Amazonia Publica

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levantamento feito pela Agência Pública de Jornalismo

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  • A M A Z N I A P B L I C AA M A Z N I A P B L I C A

  • A CLUA no compartilha necessariamente dos pontos de vista expressos neste livro.

    Todos os mapas cedidos pelo Imazon. www.imazon.org.br

    Marina AmaralMaurcio Moraes e Spensy PimentelVeruscka GirioDanielle Noronha Lilian do Amaral Vieira e Ricardo JensenSofia Amaral

    CooRDeNAo.oRGANizAo.

    PRoJeto GRfiCo.eDio De ARte.

    ReViSo. PRoDuo.

    O projeto Amaznia Pblica foi realizado com apoio da CLUA Climate and Land Use Alliance.www.climateandlandusealliance.org

    Pblica Agncia de Jornalismo InvestigativoDiretoras: Marina Amaral e Natalia Viana

    Rua Vitorino Carmilo, 459 Barra Funda.So Paulo, SPwww.apublica.org

    Amaznia Pblica / 1. ed. So Paulo, SP: Pblica, 2013

    ISBN: 978-85-67527-00-0

    1. Jornalismo. 2. Reprteres e reportagens. I. Ttulo

    07-3897 CDD-070.43

    DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO NA PUBLICAO (CIP)

  • Marina AmaralMaurcio Moraes e Spensy PimentelVeruscka GirioDanielle Noronha Lilian do Amaral Vieira e Ricardo JensenSofia Amaral

  • Sumrio.Amaznia, uma pauta pblica

    Desmatamento traz pobreza para populao

    Tapajs. Arquitetura da destruio

    Prontos para resistirA discrdia do desenvolvimento

    Juruti: um pacto possvel?

    Madeira.A guerra dos megawatts

    Um rio em friaVidas em trnsito

    Os trabalhadores que pararam o progresso

    Carajs.Viagem a Cana

    Dentro da fl oresta, a Vale tem pressaNo apito do trem, o barulho do terror

    Por que a Vale foi eleita a pior empresa do mundo?Sujos de carvo

    _ 9_ 10

    _ 14_ 17_ 25_ 33_ 41

    _ 50_ 53_ 59_ 65_ 71

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    Amaznia, uma pauta pblicaA maior floresta remanescente do planeta ocupa 60% do territ-

    rio nacional e o lar de 25% dos brasileiros. Boa parte deles vive em co-munidades tradicionais (indgenas, quilombolas e ribeirinhos), mas no recebe cobertura sistemtica da mdia. As notcias publicadas restrin-gem-se a um ou outro crime de maior repercusso frequentes na rea, que vive uma grande disputa por territrio ou aos ndices de desma-tamento sazonais, divulgados por ONGs e institutos oficiais de pesquisa.

    O resultado que poucos brasileiros conhecem a realidade ama-znica ou se sentem preparados para opinar sobre os intensos dilemas que envolvem o desenvolvimento econmico da regio. Investimentos pesados em obras de infraestrutura, defendidos pelo governo brasileiro, trazem consequncias para a populao local e para o futuro da floresta. Empresrios, especialmente do setor da minerao, construo e ener-gia eltrica, buscam capitalizar seus recursos naturais.

    O projeto Amaznia Pblica, realizado pela Pblica agncia de jornalismo investigativo sem fins lucrativos , partiu dessa constatao e da urgncia do debate democrtico para decidir como proteger esse territrio nesse momento intenso de urbanizao, explorao de re-cursos minerais para exportao, desmatamento e conflitos fundirios. Como reprteres, acreditamos que trazer essa realidade para o debate pblico a contribuio que o jornalismo pode dar para futuro da regio.

    O livro que se apresenta a seguir fruto do trabalho de trs equipes de reportagem entre julho e novembro de 2012 em trs regi-es-chave da Amaznia: o rio Tapajs, no oeste do Par, ameaado por uma srie de hidreltricas e projetos de minerao; o rio Madeira, em Rondnia, transformado pela construo de duas enormes hidreltricas que comeam a entrar em operao; e o polo exportador de minrio de ferro que parte das minas da Floresta Nacional de Carajs, no sudeste do Par, e corta o oeste do Maranho em direo ao terminal martimo de exportao.

    Publicados originalmente no site da Pblica entre novembro e dezembro de 2012, com edio de Spensy Pimentel, os textos foram no-vamente organizados e atualizados pelo editor Maurcio Moraes.

    A eles e a toda equipe de reportagem identificada em cada uma das reportagens, o nosso muito obrigado por contribuir para fazer da Amaznia uma pauta pblica.

    Marina AmaralDiretora de Jornalismo da Agncia Pblicahttp://apublica.org

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    O desmatamento na Amaznia Legal passa por um momento delicado. O ritmo de der-rubada da floresta comeou a diminuir em 2004 e, de 2008 para 2009, caiu significativamente. Nos ltimos anos, porm, a queda do desmatamento tem sido lenta. Uma mdia de 6.400 km2 foi desmatada por ano entre 2009 a 2012, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Es-paciais (Inpe). O nmero preocupa, embora represente uma reduo de quase 80% do ritmo de desmatamento desde 2004. Na poca, a situao ficou to crtica que obrigou o governo federal a iniciar uma intensa ofensiva contra o corrento e as queimadas (utilizadas principalmente pela agropecuria). Iam ao cho 27,7 mil km2 de floresta nativa por ano, rea equivalente ao Estado de Alagoas, com 27,8 mil km2.

    Para Adalberto Verssimo, pesquisador snior do Imazon ONG que, entre outras fun-es, monitora o desflorestamento na Amaznia Legal , as taxas atuais ainda incomodam. Ele lembra que, entre 2016 e 2020, o pas se comprometeu a reduzir o desmatamento para 3.300 km2 por ano, incluindo a o desmatamento legal. Nos Boletins do Desmatamento (SAD) do Imazon, os nmeros acumulados entre 2012 e 2013, por exemplo, mostram que a taxa de desflorestamen-to aumentou 92% entre agosto de 2012 e julho de 2013, totalizando 2.007 km2 contra 1.047 km2 no perodo anterior (agosto de 2011 e julho de 2012).

    Os nmeros da ONG so sempre menores do que os do Inpe, por causa da diferena de metodologia adotada. O Imazon SAD captura apenas os desmatamentos acima de 12,5 hectares (equivalentes a 12,5 campos de futebol) e divulga os resultados mensalmente. O sistema oficial do Inpe (chamado Prodes) detecta o desflorestamento em reas menores, a partir de 6,25 hecta-res, e produz relatrios e mapas anuais.

    De acordo com o Imazon SAD, o desmatamento acumulado no perodo de agosto a setem-bro de 2013 totalizou 288 km2, reduo de 57% em relao ao mesmo perodo do ano anterior, quando o desmatamento somou 663 km2. Estamos em uma gangorra, em um sobe e desce em relao ao perodo anterior, diz Verssimo. Em 2012, estabilizou-se em torno de 4.500 a 5.000 e a minha avaliao a de que, em 2012-2013, vai subir um pouco, para 5.000 a 6.000 km2. J para 2013-2014, a tendncia de queda, embora um patamar desse nvel ainda nos preocupe.

    GrILeIros No so os NICos que desMAtAM Em quase dez anos, as causas do desmatamento pouco mudaram. O que o Imazon chama, nos seus boletins, de desmatamento em reas privadas ou de posse so, em sua maioria, terras invadidas por grileiros. Alm desses agentes principais, tambm ocorre a derrubada da floresta amaznica por meio do prprio governo, ao tocar grandes obras na regio. No boletim do Ima-zon de setembro de 2013, por exemplo, a maior parte do desmatamento (61%) ocorreu em reas privadas ou sob diversos estgios de posse. O restante foi registrado em unidades de conserva-o (27%), assentamentos de reforma agrria (10%) e terras indgenas (3%).

    Um estudo divulgado em junho de 2013 pela ONG mostra que, entre agosto de 2012 e maro de 2013, as reas protegidas mais desmatadas da Amaznia estavam concentradas em

    por TniA RAbello

    Apesar de ter sofrido grande reduo desde 2004, derrubada da Amaznia diminuiu pouco nos ltimos quatro anos; dos dez municpios mais atingidos, oito caram no ranking do IDH

    Desmatamento traz pobreza para populao

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    torno de obras do Programa de Acelerao do Crescimento (PAC), do governo federal. Foram removidos 208 km2 de floresta nativa, justamente em unidades criadas para garantir a sua pre-servao. Entre as obras responsveis por essa presso sobre a Amaznia esto a usina de Belo Monte, no rio Xingu, e as hidreltricas previstas para o rio Tapajs, no Par cuja construo ainda nem comeou.

    O Par, alis, o campeo do desmatamento no Brasil. De acordo com os dados do Inpe, foram eliminados no estado 1.741 km2 de floresta em 2012. O nmero representa 38% dos 4.571 km2 de desmatamento detectados naquele ano pelo instituto. Em seguida, praticamente empa-tados, aparecem Rondnia, com 773 km2, e Mato Grosso, com 757 km2. O Amazonas ficou em quarto lugar, com 523 km2, e o Acre ocupou a quinta posio, com 305 km2.

    Embora o desmatamento tenha se reduzido significativamente de 2004 para c e eu acho difcil que voltemos ao patamar de dez anos atrs , a sua lgica continua a mesma, que a do imediatismo e do poder econmico, critica a secretria executiva do Instituto So-cioambiental (ISA), Adriana Ramos. Ela se preocupa, ainda, com a sensao de impunidade proporcionada pelo novo Cdigo Florestal, que anistiou desmatamentos feitos at julho de 2008. O texto reduz a possibilidade de controle porque flexibiliza regras, ao afirmar que, em cinco anos aps a vigncia da lei, elas podujero ser revistas, explica Adriana. Ou seja, pode haver desmatamento hoje j pensando que, em cinco anos, os infratores sero nova-mente anistiados.

    uma dinmica difcil de conter. As polticas pblicas de manejo sustentado da floresta que permitiriam a sustentabilidade no s do meio ambiente como da populao amaznica so de lenta implementao e de resultados tambm mais lentos em relao aos mecanismos tradicionais do desmatamento, afirma Adriana. Vrios estudos apontam que a eco-nomia movida pelo desmatamento tem vida curta e beneficia poucos, enquanto polticas efetivas de preservao e manejo sustentado da floresta seja para extrao de madeira ou de produtos da prpria flora e fauna, desde que feita de maneira sustentvel trazem mais benefcios sociais e econmicos populao. No se pode associar desmatamento a desenvolvimento social, diz Verssimo, do Imazon. As regies que tm mais desmatamento na Amaznia so as com IDH mais baixo, alm de violncia e conflito social.

    Para Verssimo, h dois cenrios. O primeiro o do desmatador especulativo, que sempre acha que vai dar um jeito de regularizar a situao da rea aberta ilegalmente e aposta nisso com a nova lei. O desmatamento especulativo pode ter aumentado em algumas regies da Amaznia como, por exemplo, ao longo da BR-163, onde bem comum a grilagem de terras. Ainda no possvel comprovar que esse movimento tenha sido estimulado pelo novo Cdigo Florestal.

    O segundo cenrio o dos agricultores. Uma parte deles tem respeitado a lei e evita-do desmatar porque sabe claramente que o comprador no aceita mais produtos vindos de ambientes degradados. Tanto que, nas regies consolidadas com agricultura e pecuria, o desmatamento surpreendentemente caiu ou ficou estvel, diz o pesquisador. De todo modo, para Verssimo, a maior parte do desmatamento feita mesmo por quem no res-peita nenhum tipo de lei.

    Vrios estados da Amaznia Legal que compreende 60% do territrio brasileiro, com 5,2 milhes de quilmetros quadrados, abrangendo a totalidade dos estados do Acre, Amap, Amazonas, Par, Rondnia, Roraima e Tocantins e parte de Mato Grosso tam-bm se alinharam com o governo federal na elaborao de polticas pblicas contra a der-rubada de rvores nativas. Isso contribuiu para que houvesse a reduo registrada desde 2004, mas ainda h muito a fazer.

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    PAr, o reCordIstA eM desMAtAMeNto Para tentar se livrar do incmodo ttulo de lder em desmatamento, que mantm desde 2005, o Par criou o Programa Municpios Verdes em maro de 2011. A iniciativa j obteve a adeso de 97 munic-pios (de um total de 144). Em 25 de setembro de 2013, foi publicado no Dirio Oficial do estado o Decre-to 838, que estabelece a limitao administrativa sobre todas as reas ilegalmente desmatadas. A medi-da tenta frear o processo de desmatamento especulativo no sudoeste do Par, bloqueando essas reas e impedindo que os rgos pblicos forneam a elas licenas, autorizaes, servios ou outros tipos de benefcios que possibilitem o funcionamento de atividades causadoras do desmatamento. Medidas assim tm o potencial de conter a expanso do desmatamento em certas regies, diz Adriana Cardoso, do ISA, que aguarda, porm, resultados mais concretos do Municpios Verdes. Acredito que os efeitos desse programa ainda vo demorar um pouco para aparecer.

    Sobre o decreto, o secretrio extraordinrio para coordenao do Programa Municpios Verdes, Justiniano de Queiroz Netto, ressalta que ele foi feito para inibir a ao dos grileiros. Sem a possibilida-de de regularizar essas terras perante o poder pblico, o investimento no desmatamento ilegal, que no barato custa em mdia R$ 1 mil por hectare , acaba no sendo vivel, diz Queiroz Netto. Ele afirma que o programa tem tambm a inteno de difundir a informao sobre essas reas embargadas, para evitar que sejam negociadas com terceiros.

    Atuamos, alm disso, para regularizar os proprietrios de terra interessados em se ade-quar legislao ambiental, diz Justiniano Netto, lembrando que o Programa Municpios Ver-des foi inspirado na experincia de Paragominas, municpio paraense que j foi campeo do desmatamento e passou a ocupar o dcimo lugar no estado, de acordo com um estudo divulgado em outubro de 2013 pelo Imazon. O IDH [ndice de Desenvolvimento Humano] de Parago-minas aumentou, assim como o de vrios outros municpios que deixaram de desmatar, diz Justiniano Netto. Lgico que ainda no so IDHs comparveis a um Estado do Paran, mas estamos avanando.

    Os dados indicam que h uma relao entre a baixa colocao no ranking do IDH e des-matamento. Campeo em remoo de florestas em 2012, o Par teve o terceiro pior ndice do pas em 2010 (0,646). Trs dos outros quatro estados que mais desmataram em 2012 tambm no ficaram em situao melhor. Rondnia (0,690), Amazonas (0,674) e Acre (0,663) registraram IDH semelhante ao do Par. Apenas o Mato Grosso teve um ndice um pouco maior (0,725), mas ainda assim abaixo da mdia brasileira, de 0,727.

    De acordo com os nmeros do Inpe, o municpio com maior rea desmatada no pas entre 1989 e 2012 foi So Flix do Xingu, no Par. Em 2010, a cidade teve IDH de 0,594, considerado baixo. No ranking geral, So Flix do Xingu ficou na 4.284 posio entre todos os 5.565 muni-cpios analisados. O IDH para educao na cidade foi de 0,411, considerado muito baixo, e so-mente 38% dos jovens de 15 a 17 anos completaram o ensino fundamental. Em 1991, o municpio tinha IDH de 0,315, ou seja, muito baixo, e ocupava a 3.876 posio no ranking. Em 2000, caiu para o 4.184 lugar, com IDH de 0,435. Isso mostra que, apesar de o ndice ter subido, So Flix do Xingu ficou para trs em relao ao conjunto de municpios do pas.

    No se trata de uma situao isolada. Das dez cidades que mais desmataram segundo o Inpe, oito perderam posies no ranking do IDH entre 1991 e 2010. Trs delas Cumaru do Norte, Novo Repartimento e Santa Maria das Barreiras, todas no Par ficaram entre as 400 com pior IDH de todo o pas nos resultados de 2010. J as nicas duas que no caram, Paragominas e Juara (MT), evoluram somente 296 e 353 posies, respectivamente. Isso significa que, apesar de o desenvolvimento humano ter melhorado bastante no Brasil como um todo nas ltimas duas dcadas, o ritmo da mudana foi mui-to mais lento nos lugares que mais derrubam a floresta.

  • Tapajs.

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    Tapajs.

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    Um ronco de automvel perturbou a floresta. Juan Doblas, gelogo e especia-lista em imagens de satlite, dirigia pelo trecho da BR-163 que atravessa o Parque Na-cional do Jamanxim. A unidade de conservao ambiental uma das 12 reas federais que protegem essa parte da Amaznia, na bacia do rio Tapajs. Faltava pouco para concluir a viagem de 3.338 quilmetros entre o Rio de Janeiro e o municpio de Itai-tuba, no oeste do Par, quando Doblas tomou um susto: atordoada pelo barulho do carro, uma macaca abandonou o filhote na estrada. O gelogo parou o veculo, pegou o pequeno animal e colocou-o em uma rvore, para que fosse resgatado pela me.

    Depois, filmou o reencontro e tirou algumas fotos. Quando cheguei a Itaituba, mostrei as imagens para um amigo do ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conser-vao da Biodiversidade], especialista em macacos, conta o gelogo. Os dois tiveram uma surpresa. Tratava-se de uma espcie em perigo, tpica do Estado do Amazonas. Supe-se que tenha se deslocado para essa parte do Par por encontrar um refgio na flo-resta intocada do Tapajs. Foi um fato casual que mostrou dados novos sobre a distribui-

    por Carlos Juliano Barroscolaborao Sue Branfordfoto FErnanDa liGaBuE

    O governo prev construir pelo menos duas hidreltricas at o fim da dcada no Tapajs, atingindo em cheio um rinco de biodiversidade e beleza

    arquitetura da destruio

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    Tapajs.

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    o de espcies em extino na Amaznia, explica o gelogo, que trabalha com geoprocessamento no Instituto Socioambiental (ISA), uma das principais organizaes ambientalistas do pas.

    Doblas narra o episdio para ilustrar a incrvel mas, em boa parte, desconhecida biodi-versidade da regio, que pode ser duramente golpeada pela construo de um complexo de hidrel-tricas no rio Tapajs e no seu afluente Jamanxim. O potencial levantado para essa bacia hidrogrfica comporta at sete usinas capazes de produzir no total cerca de 14 mil megawatts potncia equiva-lente da binacional Itaipu. Ao menos duas delas, So Luiz do Tapajs e Jatob, devem entrar em funcionamento at 2020, de acordo com o Plano Decenal de Expanso de Energia 2021, documento produzido pela Empresa de Pesquisa Energtica, vinculada ao Ministrio de Minas e Energia.

    Se efetivamente sair do papel, o complexo hidreltrico pode trazer um impacto ambien-tal e social gigantesco nos 851 quilmetros de guas de tons azuis e verdes do Tapajs, guarnecido por dezenas de reservas florestais e terras indgenas. Pelo menos 2,3 mil pessoas de 32 comuni-dades ribeirinhas sero diretamente afetadas se os sete empreendimentos forem levados a cabo. Outras 16 aldeias indgenas da etnia Munduruku tambm tero parte de seus territrios inundada pelos reservatrios que sero formados pelas barragens. Os dados so da Eletronorte, subsidiria da estatal Eletrobras, responsvel pelo inventrio das informaes acerca das usinas do Tapajs.

    Sem sombra de dvida, trata-se de uma das mais belas partes da Amaznia. Um dos des-tinos tursticos mais conhecidos da floresta, as paradisacas praias de Alter do Cho, ficam no municpio de Santarm, na foz do rio. So Luiz do Tapajs e Jatob, ambas no rio Tapajs, j tiveram seu processo de licenciamento ambiental iniciado no Instituto Brasileiro do Meio Am-

    biente e dos Recursos Naturais Renovveis (Ibama). Por enquanto, o custo das duas est estimado em R$ 23 bilhes, com verba carimbada pela segunda edio do Progra-ma de Acelerao do Crescimento (PAC 2).

    UMA rICA BIodIversIdAdeMesmo para os ricos padres da bacia amaznica, o vale do rio Tapajs uma rea de extrema diversidade biolgica mesma opinio dos pesquisadores que, ironicamente, esto desenvolvendo estu-dos para o governo antes da construo das usinas. Das 1.837 espcies de aves en-contradas no Brasil, 613 vm do Tapajs. Uma delas, um passarinho chamado rabo-

    -branco-de-garganta-escura (Phaethornis aethopyga), foi catalogada apenas em 2009. Muitos dos pssaros aparecem com baixa densidade populacional, o que os torna vulnerveis a mudanas ambientais. Em apenas uma rea tomada como amostra, bilogos encontraram 14 tipos de papa-gaio, dez de pica-pau e sete de tucano. A regio tambm tem 28 espcies de aves de rapina (o mesmo nmero encontrado em toda a Amrica do Norte).

    Corredeiras do rio Tapajs, que podem ser alagadas

    com a construo da barragem da hidreltrica

    de So Luiz do Tapajs, no Parque Nacional da

    Amaznia. Estudo de impacto da usina foi feito sem

    consulta prvia a comunidades atingidas

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    Tapajs.

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    A presena do rio uma das razes para tamanha diversidade. Ele age, segundo os bilogos, como uma barreira contra a disperso. Isso explica tambm a riqueza de mamferos: 161 espcies so encontradas na regio (o total na Europa so 222). Dessas, 15 so de primatas. A maioria deles incluindo os macacos-aranha, bugios e macacos-da-noite daquela regio

    divide-se em dois tipos, um para cada lado do rio. Outro primata, um sagui (Mico leucippe), tem uma distribuio pequena, restrita a dois afluentes do Tapajs. J o cuxi-de-nariz-branco (Chiropotes albinasus), encontrado dos dois lados do rio, uma das espcies que correm risco no mundo: qualquer ameaa a ela ou a seu ambiente pode provocar sua extino.

    So Luiz do Tapajs, a maior usina do complexo, com capacidade para 6.133 megawatts, a que est em fase mais adiantada. A obra mexe em um cenrio to delicado que, mesmo an-tes de ser concludo seu Estudo de Impacto Ambiental/Relatrio de Impacto Ambiental (EIA/Rima), j vem provocando uma verdadeira batalha nos tribunais. Em novembro de 2012, a Justi-a Federal em Santarm (PA) suspendeu, por meio de uma liminar, o licenciamento da hidrel-trica, por causa de uma ao movida pelo Ministrio Pblico Federal (MPF).

    O pedido de suspenso baseia-se em dois motivos. Em primeiro lugar, no foi realizada uma avaliao ambiental integrada. preciso analisar o impacto conjunto de todas as usinas previstas para a bacia do Tapajs, e no o de apenas uma delas isoladamente, explica Fernando Antnio Oliveira Jnior, procurador do MPF. Alm disso, no foi feita uma consulta prvia s populaes indgenas que vo ser afetadas pelos empreendimentos. Essa consulta tem que ser anterior a qualquer tipo de autorizao.

    Mas a liminar no freou o governo federal, que buscou apoio da Justia para prosseguir os estudos ambientais na rea. Novas decises provisrias da Justia Federal, em Santarm, do Tribunal Regional Federal da 1 Regio e do Superior Tribunal de Justia (STJ), em Braslia, per-mitiram que os pesquisadores continuassem a fazer levantamentos at que o mrito da questo fosse julgado. O MPF recorreu e a briga est longe de ser resolvida. Enquanto isso, o governo aproveita para concluir as pesquisas sem consultar previamente comunidades e grupos indge-nas. S no grupo responsvel pelos levantamentos de So Luiz do Tapajs havia 80 pessoas. A ltima etapa dos estudos foi iniciada em agosto de 2013 e deveria terminar trs meses depois.

    FroNTeIrA FINALO Tapajs considerado a ltima grande fronteira energtica da Amaznia. Por enquanto, o nico dos quatro grandes afluentes da margem direita do Amazonas que no foi represado para a produo de eletricidade em larga escala. Na dcada de 1970, os militares barraram o rio To-cantins para fazer a usina de Tucuru, aquela que hoje a segunda maior hidreltrica do Brasil em funcionamento, atrs apenas de Itaipu.

    Com a chegada do ex-presidente Luiz Incio Lula da Silva ao Palcio do Planalto e a criao do PAC, foram erguidas Jirau e Santo Antnio, no rio Madeira, alm de Belo Monte, no Xingu. Os governos de Lula e de Dilma Rousseff esto decididos a transformar o Brasil na terceira maior economia do mundo custa da nossa floresta, critica o padre Edilberto Sena, do Movimento Tapajs Vivo, frum que rene diversas organizaes de defesa do meio ambiente e dos direitos das populaes locais.

    Por encomenda da ONG Conservao Internacional, Wilson Cabral, pesquisador e pro-fessor do Instituto Tecnolgico de Aeronutica (ITA), produziu um estudo que calcula os reais custos econmicos, sociais e ambientais envolvidos na construo das usinas do Tapajs. Em 2010, o professor produziu uma pesquisa semelhante sobre Belo Monte e concluiu que o em-preendimento tinha mais de 90% de chance de inviabilidade. Segundo as complexas frmulas matemticas utilizadas pelo professor, o valor do prejuzo pode chegar a US$ 8 bilhes.

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    Tapajs.

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    A previso era que o novo estudo fosse divulgado em dezembro de 2013, depois da con-cluso deste livro. Por essa razo, ele evitou falar de valores. Mas tudo indicava que o Tapajs seguiria a mesma trilha de Belo Monte. A anlise est apontando inviabilidade para todas as usinas e, consequentemente, para todo o complexo, afirma Cabral. No preciso empreender hidreltricas no Tapajs para atender demanda energtica brasileira, desde que se invista em outras fontes e tambm se trabalhe a eficincia do consumo da energia que j produzida.

    reAs desProTegIdAsPara acelerar o licenciamento de So Luiz do Tapajs e Jatob, o governo federal precisou recor-rer a um verdadeiro malabarismo legal. Em janeiro de 2012, a presidente Dilma Rousseff editou a Medida Provisria 558, convertida na Lei 12.678 no ms de junho daquele ano. Com isso, foram reduzidas as reas de cinco unidades de conservao ambiental no entorno do rio Tapajs.

    Em uma canetada, 75 mil hectares de florestas intocadas que podem ser inundados com a formao dos lagos artificias das duas barragens ficaram sem proteo do dia para a noite. O governo argumenta que, sem essa medida, seria impossvel iniciar o processo de licenciamento ambiental no Ibama.

    primeira vista, a rea desafetada, como se diz tecnicamente, parece no ser to ex-pressiva assim. Tanto que o governo se defende das crticas argumentando que, para a constru-o das usinas de So Luiz do Tapajs e Jatob, apenas 2% da dimenso total das reservas vo de fato para baixo dgua. Mas, nesse caso, vale o ditado popular de que tamanho no documento.

    A parte que ser afetada nas unidades de conservao o corao, a parte mais importante das reservas, justamente por conta da proximidade com o rio, explica Juan Doblas, do ISA.

    A medida provisria posteriormente convertida em lei provocou uma celeuma no ICMBio, responsvel pela gesto das reservas ambientais do Brasil. Em julho de 2012, tcnicos do rgo fe-deral lotados no escritrio de Itaituba, responsveis por 12 unidades de conservao na bacia do Ta-pajs, lanaram um manifesto pblico criticando duramente no s a deciso do governo federal de reduzir a rea de proteo ambiental, mas sobretudo a forma atropelada como ela foi tomada.

    Os registros feitos at o momento apontam altssima biodiversidade, com considervel taxa de endemismo e grande representatividade de espcies ameaadas de extino, diz o do-cumento. Do ponto de vista da legalidade, denunciamos a desafetao das unidades realizada primeiramente por medida provisria com objetivo nico de dar celeridade ao processo, em detrimento da realizao de estudos comprometidos com a destinao original dessas reas: proteo e conservao da biodiversidade.

    O MPF tambm est questionando judicialmente a via legal utilizada pelo governo fede-ral para reduzir a rea das unidades de conservao na bacia do Tapajs, por meio de uma ao direta de inconstitucionalidade. O principal aspecto formal, explica o procurador Felipe Bo-gado. A rea de uma unidade de conservao no pode ser reduzida por meio de uma lei com-plementar que substitui uma medida provisria, como fez o governo, acrescenta. At o momen-to, o Supremo Tribunal Federal (STF), que analisa o processo, no se pronunciou sobre o caso.

    Tragdia anunciada, o simples anncio da reduo das reas de preservao disparou automaticamente o gatilho da degradao dessa parte da Amaznia. A regio aqui rica em minrios. Com a desafetao das reas, est ocorrendo um aumento de presso sobre a floresta, principalmente nos trechos que no fazem mais parte das unidades de conservao, explica Nilton Rascon, analista ambiental do ICMBio.

    O crescimento da atividade de garimpos irregulares perceptvel a qualquer um que viaje pelo rio. No trecho de 400 quilmetros do Tapajs entre os municpios de Itaituba e Jacarea-canga havia, at janeiro de 2012, cinco barcaas chamadas de escariantes fazendo garimpo

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    Tapajs.

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    diretamente no leito do rio. Com a desafetao das unidades de conservao, esse nmero pulou para impressionantes 35, alguns meses depois. O ICMBio precisa de mais fiscais na regio. Ain-da vm muitos analistas de fora, de outros estados, para ajudar, reconhece Rascon.

    IMPACTo AMBIeNTALA entrada do Parque Nacional da Amaznia, primeira unidade de conservao desse tipo criada no pas, em 1974, fica a pouco mais de uma hora de carro do centro de Itaituba. Para chegar at l, preciso encarar trechos de asfalto e de terra batida da BR-230, a Transamaznica, um dos projetos emblemticos da ditadura militar. Se a barragem de So Luiz do Tapajs for construda, parte dos 112 quilmetros da rodovia que cortam o parque tambm ser inundada. At outubro de 2013, porm, nenhum representante do governo federal ou da Eletrobras veio a pblico para explicar como ser feita a cirurgia para reconectar as pontas soltas da estrada.

    E no apenas uma parte da BR-230 que ser alagada no Parque Nacional da Amaznia. Do principal mirante da reserva, aberto visitao para turistas, possvel observar corredeiras formadas por um aglomerado de rochas encravado no meio do Tapajs. Digno de um carto-

    -postal, esse trecho do rio no protegido pelos rgos ambientais apenas pelos seus atributos estticos. Vrias espcies de peixes aproveitam as corredeiras para fazer o pico ritual da pirace-ma a subida do rio necessria sua reproduo.

    Com a barragem de So Luiz do Tapajs, as corredeiras vo literalmente sumir do mapa, e a piracema ser inviabilizada, trazendo consequncias imprevisveis. A soluo tcnica construir um tipo de escada para ajudar os peixes a subir o rio, explica o bilogo Javan Lopes, servidor do ICMBio. Porm, o ambiente da corredeira tem muito mais oxignio. Ento, mesmo que se construa a escada, os peixes podem morrer porque o oxignio disponvel na gua dimi-nui, completa. Os tcnicos do ICMBio no descartam uma verdadeira hecatombe ambiental: 90% das 400 espcies de peixes catalogadas no parque podem no resistir.

    Nos ltimos quatro anos, os gestores trabalharam continuamente no plano de manejo da unidade de conservao levantamento meticuloso da fauna e da flora que, com a reduo da rea da reserva, ser jogado literalmente na lata do lixo. At o final de 2012, foram registradas 390 espcies diferentes de aves. Entre os mamferos catalogados, h animais que correm srio risco de extino, como a ona-pintada, a ona-vermelha, o tamandu-bandeira e a jaguatirica.

    O destino de tamanha diversidade natural objeto do EIA/Rima da usina de So Luiz do Tapajs. A estimativa inicial era que o estudo ficasse pronto em 2012, mas as decises judiciais e os conflitos entre governo, populaes locais e grupos indgenas adiaram a concluso para dezembro de 2013. Mesmo esse cronograma pode no ser cumprido. Quando for finalizado, o documento vai possibilitar anlises cientficas mais refinadas sobre o impacto ambiental que pode de fato ocorrer.

    No h dvida de que o complexo hidreltrico vai reconfigurar o aspecto natural do oeste do Par. Foram necessrios milhares de anos para a criao de um equilbrio ecolgico entre as espcies, como a tartaruga e o tucunar, que depende da subida e da descida dos rios, explica Juan Doblas. Essas barragens vo alterar completamente os ciclos de cheia e de seca no s dos rios Tapajs e Jamanxim, mas de toda a rede hidrogrfica associada.

    Para entender como o fluxo do Tapajs se altera ao longo do ano, por exemplo, basta ir a Itaituba em duas pocas diferentes. A orla da cidade chega a alagar no perodo de cheia, que coincide com as chuvas do primeiro trimestre. Porm, na poca da seca, intensificada a partir do segundo semestre, aparecem muitas praias nas margens do rio.

    O impacto ambiental provocado pelas usinas do Tapajs pode ser mais grave at do que o gerado por Belo Monte isso, claro, se o Estado brasileiro mantiver sua palavra e no construir novas usinas no Xingu. Uma breve comparao fornece pistas do que est por vir: o lago

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    artificial a ser formado com a barragem do rio Xingu no municpio de Altamira ter 510 km2. S na barragem de So Luiz do Tapajs sero alagados 722 km2 metade da rea do municpio de So Paulo. No Xingu, o trecho do rio a ser barrado ter 200 quilmetros de comprimento. No Tapajs, ser duas vezes e meia maior. O Jamanxim, com trs usinas, vai se converter numa sucesso de lagoas.

    Outra pulga atrs da orelha dos ambientalistas diz respeito relao entre o barrento rio Amazonas e o esverdeado Tapajs, que se encontram mas no se misturam no municpio de Santarm. A preocupao com uma possvel invaso das guas do Amazonas sobre as do Tapajs, o que significaria a runa turstica do balnerio de Alter do Cho, por exemplo. Se eu falar isso para um engenheiro da Eletrobras, ele vai rir na minha cara, afirma Doblas. Mas te-nho questionado doutores em hidrologia, e eles me disseram que essa possibilidade tem que ser estudada. preciso fazer um modelo no computador. provvel que isso acontea? Acho que no. possvel? Sim.

    justamente para dirimir essas dvidas e separar o que mera especulao do que risco de fato que o Ministrio Pblico Federal acionou a Justia para cobrar a realizao de uma Avaliao Ambiental Integrada (AAI) e de uma Avaliao Ambiental Estratgica (AAE) dos impactos gerados por todas as usinas previstas no complexo hidreltrico, e no apenas por So Luiz do Tapajs. uma postura preventiva do MPF. Queremos apenas que os marcos legais sejam respeitados, explica o procurador Fernando Antnio Oliveira Jnior.

    Por meio de nota emitida por sua assessoria de imprensa, a Eletrobras empreendedora das usinas de So Luiz do Tapajs e de Jatob sustenta que a avaliao ambiental integrada

    no exigncia legal para emisso das licenas ambientais. A nota afirma tambm que a meto-dologia da AAI foi construda aps a concluso dos estudos do inventrio do potencial hidrel-trico de toda a bacia do Tapajs.

    Em outras palavras, a estatal argumenta que no havia obrigatoriedade de proceder a essa avaliao integrada na poca em que fez o inventrio das usinas. A nota informa ainda que a empresa estava contratando uma equipe para fazer a AAI, que integraria o conjunto de estudos para a viabilidade de So Luiz do Tapajs e Jatob, o que demonstra o comprometimento dos mesmos com as melhores prticas ambientais.

    A Aneel tambm se manifestou por meio de nota emitida pela assessoria de imprensa. A agncia defende a construo das usinas no Tapajs com a justificativa de que a hidreletricida-de tem muito menos impacto ambiental que outras fontes trmicas base de combustveis fsseis. O documento afirma que o licenciamento o principal movimento para a resoluo de conflitos socioambientais, tendo em vista que a elaborao do EIA/Rima e a realizao de audincias pblicas possibilitam o estabelecimento de condicionantes pelos rgos ambientais.

    eNergIA PArA qUeM?Nos hotis e restaurantes do centro de Itaituba ou nos trechos mais recnditos da floresta do entorno do Tapajs, possvel dar de cara com caminhonetes e tcnicos de camisa polo azul a servio da CNEC Engenharia. A empresa a responsvel pelos estudos de viabilidade e pelo projeto tcnico da hidreltrica de So Luiz do Tapajs, mas tambm operou nas usinas de Belo Monte, no rio Xingu, e de Estreito, no rio Tocantins, alm de diversos outros empreendimentos de porte na Amaznia.

    At janeiro de 2010, a CNEC fundada em 1959 por engenheiros da Escola Politcnica da Universidade de So Paulo (USP) constitua o brao intelectual, por assim dizer, de uma das maiores empreiteiras do pas: a Camargo Corra, responsvel por algumas das obras de en-vergadura do PAC, como a hidreltrica de Jirau, no rio Madeira. Quase trs anos atrs, porm, a

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    empresa foi vendida por R$ 170 milhes para o grupo australiano WorleyParsons, uma das mais conhecidas consultorias de energia em todo o mundo.

    Foram justamente os engenheiros da CNEC que, na dcada de 1980, mapearam os pro-jetos de construo de usinas no rio Tapajs e em quase todos os afluentes do rio Amazonas. Era ela que municiava de informaes e pareceres tcnicos a Eletronorte, subsidiria da estatal Eletrobras responsvel pelo aproveitamento do potencial hidreltrico da regio Norte do pas, desde o regime militar. Naquela poca, eu brincava dizendo que a Eletronorte era um escritrio da Camargo Corra, conta Arsnio Oswaldo Sev Filho, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e grande conhecedor do sistema eltrico nacional.

    A CNEC o elo tcnico do cartel barrageiro que, segundo o professor Sev, se instalou no Brasil na poca da ditadura e no arredou mais p do pas, pressionando os governos ao longo do tempo para a construo de grandes hidreltricas. Nesse clube restritssimo figuram as principais empreiteiras brasileiras, que rateiam entre si o bolo das obras de construo civil. Elas so apelidadas de cinco irms e congregam Camargo Corra, Ode-brecht, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvo.

    Tambm participam do grupo as corporaes internacionais que fornecem equipamentos de alta tecnologia para as usinas, como a alem Siemens e a japonesa Toshiba. Fecham a socie-dade as grandes mineradoras que no apenas consomem mas tambm vendem a energia produzida nos rios amaznicos, como a Vale e a norte-americana Alcoa.

    O Brasil um dos poucos pases ao lado da China, da ndia, da Turquia e do Con-go onde ainda existe espao para tirar do papel projetos bilionrios de hidreltricas. Em tempos de crise econmica global, construir barragens nos rios da Amaznia a verdadei-ra galinha dos ovos de ouro para players do capitalismo que atravessam srias dificuldades para fechar grandes negcios.

    Estamos oferecendo indstria internacional a continuidade dos negcios a longo prazo e a custo baixo, analisa Sev. O governo brasileiro libera as licenas, mesmo que se destruam o meio ambiente e a vida das populaes locais. Depois, garante o custo baixo da mo de obra e, principalmente, do dinheiro necessrio s obras, porque coloca as empresas esta-tais, os fundos de penso e o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social] para alavancar o negcio.

    A usina de Belo Monte o exemplo mais bem-acabado desse fenmeno. S o grupo Ele-trobras e os fundos de penso dos funcionrios da Petrobras (Petros) e da Caixa Econmica Federal (Funcef ) respondem por 70% da composio acionria do consrcio construtor da bar-ragem. Em outras palavras, os riscos e os altssimos investimentos inerentes obra fizeram a iniciativa privada passar longe.

    Para bancar o prejuzo, o governo abre as torneiras do BNDES. Na ltima semana de no-vembro de 2012, o banco anunciou o maior financiamento de toda a sua histria para a conclu-so das obras da usina: R$ 22,5 bilhes a serem pagos em trs dcadas. Antes dessa operao, porm, o BNDES j havia feito emprstimos-ponte (de curto prazo) de R$ 2,9 bilhes para o consrcio construtor da hidreltrica.

    O custo de produzir hidreltrica na Amaznia muito alto e incerto, afirma Wilson Ca-bral, do ITA. Todos os projetos geraram aditivos contratuais da ordem de pelo menos 25%, alerta. No caso do Tapajs, a engenharia financeira para viabilizar a obra ainda no est traada

    at porque os R$ 23 bilhes previstos para as usinas de So Luiz do Tapajs e Jatob no ora-mento do PAC 2 no passam de estimativas. Mas, assim como aconteceu nas usinas dos rios Ma-deira e Xingu, no h dvidas de que o trip formado por empresas estatais, fundos de penso e BNDES deve entrar na jogada.

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    Tampouco est decidido o futuro da eletricidade a ser gerada. Na pgina 80 do Plano Decenal de Expanso de Energia 2020, possvel ler com todas as letras que ela servir inte-gralmente para alimentar a demanda das regies Sudeste e Centro-Oeste. Porm, no demais lembrar que o Par concentra a maior provncia mineral do planeta. Alm do ouro, que hoje explorado em mais de 2 mil garimpos ao longo do rio Tapajs, as novas usinas devem consolidar o estado como um grande polo de alumnio.

    Atualmente, existem quatro grandes projetos de extrao e beneficiamento de bauxita no Par, envolvendo gigantes como as brasileiras Vale e Votorantim, a norte-americana Alcoa e a norueguesa Hydro. Uma das principais reclamaes dessas indstrias chamadas de eletroin-tensivas, por consumirem eletricidade em larga escala o preo da energia. O complexo hi-dreltrico do Tapajs um dos caminhos para baratear os custos. Os grupos que esto por trs, apoiando inclusive financeiramente a construo das usinas, so empresas de explorao de commodities minerais. Ento, esses empreendimentos no vo equalizar a demanda de energia para o Sudeste. Eles so para empresas que esto se assentando na regio Norte, finaliza Cabral.

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    por Sue Branfordcolaborao Carlos Juliano Barrosfoto naYana fernandeZ

    Sem serem ouvidos sobre a construo de hidreltricas na regio do Tapajs, os ndios Munduruku querem evitar que seu modo de vida seja destrudo

    Prontos para resistir

    A cada dia mais policiais chegam, mais gente armada. Pensam que vo intimi-dar a gente, mas nunca vo conseguir. Estamos lutando pelo nosso povo, pelas nossas crianas, pela nossa natureza. Precisamos salvar tudo isso. As palavras so de Rose-nilda, uma lder Munduruku que vive na aldeia Boca das Tropas, localizada na regio do rio Tapajs, no sudoeste do Par. O local fica a 40 minutos de barco da cidade paraense de Jacareacanga.

    Enquanto ela e outra lder indgena, Maria Leusa, permaneciam sentadas sob a proteo de uma das muitas ocas cobertas por palmeiras no centro do povoado, algumas mulheres limpavam a rea. Carregando cestos nas costas, atados por tiras em torno da testa, elas pegavam pedras, galhos mortos e sujeira e levavam para fora da aldeia. No muito longe dali, crianas brincavam alegremente no rio, conversavam e riam. Parece estranho falar de conflito em um cenrio de tamanha tranquilidade, mas as duas lderes dizem que seu povo, os ndios Munduruku que somam cerca de 12 mil pessoas , est lutando para sobreviver depois que o governo federal decidiu construir uma srie de usinas hidreltricas na regio.

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    Um pouco acima no Tapajs, na aldeia Restinga, o lder Lamberto Painha tem uma preocupao semelhante. Estamos sofrendo h 500 anos, diz, na grande oca coletiva onde a comunidade tinha acabado de se reunir para tomar o caf da manh. O governo quer acabar com todos ns. Uma grande destruio vai acontecer. Vai acabar com tudo. Aquela ilha vai para o fundo do rio. Macacos, pssaros e ns, ndios, vamos perder nossas casas. O que vamos fazer? Como vamos sobreviver em cidades? Nas cidades as pessoas no compartilham nada. S se voc tiver dinheiro. Como vamos conseguir banana, batata, abacaxi, cana? Vamos morrer de fome.

    Nas ltimas dcadas, o governo federal reforou, em vrias oportunidades, seu com-promisso tanto em preservar a biodiversidade da Amaznia como em proteger os povos indgenas. Graas aos avanos trazidos pela Constituio de 1988, os indgenas ganharam o direito de perpetuar seu modo de vida. Foi a primeira vez desde a chegada dos portu-gueses, em 1500, que o Estado desistiu da ideia de integr-los sociedade. Por que os Munduruku temem, apenas um quarto de sculo depois dessa significativa concesso, que a fase atual de expanso econmica sobre a bacia amaznica os ameace de uma extino cultural e fsica?

    CorrIdA do ouroParte da explicao pode ser encontrada na prpria aldeia Boca das Tropas, onde, durante a minha visita, crianas brincavam enquanto mulheres falavam de guerra. Foi l que, em 1958, o explorador Nilson Pinheiro encontrou os primeiros gramas de ouro dessa parte da bacia do Tapajs. O modo como ele descobriu o metal transformou-se em uma lenda, ainda recontada na regio: uma vidente da cidade de Parintins (AM) descreveu com deta-lhes para Pinheiro o lugar em que haveria uma quantidade abundante de ouro. Ele partiu das guas do Amazonas para as do Tapajs, encontrando ouro no local exato descrito pela vidente. Assim comeou a folia do garimpo, a extraordinria corrida do ouro que levou dezenas de milhares de garimpeiros a se mudarem para a regio.

    A chegada dos garimpeiros provocou conflitos com a populao indgena, mas muito mais sria foi a descoberta tardia de que, sob a superfcie do ouro arranhada pelos mineradores, havia quantidades ainda maiores do metal e de outros minerais. Acredita-se que o vale do rio Tapajs seja uma das regies do mundo mais ricas em reservas minerais, boa parte delas ainda inexplorada.

    Para porem as mos nessa riqueza, companhias de minerao precisam de duas coisas: uma mudana na legislao, que lhes permita minerar em terras indgenas um projeto de lei com esse objetivo avana no Congresso Nacional desde junho de 2013 , e um suprimento abundante de eletricidade de baixo custo. Dados publicados no site da Agncia Nacional de Energia Eltrica (Aneel), rgo federal que regula o setor, mostram que o governo flertou com a ideia de construir, apenas na bacia dos rios Tapajs e Teles Pires, 44 grandes e pequenas hidreltricas e 89 pequenas

    um total de 133. difcil imaginar que tamanha proliferao venha a acontecer afinal, algumas das usinas so inviveis , mas, mesmo que apenas uma pequena parte delas saia do papel, o im-pacto seria desastroso para a biodiversidade e para as pessoas. bom lembrar, como comparativo, que a polmica hidreltrica de Belo Monte, no Xingu, apenas uma usina em todo o rio.

    NovA ALIANA gLoBALOs planos do governo para a bacia Tapajs-Teles Pires podem ser entendidos apenas em um con-texto global. Por todo o planeta, companhias multinacionais esto se instalando em reas antes vistas como muito remotas, por causa da crescente dificuldade de achar com facilidade recursos naturais acessveis. Embora o desenvolvimento de uma minerao em larga escala na bacia do

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    Amazonas tenha titubeado, essa tendncia deve se intensificar. Por volta de 2030, mais 3 bilhes de consumidores de classe mdia devem entrar no mercado mundial, boa parte deles da China e da ndia. Os preos de commodities j subiram 147% desde o incio do sculo 21, justificando investimentos antes vistos como pouco viveis.

    A expanso da fronteira econmica ou melhor, de vrias fronteiras econmicas tem sido h muito tempo o motor por trs da transformao econmica, social e ambiental da Ama-znia, e a globalizao intensificou esse processo. O antroplogo Paul E. Little, da Universidade de Braslia, acredita que uma nova aliana mundial emergiu por toda a bacia amaznica: Na pri-meira dcada do sculo 21, houve uma significativa reestruturao do financiamento de projetos de desenvolvimento na Amaznia, fruto da crise econmica nos pases industrializados e da consolidao das economias dos pases emergentes, particularmente dos chamados Brics [Brasil, Rssia, ndia, China e frica do Sul]. Nessa mesma dcada, Brasil e China criaram estratgias de desenvolvimento nacional baseadas em polticas de internacionalizao de empresas nacio-nais e na construo de espaos hegemnicos regionais, dominados por investimentos nacionais. Desse modo, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social [BNDES] e o Banco Chins de Desenvolvimento cresceram vertiginosamente e rapidamente ocuparam o espao de principais investidores e credores de megaprojetos.

    Little identifica dois tipos de megaprojetos: os de megainfraestrutura, financiados princi-palmente com dinheiro pblico, e os megaextrativistas, bancados geralmente por capital privado. Essas iniciativas tm um duro impacto ambiental e social, que, diz o antroplogo, distribudo de modo desigual: Quem consegue a maior parte dos benefcios so foras econmicas e polticas externas regio, como grandes empresas multinacionais, o aparato administrativo do governo e instituies financeiras. O impacto negativo atinge os povos indgenas, que sofrem com a prolife-rao de problemas sociais, sanitrios e de sade. Os Munduruku tornaram-se agora o alvo.

    CoNfLITos e ALIANAsA primeira referncia escrita sobre os Munduruku vem do padre Jos Monteiro de Noronha, que, em 1768, disse que eles viviam s margens do rio Maus, um afluente do Madeira, no oeste da bacia amaznica. Eram uma nao de guerreiros responsvel por investidas audaciosas, a par-tir do Madeira, contra grupos indgenas inimigos e assentamentos coloniais, principalmente ao longo dos rios Madeira e Tapajs. Eventualmente atacavam colnias nos rios Xingu e Tocantins, bem mais ao leste, o que causou a estagnao da economia local entre as dcadas de 1770 e 1790. Costumavam decapitar os rivais. Transformavam suas cabeas em trofus, mumificando-as e atribuindo a elas poderes sobrenaturais. Por volta de 1795, celebraram a paz com os portugueses e muitos estabeleceram-se em misses.

    Naquela poca, dominavam o vale do Tapajs, que ficou conhecido como Munduruc-nia (pas Munduruku). Frequentemente guerreavam contra inimigos tradicionais, a mando dos portugueses, cuja interferncia fazia aumentar a mortandade desses encontros e levar ao extermnio de grupos menores. Depois da Cabanagem uma grande revolta na ento provncia do Gro-Par que libertou escravos, mestios e ndios nos anos 1830 e foi duramente reprimida , um lder Munduruku chamado Joaquim recebeu uma condecorao do Exrcito brasileiro, em agradecimento pela ajuda para sufocar a rebelio.

    O ciclo da borracha, no fim do sculo 19, levou a uma escassez de mo de obra, e trabalha-dores foram trazidos do Nordeste para a regio. Isso levou os Munduruku (que tambm exploravam borracha, mas de um modo mais rudimentar) a se estabelecerem mais acima no rio e mais para o interior do territrio. Hoje, vivem ao longo dos trechos mdio e superior da bacia do Tapajs, tanto em territrios oficialmente reconhecidos quanto em pequenas comunidades nas margens.

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    No so apenas os Munduruku que sero afetados pela construo da usina. Nos vales do Tapajs e Teles Pires vivem cerca de 20 grupos indgenas, incluindo alguns nunca contatados. H tambm comunidades tradicionais, os chamados ribeirinhos ou beiradeiros, morando em regies atingidas diretamente pelas hidreltricas. So descendentes dos extratores de borracha que se estabeleceram nas margens dos rios na segunda metade do sculo 19 e, depois do colapso do ciclo da borracha, em 1913, mudaram-se para a floresta. Naquele momento, abandonaram os bares da borracha e, usando conhecimento indgena, desenvolveram maneiras impressio-nantes de aproveitar os produtos da floresta e de cultivar gros em pequena escala. Algumas dessas comunidades, como Pimental, Montanha e Mangabal, deixaram clara sua oposio s usinas em mais de uma oportunidade, embora a resistncia tenha, sem dvida, sido liderada pelos Munduruku.

    Diante do poder do Estado brasileiro, ser difcil para os Munduruku evitar a explorao dos recursos do vale do Tapajs. Algum poderia esperar que as autoridades optassem pela ma-neira mais humana e menos traumtica de fazer isso. Mas o governo no ouviu os crticos e pare-ce determinado a executar seus planos, custe o que custar. O subprocurador-geral da Repblica e coordenador de Meio Ambiente e Patrimnio Cultural do Ministrio Pblico Federal (MPF), Mario Jos Gisi, disse em um evento em So Paulo, em outubro de 2013, que as autoridades esto chegando Amaznia como um trator. Projetos continuam em andamento apesar de os ndios no terem sido consultados corretamente, nos termos da Constituio e da Conveno n 169 da Organizao Internacional do Trabalho (OIT).

    CoNTrA-ATAque INdgeNADiante desse cenrio, os indgenas tm contra-atacado, pedindo para serem ouvidos e provo-cando embates. Em novembro de 2012, as autoridades promoveram uma operao militar para encerrar atividades ilegais de garimpo no rio Tapajs. Nenhum dos pontos que foram alvo da ao era controlado por ndios, mas o governo alegou o contrrio e mandou a Polcia Federal e a Fora Nacional para uma aldeia. Um ndio, Adenilson Munduruku, foi assassinado. Algumas pessoas acreditam que as autoridades deliberadamente atingiram os ndios para intimid-los e minar sua resistncia. A invaso da aldeia provocou uma onda de protestos, que foram reprimi-dos duramente pelo governo.

    Os Munduruku tm juntado foras com os ndios que sero afetados por Belo Monte, a terceira maior hidreltrica do mundo e a maior obra pblica no Brasil, no rio Xingu. Juntamente com os Juruna, Kayap (que so inimigos tradicionais dos Munduruku), Xipaya, Kuruaya, Asu-rini, Parakan e Arara, um grupo de Munduruku ocupou o canteiro de obras de Belo Monte em maio de 2013. Tanto Rosenilda quanto Maria Leusa participaram do protesto. Ao falarem sobre o assunto em Boca das Tropas, elas disseram que fizeram parte de um movimento chamado Wa-cubar, nome de uma antiga guerreira Munduruku. Ns, mulheres Munduruku, somos fortes, diz Maria Leusa. Participaram do protesto de Belo Monte 23 de ns. Os ndios divulgaram uma carta para explicar a ao. Este um dos trechos do documento:

    Vocs esto apontando armas na nossa cabea. Vocs sitiam nossos territrios com soldados e caminhes de guerra. Vocs fazem o peixe desaparecer. Vocs roubam os ossos dos antigos que esto enterrados na nossa terra.

    Vocs fazem isso porque tm medo de nos ouvir. De ouvir que no queremos barra-gem. De entender por que no queremos barragem.

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    Vocs inventam que ns somos violentos e que ns queremos guerra. Quem mata nos-sos parentes? Quantos brancos morreram e quantos indgenas morreram? Quem nos mata so vocs, rpido ou aos poucos. Ns estamos morrendo e cada barragem mata mais. E, quando tentamos falar, vocs trazem tanques, helicpteros, soldados, metra-lhadoras e armas de choque.

    O que ns queremos simples: vocs precisam regulamentar a lei que regula a con-sulta prvia aos povos indgenas. Enquanto isso vocs precisam parar todas as obras e estudos e as operaes policiais nos rios Xingu, Tapajs e Teles Pires. E ento vocs precisam nos consultar.

    Ns queremos dialogar, mas vocs no esto deixando a gente falar. Por isso ns ocu-pamos o seu canteiro de obras. Vocs precisam parar tudo e simplesmente nos ouvir.

    As autoridades ignoraram as reivindicaes indgenas, e, para impedir novos protestos, o governo federal enviou um largo contingente de militares para proteger o canteiro de obras de Belo Monte. No vale do Tapajs, eles continuaram com os estudos de viabilidade e de impacto ambiental, os mesmos levantamentos que os Munduruku dizem que deveriam ser feitos, segun-do a lei, apenas depois de eles terem sido ouvidos.

    Os protestos continuaram. Em junho de 2013, os Munduruku fizeram trs pesquisadores refns e s os libertaram depois que as autoridades garantiram que as consultas prvias ocor-reriam. O compromisso foi anunciado publicamente na praa de Jacareacanga, em 23 de junho de 2013, mas no foi cumprido. Semanas depois, uma nova autorizao judicial permitiu que os estudos de viabilidade continuassem, sem a necessidade de qualquer consulta aos ndios ou s comunidades tradicionais. Os pesquisadores continuaram a trabalhar, mas, dessa vez, acompa-nhados de uma intimidadora escolta militar.

    AudINCIA PBLICAEnquanto isso ocorria, as autoridades apressaram-se em fazer audincias pblicas com as comu-nidades locais, incluindo os Munduruku, mas sem respeitar as regras definidas pela Constitui-o e pela Conveno n 169. Um desses encontros ocorreu em Jacareacanga em 29 de setembro de 2013. A consulta era sobre a usina de So Manuel, que o governo pretende construir no rio Teles Pires, perto da fronteira com o Mato Grosso. A licitao para a hidreltrica, atrasada por causa dos protestos indgenas, est prevista para 2014.

    Houve uma srie de discusses, como tem se tornado comum em relao s usinas, sobre a le-galidade da audincia pblica de 29 de setembro de 2013. Alguns dias antes de ocorrer, o encontro foi cancelado pela Justia Federal a pedido do MPF. Trs procuradores Felipe Bogado e Manoel Antnio Gonalves da Silva, do Mato Grosso, e Felcio Pontes Jnior, do Par argumentaram que a reunio de Jacareacanga deveria ser cancelada porque o elemento indgena no havia sido considerado. Um juiz federal atendeu ao pedido do Ministrio Pblico Federal, mas, na vspera da reunio, a deciso foi reformada por um tribunal superior como todo mundo em Jacareacanga esperava que acontecesse.

    Muitos dos ndios Munduruku ficaram furiosos com o encontro. Um pequeno grupo de homens, mulheres e crianas com os corpos cobertos de desenhos tradicionais e armados com arcos, flechas e pedaos de pau reuniu-se bem cedo na entrada do ginsio esportivo de uma escola onde a audincia aconteceria. Logo ficou claro que eles pretendiam impedir as pessoas de chegar ao local, apesar de um largo contingente de policiais militares e soldados da Fora Nacional ter se reunido em um edifcio prximo.

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    O protesto, no entanto, no durou muito e no foi por presso da polcia, instruda a agir com cuidado. Divises internas entre os ndios apressaram o fim da manifestao. Um pequeno grupo de Munduruku, formado em sua maioria por moradores de Jacareacanga, foi convencido pelas autoridades de que as usinas eram fato consumado. Disseram ainda que qualquer tentativa de interromper os projetos seria contraproducente, uma vez que os ndios perderiam as com-pensaes a que teriam direito. Alguns desses ndios, acompanhados por autoridades munici-pais, chegaram e foraram sua entrada. Como os manifestantes se sentiram incapazes de usar violncia contra seus parentes, a barricada foi quebrada. Outras pessoas entraram no ginsio.

    A audincia pblica foi uma encenao triste. O encontro comeou com a execuo do Hino Nacional. Dez homens brancos, sentados no palco, cantaram apaixonadamente, com o apoio das trs fileiras da frente, ocupadas por negociantes locais, representantes do governo, fazendeiros e uma ou duas mulheres. Atrs deles, uma massa formada pelos Munduruku e por moradores caren-tes da cidade, a maioria deles descendentes da etnia indgena, permaneceu calada, em uma espcie de desafio. Parecia que a cidade estava sendo tomada por uma fora de ocupao externa.

    Houve muito pouco espao para a participao daqueles que estavam nos fundos do gi-nsio. O pblico foi informado logo no incio de que contribuies espontneas dos participan-tes no seriam aceitas. Apenas questes escritas seriam permitidas, mas nenhuma instruo foi dada sobre como redigi-las ou quando entreg-las. Ningum da parte dos fundos do ginsio enviou uma pergunta o que no nenhuma surpresa, uma vez que muitos dos Munduruku e moradores pobres mal se alfabetizaram e no esto acostumados com esse tipo de procedi-

    mento formal. As questes foram lidas, mas a maioria parecia ter vindo das pessoas das trs fileiras da frente. Em nenhum momen-to algum quis saber se as hidreltricas trariam qualquer tipo de benefcio para a populao local.

    Dois documentrios foram exibidos, ambos com o objetivo claro de vender as usinas. O clima esquentou medida que o encontro prosseguia. Apenas uma pergunta feita por um ndio foi lida. Veio de um ho-mem sentado com autoridades do governo em uma das fileiras da frente, que se levan-tou quando seu nome foi chamado. Parecia ser uma questo plantada. O homem quis saber quanta terra indgena seria inundada, embora as autoridades tivessem repetido vrias vezes, ao longo das apresentaes, que a resposta era nenhuma.

    No dia seguinte, um Munduruku afirmou, durante uma conversa, que nin-gum fizera nenhuma pergunta relevante, como por que os lugares sagrados da etnia esto sendo destrudos. Ele se referia ca-choeira Sete Quedas, que foi destruda al-gum tempo antes, durante os trabalhos pre-paratrios da usina no rio Teles Pires. Em

    ndios Munduruku renem-se na entrada de

    ginsio esportivo para protestar contra construo

    da usina de So Manuel, no rio Teles Pires. No

    local houve uma audincia pblica, mas s foram

    permitidas perguntas por escrito

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    Tapajs.

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    uma carta ao mesmo tempo agressiva e triste, escrita depois que isso aconteceu, lderes Mun-duruku disseram que esse era o lugar em que os mortos vivem. Ali haveria um portal que no pode ser visto por pessoas comuns, mas apenas por lderes espirituais xams, que podem viajar at um mundo desconhecido sem serem vistos. No fazia sentido explicar para o ndio Mundu-ruku que, mesmo que essa questo fosse levantada na audincia pblica, seria vista como fora de contexto, por se referir usina de Teles Pires, e no de So Manuel, que estava sendo discutida.

    Alm dos Munduruku e das comunidades tradicionais, alguns dos bilogos que pesqui-sam a grande biodiversidade do Tapajs mostraram, reservadamente, inquietao sobre o traba-lho. Eles dizem estar preocupados com a metodologia adotada na anlise de impacto ambiental e esto pessimistas em relao possibilidade de que qualquer recomendao feita por eles seja, de fato, seguida.

    INdgeNAs que No exIsTIAM Deusiano e seus parentes Munduruku vivem na aldeia Sawr Muybu, nas margens do Tapajs. Para chegar at l, necessrio vencer as duas horas de estrada que separam o centro de Itaituba do porto do Bubur, localizado no Parque Nacional da Amaznia. Os indgenas da Sawr Muybu esto encurralados.

    De um lado, a ameaa vem do Chapu do Sol, um dos maiores garimpos de ouro e dia-mante da regio, que despeja quantidade significativa de mercrio nas guas do rio. De outro, a preocupao com o lago de 722 km2 que ser formado com a construo da hidreltrica de So Luiz do Tapajs. Se a usina sair, nossa terra no vai ser totalmente inundada, mas vamos ficar ilhados, sem a caa e sem a pesca, afirma Juarez, cacique da aldeia.

    H anos, os Munduruku da aldeia Sawr Muybu lutam para que a rea seja demarcada. Em 2007, a Fundao Nacional do ndio (Funai) at criou um grupo de trabalho para iniciar o processo. Porm, a profissional responsvel pela produo do relatrio antropolgico sumiu sem deixar vestgios, segundo a prpria Funai. A reivindicao dos indgenas estava esquecida nas gavetas da burocracia federal at o momento em que eles entraram em rota de coliso com a usina de So Luiz do Tapajs.

    Ao longo de 2012, tcnicos das empresas que fazem os estudos de viabilidade da hidre-ltrica entraram em diversas oportunidades e sem nenhum tipo de comunicao prvia na rea da aldeia, abrindo picadas e colocando marcos na mata. A postura invasiva revoltou os Munduruku. No vamos mais deixar ningum entrar na nossa casa, avisa Juarez.

    A Funai de Braslia foi escalada pelo governo federal para mediar o conflito e tentar con-vencer os Munduruku a liberar a entrada dos tcnicos. Numa tensa reunio realizada em 17 de outubro de 2012, uma representante da Funai ameaou at convocar a Fora Nacional para escoltar os pesquisadores, caso os Munduruku resistissem. O fato que a presso dos indgenas da Sawr Muybu surtiu efeito: em 31 de outubro de 2012, o Dirio Oficial da Unio publicou a portaria para a retomada dos trabalhos de identificao e delimitao da rea.

    O esquecimento do governo em relao aos grupos indgenas do Tapajs est documen-tado. No portal do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis (Ibama) na internet, possvel acessar documentos sobre o licenciamento ambiental de em-preendimentos em curso em todo o pas. Quando se abre a ficha que resume as informaes do processo da hidreltrica de So Luiz do Tapajs, l-se o seguinte texto na penltima das cinco pginas: Presena de terras indgenas nas reas afetadas: sem informao.

    Segundo a Funai, alm da Sawr Muybu, existem outras cinco terras indgenas ocupadas pelos Munduruku na rea de influncia direta da usina de So Luiz do Tapajs. Esse fato chegou a ser comunicado diretora de licenciamento ambiental do Ibama por meio de um ofcio que

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    Tapajs.

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    data de 17 de fevereiro de 2012. No documento, a Funai informava inclusive que, das seis terras indgenas, duas se encontravam em processo de demarcao.

    Exatamente uma semana aps o envio desse ofcio, o Ibama autorizou a Eletrobras a abrir picadas na mata e a coletar material da floresta para a realizao do estudo impacto ambiental, inclusive na rea da Sawr Muybu. E foi a que comearam os conflitos. Mais de cem pesquisa-dores esto circulando pelo Tapajs, sem levar esclarecimento s populaes locais. natural essa reao de resistncia, afirma Juliana Arajo, chefe do servio de monitoramento territorial do escritrio da Funai em Itaituba, que mantm contato direto com a aldeia Sawr Muybu. A Eletrobras e o Ibama tinham conhecimento do ofcio da Funai, sabiam que havia terras indge-nas na rea de influncia da hidreltrica de So Luiz do Tapajs, mas mesmo assim passaram por cima dessa informao, acusa o procurador Fernando Antnio Oliveira Jnior, do MPF.

    Ele faz questo de ressaltar que a consulta prvia aos ndios no se resume a mero aviso: preciso explicar de forma clara e acessvel, de modo que os indgenas compreendam plenamen-te as caractersticas do projeto. A Conveno n 169 da OIT ainda mais cuidadosa e protetiva do que a Constituio de 1988. Ela diz que a consulta prvia tem que ser realizada antes de qual-quer tipo de autorizao. um dos primeiros passos para a construo do empreendimento, acrescenta o procurador.

    O tratamento dispensado s comunidades indgenas no caso da usina de So Luiz do Tapajs sintomtico do que est por vir. O governo federal vem montando um trator jurdico para viabilizar no s o complexo hidreltrico do Tapajs, mas outros grandes empreendimentos na Amaznia.

    Em julho de 2012, a Advocacia-Geral da Unio publicou a Portaria 303. Na prtica, alm de dificultar a ampliao das terras indgenas no pas, a medida abre brechas para que o governo e a iniciativa privada construam hidreltricas, rodovias e outros grandes projetos independen-temente de consulta s comunidades indgenas. A portaria despertou crticas ferozes por par-te dos movimentos sociais e j teve sua constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo MPF. A indiferena com os indgenas atingidos pelas usinas do Tapajs apenas a ponta do iceberg.

    Quase 30 anos depois que os militares deixaram a poltica, a retrica do governo mu-dou, com muito mais nfase na participao e muito menos represso direta. Mas, exatamente como os militares decidiram construir a rodovia Transamaznica, nos anos 1970, mudanas ca-taclsmicas esto sendo impostas s populaes locais, com pequeno esforo para consult-las ou at mesmo para explicar de modo apropriado o que est acontecendo. Resta apenas a luta pela sobrevivncia.

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    impossvel no prestar muita ateno nas palavras que saem pausadamente da boca de Maria Bibiana da Silva, apelidada de Gabriela em homenagem ao pai, Jos Gabriel. Morrer na lama, debaixo dgua, que triste, n? Mas, achando um lugar onde a gente escape para morrer sossegado, quem me acompanha Deus e meus fi-lhos, diz. Em outubro de 2012, do alto de seus 104 anos comprovados pelo rosto profundamente enrugado e pelas pernas arqueadas em forma de alicate , a proftica anci respondia de bate-pronto quando questionada sobre o que o rio Tapajs repre-sentava para ela: O sossego.

    No longnquo ano de 1917, Gabriela partiu do Cear rumo aos seringais do Acre. No meio do caminho, porm, a famlia resolveu fincar razes em Pimental, uma vila de pescadores erguida na beira das guas esverdeadas do Tapajs, numa rea que hoje pertence ao municpio de Trairo, no oeste do Par. E de l jamais saiu. Desde aquela remota poca, os dias no modesto povoado onde atualmente vivem cerca de 800 pes-soas nunca foram to agitados.

    Nas comunidades a serem afetadas pelas usinas no rio Tapajs, entre angstia e anseios, a desinformao impera, enquanto avanam os planos para as obras

    A discrdia do desenvolvimento

    por CArlos JuliAno BArrosfoto FErnAnDA liGABuE

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    Pimental tem uma inegvel atmosfera de Macondo, a mtica aldeia ribeirinha que Gabriel Garca Mrquez construiu na sua obra-prima Cem Anos de Solido. Mas, nesse isolado trecho do Par, a discrdia no provocada pela chegada de uma companhia bananeira, como no livro do premiado escritor colombiano, e sim pela construo da hidreltrica de So Luiz do Tapajs, que pode mandar Pimental inteira para baixo da gua. Por mim, no tenho gosto que essa bar-ragem saia, mas uma andorinha s no faz vero, alerta Gabriela, a matriarca da comunidade.

    Fundada h cerca de 120 anos, Pimental a maior das vilas ribeirinhas que sero alagadas pelas guas represadas da usina de So Luiz do Tapajs. Alm dos roados, a maior parte das pessoas vive mesmo da pesca artesanal. Nosso freezer bem a, afirma Jos Odair Pereira Matos, o C.A.K., presidente da associao comunitria, apontando o dedo para o Tapajs. o rio que mantm o nosso peixe fresco.

    Alm dos Munduruku, Pimental representa uma das principais frentes de resistncia ao paredo de 3.483 metros de comprimento por 39 metros de altura da barragem, que vai alagar uma rea de mais de 60 mil campos de futebol. Porm, medida que avanam os estudos de via-bilidade para construo da usina, cresce tambm a ciso entre os moradores.

    Tem uns que so a favor da usina. Principalmente aqueles que conseguem empreguinhos de vigia de mquina, de carregador de barra de ferro, de mateiro para abrir picada na floresta nas empresas que fazem os estudos. Mas a eu pergunto: e quando essas empresas forem embo-ra?, questiona Edmlson Azevedo, catequista da Igreja Catlica.

    Quem est trabalhando hoje no se d conta de que isso temporrio. As empresas criam a expectativa de que as pessoas vo se empregar, mas uma iluso, analisa Raione Lima, agente da Comisso Pastoral da Terra (CPT). Infelizmente, estamos vivendo um momento intenso de conflitos na comunidade, de ribeirinhos contra ribeirinhos.

    FALTA de dILogoNo de hoje que o povo de Pimental ouve falar da barragem que pode inundar a vila por com-pleto. Aqui j chegou americano, japons, alemo. No campo de futebol em frente igreja j sentaram dois helicpteros, conta C.A.K., o presidente da associao comunitria. Tcnicos a mando da Eletrobras e da sua subsidiria Eletronorte rondam a vila h quase uma dcada. De trs anos para c, o movimento se intensificou. Quando a gente perguntava o que ia acontecer, para onde a gente ia, eles nunca respondiam, diziam que no era com eles. Eles queriam fazer primeiro as pesquisas e depois dizer o que ia acontecer com a gente. At que um dia a gente fa-lou: primeiro vocs falam o que vai acontecer com a gente, quais so os nossos direitos, e depois vocs fazem pesquisa, conta C.A.K.

    O momento mais tenso se deu em 2010. Naquele ano, uma firma de topografia entrou na comunidade sem nenhum tipo de contato prvio e instalou marcos de concreto no meio da rua, sem fornecer explicaes. Indignados, os moradores de Pimental expulsaram os tcnicos responsveis pelo servio, destruram as instalaes e passaram a controlar a entrada de pessoas estranhas.

    A Eletrobras, porm, precisava entrar de qualquer maneira na vila para fazer os estudos de viabilidade da usina. A fim de tentar uma reaproximao, a estatal contratou, ento, um grupo batizado de Dilogo Tapajs para cadastrar e prestar esclarecimentos aos moradores dos po-voados ribeirinhos que sero diretamente impactados no s pela usina de So Luiz do Tapajs, mas tambm pela hidreltrica de Jatob.

    Num domingo escaldante de outubro de 2012, a reportagem da Pblica encontrou quatro profissionais do Dilogo Tapajs em um restaurante caseiro de Pimental. Na ocasio, o coorde-nador do grupo se mostrou disposto a conceder uma entrevista e deixou um encarte distribudo

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    Tapajs.

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    populao local com um nmero de celular e o e-mail [email protected]. Toda vez que uma mensagem era enviada para esse correio eletrnico, voltava de forma automtica um aviso de falha permanente. Em outras palavras, o endereo de e-mail no existia ou en-frentava algum problema tcnico.

    Passado o encontro em Pimental, a reportagem da Pblica ligou em diversas oportunida-des para o representante do Dilogo Tapajs. Em algumas vezes, no obteve resposta. Em outras, ouviu a confirmao de que a entrevista estava de p, mas que ela deveria ser em outro momento. Apesar da insistncia, a conversa no foi realizada. O Dilogo Tapajs entrou na comunidade num momento errado e tardio. As informaes tinham que ter chegado antes da entrada das empresas para fazer as pesquisas, afirma Raione. Mas s a partir do momento em que se criou a resistncia que chegou o Dilogo, acrescenta a agente da CPT.

    O procurador do Ministrio Pblico Federal (MPF) do Par Felcio Pontes revela preocu-pao com a possibilidade de a aproximao do Dilogo Tapajs ser usada indevidamente, como uma forma de consulta prvia s comunidades afetadas pela hidreltrica. O problema utilizar esse tipo de levantamento como uma espcie de concordncia dos grupos indgenas e das de-mais populaes tradicionais com o empreendimento, alerta.

    O precedente foi aberto em Belo Monte, conta o procurador. Entraram nas aldeias ind-genas para fazer a comunicao do que seria a usina e como ela afetaria essas populaes, ex-plica. Quando chegou no processo judicial, isso foi apresentado como se fosse a consulta com os povos indgenas e que essa etapa estaria cumprida. E a foi a hora em que interviemos e dissemos que no era consulta, porque no havia nem mesmo a opinio dos ndios nas atas das reunies.

    Para ganharem tempo, as empre-sas que fazem os servios de sondagem e perfurao para os estudos de viabilidade da barragem se instalaram nos povoados vizinhos a Pimental, onde a aceitao hidreltrica j bem maior. Em um deles, chamado So Luiz, nasceu o deputado fe-deral Dudimar Paxiba (PSDB-PA).

    Apesar de pertencer ao principal partido de oposio ao governo fede-ral, o parlamentar defende um discurso pragmtico e rejeita o radicalismo con-tra a obra. A princpio, eu gostaria que a hidreltrica no viesse. Mas tenho que pensar de forma racional. Vai prevalecer a vontade do governo, que no vai abrir mo desse projeto, discursa o deputado, encontrado pela reportagem em visita a Pimental.

    Nos ltimos meses, o parlamentar virou figurinha fcil na beira do Tapajs, participando de reunies nas comunida-des para falar justamente das hidreltri-cas. Na avaliao dos movimentos sociais, a interveno direta de Paxiba vem amainando a resistncia dos moradores

    A matriarca da vila Pimental, Maria Bibiana da Silva,

    conhecida como Gabriela, contra a construo da

    usina de So Luiz do Tapajs. Para ela, o rio Tapajs

    representa o sossego

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    de So Luiz, que tm f no ilustre filho da comunidade como mediador do conflito. No somos ns que vamos ter o poder de paralisar esse projeto. Se ficar no radicalismo, no teremos sequer como cobrar do governo uma contrapartida, explica o deputado.

    dIvergNCIAs LoCAIsEm Pimental, no h como negar que a recusa hidreltrica est longe de ser unanimidade. E o clima esquenta a cada dia que passa. Em outubro de 2012, o bate-boca entre os que apoiam e os que se opem usina de So Luiz do Tapajs rendeu at ameaas de morte, registradas em um boletim de ocorrncia, contra o presidente da associao de moradores e um padre da CPT que participa do movimento que resiste barragem.

    Os defensores da usina se apegam basicamente a trs argumentos. O primeiro resumido na declarao de ngela Maria Batista, nascida e criada em Pimental: melhor a gente se unir com os grandes do que se juntar com os pequenos para perder. Desempregada, me de trs filhos e viva, sem nem ter completado 30 anos ela engatou um namoro recentemente com um tcnico de uma empresa que presta servios para a Eletrobras. E espera que o novo companhei-ro a leve embora de Pimental.

    O segundo argumento tem a ver com o inevitvel porm temporrio incremento da economia informal trazido pelos funcionrios das firmas que circulam pela vila de pescadores. Algumas famlias reforam o oramento lavando uniformes ou fazendo marmitas. Aquelas com a sorte de ter um de seus integrantes trabalhando nas empresas defendem com unhas e dentes o dinheiro certo no fim do ms. E por isso preferem no levantar a voz contra a barragem.

    Como no tinham muito apoio, as firmas contrataram algumas pessoas para trabalhar. uma estratgia para dividir a comunidade, rebate C.A.K. Sem dvida, o plano de semear a discrdia tem dado re-sultado. O que tem de emprego em Pimen-tal na escola e no posto de sade. A gente pede a Deus para entrar uma firma aqui porque a situao feia, afirma ngela.

    O terceiro e ltimo motivo de quem defende a construo da hidreltrica de So Luiz do Tapajs diz respeito poss-vel indenizao que a populao afetada receber. No tenho esse apego todo comunidade. Se me pagarem um valor ba-cana, eu saio. At gostaria de ir para a rua, afirma Elba Sales, merendeira da escola de Pimental, referindo-se cidade prxima de Itaituba.

    Quando indagada sobre se j parou para pensar no valor considerado justo para a indenizao, Elba subitamente emu-dece. Rompido o silncio, admite com um sorriso amarelo que ainda no refletiu so-bre o assunto. Elba ento conta que pagou R$ 5 mil na casa onde mora em Pimental.

    Pr do sol na vila ribeirinha de Pimental, fundada

    h mais de um sculo. O local ser alagado pelo

    reservatrio da usina hidreltrica de So Luiz do

    Tapajs, se o projeto for levado adiante

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    Tapajs.

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    Se lhe dessem R$ 5 mil, a senhora sairia daqui?, pergunta o jornalista. No, da minha casa, no. Porque j apareceu quem queira comprar de volta e nem por R$ 10 mil eu no dou.

    o que AguArdA ITAITuBASe quisesse morar perto da orla do rio Tapajs, na parte mais agradvel da cidade de Itaituba, a merendeira da escola de Pimental teria de desembolsar pelo menos R$ 1.800 de aluguel mensal num bom imvel de trs quartos. At 2010, o custo seria praticamente a metade disso. Se pre-ferisse realizar o sonho da casa prpria, comprando um terreno de 250 metros quadrados no loteamento Novo Paraso II, localizado a 38 quarteires de distncia da avenida beira-rio, teria de desembolsar R$ 16 mil. A ttulo de comparao, as vendas do primeiro loteamento chamado Novo Paraso foram encerradas em 2010. Cada terreno foi negociado a R$ 3 mil.

    Apesar de as obras da hidreltrica nem sequer terem sido licitadas, o mercado imobilirio em Itaituba est explodindo. Abri a minha corretora em 2010. Um ano e meio depois, j abriram mais trs. E vo ser criadas outras porque o pessoal est indo para fora estudar e fazer o curso de corretagem, analisa a empresria Ana Maria Gomes do Nascimento.

    Ela no tem dvidas de que a escalada de preos est apenas comeando. Vai aumentar mais, vai ficar como Altamira, vai ficar aquele aglomerado mesmo e, daqui a pouquinho, qual-quer quitinete est saindo a R$ 1 mil, avalia Ana Maria, comparando o futuro de Itaituba ao de Altamira, municpio que abriga a hidreltrica de Belo Monte e que inchou da noite para o dia com as obras do maior empreendimento em curso no pas.

    Mas no apenas o mercado de imveis residenciais que se encontra em ponto de ebu-lio. J antecipando o boom de demanda que se desenha com a construo das hidreltricas, o grupo paranaense Gazin, que vende mveis e eletrodomsticos, inaugurou uma grande loja no centro da cidade. Representantes de empresas como a Sotreq, revendedora de tratores e mqui-nas pesadas da norte-americana Caterpillar, tambm j viajaram a Itaituba procura de terrenos com ao menos 30 mil metros quadrados para futuras instalaes. Os locais mais cobiados ficam na BR-230, a rodovia Transamaznica, que corta o municpio.

    Hoje, Itaituba conta com uma populao de 97 mil habitantes. Segundo projees do in-ventrio da Eletronorte, apenas a hidreltrica de So Luiz do Tapajs deve atrair mais de 42 mil pessoas procura de trabalho para a regio, que tem o municpio como polo. Contando-se todas as usinas previstas no complexo Tapajs, a estimativa sobe para 130 mil. Levando-se em conta outras obras de grande porte previstas para o futuro prximo em Itaituba, como a construo de portos fluviais para escoamento de gros vindos, sobretudo, do Mato Grosso, a perspectiva de que a populao dobre at 2017 no nada exagerada.

    Itaituba no est preparada para atender nem as pessoas que j vivem aqui, admite a prefeita Eliene Nunes, eleita em 2012. No preciso ser especialista em urbanismo para detectar a calamidade pblica em que a cidade j se encontra. Em um rpido passeio pelos bairros da periferia, fcil cruzar com fossas de esgoto a cu aberto que, em poca de chuva, alagam ruas e casas, causando todo tipo de doena. A rede de eletricidade que abastece as residncias tambm precria. Ns no gostaramos que Itaituba ficasse como Altamira, afirma Eliene.

    Em entrevistas e pronunciamentos oficiais, os representantes da Eletrobras tm aventa-do a possibilidade de construir a usina de So Luiz do Tapajs em um sistema de plataforma, como as utilizadas pela Petrobras na extrao de petrleo em alto-mar. Seria uma alternativa para diminuir o inchamento da cidade, devido chegada de um grande contingente de trabalha-dores. Trata-se de um conceito ainda em construo, explica nota emitida pela assessoria de imprensa da Eletrobras, em resposta a questionamentos feitos pela Pblica.

    As usinas-plataforma sero um vetor de conservao ambiental, pois se pretende que as

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    Tapajs.

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    intervenes em ambientes florestais sejam as menores possveis e, quando for necessria a in-terveno, a premissa que esses ambientes sejam recompostos (reflorestamento). Tambm no haver a construo de vilas de operrios no entorno da usina como foi feito nos empreendimen-tos hidreltricos do resto do pas, prossegue a nota.

    A assessoria de imprensa da Agncia Nacional de Energia Eltrica (Aneel), que fiscaliza a atividade das hidreltricas no pas, tambm defende a iniciativa. Essas plataformas represen-tam um boa alternativa, pois seriam instalaes provisrias durante a obra e, na fase de funciona-mento, haveria acesso apenas para os operacionais, no havendo a criao das tradicionais vilas de operrios e, assim, evitando a criao dos ncleos populacionais que impactam as regies, sustenta a nota da assessoria de comunicao.

    Especialistas ouvidos pela Pblica duvidam do sucesso dessas plataformas para mitigar os impactos. Estamos falando de 20 mil pessoas. No de 20 ou 30 trabalhadores. Inicialmente, quando lanaram a ideia de usina-plataforma, disseram at que os operrios seriam transporta-dos por helicptero, o que um absurdo. pirotecnia pura, jogar uma srie de coisas para a sociedade engolir, critica Wilson Cabral, professor e pesquisador do Instituto Tecnolgico de Aeronutica (ITA).

    Para o engenheiro Arsnio Oswaldo Sev Filho, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por trs da suposta sustentabilidade apregoada pelo conceito de usina-

    -plataforma camufla-se um objetivo perverso: a militarizao dos canteiros de obras. Isso j aconteceu nas hidreltricas do Madeira. Eles cercaram as reas com milcias privadas das em-preiteiras. Em Belo Monte, j esto colocando o exrcito na rea, alm da Fora Nacional, que chegou l em 2009 para as audincias pblicas e nunca mais saiu, explica.

    uM rIo de ouroNo caso especfico do Tapajs, alm de intensificar o controle sobre os trabalhadores a fim de debelar possveis greves e manifestaes, a militarizao se justifica por outro motivo bastante convincente: a enorme presena de ouro no entorno de Itaituba, tomado por mais de 2 mil ga-rimpos clandestinos. O planejamento de construir diversas hidreltricas numa regio onde todo mundo est atrs de ouro no pode ser analisado como se a atividade-fim fosse apenas a pro-duo de energia eltrica, sugere Sev. Para o professor, inevitvel que, ao revolver o solo do Tapajs para fazer as fundaes das hidreltricas, as empresas considerem tambm a viabilidade de extrair o mais valioso dos metais.

    Para chegar at as chamadas currutelas, povoados que funcionam como uma espcie de quartel-general para os quase 50 mil homens decididos a desafiar a floresta, s fretando um pequeno avio ou encarando dias no lombo de uma lancha, a partir de Itaituba. Cerca de 98% dos garimpos da regio so irregulares, assegura Oldair Lamarque, engenheiro que chefia o escritrio do Departamento Nacional de Produo Mineral (DNPM) em Itaituba. Para fazer o licenciamento ambiental de uma pequena lavra, do tamanho de at 50 campos de futebol, pre-ciso viajar at a capital Belm, pagar cerca de R$ 16 mil em taxas e ainda arcar com os custos de transporte dos tcnicos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Par.

    Sem nenhum tipo de fiscalizao, os garimpos so um dos principais vetores de degra-dao ambiental na bacia do Tapajs. E os problemas no se resumem contaminao da gua pela utilizao de substncias txicas para depurar o ouro, como o mercrio e mais recente-mente o cianeto. Novas tcnicas tm aumentado a produtividade e potencializado os impactos sobre a floresta. A utilizao de retroescavadeiras chamadas de PCs, usadas para revolver o solo procura do ouro, uma delas. O servio que antes demorava quase um ms para ser feito hoje realizado em apenas dez dias. Para desarticular garimpos grandes, como os que existem em

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    Itaituba, preciso montar praticamente uma operao de guerra, afirma Nilton Rascon, analis-ta ambiental do ICMBio.

    Se o Tapajs uma das maiores provncias aurferas do mundo, por que ainda no h mineradoras na regio? A resposta se divide, basicamente, em duas explicaes. A primeira geolgica. Aqui no existem depsitos grandes, como ocorre em Gois ou em Minas Gerais. Os depsitos so pequenos e espalhados. Isso favorece o garimpo manual, e no as grandes minera-doras, explica Lamarque, do DNPM. A segunda explicao de ordem estritamente econmica.

    A falta de estradas e de fontes de energia inviabiliza grandes projetos de minerao de ouro, completa.

    Mas a construo das hidreltricas e o asfaltamento da BR-163 j esto despertando a sanha das mineradoras. Por enquanto, o ouro do Tapajs ainda no entrou na mira das compa-nhias consideradas majors as maiores do mundo. Mas pelo menos cinco empresas identifica-das como juniors, como so chamadas as de mdio porte, j esto em fase de pesquisa. O projeto mais adiantado o Tocantinzinho, em Itaituba, que j est em fase de licenciamento ambiental e deve entrar em funcionamento at 2016. O empreendimento de uma subsidiria da Eldorado Gold, do Canad, que j opera uma mina no Amap.

    No apenas o ouro que chama ateno no Tapajs. A gigante Anglo American, uma das dez maiores mineradoras do mundo, com lucro lquido da ordem de US$ 6,17 bilhes em 2011, est levantando o potencial de uma jazida de cobre na Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim

    a segunda maior do pas, com uma rea de 1,3 milho de hectares, quase dez vezes superior da cidade de So Paulo. Mas importante ressalvar que, geologicamente falando, o cobre muitas vezes aparece associado ao ouro. Em ou-tras palavras, a mineradora deve mapear todo o potencial da rea.

    O permetro de pesquisa reque-rido pela companhia inglesa ao DNPM, no segundo semestre de 2011, abrange mais da metade da floresta. Em tese, isso no ilegal: a legislao ambiental per-mite a minerao em uma reserva desse tipo desde que licenciada e adequada ao plano de manejo. Porm, sem nenhum tipo de autorizao, a Anglo American j vem utilizando mquinas de sondagem na rea, pelo menos desde julho de 2012. A denncia feita pelo prprio chefe da Flona do Jamanxim, Haroldo Marques.

    Esse pedido para realizao de sondagem na rea tem que ser formalizado. Eu sou o responsvel pelo parecer que autoriza pesquisas e perfuraes, mas at ago-ra no chegou nada at mim, explica o servidor do ICMBio. Eu vi funcionrios em caminhonetes com logotipo da Anglo American, usando uniformes, sem qual-quer preocupao em esconder o nome da empresa.

    Na periferia de Itaituba, comum encontrar fossas

    de esgoto a cu aberto e uma rede eltrica precria.

    Quando chove, a gua contaminada invade as casas

    e provoca uma srie de doenas

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    Tapajs.

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    O chefe da Flona do Jamanxim fica lotado no escritrio do ICMBio de Itaituba e precisa de autorizao dos superiores de Braslia para ir a campo e fiscalizar o cumprimento da legisla-o ambiental. Eu estava na fiscalizao combatendo o desmatamento, pedi a renovao de di-rias, mas ela no foi concedida, explica Marques. Fui tirado da fiscalizao e parei os trabalhos que estava fazendo por l. Muito esquisito, n?

    Questionada pela Pblica, a assessoria de imprensa da Anglo American emitiu nota em que confirma que a empresa requereu reas junto ao DNPM e diz que aguarda a publicao dos respectivos alvars de pesquisa, para, s ento, solicitar a autorizao do ICMBio, rgo ges-tor das unidades de conservao no pas, e seu respectivo enquadramento no plano de manejo [da Flona do Jamanxim]. A empresa nega, porm, que esteja fazendo trabalhos de sondagem. A equipe de campo promoveu no perodo unicamente contatos com superficirios, visando futura celebrao de termos de acordo, conforme previsto no Cdigo de Minerao, finaliza a nota.

    Os superficirios citados na nota da Anglo American so pessoas que reivindicam a propriedade de terras dentro da Flona do Jamanxim. Quando foi criada, em 2006, a unidade de conservao que leva o nome desse afluente do Tapajs j estava ocupada por diversas fazendas. A pecuria, o garimpo e a e