Relato do “Guia de estilo Web: produção e edição de notícias on-line”, de Luciana Moherdaui. O portal UOL pode ser acessado em HTTP://www.uol.com.br . 22 Acesse: HTTP://www.diarioonline.com.br 23 Acesse: HTTP://www.orm.com.br
25
Os produtos desta fase, em sua maioria, são simplesmente cópias para a web do conteúdo de jornais existentes no papel. A rotina de produção de notícias é totalmente atrelada ao modelo estabelecido nos jornais impressos e parece não haver preocupações com relação a uma possível forma inovadora de apresentação das narrativas jornalísticas. A disponibilização de informações jornalísticas na web fica restrita à possibilidade de ocupar um espaço, sem explorá-lo enquanto um meio que apresenta características específicas. (MIELNICZUK, 2003, p.8)
Quando o jornalismo, mesmo vinculado ao modelo impresso, começa a
experimentar as ferramentas próprias da web surge o que se classifica como
“webjornalismo de segunda geração”. As potencialidades do novo ambiente começam a
fazer parte do projeto, tais como a disponibilização de hipertextos nas notícias, a
utilização do e-mail como forma de contato com os leitores e a realização de fóruns de
debate entre os internautas. Nessa fase, grande parte dos sites jornalísticos continuou
vinculada a empresas que já tinham credibilidade junto ao público e sustentação
financeira com suas publicações impressas.
Na atualidade, nem todas as experiências jornalísticas encontradas na web
podem ser caracterizadas como o que a autora denomina “webjornalismo de terceira
geração”. Por motivos que vão de defasagem técnica até a falta de qualificação da
equipe jornalística, diversos veículos ainda utilizam o espaço da web tendo o modelo do
jornalismo impresso como parâmetro, embora tentem aproveitar alguns recursos para
dinamizar o conteúdo jornalístico.
Na terceira geração, entretanto, a narrativa jornalística é necessariamente
concebida para a internet, aplicando as potencialidades desenvolvidas para gerar
sensações diferenciadas do que ocorre com o leitor do impresso.
Neste estágio, entre outras possibilidades, os produtos jornalísticos apresentam: - recursos em multimídia, como sons e animações, que enriquecem a narrativa jornalística; - recursos de interatividade, como chats com a participação de personalidades públicas, enquetes, fóruns de discussões; apresentam opções para a configuração do produto de acordo com interesses pessoais de cada leitor/usuário; - a utilização do hipertexto não apenas como um recurso de organização das informações da edição, mas também como uma possibilidade na narrativa jornalística de fatos; - atualização contínua no webjornal e não apenas na seção ‘últimas notícias’
(MIELNICZUK, 2003, p.9).
A classificação sugerida por Mielniczuk não é a única, nem utiliza como base uma
história linear do jornalismo online, mas tem o mérito de mostrar quanto é dinâmico o
processo de desenvolvimento de novos produtos jornalísticos para a internet. Dessa
forma, sites que seriam classificados como webjornalismo de terceira geração ainda
26
convivem com produtos jornalísticos de primeira geração, o que revela a diversidade de
recursos tecnológicos e financeiros envolvidos em cada experiência, além da influência
de fatores como investimento em qualificação profissional e os interesses envolvidos
em cada iniciativa desenvolvida no jornalismo online.
2.1.1 Mapeando característica do webjornalismo
Mesmo encontrando-se em pleno processo de construção e, portanto, em constante
transformação, o webjornalismo dispõe de algumas de suas características bem
definidas e estudadas. Entre as principais características descritas por Palácios (1999)
estão multimidialidade/convergência; interatividade; hipertextualidade; personalização;
memória (capacidade de armazenamento e recuperação de textos antigos); e a
instantaneidade de acesso, que possibilita atualização contínua do material informativo.
Algumas dessas características foram desenvolvidas inicialmente em outros meios de
comunicação, mas foram potencializadas de forma significativa com o desenvolvimento
da Web 2.024.
Na internet, o jornalismo agrega diversos formatos de mídia. Texto, imagem e som
em formato digital são utilizados de forma integrada e complementar gerando a
multimidialidade ou convergência. “A convergência torna-se possível em função do
processo de digitalização da informação e sua circulação e/ou disponibilização em
múltiplas plataformas e suportes numa situação de agregação e complementaridade”,
explica Palácios (1999, p.18).
As tentativas de interatividade já vinham acontecendo no rádio e na televisão, com a
participação da audiência ao vivo, e nos jornais impressos, com as seções de cartas ao
leitor. No entanto, é preciso verificar que a partir da web são desenvolvidos mecanismos
mais diversificados de interação, como os chats, salas de bate-papo, a troca instantânea
de informações por e-mail e a possibilidade de opinar sobre as notícias logo após sua
publicação nos espaços reservados para comentários dos leitores.
A questão da interatividade no webjornalismo precisa ser analisada com atenção.
Isso porque não são poucas as iniciativas que disponibilizam mecanismos que apenas
aparentemente estimulam a interação com o leitor. No entanto, eles servem mais para
24 O termo Web 2.0 é utilizado para descrever a segunda geração da World Wide Web – tendência que reforça o conceito de troca de informações e colaboração dos internautas com sites e serviços virtuais. A idéia é que o ambiente se torne mais dinâmico e que os usuários colaborem para a organização de conteúdo.
27
referendar o produto jornalístico como um veículo mais democrático e aberto ao
diálogo. É o caso de enquetes sem função e espaços de comentários que ficam
abandonados pelos produtores.
Os links ou hiperlinks são as hiperligações que possibilitam ao internauta chegar a
outros textos a partir da notícia acessada inicialmente em determinado site, gerando a
hipertextualidade. Assim, uma reportagem produzida para a web pode disponibilizar
vídeos, arquivos de som, galerias de imagens e textos sobre o mesmo tema alojados em
outros sites por meio de links. Quando bem utilizada, a hipertextualidade gera uma
narrativa jornalística mais dinâmica, interligando diversas fontes de informação.
Os hiperlinks também favorecem a interatividade e a oportunidade de escolha do
público. Navegando pelos links que dão acesso a diversos textos ou blocos de textos, o
internauta depara com novas possibilidades de leitura e pode seguir a narrativa
jornalística de acordo com o seu interesse e não necessariamente de acordo com a
linearidade do texto principal. É importante verificar, entretanto, que, embora essa
liberdade de informação seja uma das principais características da comunicação via
internet, algumas experiências jornalísticas preferem não disponibilizar hiperlinks
exteriores ao seu domínio, na tentativa de não compartilhar acessos com seus possíveis
concorrentes.
Embora ainda não seja utilizada em ampla escala no webjornalismo praticado no
Brasil, a personalização do conteúdo refere-se à possibilidade, oferecida ao internauta,
de individualizar determinado produto jornalístico de acordo com seus principais
interesses. Alguns sites de notícias permitem a seleção prévia dos assuntos e a escolha
da apresentação visual que mais agrada ao leitor. Segundo explica Palácios (2003, p.19),
“quando o sítio é acessado, a página de abertura é carregada na máquina do usuário,
atendendo a padrões previamente estabelecidos, de sua preferência”. Em outras
experiências, notícias com os principais assuntos escolhidos pelos leitores são enviadas
por e-mail.
O volume de informações disponíveis ao internauta e ao próprio jornalista pode ser
bem maior no webjornalismo do que em outras mídias. O armazenamento e a
disponibilização de notícias e outras informações em bancos de dados acessados pela
internet é mais viável tecnicamente e têm custo menor. Dessa forma, cada site
jornalístico pode ter seu arquivo vivo, disponível para consulta do usuário a qualquer
momento. Por isso, a memória é considerada outra importante característica do
webjornalismo.
28
A instantaneidade de acesso e atualização contínua do material jornalístico
permitem ao leitor acompanhar o noticiário de seu interesse com mais agilidade do que
nos meios de comunicação tradicionais. Esse é, sem dúvida, um dos fatores que vêm
contribuindo para o sucesso de muitas experiências jornalísticas na web. A velocidade
com que as informações são veiculadas na rede está de acordo com o imperativo da
rapidez das experiências humanas na contemporaneidade, questionado por pensadores
como Bauman (2001)25.
O formato assumido pelos sites jornalísticos na web, com o desenvolvimento de
dispositivos que permitem uma interação cada vez maior com o leitor, gera expectativas
em torno de um jornalismo mais participativo e pluralista, com um conteúdo embasado
na construção social do conhecimento e na livre produção, troca e circulação de
informações. Santos avalia positivamente essa característica.
O paradigma da interatividade instituído pela disseminação da Internet chama atenção para um aspecto inovador pelo que representa de ruptura com a grande mídia massiva e com as formas de controle social que ela opera. A unilateralidade do processo comunicativo por intermédio dos grandes meios de comunicação de massa gerou ferramentas teóricas e conceituais que durante várias décadas se impuseram como modelo de análise, hipervalorizando o poder de manipulação da mídia sobre uma audiência supostamente passiva, indefesa ante a ação dominadora dos meios e incapaz de interferir no processo de construção de sentido (SANTOS A. L., 2003, p.10).
A análise dos sites selecionados para compor a pesquisa será realizada inicialmente
com base nas categorias que caracterizam o webjornalismo e nos autores apresentados
até aqui, dialogando por vezes com outros referenciais teóricos ainda não citados, mas
de igual importância para a compreensão do tema proposto. Partiremos de uma
descrição aprofundada dos sites, abrangendo seu formato, objetivos e sua inserção no
panorama do jornalismo desenvolvido para a internet.
2.2 AMAZÔNIA NO WEBJORNALISMO EM TRÊS EXPERIÊNCIAS
Ao abordar o meio ambiente como temática central, os sites que constituem objeto
de pesquisa dessa dissertação têm como objetivo declarado divulgar notícias que
contribuam para a preservação da Amazônia e denunciem os graves problemas sócio-
25 Bauman cunhou a expressão Mordernidade Líquida (2001) que também intitula uma de suas principais obras, para descrever o imperativo da rapidez na vida social contemporânea e tratar de temas como Holocausto, imigrações, globalização, comunidade e consumismo.
29
ambientais da região. Fica claro o atrelamento de suas linhas editoriais ao discurso
ambientalista vigente em nível mundial. No entanto, é precioso esclarecer que embora
os três sites estejam focados na cobertura jornalística da Amazônia, seus projetos estão
vinculados a organizações com finalidades bastante diferenciadas. Com isso, temos três
projetos com modos de produção, perfis e público também diferentes.
No mês de setembro de 2010, foram realizadas entrevistas com integrantes das
equipes em São Paulo, onde funcionam as redações de Amazonia.org e Globo
Amazônia. Já o site O Eco Amazonia não conta com sede física. Os contatos com o
editor do site, Gustavo Faleiros, aconteceram por email e também no Twitter. Foram
entrevistados, ao todo, seis jornalistas. Essa etapa da pesquisa de campo teve
importância fundamental para o mapeamento dos perfis das experiências analisadas e
para a análise das condições de produção nessas iniciativas.
2.2.1 A experiência de Amazônia.org
Amazônia.org é o mais antigo dos três sites que compõem a pesquisa e pode ser
considerado um dos pioneiros na cobertura online de temas socioambientais no Brasil.
Foi criado em 1999 pela Oscip Amigos da Terra e permanece vinculado a essa
organização, que também é financeiramente responsável pelo projeto. O site publica
material jornalístico sobre a região produzido por equipe própria. Além disso, é o único
dos três projetos que tem acordo com a imprensa regional para reproduzir notícias
veiculadas nos estados da Amazônia, disponibilizando, dessa forma, um clipping diário
de notícias sobre a questão ambiental. Segundo informação da equipe, esse serviço é
bastante procurado por pesquisadores e demais interessados nas temáticas da região. O
site oferece também newsletter com acesso às principais notícias do dia. A assinatura é
gratuita no link indicado na página principal.
Uma dos motivos que levaram à criação do site é que realmente não chegava informação da Amazônia pra cá, pro sudeste. O objetivo maior é colocar a Amazônia no centro dos debates. Então ele agrega matérias dos jornais locais, além da produção da redação. Acho que esse é um diferencial do site em relação aos outros. Nós estabelecemos parcerias com os jornais da região pra reproduzir esse conteúdo, que acaba tendo um alcance maior. [...] Quanto ao nosso material próprio, também é bastante reproduzido por outros sites e boletins. Nosso conteúdo é liberado para isso, desde que sejam dados os créditos (Bruno Calixto, jornalista de Amazônia.org. Comunicação pessoal em 15.08.2010).
30
Amazônia.org se propõe a pluralizar a discussão sobre meio ambiente na
Amazônia, disponibilizando ao público informações sobre a região com “objetivo de
contribuir para o esclarecimento da estrutura de agentes públicos e privados, brasileiros
e estrangeiros que atuem na região”, como explica a apresentação do site26. No link
“Sobre o site”, a equipe do projeto se coloca à disposição de pesquisadores,
investidores, jornalistas, estudantes, viajantes e curiosos, “pois esse site é uma tentativa
de orientar o navegante para os diversos ‘mundos’ existentes na Amazônia”.
Por ocasião da visita realizada ao projeto, que funciona na sede da ONG Amigos
da Terra, em São Paulo, foi possível conhecer a redação onde trabalham os três
integrantes da equipe, os jornalistas Aldrey Richel, Bruno Calixto e Thaís Iervolino. O
programa utilizado por eles para publicar o conteúdo no site também nos foi
apresentado. O software dá autonomia para que a equipe possa editar as notícias,
utilizando fotos ou gráficos nos casos necessários. Também permite a atualização das
chamadas de primeira página, da agenda, das seções “imagem do dia”, “editorial”,
“opinião”, e “últimos estudos”. A simplicidade das ferramentas permite que a equipe
execute seu trabalho diário sem a necessidade de um profissional da área tecnológica na
redação, embora reconheçam que a presença desse profissional contribuiria para
dinamizar a produção jornalística com a utilização de recursos diferenciados.
Além de produzir as notícias, a gente auxilia a ONG com questões relativas à comunicação. No próprio site, às vezes a gente precisa pensar algumas coisas de maketing e de design. E precisamos também pensar em como a gente organiza todas essas áreas com a pouca estrutura que temos (Aldrey Riechel, jornalista de Amazônia.org. Comunicação pessoal em 15.09.2010).
Amazonia.org teve seis profissionais atuando no início do projeto, atualmente
conta apenas com os três jornalistas citados. Embora o assunto não seja tratado
abertamente nas entrevistas, fica claro que o número de profissionais que compõem a
equipe é insuficiente para os objetivos propostos no projeto. São planejadas mudanças
em 2011 que tornem o site mais dinâmico e atraente visualmente, mas, até a data das
entrevistas (15.09.2010), o projeto ainda não contava com um profissional especializado
responsável por desenvolver essa nova proposta visual, visto que a primeira permanece
praticamente inalterada há vários anos.
26 A apresentação do site está disponível em http://www.amazonia.org.br/site_info/sobreosite.cfm, consultado em 10 de agosto de 2010.
31
Figura 1 – Primeira página do site Amazônia.org
Ainda sobre o formato, o site Amazônia.org caracteriza-se pela simplicidade e
pelos poucos recursos visuais presentes. Na primeira página estão o menu principal à
esquerda, chamadas de destaque com pequenas imagens na área central, seguida de
“notícias da Amazônia” – área em que ficam os textos da imprensa da região e outras
fontes de notícias, como Agência Brasil, Terra magazine, Agência Estado, Valor
Econômico, entre outros. As seções de conteúdo editado pela equipe, como “editorial”,
“opinião”, “agenda”, “imagem do dia” e “últimos estudos” localizam-se na coluna à
direita.
32
Na primeira página de Amazônia.org também há links para os denominados sites
satélites, entre os quais está a página da ONG Amigos da Terra27, além de projetos
desenvolvidos em parceria com outras organizações. A hipertextualidade, característica
do webjornalismo discutida no início deste capítulo, permite que o internauta migre de
um projeto para outro tendo o site Amazônia.org como interconexão entre eles. Na
seção “Faça contato” está o endereço e o telefone do site, além de espaços para o envio
de mensagens à redação.
A cor verde, associada à natureza, é destaque no layout do site Amazônia.org,
aparecendo em diversos elementos da primeira página, nos títulos das chamadas de
notícias e nas denominações das diversas seções. Como veremos nas próximas páginas,
o verde também é privilegiado nos demais sites analisados, o que demonstra sua força
simbólica quando associado ao meio ambiente e à Amazônia na atualidade. Chevalier
mostra, entretanto, que nem sempre a cor verde e a própria Amazônia foram exaltadas
de forma positiva, o que ele caracteriza como uma inversão simbólica.
Nossa época celebra o verde, símbolo da natureza naturista, com uma veemência especial desde que a civilização industrial ameaça essa natureza. Dessa forma, o verde dos movimentos ecologistas vem acrescentar ao simbolismo inicial dessa cor um tom de nostalgia, como se a primavera da terra fosse desaparecer inexoravelmente sob uma paisagem de pesadelo de cimento e de aço. E o pintor ecologista Uriburu, depois de ter pintado de verde os canais de Veneza e as fontes de Paris, expõe quadros verdes que representam as espécies animais atualmente ameaçadas de extinção. Mais uma vez percebemos a inversão simbólica subjacente: pois a natureza verde não foi sempre uma imagem de apaziguadora doçura; a Amazônia, que Uriburu e os ecologistas defendem com justa causa, não faz muito tempo era chamada de inferno verde (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2009, p.942).
A simplicidade visual, a falta de recursos de interatividade e a impossibilidade
de atualização diária com conteúdo produzido pela própria equipe de jornalistas do site
verificadas em Amazônia.org estão diretamente ligadas às condições de produção que
pude averiguar na redação do projeto.
Nas páginas de notícias, o formato de Amazônia.org não traz inovações
consideráveis em relação às potencialidades da internet. Portanto, pode ser considerado
como webjornalismo de segunda geração, segundo a classificação Mielniczuk (2003). A
27
Os outros sites com links na primeira página de Amazônia.org são Balcão de Serviços para Negócios
Sustentáveis, http://negocios.amazonia.org.br/; Eco – Finanças, http://ef.amazonia.org.br/;
Compradores de Produtos Florestais Certificados, http://compradores.amazonia.org.br/;
Manejoflorestal.org, http://www.manejoflorestal.org; Rádio Amazônia, http://www.
radio.amazonia.org.br/; e Iniciativa Brasileira, http://www.iniciativabrasileira.com.br/.
33
narrativa jornalística acontece sempre em blocos de texto pequenos, excetuando-se as
entrevistas e reportagens que costumam ocupar espaços maiores. Algumas notícias
contam com fotos ou vídeos, mas não podem ser comentadas pelos leitores. A partir de
setembro de 2010 foi inserida no final dos textos uma ferramenta de compartilhamento
dos textos por meio das principais redes sociais, como Twitter e Facebook.
Um dos principais pontos positivos no que diz respeito à hipertextualidade é a
disponibilização frequente da íntegra de documentos, relatórios e publicações citados
nas notícias, seja por meio de links internos ou em sites externos. Vários desses
documentos estão em formato PDF28, o que possibilita sua transferência para o
computador do leitor. O site também dá acesso a textos opinativos sobre a Amazônia
produzidos exclusivamente para Amazonia.org ou publicados originalmente em outros
veículos.
Ainda são poucos os canais de participação e interação com o público. Os
contatos acontecem por e-mail e no microblog de Amazonia.org no Twitter. As
entrevistas realizadas com os membros da equipe demonstram que o Twitter começa a
ser pensado como um novo canal de comunicação entre leitores e jornalistas, embora
ainda prevaleça sua utilização como espaço de divulgação das manchetes do site com
seus respectivos links. A participação de Amazônia.org nas mídias sociais será avaliada
mais detalhadamente último capítulo.
A distância entre a sede da redação e a Amazônia também se reflete na produção
das notícias do site, como acontece em diferentes proporções nos demais projetos
estudados. No começo das entrevistas, os jornalistas de Amazônia.org indicaram a
utilização das tecnologias da comunicação como forma de compensar a distância física,
negando que houvesse maiores prejuízos à qualidade do material jornalístico.
De certa forma, a tecnologia, a internet, o telefone ajudam bastante. Na cobertura do Código Florestal assistimos os debates ao vivo via internet. Claro que se a gente estivesse lá, poderíamos fazer mais entrevistas e conversar diretamente com as pessoas, mas não é impossível fazer daqui. A gente fala muito por telefone com pessoas do Pará, do Acre, do Amazonas. Temos muitas fontes na região (Bruno Calixto, jornalista de Amazônia.org. Comunicação pessoal em 15.08.2010).
No entanto, no final das entrevistas com a equipe, foram relatadas as
dificuldades que ocorrem na cobertura de pautas investigativas que precisariam ser
28 Protable Document Format é o formato de arquivo portátil desenvolvido pela empresa Adobe.
34
apuradas nos locais onde se originam. A distância geográfica torna-se também
distanciamento jornalístico, principalmente nas pautas mais complexas.
Acontece de mandarem mensagens dizendo que ocorreu um assassinato em tal localidade ou um crime ambiental. São histórias que contém denúncias. A gente pede mais informações, contatos com outras fontes, mas aí a história não se completa. Precisamos sempre de detalhes, mas fica difícil conseguir. Algumas vezes pode ser um povoado sem muito acesso por telefone e se a gente estivesse na região talvez fosse mais fácil apurar (Thaís Iervolino, jornalista de Amazônia.org. Comunicação pessoal em 15.09.2010).
Esse distanciamento jornalístico é compatível com um posicionamento histórico de
diversos atores que acreditam ser possível compreender a Amazônia de fora pra dentro.
Assim, tivemos a “invenção” de uma região homogênea, rica em recursos naturais, onde
prevalece a invisibilidade humana. Por tratar-se de um dos mais antigos sites produzidos
sobre a região, sendo inclusive o primeiro que ocorre na busca do Google com a palavra
Amazônia, seria de fundamental importância a presença dos jornalistas na região, o que
proporcionaria um olhar mais abrangente sobre os temas tratados.
2.2.2 A experiência de Globo Amazônia
O site Globo Amazônia é considerado um caso de sucesso dentre os projetos da área
de internet da Rede Globo. Foi lançado em setembro de 2008 com a veiculação de uma
série de matérias no Fantástico, dentro de um projeto maior que envolveu também a TV
Globo, por meio do programa Globo Rural. O site é abrigado nos portais integrados
Globo.com e G1, das Organizações Globo, maior conglomerado de mídia da América
Latina.
Com a publicação de reportagens sobre a Amazônia veiculadas nos vários
programas jornalísticos da Rede Globo – como Fantástico, Globo Rural e Jornal
Nacional –, o site Globo Amazônia também reúne grande parte da produção da rede
sobre o tema. Além desse material, o projeto apresenta notícias produzidas por dois
jornalistas que escrevem e editam os textos. A pequena equipe conta com o apoio de
profissionais da área de webdesign do G1, o que viabiliza a utilização de ferramentas
diferenciadas em algumas notícias.
A realização de entrevistas com o editor do Globo Amazônia, Dennis Barbosa, além
do coordenador de internet da Globo em São Paulo, Eduardo Acquarone - um dos
responsáveis pela concepção do projeto – colaboraram para a compreensão de algumas
35
de suas especificidades. Um dos pontos frisados durante a entrevista foi a concepção de
um site essencialmente jornalístico e não de um projeto engajado, no sentido de
privilegiar os pontos de vista das ONGs ambientalista, por exemplo.
Existia um discurso contraditório sobre a Amazônia, um discurso pronto e uma enorme falta de dados. A cobertura da Amazônia para o grande público não é constante e achamos que mudar isso foi um grande mérito do Globo Amazônia, porque depois de dois anos temos um banco de informações jornalísticas que não é um discurso pronto, como o das ONGs, não é um discurso engajado. É, na verdade, um projeto essencialmente jornalístico (Dennis Barbosa, editor de Globo Amazônia. Comunicação pessoal em 15.09.2010).
A fala do jornalista nos remete ao mito da imparcialidade e ao formato
tradicional que prega clareza e objetividade como pressupostos para um jornalismo de
boa qualidade. Sabe-se, no entanto, que o discurso jornalístico sobre a Amazônia, como
todo texto, está impregnado de discursos já ditos em outras situações, como os discursos
ambientalista, político e científico. Ao tratar do interdiscurso, Orlandi esclarece a
historicidade contida em nossas formulações.
O dizer não é propriedade particular. As palavras não são só nossas. Elas significam pela história e pela língua. O que é dito em outro lugar também significa nas “nossas” palavras. O sujeito diz, pensa que sabe o que diz, mas não tem acesso ou controle sobre o modo pelo qual os sentidos se constituem nele (ORLANDI, 2007, p.32).
Globo Amazônia procura destacar-se por uma cobertura mais ágil e tenta agregar
elementos inovadores no que diz respeito à cobertura jornalística da temática ambiental
na rede. O design concebido para o site segue o padrão que identifica as páginas que
constituem os portais Globo.com e G129, com a mesma disposição de títulos, subtítulos,
tipologias e elementos gráficos que separam as chamadas da página principal.
A variação cromática é um dos aspectos utilizados para criar a identificação com
a questão ambiental. O verde é a cor que caracteriza o site em contraposição ao
vermelho que, em geral, é utilizado no portal G1. A cor está nas chamadas das matérias,
na linha divisória entre o conteúdo do site Globo Amazônia e os links que dão acesso ao
portal Globo.com; nos títulos das seções à direita da página; e na própria logomarca do
site, que é formada pela imagem de uma floresta densa, entrecortada por um rio que
extrapola os limites da imagem, com a palavra Amazônia escrita na diagonal.
29 Os portais Globo.com e G1 podem ser acessados em HTTP://www.globo.com e HTTP://www.g1.com.
36
A primeira página do site Globo Amazônia (figura 2) é a entrada para as
principais reportagens, seções e blogs apresentados no site. Todas as reportagens e
seções têm como temática principal a preservação ambiental da Amazônia. A página
apresenta, em geral, imagens que exploram a beleza dos recursos naturais da Amazônia
ou a destruição da floresta. Dessa forma, podemos dizer que a visualidade do site
explora o contraste entre as imagens que enfatizam a vida na floresta e as imagens que
focalizam a morte da natureza, ou seja, a devastação ambiental.
Figura 2 – Primeira página do site Globo Amazônia
37
A disposição dos elementos jornalísticos caracteriza-se por proporcionar uma
hierarquia das reportagens e facilitar o acesso às seções consideradas estratégicas pelos
editores. Na área esquerda superior da página estão as chamadas para as reportagens em
destaque no site por ordem de importância atribuída pelo editor e também em função da
atualidade da notícia. Nem sempre a manchete - chamada mais importante entre as que
são apresentadas - é a mais atual, ou seja, uma chamada mais recente pode ser colocada
abaixo da manchete, caso os editores do site julguem que o destaque deva permanecer
para a chamada anterior.
Globo Amazônia traz algumas ferramentas que possibilitam interatividade e a
participação dos leitores nas discussões propostas pelo jornalismo. O site mantém, na
primeira página, uma chamada permanente para denúncias de agressões ao meio
ambiente que tenham sido presenciadas por moradores ou visitantes da Amazônia.
“Sabe de algum crime ambiental na Amazônia? Clique para denunciar” é a chamada
que liga o internauta ao “Blog da Amazônia”, onde são postadas as denúncias,
reclamações e sugestões do público. Segundo informações da equipe, algumas matérias
foram realizadas com base em denúncias encaminhadas pelos leitores da região.
No entanto, ao analisar os mecanismos de interatividade disponibilizados ao
público, é preciso atentar ao que Fausto Neto denomina como “estratégias de
protagonização do leitor”. Ele observa que as regras para a participação do leitor como
cooperador da enunciação ainda são ditadas na esfera da produção. No caso do Globo
Amazônia, o internauta só encontrará espaço para emitir sua opinião em matérias
previamente escolhidas pela redação, onde estão sinalizadas as caixas de textos para
“Comentários do leitor”.
Nas estratégias de protagonização do leitor intensos processos de operações discursivas transformam não só a topografia do dispositivo jornalístico, mas as interações que reúnem produtores e receptores de discursos. A lógica dominante prevê uma espécie de diluição entre as fronteiras que os reúne, na medida em que os receptores são recentemente instalados no interior do sistema produtivo, enquanto co-operadores de enunciação [...]. Entretanto, é preciso não esquecer quais são as regras que definem a sua inclusão e que as escolhas de sua produção são determinadas segundo postulados que permanecem no âmbito da lógica do sistema produtivo propriamente dito (FAUSTO NETO, 2008, p.100).
No que se refere à hipertextualidade, outra das principais características do
jornalismo na web – abordada no início do capítulo – percebe-se a utilização de links
38
apenas para páginas que estão abrigadas nos portais Globo.com e G1. Essa característica
contradiz um dos maiores méritos do webjornalismo – o de possibilitar a navegação do
internauta em diversos blocos de textos ou diversas páginas que possam complementar
ou fornecer outras versões sobre a notícia original.
Refletindo sobre o webjornalismo, Dalmonte observa que a principal qualidade
do hipertexto no âmbito digital “é possibilitar a interconexão entre discursos, segundo
critérios do próprio navegador; o que caracteriza uma nova textualidade para a narrativa
do fato jornalístico” (2005, p.9).
A equipe do Globo Amazônia destaca como uma das principais novidades
implantadas no site o mapa da Amazônia com imagens de satélite atualizadas
diariamente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Com esse
dispositivo, que será analisado no terceiro capítulo, os internautas podem acompanhar
onde estão acontecendo queimadas e desmatamentos na região e realizar protestos
virtuais na internet. O aplicativo para a realização de protestos deve ser adicionado à
conta do internauta no site de relacionamentos Orkut.
Os textos apresentados no Globo Amazônia são, em geral, curtos e diretos,
seguindo a lógica pré-estabelecida de que o leitor da internet, ao passear por seus sites
favoritos em busca de informação, não dispõe de tempo para textos longos e profundos.
Trata-se do que Santos (2003) denominou como “informação fast food”.
Convém lembrar que a inexistência de limitação de espaço não tem levado necessariamente a um aprofundamento da cobertura ou a um jornalismo de tipo mais analítico. Pelo contrário, privilegia-se a instantaneidade e a quantidade de notícias em detrimento do aprofundamento. Esse procedimento coloca quase que em escala industrial a produção e disponibilização de notícias, como se a necessidade de novas informações fosse o único imperativo do jornalismo online (SANTOS A. L., 2002, p.72).
As entrevistas realizadas com a equipe do site reforçam que essa opção deverá
permanecer nos próximos anos não só em virtude da preferência por textos pequenos
atribuída ao leitor como também em vista do número reduzido de profissionais atuando
no jornalismo do site.
Globo Amazônia é financiado por meio de contrato publicitário com as empresas
Ford e Natura, sendo que esta última vem intensificando seu investimento publicitário
em veículos que abordam a questão ambiental. A Natura utiliza matéria-prima da
Amazônia em diversos produtos que comercializa e desenvolve estratégias como
estimular a reciclagem dos frascos que comercializa, por exemplo.
39
No entanto, a atuação da empresa no Pará é polêmica. Ela é criticada por não
investir na industrialização de seus produtos na região, colaborando para reforçar a
condição histórica da Amazônia como fornecedora de matérias-primas sem que se possa
usufruir dos benefícios da verticalização, como a geração de empregos diretos nas
linhas de produção. A Natura também foi acusada de utilizar os conhecimentos
tradicionais das erveiras do mercado Ver-o-Peso, em Belém, sem as devidas autorização
e remuneração. A equipe jornalística não se envolve com a captação de contratos
publicitários e não demonstra necessidade de fazer avaliações críticas sobre eles.
Sabemos que estamos numa empresa comercial, então é importante que o site tenha público, que tenha apelo, que seja um projeto interessante. E fizemos isso sem abrir mão de nada, sem abrir mão de qualidade, sem usar títulos apelativos... E hoje conseguimos um sucesso que a gente não esperava tanto [...]. A Natura e a Ford são patrocinadores do projeto e aí é um espaço que não tem nada a ver com a gente. É um empreendimento comercial, então já tem que ser lançado de forma viabilizada comercialmente (Dennis Barbosa, editor de Globo Amazônia. Comunicação pessoal em 15.09.2010).
O depoimento do editor também contribui para uma maior compreensão sobre a
falta de investimentos na produção do site, que deveria envolver a contratação de uma
equipe maior e, principalmente, os deslocamentos dos jornalistas até a região
amazônica, por exemplo. Para a lógica do mercado, é importante falar da Amazônia, já
que o tema desperta interesse nacional e internacional. No entanto, isso é feito com
visível economia de recursos humanos e materiais, o que compromete a qualidade do
jornalismo ofertado a quem procura informações sobre a realidade amazônica.
2.2.3 A experiência de O Eco Amazonia
O site O ECO Amazonia é a mais recente das experiências analisadas neste estudo.
Lançado em março de 2010, sua produção é voltada para reportagens especiais sobre a
Amazônia, diferente do que acontece, em geral, com Amazônia.org e Globo Amazônia,
que enfocam principalmente o noticiário factual em textos mais curtos. As reportagens
de O Eco Amazonia são postadas com intervalos de tempo maior, chegando a serem
atualizadas semanalmente. Além das reportagens, são publicados artigos, vídeos,
podcasts (arquivos de som com entrevistas, por exemplo) e galerias de fotografias.
Outro diferencial é a permissão para comentários do internauta em todas as reportagens
publicadas, característica de importância relevante no que se refere à interatividade.
40
O Eco Amazonia nasceu dentro do projeto O ECO, um dos mais respeitados sites
brasileiros de jornalismo ambiental, dirigido atualmente pelo jornalista Marcos Sá
Corrêa. Seu conteúdo é de responsabilidade da Associação O Eco, criada em 2004 pelos
jornalistas Manoel Francisco do Nascimento Brito Filho, Sérgio Abranches e pelo
próprio Marcos Sá Corrêa. A ONG nasceu por meio de uma doação da Fundação
Avina30 e sua continuidade é garantida pela Fundação Hewlett.
Segundo definido no site, sua equipe está empenhada na produção de notícias que
estão onde a cobertura da grande imprensa não chega.
Faz denúncias, sempre que elas parecem relevantes, mas prefere publicar boas histórias. Fala de problemas, mas gosta mesmo é de soluções. E acredita que o ambientalismo ainda é, no Brasil, uma fonte pouco explorada de grandes personagens, vidas exemplares e novidades jornalísticas. Através de seus repórteres, O ECO quer encontrá-los, para mostrar aos leitores (Seção Quem Somos, O Eco Amazonia).
Outra característica específica deste projeto é a cobertura ambiental da Pan-
Amazônia. Para isso, vem tentando estabelecer uma rede de jornalistas, pesquisadores e
líderes da sociedade civil com integrantes de todos os países da floresta amazônica.
Com aprovação de financiamento da Fundação Avina, iniciou-se a criação de uma rede
de repórteres free-lancers nos nove países e também de articulistas.
O Eco Amazonia nasceu de um projeto do jornalista Marcos Sá Correa, que é o presidente da Associação O Eco e um líder da Avina, ONG que atua em toda a América Latina. Ele propôs a criação de um site que fizesse a cobertura dos nove países que compõem a Amazônia. O Eco Amazonia pretende atuar na Amazônia como um todo porque defende a sua conservação e, para isso, temos como meta melhorar a qualidade da cobertura jornalística (Gustavo Faleiros, editor de o Eco Amazonia. Comunicação pessoal em 22.08.2010).
Segundo definição que consta na apresentação do projeto, ele pretende
satisfazer, mediante meios eletrônicos, a demanda por informação atualizada sobre a
questão ambiental da Amazônia, publicada em português, espanhol e inglês, para
facilitar as interações com o público de leitores e colaboradores da Amazônia
internacional31.
30 A Fundação Avina pode ser conhecida no site www.avina.net. 31 Ver os objetivos do projeto O Eco Amazonia em http://www.oecoamazonia.com/br/quem-somos/o-projeto-amazonia.
41
Com menos de um ano de atividade, ainda pôde ser notada certa instabilidade na
atualização de notícias no site durante o período da pesquisa, principalmente referente
aos demais países amazônicos que não o Brasil. Ainda na entrevista concedida a este
estudo, o editor do site, Gustavo Faleiros, explicou que o projeto ainda encontrava-se
em fase inicial do esforço de integração. Além do editor Gustavo Faleiros, fazem parte
da equipe de O Eco Amazonia a subeditora Andreia Fanzeres, o webmaster Paulo André
Vieira, a administradora Nadia Santos e três tradutores. O projeto também conta com a
rede de 20 colaboradores de O Eco, entre repórteres e fotógrafos, que produzem para
ambos os sites.
Nesta primeira fase o projeto ainda está sendo apresentado ao público. Temos em média 300 acessos diários. A interação com os leitores ainda é pequena. Por enquanto atingimos principalmente o público brasileiro, que já conhecia o site O Eco. No entanto, em breve lançaremos esforços mais efetivos para estimular a participação e os comentários do público (Gustavo Faleiros, editor de o Eco Amazonia. Comunicação pessoal em 22.08.2010).
Inovar no formato da comunicação utilizando ferramentas multimídia e a
conexão com as redes sociais na internet é o principal desafio apontado por Faleiros no
sentido de tornar o site atrativo ao internauta. De fato, em O Eco Amazonia percebe-se
uma preocupação com a concepção de ferramentas multimídia e interativas para cada
reportagem desenvolvida, o que torna seu material jornalístico bastante diferenciado de
uma publicação jornalística impressa, por exemplo. Com isso, é possível dizer que o site
se aproxima das características do “webjornalismo de 3ª geração”.
O projeto visual do site caracteriza-se por privilegiar a riqueza das imagens
amazônicas, com grandes fotos publicadas em áreas privilegiadas do site. Uma área
específica foi criada para relatos e apresentação do trabalho de fotógrafos que atuam ou
estiveram na Amazônia32. As imagens aéreas publicadas pela fotógrafa Margi Moss
com o título “Majestosos rios da Amazônia”, mostrando desenhos que os rios traçam
nas paisagens amazônicas, constituem uma das áreas mais acessadas do site33.
32 Ver http://www.oecoamazonia.com/br/especiais/fotografia. 33 Ver em http://www.oecoamazonia.com/br/especiais/fotografia/3-majestosos-rios-da-amazonia.
42
Figura 3 – Primeira página do site O ECO Amazonia
A primeira página do site traz um menu com acesso às seções Reportagens,
Artigos, Especiais, Data Amazônia e Quem somos. Na primeira seção, estão todas as
reportagens publicadas, separadas por país de origem. Os artigos de colaboradores do
projeto, como ambientalistas, pesquisadores e jornalistas, estão na área seguinte. Em
Especiais, podem ser acessados materiais como “Cantos da Amazônia”, que traz textos
com informações sobre espécies de pássaros, onde é possível escutar os sons emitidos
por eles. Em Data Amazônia, estão disponíveis publicações, infográficos, mapas
interativos e imagens de satélite.
43
Uma consideração que pode ser feita sobre as fontes mais procuradas pelo site
diz respeito à valorização das vozes que já vinham se expressando frequentemente nos
meios de comunicação tradicionais. Segundo Faleiros, o projeto tem trabalhado em
colaboração com a ONG Imazon e também procura obter sugestões de pauta com as
instituições científicas da região.
Nossa maior colaboração até agora é com o Imazon por causa dos dados do desmatamento e temos feito esforço para nos aproximar de instituições como o Inpa e o Museu Emílio Goeldi (Gustavo Faleiros, editor de o Eco Amazonia. Comunicação pessoal em 22.08.2010).
No próximo capítulo, serão verificados os principais temas e fontes abordados
nas três experiências a partir da análise dos textos jornalísticos publicados durante o
período da pesquisa de campo. O objetivo é partir, em seguida, para a análise dos
discursos sobre sociedade e meio ambiente no webjornalismo.
44
3. AMAZÔNIA A DISTÂNCIA E OS (NOVOS?) DISCURSOS NO
WEBJORNALISMO AMBIENTAL
A Análise do discurso concebe a linguagem como
mediação necessária entre o homem e a realidade
natural e social. Essa mediação, que é o discurso,
torna possível tanto a permanência e a continuidade
quanto o deslocamento e a transformação do homem
e da realidade em que ele vive. (Eni Orlandi)
3.1 ANÁLISE DOS TEMAS E FONTES PREPONDERANTES NO DISCURSO
JORNALÍSTICO
A descrição e a análise dos sites Amazonia.org, Globo Amazônia e O Eco
Amazonia no capítulo anterior mostraram um panorama dos formatos jornalísticos
adotados nessas experiências de cobertura da Amazônia na internet. Com essas
reflexões iniciais, aliadas à análise mais detalhada de um corpus de textos selecionados
no período da pesquisa, procura-se efetivar, neste terceiro capítulo, as primeiras
conclusões sobre a qualidade dos textos jornalísticos em questão e sobre a existência ou
não de rupturas com o padrão de cobertura detectado em estudos anteriores relacionados
às mídias tradicionais34, padrão esse que privilegia uma concepção exógena e
estereotipada dos problemas ambientais da Amazônia.
Os textos que compõem o corpus de análise foram selecionados com base nas
fontes e assuntos mais frequentes em cada uma das experiências, no período de
observação que abrange os meses de junho, julho e agosto de 2010. Esse intervalo foi
escolhido principalmente em função da produção regular de matérias nos três sites e
também por tratar-se do período de transição entre o primeiro e o segundo semestre.
Nesses meses as pautas ambientais ganham força até por conta das alterações de clima
na Amazônia, que passa da estação chuvosa no primeiro semestre para temperaturas
mais quentes no segundo semestre.
Para a análise dos discursos sobre meio ambiente e sociedade no corpus
selecionado foram utilizados como referenciais teóricos os conceitos de “dialogismo”,
“polifonia” e “interdiscurso”, tal como trabalhados pelo linguista russo Mikhail
34 Nas páginas 10 e 11 da “Introdução” citamos estudos que analisam a cobertura da Amazônia nas mídias tradicionais. Eles serviram como referência para o projeto de pesquisa que originou esta dissertação.
45
Bakhtin. Esses conceitos mostram-se especialmente eficientes quanto à análise dos
discursos sobre a Amazônia emitidos por sujeitos que tradicionalmente são autorizados
a se manifestar em detrimento de diversos setores das populações locais que não têm
suas vozes reproduzidas no âmbito do jornalismo.
Para a compreensão das relações de poder existentes no sistema de produção
jornalístico, utilizou-se o conceito de “formações discursivas”, presente na obra A
Arqueologia do saber, de Michel Foucault. As formações discursivas orientam o que
pode ser dito em determinado campo, de acordo com a posição ocupada pelo indivíduo.
O conceito será apresentado de forma detalhada nas próximas páginas.
Procurou-se observar ainda os temas e os sujeitos que não aparecem na pauta
jornalística, embora tenham relevância para a compreensão da questão ambiental em sua
complexidade. Para Eni Orlandi, “a política do silêncio se define pelo fato de que ao
dizer algo apagamos necessariamente outros sentidos possíveis, mas indesejáveis, em
uma situação discursiva dada” (2007, p.73). Os conceitos de “censura” e
“silenciamento”, segundo o pensamento de Orlandi, auxiliam um compreensão mais
profunda dos processos de interdição da fala dos amazônidas no jornalismo ambiental.
Os resultados do levantamento realizado por meio da análise de 122 textos
publicados nos sites Amazonia.org, Globo Amazônia e O Eco Amazonia, nos meses de
junho, julho e agosto de 2010, mostram que institutos de pesquisa e ONGs,
especialmente as que também atuam na área de pesquisa, são marcadamente as fontes
mais frequentes nesse noticiário. Essas fontes foram reproduzidas, respectivamente, 45
e 44 vezes nos textos que compõem o corpus da pesquisa, ou seja, cada uma delas
aparece em aproximadamente 35% das notícias publicadas. Pode-se concluir que, em
mais de 65% das notícias, as fontes principais são as ONGs e/ou as instituições de
pesquisa, se for considerada a totalidade dos textos analisados.
3.1.1 Amazônia.org e o discurso das ONGs ambientalistas
É interessante ressaltar, entretanto, que cada site apresenta um cenário particular
no que diz respeito à frequência de utilização dessas fontes. Diferente do que ocorre nos
demais sites analisados, em Amazônia.org verifica-se que as ONGs aparecem três vezes
mais do que as instituições de pesquisas. Em segundo lugar, temos os movimentos
sociais. Bem próximo, em terceiro lugar, aparecem as instituições de pesquisa,
juntamente com o poder legislativo. Porém isso não quer dizer que o discurso científico
46
é menos privilegiado no site. Como veremos, ele ganha mais espaço ao atribuir força ao
discurso ambientalista de parte das ONGs que também produzem pesquisas científicas,
consolidando-se como voz predominante no webjornalismo ambiental.
Tabela 1 – Principais fontes em Amazônia.org
Fontes - Amazônia.org Junho Julho Agosto Total
ONGs
Movimentos Sociais
Instituição de Pesquisa
2
1
1
5
3
2
8
1
1
15
5
4
Legislativo 3 1 - 4
Ministério Público Federal 1 - 1 2
Governo Federal (MMA) - - 1 1
Associação Cultural - 1 - 1
Total 8 12 12 32
Para além da análise dos números, deve-se considerar, em primeiro lugar, o fato
de que o site Amazônia.org está vinculado à ONG Amigos da Terra. Embora a voz das
ONGs ambientalistas também ganhe destaque nos demais sites pesquisados, sua
presença diferenciada em Amazônia.org sinaliza a preocupação em estabelecer um canal
de divulgação direcionado à sociedade por meio do jornalismo. Em ao menos três
notícias do período analisado, o próprio diretor da ONG Amigos da Terra, Roberto
Smeraldi, é um dos entrevistados. Outras ONGs atuando como fontes nas notícias do
período são Greenpeace, Conservação Internacional, The Nature Conservancy, Imazon,
Instituto Peabiru, Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e Instituto
Socioambiental, todas de caráter ambientalistas como Amigos da Terra.
Para uma maior compreensão da evolução do papel das ONGs ambientalistas na
Amazônia é necessário considerar o quanto a comunicação ganhou importância na sua
atuação na última década. Não nos referimos apenas às estratégias midiáticas realizadas
por grandes ONGs, como os protestos performáticos do Greenpeace, mas à criação de
setores de comunicação na estrutura dessas organizações como forma de dar
visibilidade às ações desenvolvidas – embora no caso de Amigos da Terra a área de
comunicação não conte com financiamento próprio, conforme nos foi informado
durante as entrevistas com a equipe.
Esse é um aspecto importante ao tratar-se das condições de trabalho envolvidas
na atuação dos comunicadores em ONGs. Embora seu papel seja reconhecidamente
47
importante para que o discurso ambientalista chegue à sociedade, em alguns casos, os
baixos salários, os contratos temporários e as equipes reduzidas se refletem diretamente
na atividade dos setores de comunicação.
Aqui é um pouco diferente porque, sendo uma ONG, obviamente não temos a mesma estrutura de uma empresa. Não temos todos os profissionais que precisamos em todas as áreas. Quanto aos recursos financeiros do site, ele não se mantém sozinho. Ele é mantido pela ONG Amigos da Terra. Não tem recursos próprios. A gente teve um convênio com o Ministério do Meio Ambiente, quando foi fundado o site e esse convênio se manteve por alguns anos. Agora nos mantemos com recursos de outros projetos dentro da entidade. É o que acontece em várias outras organizações porque a área de comunicação não é fim, é meio. Então até pra justificar um projeto é mais complicado. (Aldrey Riechel, jornalista de Amazônia.org. Comunicação pessoal em 15.09.2010)
Mesmo sem condições ideais para a atuação dos jornalistas, a criação dos setores
de comunicação das ONGs que atuam na Amazônia colaborou de forma substancial
para que essas organizações se estabelecessem como fontes tanto no jornalismo
tradicional como no jornalismo online. A partir da década de 1990, as ONGs
ambientalistas passaram a se movimentar de forma mais propositiva em relação às
pautas jornalísticas na própria Amazônia e no Brasil. Ao invés de esperar a cobertura de
suas ações pela imprensa, tornaram-se fornecedoras de pautas para os veículos de
comunicação.
Manuel Castells observa que as ONGs que atuam na área ambiental souberam se
beneficiar com os novos processos de comunicação gerados a partir das redes de
abrangência global, possibilitando a divulgação de suas causas a um número maior de
pessoas nos mais diversos países. De fato, Amazonia.org foi o primeiro – entre os três
sites estudados – a enfocar exclusivamente notícias ambientais da região, criado ainda
na década de 1990. Os demais projetos que compõem a pesquisa surgiram alguns anos
depois.
Boa parte do sucesso do movimento ambientalista deve-se ao fato de que, mais do que qualquer outra força social, ele tem demonstrado notável capacidade de adaptação às condições de comunicação e mobilização apresentadas pelo novo paradigma tecnológico (CASTELLS, 1999, p.161).
O resultado do levantamento de fontes aponta que Amazonia.org utiliza o
webjornalismo para colocar em pauta a agenda de debates proposta pela ONG Amigos
da Terra e demais ONGs que compõem seu espectro de atuação – organizações
ambientalistas de abrangência internacional em geral. Embora, nas entrevistas que
compõem a pesquisa, os membros da equipe tenham enfatizado a proximidade com os
48
movimentos sociais, o levantamento mostra que eles ganham destaque apenas razoável
na cobertura do site. Os movimentos sociais têm só um terço do espaço dedicado às
ONGs, ainda que essa presença seja mais significativa do que nos demais projetos
analisados.
Quanto ao levantamento de temas mais relevantes no noticiário de
Amazônia.org, seis assuntos se destacaram no período observado. São eles: as
propostas de alteração do Código Florestal Brasileiro, o monitoramento do
desmatamento na região, questões indígenas, o projeto da Usina Hidrelétrica de Belo
Monte, a pecuária ilegal e a exploração sustentável dos recursos naturais.
Tabela 2 – Temas mais abordados em Amazônia.org
Temas - Amazônia.org Junho Julho Agosto Total
Legislação ambiental – Código Florestal
Desmatamento ilegal
3
-
2
2
1
2
6
4
Questões indígenas 1 2 1 4
Energia hidrelétrica – Belo Monte 1 - 1 2
Pecuária ilegal - 2 - 2
Exploração sustentável de recursos naturais - - 2 2
Total 5 7 3 20
As questões indígenas aparecem de forma dispersa na cobertura de
Amazônia.org, embora com frequência significativa em relação aos demais temas
abordadas. O destaque no período estudado foi a divulgação do relatório “Violência
contra Povos Indígenas no Brasil –2009”35, elaborado pelo Conselho Indigenista
Missionário (Cimi).
Uma notícia foi publicada com destaque no dia seguinte à divulgação do
relatório, em 10 de julho de 2010. Dentre todas as denúncias apresentadas no
documento, o texto de Amazônia.org intitulado “Obras de infraestrutura impactam
povos indígenas afirma relatório do Cimi”36 ressaltou os riscos a que estarão submetidos
os povos indígenas atingidos pela construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu, e
a alta incidência de assassinatos e outras formas de violência contra indígenas no estado
do Mato Grosso do Sul em 2009.
35 O relatório pode ser consultado no endereço http://www.amazonia.org.br/arquivos/360319.pdf. 36 Ver notícia completa em http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=360312.
49
Esse relatório voltou à pauta em 19 de julho, quando foi publicada uma
entrevista com a coordenadora da pesquisa, professora Lúcia Rangel (PUC/SP). É
importante verificar, entretanto, que em nenhum dos textos analisados há opiniões ou
relatos de representantes indígenas. Embora constituam o foco do enunciado
jornalístico, não foram procurados como fontes habilitadas para falar sobre suas
próprias questões.
Esse silenciamento pode ser percebido pelo viés da subjugação de que trata
Neves (2010) ao analisar as práticas discursivas que inventaram a tradição indígena que
habita o imaginário brasileiro. O índio visto como ser humano inferior, incapaz de produzir
saberes, tomar decisões e expressar suas vontades persiste no jornalismo e até mesmo na
atuação de entidades que trabalham diretamente com as questões ambiental e indígena.
Os índios que resultaram desta invenção ocidental pertencem todos a uma única sociedade - “ideal” e são absolutamente estereotipados: preguiçosos, sem roupas, antropófagos, de pele ― “amarela”. Com mentalidade primitiva, sua racionalidade não produz conhecimento científico e suas representações são classificadas apenas como religião e arte. Esta invenção do índio se materializou nas palavras, nos corpos, nos artefatos culturais, ela se discursivizou. Os poderosos interesses coloniais, a resistência indígena e as transformações resultantes deste jogo de forças são os discursos que circulam entre nós sobre as sociedades indígenas (NEVES, 2010, p.33).
Já a polêmica em torno do projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte gerou
notícias publicadas de forma espaçada ao longo de todo o ano de 201037. Em alguns
meses a relevância menor ou maior dessa cobertura foi determinada por acontecimentos
relativos aos trâmites do processo de licenciamento ambiental do projeto.
No período da pesquisa, a viagem do presidente Lula ao município de Altamira
(PA) gerou a notícia “Movimentos param Transamazônica em protesto contra Belo
Monte”38, publicada em 22 de junho de 2010, com destaque para a utilização do
Movimento Xingu Vivo para Sempre como fonte. No trecho da matéria a seguir, foi
reproduzido o relato de Antônia Melo, uma das coordenadoras do movimento:
37 Trata-se do projeto de construção de uma usina, no Pará, que poderá a maior inteiramente brasileira. O projeto prevê a implantação de Belo Monte em um trecho de 100 km do Rio Xingu, importante afluente do Rio Amazonas. A polêmica em torno da construção de Belo Monte já dura mais de 20 anos. Atualmente, constitui-se na maior obra do Programa de Aceleração do Desenvolvimento (PAC), do Governo Federal. Os movimentos sociais e indígenas protestam contra Belo Monte porque consideram que os impactos socioambientais não estão suficientemente dimensionados. Ver outras informações sobre o projeto nos sites http://www.socioambiental.org/esp/bm/index.asp e http://xingu-vivo.blogspot.com/. 38 Ver notícia completa em http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=358602.
50
Antonia vive há 55 anos em Altamira. Por causa da obra, ela será desalojada de onde mora. “Primeiramente vou perder minha casa, que demorei anos para construir e ainda não a terminei. Além das questões materiais e de toda uma vida que será modificada, a obra também exerce uma violência enorme para nós, que vivemos nas proximidades, porque não sabemos que futuro teremos. É algo muito incerto e obscuro”, conta (Amazonia.org. 22/06/2010).
O Movimento Xingu Vivo para Sempre é um comitê que reúne associações,
movimentos sociais e ambientalistas que atuam na área de influência do projeto da
hidrelétrica de Belo Monte39. Sua participação pode ser considerada como um aspecto
positivo na qualidade jornalística da cobertura por representar um coletivo de vozes
independentes raramente consultadas sobre os dilemas socioambientais amazônicos.
Como define Charaudeau, a informação é essencialmente uma questão de
linguagem, e a linguagem não é transparente, ela apresenta sua própria opacidade
através da qual se constrói uma visão, um sentido particular do mundo. Sendo assim, o
universo da informação midiática é efetivamente um universo construído e não um
reflexo do que acontece no espaço público, como se poderia pensar.
O acontecimento não é jamais transmitido em seu estado bruto, pois, antes de ser transmitido, ele se torna objeto de racionalizações: pelos critérios de seleção dos fatos e dos atores, pela maneira de encerrá-los em categorias de entendimento, pelos modos de visibilidade escolhidos. Assim, a instância midiática impõe ao cidadão uma visão de mundo previamente articulada, sendo que tal visão é apresentada como se fosse a visão natural do mundo (CHARAUDEAU, 2009, p.151).
A cobertura do processo de discussão sobre mudanças no Código Florestal
Brasileiro, que aparece como tema de maior destaque em Amazonia.org (ver tabela 2)
no período estudado nos possibilita uma série de reflexões sobre a construção do
discurso do webjornalismo ambiental. O Código Florestal Brasileiro foi criado em 1934
e atualizado em 1965. Sofreu outras alterações ao longo dos últimos anos. Em 2009,
uma comissão especial foi criada na Câmara dos Deputados com a missão de analisar 11
projetos de lei que propõem mudanças no Código Florestal. A relatoria do novo projeto
ficou sob responsabilidade do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Em junho de
2010, o deputado apresentou sua proposta de alteração ao Código Florestal Brasileiro,
que foi aprovada na Comissão Mista do Congresso no mês seguinte.
É importante perceber que, durante o ano de 2010, o combate às mudanças do
Código Florestal Brasileiro foi um dos principais catalisadores das ações das ONGs
39 Ver http://www.xinguvivo.org.br/quem-somos/ , onde estão listados os participantes do Movimento Xingu Vivo para Sempre.
51
ambientalistas no Brasil. A internet teve papel fundamental na atuação dessas
organizações, que encontraram na rede o espaço ideal para dar visibilidade à questão e
ainda registrar seu protesto. Para isso, foram utilizadas as home pages das ONGs,
mensagens distribuídas por e-mail, além das mídias sociais.
O primeiro texto publicado sobre o assunto em Amazonia.org no período da
pesquisa trata exatamente da apresentação do relatório do deputado Aldo Rebelo na
Câmara dos Deputados, em 08 de junho de 2010. O título do texto, “Código Florestal:
relator defende redução de APP e anistia a desmatadores”40, destaca os dois pontos mais
polêmicos da proposta apresentada por Aldo Rebelo, do ponto de vista das ONGs
ambientalistas, relatado também no corpo da matéria:
Segundo o relatório de Rebelo, os Estados devem regulamentar, por lei, o tamanho das Áreas de Preservação Permanente (APP), que poderia ser aumentada ou reduzida em até 50% [...]. Segundo o relatório, seria criado um prazo de cinco anos para a adequação da lei. Durante esses cinco anos, não seriam autorizados novos desmatamentos. Todas as áreas que foram desmatadas até julho de 2008, para a produção agropecuária, seriam consideradas como áreas consolidadas, e as multas seriam suspensas (Amazônia.org, 08.06.2010).
Além de seguir um padrão de construção da notícia similar ao do jornalismo
impresso, o texto publicado no site não possibilita comentários dos leitores. Não há
vídeos, áudios ou novas formas de conteúdo multimídia que aproximem o internauta do
debate ocorrido na Câmara dos Deputados por meio dos recursos disponíveis na web. O
site disponibiliza apenas dois links para notícias anteriormente publicadas em
Amazonia.org sobre o mesmo tema. Poderia ter disponibilizado também links para
textos sobre o mesmo assunto oriundos de outras fontes de informação, mas não o fez.
Nenhum dos sites pesquisados tem adotado essa prática. Por conta do temor de
compartilhar acessos, essas experiências ficam presas ao seu próprio conteúdo,
caminhando à contramão da evolução da web, que multiplica as possibilidades de
escolha do internauta.
O texto começa com um lead41 estruturado na forma tradicional, com um breve
resumo da narrativa que ocorrerá nos parágrafos seguintes, bem como informações
básicas sobre o lugar e a data do acontecimento noticiado.
40
Ver notícia completa em http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=357161. 41 O lead é o primeiro parágrafo de um texto jornalístico. O lead tradicional faz um resumo da notícia com informações básicas sobre o acontecimento narrado. Quem, o que, como, onde e quando são as
52
O deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) apresentou na tarde de hoje (8) seu relatório sobre as mudanças no código florestal, durante a reunião da Comissão Especial para a Reforma do Código Florestal Brasileiro, na Câmara dos Deputados. Após a leitura, o presidente da comissão, deputado Moacir Micheletto (PMDB-RR), suspendeu a reunião, que deve continuar hoje à noite, ou na manhã de quarta-feita (9) (Amazonia.org. 08/06/2010).
Em seguida, são destacados trechos do documento apresentado pelo deputado.
Tratam-se dos pontos mais criticados pelas ONGs ambientalistas, como a permissão
para que os Estados possam regulamentar por lei o tamanho das Áreas de Preservação
Permanente (APPs) e a suspensão de multas para áreas desmatadas para a produção
agropecuária até julho de 2008.
Segundo o relatório de Rebelo, os Estados devem regulamentar, por lei, o tamanho das Áreas de Preservação Permanente (APP), que poderia ser aumentada ou reduzida em até 50%. A proposta também permite que a APP seja contabilizada na reserva legal – 80% na Amazônia, 35% no cerrado e 20% em outras regiões – mas os Estados teriam autonomia para redefinir a porcentagem de acordo com o Zoneamento Econômico Ecológico (ZEE) (Amazônia.org, 08/06/2010).
Na segunda parte da narrativa jornalística, introduzida pelo intertítulo “Tensão”,
o texto de Amazônia.org observa que, mesmo antes da apresentação do relatório, o
clima era conturbado na Câmara dos Deputados. Segundo a reportagem, deputados
ruralistas e ambientalistas “já haviam trocado farpas”. A utilização dessa expressão
coloquial sugere ao leitor o tom da disputa de forças entre os campos ambientalista e
ruralista representados no Congresso Nacional.
A reunião já começou com tensão: nesta manhã, durante sessão em homenagem ao Dia Mundial do Meio Ambiente (05/06), na Câmara, deputados ruralistas e ambientalistas já haviam trocado farpas. O deputado Sarney Filho (PV-MA), presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, criticou o fato de que o texto final do relatório só foi apresentado em cima da hora para os ambientalistas. “A CNA (Confederação Nacional da Agricultura) e os ruralistas já tinham acesso ao código florestal, enquanto nenhum ambientalista teve”, disse (Amazônia.org, 08/06/2010).
Após o segundo intertítulo, “Leitura do Relatório”, se inicia uma narrativa
acerca da apresentação do documento. A ironia, figura de linguagem presente com
frequência nos enunciados jornalísticos, sobressai quando o texto descreve que Aldo
principais informações contidas nessa forma de construção textual, de tal forma que o leitor possa compreender os aspectos gerais da notícia lendo o primeiro parágrafo.
53
Rebelo leu seu relatório em plenário “ recheado de citações históricas para explicar que
as nações ricas usam o braço de suas organizações ambientais para limitar o acesso dos
países pobres ou em desenvolvimento aos recursos naturais” (Amazonia.org, 08/06/2010).
O discurso jornalístico de Amazônia.org procura desqualificar a fala de Aldo Rebelo
apontando seu desconhecimento em relação a determinados conceitos ambientais.
“O boi tonou-se controvérsia ambiental sob a surrealista contribuição para o efeito estufa, devido ao metano que afeta a camada de ozônio”, disse, confundindo o fenômeno das mudanças climáticas com a destruição da camada de ozônio (Amazônia.org, 08/06/2010).
No embate discursivo centrado na temática ambiental, a aplicação correta dos
conceitos técnico-científicos relacionados ao meio ambiente funciona como carta de
habilitação para uma participação efetiva no processo de discussão sobre o tema. Um
exemplo concreto é o próximo texto a ser analisado, em que uma bióloga, pesquisadora
da ONG The Nature Conservancy (TNC), é chamada para conceder entrevista especial
ao site Amazônia.org sobre as propostas de mudança do Código Florestal. Por que não
conceder o mesmo espaço para representantes indígenas, associações de trabalhadores
rurais ou para os movimentos sociais da região?
Por estar diretamente relacionado a uma forma de saber ambiental legitimado na
formação discursiva científica, o manejo dos conceitos ambientais também está ligado
ao discurso das ONGs ambientalistas, visto que muitas delas atuam na área de pesquisa
ou associam-se a institutos de pesquisa e universidades para dar respaldo às suas ações.
Tais saberes têm espaço privilegiado no discurso do webjornalismo ambiental, que
atribui aos representantes da ciência o poder de falar sobre o tema em detrimento dos
outros grupos sociais.
“Formação discursiva” é um dos conceitos que, segundo a Arqueologia do
Saber, de Foucault, faz a ligação entre linguagem e poder. O poder relacionado ao
direito de dizer, condicionado pelo papel social que cada um exerce na arena discursiva.
Dessa forma, médicos, juristas, psicólogos, jornalistas, pais ou professores têm seu
discurso moldado na formação discursiva em que tal discurso se inscreve, lembrando
que esse não é um processo estático, até porque um mesmo sujeito pode se ligar a mais
de uma formação discursiva.
54
No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva (...). Chamaremos de regras de formação as condições a que estão submetidos os elementos dessa repartição (objetos, modalidade de enunciação, conceitos, escolhas temáticas). As regras de formação são condições de existência, de manutenção, de modificação e de desaparecimento) em uma dada repartição discursiva (FOUCAULT, 2009, p.43).
Orlandi recupera a definição de Pêcheaux (1975) para observar que a formação
discursiva é o “lugar de construção do sentido” e, em sua correspondência com a
formação ideológica, define as condições de exercício da função enunciativa.
As formações discursivas representam, na ordem do discurso, as formações ideológicas que lhes correspondem. É a formação discursiva que determina o que pode e deve ser dito, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada. (...) Na formação discursiva é que se constitue o domínio de saber que funciona como um princípio de aceitabilidade discursiva para um conjunto de formulações (o que pode e deve ser dito) e, ao mesmo tempo, como princípio de exclusão do não-formulável (ORLANDI, 1993, p.108-109).
Ainda no mesmo mês de junho/2010, o site Amazônia.org publicou uma
entrevista com Ana Cristina Barros, da ONG The Nature Conservancy (TNC)42, sobre o
projeto do deputado Aldo Rebelo. Aqui chama atenção a construção das chamadas e as
perguntas elaboradas pelo entrevistador. Como representante de uma das maiores ONGs
ambientalistas em atividade na Amazônia, Ana Cristina é entrevistada para fazer sua
interpretação dos problemas contidos na proposta na Câmara dos Deputados. Diante da
ofensiva da “bancada ruralistas”, que tenta apressar a aprovação da proposta de Aldo
Rebelo na Comissão para a Reforma do Código Florestal Brasileiro, Amazônia.org volta
a lançar mão dos discursos científico e ambientalista representados pela bióloga para
fortalecer sua argumentação contrária à alteração do código.
Título: Código Florestal: proposta permite período de cinco anos sem controle do desmatamento Subtítulo: Segundo interpretação de Ana Cristina Barros, da TNC, o substitutivo do deputado Aldo Rebelo para o Código Florestal vai eliminar todos os controles do desmatamento por um período de cinco anos. Em entrevista ao Amazonia.org.br, a pesquisadora explica problemas da proposta e alternativas (Amazônia.org, 21/06/2010).
42
Ver em: http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=358464.
55
Nas questões do entrevistador é possível reconhecer os pontos de vista das
ONGs ambientalistas. O questionamento “O que a TNC considera prejudicial nas
propostas do substitutivo para o novo código?” (Amazônia.org, 21.06.2010) é um
exemplo, visto que afirma previamente que a nova proposta é nociva aos interesses da
sociedade e pressupõe que a entrevistada está de acordo com esse ponto de vista sem
que ela se posicione anteriormente.
As conclusões do entrevistador também aparecem em forma de questionamento
sobre a suspensão de multas para áreas desmatadas até 2008: “Então a proposta diz que
são cinco anos com desmatamento proibido, mas o que acontece na verdade é o
oposto?” (Amazônia.org, 21.06.2010). Seguindo a entrevista, o jornalista introduz nova
informação que poderia ter vindo da própria entrevistada, o que sinaliza a existência de
uma pauta de discordâncias sobre o projeto compartilhada pelas duas organizações
(Amazonia.org e TNC): “Outro ponto polêmico no substitutivo é a redução das Áreas
de Proteção Permanente, as APPs” (Amazônia.org, 21.06.2010). A partir daí a
entrevistada passa a enfocar o ponto proposto pelo jornalista.
Acho que isso é problemático, principalmente porque o parecer dá aos Estados a competência para fazer isso. Um problema que foi levantado – não é a minha área, mas foi levantado pelo pessoal da área urbana – é que ele define que as APPs urbanas devem ser registradas como parte do plano diretor de uma cidade, e dá direito pleno à prefeitura para revogar a APP. Ou seja, as cinco mil prefeituras do país vão ter direiro de revogar a APP, e você pode imaginar o que vai acontecer com a especulação imobiliária (Amazônia.org, 21.06.2010).
Para reforçar seu posicionamento em relação às propostas de alteração do
Código Florestal, Amazonia.org realiza entrevista, em 28/06/2010, com o deputado
federal Ivan Valente (PSOL-SP), integrante da comissão que avalia as possíveis
mudanças no Código Florestal. O deputado viria a apresentar voto em separado contra
as alterações apresentadas por Aldo Rebelo à comissão. Em seis de julho de 2010,
Amazônia.org registra a aprovação do relatório de Aldo Rebelo na Comissão do Código
Florestal, disponibilizando a lista com os nomes e partidos dos 13 deputados que
votaram a favor das alterações no código e dos cinco que rechaçaram a proposta.
Em 17 de julho do mesmo ano, o site publica a cobertura de um debate sobre o
Código Florestal promovido pelo Jornal O Estado de S. Paulo43 em que participaram o
deputado Aldo Rebelo, o diretor da ONG Amigos da Terra, Roberto Smeraldi, e Sérgio
43 Ver em http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=360979.
56
Leitão, do Greenpeace. Mais uma vez destaca-se a polêmica como fator central na
cobertura do assunto, o que favoreceria a necessidade de mais discussões antes da
decisão final. Desde o título, ressalta-se esse aspecto: “Código Florestal gera polêmica
em debate entre Aldo Rebelo e ONGs” (Amazônia.org, 17.07.2010).
O lead procura apresentar o evento promovido pelo jornal como uma
oportunidade de levar o tema a um público mais amplo, que não esteve presente durante
a apresentação do projeto de Aldo Rebelo na Câmara Federal.
O polêmico Código Florestal aprovado pela Comissão especial na Câmara dos Deputados foi objeto de debate ontem (16), em São Paulo. O relator do projeto, deputado Aldo Rebelo, apresentou suas propostas e debateu suas ideias com os ambientalistas Roberto Smeraldi, diretor de Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, e Sérgio Leitão, do Greenpeace (Amazônia.org, 17/07/2010).
As primeiras falas apresentadas são as do deputado Aldo Rebelo, que expõem
sobre a defasagem do Código Florestal e observa que ele sofreu várias alterações ao
longo dos anos, deixando muitos produtores rurais na ilegalidade. A preocupação com o
desmatamento também é incorporada no discurso de Aldo Rebelo. Ele ressalta ainda
que, com a proposta, o Brasil estará respeitando os tratados ambientais internacionais
dos quais é signatário.
A questão do desmatamento também ocupa a centralidade do discurso dos
ambientalistas. Roberto Smeraldi contra-argumenta que, se aprovadas as alterações em
questão, o desmatamento deverá aumentar, visto que será dada anistia a quem já
desmatou. Ancorando-se na relação entre saber científico e poder de decisão sobre a
questão ambiental, o representante de Amazônia.org também busca apoio na Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e na Academia Brasileira de Ciências
(ABC), que não teriam sido consultadas sobre as propostas.
Segundo Smeraldi, a proposta do deputado Aldo Rebelo não ouviu os principais atores da área científica brasileira. “Essa semana vimos o posicionamento da Sociedade Brasileira para o Progresso Científico e da Academia Brasileira de Ciência dizendo que não foram consultados, e que têm conhecimento para tornar o código mais atual” (Amazônia.org, 17/07/2010).
O texto do site observa que Sérgio Leão, do Greenpeace, se refere à guerra que
ocorre na arena dos discursos sobre o meio ambiente para reforçar seu ponto de vista.
57
Segundo ele, os defensores da reforma do Código Florestal tentam enganar a opinião
pública ao sustentar que a questão ambiental impede o desenvolvimento do país.
A questão ambiental está sendo colocada como inimiga dos interesses nacionais, quando o grande inimigo deveria ser a grilagem, o trabalho escravo ou o agronegócio que não respeita a legislação ambiental (Amazônia.org, 17/07/2010).
Além de trazer um link para a notícia sobre a aprovação do relatório de Aldo
Rebelo na comissão da Câmara dos deputados, o texto em questão disponibiliza acesso
aos vídeos com a íntegra do debate veiculado no site do Estadão44. Chama a atenção o
fato de que ninguém que assistiu o debate opine na reportagem. O texto limita-se a
informar que a plateia contou com representantes tanto dos ambientalistas quanto dos
que defendiam o relator das mudanças. Embora o assunto tenha motivado intensa
cobertura no site, também não foi disponibilizado espaço para a participação dos
internautas.
A imagem apresentada na notícia (ver figura 4) mostra um momento do debate
em que o diretor da ONG Amigos da Terra, Roberto Smeraldi, se pronuncia sobre o
tema olhando para o deputado Aldo Rebelo, que está de olhos fechados, segurando o
microfone na altura da testa, aparentando cansaço e derrota. Sabe-se que as imagens de
uma reportagem, em geral, não são escolhidas por motivos meramente ilustrativos. Uma
possibilidade de interpretação dessa imagem está no próprio discurso de enfrentamento
das ONGs, que vêm intensificando suas ações para barrar alterações ao Código Florestal
Brasileiro. “Venceremos no cansaço” pode ser um recado para os leitores do site ou (e,
talvez, principalmente) para seus opositores.
Sendo Roberto Smeraldi o diretor da ONG Amigos da Terra, responsável pelo
site, torna-se mais interessante que ele apareça na imagem em posição ofensiva, ativo na
defesa do meio ambiente. No entanto, a legenda da fotografia não revela essa leitura.
Procura, contraditoriamente, assumir caráter de neutralidade: “Roberto Smeraldi e o
Deputado Aldo Rebelo durante debate” (Amazônia.org, 17/07/2010).
44Consultar em http://www.estadao.com.br.
58
Figura 4 – Reportagem publicada em Amazônia.org, em 17/07/2010
A cobertura das propostas de mudança no Código Florestal Brasileiro pelo site
Amazonia.org, constitui-se em um importante exemplo de como o webjornalismo
ambiental está distante dos principais interessados nas questões que têm repercussão
direta no futuro da região amazônica. Embora a internet conte com mais recursos
técnicos para proporcionar interação com diferentes atores da região e contribuir para o
fortalecimento de sua participação, o site Amazônia.org não dispõe de qualquer
mecanismo que incentive a interatividade com esse público.
59
No caso específico da cobertura do Código Florestal Brasileiro45, o jornalismo
de Amazônia.org privilegia o discurso monofônico ambientalista-científico ao invés do
discurso polifônico, que poderia enriquecer o debate por meio da apresentação dos
pontos de vista de diferentes setores da sociedade amazônica, sem dúvida a mais afetada
com as possíveis alterações da legislação ambiental em questão.
Categoria utilizada por Bakhtin para definir as diversas vozes, muitas vezes
dissonantes, presentes no romance de Dostoievski, a polifonia extrapola os limites da
criação literária e pode ser aplicada com os devidos cuidados não só a outras formas
artísticas, mas também ao jornalismo que, por princípio, tem a função de expressar a
multiplicidade de opiniões presentes na sociedade sobre os temas que aborda.
Para Bakhtin, todo texto é dialógico porque o modo de funcionamento da
linguagem resulta do embate entre diversas vozes, muitas vezes contraditórias; no
entanto, o discurso só se torna polifônico quando essas vozes independentes são de fato
escutadas e caracteriza-se como monofônico quando uma única voz prevalece em
detrimento das demais.
A essência da polifonia consiste justamente no fato de que as vozes, aqui, permanecem independentes e, como tais, combinam-se numa unidade de ordem superior à da homofonia. E se falarmos de vontade individual, então é precisamente na polifonia que ocorre a combinação de várias vontades individuais, realiza-se a saída de princípio para além dos limites de uma vontade. Pode-se dizer assim: a vontade artística da polifonia é a vontade de combinação de muitas vontades, a vontade do acontecimento (BAKHTIN, 1981, p.16).
Ao privilegiar apenas o discurso ambientalista e as fontes que tradicionalmente
representam esse discurso – nesse caso específico as ONGs Amigos da Terra, TNC e
Greenpeace – o jornalismo de Amazônia.org torna-se mais restrito ao nicho de
internautas que habitualmente já acompanha o trabalho das ONGs. Perde-se a
possibilidade de atrair um público mais diversificado, interessado em conhecer de forma
diferenciada as múltiplas visões – mesmo que antagônicas – sobre um assunto de
tamanha importância.
Convocar os aliados para entrevistas especiais e oferecer pouco ou nenhum
espaço aos oposicionistas e demais interessados no tema não só empobrece o debate
como não colabora para que o leitor forme suas próprias opiniões a respeito do assunto.
As questões ambientais passam a ser vistas pelo leitor como um problema externo ao
45
O texto-base do novo Código Florestal Brasileiro foi aprovado na Câmara Federal em 24/05/2011, mas ainda será votado no Senado e precisará ser sancionado pela presidência da república.
60
seu cotidiano, um assunto que pertence apenas a especialistas. Bueno observa nessa
prática um entrave para o interesse do leitor.
O saber ambiental tem sido penalizado pelo chamado mosaico informativo que caracteriza a produção midiática, que lhe retira a perspectiva integrada, a sua dimensão histórica, contemplando-o a partir de fragmentos de cobertura que descartam o contexto, as conexões e, portanto, o verdadeiro “ethos” deste campo. Por esse motivo, o cidadão (leitor, radiouvinte, telespectador, internauta etc), muitas vezes tem dificuldade para entender a amplitude e a importância de determinados conceitos, e geralmente vislumbra o meio ambiente como algo que lhe é externo (BUENO, 2007, p.18).
A ausência de hipertextualidade, com exceção da notícia do debate promovido
pelo jornal O Estado de São Paulo também chama atenção por reforçar o caráter
monofônico do discurso apresentado no webjornalismo ambiental de Amazônia.org. A
ausência de links para notícias, vídeos, e outras formas de material multimídia de outros
veículos, como já mencionado, configura-se como subaproveitamento do potencial da
internet para promover um jornalismo plural, em que o leitor possa fazer suas livres
escolhas e traçar o percurso de leitura que julgar mais interessante.
3.1.2 Jornalismo a distância e a reiteração do exótico em Globo Amazônia
O levantamento das fontes citadas pelo site Globo Amazônia em suas notícias
ambientais mostra predominância ainda maior de fontes atreladas à formação discursiva
científica. Nos meses de junho, julho e agosto de 2010, as instituições de pesquisa
marcaram presença como fontes 26 vezes em um corpus de 79 textos observados, ou
seja, apareceram em aproximadamente 33% das notícias. Em seguida, vêm as ONGs e o
Governo Federal praticamente juntos, com presença em 19 e 18 notícias. Sendo assim,
essas fontes frequentam cerca de 23% das notícias. Somando-se as aparições das
instituições de pesquisa, das ONGs e do Governo Federal, o grupo está representado em
aproximadamente 78% das notícias de Globo Amazônia. Pode-se concluir, que as fontes
do site estão concentradas de forma significativa nesses três setores.
61
Tabela 3 – Principais fontes em Globo Amazônia
Fontes - Globo Amazônia Junho Julho Agosto Total
Instituição de Pesquisa
ONGs
6
10
10
4
10
5
26
19
Governo Federal 4 9 5 18
Revista Científica 2 2 1 5
Legislativo 1 2 1 4
Governo Estadual
Governo Municipal
Movimentos Sociais
Leitor
0
0
1
0
0
0
0
2
3
2
1
0
3
2
2
2
Total 24 29 28 81
A participação dos movimentos sociais que representam as populações
tradicionais da região é muito restrita em Globo Amazônia. Uma das exceções ocorreu
na notícia intitulada “Problemas com pistas de pouso deixa índios sem atendimento
médico”46, publicada em 17 de junho de 2010. Para falar sobre a situação dos grupos
indígenas que ficaram sem atendimento na área Yanomami localizada entre os estados
de Roraima e Amazonas, o site citou como fonte o representante indígena Dário Vitório
Xirian, da Associação Yanomami Hutukara, transcrevendo as informações repassadas
por ele em discurso indireto.
Em seguida, Globo Amazônia confirmou o problema relatado com a Fundação
Nacional de Saúde (Funasa), que apontou a Fundação Nacional do Índio (Funai) como
responsável pelo pedido de homologação das pistas de pouso junto à Agência Nacional
de Aviação Civil (Anac). Neste caso, a reportagem poderia ter aprofundado o tema da
saúde indígena detalhando o relato de Xirian, de preferência em discurso direto, já que
as instituições governamentais não prestaram qualquer esclarecimento relevante.
Um dos pacientes, de acordo com Dário Vitório Xirian, diretor da Hutukara, foi picado por uma cobra há cinco dias e está com a perna apodrecendo. Xirian não soube precisar o número de comunidades que ficaram sem atendimento, mas apontou que são 14 as pistas não homologadas na reserva. Segundo informa a assessoria de imprensa da Funasa em Roraima, boa parte das pistas usadas na Terra Yanomami foi construída por garimpeiros que exploravam a região e não estão dentro das especificações da Anac.[...] A Funasa afirma que pedir a homologação das pistas junto à Anac é responsabilidade da Funai. O pedido já teria sido feito. A Funai não respondeu a solicitação de detalhes feita pelo Globo Amazônia até o fechamento desta reportagem (Globo Amazônia, 17.06.2010).
46 Ver em http://www.globoamazonia.com/Amazonia/0,,MUL1600527-16052,00.html.
62
Outra situação que merece comentário ocorreu durante a aprovação, no Senado,
da medida provisória que trata da criação da Secretaria de Saúde Indígena (MP-483). A
notícia “Senado aprova criação de Secretaria Especial de Saúde Indígena”47, publicada
em 03/08/2010, utiliza o trecho de uma carta escrita por lideranças indígenas em que é
ressaltada a importância do projeto para evitar o colapso no atendimento àquelas
populações. Embora essas lideranças estivessem presentes durante a votação em
plenário, no texto publicado não consta nenhum trecho de entrevista com elas.
A fonte escolhida pra falar pelos indígenas foi a senadora Lúcia Vânia (PSDB-
GO). A oportunidade de ouvir as narrativas dos indígenas sobre os problemas que
enfrentam na área da saúde, sem intermediários, em um momento importante da luta por
seus direitos constitucionais foi perdida mais uma vez. Ao invés disso, consta o seguinte
trecho no texto:
A senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO), relatora do projeto, informou que a aprovação sem alterações era uma reivindicação de comunidades indígenas. De acordo com ela, a secretaria não conseguia acionar outros órgãos quando era ligada à Funasa. (...) Em carta direcionada a senadores, as lideranças lembraram que o projeto foi aprovado no início de julho na Câmara dos Deputados. O texto também ressaltava que “a não aprovação do projeto significa a continuação do caos na saúde indígena no Brasil” (Globo Amazônia, 03/08/2010).
Esse tipo de conduta não acontece apenas com os povos indígenas, mas com
todos aqueles personagens cujas falas não se encaixam no padrão jornalístico que
pressupõe clareza, objetividade e o emprego da língua portuguesa segundo as normas
julgadas corretas. Por assumirem seu modo próprio de se expressar, índios, ribeirinhos,
quilombolas e mesmo habitantes de áreas periféricas das grandes cidades têm sua fala
silenciada, gerando o empobrecimento da narrativa jornalística. Suas questões precisam
ser apresentadas por representantes cujo modo de colocá-las em evidência esteja mais
adequado ao texto jornalístico, como é o caso da senadora citada na matéria.
Se for considerada uma concepção mais ampla de censura, como a proposta por
Orlandi (2007), percebe-se que a interdição da fala de determinados grupos sociais da
Amazônia está relacionada a questões de ordem política, moral e simbólica entre outros
fatores que compõem o quadro das relações de poder na Amazônia.
47 Ver em http://www.globoamazonia.com/Amazonia/0,,MUL1610947-16052,00.html.
63
A censura tal como a definimos é a interdição da inscrição do sujeito em formações discursivas determinadas, isto é, proíbem-se certos sentidos porque se impede o sujeito de ocupar certos lugares, certas posições. Se se considera que o dizível define-se pelo conjunto de formações discursivas em suas relações, a censura intervém a cada vez que se impede o sujeito de circular em certas regiões determinadas pelas suas diferentes posições. Como a identidade é um movimento, afeta-se assim esse movimento. Desse modo, impede-se que o sujeito, na relação com o dizível, identifique-se com certas regiões do dizer pelas quais ele se representa como (socialmente) responsável. (ORLANDI, 2007, p.104).
No entanto, esse silenciamento não significa que tais grupos sociais estejam
alheios aos processos de tomada de decisão que dizem respeito aos seus interesses. A
aprovação da Secretaria Especial de Saúde Indígena, entre outras conquistas dos últimos
anos, principalmente referentes aos povos indígenas e quilombolas, são consequências
da mobilização por seus direitos, independente da restrição de espaços jornalísticos
capacitados para ouvir sua voz.
Em Globo Amazônia a expectativa sobre a participação do leitor como fonte
torna-se maior em função da proposta de interatividade anunciada pelo site, que
convoca seus leitores para protestar contra a devastação da Amazônia. A expectativa era
de que, com as novas possibilidades de contato com os amazônidas e visitantes da
região via email, mídias sociais ou até mesmo por programas como Skype e MSN, a
utilização de fontes da região pudesse configurar-se como um diferencial do site,
mesmo levando em conta o contexto de exclusão digital na Amazônia abordado na
introdução a este estudo.
No entanto, o leitor raramente torna-se fonte das notícias do site, assim como os
movimentos sociais e os governos municipais. Notícias com a logomarca “Vc
participa”, destinada a informações dos leitores, foram veiculadas apenas duas vezes
durante o período da pesquisa. Vale ressaltar que em nenhuma dessas ocasiões tratou-se
de denúncias, reclamações ou situações em que o leitor tivesse oportunidade de mostrar
um problema vinculado à realidade vivenciada por ele.
Nas duas situações, que analisaremos a seguir, as matérias abordaram espécies
oriundas da biodiversidade amazônica ilustradas por chamativas fotografias tiradas
pelos leitores, mas escolhidas para publicação pela equipe do site. A biodiversidade é
também o assunto que figura no Globo Amazônia como o mais abordado durante o
período de observação da pesquisa. Por isso, examinamos com mais atenção as notícias
de “Vc participa”.
64
Na primeira notícia, publicada em 16/07/2010, “Leitora envia fotos de besouro
gigante encontrado em Floresta Alta”48, o site mostra as imagens de um besouro gigante
enviadas pela leitora Melissa Rösler, que trabalha para o Ministério da Agricultura. A
notícia destaca o fato de que o besouro tem “o comprimento de uma caneta”, e vive nas
imediações do município de Nova Floresta (MT).
Figura 5: Notícia publicada em Globo Amazônia, 16/07/2010
48 Ver em: http://www.globoamazonia.com/Amazonia/0,,MUL1606806-16052,00-LEITORA+ENVIA+FOTOS+DE+BESOURO+GIGANTE+ENCONTRADO+EM+ALTA+FLORESTA+MT.html. Acesso em 12.01.2011.
65
O discurso jornalístico estabelece uma relação de comparação com a caneta –
também mostrada na fotografia publicada no site – a fim de impressionar o leitor,
comprovando que os insetos da Amazônia são bem diferentes e chamam mais atenção
do que os insetos de outras regiões. O componente exótico do discurso jornalístico
sobre a Amazônia sobressai mais uma vez, só que agora no jornalismo voltado para a
internet. Se formos buscar apoio na etimologia, exótico nos remete ao que é “de fora,
exterior” e, mais ainda, ao que é “estranho, estrangeiro, esquisito, excêntrico e
extravagante”49. Portanto, mesmo com todos os recursos tecnológicos disponíveis e com
o suporte da internet e sua tão propagada capacidade de aproximar as pessoas de
diferentes lugares, no discurso do webjornalismo, contraditoriamente, a Amazônia
permanece um lugar distante, com espécies diferenciadas e um estoque de recursos
naturais imensurável.
Interessante perceber que outra fonte é entrevistada na seção “Vc participa” para
falar sobre o inseto e acaba ocupando o espaço que deveria ser da experiência da leitora.
Trata-se de uma fonte do campo científico. O pesquisador Fernando Vaz-de-Mello, do
Instituto de Biociências da Universidade Federal do Mato Grosso, é chamado para
fornecer explicações científicas sobre a espécie, informações que passam a mais de 80%
do texto publicado. O que poderia ter se tornado um texto dialógico envolvendo a
experiência de vida da leitora na Amazônia e o estudo científico da biodiversidade recai
no monologismo científico, já que o pesquisador passa a ser a fonte principal.
Em 17/07/2010 foi publicado o texto “No Acre, batalhão de selva do Exército
tem onça-pintada como mascote”50. O leitor Michel Leite, tenente de um batalhão do
Exército localizado em Cruzeiro do Sul (AC) apresenta como seu mascote uma onça-
pintada macho chamada Tupã. A onça-pintada também é exibida aos leitores de Globo
Amazônia em imagens enviadas pelo internauta.
Ao abordar o relacionamento da onça-pintada com seu cuidador, o texto
jornalístico explora a relação de oposição entre docilidade e ferocidade para se referir ao
animal. Na complementaridade entre título e subtítulo é possível perceber o artifício
utilizado para capturar o interesse do leitor.
49 Segundo o dicionário Houaiss da língua portuguesa, versão online, disponível em HTTP://www.uol.com.br/houaiss, visitado em 07.04.2011. 50Ver em http://www.globoamazonia.com/Amazonia/0,,MUL1606816-16052,00-NO+ACRE+BATALHAO+DE+SELVA+DO+EXERCITO+TEM+ONCAPINTADA+COMO+MASCOTE.html. Acesso em 13.01.2011.
66
Título: No Acre, batalhão de selva do Exército tem onça-pintada como mascote. Subtítulo: Leitor enviou fotos do banho semanal da fera. Tupã, como é chamado o felino, é um animal dócil, conta (Globo Amazônia, 17/07/2010).
Na fotografia de maior destaque, o leitor aparece com a onça nos braços dentro
de um igarapé (ver figura 6). A seguinte legenda acompanha a imagem: “A onça é dócil,
segundo o leitor Michel” (Globo Amazônia, 17/07/2010). É possível perceber que a
legenda não gera uma nova informação, mas reforça um discurso já registrado por meio
da imagem escolhida na edição, mesmo porque o tenente não estaria na água com a
onça se houvesse risco de ataque.
Figura 6 – Notícia publica em Globo Amazônia, 17/07/2010
67
No texto, informa-se que “pela Amazônia são comuns casos de onças que ficam
sem mãe, acabam recolhidos pelas pessoas e não aprendem a caçar, o que impede que
sejam devolvidos à natureza” (Globo Amazônia, 17/07/2010). Sobressaia a
generalização da informação ao invés de uma explicação detalhada, já que por serem
animais silvestres nem sempre podem ser “adotadas” por habitantes da região.
As imagens de um animal tido como um dos mais ferozes da selva aparentando
docilidade e amizade com o homem reforça a idéia da natureza exótica que precisa ser
protegida e domesticada. Na verdade, essa é uma perspectiva encontrada com
frequência no processo de construção da Amazônia espetacularizada pelos discursos
jornalísticos inspirados na visão colonialista presente na história oficial da região.
Muitas ambiguidades estão envolvidas nesse processo, como a admiração e o
medo, a curiosidade e o preconceito, as necessidades de explorar e de preservar. Pelo
que se observa, todos esses paradoxos passam a ser retomados nessas primeiras
experiências de cobertura da Amazônia no jornalismo online. No final do texto
jornalístico, essa contradição fica mais clara com o alerta sobre os perigos que
envolvem o contato do homem com a onça-pintada.
É importante ressaltar, no entanto, que estes animais não são adequados para domesticação, pois, quando adultos, têm comportamento imprevisível e podem representar perigo para as pessoas (Globo Amazônia, 17/07/2010).
Como foi mostrado, as duas notícias publicadas com a tarja “Vc participa”
dizem respeito à biodiversidade da Amazônia, tema que desponta em primeiro lugar no
noticiário de Globo Amazônia, seguido por “desmatamento e monitoramento”,
“queimadas” e “exploração medeireira”.
Tabela 4 – Temas mais abordados em Globo Amazônia
Temas - Globo Amazônia Junho Julho Agosto Total
Biodiversidade
Desmatamento e monitoramento
Queimadas
6
3
-
4
8
1
5
2
6
15
13
7
Exploração madeireira 1 3 2 6
Apreensão e tráfico de animais
Questão indígena
Código Florestal
1
2
1
3
1
3
2
2
-
6
5
4
Trabalhadores em condição de escravidão 1 1 - 2
Total 14 20 13 47
68
Sobre o assunto mais frequente nas notícias é necessário salientar os interesses
mundiais em torno da biodiversidade. Aqui não se faz referência ao risco de invasão da
Amazônia, como alardeou o Governo Militar ao incentivar a “ocupação” da região. É
preciso reconhecer, entretanto, o interesse político-econômico sobre o último grande
bioma razoavelmente conservado do planeta, como analisa Bentes (2005). Nesse
contexto, também estão envolvidos os interesses da biologia, da medicina, da indústria
farmacêutica e de outros setores produtivos que anseiam por um fluxo permanente de
novidades científicas e novos produtos que possam alavancar o seu desenvolvimento.
A Amazônia é a maior floresta preservada do planeta – com extensão de mais de cinco milhões de km², onde vivem cerca de 25% das espécies animais e vegetais da terra. Ela desperta não apenas os interesses econômicos dos países do G-7, mas também seu desejo de adquirir mais um privilégio: o controle político sobre o verde. (...) As elites europeias e norte-americanas vêem a territorialidade da Amazônia como um privilégio, e o querem para si. Daí o desejo de estabelecer controle sobre a região, manifesta já na conferência da ONU de 1972, expressa na idéia de soberania relativa do Brasil (BENTES, 2005, p.228).
A perda da biodiversidade é um dos argumentos centrais utilizados pelos
ambientalistas para pressionar o governo brasileiro a criar mecanismos de preservação
que mantenham intacta a floresta amazônica existente atualmente. Diante desse cenário,
a participação dos amazônidas nas reportagens sobre a biodiversidade constitui-se em
passo decisivo à qualificação da produção jornalística na web e, consequentemente, a
um debate politicamente mais igualitário diante dos diversos interesses já identificados
nos discursos sobre a região.
Enquanto a “biodiversidade” foi abordada 15 vezes, ocupando o primeiro lugar
entre os principais temas tratados no período, “desmatamento e monitoramento” é o
assunto de 13 matérias e, portanto, têm visibilidades muito próximas se for considerado
o aspecto quantitativo. No entanto, em terceiro lugar, surge “exploração de madeira”,
tema diretamente vinculado à questão do desmatamento, com seis matérias publicadas
em junho, julho e agosto de 2010.
A opção por não transformar os dois assuntos (“monitoramento do
desmatamento” e “exploração ilegal de madeira”) em um tema único, que poderia ser,
somente “desmatamento”, deve-se ao fato de que há especificidades importantes
incorporadas pelo site ao tratar de cada uma dessas questões, principalmente no que diz
respeito à seleção de fontes. Pelo mesmo motivo, optamos por não reunir em um mesmo
69
grupo “biodiversidade” e “apreensão ou resgate de animais” com a intenção de detalhar
a análise dos textos jornalísticos de acordo com as particularidades de cada questão.
É importante observar, entretanto, que, no contexto global, as notícias
vinculadas à biodiversidade e ao desmatamento representam aproximadamente 85% da
totalidade do corpus analisado, configurando-se como foco principal dos discursos do
webjornalismo ambiental de Globo Amazônia.
O monitoramento por satélites do desmatamento na Amazônia vem sendo
noticiado mensalmente nos sites que realizam a cobertura da agenda ambiental, como é
o caso de Globo Amazônia e Amazônia.org. O monitoramento também ganha destaque
na pauta dos meios de comunicação tradicionais e tornou-se assunto jornalístico de
grande relevância por conta da preocupação mundial com a divulgação de pesquisas
sobre as consequências do desmatamento da Amazônia, principalmente relacionadas ao
aquecimento global e à perda da biodiversidade51.
O monitoramento do desmatamento é realizado oficialmente pelo Instituto de
Pesquisas Espaciais (Inpe) com sede em Brasília, vinculado ao Ministério da Ciência e
Tecnologia. A principal metodologia denomina-se Prodes52, utilizada para estimar a
taxa anual do desmatamento bruto, detectando os desmatamentos de “corte raso”53
superiores a 6,25 hectares. Para isso, são usadas aproximadamente 220 imagens dos
satélites Landsat/CBERS. Em 2003, foi lançado o Prodes Digital, que passou a
disponibilizar, por meio da internet, imagens, mapas do desmatamento e estatísticas em
um banco de dados digital.
O Inpe também realiza mensalmente, desde 2004, um levantamento rápido
denominado Deter. Trata-se de um sistema de alerta para suporte à fiscalização e
controle do desmatamento. O Deter mapeia tanto áreas de corte raso quanto áreas de
desmatamento por degradação florestal. Segundo o Inpe54, ao analisar o dado de um
determinado mês é necessário fazê-lo em conjunto com a área de cobertura de nuvens,
que pode variar de um mês para outro e de um local para outro também.
51 Alguns exemplos de textos jornalísticos que enfocam as conseqüências dos desmatamentos e queimadas foram publicados no O Estado de São Paulo, como “Cai desmate na Amazônia e no Cerrado, aponta levantamento” ( http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110407/not_imp702739,0.php) e na F. de São Paulo, como “Amazônia teve pior seca em cem anos” (http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/870588-amazonia-teve-a-pior-seca-dos-ultimos-cem-anos.shtml). Acesso em 09.05.2011. 52 Informações detalhadas sobre a metodologia Prodes podem ser acessadas no site do INPE, no endereço http://www.obt.inpe.br/prodes/apresentacao_prodes.pdf. 53 Corte total da floresta, após retirada das espécies de valor comercial. 54 Dados do documento Resumo Deter 07/2010.
70
Já o Instituto do Homem e Meio Ambiente na Amazônia (Imazon) realiza
mensalmente um monitoramento paralelo ao efetivado pelo Inpe. Os boletins com os
resultados do monitoramento do Imazon, obtidos por meio do seu Sistema de Alerta de
Desmatamento (SAD), também ganham espaço de destaque nos sites Globo Amazônia e
Amazônia.org. O Imazon55, com sede em Belém (PA), é uma das ONGs ambientalistas
mais conhecidas dentre as que atuam na Amazônia, principalmente em função do
grande número de pesquisas que produz e divulga por meio de um ágil trabalho de
comunicação.
Devido à utilização de diferentes metodologias de análise das imagens de
satélite, os números divulgados mensalmente pelas duas fontes costumam ser
divergentes. No entanto, essa diferença não foi questionada em nenhuma notícia
publicada nos sites no período estudado. A ausência dessa discussão é um dado
importante para a reflexão sobre a cobertura do webjornalismo ambiental na Amazônia.
Divulgar os números sem construir um debate sobre as políticas de
monitoramento que guiam a atuação das duas fontes de informação (uma governamental
e outra vinculada às ONGs ambientalistas) é deixar de lado parte fundamental da
questão: os motivos que levam essas duas fontes a produzirem os dados por
determinada metodologia e não por outra; o papel do monitoramento no jogo de forças
em que se constituiu a área ambiental; a importância real desse processo de
acompanhamento enquanto instrumento capaz de subsidiar políticas públicas ambientais
nas esferas federal, estadual e municipal.
O não esclarecimento sobre as diferenças entre as duas formas de
monitoramento também revela que o discurso do webjornalismo online silencia a
complexidade da temática do desmatamento. Ao invés de investigar o que existe por
trás da questão, os sites trabalham apenas com a divulgação dos números dos boletins e
com a visão repassada pelos próprios produtores dos números, em detrimento de um
jornalismo mais interpretativo e investigativo.
Os textos jornalísticos que tratam da divulgação dos boletins do Inpe e do
Imazon têm uma estrutura muito parecida. Começam com os números do desmatamento
captados pelos satélites. Em seguida, os textos tentam traduzir as dimensões das áreas
desmatadas por meio de comparações com referências supostamente mais próximas do
55 Ver http://www.imazon.org.br para informações mais detalhadas sobre a atuação do Imazon na região Amazônica.
71
público que não é da Amazônia. Essas referências são o Parque do Ibirapuera ou a ilha
de Fernando de Noronha, por exemplo. Interessante notar que essas comparações
poderiam facilitar a compreensão da dimensão das áreas desmatadas apenas para quem
conhece os locais citados pelos autores das matérias.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais detectou desmatamento de 103,5 km² da floresta amazônica nos meses de março e abril de 2010. A área equivale a 64 vezes o tamanho do Parque Ibirapuera, em São Paulo, ou a quase seis vezes o tamanho da ilha de Fernando de Noronha, em Pernambuco. Os dados sobre desmatamento do segundo bimestre do ano foram divulgados nesta segunda-feira (7) (Globo Amazônia, 07/06/2010).
Também é publicada, na maioria dessas notícias, uma espécie de ranking dos
estados campeões de desmatamento. No entanto, os textos não explicam os fatores que
levam esses estados ao topo da lista, como suas dimensões físicas, suas histórias de
ocupação, suas economias, entre outros fatores que contextualizariam melhor a questão
e que poderiam ser disponibilizados por meio de hiperlinks. Além disso, são feitas
comparações com os índices de desmatamento detectados em anos anteriores ou nos
meses anteriores.
De acordo com o Imazon, o desflorestamento acumulado no período de agosto de 2009 a junho de 2010, que corresponde a 11 meses do calendário oficial de medição do desmatamento, atingiu 1.333km², o que equivale a um aumento de 8% em relação ao mesmo período do ano anterior, quando foram registrados 1.234 km² de devastação. A maioria do desmatamento de junho deste ano ocorreu no Pará (67%). O restante aconteceu no Amazonas (13%), seguido de Mato Grosso (10%), Rondônia (8%), Acre (1%), Roraima (0,5%) e Tocantins (0,5%) (Globo Amazônia, 27/07/2010).
Os dados contidos nos boletins de monitoramento, tanto do INPE como do
Imazon, são reproduzidos sem repercussão junto a outras fontes envolvidas com a
questão do desmatamento, como governos estaduais, municipais e órgãos de
fiscalização ambiental. Os produtores dos dados pautam a notícia e permanecem como
referência única sobre assuntos que importam a toda a sociedade.
A divulgação desses números revela uma prática jornalística que privilegia um
discurso pouco questionador. O leitor não conta com subsídios para refletir sobre a
importância dos mecanismos de monitoramento, muito menos para se questionar sobre
o contexto político em que estão envolvidos esses dados. Apresentados de forma
isolada, os números representam muito pouco quanto às causas e conseqüências dos
72
desmatamentos. Sem contar com os diversos atores sociais envolvidos na questão que
ficam excluídos do debate.
Assim, o jornalismo coopera para que o desmatamento seja visto como um
problema isolado e distanciado. É como se, por exemplo, o consumo de carne, madeira
e seus derivados nas grandes cidades estivesse dissociado desse processo. No período
pesquisado, o tema do consumo, seja no mercado interno brasileiro ou no mercado
externo, foi mencionado raramente como uma das causas primordiais do desmatamento
na Amazônia.
Prevalece majoritariamente, então, a visão detectada pelos satélites. Mesmo com
a possibilidade de imprecisão dessa informação em algumas circunstâncias – fatores
climáticos como a cobertura de nuvens em determinado período interferem no
desempenho do monitoramento – é ela que predomina no jornalismo online.
O monitoramento por satélite pode fornecer um parâmetro importante para o
controle do desmatamento, mas a visão unificadora da questão silencia um debate mais
complexo. Para isso, seria indispensável a realização de entrevistas com produtores
rurais, agricultores familiares, grandes distribuidores de madeira e carne e até mesmo
com especialistas de instituições locais usualmente não consideradas fontes das notícias.
Parte das matérias publicadas nos meses de junho, julho e agosto de 2010 sobre
o monitoramento do desmatamento trazem infográficos, mapas e imagens de satélite
que procuram complementar as informações contidas nos textos. Embora haja um
pequeno avanço em relação à utilização desses recursos, a inexistência de ferramentas
que promovam interatividade com o leitor e o diálogo com outros textos da web mostra
que o processo está bastante centrado na esfera da produção e há pouco espaço à
participação social, fator que leva o jornalismo online a se contrapor à interatividade
enquanto essência da web. Essa característica deveria ser aproveitada com criatividade
ao invés de ignorada.
Trata-se de um jornalismo instrumental, que se preocupa com a transmissão de
dados, números, informações oficiais, mas deixa a impressão de que este é um problema
circunscrito à Amazônia e aos “povos destruidores da floresta”, que prejudicam o meio
ambiente do planeta por não terem competência para gerenciar seus próprios recursos
naturais. Sobre esse tipo de prática comunicativa, Costa observa que está alicerçada em
modelos teóricos derivados da Teoria da Informação.
73
A concepção de comunicação implícita no “modelo informacional” é a de transferência de informação entre dois pólos: o emissor (que tem a intenção de intervir na realidade social considerando as características sociais e culturais do público) e o receptor (que participa no processo de comunicação de forma relativa e do qual se espera receptividade às propostas do emissor). A preocupação principal é em relação à clareza das mensagens (ajustadas às possibilidades de decodificação do receptor) e à eficácia da transmissão. A intenção é provocar um determinado efeito no receptor, que poderia ser avaliado através do feedback (adequação entre o dito, a forma de dizer e o compreendido, tomado como medida da eficácia) (COSTA, 2006, p.156).
Nesta situação, fica claro que a distância entre as redações e a Amazônia
influencia de forma definitiva na produção de notícias e na construção do discurso sobre
a Amazônia presente nessas experiências jornalísticas. A falta de uma concepção de
meio ambiente que integre os aspectos político, econômico, social e cultural está
diretamente ligada à rapidez da produção e veiculação de notícias que têm como base os
releases institucionais, sem a presença do repórter nos cenários dos acontecimentos.
3.1.3 O Eco Amazonia entre a possibilidade de inovação e as fontes consolidadas
Institutos de pesquisa, ONGs ambientalistas, o Governo Federal e os
movimentos sociais são as fontes mais presentes no período de junho, julho e agosto de
2010 no site O Eco Amazonia (ver tabela 5). Ressalta-se que as instituições de pesquisa
e as ONGs ambientalistas aparecem duas vezes mais do que o Governo Federal e os
movimentos sociais, mantendo praticamente o mesmo patamar de participação
encontrado em Amazonia.org e Globo Amazônia. Um diferencial está nas entrevistas
com membros da sociedade civil nas reportagens realizadas na própria região pelos
correspondentes do site, o que dificilmente ocorre nas demais experiências.
Tabela 5 – Principais fontes de O Eco Amazonia
Fontes - O Eco Amazonia Junho Julho Agosto Total
Instituições de pesquisa
ONGs
6
6
6
3
1
2
13
11
Governo Federal 2 2 2 6
Movimento Social e Sociedade Civil 2 3 1 6
Setor produtivo 0 0 2 2
Ministério Público Federal 0 0 1 1
Total 16 14 9 39
74
Embora apenas duas reportagens publicadas nesse período mostrem a
experiência dos jornalistas em comunidades amazônicas, percebe-se a intenção de
mostrar ao internauta a Amazônia de forma um pouco menos distante. Na texto
jornalístico intitulado “Estudo na floresta”56, publicado em 21/06/2010, o repórter
acompanhou uma visita de estudantes do ensino médio do município de Itaituba (PA) ao
Parque Nacional da Amazônia57. A visita foi articulada pela Associação de Amigos do
Parque Nacional da Amazônia (Amiparma), ONG fundada com recursos da
Conservação Internacional e gerenciada por moradores de Itaituba.
A reportagem foge do estilo de texto curto e objetivo predominante no
webjornalismo. Inicialmente, reflete sobre a falta de acesso ao conhecimento sobre a
floresta por parte dos habitantes das áreas urbanas da Amazônia. Vale ressaltar que
praticamente não foram encontrados outros textos que façam referências aos moradores
das áreas urbanas da região nos sites analisados. Mesmo as pessoas pertencentes a
comunidades rurais – mais próximas, portanto, da questão do desmatamento – raras
vezes são entrevistadas no material jornalístico estudado.
O repórter sustenta que não encontrou registro do hábito de “passear na floresta”
por parte das populações urbanas amazônicas nem mesmo na literatura. Deve-se
esclarecer, no entanto, que autores da região, como Dalcídio Jurandir e Haroldo
Maranhão, teceram suas narrativas com um profundo conhecimento sobre a Amazônia,
calcado no olhar endógeno apurado em anos de vivência na região.
Penso comigo se houve alguma vez em que a população urbana da Amazônia teve o hábito de passear na floresta. Procuro alguma pista nos romances escritos pelos autores da região, como o paraense Benedito Monteiro, por exemplo. Nada encontro (O Eco Amazonia, 21/06/2010).
Em Chove nos Campos de Cachoeira, que teve sua primeira edição lançada em
1941, Dalcídio já antecipava a preocupação com as queimadas, embora ainda não
existisse um movimento ambientalista constituído mundialmente. Apesar de o texto
dalcidiano fazer-se em íntimo enlace com a região, sua literatura não privilegia o
aspecto exótico frequentemente retomado para oferecer a Amazônia ao público externo.
56 Ver em http://www.oecoamazonia.com/br/reportagens/brasil/38-parna-amazonia. 57 O Parque Nacional da Amazônia se estende por mais de um milhão de hectares entre o Pará e o Amazonas.
75
E naquela noite, última noite em que Major Alberto falou dos campos comidos pelo fogo lá fora, o clarão era grande e Alfredo sonhou que o fogo também queimava o chalé e via as mãos de sua mãe como carvões. A noite sobre os campos queimados também se queima e perde a paz. Alfredo tem um sono como aqueles campos ardendo, como aquela noite queimada. E quando o vento cresce sobre os campos ouve-se no chalé o gemido da terra e da noite que o fogo queimou (JURANDIR,1997, p.18).
Um aspecto positivo da reportagem é a presença de Gilberto Nascimento Silva,
vigilante do Parque Nacional da Amazônia, um piauiense que chegou ao Pará na década
de 1990 seguindo um tio “aventureiro” – como descreve a reportagem – que pretendia
enriquecer trabalhando na mineração. A narrativa jornalística retoma a trajetória de
Gilberto no município de Itaituba (PA) desde a chegada até se estabelecer como
vigilante do parque. Também relata sobre sua relação com a fotografia, enfatizando a
vantagem de conhecer os hábitos dos animais do local para fotografá-los com mais
facilidade.
Seu diferencial é conhecer os hábitos da floresta. Quando sai pra fotografar, não espera contar com a sorte. Vai direto aonde sabe que vai encontrar o que busca. “Cada bicho tem seus horários, o que gosta de comer, a árvore que gosta de ficar”, ensina. A ararajuba, por exemplo, pode ser encontrada no final da tarde, nas árvores de murici ou aninhagá”, explica. “Tem também uma árvore que ninguém sabe o nome, que dá um coquinho que elas adoram. Ali, sempre fazem o ninho” (O Eco Amazonia, 21/06/2010).
Com isso, confirma-se que as matérias realizadas na Amazônia diferem daquelas
que também abordam a região, mas são produzidas externamente, a partir informações
geradas pelas ONGs e instituições de pesquisa. Percebe-se um esforço maior de
pluralização das vozes autorizadas a se expressar, embora não seja possível afirmar que
as vozes locais assumem a mesma importância das instituições científicas e ONGs
ambientalistas no discurso jornalístico.
A segunda reportagem analisada foi publicada em 19 de agosto de 2010 com o
título “Sumaúma vovó é celebridade da Amazônia”58. A repórter Juliana Radler esteve
na comunidade de Maguari, na Floresta Nacional do Tapajós, para conhecer de perto
uma sumaúma – também chamada de samaúma ou samaumeira – de mais de mil anos
bastante visitada por pessoas de fora da região.
Além de mostrar dados sobre a história da unidade de conservação federal e
sobre a comunidade local, a reportagem valoriza a fala de Walter Pinheiro, guia da
58 Ver em http://www.oecoamazonia.com/br/reportagens/brasil/57-sumauma-vovo-e-celebridade-da-amazonia.
76
Floresta Nacional do Tapajós e morador da comunidade de Maguari, em Belterra (PA),
disponibilizando um vídeo com registros da viagem da jornalista. Uma galeria de
imagens ganha destaque no início da página para mostrar a sumaúma, o guia e imagens
do local. Dos textos jornalísticos analisados, é o que mais se aproxima de um modelo
próprio de webjornalismo ambiental utilizando linguagem multimídia e certa interação
com o leitor, visto que todos as reportagens de O Eco Amazonia são abertas a
comentários.
Figura 7 – Reportagem publicada em O Eco Amazonia, 19/08/2011
77
A singularidade da reportagem não está nos dados apresentados, nem no
tamanho do texto, maior do que os demais sites costumam publicar. A presença da
repórter na Amazônia, procurando apurar os fatos de perto e conhecendo as pessoas que
vivem o cotidiano da região, cria oportunidades para o desenvolvimento de um material
jornalístico que não se prende exclusivamente ao texto escrito, mas que passa também
pela utilização da linguagem audiovisual para mostrar quem é Gilberto Silva, o vigilante
do Parque Nacional da Amazônia, por exemplo. O vídeo disponível com trechos da
entrevista dele e de outros moradores da localidade constitui-se como parte da narrativa
jornalística multimídia e não apenas um complemento do texto escrito.
É só na presença da população da região ou dos povos da Amazônia, como se
costuma designar, que o webjornalismo ambiental de O Eco Amazonia consegue
demonstrar mais criatividade e disponibilidade para ouvi-los sem o grande
distanciamento que caracteriza a maioria dos textos publicados na web.
Eram nove horas da manhã quando seu Walter nos aguardava nas margens do igarapé de águas transparentes da vila ribeirinha de Maguari. “Todo dia, eu ou um dos outros dois rapazes que trabalham de guia levamos turista para visitar essa árvore, batizada de Vovó. E é gente do mundo todo”, veio logo contando o simpático e comunicativo, Seu Walter (O Eco Amazonia, 19.08.2010).
Como defende a jornalista Eliane Brum, “olhar significa sentir o cheiro, tocar as
diferentes texturas, perceber os gestos, as hesitações, os detalhes, apreender as outras
expressões do que somos. Metade (talvez menos) de uma reportagem é o dito, a outra
metade o percebido” (2006, p.191).
As experiências de participação dos amazônidas como fontes das reportagens de
O Eco Amazonia atribuem qualidade jornalística à cobertura, mas deve-se considerar
que, como acontece em Amazonia.org e Globo Amazônia, o site mais recente também já
nasce tendo como suas principais fontes as instituições de pesquisa e ONGs
ambientalistas (ver tabela 5).
A reportagem intitulada “ No subsolo da Amazônia, o maior aquífero do
mundo?” apresenta a descoberta de um grande reservatório de águas subterrâneas na
região amazônica, entre os estados do Pará e do Amazonas59. Os pesquisadores da
UFPA que anunciaram a descoberta, em 2010, acreditam que se trate do maior aquífero
do mundo, o que despertou grande interesse jornalístico não só na web, mas também 59 Ver em http://www.oecoamazonia.com/br/reportagens/brasil/61-no-subsolo-da-amazonia-eis-o-maior-aquifero-no-mundo.
78
nos meios de comunicação tradicionais, como os jornais O Estado de São Paulo e A
Tarde e a revista Exame. Como os próprios pesquisadores consideram que são
necessários mais estudos para confirmar essa tese, a dúvida aparece em forma de
questionamento já no título da matéria.
É preciso considerar que perguntas raramente aparecem nos títulos jornalísticos.
Isso porque, em tese, todas as notícias precisam ser apuradas, confirmadas e só
divulgadas quando há certeza dos fatos a serem noticiados. Neste caso, há uma exceção.
Isso porque divulgar a existência não apenas de uma grande aquífero, mas do maior
aquífero do mundo – mesmo que sob a forma de interrogação – desperta a atenção não
só dos leitores como também da comunidade científica internacional e das fontes
financiadoras de pesquisa. Nesse caso, a aliança do discurso jornalístico com o discurso
científico gera vantagens para ambos.
Título: No subsolo da Amazônia, o maior aquífero do mundo? Lead: Uma informação divulgada em abril deste ano tem grandes chances de chamar muita atenção da comunidade científica, de ambientalistas e órgãos públicos. Os geólogos Milton Matta, Francisco Matos de Abreu, o engenheiro civil André Montenegro Duarte e o economista Mário Ramos Ribeiro, pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) e o também geólogo Itabaraci Cavalcante, da Universidade Federal do Ceará (UFC), afirmam que o Aquífero Alter do Chão, que se estende pelo Amazonas, Pará e Amapá, é dono da maior reserva de água doce subterrânea do planeta. (O Eco Amazonia, 31.08.2010).
No relato dos pesquisadores entrevistados é destacada a relevância da descoberta
e a surpresa causada na comunidade internacional. No entanto, o gerente de águas
subterrâneas da Agência Nacional de Águas (ANA), único entrevistado que não faz
parte do grupo de pesquisa da UFPA, observa que são necessárias provas que
confirmem a grandiosidade do aquífero afirmada pelos pesquisadores.
Para Fernando Roberto de Oliveira, gerente de águas subterrâneas da Agência Nacional de Águas (ANA), é perfeitamente possível que o Aquífero Alter do Chão seja de fato o maior do planeta. No entanto, salienta que ainda não existem provas que confirmem isso com certeza absoluta. “Eu acho um tanto quanto cedo para se fazer esta afirmação. Os conhecimentos são preliminares. Vamos ter uma possibilidade de afirmar isso com mais segurança quando tivermos informações com maior nível de detalhes”, diz (O Eco Amazonia, 31.08.2010).
A necessidade de chamar a atenção das agências de financiamento para a
obtenção de recursos financeiros que possibilitem novas pesquisas sobre o aquífero está
79
explícita na fala dos pesquisadores, quando explicam que o estudo inicial foi resultado
de tese de doutorado e teve seus custos bancados por outros projetos do grupo. Sendo
assim, não conta com recursos para a sua continuidade. A argumentação também inclui
as vantagens comparativas da utilização das águas subterrâneas em relação às águas
superficiais, que necessitam de tratamento para tornarem-se consumíveis.
Por isso, os pesquisadores têm escrito um projeto, cujo título provisório é “Sistema Hidrogeológico Grande Amazônia: Fundamentos para Uso e Proteção da Maior Reserva de Água Doce Subterrânea do Mundo” para o qual pretendem, desta vez, contar com ajuda extra. “O Guarani é um aquífero menor e recebeu 30 milhões de dólares, nós só pedimos cinco e pelo menos mais quatro anos para coleta de dados. Precisamos determinar com precisão as reservas totais de água do aquífero, bem como seu modelo de uso e proteção”, afirma Matta (O Eco Amazonia, 31.08.2010).
A reportagem não traz inovação no que diz respeito às possibilidades do
webjornalismo. Dois infográficos, um mapa e uma foto são os elementos visuais
utilizados sem possibilidade de interação com o leitor. O material não apresenta
qualquer particularidade voltada às características do jornalismo online e poderia até
ilustrar uma reportagem do impresso sem necessidade de maiores adaptações.
Assim como o discurso científico das instituições de pesquisa prevalece na
análise anterior, é a voz das ONGs ambientalistas que ganha espaço na reportagem
“Com os pés no chão”60, publicada em 1º de junho de 2010, em O Eco Amazonia. O
texto jornalístico aborda a retirada de Paragominas (PA) da lista dos municípios que
mais desmatam a Amazônia, por meio de uma portaria assinada pela então ministra do
Meio Ambiente, Izabella Teixeira, em 12 de abril de 2010. A ONG The Nature
Conservancy (TNC) é a primeira fonte citada na matéria.
De acordo com Francisco Fonseca, pesquisador da organização The Nature Conservancy (TNC), a virada em Paragominas começou muito recentemente, em 2008. Foi dela a iniciativa de fazer parte do programa Município Verde, fruto de uma parceria entre prefeitura e sindicato de produtores rurais, com apoio do Fundo Vale, da secretaria estadual de meio ambiente, entidades locais, além da TNC e o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que faz o monitoramento por satélite do desmate no município e entrega mensalmente à prefeitura índices e mapas sobre a existência de focos de calor e corte raso e degradação. Desta forma, o município tem condições de agir rápido e saber exatamente quem desmatou e onde (O Eco Amazonia, 01.06.2010).
O assunto enfocado na reportagem cria a necessidade de ouvir o executivo
municipal, o que só ocorre raras vezes nos três sites pesquisados. Já os governos 60 Ver em: http://www.oecoamazonia.com/br/reportagens/brasil/31-com-os-pes-no-chao.
80
estaduais e, principalmente, o federal aparecem com frequências maiores. A falta de
referências ao poder municipal nos demais textos analisados é outra evidência da
desvalorização das fontes locais nos textos pesquisados. No entanto, nesse caso, o
prefeito de Paragominas, Adnam Demachki, é a fonte que explica como aconteceu a
aliança com o setor produtivo no município.
O acompanhamento do desmatamento de maneira mais próxima resultou numa redução de quase 90% do corte entre 2007 e 2009 no município, comemora o prefeito. “Eu não baixei nenhum decreto de desmatamento zero. Chamei a população e construí tudo em conjunto,” diz Demachki. “Nossa preocupação não era só sair da lista, é com a etapa posterior. Estamos buscando um pacto pelo produto de origem responsável, seja madeira, carne ou grãos. Sabemos que a sociedade vai reconhecer este esforço e pagar mais por esta garantia”, continua o prefeito de Paragominas. Ele diz que por conta desse comprometimento, metade do seu tempo na prefeitura é gasto com assuntos ambientais (O Eco Amazonia, 01.06.2010).
Nenhuma outra fonte de Paragominas foi entrevistada. Assim, a reportagem não
inclui as impressões locais sobre a iniciativa de combate ao desmatamento, exceto a
participação do prefeito, que representa o discurso oficial da administração municipal.
O relato das experiências do setor produtivo, por exemplo, teria papel fundamental para
a compreensão do processo de combate ao desmatamento implantado no município,
bem como o posicionamento das associações de trabalhadores rurais e da própria
população da cidade que, em tese, poderia passar a enxergar o município de forma
diferente a partir de sua retirada da lista dos maiores desmatadores da Amazônia. Esse
fator só poderia ser confirmado, no entanto, em interlocução com os moradores de
Paragominas.
O pesquisador Adalberto Veríssimo, do Imazon, outra fonte vinculada às ONGs
ambientalistas, ganha espaço na conclusão da reportagem para explicar que foi criado
um fórum de municípios de base florestal com a participação de outros oito municípios
do leste paraense com objetivo de evitar o corte raso, trabalhar com manejo sustentável
e intensificar a agropecuária sem a abertura de novas frentes. Ele reconhece que as
parcerias locais são o ponto fundamental do processo. “Não basta só repressão, ela tem
o seu limite. Se não há parcerias locais, é difícil baixar muito o desmatamento”, diz
Adalberto Veríssimo, do Imazon (O Eco Amazonia, 01.06.2010).
A necessidade de participação local enfatizada pelo pesquisador como fator
fundamental para o combate ao desmatamento pode ser estendida ao webjornalismo
ambiental. Em ambos os casos, a visão de que os habitantes da Amazônia são incapazes
81
de pensar por si próprios, opinar e decidir sobre soluções para seus problemas
socioambientais contribui para o atraso do processo de engajamento da população aos
esforços voltados para o desenvolvimento sustentável da região.
Tabela 6 – Temas abordados em O Eco Amazonia
Temas - O Eco Amazônia Junho Julho Agosto Total
Pagamentos serviços ambientais 1 - - 1
Desmatamento -Paragominas sai da lista 1 - - 1
Produção de óleo de dendê 1 - - 1
Estudo no Parque Nacional da Amazônia 1 - - 1
Acordo Brasil-Peru produção de energia 1 - - 1
Padronização do REDD - 1 - 1
Estação Ecológica Grão-Pará - 1 - 1
Moratória da soja renovada - 1 - 1
Estudo seca e tempestade em 2005 - 1 - 1
Filhotes de peixe-boi resgatadados
Preservação de manguezais
Incêndios florestais na Amazônia Boliviana
Denúncia de grilagem no Terra Legal
Aquífero Alter-do-Chão
Samaúma da Floresta Nacional do Tapajós
-
-
-
-
-
-
1
1
1
-
-
-
-
-
-
1
1
1
1
1
1
1
1
1
Total 5 7 3 15
No site O Eco Amazonia, encontra-se uma pauta mais diversificada, muito por
conta do formato adotado no projeto, que privilegia reportagens e não textos curtos. A
presença dos jornalistas na região em parte das pautas também colabora para que o
projeto não fique preso ao noticiário factual. Ainda assim, percebe-se que as ONGs e
instituições de pesquisa influenciam na escolha dos temas abordados.
Por fim, é preciso considerar que nas primeiras experiências de cobertura da
Amazônia no webjornalismo ambiental destaca-se, em geral, a pouca utilização das
principais características da rede, como a hipertextualidade, que amplia o acesso a
informações de diferentes fontes jornalísticas, a interatividade e a mutimidialidade. Não
se confirma a utilização das potencialidades da internet para a construção de um
discurso jornalístico mais pluralista e menos autoritário sobre a Amazônia. Sobressai,
por hora, a reiteração do discurso monofônico científico-ambientalista que comporta os
padrões pouco democráticos já detectados no jornalismo tradicional.
82
4. WEBJORNALISMO AMBIENTAL: RECEPÇÃO E PARTICIPAÇÃO NAS
MÍDIAS SOCIAIS
Podemos dizer que as novas formas interativas de
acesso à informática e redes via web representam o
mais novo território de disputa e luta na sociedade.
(Pollyana Ferrari)
4.1 AMAZÔNIA, WEBJORNALISMO E REDES SOCIAIS
Neste capítulo, partimos para o estudo dos sites que compõem a pesquisa –
Amazônia.org, Globo Amazônia e o Eco Amazonia – sob um novo ponto de vista: o da
recepção e da participação nas mídias sociais. O objetivo é verificar como os três
projetos se inserem nas redes sociais e em que medida essa participação proporciona aos
leitores uma experiência mais democrática em relação aos debates propostos pelo
webjornalismo ambiental.
Por meio da observação dos projetos pesquisados nas mídias sociais e do
acompanhamento das mensagens postadas nos espaços disponíveis para comentários
dos leitores nos próprios sites, realizou-se uma análise atenta à recepção dessas
experiências jornalísticas, utilizando a própria internet como veículo para essa incursão.
Considera-se, desde já, a inadequação do conceito de recepção como apenas uma etapa
do processo de comunicação, principalmente com as novas possibilidades geradas pelo
jornalismo na web.
Como observa Martín-Barbero (2002, p.41), a visão condutista da recepção “está
permeada por uma concepção segundo a qual o receptor é uma vítima, um ser
manipulado, condenado ao que se quer fazer com ele”. Ao apontar a importância das
mediações, Barbero abriu espaço para um olhar menos determinista sobre a recepção e
os processos de comunicação na América Latina61. O autor também analisou as
mudanças nas subjetividades que emergem com a popularização das novas tecnologias.
61 Martin-Barbero (2003) observa que os sujeitos têm importância fundamental para a compreensão da comunicação de massa e não são simplesmente receptáculos do conteúdo produzido pelos meios. Ele procura ressaltar as inter-relações entre emissores e receptores e os fatores que interferem nessas relações. O conceito de mediações busca a complexidade da comunicação estendendo a análise às instituições, às organizações e aos sujeitos, às diversas temporalidades sociais e à multiplicidade de matizes culturais a partir das quais os meio-tecnologias se constituem.
83
É indubitável que a nova tecnologia já não é mais uma acumulação de aparatos, é um novo organizador perceptivo, um reorganizador da experiência social, no sentido forte da experiência, no sentido da sensibilidade, do sensorium a que se referia Walter Benjamin – esse sensorium das pessoas, não só das que têm computador, que têm cartão de crédito para pôr na máquina, mas de todas as pessoas (MARTÍN-BARBERO, 2002, p.46-47).
Aprofundar essa reflexão se faz ainda mais necessário na atualidade, quando a
internet permite que o cidadão também atue como produtor de conteúdos, se tiver ao seu
alcance um computador ou celular conectado à rede. Embora Amazonia.org, Globo
Amazônia e O Eco Amazonia ainda guardem características do que denominamos
comunicação de massa, é preciso considerar que tais iniciativas sofrem um grande
impacto das transformações que ocorrem na rede.
O fato de os três projetos terem criado microblogs no Twitter62 é um exemplo
disso. O sucesso de público das mídias sociais não pôde ser ignorado por nenhum dos
sites. Antes mesmo que o Twitter se popularizasse, Globo Amazônia já utilizava o
Orkut63 para atingir o público jovem.
Mas o que são, afinal, as mídias sociais? Alguns conceitos vêm sendo discutidos
por pesquisadores de diversas áreas, que vão da comunicação à educação, passando
pelos dos cursos tecnológicos. Explicitamos aqui duas definições oriundas da
comunicação social, área de saber em que está ancorada esta pesquisa. A pesquisadora
Raquel Recuero procura mostrar a relação entre redes sociais e mídias sociais.
Mídia social para mim é aquela ferramenta de comunicação que permite a emergência das redes sociais. Para permitir que as redes sociais emerjam, esses meios de comunicação precisam subverter a lógica da mídia de massa (um->todos) para a lógica da participação (todos<->todos)(como Palácios já falava desde 1995)64. Mídia social, assim, é social porque permite a apropriação para a sociabilidade, a partir da construção do espaço social e da interação com outros atores. Ela é diferente porque permite essas ações de forma individual e numa escala enorme. Ela é diretamente relacionada à Internet por conta da expressiva mudança que a rede proporcionou (RECUERO, 2008, p.1).
62 Ver em: HTTP://www.twitter.com. 63 A página do Orkut pode ser acessada em HTTP://www.orkut.com. 64 Refere-se pesquisador Marcos Palácios, da Universidade Federal da Bahia, citado no primeiro capítulo como um dos pioneiros dos estudos do jornalismo on-line no Brasil.
84
Bringnol e Cogo, por sua vez, definem o conceito de redes sociais observando que estas
não se constituem como espaços neutros, e sim como locais de articulação que reproduzem as
relações de força presentes na esfera social. As autoras fazem um alerta sobre as altas
expectativas geradas em torno do potencial das redes sociais para a resolução de problemas
comuns em um espaço igualitário.
Partimos do entendimento das redes como espaços de intercâmbios flexíveis, dinâmicos e em constante movimento, que não deixam de comportar relações de poder expressas nas disputas, hierarquias e assimetrias que constituem a esfera da comunicação e da cultura. As redes manifestam uma forma de estar junto, de conectar-se e formar laços, ao mesmo tempo em que podem implicar em um modo de participação social cuja dinâmica conduza ou não a mudanças concretas na vida dos sujeitos e das organizações (BRINGNOL e COGO, 2010, p.6).
Por hora, interessa-nos analisar a relação entre jornalismo e mídias sociais com o
objetivo de compreender de que forma as questões ambientais lançadas pelo jornalismo
online são transpostas para as redes e como vêm mobilizando os públicos dos sites
estudados.
4.1.1 O Orkut e a sedução do público jovem
O site de relacionamentos Orkut65, criado pela empresa Google, proporcionou as
primeiras experiências de participação dos projetos pesquisados nas mídias sociais.
Embora algumas análises66 considerem que o Orkut deverá entrar em fase decrescente
nos próximos anos por conta do avanço do Facebook e de mídias sociais mais recentes,
ele é considerado, no Brasil, como um dos maiores fenômenos da internet,
principalmente em função da simplicidade da sua interface e grande alcance de usuários
de todas as classes sociais.
O Orkut possibilita a troca de mensagens instantâneas e comentários, o
compartilhamento de imagens e vídeos, a participação em comunidades selecionadas
por área de interesse e a utilização de aplicativos67 que podem ser atrelados ao perfil do
65 O Orkut chegou ao Brasil em 2004 e inaugurou a popularidade das mídias sociais no país. 66 Em entrevista ao Estadão, o analista do Ibope Nielsen, Alex Banks, diz que há duas possibilidades: “ou o Orkut vai cair, como ocorreu em outros países, ou o Brasil vai continuar convivendo com duas grandes redes sociais na internet (Orkut e Facebook), o que pode acontecer já que o brasileiro é pioneiro em redes sociais”. Leia em: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110331/not_imp699650,0.php. 67 Aplicativos são programas desenvolvidos com objetivo de facilitar o desempenho de atividades práticas do usuário, seja no computador ou nos telefones móveis. Podem ser divididos em várias categorias, como aplicativos de entretenimento, música, educação, integração social, dentre outros. Fonte: http://apps.oi.com.br/2010/06/04/o-que-sao-aplicativos-2/. Acesso em 20.04.2011.
85
internauta. Atualmente, conta com 30 milhões de usuários no país, seguido pelo
Facebook, com 17 milhões, e pelo Twitter, com 12,6 milhões68.
Globo Amazônia foi o primeiro projeto do portal G1 e da Globo.com a criar um
aplicativo no Orkut voltado para o seu público. Ao utilizar o aplicativo Amazonia.vc
para protestar contra a devastação da Amazônia, o usuário é direcionado a sua página no
Orkut onde pode efetivar seu protesto, que é automaticamente computado no site Globo
Amazônia. Antes dessa iniciativa era impensável que um site vinculado à Rede Globo
encaminhasse o internauta a outro domínio fora do G1 e da Globo.com. Isso porque as
grandes empresas jornalísticas brasileiras temem compartilhar os acessos dos usuários
com as concorrentes.
Resolvemos começar o projeto com o aplicativo do Orkut porque queríamos chamar a atenção dos jovens urbanos para o problema da Amazônia. O desafio era tornar o tema interessante pra eles porque muitas vezes a forma como o jornalismo aborda as questões ambientais não é tão interessante pra esses jovens. Esse era um dos públicos que a gente queria que acompanhasse o projeto (Dennis Barbosa, editor de Globo Amazônia. Comunicação pessoal em 15.08.2010).
De fato, as redes de relacionamento caíram no gosto da juventude brasileira, e o
país é considerado campeão de acesso às mídias sociais. Segundo dados de 201069, 86%
dos brasileiros com acesso à internet, visitam alguma mídia social. Colhendo os frutos
de ter se associado ao Orkut, Globo Amazônia alcançou sucesso já na estreia.
O lançamento do projeto no programa Fantástico, com a divulgação do
aplicativo Amazônia.vc, foi outra estratégia utilizada para aumentar a visibilidade da
iniciativa. Ao mesmo tempo, os demais programas jornalísticos da Rede Globo
veicularam reportagens enfocando questões ambientais relativas à Amazônia e
reforçaram essa divulgação. Embora a equipe não seja autorizada a divulgar os números
de page views70 alcançados por Globo Amazônia, verifica-se no site que o aplicativo foi
instalado por 589.739 usuários do Orkut e foram registrados 55.182.590 de protestos
virtuais.
68 Informações da pesquisa Ibope Nielsen Online realizada em novembro de 2010. 69 Ver resultados completos da pesquisa em http://blog.nielsen.com/nielsenwire/global/social-media-accounts-for-22-percent-of-time-online/. 70 Acessos diretos ao site computados diariamente.
Figura 8: Página de acesso ao aplicativo
Do ponto de vista da recepção, uma deficiência clara do aplicativo
está na impossibilidade de qualificação dos protestos dos leitores, poi
comentar sobre o desmatamento ou a
Amazônia, verifica-se, por meio de um mapa
Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe), em quais localidades da Amazônia
estão ocorrendo queimadas e desmatamentos
que pretende protestar é encaminhado do
no Orkut, para efetivar seu protesto. No entanto, ele não conta com qualquer espaço
para escrever sobre o que pensa a respeito daquela situação. O aplicativo no Orkut
também não possibilita troca de ide
se ocorresse, tornaria a iniciativa mais
Um ranking com os internautas que
divulgado no site Globo Amazônia
identificação dos usuários que lideram o ranking
do Orkut, também é divulgada no
maior destaque. Nesse caso,
identidades na web, visto que, em busca dessa exposição midiática, alguns usuários
chegam a efetivar mais de mil
: Página de acesso ao aplicativo Amazônia.vc no Twitter
Do ponto de vista da recepção, uma deficiência clara do aplicativo
está na impossibilidade de qualificação dos protestos dos leitores, poi
comentar sobre o desmatamento ou a queimada em questão. No
se, por meio de um mapa atualizado com informações periódicas do
Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe), em quais localidades da Amazônia
estão ocorrendo queimadas e desmatamentos em determinado momento
que pretende protestar é encaminhado do site diretamente ao aplicativo
no Orkut, para efetivar seu protesto. No entanto, ele não conta com qualquer espaço
rever sobre o que pensa a respeito daquela situação. O aplicativo no Orkut
bém não possibilita troca de ideias entre os próprios internautas e a redação, o que,
se ocorresse, tornaria a iniciativa mais interessante.
Um ranking com os internautas que realizam maior número de protestos é
Globo Amazônia incentivando ainda mais o uso do aplicativo. A
dos usuários que lideram o ranking, com a publicação de sua foto no perfil
do Orkut, também é divulgada no site, criando uma disputa entre eles pelo posto de
Nesse caso, também cabe refletir sobre a questão da afirmação das
, visto que, em busca dessa exposição midiática, alguns usuários
chegam a efetivar mais de mil protestos em um único mês. Assim, a ferramenta também
86
Do ponto de vista da recepção, uma deficiência clara do aplicativo Amazônia.vc
está na impossibilidade de qualificação dos protestos dos leitores, pois não é possível
queimada em questão. No site do Globo
com informações periódicas do
Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe), em quais localidades da Amazônia
em determinado momento. O internauta
diretamente ao aplicativo Amazônia.vc,
no Orkut, para efetivar seu protesto. No entanto, ele não conta com qualquer espaço
rever sobre o que pensa a respeito daquela situação. O aplicativo no Orkut
ias entre os próprios internautas e a redação, o que,
maior número de protestos é
incentivando ainda mais o uso do aplicativo. A
, com a publicação de sua foto no perfil
eles pelo posto de
também cabe refletir sobre a questão da afirmação das
, visto que, em busca dessa exposição midiática, alguns usuários
im, a ferramenta também
87
funciona como um recurso de autopromoção para o projeto, ao divulgar números
grandiosos de protestos virtuais.
Além do aplicativo Amazônia.vc, o projeto Globo Amazônia é o tema principal
de algumas comunidades no Orkut. Apenas uma delas é de caráter oficial, a que foi
criada pelo jornalista Iberê Tenório, participante da fase inicial do projeto. A
comunidade tem 3.802 participantes e não é necessário solicitar ao moderador
permissão para tornar-se um novo participante. Por isso, é denominada pelo Orkut como
uma comunidade aberta.
A participação dos internautas nas comunidades do Orkut referentes a projetos
jornalísticos também tem potencial para constituir-se como um espaço dedicado à
interlocução entre os próprios receptores ou entre os receptores e os produtores de
notícias. O espaço denominado “Fórum”, presente em todas as comunidades, poderia
abrigar os debates sobre os temas das reportagens que mais interessassem ao leitor ou
sobre os assuntos polêmicos da área ambiental. Os internautas que vivem em regiões
diferentes do país teriam possibilidade de trocar ideias acerca das questões vivenciadas
no cotidiano.
As comunidades também disponibilizam um mecanismo simples para a
realização de enquetes. No caso do Orkut, as enquetes contam com espaço para
comentários e, portanto, poderiam ser aproveitadas como mais uma opção para o debate
dos temas ambientais referentes à Amazônia, propostas por qualquer um dos membros
da comunidade ou pelo próprio moderador.
No caso da comunidade oficial do projeto Globo Amazônia, nota-se um
subaproveitamento das ferramentas disponíveis e até mesmo a ausência da equipe do
projeto interagindo com o público. Todos os últimos tópicos debatidos no fórum foram
propostos pelos leitores, bem como as enquetes mais recentes. Embora essa liberdade de
manifestação dos participantes esteja prevista na própria estrutura das comunidades do
Orkut, nota-se que, com a falta de moderação e feedback dos produtores da notícia, as
discussões propostas não se aprofundam. Além disso, há um decréscimo acentuado de
participação dos internautas na proposição de novos temas ao fórum nos últimos meses
de 2010 e início de 2011.
Para exemplificar o que vem acontecendo, destaca-se um tópico postado em
agosto de 2010 por um membro da comunidade de Globo Amazônia. Ele propõe um
debate sobre a seguinte pergunta, seguida de algumas considerações.
88
Por que o exército não cuida da Amazônia? Acho que o exército deveria trabalhar com o Ibama. Já que a função do Exército é cuidar das matas! Na verdade, de que matas eles cuidam? (Fagno, post no fórum da comunidade Globo Amazônia no Orkut. 22.08.2009).
Percebe-se que, com a interferência de um moderador da equipe de Globo
Amazônia, a questão lançada pelo internauta poderia iniciar um debate oportuno sobre
as ações que precisam ser efetivadas para controlar a devastação da floresta amazônica.
Aumentar a presença das forças armadas ou dos órgãos de fiscalização seria a medida
prioritária para resolver os problemas ambientais? As ações de combate em vigência são
eficientes, até que ponto? O que seria um bom trabalho de prevenção das queimadas e
desmatamentos? O que pensam sobre o assunto, os internautas que vivem na região?
Alguns participantes da comunidade se prontificaram a opinar sobre o tema, ora
reclamando de que o Exército deveria mesmo estar mais presente, ora tomando partido
da instituição militar. Ainda se percebe, com frequência, o antigo temor de que a
Amazônia seja declarada território internacional, mas nenhum dos internautas chega a
mencionar aspectos fundamentais da questão, como a importância de se incentivar a
produção do conhecimento sobre a Amazônia ou o papel das populações locais na
utilização racional dos recursos naturais, temas que poderiam ser introduzidos pelo
moderador para elucidar os itens abordados no debate. Seguem alguns comentários
sobre a questão dos internautas.
Porque o Exército não cuida da Amazônia? Não é porque os soldados não querem e sim porque o governo não quer. Colocam os indígenas como fiscais de reservas... Que conhecimentos os índios têm de nossas leis? Será que é de propósito? Fica a pergunta. (Tereza, post no fórum da comunidade Globo Amazônia, no Orkut, 06.09.2009). Eu amo a Amazônia... Eu também acho que o Exército deveria trabalhar com o Ibama, já que a função do exército é cuidar das matas! (Bella Oliver, post no fórum da comunidade Globo Amazônia, no Orkut, 09.09.2009). O Exército tem feito e muito as funções de quem deveria fazer e não faz. É simples falar sem sentir, sem estar, sem se envolver e sem conhecer. O IBAMA não é atuante em áreas de florestas, a Polícia Federal mantém sua presença somente nas cidades interioranas dos estados situados na amazônia e não atuam porque também não é função deles, o Ministério da Saúde envia milhões e milhões de reais para ONG's de saúde e no entanto quem presta serviço humanitário, sanitário e cívico as populações menos abastadas e distantes do resto do mundo é o Exército. O Exército tem feito coisas que não é de sua jurisdição e não recebe um centavo do governo para isso. Se alguém quiser fazer alguma viagem pela floresta amazônica, mas eu digo "floresta mesmo", vai ver que não há a presença de nenhum orgão do estado nessas áreas, somente a presença militar do Exército Brasileiro, onde presta apoio as populações carentes e indígenas. (Cris, Ren e Gui, post no fórum da Comunidade Globo Amazônia, 23.09.2009).
Tbm acho q o exercito deveria atuar na fiscalização da amazônia e digo mais acho q essa é a única chance de salvar a amazônia pois só o ibama jamais ira dar conobvio [sic]... (Rodrigo, post no fórum da Comunidade Globo Amazônia, 14.09.2009).
O volume de postagens dos leitores, dos quais foi selecionada apenas uma
amostra, são uma prova de que os
intervir e comentar as questões ambientais amazônicas. O
aproveitar o debate deflagrado
matérias que esclarecesse
diferentes vozes envolvidas na questão. Afinal, a relação entre devastação ambiental,
proteção dos recursos naturais e soberania nacional é um assunto que permanece
muito tempo no imaginário da sociedade. Ao estimu
projeto responderia positivamente
Figura 9 – Comunidade oficial do projeto
Tbm acho q o exercito deveria atuar na fiscalização da amazônia e digo mais acho q essa é a única chance de salvar a amazônia pois só o ibama jamais ira dar conta de fiscalizar aquilo td, mas parece q esse governo n enxerga o obvio [sic]... (Rodrigo, post no fórum da Comunidade Globo Amazônia, 14.09.2009).
O volume de postagens dos leitores, dos quais foi selecionada apenas uma
amostra, são uma prova de que os internautas são ativos quando encontram espaço para
comentar as questões ambientais amazônicas. O site Globo Amazônia
deflagrado espontaneamente entre seus leitores para publicar
que esclarecessem sobre os temas enfocados na discussão, ouvindo as
diferentes vozes envolvidas na questão. Afinal, a relação entre devastação ambiental,
proteção dos recursos naturais e soberania nacional é um assunto que permanece
no imaginário da sociedade. Ao estimular um debate mais qualificado, o
positivamente a uma demanda gerada na própria recepção do
munidade oficial do projeto Globo Amazônia no Orkut
89
Tbm acho q o exercito deveria atuar na fiscalização da amazônia e digo mais acho q essa é a única chance de salvar a amazônia pois só o ibama jamais ira
ta de fiscalizar aquilo td, mas parece q esse governo n enxerga o obvio [sic]... (Rodrigo, post no fórum da Comunidade Globo Amazônia,
O volume de postagens dos leitores, dos quais foi selecionada apenas uma
ativos quando encontram espaço para
Globo Amazônia poderia
espontaneamente entre seus leitores para publicar
mas enfocados na discussão, ouvindo as
diferentes vozes envolvidas na questão. Afinal, a relação entre devastação ambiental,
proteção dos recursos naturais e soberania nacional é um assunto que permanece há
lar um debate mais qualificado, o
pria recepção do site.
4.1.2. O Twitter e a profusão de informações ambientais na
Assim como ocorre no
Amazônia e O Eco Amazo
profissionais dedicados especialmente às mídias sociais. Os próprios membros das
equipes atualizam os microblogs dos projeto
trabalhando na redação e edição das notícias dos
na maioria das vezes, para a divulgação das manchetes do dia e, raramente, para
responder às questões enviadas por internautas.
O Twitter foi criado em 2006 e chamou atenção de seus usuários por reunir as
funções de microblog71 e mídia social. Cada usuário utiliza a internet (por computador
ou aparelho celular) para atualizar sua rede de contatos
informações que desejar. Os
encaminhados automaticamente à lista de seguidores, que podem reencaminhar a
mensagem original a suas próprias redes
Assim, uma mensagem postada no
que foi cogitado inicialmente pelo seu autor.
Figura 10: Página do site Amazonia.org no
71 Segundo Gabriela Zago (2008, p.3)simplificados”, na medida em que possuem os recursos inerentes ao formato blog (como publicação de conteúdo em ordem cronológica inversa, e as demais características dos blogs), mas de forma simplificada. A principal diferença diz respeito ao fato de que as atualizações possuem limitação de tamanho, como no caso da ferramenta Twitter, na qual cada atualização não pode ultrapassar o limite de 140 caracteres (que é também o tamanho máximo permitido e
witter e a profusão de informações ambientais na web
omo ocorre no Orkut, as participações de Amazônia.org
O Eco Amazonia no Twitter não contam com o gerenciamento de
profissionais dedicados especialmente às mídias sociais. Os próprios membros das
equipes atualizam os microblogs dos projetos nos momentos em que não estão
trabalhando na redação e edição das notícias dos sites. Com isso, o Twitter
na maioria das vezes, para a divulgação das manchetes do dia e, raramente, para
responder às questões enviadas por internautas.
foi criado em 2006 e chamou atenção de seus usuários por reunir as
e mídia social. Cada usuário utiliza a internet (por computador
ou aparelho celular) para atualizar sua rede de contatos – os seguidores
sejar. Os tweets, mensagens escritas em até 140 caracteres, são
encaminhados automaticamente à lista de seguidores, que podem reencaminhar a
suas próprias redes por um mecanismo denominado
Assim, uma mensagem postada no Twitter pode alcançar visibilidade muito maior do
que foi cogitado inicialmente pelo seu autor.
Amazonia.org no Twitter
Segundo Gabriela Zago (2008, p.3), microblogs podem ser considerados como espécies de “blogs
simplificados”, na medida em que possuem os recursos inerentes ao formato blog (como publicação de conteúdo em ordem cronológica inversa, e as demais características dos blogs), mas de forma
ificada. A principal diferença diz respeito ao fato de que as atualizações possuem limitação de tamanho, como no caso da ferramenta Twitter, na qual cada atualização não pode ultrapassar o limite de 140 caracteres (que é também o tamanho máximo permitido em uma mensagem de celular).
90
Amazônia.org, Globo
não contam com o gerenciamento de
profissionais dedicados especialmente às mídias sociais. Os próprios membros das
s nos momentos em que não estão
Twitter é utilizado,
na maioria das vezes, para a divulgação das manchetes do dia e, raramente, para
foi criado em 2006 e chamou atenção de seus usuários por reunir as
e mídia social. Cada usuário utiliza a internet (por computador
os seguidores – com as
, mensagens escritas em até 140 caracteres, são
encaminhados automaticamente à lista de seguidores, que podem reencaminhar a
por um mecanismo denominado retweet.
pode alcançar visibilidade muito maior do
, microblogs podem ser considerados como espécies de “blogs simplificados”, na medida em que possuem os recursos inerentes ao formato blog (como publicação de conteúdo em ordem cronológica inversa, e as demais características dos blogs), mas de forma
ificada. A principal diferença diz respeito ao fato de que as atualizações possuem limitação de tamanho, como no caso da ferramenta Twitter, na qual cada atualização não pode ultrapassar o limite de
m uma mensagem de celular).
91
A possibilidade de divulgação em rede por meio do Twitter vem sendo
aproveitada por inúmeros projetos jornalísticos, sejam veículos da grande imprensa,
iniciativas de jornalismo alternativo, sejam projetos individuais de profissionais da área.
Por meio do dessa mídia social, o jornalismo ambiental potencializou a divulgação de
várias campanhas ambientalistas, como os casos do pedido de suspensão da construção
Usina Hidrelétrica de Belo Monte no Pará e o questionamento sobre as alterações do
Código Florestal Brasileiro, que tramita no Congresso Federal72.
Mesmo não sendo considerados campeões de popularidade no Twitter, os três
projetos contam com um público representativo em se tratando de jornalismo
especializado – segundo os dados do primeiro trimestre de 2011. Os microblogs de
Amazonia.org, Globo Amazônia e O Eco Amazonia possuem, respectivamente, 4.580,
43.739 e 1.345 seguidores73. Globo Amazônia fica distante dos programas mais
populares da Rede Globo no Twitter, como é o caso do programa dominical Fantástico,
que tem mais de 1.700.000 seguidores. No entanto, é mais popular em números do que
outros projetos de porte bem maior, como o canal a cabo Globonews
(@canalglobonews), que tem 29.014 seguidores.
A falta de profissionais destacados para pensar iniciativas diferenciadas de
interação voltadas às mídias sociais é um fator determinante no desempenho dos
projetos pesquisados no Twitter. As reproduções das manchetes dos sites acompanhadas
de seus links servem como um atalho para estimular a leitura do conteúdo jornalístico
dos sites e são um artifício para aumentar sua visibilidade. Muitos veículos jornalísticos
que estão na internet passaram a ser mais visitados por meio dos links compartilhados
nas mídias sociais do que por acesso direto a suas home pages74.
72 Alguns dos projetos e jornalistas especializados na área ambiental que estão no Twitter são o site de jornalismo ambiental Envolverde (@Envolverde), Sergio Abranches (@abranches), André Trigueiro (@andretrig), Globo Natureza (@G1GloboNatureza), Planeta Estadão (@planeta_estadao), Planeta Sustentável (@psustentavel), Altino Machado (@AltinoMachado), O Eco (@o_eco), entre outros. 73 Números verificados em 14.04.2011 no Twitter. 74 Ver o texto “Redes sociais passam a ser a grande porta de entrada aos jornais online”, publicado em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/blogs.asp?id_blog=2&id={397F8AB8-959E-4D70-9EB1-68F8AC17E9E9}.
Figura 11: Página de Globo Amazônia
No entanto, divulgar
um projeto jornalístico no Twitter
incrementar a interação entre jornalistas e leitores. Além de recomendar reportagens
para sua própria rede de seguidores por meio de
opinar sobre a produção jornalística e comentar os assuntos debatidos no momento.
Mesmo que a discussão não costume se aprofundar tanto, até em função da limitação de
caracteres das mensagens
interlocução entre receptores e produtores da notícia.
Para que essa troca com o
incentivo à participação, atenção aos comentários dos internautas
disposição ao diálogo, o que
jornalísticos refutados. Caso contrário, dificilmente
para continuar participando dos debates.
Foi o que aconteceu o dia 5 de abril de 2011. Um
da solicitação de suspensão do projeto de construção da Hidrelétrica de
Organização dos Estados Americanos (OEA),
75 O retweet é utilizado pelo usuário para reencaminhar uma mensagem postada no seguidores. 76 Atualmente já estão disponíveis aplicativos, como podem ser utilizados pelos usuários do Twitter para escrever mensagens maiores em uma espécie de texto suplementar, que será acessado por meio de um
Globo Amazônia no Twitter
No entanto, divulgar links de notícias deve ser apenas uma entre as funções de
Twitter. Bem utilizada, a ferramenta pode ser muito útil para
incrementar a interação entre jornalistas e leitores. Além de recomendar reportagens
para sua própria rede de seguidores por meio de retweets75, os internautas costumam
opinar sobre a produção jornalística e comentar os assuntos debatidos no momento.
Mesmo que a discussão não costume se aprofundar tanto, até em função da limitação de
caracteres das mensagens76, essas intervenções podem dar início a u
interlocução entre receptores e produtores da notícia.
Para que essa troca com o usuário ocorra efetivamente, é necessário que
atenção aos comentários dos internautas e, principalmente,
disposição ao diálogo, o que inclui a possibilidade de ter os posicionamentos
. Caso contrário, dificilmente os leitores se sentirão à
para continuar participando dos debates.
Foi o que aconteceu o dia 5 de abril de 2011. Um link para a notícia que trat
da solicitação de suspensão do projeto de construção da Hidrelétrica de Belo Monte pela
Organização dos Estados Americanos (OEA), postado no Twitter de
é utilizado pelo usuário para reencaminhar uma mensagem postada no Twitter
Atualmente já estão disponíveis aplicativos, como TwitLonger (http://www.twitlonger.compodem ser utilizados pelos usuários do Twitter para escrever mensagens maiores em uma espécie de texto suplementar, que será acessado por meio de um link no próprio espaço de um tweet comum.
92
a entre as funções de
. Bem utilizada, a ferramenta pode ser muito útil para
incrementar a interação entre jornalistas e leitores. Além de recomendar reportagens
s internautas costumam
opinar sobre a produção jornalística e comentar os assuntos debatidos no momento.
Mesmo que a discussão não costume se aprofundar tanto, até em função da limitação de
, essas intervenções podem dar início a uma valiosa
ocorra efetivamente, é necessário que haja
e, principalmente,
ter os posicionamentos
se sentirão à vontade
para a notícia que tratava
Belo Monte pela
de Amazônia.org,
Twitter a todos os seus
nger.com), que podem ser utilizados pelos usuários do Twitter para escrever mensagens maiores em uma espécie de texto
no próprio espaço de um tweet comum.
93
recebeu apoio da seguidora @Lulia, mas não houve qualquer resposta a essa
manifestação por parte da equipe do site. Com isso, os tweets não evoluíram para um
processo comunicativo relevante.
@AmazoniaOrg: OEA determina suspensão imediata de Belo Monte http://migre.me/4bAe6
@Lulia_: @AmazoniaOrg Todos estamos contra a construção de Belo Monte
A reflexão que se faz a partir dessa situação é de que, ao marcar presença no
Twitter, para divulgar seu conteúdo jornalístico sem dispor de profissionais para
responder às intervenções dos internautas e atender as suas demandas, os projetos
estudados abandonam um dos principais objetivos das mídias sociais, que é o de criar
uma comunicação em rede e não uma transmissão unilateral de informações como
acontece nas mídias tradicionais.
O contato inicial para a realização das entrevistas com os jornalistas das equipes
de Amazonia.org, Globo Amazônia e O Eco Amazonia para esta dissertação foi
realizado por meio do Twitter, no início do segundo semestre de 2010. A solicitação de
informações sobre os projetos mediante minha identificação como mestranda e
pesquisadora foi atendida pelos jornalistas com brevidade, o que possibilitou a
realização das entrevistas em São Paulo, em setembro do mesmo ano. Assim, o
encontro na rede social favoreceu o andamento desta etapa da pesquisa. Se a mesma
disponibilidade de aproximação e comunicação fosse garantida aos leitores, é possível
que as equipes jornalísticas pudessem contar com mais opiniões, com novas sugestões
de pauta e mesmo com uma reflexão mais amadurecida sobre a necessidade de
aperfeiçoamento do trabalho realizado nas mídias sociais.
Sobre o Twitter, deve-se considerar não só a agilidade da circulação da
informação postada nos microblogs, mas também a utilização que o internauta pode
fazer no sentido de propor conteúdo informativo próprio. Embora se saiba que a maior
parte dos usuários da rede ainda atue mais como espectador do que como produtor de
conteúdo, nada impede que essa realidade se altere nos próximos anos, forçando uma
nova relação com o usuário capacitado para gerar informações, emitir opiniões e
compartilhar suas experiências na rede, subvertendo o processo comunicativo
tradicional.
Figura 12: Página de O Eco Amazo
Os produtores de notícias podem utilizar as mídias sociais com diversos
propósitos, como o de divulgar
interessem a possíveis novos públicos ou mesmo para aproximar
habituais. A maior novidade para o processo comunicacional, entretanto, está na esfera
da recepção. Independente da vontade dos produtores de notícias, o sujeito encontra nas
mídias sociais espaço para se expressar sobre os temas abordados tanto no jornalismo
tradicional quanto no jornalismo
seu interesse com seus companheiros de rede, sejam eles amigos ou seguidores, como
no caso do Twitter, e até mesmo com desconhecidos, que, muitas vezes, tornam
novos contatos criados na rede.
Integrado às mídias sociais, o receptor passa a desenvolver um
com o jornalismo, muito mais participativa e até mesmo questionadora. As experiências
de jornalismo colaborativo
tendência e mostram que o receptor pode participar do processo de produção
e não apenas receber informações prontas para consumo.
de Ferrari, quanto à necessidade de se rever a linguagem utilizada
bastante pertinente.
77
Jornalismo colaborativo, jornalismo cidadão
utilizadas para tratar do jornalismo
celulares e os recursos disponíveis na web. O projeto
exemplo.
O Eco Amazonia no Twitter.
Os produtores de notícias podem utilizar as mídias sociais com diversos
propósitos, como o de divulgar links para suas manchetes, verificar assuntos que
interessem a possíveis novos públicos ou mesmo para aproximar-se de seus leitores
habituais. A maior novidade para o processo comunicacional, entretanto, está na esfera
epção. Independente da vontade dos produtores de notícias, o sujeito encontra nas
mídias sociais espaço para se expressar sobre os temas abordados tanto no jornalismo
tradicional quanto no jornalismo online. Além disso, ele pode discutir qualquer tema de
eu interesse com seus companheiros de rede, sejam eles amigos ou seguidores, como
, e até mesmo com desconhecidos, que, muitas vezes, tornam
novos contatos criados na rede.
Integrado às mídias sociais, o receptor passa a desenvolver um
com o jornalismo, muito mais participativa e até mesmo questionadora. As experiências
de jornalismo colaborativo77 constituem atualmente o estágio mais avançado dessa
tendência e mostram que o receptor pode participar do processo de produção
e não apenas receber informações prontas para consumo. Nesse sentido, a advertência
, quanto à necessidade de se rever a linguagem utilizada no
colaborativo, jornalismo cidadão e jornalismo participativo são algumas das terminologias
para tratar do jornalismo construído com a participação do cidadão, utilizando câmeras,
celulares e os recursos disponíveis na web. O projeto Ohmynews (http://english.ohmynews.com/
94
Os produtores de notícias podem utilizar as mídias sociais com diversos
para suas manchetes, verificar assuntos que
se de seus leitores
habituais. A maior novidade para o processo comunicacional, entretanto, está na esfera
epção. Independente da vontade dos produtores de notícias, o sujeito encontra nas
mídias sociais espaço para se expressar sobre os temas abordados tanto no jornalismo
. Além disso, ele pode discutir qualquer tema de
eu interesse com seus companheiros de rede, sejam eles amigos ou seguidores, como
, e até mesmo com desconhecidos, que, muitas vezes, tornam-se
Integrado às mídias sociais, o receptor passa a desenvolver uma nova relação
com o jornalismo, muito mais participativa e até mesmo questionadora. As experiências
constituem atualmente o estágio mais avançado dessa
tendência e mostram que o receptor pode participar do processo de produção da notícia
Nesse sentido, a advertência
no jornalismo, é
e jornalismo participativo são algumas das terminologias
construído com a participação do cidadão, utilizando câmeras,
http://english.ohmynews.com/ ) é um
95
A imprensa precisa reconhecer que os meios mudaram e com eles a produção e recepção da comunicação [...]. Temos que voltar para o passado e perceber que no século XIX, o jornal impresso e o livro foram os grandes transformadores da sociedade; no século XX, o cinema, o rádio e a televisão. Cada um desses meios e todos eles em remixagem determinam modificações globais de comportamento da comunidade, para as quais é necessário encontrar a linguagem adequada para os veículos do século XXI [...]. Não existe uma única fórmula de contar uma boa história. O primeiro passo é abandonar o discurso defensivo, antigo e arrogante. Temos que experimentar e tecer junto com o leitor (FERRARI, 2010 p.24).
Embora estejam presentes nas mídias sociais, as três experiências pesquisadas
continuam seguindo a cartilha do jornalismo tradicional ao manterem, atualmente, um
“espaço de segurança” entre elas e seus leitores. Esse distanciamento dificulta a crítica
do leitor em relação ao fazer jornalístico e, além disso, empobrece essas experiências
justo quando é necessário aprender com as mudanças na esfera da comunicação
desencadeadas pela internet. Ao privilegiarem a divulgação de seus produtos em
detrimento de uma relação mais estreita com o leitor, esses projetos deixam de lado a
essência das mídias sociais, que está na conversação em rede e no rompimento das
posições estanques entre produção e recepção.
Pela práxis jornalística tradicional, o controle da informação está no emissor (jornalista). Na práxis jornalística digital, deve-se privilegiar o sujeito que decide (sujeito conectivo=receptor), caindo assim por terra a teoria do gatekeeper. O papel do gatekeeper (porteiro) na teoria do jornalismo sempre foi selecionar a informação que será ingerida pelo leitor, fazendo com que o receptor não perceba a edição da informação (FERRARI, 2010, p.77).
É preciso considerar, entretanto, que o problema não está centrado apenas na
reconfiguração da atuação dos jornalistas. As próprias condições de produção não
favorecem um melhor aproveitamento das mídias sociais. Isso porque os projetos de
jornalismo na web quase sempre contam com equipes muito reduzidas, mesmo levando
em conta apenas o trabalho de produção e edição das notícias, quanto mais se for
considerada a dedicação necessária às novas demandas e oportunidades que surgem
com as mídias sociais.
Em muitos casos, mesmo grandes empresas jornalísticas ainda não reconhecem a
importância de preparar e apoiar a formação de comunicadores capazes de atuar de
forma criativa e diferenciada nas redes sociais, onde seu papel não está centralizado
apenas na produção de conteúdo. O resultado é que muitos jornalistas atuam na internet
de forma intuitiva, sem qualificação e planejamento adequados.
96
Ainda no que se refere às condições de produção deve-se considerar também o
cenário que envolve os oligopólios concentradores dos meios de comunicação em todo
o país. Os diversos veículos são tratados como bens e não como concessões públicas, o
que também influencia no processo de produção de notícias e entretenimento, já que
esses grupos possuem interesses políticos e econômicos próprios. Este padrão
monofônico e pouco dialógico, considerando-se os conceitos de Bakhtin, serve à
manutenção das assimetrias de poder e de recursos tecnológicos e econômicos, por
exemplo, interesses que se contrapõem aos do jornalismo de qualidade.
Momentos importantes da recente história mundial ressaltaram as
potencialidades das mídias sociais e devem suscitar sérias reflexões ao jornalismo. Em
2008, a campanha eleitoral do atual presidente norte-americano Barack Obama,
explorou ao máximo o contato direto com o eleitor nas redes sociais e logrou grande
popularidade na internet por buscar aproximação com o cidadão.
Em 11 de fevereiro de 2011, o ditador Hosni Mubarak, renunciou à presidência
do Egito, depois de quase 30 anos no poder. O processo revolucionário que levou à
queda de Mubarak começou a ser divulgado ao mundo no Facebook por usuários
contrários ao regime. Jornalistas alternativos também utilizaram a mídia social para
denunciar atrocidades que vinham sendo cometidas contra os opositores do regime.
Na área ambiental, também há exemplos de bom aproveitamento das
potencialidades das mídias sociais. No Facebook, o aplicativo “Contra o projeto do
novo Código Florestal” tornou-se bastante popular, reunindo quase 15 mil membros e
muitas manifestações dos internautas78. A catástrofe causada pelo terremoto seguido de
tsunami no Japão79, que provocou posterior vazamento nuclear na usina de Fukushima,
gerou debates nas redes sociais sobre os riscos da utilização da energia nuclear.
A rede social de compartilhamento de vídeos Youtube80, pouco explorada nos
projetos pesquisados, tem vários canais especializados em meio ambiente. Eles
disponibilizam conteúdo audiovisual que pode ser acessado gratuitamente e comentado
por qualquer internauta. O site O Eco, ao qual O Eco Amazonia está vinculado, mantém
78 O aplicativo pode ser consultado em: http://www.causes.com/causes/569333-contra-o-projeto-de-novo-c-digo-florestal?m=461d484c. 79 O terremoto seguido de tsunami ocorreu em 11 de março de 2011, matando mais de 14 mil pessoas no Japão. Segundo dados oficiais do governo japonês em abril de 2011 outras 11 mil ainda estavam desaparecidas. As regiões mais afetadas foram Iwate, Fukushima e Miyagi. 80 Com o slogan “Boadcast yourself” (divulgue-se), o Youtube foi fundado em fevereiro de 2005 para permitir o carregamento e compartilhamento de qualquer tipo de vídeo. Esse material também pode ser veiculado em blogs e sites por meio de um mecanismo desenvolvido pelo próprio site. Ver em http://www.youtube.com.
97
um canal para divulgação de vídeos com temática ambiental, mas não especificamente
sobre a Amazônia81. Outros exemplos são os canais Repórter Ecológico e Momento
Ambiental82. Nenhum dos três projetos pesquisados criou seu próprio canal de vídeo no
Youtube. Essa situação pode ser atribuída ao fato de que a maior parte do conteúdo
jornalístico não é apurada in loco, o que inviabiliza essa produção audiovisual voltada
para a internet.
4.2. OS COMENTÁRIOS DOS LEITORES E O ESPAÇO DA RECEPÇÃO
Outra ferramenta pouco explorada nas experiências estudadas é aquela que
possibilita a postagem de comentários dos leitores nas reportagens veiculadas pelos
sites. Embora seja criticada por permitir eventualmente o anonimato de internautas mal
intencionados, a ferramenta que permite a publicação das manifestações do usuário após
a leitura das notícias é utilizada em inúmeras experiências jornalísticas, em muitos
casos, com participação ativa dos leitores83.
Para ampliar o debate com o público, vários sites também disponibilizam um
mecanismo que possibilita postagens acerca de um outro comentário já publicado, uma
espécie de réplica dos demais internautas. Outros projetos jornalísticos veiculam
diariamente o ranking das notícias mais comentadas pelos leitores, servindo como
parâmetro de popularidade das reportagens. É o que acontece nos sites Folha.com e
Estadão.com.br.
Quanto aos sites englobados pela pesquisa, Amazônia.org não disponibiliza
meios a comentários em nenhum de seus textos. No período da pesquisa, Globo
Amazônia abriu apenas um mínimo de matérias a comentários dos usuários. Com isso,
deixaram de acompanhar os pontos de vista dos leitores sobre as questões ambientais
enfocadas na pauta e também inviabilizaram a interação entre eles. Uma das
dificuldades apontadas pela equipe de Globo Amazônia é a falta de tempo para o
81 Ver: http://www.youtube.com/user/CanalOEco?blend=2&ob=5 82 Ver: http://www.youtube.com/user/reporterecologico?blend=1&ob=5 e http://www.youtube.com/user/MomentoAmbiental?blend=1&ob=5 83 Ver os sites dos jornais New York Times HTTP://www.nyt.com, Le Monde HTTP://www.lemonde.fr, Le Figaro HTTP://www.lefigaro.fr e El país HTTP://www.elpais.es. Em nível nacional temos os sites de O Globo, http://oglobo.globo.com. Em nível local, citamos o Diário do Pará (HTTP://www.diarioonline.com.br), que também disponibiliza a ferramenta de comentários.
98
acompanhamento do fluxo de postagens dos leitores, o que poderia tornar a discussão
infrutífera, segundo tal argumentação.
Costumamos abrir aquelas matérias que a gente acha que podem render comentários interessantes: reportagens científicas ou de denúncias de crimes ambientais que as pessoas possam comentar. De repente, entra uma pessoa da região e pode acrescentar alguma coisa nova... Matérias mais de cunho político a gente não abre tanto, porque corre o risco de virar uma discussão partidária. A princípio, a idéia é abrir tudo, mas nem sempre isso acontece. (Dennis Barbosa, editor de Globo Amazônia. Comunicação pessoal em 15.08.2010 – itálico nosso).
Percebe-se na explicação do editor, a dificuldade que os sites noticiosos
encontram para lidar com a mudança do papel do receptor no jornalismo online. A
disponibilidade da ferramenta de comentários suscita uma série de dúvidas aos gestores
desses projetos: até que ponto vai a liberdade do internauta para escrever o que quiser
sobre os assuntos abordados? Comentários anônimos são legítimos? Profissionais do
jornalismo devem mediar os comentários? O próprio autor da reportagem deve
participar do debate ou apenas acompanhar o que dizem os internautas? E, por fim, vale
à pena abrir todo tipo de conteúdo jornalístico para os comentários dos leitores?84
A participação do leitor nas matérias sobre questões ambientais amazônicas
ganha importância maior se for retomado o problema da falta de espaço para a voz dos
amazônidas nas mídias tradicionais e mesmo no jornalismo online, como foi constatado
no capítulo anterior. Ao diminuir a importância dessa ferramenta em seus projetos,
essas experiências jornalísticas cortam mais um canal de interação com os leitores da
Amazônia, e mesmo de outras regiões, interessados em opinar sobre as questões
ambientais. A possibilidade de comentar o material jornalístico também é importante
para a interação entre os próprios leitores, ainda que seja necessário se deparar com
comentários que a equipe não considere propícios ao avanço do diálogo sobre os
desafios socioambientais da região.
Vale observar que os receptores dos sites estudados não constituem um público
homogêneo, assim como a recepção não é homogênea em nenhum processo
comunicativo. Por isso, é inevitável que o mediador se depare com opiniões divergentes
sobre a questão ambiental nos comentários do público. A aceitação e a exposição dessa
diversidade poderão legitimar a ferramenta de comentários como um espaço capaz de
84
Algumas dessas questões foram colocadas pela editora-chefe do G1, Marcia Menezes, durante sua
comunicação no XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), ocorrido em
setembro de 2009, em Curitiba (PR).
99
agregar as diversas concepções sobre o meio ambiente existentes na sociedade,
colaborando para o desenvolvimento de um debate mais pluralista sobre essas questões
de interesse público.
4.2.1 Comentários dos leitores em Globo Amazônia
Em 08 de junho de 2010, Globo Amazônia publicou a matéria intitulada
“Operação encontra trabalhadores alojados em estábulo de fazenda no Pará”, referente à
realização de uma fiscalização do Ministério do Trabalho para verificar as condições em
que viviam trabalhadores de fazendas de gado no estado. Na operação, foram
encontradas seis pessoas vivendo em condição análogas a de trabalho escravo em uma
propriedade localizada no município de São Félix do Xingu (PA). Segundo a notícia, os
trabalhadores estavam dormindo em um estábulo por falta de alojamento apropriado, em
área distantes da sede da fazenda.
Ao abrir a reportagem para as considerações dos leitores, Globo Amazônia
possibilitou que a diversidade de discursos circulantes sobre a questão do trabalho
escravo na Amazônia se revelasse na recepção. Embora não estejam devidamente
identificados nos comentários, percebe-se claramente a divergência entre os discursos
dos ambientalistas e dos proprietários rurais. Esse embate de ideias – que não foi
contemplado no texto jornalístico por conta da utilização de uma única fonte – eclode na
recepção.
No espaço de comentários aparece até mesmo a concepção de que “morar em
estábulo é melhor do que morar em barraco” (Comentário do leitor identificado como
Beto de São Miguel do Oeste-SC, Globo Amazônia, 08.06.2010). Ao invés de
considerar que todo trabalhador tem direito à moradia digna, o autor da postagem
observa que há gente em situação pior nas cidades. Outro internauta utiliza uma
argumentação bastante conhecida para tentar justificar as péssimas condições de
trabalho na zona rural ao alegar que os pecuaristas estão gerando empregos, enquanto os
que criticam a atividade não criam novos postos de trabalho (Comentário do leitor
identificado como Protestante, Globo Amazônia, 08.06.2010).
Figura 13: Comentários dos leitores de
Com a publicação das opiniões dos leitores é possível tomar conhecimento de
uma diversidade maior de noções, argumentações e idéia
sobre as questões amazônicas. Embora esse
sua importância está não só na liberdade de opinião sobre o trabalho jornalístico como
na própria constatação de que o papel do receptor mudou,
em pauta assuntos que dizem respeito a todos, como
ambientais.
Conhecer a diversidade dos atores sociais e de discursos que eles incorporam nas
disputas simbólicas pelo poder de decisão sobre as qu
fundamental. O jornalismo assume papel bem mais construtivo ao adotar uma conduta
pluralista, com a diversificação das fontes e a participação do público, principalmente
da região – aqueles que a vivenciam diariamente.
dos leitores de Globo Amazônia em matéria de 08/06/2010
Com a publicação das opiniões dos leitores é possível tomar conhecimento de
uma diversidade maior de noções, argumentações e idéias que circulam na sociedade
uestões amazônicas. Embora esse não seja um espaço de debate formalizado,
sua importância está não só na liberdade de opinião sobre o trabalho jornalístico como
na própria constatação de que o papel do receptor mudou, principalmente, quando estão
em pauta assuntos que dizem respeito a todos, como quando vêm a foco
Conhecer a diversidade dos atores sociais e de discursos que eles incorporam nas
disputas simbólicas pelo poder de decisão sobre as questões socioambientais é
fundamental. O jornalismo assume papel bem mais construtivo ao adotar uma conduta
pluralista, com a diversificação das fontes e a participação do público, principalmente
aqueles que a vivenciam diariamente.
100
Com a publicação das opiniões dos leitores é possível tomar conhecimento de
s que circulam na sociedade
não seja um espaço de debate formalizado,
sua importância está não só na liberdade de opinião sobre o trabalho jornalístico como
principalmente, quando estão
quando vêm a foco as questões
Conhecer a diversidade dos atores sociais e de discursos que eles incorporam nas
estões socioambientais é
fundamental. O jornalismo assume papel bem mais construtivo ao adotar uma conduta
pluralista, com a diversificação das fontes e a participação do público, principalmente
101
Para transformar o panorama que existe hoje na Amazônia, é necessário abordar
os conflitos ambientais em toda a sua complexidade, observando a influência decisiva
dos fatores socioambientais, históricos, além dos políticos, econômicos e culturais.
Nesse caso, torna-se importante conhecer até mesmo os discursos condenáveis do ponto
de vista ético, pois não há como combater as desigualdades sociais e os crimes
ambientais sem tomar conhecimento dos personagens que sustentam esse tipo de
discurso.
4.2.2. Comentários dos leitores em O Eco Amazonia
Embora todos os textos possam receber comentários dos leitores em O Eco
Amazonia, verificou-se que, após a mudança de projeto gráfico efetivada no segundo
semestre de 2010, muitos comentários dos leitores, postados em matérias anteriores a
esse período, sumiram do arquivo. O site manteve a ferramenta de comentários
disponível em todas as novas reportagens publicadas, mas não publicou explicação
sobre o fato.
Em 10 de junho de 2010, O Eco Amazonia publicou um texto sobre o “Programa
de produção sustentável de óleo de palma”, lançado pelo então presidente Lula da Silva,
em Tomé-Açú (PA). A reportagem intitulada “Dendê no Brasil: ideia de grandes
proporções” relata que um Zoneamento Agroecológico (ZAE) feito em parceria com a
Embrapa identificou 31,8 milhões de hectares para o cultivo em áreas degradadas ou
desmatadas de 14 Estados. Dos quase 32 milhões de hectares identificados, 28 milhões
estão na Amazônia Legal, a maior parte no Pará. A reportagem ouviu fontes que
relataram o temor de que a monocultura extensiva de dendê provoque inúmeros
impactos na região.
Para citar alguns, mudança de uso do solo, risco de concentração fundiária, perda de biodiversidade, disseminação de pragas e doenças e degradação do solo e da água, além da migração de populações da zona rural e de trabalhadores de outras regiões, o que pressionaria a infraestrutura e a capacidade de serviços público locais (O Eco Amazonia, 10.06.2010).
Diferente do que ocorre em Globo Amazônia, que tem o público mais amplo e
diversificado entre os três sites, em O Eco Amazonia, percebe-se uma maior
participação do público favorável ao discurso ambientalista. Dentre os que opinaram
102
sobre a matéria no espaço de comentários está João Meirelles, um dos entrevistados pela
jornalista Karina Miotto. Ele é diretor do Instituto Peabiru, ONG com sede em Belém.
Nestes comentários, João Meirelles e um leitor de Portugal referem-se à
jornalista pelo nome, demonstrando interesse em dar continuidade ao debate iniciado na
reportagem. O leitor português relata que seu país deverá importar óleo de palma do
Brasil e preocupa-se com a questão da garantia de que o produto seja realmente
certificado, “com garantias de desenvolvimento sustentável”. Também reaparece, no
último comentário, a questão da geração de emprego na Amazônia. “Criticar é fácil.
Quero ver é dar emprego respeitando a lei”, questiona o leitor que se identificou como
Celso, em resposta a uma mensagem anterior. Em ambos os casos, a participação da
autora da reportagem no debate poderia marcar o início de uma relação diferenciada
com o leitor, em que o caráter dialógico do webjornalismo prevaleceria.
Figura 14: Comentários dos leitores de O Eco Amazonia em matéria de 10/06/2010.
103
Ao analisar o potencial deliberativo dos comentários de leitores em notícias
publicadas na Folha de S. Paulo e em Folha.com, os pesquisadores Sampaio e Barros
defendem que a ferramenta oferecida pelos jornais online pode proporcionar condições
de manifestação que se aproximam do princípio da democracia deliberativa, em que os
assuntos públicos são debatidos por todos os que estão cientes de sua importância na
sociedade.
Além de ler a notícia, o leitor pode também apreciar a sua repercussão. Isso possibilita que, mesmo não participando do debate, possa entrar em contato com novas perspectivas, informações e posicionamentos que ele provavelmente não teria apenas lendo a matéria original. [...] O ambiente de comentários surge, assim, como possibilidade de enriquecimento da perspectiva do jornal no encontro com a opinião dos leitores (SAMPAIO E BARROS, 2010, p. 15).
Por outro lado, os autores apontam que a ausência da presença institucional do jornal
revela que, muitas vezes, as empresas jornalísticas estão mais interessadas em fidelizar
os leitores do que em democratizar a discussão. Outra questão importante é que a
existência da tecnologia não significa necessariamente que haverá a adesão massiva dos
leitores ao processo participativo. A motivação e a disponibilidade do cidadão para
engajar-se em debates dessa ordem dependem de inúmeros fatores, que vão da
capacidade de compreensão dos temas – o que está ligado, por exemplo, ao acesso à
educação de qualidade – ao amadurecimento do processo democrático.
4.3 NOVOS CAMINHOS À PRODUÇÃO E RECEPÇÃO DO WEBJORNALISMO
AMBIENTAL
Muito se discutiu sobre a centralidade que os meios de comunicação assumiram
no cotidiano, principalmente a partir do desenvolvimento e apropriação das novas
tecnologias da comunicação. No primeiro capítulo, ponderamos sobre a euforia gerada
em torno da aclamada revolução tecnológica, até por conta da realidade amazônica em
que esta pesquisa se insere. Embora reconhecida mundialmente como santuário
ecológico, trata-se da região com um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano
(IDH)85 do país e acesso restrito às inovações tecnológicas por parte da maioria da
população.
85 Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD - 2005), as regiões Norte e Nordeste têm os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, 0,764 e 0,720 respectivamente.
104
Apesar do marcante quadro de exclusão digital, as últimas pesquisas divulgadas
sobre o acesso à internet no Brasil mostram um constante crescimento do acesso na
região Norte86, embora ainda haja um longo caminho para se alcançar, de fato, um nível
razoável de democratização. Está claro que a internet vem transformando as relações
entre emissor e receptor nos processos de comunicação e também no webjornalismo. No
caso da Amazônia, esse processo pode ocorrer com atraso para grande parte da
população, mas as consequências não serão diferentes do que ocorre no resto do país.
Podemos, desde já, observar situações que comprovam a influência do jornalismo
online e das mídias sociais na região.
Em fevereiro de 2011, usuários do Twitter e do Facebook, principalmente de
Belém, utilizaram as mídias sociais para protestar contra o prefeito de Manaus
Amazonino Mendes, que destratou uma paraense moradora da periferia de Manaus que
reivindicava o direito à moradia digna após um deslizamento de terra no local.
A rápida circulação, nas mídias sociais, dos links dos jornais online com o vídeo
que comprova a atitude preconceituosa do político, fez com que os internautas
ultrapassassem o papel de receptores para protestar contra a humilhação sofrida pela
dona de casa. Eles postaram inúmeros comentários nas redes sociais e compartilharam
os links dos jornais online com suas redes de contatos, gerando uma onda de indignação
que acabou envolvendo pessoas de outras regiões.
O caso esteve entre os mais comentados no Twitter por mais de dois dias
consecutivos, numa demonstração de que um problema que ocorre em nível local pode
ganhar repercussão muito maior em questão de horas quando a mobilização social
ganha as redes. Por efeito dessa repercussão, o prefeito de Manaus responde a
processos judiciais protocolados por diversos agentes públicos e teve que se retratar
formalmente com a pessoa prejudicada e com o estado do Pará, local de origem dessa
senhora.
Diante desses fatos, torna-se difícil englobar em uma mesma categoria o
receptor do jornal impresso ou da televisão e as pessoas que participam ativamente dos
processos comunicacionais na internet. Cogo e Bringnol observam que é esse
86 A região Norte foi a que teve o maior crescimento em acesso à web entre o primeiro trimestre deste ano e o quarto trimestre de 2010, com expansão de 19, 2%, segundo a última pesquisa do Hitwise, serviço da Serasa Experian que monitora a internet. Ver em: http://www.teletime.com.br/18/04/2011/norte-e-a-regiao-que-mais-cresce-em-audiencia-mas-menos-acessa-internet/tt/221195/news.aspx.
105
reconhecimento das alterações nos polos da produção e da recepção que revelam a
complexidade do processo comunicacional que, no contexto da sociedade em rede, se
expressa na própria dificuldade de nomear o cidadão imerso na internet.
Como denominar um sujeito que a um só tempo, acessa um portal de notícias, cria uma mensagem em um fórum de discussão, envia um e-mail para um amigo e lê uma mensagem postada em um site de relacionamentos? Difícil chamá-lo de receptor quando ficam evidentes os seus processos permanentes de experimentação e a sua produção de conteúdos e de significações na web (COGO E BRINGNOL, 2010, p. 13).
No caso da Amazônia, é muito provável que daqui a alguns anos, diferentes
grupos sociais, como alunos de escolas públicas dos municípios mais distantes das
capitais, populações tradicionais e os próprios movimentos sociais tenham mais
oportunidades para se conectar à web e utilizá-la para expressar suas aspirações,
valorizar suas culturas e trocar informações sobre os assuntos que lhes interessem,
inclusive sobre as preocupações ambientais presentes no seu cotidiano.
Portanto, é necessário reinventar, na web, a cobertura jornalística dos assuntos
ambientais ligados à Amazônia e lançar um olhar especial à recepção. Tanto os leitores
da região quanto os demais usuários interessados no tema merecem uma cobertura mais
empenhada em estimular o debate, contextualizar os temas, desconstruir preconceitos e
propor novos caminhos e soluções para as questões ambientais. As características do
webjornalismo87 e das mídias sociais podem contribuir muito nesse processo de
mudança, se utilizadas com a intenção de estimular a participação do público e resgatar
o compromisso com o papel transformador do jornalismo.
87 Nos referimos aqui às características estudadas no primeiro capítulo: interatividade, convergência ou multimidialidade, hipertextualidade, personalização, memória e atualização contínua.
106
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As tecnologias não são neutras, pois hoje, mais do
que nunca, elas constituem grupos de condensação e
interação de interesses econômicos e políticos com
mediações sociais e conflitos simbólicos. Mas, por
isso mesmo, elas são constitutivas dos novos modos
de construir opinião pública e das novas formas de
cidadania, isto é, das novas condições em que se diz
e se faz a política. (Jesús Mantín-Barbero)
No início deste trabalho, abordamos as expectativas em torno do crescente
acesso dos brasileiros à internet e da possibilidade de se criar um jornalismo mais
pluralista e participativo com a utilização das ferramentas de interatividade e
hipertextualidade, dentre outras características próprias da rede. No que diz respeito ao
webjornalismo ambiental, esta seria uma grande oportunidade para a superação do
modelo de cobertura que privilegia um olhar estrangeiro e uma gama de ideias pré-
concebidas sobre a floresta e os “povos da Amazônia”.
Ao analisar as características dos sites Amazônia.org, Globo Amazônia e O Eco
Amazonia constatamos que essas iniciativas não utilizam grande parte dos recursos que
diferenciam o webjornalismo das formas tradicionais de jornalismo, em especial do
impresso. Embora esses sites tenham apresentado atualizações frequentes de notícias no
período estudado, eles disponibilizam poucos espaços à interação com o leitor, além de
baixa hipertextualidade, o que se constitue como subaproveitamento dos recursos
disponíveis na internet.
O site O Eco Amazonia diferencia-se um pouco, nesse aspecto, por permitir que
toda a sua produção jornalística receba comentários do leitor, embora os membros da
equipe não participem dos diálogos com os internautas sobre os assuntos abordados no
site. Nessa experiência, percebe-se uma preocupação maior em conceber material
específico para a internet, com a utilização de vídeos, galerias de imagens e infográficos
interativos, por exemplo. Em Globo Amazônia, essa preocupação é mais freqüente em
reportagens especiais, enquanto em Amazonia.org ela é bastante rara. Portanto, pode-se
dizer que, segundo a classificação de Mileniczuk, prevalece o jornalismo de segunda
geração na cobertura da Amazônia no webjornalismo ambiental nas experiências
estudadas.
107
O resultado do levantamento de fontes e temas mais frequentes no corpus de
textos jornalísticos selecionados reforça a tese de que essas experiências colaboram para
perpetuar as mesmas vozes que constituem fontes consolidadas no jornalismo
tradicional, detectadas em estudos anteriores, principalmente as ONGs ambientalistas e
os institutos de pesquisa.
Os textos jornalísticos, em sua maioria, não contam com os pontos de vista
elaborados em nível local, como os das populações tradicionais, associações de
trabalhadores rurais, setores produtivos, o que também confirma nossas suspeitas
iniciais, embora acreditássemos que, com a utilização da web na apuração das notícias,
haveria ao menos uma maior diversificação de fontes. As vozes das diversas populações
amazônicas permanecem silenciadas para dar espaço às falas inscritas nas formações
discursivas científica e ambientalista. Martín-Barbero reflete sobre essa hegemonia do
saber tradicional e verifica a chance de mudanças a partir do que chama de “novas
tecnicidades”.
Nossas sociedades são, ao mesmo tempo, “sociedades do desconhecimento”, isto é, do não reconhecimento da pluralidade de saberes e concorrências culturais que, sendo compartilhadas pelas maiorias populares ou as minorias indígenas e regionais, não estão sendo incorporadas/integradas como tais nem aos mapas da sociedade nem sequer aos de seus sistemas educativos. Mas a subordinação dos saberes orais e visuais à ordem habitual sofre atualmente uma erosão crescente e imprevista que se origina nos novos modos de produção e circulação de saberes e de novas escritas que emergem através das novas tecnicidades, especialmente do computador e da internet (MARTÍN-BARBERO, 2006, p. 55).
É preciso considerar ainda que os discursos das instituições de pesquisa e das
ONGs são difundidos de acordo com o enquadramento próprio ao jornalismo
tradicional, até por contarem com o suporte dos setores de comunicação das ONGs e
instituições de pesquisa, responsáveis pela divulgação de releases, relatórios de
pesquisa e boletins institucionais que traduzem as ideias dessas organizações.
Verifica-se que o distanciamento das redações em relação à região amazônica
não é o único motivo, mas certamente influencia de forma efetiva no panorama descrito
acima. Acreditamos que tanto na web quanto nos meios de comunicação tradicionais,
um jornalismo de qualidade exige apuração criteriosa da informação e não pode abrir
mão da presença do repórter onde os fatos acontecem. Além disso, o webjornalismo
ambiental tem como um de seus principais desafios promover, em sua produção, a
necessária integração entre os saberes tradicionais e os conhecimentos científicos
108
gerados pelos institutos de pesquisa e ONGs que atuam na área, privilegiando uma
prática jornalística mais dialógica.
Entre os temas mais enfocados nos textos analisados estão “desmatamentos”,
“biodiversidade”, “legislação ambiental”, em função da tramitação do projeto que visa a
alterar o Código Florestal Brasileiro no Congresso Nacional, “fontes de energia”, por
conta da polêmica que envolve a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, além
de questões indígenas. Entre os temas de interesse da região ausentes nos textos
jornalísticos destacam-se os problemas enfrentados no dia-a-dia dos amazônidas das
zonas urbanas e rurais. A falta de saneamento básico, por exemplo, envolve não só o
meio ambiente como as condições de saúde da população e não foi abordada em
nenhum texto analisado.
Nas matérias sobre o desmatamento prevalecem os números oficiais obtidos
pelos satélites do Inpe mensalmente, mas na maioria dos textos não são abordadas as
causas e consequências desse problema, que tem relação direta com o alto consumo
nacional e internacional de produtos da Amazônia oriundos de processos produtivos não
sustentáveis, como ocorre frequentemente em relação à carne e à madeira.
Consideramos que, nesse caso, o jornalismo assume papel meramente instrumental e
não levanta reflexões mais profundas sobre a responsabilidade de toda a sociedade na
solução dos problemas ambientais.
Outra ausência significativa na pauta diz respeito à atuação das empresas
multinacionais que atuam na Amazônia, como a multinacional Vale e demais
mineradoras, além de indústrias que utilizam mão de obra e matéria-prima da Amazônia
sem investir na verticalização da produção. Trata-se de uma ausência que prejudica a
compreensão do panorama amazônico em toda a sua complexidade, o que envolve
fatores ambientais, econômicos, políticos e, principalmente, históricos, visto que a
forma de atuação dessas empresas remonta à antiga e ainda presente concepção de que a
Amazônia é um reservatório de recursos naturais pronto a servir as áreas mais
desenvolvidas do país e, principalmente, o mercado internacional.
Como adverte o jornalista Lúcio Flávio Pinto, sem tomar ciência desse tipo de
informação, os habitantes da Amazônia são meros expectadores de um jogo cujas cartas
são definidas distante da região. Daí também a importância da atuação dos jornalistas e
comunicadores locais no sentido de efetivar projetos voltados à difusão de
conhecimentos socioambientais produzidos com base no pensamento crítico e soluções
formulados na própria região.
109
Para escapar à condição colonial que lhe impõem, o habitante da Amazônia tem que se esforçar ao máximo para aprimorar dois tempos: o da consciência e o da realidade. Como as decisões fundamentais, aquelas que mudam pra valer a trajetória dos fatos, são tomadas de fora pra dentro, com base em interesses complexos e profundos, ter ciência imediata dos acontecimentos é indispensável [...]. Temos, hoje, uma arma que faltou às nações coloniais do passado: a possibilidade de acesso às informações mais protegidas, mais escondidas e sonegadas, poderosas armas de preservação do poder estabelecido. Para obtê-las, porém, é preciso travar uma guerra pesada. Esse combate exige atenção permanente, busca incessante, capacidade de captar, analisar e interpretar os dados obtidos. Além de condições de transformá-los em ferramentas para a ação por parte dos que, nesses grandes acontecimentos, são todos espectadores ou paisagem (Jornal Pessoal, novembro de 2010).
Como foi constatado, os três sites estudados atuam nas mídias sociais. O site
Globo Amazônia utiliza o Orkut para possibilitar que seus usuários façam protestos
virtuais por meio do aplicativo Amazonia.vc, um mapa da região atualizado com dados
do Inpe sobre desmatamentos. Por não possibilitar que o usuário comente o protesto em
questão, essa ferramenta apresenta interatividade restrita. Por outro lado, permite que o
site exiba chamativos números de protestos, mesmo que não sejam qualificados. Temos
assim um aplicativo que promete interatividade, entretanto, também serve como
autopropaganda para o site.
No Twitter, a ação dos três projetos se contrapõe aos objetivos das mídias
sociais, visto que poucas vezes os profissionais responsáveis entram em contato direto
com os leitores. Ao privilegiar a divulgação das manchetes e não oferecer conteúdo
exclusivo para esta mídia social, essas experiências desperdiçam o potencial de
comunicação direta com o leitor. A falta de profissionais qualificados para atuar
especificamente nas redes sociais tem grande importância nesse contexto
Outro fator preponderante é a necessidade de revisão da própria prática
jornalística, ainda muito atrelada ao modelo mecanicista em que o emissor dita as regras
do processo comunicacional. Quando o usuário da internet passa a comentar, divulgar e
mesmo produzir informação, cabe ao jornalismo estimular essas novas experiências, até
para enriquecer os pontos de vista veiculados nas reportagens. Porém este potencial
ainda não foi incorporado aos sites pesquisados.
No início de 2011, o G1 lançou o projeto Globo Natureza, que inclui outra
página voltada ao jornalismo ambiental. A novidade foi apresentada ao público como a
“evolução” do projeto Globo Amazônia. Desde então, o site pesquisado neste estudo
passou a ser atualizado raramente, um indicativo de que, na prática, Globo Natureza
poderá substituir Globo Amazônia.
110
Embora Globo Natureza inclua matérias voltadas para a região amazônica, o
novo projeto abrange questões ambientais ocorridas em todos os biomas brasileiros, o
que certamente constitui uma proposta não muito diferente do que ocorre em qualquer
editoria de meio ambiente dos demais sites brasileiros. Um ponto importante a ser
observado é a falta de interesse em manter as duas páginas atualizadas diariamente e,
principalmente, em aperfeiçoar a cobertura de Globo Amazônia, que, como informado
por sua equipe jornalística, forjou-se como um dos projetos mais bem sucedidos da área
de internet da Globo em número de acessos.
Para a manutenção paralela dos dois projetos com atualizações diárias seria
necessária, entretanto, a contratação de uma equipe maior. Nota-se ainda que seria
impossível atribuir qualidade à cobertura sem investimentos em viagens frequentes à
região ou até mesmo na contratação e fixação de uma equipe local. Com Globo
Natureza, “renova-se” o projeto, mas não a fórmula de colher benefícios econômicos e
simbólicos por meio do noticiário ambiental, sem investimentos consideráveis na
qualificação do jornalismo.
O distanciamento jornalístico que enfatizamos nas análises dos textos traduz-se
como um envolvimento superficial com a região e com os dilemas socioambientais
vivenciados de perto pela população local. Tal questão é encontrada em maior ou menor
proporção nas três experiências estudadas. No entanto, não se abre mão de utilizar a
Amazônia como um catalisador de leitores preocupados com o futuro da região nem da
força simbólica do meio ambiente enquanto temática primordial na atualidade.
Constatamos, por fim, que existem recursos tecnológicos suficientes para que se
possa repensar a linguagem jornalística na web e oferecer ao público uma nova
experiência com o webjornalismo, mas é necessário observar que a interatividade
humana entre leitor e jornalista não pode mais permanecer em segundo plano, sob pena
de as iniciativas jornalísticas apresentarem-se defasadas antes mesmo de sua
consolidação.
No que diz respeito à Amazônia, destacamos a necessidade de reconhecimento
dos direitos de suas populações, entre eles o de ter sua voz representada em espaços
iguais aos dedicados a qualquer outro setor da sociedade. A humanização da cobertura
jornalística se constitui, assim, como um passo inadiável para um webjornalismo
ambiental de melhor qualidade e mais pluralista do ponto de vista discursivo.
111
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ANEXOS
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Ficha de coleta e avaliação de notícias
Data: ___/___/ ___
Site: ( ) Globo Amazônia ( ) Amazônia.org ( ) O Eco Amazonia
Título da matéria: ____________________________________________________
___________________________________________________________________
Chamada de capa: ( ) sim ( ) não / Com imagem ( ) Sem imagem
Manchete: ( ) sim ( ) não
Tema principal:_______________________________________________________
____________________________________________________________________
Autor:_______________________________________________________________
Fontes de informação: __________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
Imagens: ( ) fotografia ( ) ilustração ( ) infográfico ( ) mapa ( ) nenhuma
Ferramentas de interação: ( ) Sim ( ) Não Quais?_______________________________________________________________ _____________________________________________________________________ Hipertextualidade: ( ) Sim ( )Não Personalização: ( ) Sim ( ) Não Multimidialidade: ( ) Sim ( )Não
Informações adicionais: ________________________________________________
___________________________________________________________________
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Perguntas para os profissionais das redações*
1) Quando foi criado o site e de quem foi a ideia? Quais eram os objetivos do projeto?
2) Esses objetivos têm sido alcançados? Permanecem os mesmos ou foram alterados ao longo da experiência?
3) Como o site se mantém financeiramente?
4) Como analisa a interação entre a equipe e os leitores/usuários do site? Eles sugerem pautas, opinam sobre o conteúdo?
5) Que fontes mais fornecem informações relevantes?
6) Como o site acessa a população que não vive nas capitais da região para entrevistas?
7) Existe articulação da equipe do site com os movimentos sociais da Amazônia?
8) Quantos acessos o site recebe em média por dia?
9) Qual a equipe atual no site? Qual a função de cada profissional?
10) Com que frequência os repórteres viajam para a Amazônia?
11) Porque considera importante que os assuntos ambientais relacionados à Amazônia estejam na internet?
12) Como é elaborada a pauta diária ou semanal?
13) Como é possível cobrir a Amazônia estando tão distante da região?
*Ao longo das entrevistas outras questões foram incorporadas de acordo com as informações prestadas pelos jornalistas.